Abrente nº75

Page 1

A romantizaçom da violência machista (ou como umha relaçom abusiva se converte numha desejável história de amor) 3

Declínio Aprender sempre. industrial Mercadoria 6 na Galiza e tendências em curso no centro capitalista 4-5

Helena Sabel

Óscar Peres Vidal

Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org | @PrimeiraLinhaGZ

Ano XX | Nº 75 Terceira jeira | Janeiro, fevereiro e março de 2015

TTIP: a integraçom das decadências 7

Galiza no Atlas Mundial da Revoluçom 8

Jorge Beinstein

Ramiro Vidal Alvarinho

Jornal comunista de debate e formaçom ideológica para promover a Independência Nacional e a Revoluçom Socialista Galega

A fascinaçom

do ilusionismo eleitoral

E D I TO R I A L P

oucas semanas bastárom para que o ilusionismo eleitoral depositado na Syriza se esfumasse, deixando claro as suas limitaçons e enganos. O flamante governo grego –autodefinido como “de esquerda radical”-, que tanta euforia e expetativas gera nas forças políticas galegas e espanholas que tratam de imitar o seu êxito nas urnas, nom demorou a ceder às pressons da troika, incumprindo flagrantemente o cerne do seu programa eleitoral. Alexis Tsipras e Yanis Varufakis optárom por se submeter ao diktado da Eurozona, acedendo a implementar um pacote de novas reformas e ajustamentos para assim conseguir desbloquear novos empréstimos e umha prórroga do letal “plano de resgate”. Deste jeito, o governo grego continua sem recuperar a soberania nacional, agindo como um simples protetorado de Berlim e Bruxelas, atado

aos compromissos ultraliberais para a entrega dos recursos e riquezas nacionais a bancos e empresas estrangeiras dos governos do PASOK e da Nova Democracia. Renuncia assim a implementar a nova política económica e social que lhe concedeu o mandato das urnas com base nas suas promessas eleitorais. Esta claudicaçom nem nos surpreende nem nos dececiona. Todo se ajusta bastante ao adulterado guiom do reformismo e das ensinanças de anteriores processos históricos em que fracassárom similares falsas expetativas do ilusionismo reformista. Algo similar sucedeu com a chegada de Tony Blair a Downing Sreet em 2007, de Barack Obama à Casa Branca em 2009 e de François Hollande ao Eliseu em 2012. A social-democracia

e outros reformismos alimentárom enormes expetativas que a realidade desmentiu de imediato. O que está a acontecer na Grécia fai parte do ADN de um movimento político sem princípios, construído com base na soma de forças oportunistas da esquerda reformista e de setores desagregados da social-democracia. Juntos conseguírom um enorme e fulgurante sucesso nas urnas, perante a exigência de resultados imediatos emanados da desesperaçom da imensa maioria do povo trabalhador grego polo empobrecimento maciço que afeta o conjunto da populaçom do país. Um governo de salvaçom nacional, um governo obreiro e popular que pretenda combater e paliar a miséria do seu povo, recuperar o

crescimento económico investindo no bem-estar social, tem que aplicar um plano de choque, um conjunto de medidas que renacionalizem os setores estratégicos da economia nacional e combatam os monopólios e as multinacionais que só provocam pobreza. E esta equaçom irremediavelmente passa pola saída da Uniom Europeia -causa e fonte da pobreza dos povos periféricos e das maiorias trabalhadoras-, assim como da NATO e dos organismos internacionais que, como o FMI, aplicam com mao de ferro os interesses do imperialismo. Mas também polo nom pagamento de umha dívida ilegítima derivada de créditos abusivos e imposiçom de obscenos juros. Um genuíno processo de transformaçom social está intrinsecamente ligado à recuperaçom da soberania e da independência nacional. Sem capacidade real de decidirmos, de instituiçons próprias sem tutelagens nem condicionantes externos, nom é possível implementar a vontade popular. Isto é aplicável a naçons sem Estado como a Galiza ou a naçons formalmente independentes que paulatinamente tenhem perdido a sua soberania, como a Grécia ou Portugal.


