Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

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Custo de usina é alto demais Belo Monte custará cerca de R$ 19 bilhões, o deslocamento de mais de 20 mil pessoas, o alagamento de uma área de 668 km2, um enorme desmatamento e o ressecamento de um grande trecho do rio Xingu, alertam ativistas. > 4 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)

Novembro de 2010 Tiragem: 3 mil exemplares

Dizemos não à destruição da Amazônia! RESISTÊNCIA > Essa é a mensagem que movimentos sociais, Ministério Público Federal gritaram bem alto durante o Encontro das ONGs, pesquisadores(as), pastorais sociais e integrantes do Quatro Bacias Hidrográficas e o 5° Fórum Social Pan-Amazônico.

400 indígenas prontos para a luta

Carta de encontro traça rumos da resistência

Cerca de 400 indígenas deram exemplo de organização: eles participaram, em agosto, do Acampamento Terra Livre (ATL) Regional Amazônia propondo uma articulação de luta contra a usina de Belo Monte com pequenos(as) agricultores(as) e movimentos sociais. > 5

Ministério Público vê irregularidades Desde 2001, o procurador Felício Pontes Jr., do Ministério Público Federal, vem demonstrando no Judiciário as irregularidades cometidas pelas empresas responsáveis por grandes projetos de infraestrutura, como a hidrelétrica de Belo Monte. > 2

CARTA DE SANTARÉM > Documento organiza luta contra grande capital na Pan-Amazônia. > 6

Usina é “delírio de destruição”

Discurso oficial é posto em xeque

A professora da UFPA Sônia Magalhães diz que a instalação da Hidrelétrica de Belo Monte é “um delírio de destruição”. >3

Brent Millikan, da International Rivers, e Matheus Otterloo, da FASE, desmistificam discurso de que hidrelétrica produz “energia limpa”. > 7


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Usina é terremoto

IMPACTO DE BELO MONTE SÓ PODE SER COMPARADO AOS CAUSADOS POR DESASTRES NATURAIS, DIZ PROCURADOR

D

esde 1997, os procuradores do Ministério Público Federal vêm acompanhando as várias questões sociais, ambientais e patrimoniais relativas ao projeto da Hidrelétrica de Belo Monte. Um estudo intenso que levou o MPF a ajuizar uma ação civil pública na Justiça Federal de Altamira, pedindo a anulação da licença prévia da hidrelétrica, concedida pelo IBAMA. Na ação, os procuradores apontam afronta à Constituição, às leis ambientais e às resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente entre os oito problemas encontrados no licenciamento. A Justiça já recebeu nove ações civis públicas sobre ilegalidades de Belo Monte. Responsável por apontar várias irregularidades na condução do empreendimento, o procurador da República Felício Pontes Jr. vem, desde 2001, demonstrando no Judiciário as irregularidades cometidas pelas empresas responsáveis pelo projeto. Aqui, ele destaca o erro crucial do Plano Nacional de Energia 2010-2019, onde está inserido a hidrelétrica. ”Apesar de ter um avanço em relação ao anterior – uma vez que retiraram as termoelétricas previstas – o Plano continua extremamente nocivo para a Amazônia. A grande questão é que a maior matriz ainda seja hídrica, ainda venha da água, portanto ainda venha das hidrelétricas da Amazônia”, afirma. O procurador lembra da diversidade ambiental da região como alternativa para a produção de energia. “Nossa matriz pode ser a mais diversificada possível porque temos o sol, o vento, temos a biomassa de diversas espécies. Uma série de componentes que poderiam compor a matriz energética brasileira, mas infelizmente, continuam insistindo que a matriz seja hídrica. Isso não é possível o impacto ambiental tem sido desastroso só pode ser comparado a eventos da natureza como terremotos, de tamanho o impacto ambiental e social

REALIZAÇÃO

APOIO

FASE: Rua Bernal do Couto, 1329. Umarizal. CEP 66.055-080. Telefone: (91) 4005-3773. Fax: (91) 4005-3750. E-mail: amazonia@fase-pa.org.br. Site: www.fase.org.br.

n Felício Pontes Jr. alerta para o enorme impacto que obra pode causar que ele causa”, compara. Segundo ele, estudos comprovam que pode haver crescimento da oferta de energia no País sem a construção de novas hidrelétricas, como vem ocorrendo em países da Europa e nos Estados Unidos. “Essas novas fontes de energia não foram incorporadas no Brasil como deveriam ser. Só pra se ter uma ideia, em 2010, os EUA atingiram de oferta de sua energia 10% de fonte solar e eólica. E nós temos dentro de nossa matriz energética temos apenas 0, 5% vindo da fonte solar e eólica. É preciso mudar isso”, alerta o procurador. O procurador também fala sobre a decisão do governo brasileiro em relação à instalação de grandes empreendimentos na região vorazes consumidores de energia. “É preciso decidir que sejamos exportadores de energia através das fábricas de alumínios de ferro gusa ou vamos deixar como fez o Japão e outros países da Europa, que esse tipo de fabrica, que por precisar de muita energia, que ele seja feito em outros lugares e não pelo País”, esclarece. Então há a necessidade de se pensar numa outro modelo de

desenvolvimento. Exemplos na própria Amazônia existem. “Aquilo que poderia ser replicado para o resto da Amazônia. Juntando ao mesmo tempo desenvolvimento econômico e preservação ambiental, como a produção de óleos vegetais que hoje estimula a indústria de cosméticos e a farmacêutica”, completa. “São exemplos de que não precisamos mais de novas ofertas de energia”. Quanto ao discurso de que a energia produzida pelas hidrelétricas é limpa, Felício Pontes lembra os impactos causados pelo barramento do Tocantins para a construção da hidrelétrica de Tucuruí. “Depois do barramento do Tocantins tivemos a perda de 32 espécies de peixe. Um impacto grande não só ambiental, mas econômico para as populações locais que não puderam mais tirar seu sustento daquele local. Isso precisa ser mudado. Todas as formas de geração energia são impactantes, seja qual for. Quem diz que a energia produzida pelas barragens é limpa não conhece os locais onde elas são construídas”, afirma.