EDITORIAL

2 ABRENTE O engano da Syriza grega é um claro aviso do que na Galiza reproduzirám aquelas forças que agora concorrem para disputar a sua referencialidade. Construir um amplo movimento obreiro e popular dotado de um programa de libertaçom nacional é umha vasta tarefa em que @s comunistas galeg@s estamos comprometidos. Mas este objetivo tem que se levantar de forma horizontal, sem ambigüidades nem enganos, porque do contrário imediatamente será pasto da adulteraçom que carateriza o ilusionismo eleitoral. Nom descartamos, nem nos opomos, à utilizaçom dos mecanismos da acumulaçom de forças eleitorais que permitam vitórias que contribuam para dinamitar o regime burguês, abrindo novos horizontes sobre os quais construir umha nova sociedade. Mas sim somos conscientes e alertamos das limitaçons intrínsecas desse modelo, tal como se pode constatar nas enormes dificuldades que atravessa o processo revolucionário bolivariano, sob a permanente desestabilizaçom da guerra económica e as ameaças de golpes de estado. Sem desmontar o Estado burguês, sem golpear os interesses da burguesia vendepátrias e pró-imperialista, sem aprofundar na democracia obreira e popular, sem quebrar com as estruturas internacionais de dominaçom impostas polo imperialismo, nom é viável nem possível avançar

na construçom de umha sociedade de transiçom ao socialismo. O povo pobre e trabalhador da Venezuela é consciente das limitaçons de um sistema híbrido em que o capitalismo de Estado convive traumaticamente com o imenso poder de umha burguesia hostil e parasita que conspira para que a Pátria de Chávez e Bolívar volte a ser umha colónia ianque. Sabe que só aprofundando na via socialista e deixando fora de jogo a oligarquia será possível levar a bom termo os ideais de justiça, igualdade, liberdade e paz. O governo do presidente Nicolás Maduro tem que adotar sem demora umha decisom de caráter estratégica que exige o povo bolivariano: despreender-se da burocracia corrupta e avançar no Socialismo comunal, ou negociar com a oposiçom “democrática” tal como exige a direita endógena e a boliburguesia. A dous anos do falecimento do comandante Hugo Chávez, o tempo joga claramente em contra do processo perante a gravidade da situaçom.

A

***

crise do regime espanhol tem provocado profundas alteraçons no mapa político eleitoral que as vindouras eleiçons municipais constatarám na sua verdadeira dimensom. O recâmbio populista e espanholista representado por Podemos, que umha parte do regime

Nº 75 Janeiro, fevereiro e março de 2015

promociona perante o desgaste do PSOE, já começou a retirar a sua máscara e a mostrar a sua verdadeira natureza de força continuísta e comprometida com o sistema. Mas também a perda de vigor da esquerda patriótica galega, tanto no ámbito nacionalista como independentista, está a facilitar o abrolhar de mornas iniciativas galeguistas liberais que, disfarçadas de movimento social plural e abrangente, só pretendem ocupar o espaço institucional que facilite a plena integraçom e assimilaçom da Galiza no projeto imperialista espanhol, assim como um acomodamento para umhas elites claramente corresponsáveis da situaçom de crise do projeto nacional galego. A volta de Quintana mediante a nova força política centrista e neoliberal recentemente apresentada exprime a sua mesquinha ambiçom polo poder à custa de desafiar as contradiçons internas de um BNG atado ao taticismo eleitoral e carente de umha estratégia independentista e rupturista.

I

***

niciamos neste número 75 de Abrente umha nova seçom a cargo da recém criada Escola Nacional de Quadros Comunistas Moncho Reboiras, como espaço de divulgaçom da teoria marxista. A intençom da mesma é avançar na recuperaçom e socializaçom do pensamento revolucionário fundado por Karl Marx e Friederich Engels, cuja vigência se

mantém e afirma com mais força com cada nova crise das que ciclicamente golpeiam o modo de produçom capitalista. Achamos necessário dotar a militáncia revolucionária e, em geral, os setores mais avançados do nosso povo, dessa ferramenta invencível que é a autoconsciência crítica e de classe, através do mais avançado sistema de análise e pensamento para a açom anticapitalista. Concebemos o marxismo como sistema baseado na obra de Karl Marx e do seu camarada Friederich Engels, mas também nos contributos realizados por numerosos autores e autoras a partir daí, a par e passo das transformaçons e acontecimentos operados no próprio andamento do capitalismo até hoje. Longe de qualquer pretensom erudita ou elitista, tencionamos oferecer versons simplificadas e claras, mas nom vulgarizadoras, das diferentes categorias marxistas, avançando no conhecimento do pensamento revolucionário do nosso tempo como totalidade ao serviço da revoluçom galega e mundial. Ficamos desde já a dispor das nossas leitoras e leitores para maiores esclarecimentos ou sugestons sobre a seçom e sobre as atividades da própria Escola Nacional de Quadros Comunistas Moncho Reboiras, que neste momento inicia a sua trajetória nestas páginas.

PUBLICIDADE

REDONDELA

UN NOVO CONCEPTO DE BAR

REBOREDA - REDONDELA

Santiago - A Coruña

Entremuros, 12 - Compostela Tel. 981 576 778 | www.ocurruncho.com


OPINIOM

Nº 75 Janeiro, fevereiro e março de 2015

ABRENTE 3

Helena Sabel

lho e proíbe-lhe a tomada de decisons de maneira independente. Está em contato com ela constantemente: chamadas telefónicas, correios eletrónicos, GPS e mesmo envia guarda-costas para que a persigam em todo o momento (romantizado-o sob a escusa de que é para a sua própria segurança). Além do controlo, utiliza diversas táticas de manipulaçom do protagonista: chantagem emocional, pressom, presentes excessivos nom desejados, utilizaçom de drogas (álcool) para conseguir o consentimento (ou seja, estupro), vitimizaçom dele próprio e culpabilizaçom da companheira, intimidaçom, ameaças... E como nom nos cansaremos de repetir, o mais perigoso é que se transmita que todos esses comportamento som fruto do “amor”.

Membra da Mesa Nacional de BRIGA

C

omo marxistas, devemos analisar todo fenómeno de massas com o fim de determinar o seu papel dentro do sistema. Foi criado pola classe dominante, ou reconvertido e potencializado por ela posteriormente? Que ideologia (entendida como “falsa consciência necessária”) fomenta? E mais importante ainda, como podemos aplacá-lo denunciado a sua dimensom alienante? É por isso que consideramos que, com mais de 100 milhons de exemplares vendidos1 e com umha adaptaçom cinematográfica que será o blockbuster do ano, o fenómeno de As cinqüenta sombras de Grey2 merece umhas linhas neste jornal.

Alienaçom

É

A cultura do estupro e o consentimento

A

normalizaçom da violência sexual (também chamada “cultura do estupro”, tomando a etiqueta cunhada polo feminismo na década de 70) é umha realidade complexa sem cuja análise nom podemos perceber as múltiplas dimensons do consentimento. A sociedade ocidental rejeita de maneira coletiva a ideia de a maior parte dos estupros serem cometidos por homens normais, homens que tenhem família e amigos, homens que seguramente figérom na sua vida atos admiráveis ou grandes proezas. Negamo-nos a aceitar que os bons tipos violam e que, além disso, o fam amiúde. Esta nom deixa de ser mais umha batalha ganha polo sistema patriarco-burguês que se beneficia de espalhar a imagem do estuprador psicótico que axeja nos parques e ruelas. O medo funciona assim como um mecanismo de controlo sobre as mulheres, que se acompanha

A romantizaçom da violência machista

evidente que o sistema conta com numerosas ferramentas de reproduçom ideológica e nom pretendemos colocar um livro como o inimigo mais perigoso a que nos enfrentamos na nossa luita contra a alienaçom. Precisamente, devemos situá-lo num contexto mais amplo, que tem o fenómeno da cultura do estupro e os valores do amor burguês como círculo mais próximo, e cuja análise mais geral nos leva à manutençom da exploraçom, dominaçom e opressom patriarcal. Assim pois, a relaçom abusiva deste casal de ficçom age como ferramenta que normaliza a violência generalizada contra as mulheres, perpetuando umha narrativa social abrangente que nom reconhece a sua vertente machista. Ainda que o as leitoras/es e espetadoras/es deste fenómeno pertençam a diversas faixas etárias, a sua influência pode ser realmente prejudicial entre as jovens que estám a desenvolver e explorar as suas vidas afetivo-sexuais,

(ou como umha relaçom abusiva se converte numha desejável história de amor) de liçons sobre as roupas que devemos vestir, que atitudes ter, e que horas e lugares som as ajeitadas para estarmos fora da casa. É dentro deste contexto que toma forma um consentimento cinzento. A ideia de que as mulheres dizemos “nom”, mas que na realidade “sim” o queremos, a noçom de que gostamos de fazer-nos de rogadas, de que a insistência nos parece atrativa. Gera-se, portanto, umha romantizaçom do assédio sexual da qual tanto homens como mulheres somos vítimas. Há uns anos, o grande bestseller entre a juventude foi Crepúsculo, umha triologia que mantém numerosos parecidos com As Cinqüenta Sombras de Grey3. No seu momento, e especialmente após a estreia da versom cinematográfica, saltárom os alarmes pola descriçom da relaçom abusiva do casal em cuja história de amor se centra o enredo. O problema é que a possessividade do personagem masculino para com a sua companheira, os seus ciúmes, o controlo doentio, o assédio... nom som apresentados como abusivos, mas como paradigma “dum amor verdadeiro” que os jovens querem emular e elas experimentar. Com a introduçom de descriçons explícitas de atos sexuais que servírom de reclamo, As Cinqüenta Sombras de Grey difunde os mesmos daninhos valores do amor burguês, mas deixando a sua pegada num auditório muito mais amplo. Seguramente os dous setores que mais abertamente manifestárom o seu rejeitamento aos conteúdos desta obra fôrom as organizaçons de vítimas da violência machista no lar e os praticantes de bondage, dominaçom-subdominaçom e/ou sadomasoquismo (BDSM). Sexo e dor podem-se combinar dumha maneira saudável, mas é imprescindível que as pessoas partícipes tenham um nível de autoconhecimento elevado, que podam comunicar abertamente o que desejam e os atos de