Só má-fé explica obra que beneficiará construtoras Uma realidade que se choca com outro discurso produzido pelo governo federal: de que a produção de energia é sustentável. “O País precisa crescer de forma sustentável precisa diversificar sua matriz energética. Nós temos campo para isso. Só em 2010, temos 120 mil megawatts de potência instalada no Brasil. E nós já sabemos que do ponto de vista da energia eólica temos capacidade para gerar 140 mil megawatts de energia, ou seja, num exemplo grosso, que se toda nossa energia fos-

se eólica poderíamos fazer isso. Sem falar na solar. A única coisa que justifica o governo federal a incentivar a construção das hidrelétricas é má-fé que vai beneficiar os donos das empresas que constroem essas barragens”, denuncia. Felício Pontes Jr. também chama a atenção para um dado pouco apresentado quando se fala da necessidade de se construir novas hidrelétricas no País para suprir a demanda de energia: a eficiência energética. A grande perda de energia que ocorrem tanto nas li-

nhas de transmissão quanto e na potenciação das usinas, algumas construídas há 30 anos. “Há novos equipamentos que podem ser trocados novas turbinas com tecnologia mais eficiente que nos dariam, segundo alguns estudos, de 15 a 20% mais energia sem a necessidade se construir nenhuma outra barragem. De outro lado, as perdas nas linhas de transmissão são imensas. Da ordem de 15 a 20% quando o normal é de 3 a 5%. Então a troca de linhas poderia nos dar mais 10% de energia”, explica.


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Projeto contém várias ilegalidades

PARA ESPECIALISTA, CONSTRUÇÃO DA USINA DE BELO MONTE, NO XINGU, É UM “DELÍRIO DE DESTRUIÇÃO”. ATÉ O IBAMA QUESTIoNOU O PROJETO, QUE É CARREGADO DE IRREGULARIDADES

“U

m delírio de destruição”. É assim que a professora da Universidade Federal do Pará Sônia Magalhães define a instalação da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. “Lá existem vida, pessoas e culturas e uma enorme biodiversidade que é um patrimônio nosso e do mundo. A perda disso é inestimável”, diz. Sônia coordenou um painel de especialistas para analisar o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (Rima) e o Estudo de Impactos Ambientais (EIA) da Usina de Belo Monte. “Já identificamos de cara uma questão ilegal: são áreas protegidas, reservas indígenas e vem de encontro a tudo o que a sociedade lutou nos últimos anos: as Flonas (Florestas Nacionais), as Resex (Reservas Extrativistas) são resultado de uma luta da sociedade e a hidrelétrica vem destruir isso”. O volume intitulado “Painel de Especialistas: Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte” é um conjunto de pareceres assinados por 28 pesquisadores(as), de um grupo de apoio de 42 pesquisadores (as)

de várias universidades brasileiras e algumas do exterior. Estes pareceres foram protocolados no dia 1 de outubro de 2009 no escritório do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em Belém, e também junto ao Ministério Público Federal em Altamira. Entre os temas analisados estão a viabilidade econômica do projeto, os impactos da construção do projeto numa área cobrindo mais de 1.000 km²; os impactos sobre as populações indígenas; o caos social que seria causado pela migração de milhares de pessoas para a região e pelo deslocamento forçado de mais de 20.000 pessoas; os impactos sobre peixes e fauna aquática em geral; a possibilidade de extinção de espécies; emissões de grandes quantidades de gases de efeito estufa; insegurança hídrica e alimentar, etc. Uma das principais conclusões é de que o estudo realizado não contemplou todos os aspectos de um EIA/Rima, e que por isso mesmo foi questionado pelo IBAMA, órgão responsável em autorizar a construção de empreendimento

na região. “Inexiste modelo sobre isso. Migração, emprego, desemprego, saúde... não tem nenhum estudo sobre isso”, denuncia a pesquisadora. Pesquisadores(as) diagnosticaram um verdadeiro desastre econômico, social e ambiental caso a construção da usina seja iniciada, pois o atual projeto e a condução de sua licença estão em desacordo com as recomendações mundiais feitas pelos Princípios do Equador, pela Comissão Mundial de Barragens (CMB) e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Com relação às áreas alagadas, chegam a afirmar que a maioria da população é de aposentados. Não tem critério estatístico, não tem metodologia clara, não são estudos. Na verdade, são levantamentos sem análise, sem nenhuma regra sobre o que é um estudo sociológico”, revela. Isso deixa claro que não há um numero certo de famílias que serão atingidas, ao contrário dos 20 mil declarados pelo estudo. “Nossa estimava é que deva chegar a 50 mil pessoas na área alagada”. As condições de saúde, as enfermidades virais, também não são