que nom gostam, e que tenham maturidade emocional. Só se se cumprirem cada um desses fatores poderá ser a experiência gratificante para tod@s. Ao invés, nengum desses elementos está presente na relaçom do casal protagonista de As Cinqüenta Sombras de Grey. Numha passagem do livro, a personagem feminina é espancada sem que ela manifestasse o seu consentimento. De facto, o que sim transmite às leitoras/es é o seu mal-estar, a sua dor e a sua impotência por nom poder parar esse ato violento, pois o “medo a perdê-lo” paralisa-a. Assim pois o medo, a chantagem emocional e a culpabilizaçom constante a que é submetida a protagonista desta obra fai que, embora chegue a haver um consentimento explícito, este seja cinzento e deva ser contextualizado. A cultura do estupro em que vivemos obriga-nos a categorizarmos diferentes tipos de consentimento. Existe um consentimento reticente quando o medo às conseqüências de dizer nom é maior do que o medo a dizer sim; quando se di sim esperando que a outra pessoa deixe de incomodar ou se sabe que dizer nom só implicará umha maior insistência para tratar de convencer-nos. Também existe um consentimento coagido quando entra em jogo a ameaça das conseqüências daninhas que terá dizer nom; é o tipo de consentimento em que se aceita fazer algo que nos gera pavor. As relaçons sexuais etiquetáveis sob o termo BDSM estám fortemente reguladas, sendo o consentimento a mais importante das suas regras. A segurança, a proteçom da integridade física e psicológica d@s participantes, é umha prioridade. Essa dimensom é completamente obviada nesta obra e a difusom dessa má praxe é ainda mais prejudicial, tendo em conta a péssima educaçom sexual que tem a maior parte da populaçom. O BDSM é hoje mainstream entre setores sociais que ignoram como a praticar dum jeito saudável e seguro.

Esta ignoráncia é a que provoca que quando se risca a relaçom entre @s protagonistas como abusiva, a contra-argumentaçom de quem defende a obra gire em torno do BDSM e nom das dinámicas do casal no seu conjunto. Umha reaçom surpreendente considerando que no final da obra o BDSM é praticamente apresentado como umha patologia: o personagem masculino deseja estas práticas sexuais porque foi abusado sendo criança, e só é capaz de as abandonar porque é “salvo” graças à sua paixom “verdadeira” pola protagonista.

O amor burguês

A

lém do heteronormativismo que se destila durante toda a obra (mesmo se recorre a piadas homofóbicas para “liberar tensom”) a encarnaçom dos roles de género é terrorífica e ajusta-se perfeitamente ao tópico da plebeia que se converte em princesa graças ao Príncipe Azul que a salva dumha vida ordinária. A assimetria entre @s personagens é abismal, sendo a mulher completamente subsidiária, pois o seu papel é relevante em última instáncia porque dela depende a evoluçom do personagem masculino. A autoconsciência adquirida pola protagonista ao longo da obra limita-se a descobrir que gosta de sexo, mas que nom gosta de ser espancada nem assediada; porém, está disposta a tolerar esses abusos porque o seu objetivo último é que o personagem masculino mostre umha maior afetividade e proximidade emocional com ela. Já comentamos brevemente a evoluçom do protagonista: devido ao abuso infantil sofrido, via no maltrato de mulheres a única via para conseguir satisfaçom sexual/ vital, até que a personagem feminina entra em cena e se apaixona por ela: isto provoca umha luita interior cujas batalhas som exteriorizadas através de abusos e manipulaçons contra a personagem feminina. Finalmente, esta luita resolve-se na aceitaçom dumha relaçom

monogámica “normal”, paradigma das relaçons afetivo-sexuais que se devem dar no seio da família burguesa. A ideia de apresentar umha mulher submetida a um homem, convertida num objeto sexual à sua completa disposiçom e que ela tolere ou mesmo defenda esta cousificaçom, nom é umha novidade. Sim é mais novo (e muito mais preocupante) que se interprete essa situaçom como umha manifestaçom de empoderamento da mulher e um exemplo da sua libertaçom sexual. Há umha passagem em que a protagonista age com independência e se enfrenta ao seu maltratador afirmando que nom gosta da vertente violenta dos seus atos sexuais. Sem restar importáncia a esse ato de empoderamento, a resoluçom do conflito nom é pedagógica, mas daninha. Em lugar de romantizar o protagonista, a saída didática seria a de reconhecer nele as caraterísticas dum maltratador e os sintomas dumha relaçom abusiva. Ele é extremamente ciumento. A sua possessividade é refletida em numerosas ocasions ao longo da obra, sendo muito evidente a cousificaçom que fai da protagonista. Tem numerosos ataques de ira que ventila sobre a personagem feminina, a que mais umha vez é utilizada como sumidouro das suas frustraçons. O seu egoísmo percebe-se numha falta de empatia que lhe impede entender as emoçons da sua companheira: as suas necessidades tenhem que satisfazer-se sem importar que ela sofra. As suas repentinas mudanças de humor também provocam umha instabilidade emocional na jovem, o que ajuda o maltratador a manter o controlo. É nesta necessidade de ter todos os aspetos da vida da protagonista sob o seu controlo (muito além da prática de BDSM) que se percebem as dinámicas mais preocupantes: controla a sua economia e como deve gastar o dinheiro, controla os seus hábitos alimentícios, controla com quem se relaciona, favorecendo a isolaçom desta. Interfere no seu traba-

pois sem dúvida som mais suscetíveis na hora de desejarem e reproduzirem a problemática visom do amor e do sexo que protagonizam estes produtos culturais tam consumidos como As Cinqüenta Sombras de Grey4. Nom devemos esquecer que os primeiros best-sellers, com umhas conotaçons mui similares às que usamos na atualidade, fôrom os romances de temática amorosa do Romantismo, e que o público a que iam dirigidos eram as mulheres dumha nobreza em decadência e dumha burguesia que ainda precisava do capital simbólico para se converter na classe dominante sem qualquer dúvida. Ainda hoje pagamos as conseqüências que a influência desses produtos literários tivérom na época, com os seus amores interclassistas, a idealizaçom da monogamia, a valorizaçom dumha maternidade opressiva para a mulher e, também, com a romantizaçom de relaçons de codependência e abuso.

1 Julie Bosman. “Fifty Shades of Gray Hits a Sales Milestone”. The New York Times. 27 fevereiro 2014, página C3. 2 E. L. James. As Cinquenta Sombras de Grey. Lisboa: Lua de papel. 3 “Originalmente o livro [As Cinqüenta sombras de Grey] era apenas umha fanfic em homenagem a Crepúsculo” segundo informa a Wikipédia em português no artigo “Fifty Shades of Grey”, http://pt.wikipedia.org/wiki/Fifty_ Shades_of_Grey [consultada em 18/02/2015] 4 Ainda que alguns dos fundamentos metodológicos e de análise empregados devam ser criticados de umha ótica marxista, pode-se citar nesta linha um estudo público recentemente em que se analisam as conseqüências que para a integridade física das jovens pode ter a leitura de As Cinquenta Sombras de Grey: Bonomi Amy E. et al.. “Fiction or Not? Fifty Shades is Associated with Health Risks in Adolescent and Young Adult Females” in Journal of Women’s Health. Setembro 2014, 23 (9): 720-728. http://online.liebertpub.com/doi/ full/10.1089/jwh.2014.4782


ANÁLISE

4 ABRENTE Óscar Peres Vidal Membro do Comité Central de Primeira Linha

“Os países centrais já se encontram a percorrer a umha nova etapa onde o desemprego em grande escala, a concentraçom acelerada das receitas e o desmantelamento dos tecidos produtivos passam a ser aspetos “normais” da sua vida económica, onde os discursos sobre umha futura recomposiçom perderám toda credibilidade”1. Jorge Beinstein

P

artindo dos dados fornecidos pola OIT –Organizaçom Internacional do Trabalho, referentes às percentagens de força de trabalho por setores produtivos a nível mundial, entre os anos 1991 e 2012, observamos que a economia está a experimentar umha mudança significativa, passando dumha sociedade maioritariamente agrária no ano 1991 para umha sociedade com predomínio do chamado setor serviços no ano 2012. O setor industrial incrementa ligeiramente em 2012 a respeito de 1991, passando de 22% para 23%, como se pode ver nos gráficos 1 e 2.