levadas em consideração. “Os estudos não foram levados a sério nem por eles mesmos. Tentaram burlar a realização desses estudos que foram feitos pra cumprir uma formalidade legal e teriam sido aceitos como formalidade se os movimentos sociais não tivessem chamado a atenção e criado esse movimento inteiro”, completa Sônia. “E tanto não tem importância que a área alagada num e noutro estudo é aumentada em 29%. Isso modifica tudo. Se eles já eram ruins, agora, com este aumento, são inúteis”, explica. Hidrelétrica platafórmica A construção de hidrelétricas platafórmicas anunciada pelo presidente Lula é considerada ainda, para a professora, como uma propaganda enganosa. Inspirada nas plataformas de petróleo localizadas em alto-mar, a ideia é que após a construção das usinas toda a área desmatada seja reflorestada, fazendo dos reservatórios uma espécie de ilha ao avesso - uma porção de água cercada de floresta por todos os lados. “Não se tem nada consistente sobre isso. A estória é para tirar a

n Sônia Magalhães, da UFPA: No Xingu “existe vida, pessoas e culturas” atenção do problema mais importante, que são as áreas inundadas que subtraem território, subtraem riquezas, vidas - uma porção do território a que somos obrigados a abrir mão. É mais uma propaganda enganosa”, denuncia.

Construções alteram a vida dos povos da floresta

A

construção das usinas hidrelétricas de Belo Monte, no Pará, e de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, alteraram a rotina dos moradores(as) e já causaram impactos ao meio ambiente. Movimentos sociais e organizações não governamentais (ONGs) comprovaram que as construções provocaram aumento populacional e da criminalidade, especulação imobiliária e mudança do estilo de vida dos ribeirinhos(as), agricultores(as) e comunidades indígenas. Iremar Ferreira, membro do Instituto Madeira Vivo, explica que os impactos em Rondônia, por conta da construção da usina de Jirau, afetaram os ribeirinhos e moradores da periferia do rio Madeira. Com o início das obras, mais de 70 toneladas de peixes morreram e os moradores que dependiam da agricultura familiar perderam as plantações de melancia, melão e cheiro verde na várzea. Iremar revela ainda que os moradores são proibi-

dos de trabalhar nas margens dos rios e, consequentemente, perderam as suas plantações. O coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Elias Paulo Dobrovolski, alerta para o crescimento populacional nas cidades, como no distrito de Jaci-Paraná, em Rondônia, onde população saltou de 2 mil para 20 mil, além da especulação imobiliária. No caso de Rondônia, os empreendimentos agravaram os problemas já existentes. Iremar identifica o aumento da exploração sexual de crianças e adolescentes e o crescimento da criminalidade. Os assassinatos aumentaram em 80% em apenas três meses. Ele cita ainda a falta da oferta de empregos e a precária infraestrutura da cidade, que não tem capacidade para atender a enorme quantidade de pessoas. A coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre e integrante do Movimento de Mulheres do

Campo e da Cidade, Antônia Melo, afirma que os moradores de baixa renda são diretamente atingidos pela construção de Belo Monte, no Pará, e vivem na incerteza de perder as suas terras. Com o anúncio das obras, milhares de pessoas migraram para a região, fazendo com que os serviços de saúde e educação não suportem a demanda. O posicionamento de movimentos sociais e ONGs contrários às hidrelétricas fez com que os povos da floresta passassem a ser perseguidos. O coordenador do MAB, Elias Paulo Dobrovolski, disse que a Força Nacional Nacional foi acionada para evitar uma possível explosão das barragens provocadas por ONGs para impedir as obras. Tudo não passava de uma armação montada pelas empreiteiras e seus aliados visando desmoralizar e criminalizar as organizações da sociedade civil que lutam contra as usinas do Madeira. Além disso, ele lembra que um

site de notícias informou a contratação de uma empresa de segurança para monitorar as organizações. Antônia Melo disse, ainda, que “os movimentos estão sendo desmoralizados diante da comunidade” pelos interessados na construção das hidrelétricas e outros grandes projetos de infraestrutura na Amazônia. Estes usam os meios de comunicação e outras formas de combater quem faz a resistência a esse projeto de morte da nossa região. Segundo Iremar Ferreira, do Instituto Madeira Viva, no caso dos moradores da bacia do Madeira, em Rondônia, a maioria dos compromissos assumidos pelas empresas não foi cumprido. “Não está dentro do esperado pela população. Há casos de famílias que saíram com a carta de crédito, mas não compensa o valor, que a médio e longo prazo não é equivalente, porque é pago em parcelas.

As famílias estão passando fome e não têm acesso aos rios e a mata”, afirma. Dobrovolski, do MAB, conta que os ribeirinhos remanejados para os assentamentos e agrovilas tiveram que mudar os seus estilos de vida: “Eles foram tirados de perto do rio e da mata. Estão em áreas distantes onde não fazem o extrativismo. Eles não vivem bem”.

O QUE É Exploração sexual de crianças e adolescentes: No Brasil, a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime previsto no artigo 244 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Quem cometer o crime está sujeito a pena de quatro a dez anos de reclusão, além de multa.