Nº 75 Janeiro, fevereiro e março de 2015

Declínio industrial na Galiza e tendências em curso no centro capitalista

O setor industrial a nível mundial

A partir da segunda metade do século XX, e sobretodo a partir da década dos anos setenta, as economias maduras do chamado centro capitalista (Europa, America do Norte e Japom) experimentárom no seu conjunto um evidente declínio do setor industrial (indústrias, energia, mineraçom, etc), que afetou tanto a produçom como o emprego nas mesmas. Mas esta situaçom de diminuiçom do emprego nas economias maduras tem paradoxalmente significado o crescimento precisamente do setor industrial nas chamadas economias emergentes da Asia, América Latina e África. A explicaçom a este fenómeno é bem simples e encontramo-la na teoria da queda tendencial da taxa de lucro que Karl Marx formulou com a publicaçom do terceiro volume do Capital em 1894. Segundo ela, umha das maiores contradiçons que tem o sistema capitalista é a tendência à queda da taxa de lucro, que afirma, de modo resumido, que: “A taxa de lucro é a chave através da qual os capitalistas podem levar à frente o seu objetivo de acumulaçom. Porém, quanto mais se desenvolve a acumulaçom, é mais dificultoso para os capitalistas obterem taxas de lucro para continuar o processo de acumulaçom”1. Num artigo publicado há poucos meses polo economista Michael Roberts3 sob o titulo “Desindustrilizaçom e capitalismo” fica bastante clara esta ideia, quer dizer, a tendência generalizada nas economias desenvolvidas para a reduçom da força de trabalho com um aumento paralelo da mecanizaçom, levam a umha queda da lucratividade e fai com que a força de trabalho seja reduzida nas economias maduras e expanda a indústria de maneira global. Assim, quando nas economias do centro capitalista a taxa de lucro foi decaindo, tornou necessário que o capital investisse noutros países, a través da “globalizaçom” e encontrando mais força de trabalho que explorar, com salários mais baixos e menores direitos laborais e sindicais. Mas, contrariamente ao que se puder pensar, o aumento da mecanizaçom e o avanço tecnológico nom fará a humanidade trabalhar menos no modo de produçom capitalista, tornando necessário um impulso revolucionário para mudar as relaçons de maneira global, como afirma o autor. Para confimar esta tese, simplesmente temos que botar umha olhadela aos dados publicados pola OIT (Organizaçom Internacional do Trabalho), segundo o qual no intervalo de 1991 a 2012 a força produtiva industrial tivo um crescimento de 46% a nível mundial, passando dos 490 milhons de trabalhadoras e trabalhadores em 1991 para 715 milhons em 2012, e a tendência é superar os 800 milhons nos próximos anos. Ao invés, nas economias do capitalismo maduro a força produtiva industrial tem tido umha descida de 18%, passando dos 130 milhons no ano 1991 para os 107 milhons no ano 2012. Assim, neste intervalo de tempo, a força produtiva industrial nas economias do capitalismo maduro passou a representar a nível mundial cerca de 27% no ano 1991, e a ficar abaixo de 15% no ano 2012.

O declínio industrial na Galiza

A

Galiza, situada na periferia do centro capitalista, ao igual que acontece com as economias do capitalismo

maduro, leva anos a experimentar um declínio do setor industrial na sua economia, o que lhe fijo perder mais de 67.000 postos de trabalho desde finais da década de setenta até o ano 2013, segundo dados tirados do IGE (Instituto Galego de Estatística). Mas esta reduçom temos que analisá-la com duas perspetivas, e que podemos resumir no binómio “Espanha-Capitalismo”. Quer dizer isto que, na evoluçom da nossa economia, por um lado temos as dinámicas ou tendências que imponhem as próprias leis que dominam o sistema capitalista; mas por outro lado, ligado com isso e como elemento diferenciador, também temos que acrescentar as imposiçons que como periferia da periferia impom o Estado espanhol sobre a nossa naçom. De todas as formas, a evoluçom que experimentou a economia galega nos últimos anos é basicamente a passagem dumha economia fundamentalmente rural e agrária para outra assente no setor serviços ou terciário, fenómeno que nom só se dá a nível galego, tendo dimensom mundial como grande fenómeno global dos últimos 150 anos, tal e como aponta o economista Michael Roberts. A nível mundial, a força de trabalho agrícola em relaçom à força de trabalho global passou de representar 44% no ano 1991 a descer até 32% no ano 2012. No caso galego, desde finais da década de 70, o setor agrícola passou

de representar 46% do total da força de trabalho para cerca de 8% no ano 2013. Se bem o que acabamos de apontar é o traço que define a economia galega nas últimas décadas –a tercerizaçom da nossa força de trabalho–, nom podemos esquecer a importáncia que tem tido o setor industrial para a nossa economia sobretodo na faixa Atlântica (eixo Vigo – Ferrol), tanto em número de empregos como em valor produtivo. Assim, a força de trabalho industrial no intervalo 1976 – 2013 viu-se reduzida em 31%, passando de representar arredor de 18%, ano 1976, até estar próxima de 15% no ano 2013. No caso do Estado espanhol, a reduçom foi similar em percentagem nesse intervalo, chegando a umha descida de 34%, se bem passou de representar 27% até quase 14%. Há que indicar que na evoluçom destas percentagens e portanto nas diferenças que existem entre o Estado espanhol e Galiza, devemos assinalar o diferente peso que tinha na força de trabalho o setor agrário na altura de 1976, pois se no caso do Estado espanhol representava 21% do total no caso galego esta percentagem chegava a 46%. Ainda assim, e analisados os dados, vemos que, nos dias de hoje, o setor industrial tem maior peso percentual na Galiza do que no conjunto do Estado espanhol (diferencial do 1,42%) como se poder ver no gráfico 2.