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Informação é arma de resistência PREÇO DE BELO MONTE: R$ 19 bilhões dos cofres públicos, o deslocamento de mais de 20 mil pessoas, alagamento de 668 km2, DESMATAMENTO E RESSECAMENTO DO XINGU

S

e construída, a Usina de Belo Monte pode virar a terceira maior hidrelétrica do mundo. A barragem, que vai desviar a vazão do rio Xingu - um dos afluentes mais importantes do Amazonas -, é projetada para fornecer eletricidade em parte para o setor de mineração e para produzir apenas 39% da energia média do total instalado. O preço disso? Além dos cerca de R$ 19 bilhões dos cofres públicos, o deslocamento de mais de 20 mil pessoas, o alagamento de uma área de 668 quilômetros quadrados, um enorme desmatamento ainda não dimensionado e o ressecamento do rio Xingu em um trecho de cerca de 100 km, conhecido como Volta Grande. Além disso tudo, o apodrecimento de matéria orgânica no leito da barragem vai gerar a emissão de metano, um gás 25 vezes mais agressivo do que o dióxido de carbono no processo de aquecimento global. E como as comunidades locais estão enfrentando esta iniciativa governamental? Para Jesielita Gouveia, membro da coordenação da Aliança Tapajós Vivo, a principal dificuldade é contrapor a propaganda oficial, que seduz a população com a promessa de mais empregos, recursos e políticas públicas. “Eles chegam dizendo que (a hidrelétrica) vai ser a solução para o nosso município. Justamente porque somos excluídos pelas políticas públicas, que chegam 20 anos atrasadas. Nós dizemos o contrário. E como eles têm televisão e jornal, eles têm facilidade de divulgar essa informação. E quando a gente chega

com a nossa versão fica mais difícil. Nosso espaço é pequeno, é no boca a boca,” desabafa ela. “Do outro lado vem a mídia colocando o interesse que quer, o governo coloca políticas públicas. E principalmente as autoridades do município dizendo que vai ganhar royalties e que com isso vai trazer melhoria para o município”, afirma o padre Arno Longo. “Tentamos colocar uma questão: que progresso é este? Com devastação do meio ambiente, da natureza, do mundo dos peixes, do rio?”. Coordenador da Rádio Rural de Santarém e membro da Frente de Defesa da Amazônia, o padre Edilberto Sena acredita que poucas pessoas têm coragem de se expor na luta contra os grandes interesses do governo e das empresas. “As pessoas têm medo do enfrentamento. O povo vive com um certo medo do poder da polícia, do poder econômico, do governo. Por isso, a mobilização ainda é muito pouca (...). Não vejo ainda uma grande frente de resistência”, afirma. A falta de esclarecimento e de formação política de muitas lideranças pode prejudicar a mobilização. “Para quem servem as barragens? Quem vai usar essa energia? As pessoas não estão sabendo. Falta divulgação, falta informação”, completa Nilfo Wandscheer, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Atingir um maior número de pessoas com informação correta se torna, então, uma das principais estratégias de enfrentamento e de resistência à instalação dos grandes projetos na Amazônia. A Internet,

O QUE É

Metano

Matéria orgânica:

O metano é um gás incolor, de pouca solubilidade na água e, quando adicionado ao ar, se transforma em mistura de alto teor inflamável. É o mais simples dos hidrocarbonetos.

São todos os elementos vivos e não vivos do solo que contêm compostos de carbono, ou seja, que servem para fertilizar o solo. Aliança É um pacto entre duas ou mais partes objetivando a realização de objetivos comuns.

Políticas públicas Conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, no caso brasileiro nas escalas federal, estadual e municipal, com vistas ao bem cole-

n Com Belo Monte, apodrecimento de matéria orgânica vai gerar emissão do agressivo gás metano saudada como uma das principais ferramentas de comunicação do século XXI, não é a solução aos olhos de padre Arno. “É importante, mas é (para a) minoria. Devia ter meio de comunicação, não uma rádio comunitária, mas que a gente conseguisse legalizar as rádios de Jacareacanga, de Barreira, do 30, do Trairão, de Novo Progresso e Castelo e formar uma cadeia, uma corrente de comunicação, seria maravilhoso conseguir mobilizar esse território”, sonha o sacerdote. “Temos de usar todos os instru-

mentos: o altar, a rádio, as conferências. E aí teremos mais pessoas com audácia em se expor na discussão; em ir aos grupos, porque os grupos não vêm até a gente. Eles não conseguem entender que cada projeto desses violenta nossa soberania territorial. Nos priva da gente se locomover em nosso território. Isso é uma violência tremenda e a própria população não se dá conta disso”, diz Edilberto Sena. No final do encontro, ficou fortalecida a ideia da criação de uma grande aliança entre as comunida-

tivo. Elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organizações não governamentais e, como se verifica mais recentemente, com a iniciativa privada.

dade, royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração de recursos naturais existentes em suas terras, como madeira, água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e a pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos. Na atualidade, royaltie é o termo utilizado para designar a importância paga ao detentor ou proprietário ou um território, recurso natural, produto, marca, patente de produto, pro-

Royaltie É uma palavra de origem inglesa derivada da palavra “royal”, que significa aquilo que pertence ou é relativo ao rei, monarca ou nobre, podendo ser usada também para se referir á realeza ou nobreza. Seu plural é royalties. Na antigui-

des das quatro bacias da Pan-Amazônia. “A partir da formação dessa aliança, o que fere um fere o outro. Vamos juntar forças”, afirma padre Arno. “Temos de nos juntar no sentindo de firmar compromisso com uma estratégia de resistência, não dá para lamuriar. Temos de partir para a resistência. Como vai ser, ainda não sei, mas temos de buscar uma forma de resistir porque o governo vai querer empurrar goela abaixo”, diz Sena. cesso de produção, ou obra original, pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia. Os detentores ou proprietários recebem porcentagens geralmente pré-fixadas das vendas finais ou dos lucros obtidos por aquele que extrai o recurso natural, ou fabrica e comercializa um produto ou tecnologia, assim como o concurso de suas marcas ou dos lucros obtidos com essas operações. O proprietário em questão pode ser uma pessoa física, uma empresa ou o próprio Estado.