O início da nova crise a nível mundial nom fijo mais do que agravar as perspetivas da economia e concretamente do setor industrial a nível galego. Além disso, as medidas aplicadas pola Uniom Europeia, com o beneplácito dos governos do Estado espanhol e da junta de Galiza, e segundo os ditames marcados polas instituiçons económicas e financeiras internacionais (Banco Mundial, FMI, GATT, OCDE) desde bem entrada a crise, centrárom-se fundamentalmente na via deflacionária e fiscal, o que tivo conseqüências nefestas para os países da periferia, e muito mais no caso da Galiza. Assim, os efeitos fôrom claros: ao nom poder desvalorizar as suas moedas, só resta diminuir salários e botar mao de obra do mercado laboral. Mas as medidas aplicadas perseguiam claramente aumentar a exploraçom da força de trabalho nestes países, para tornar mais competitivo o capital na Grécia, Irlanda, Portugal e o Estado espanhol4. Se os países da periferia fôrom e estám a ser os grandes afetados pola crise do sistema capitalista na Uniom Europeia, no caso dumha Galiza sob o jugo do Estado espanhol, a situaçom tem tido conseqüências nefastas.

O exemplo do subsetor naval dentro do setor industrial

N

a atualidade, som os países asiáticos (China, Coreia e Japom) os que lideram o mercado mundial de construçom naval com cerca de 80% da

produçom mundial. No caso da Europa, a produçom é inferior a 7% e, no caso do Estado espanhol, esta nom chega nem a 1% da produçom mundial (0,30%). A Galiza, segundo publica o Ministério da indústria com periodicidade trimestral e atualizado até o ano passado, fechou o ano 2014 com 33% de contrataçom relativamente ao conjunto do Estado espanhol; longe ficam os tempos em que na Galiza se contratava mais de 50% da produçom a nível do Estado. No gráfico, podemos observar como foi a contraçom a nível mundial até o primeiro trimestre de 2012. Como se pode comprovar, som os países em que os salários som mais baixos ou os direitos laborais e sindicais praticamente inexistentes ou com fortes investimentos e incentivos por parte dos seus respetivos Estados no setor e que tenhem como consequência umha queda dos preços de venda, onde se está a observar um maior crescimento da indústria naval. O caso Chinês é o mais chamativo, pois se em 1994 a capacidade de construçom praticamente era inexistente, em 2004 chegava aos 3 milhons de CGT, em 2008 alcançava os 14 milhons, no 2010 superava os 15 milhons e em março de 2012 ultrapassava os 40 milhons (Ver gráfico 3). No caso da Coreia do Sul, a capacidade de construçom em 1994 era arredor de 2 milhons de CGT, no ano 2004 passou a 8.5 milhons, no ano 2008 chegou aos 15 milhons e já em 2010


ANÁLISE

Nº 75 Janeiro, fevereiro e março de 2015

GRÁFICO 1. Força Trabalho Mundial/Setores Económicos 50

1991

44%

3.500 3.000

2012 34%

32% 30 22%

23%

20

Milhares Pessoas

%Força Trabalho

GRÁFICO 2. Evoluçom Força Trabalho Setor Industrial

45%

40

ABRENTE 5

2.500 2.000

Estado Espanhol

1.500

Galiza

1.000 500 0

10

1976 4ºT

1980 4ºT

1996 1ºT

2013 2ºT

Ocupaçom Setor Industrial na Galiza (milhares pessoas) 0

Agrário

Industrial Setores Económicos

Serviços

Fonte: Elaboraçom própia - OIT (Organizaçom Internacional do Trabalho)

Força Produtiva Industrial - Dados em milhons 800

715,00

700

Setor Económico Setor Industrial

1976 4ºT 218,1

1980 4ºT 189,3

1996 1ºT 144,1

2013 2ºT 151

Resto Setores Total

1.010,50 1.228,60

914,10 1.103,40

807,80 951,9

847,50 998,5

Ocupaçom Setor Industrial na Galiza (%) Setor Económico Setor Industrial Resto Setores

1976 4ºT 17,75%

1980 4ºT 17,16%

1996 1ºT 15,14%

2013 2ºT 15,12%

82,25%

82,84%

84,86%

84,88%

Ocupaçom Setor Industrial no Estado espanhol (milhares pessoas) Setor Económico Setor Industrial

1976 4ºT 3.469,00

1980 4ºT 3.212,70

1996 1ºT 2.555,90

2013 2ºT 2.299,90

Centro Capitalista*

Resto Setores Total

9.184,30 12.653,30

8.568,20 11.780,90

10.060,00 12.615,90

14.483,90 16.783,80

Mundial

Ocupaçom Setor Industrial no Estado espanhol (%)

600 490,00

500 400 300

Setor Económico Setor Industrial

200

130,00

107,00

Resto Setores

1976 4ºT 27,42%

1980 4ºT 27,27%

1996 1ºT 20,26%

2013 2ºT 13,70%

72,58%

72,73%

79,74%

86,30%

Fonte: IGE (Instituto Galego Estatística) e INE (Instituto Nacional de Estatística).