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Indígenas contra os grandes projetos UM DOS SEGMENTOS mais PREJUDICaDOS PELOS grandes projetos previstos para a Amazônia SÃO os indígenas. eLES JÁ ESTÃO SE ORGANIZANDO EM DEFESA DE SEUS DIREITOS.

U

m dos segmentos mais prejudicados pelos grandes projetos previstos para a região amazônica, os indígenas, se organizam e vêm participando ativamente de ações em defesa de seus direitos. Em agosto, em Altamira, eles estiveram presentes no Acampamento Terra Livre (ATL) Regional Amazônia, evento que reuniu cerca de 400 indígenas. O ATL regional discutiu a resistência à construção da hidrelétrica de Belo Monte, fechando uma articulação de luta contra a usina entre indígenas, pequenos agricultores(as), ribeirinhos(as) e movimentos sociais. “Para nós, esse grande momento foi importante para percebermos que, apesar de estarmos distantes, não estamos sós. Temos não só índios, mas outros movimentos e ONGs na luta para defender a água, essência para a vida da humanidade”, diz Eva Canoé, do município de Guajará-Mirim, em Rondônia. “A experiência nos ajudou muito, nos fez pensar que não podemos desistir. Nosso propósito em Rondônia - a barragem em Jirau já está sendo construída – é impedir que a próxima usina em Ribeirão se inicie”, afirma ela. Uma das estratégias do governo e das empresas para a construção das barragens na Amazônia é a divisão

dos povos indígenas. Em Rondônia, explica Eva Canoé, a situação não é diferente. “Procuramos nos manter unidos, embora tenhamos lideranças com pensamentos diferentes. As empresas chegam mostrando os benefícios. E por falta de informação algumas lideranças acreditam que vai ter melhoria de vida”. A reação vem se dando através de mobilizações e formação de novas lideranças. “Nós, como movimento indígena, como liderança, estamos fazendo encontro de formação, com apoio do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), para falar dessa situação, que esses grandes projetos vão nos prejudicar”, completa. A líder indígena disse também que a construção das usinas hidrelétricas do rio Madeira vai atingir os povos que vivem naquela região, ao contrário do que afirmam os técnicos da empresa que trabalham no projeto. “Levamos às comunidades que o que as empresas estão falando não é verdade. Por trás disso há grande prejuízo para as áreas de Lage Novo, Lage Velho e Linha 10 e, também, abaixo do rio Guaporé. Vai ter alagação. E nessa parte indígena já tem dificuldade de falta de peixe... com os empreendimentos, vai ter mais falta e mais ocupação

de madeireiro”, denuncia. O desafio de construir uma articulação entre as diferentes comunidades a serem atingidas pelos grandes projetos esbarra nas grandes distâncias entre os povos e a falta de comunicação. “É possível a gente unir força, a gente nunca perde a esperança. Se tiver um meio de comunicação entre as organizações, uma forma de passar as informações e uma forma de eu transmitir seria um grande avanço. Temos, através da Igreja Católica, um programa de rádio há sete anos. Eu aproveito para falar o que está acontecendo em relação a esses grandes projetos. Isso é muito importante, nos fortalece, nos dá ânimo em continuar lutando”. Eva Canoé também fez um desabafo contra o discurso desenvolvimentista dos defensores das hidrelétricas na Amazônia. “Nós indígenas não somos contra o progresso. Não somos um empecilho para o progresso do Brasil. Isso não é verdade. Mas não se pode fazer progresso destruindo vidas humanas e vidas relacionadas ao meio ambiente. Não se pode fazer desse jeito, em que uns se beneficiam contra a maioria da população, não só indígenas são os maiores prejudicados. Como Rondônia de modo geral... porque a energia nem vai ficar lá e o povo é que vai ficar com o prejuízo”, afirma.

n Em agosto, 400 indígenas participaram do Acampamento Terra Livre

O QUE É Desenvolvimentismo Dá-se o nome de desenvolvimentismo a qualquer tipo de política econômica voltada quase exclusivamente ao crescimento econômico – da produção industrial, da infraestrutura e do consumo de

massa –, com participação ativa do Estado, beneficiando grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros. O desenvolvimentismo é uma política de resultados, e foi aplicado essencialmente em sistemas econômicos capitalistas, como no Brasil (governo JK) e no governo militar, época do “milagre econômico brasileiro”.

Editorial

Mobilização social prova que um outro mundo é possível O conflito está disseminado na Amazônia. Em grande parte isto se dá em decorrência das disputas que envolvem diferentes segmentos para ver quem garantirá o acesso, o uso e o controle sobre os recursos naturais da região. De um lado, é possível identificarmos governos, grandes empresas nacionais e estrangeiras, bancos, empreiteiras, parlamentares de diferentes partidos, mídia (jornais, TVs, rádios e revistas), grileiros, maior parcela do Judiciário, o agronegócio e até mesmo alguns movimentos sociais e ONGs; todos juntos defendendo o atual modelo de desenvolvimento econômico, baseado na exploração intensiva da natureza e da mão-de-obra, destruidor do meio ambiente e promotor de desigualdades. De outro, movimentos sociais, ONGs, pastorais sociais, ribeirinhos(as), indígenas, extrativistas, agricultores(as) familiares, remanescentes de quilombos, sem terra, atingidos(as) por barragens, alguns(mas) parlamentares e ambientalistas, grupos de mulheres e de jovens, rádios comunitárias, integrantes dos Ministérios Públicos

Federal e Estaduais e outros(as), defendendo o respeito aos direitos humanos, à democracia, à justiça, à preservação ambiental e a um outro modelo de produção e de consumo. A cada dia fica mais evidente que nossa luta não é contra uma ou outra empresa, mas contra um bloco de forças políticas e econômicas nacionais e internacionais interessadas em apropriar-se a qualquer custo da Amazônia e de seus recursos, nem que para isso precise alagar florestas, retirar milhares de pessoas de suas terras, desmatar, levar espécies animais e vegetais à extinção; poluir rios, lagos, igarapés e o ar, envenenar o solo com grande quantidade de produtos químicos, secar fontes de abastecimento da população e aprofundar as desigualdades sociais, de gênero e étnico-raciais, entre tantos outros males. Este bloco vem executando ampla campanha na mídia para garantir o apoio da população aos empreendimentos, ao mesmo tempo em que busca criminalizar movimentos sociais, ONGs e lideranças que se opõem a esse proje-

to de morte. Apesar disso, resistimos! Lutamos, nos mobilizamos, nos manifestamos e percebemos que somente unidos(as) podemos conquistar vitórias significativas. Daí cada vez mais atuarmos através de redes e fóruns, pois tomamos consciência que precisamos atuar desde a comunidade até o plano internacional, se quisermos defender a Amazônia e garantir melhoria da qualidade de vida à maioria da população, não somente daquela que aqui reside, mas também de quem vive fora da região, pois evitar a destruição da Amazônia é proteger a vida em todo o planeta. A realização do Encontro das quatro Bacias, em Itaituba, no Pará, que reuniu 600 representantes de diversas organizações sociais que atuam nas bacias dos rios Madeira (Rondônia), Teles Pires (Mato Grosso), Tapajós e Xingu (Pará) foi mais um passo importante para fortalecermos nossas ações de resistência e à construção de uma plataforma coletiva de mobilização e de proposições. Este jornal traz informações

importantes sobre o Encontro das Quatro Bacias, bem como sobre os motivos pelos quais nos opomos à proliferação de hidrelétricas na Amazônia que, a nosso ver, somente beneficiarão grandes grupos econômicos do Brasil e do exterior, interessados em controlar os recursos naturais da nossa região. Aqui, indígenas, organizações de mulheres, representantes de movimentos sociais, de ONGs e do Ministério Público, entre outros, explicam os motivos que os movem a lutar contra o Programa de Aceleração da Destruição da Amazônia (PAC), denunciam os atos de violência cometidos por empresas, governos e seus aliados contra comunidades e os movimentos sociais, assim como apontam alternativas possíveis para desenvolver a região sem destruir o meio ambiente. Há ainda notícias sobre o 5° Fórum Social Pan-Amazônico, que se realizou de 25 a 29 de novembro deste ano, em Santarém (PA), e reuniu cerca de 4.000 pessoas. O Fórum debateu questões relevantes aos povos da Pan-Amazônia,

como o militarismo, o machismo, as consequências dos grandes projetos de infraestrutura para a região, direitos humanos, cultura popular e comunicação. O evento também se constituiu num momento de profunda confraternização entre os representantes do Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa, Equador e Suriname, além de convidados(as) de outros países. O Fórum foi um momento importante de debate, trocas de experiências, de articulação política e de definição de estratégias comuns que devemos colocar em prática ao longo dos próximos anos, a fim de construirmos uma Pan-Amazônia soberana, democrática, justa, solidária e ambientalmente sustentável. Desejamos a você uma ótima leitura e não se esqueça de divulgar as informações aqui contidas na sua organização, entre amigos e familiares, nas escolas e comunidades. Enfim, em todos os lugares possíveis. Vamos espalhar as nossas ideias, conquistar corações e mentes para o projeto de uma nova sociedade, pois OUTRO MUNDO É POSSÍVEL.


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Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

Carta de Santarém é lançada Organizações sociais do Brasil, Peru, Equador, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa trocam experiências e apresentam seus desafios

“T

emos uma utopia: A construção de um continente sem fronteiras, a AbyAyala, terra de muitos povos, iguais em direitos e solidários entre si. Uma terra livre de toda opressão e exploração. A vida em harmonia com a Natureza é condição fundamental para a existência de Aby-Ayala. A Terra não nos pertence. Pertencemos a ela. A Natureza é mãe, não tem preço e não pode ser mercantilizada. Compreendemos que Aby-Ayala deva ser construída a partir de estados plurinacionais que substituam o velho estado centralizador, patriarcal e colonial, dando à luz novas formas de governo, onde a democracia se exerça de baixo para cima, seguindo a máxima do mandar obedecendo, onde exista um diálogo de saberes e culturas, onde cada povo seja livre para decidir como quer viver. A participação plena e igualitária das mulheres é uma condição fundamental na construção das novas sociedades. Da mesma forma a proteção integral das crianças, como portadoras do futuro da Humanidade. A Terra, nossa casa comum, se encontra ameaçada por uma hecatombe climática sem precedentes na história. O derretimento dos glaciares dos Andes, as secas e inundações na Amazônia são apenas os primeiros sinais de uma catástrofe provocada pelos milhões de toneladas de gases tóxicos lançadas na atmosfera e

os danos causados à Natureza pelo grande capital, através da mineração descontrolada, a exploração petrolífera na selva e o agronegócio. Tal situação é agravada pelos megaprojetos, integrantes do IIRSA, como são a construção de hidrelétricas nos rios amazônicos e as grandes rodovias que destroem a vida de povos ancestrais, criando novos bolsões de miséria. Para deter este ciclo de morte é necessário defendermos nossos territórios exigindo o imediato reconhecimento e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno direito de consulta livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental, preservando assim nossa terra, nosso modo de viver e a nossa cultura, defendendo a natureza e a vida. Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte de nosso patrimônio comum a luta dos camponeses pela terra, os direitos dos pequenos agricultores a assistência técnica, crédito barato e simplificado, e os justos reclamos por saúde, educação, transporte e habitação dignas para todos. Lutamos por uma sociedade sem exclusões, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia a dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero,

etnia, identidade sexual e classe social. Particularmente nos esforçaremos para superar a invisibilidade da população afrodescendente nas suas lutas e propostas sobre poder, autonomia e território. A Amazônia Sulamericana possui problemas urbanos extremamente graves, nesse sentido é fundamental lutar pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas as diferentes realidades desta região, contemplando a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades. Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o militarismo que atua como mediador entre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos a utilização das forças militares, corpos policiais, paramilitares e milícias como agentes repressivos das lutas dos povos, bem como os intentos de se utilizar a Justiça para criminalizar os movimentos sociais, a pobreza e os povos indígenas. Denunciamos a presença de tropas norte-americanas na Colômbia e a reativação da IV Frota estadunidense como ameaças à paz no continente. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços de seus povos para alcançarem a independência. Nos manifestamos contra o golpe militar em Honduras e a ocupação militar do Haiti. Da mesma forma, protestamos contra as barreiras que procuram impedir a livre circulação dos povos entre nossos países,

n Fórum Social mobilizou milhares de pessoas em defesa da região defendemos o direito dos migrantes de terem uma vida plena e digna no país que escolherem para morar. Lutamos por construir países apoiados em economias que mantenham a soberania e a segurança alimentar, que desenvolvam alternativas aos modelos predatórios e extrativistas e que tenham na economia solidária e na agroecologia, pilares na edificação do bem estar social. Para nós os saberes ancestrais são fontes de aprendizagem e ensinamento em igualdade de condições com o chamado conhecimento científico; a democratização dos meios de comunicação uma necessidade inadiável; a liberdade de expressão e a apropria-

ção das novas tecnologias um direito de todos; bem como uma educação que estimule o diálogo, os contatos sem barreiras, os dons e talentos individuais e coletivos que dissemine valores humanos, abrindo caminho para a transformação íntima e social. Reafirmamos nossa identidade amazônida através de nossas múltiplas faces, honrando a tradição e construindo o novo. Fazem parte desta identidade as línguas originais dos nossos povos e seus conhecimentos tradicionais. Estes são os nossos compromissos. Devemos transformá-los em ação”. Santarém, 29 de novembro de 2010.

LINHAS DE AÇÃO Lutar pela produção de outras formas de energia em pequena escala, fortalecendo a autonomia e a autogestão da Amazônia e de suas comunidades; n Realizar campanha pelo reconhecimento, demarcação e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e de comunidades tradicionais; n Lutar pela titulação de terras aos trabalhadores do campo e da cidade; n Realizar campanhas pela aprovação de leis regulamentando a consulta prévia livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental nos países Pan-Amazônicos; n Organizar fóruns regionais para troca de conhecimentos e implementan

ção de ações, com organizações de outras regiões, em cada local onde a Mãe Terra esteja sendo agredida, ou ameaçada; n Participar das redes que investigam a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Brasil), contribuindo para obstruir os financiamentos a projetos que destroem o meio ambiente; n Promover ações articuladas de denuncia e pressão contra projetos de caráter sub-imperialista do governo brasileiro na Pan-Amazônia; n Unificar as lutas contra a construção de represas hidrelétrica nos rios da Amazônica, em especial as lutas contra Belo Monte, Inambary, Paitzpatango, Tapajós, Teles Pires, Jirau, Santo Antonio e Cachuela Esperanza;

Realizar encontros e marchas denunciando as diversas formas de opressão, como o machismo, racismo e homofobia, e apresentando as soluções propostas pelas organizações e movimentos sociais; n Pensar formas de avançar nos processos de debate e avaliação coletiva, incluindo a elaboração de materiais que possam auxiliar nestes momentos; n Avançar na elaboração de propostas para garantir vida digna a todos os povos da Pan-Amazônia, considerando suas diferenças intra e interregionais; n Mobilizar as sociedades civis PanAmazônicas, contra as falsas soluções de mercado para o clima, como o REDD; n Desenvolver lutas contra o patenn

teamento do conhecimento das populações tradicionais, que apenas promovem os interesses das grandes corporações transnacionais; n Mobilizar as organizações contra as estratégias dos governos e das grandes empresas, voltadas à flexibilização da legislação ambiental na Pan-amazônia; n Lutar pelo reconhecimento legal de “territórios livres da mineração” e de outros empreendimentos, nos ordenamentos jurídicos dos países da Pan-Amazônia; n Articular a criação do “Dia da Pan-Amazônia”, onde todas as organizações realizem manifestações e discussões conjuntas, chamando a atenção mundial para os problemas ambientais, sociais, econômicos, culturais e políticos que ocorrem nesta

região; n Constituir um centro de comunicação do FSPA, de maneira compartilhada, com a função de interligar os movimentos sociais da Pan-Amazônia, socializar debates e iniciativas de ação; n Divulgar as ações, discussões e resultados do FSPA nas comunidades, através de uma rede de comunicação; n Construir uma presença marcante da Pan-Amazônia na reunião do FSM em Dakar, no Senegal, em fevereiro de 2011; n Inserir o FSPA em redes e articulações que tenham causas comuns; n Realizar o FSPA de dois em dois anos, em países diferentes, com candidaturas antecipadas que deverão ser aprovadas pelas instancias do FSPA.


Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

ALDEIA

Destruição e mudanças climáticas ““Temos um teto máximo que podemos permitir de aumento da temperatura. Em uma década é de no máximo dois graus”, alerta Matheus Otterloo, educador da Fase

A

s grandes empreiteiras e o governo querem que as pessoas acreditem que a eletricidade das usinas hidrelétricas é “energia limpa”. Do ponto de vista ambiental isso é uma meia verdade. Elas são menos poluentes que as usinas termoelétricas, que consomem muito diesel ou carvão; e não têm riscos de contaminação com materiais radioativos das usinas termonucleares. Mas estão longe de serem “limpas”. “As hidrelétricas alagam grandes áreas onde se tem a energia mais suja. Primeiro, tem as emissões de metano do alagamento de grandes áreas com biomassa que depois se transforma, com a deterioração, em gás metano . Mas não é só isso. Tem os impactos sobre as populações locais: indígenas, ribeirinhos(as) e outras que dependem dos rios sadios para a sustentação da vida. Isso nos faz concluir que ‘energia limpa’ é um equivoco e serve para esconder os problemas sociais criados pelas hidrelétricas”, diz Brent Millikan, da International Rivers. Além disso, com a diminuição no tamanho da floresta pelas hidrelétricas, também é diminuída a capacidade das matas de absorver a poluição. Matheus Otterloo, educador da Fase, alerta ainda para o fato de as hidrelétricas contribuírem com o efeito estufa - escudo que se forma na atmosfera e que dificulta a transposição de raios solares, fazendo com que a temperatura aumente devagar. “É um fenômeno que já existe sem a intervenção humana, mas já está provado que a partir da revolução industrial a interferência humana começou a acelerar a temperatura do planeta”, diz. E como os grandes projetos alteram os biomas amazônicos, o ritmo da natureza, eles têm uma contribuição alarmante para as mudanças climáticas. Otterloo alerta que o processo está chegando num patamar preocupante. “Temos um teto máximo que podemos permitir de aumento da temperatura. Em uma década é de

O QUE É Bioma: Conjunto de ecossistemas com certo nível de homogeneidade. São as comunidades biológicas, ou seja, as populações da fauna e da flora interagindo entre si e com o ambiente físico.

no máximo dois graus. Se isso for ultrapassado vai provocar mais subida dos rios e desastres catastróficos e se tornará insustentável a vida no planeta”, avisa. E não é de estranhar que a Amazônia já sofra com as mudanças no clima. Secas e grandes inundações em na região já são quase comuns. “Não posso dizer que todas as mudanças no planeta estão relacionadas com o que ocorre aqui, mas com certeza uma parte considerável sim. Além das hidrelétricas, a devastação da Amazônia contribui para esse fenômeno. Está claríssimo que isso colabora”, diz. Lula - Nas últimas convenções internacionais que discutiram as mudanças climáticas, o governo Lula assumiu uma série de compromissos para combater o aquecimento global. Mas, por outro lado, anunciou, no País, o Plano de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), que prevê a construção de hidrelétricas na Amazônia, o investimento no agronegócio e a permissão da exploração de novas fontes de minério e de novas áreas ricas em estoque madeireiro por grandes empresas transnacionais. Então, a pergunta que fica é: como é possível conciliar o combate ao aquecimento global com essa política que acelera a destruição da floresta? Para Millikan é uma grande questão que, necessariamente, precisa ser respondida pela participação popular e transparência pelo governo. “No início do governo Lula se buscou um caminho. Houve esse esforço: o Plano Amazônia Sustentável, por exemplo, e outros, em que a chave era ouvir as populações locais. Mas em nome da governança, Lula fez alianças políticas e econômicas com grandes grupos, o que foi um retrocesso pois significou estimular o desenvolvimento a qualquer custo. Com essa visão e a febre de construir hidrelétricas, de enxergar o meio ambiente e as populações tradicionais como obstáculo ao desenvolvimento, ele não conseguirá cumprir seus acordos internacionais”, analisa.

Agronegócio: É toda relação comercial e industrial envolvendo a cadeia produtiva agrícola ou pecuária. No Brasil, o termo é usado para definir o uso econômico do solo para o cultivo da terra associado com a criação de animais.

n Se o máximo de dois graus de aquecimento for alcançado, haverá mais subidas de rios e a vida estará ameaçada

O QUE É Efeito estufa:

O QUE É Aquecimento global: Aumento da temperatura média dos oceanos e do ar perto da superfície da Terra ocorrido desde meados do século XX e que deverá continuar no século XXI. Segundo o Quarto

O QUE É

Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (de 2007), a temperatura na superfície terrestre aumentou 0,74 ± 0,18 °C no século XX. A maior parte do aumento foi causada por concentrações crescentes de gases do efeito estufa, como resultado de atividades humanas como a

Plano Amazônia Sustentável: Lançado em 8 de maio de 2008, é um plano do governo federal em parceria com os governadores dos Estados da Amazônia (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Tem como objetivo definir as diretrizes para o desenvolvimento sustentável na região. O PAS não é um plano operacional, mas estratégico, contendo as diretrizes gerais e as recomendações para implementação. As ações operacionais serão os planos sub-regionais, alguns já elaborados ou em processo de elaboração, como o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável para o Arquipélago do Marajó e o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu. Governança É o exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo. É a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país.



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