100 0

1991

2012

Dados tirados dos relatórios da OIT (Organizaçom Internacional do Trabalho) *Economias maduras capitalistas onde se verificou a desindustrializaçom

% Centro Mundial 14,97% 26,53% 73,47%

ultrapassou os 16 milhons e em março de 2012 ultrapassava os 35 milhons de CGT (Ver gráfico 3). Quanto ao Japom, marcado pola crise que está a padecer, perdeu a liderança no setor em 2004 e a sua quota no mercado está a cair de forma continuada. Segundo os dados anteriores, quase 90% da contrataçom a nível mundial de navios civis deslocou-se até o extremo oriente, sendo liderada na atualidade pola Coreia do Sul e China. No caso da construçom naval europeia, nos ultimos anos conseguiu como máximo umha contrataçom em média inferior a 10%, longe dos 25% de participaçom a nível mundial que atingiu na década dos anos 90. No caso galego, se bem a tendência é similar ao acontecido a nível europeu, há um facto diferenciador, pois as imposiçons desde a década de oitenta por parte de Bruxelas pola entrada do Estado espanhol na CEE, devido à posiçom claudicante do Estado espanhol e à incapacidade da Junta de Galiza, fôrom muito mais graves e acusadas. Assim, naquela altura, num contexto de reduçom de fabricaçom de barcos em todo o mundo, derivado da crise energética da década de setenta (1973), que provocou umha descida do tráfego marítimo até a década de oitenta, o governo espanhol começa a tomar medidas para reduzir tanto a capacidade de produçom como o número de trabalhadoras e trabalhadores

GRÁFICO 3. Contrataçom Setor Naval a 30-03-2012 Pais/Estado

Encomendas

1.000 GT*

1.000 CGT**

49

183

316

48

185

309

Total Europa

856

6.614

7.770

859

6.633

7.608

Japom

936

34.666

16.264

892

32.601

15.212

Coreia do Sul

1.093

76.938

36.148

1.050

72.765 35.003

China

2.519

84.736

41.577

2.507

81.672 40.493

Total resto mundo 1.684

17.431

12.956

1.699

18.570

220.386

114.715

7.007

Espanha

TOTAL MUNDIAL 85,03%

7.088

Encomendas 1.000 1.000 GT* CGT**

13.572

212.241 111.889

Fonte: Elaboraçom própria com dados de UNIVAVE e LLOYD´S Register – Fairrplay * GT (Toneladas Brutas) **CGT (Compensated Gross Tones): Arqueaçom bruta compensada, está em relaçom com a quantidade de trabalho necessário para construir um barco e depende do seu tamanho (GT) A sua definiçom e forma de cáculo a reliza a OCDE. Emprega-se para medir e comparar a capacidade produçom dum estaleiro, um grupo, um país... a efeitos estatísticos e comparativos.

do setor. Já entrado o ano 1982, publica-se o Decreto 643-1982 sobre medidas de reconversom do setor naval e posteriormente o governo do PSOE aprova o Real Decreto 8/1983 e a Lei 27/1984 sobre reconversom e reindustrializaçom. Se bem é difícil saber exatamente o número de trabalhadoras e trabalhadores que se vîrom afetados fruto da reconversom naval na Galiza, em especial o emprego indireto, podemos afirmar que se perderom cerca de 30.000 postos de trabalho, entre diretos e indiretos, sendo tanto Vigo como Ferrol epicentros deste drama. Nas décadas posteriores, governos de diferentes cores políticas a nível espanhol, continuarom aplicando medidas e decisons que condicionárom o futuro do setor naval industrial da Galiza. O caso da antiga Astano (Navantia-Fene) é um exemplo do total menosprezo que de Bruxelas e Madrid, com a passividade de Compostela, se tivo polo nosso setor e polo nosso país. Precisamente a finais do ano passado, completavam-se três década do veto à construçom de barcos para a antiga Astano (Navantia-Fene). Se bem foi na metade da década de oitenta que se materializou a limitaçom à construçom civil em Astano, fôrom posteriormente decisons de governos do PSOE e do PP em Madrid que fôrom prorrogando esta situaçom, lastrando a economia dumha comarca, num contexto já difícil de seu. A última decisom polí-

tica contra a economia galega coincidiu com o governo de José Luís Rodriguez Zapatero, quando diante da exigência da Uniom Europeia de devoluçom de 1.200 milhons de euros em ajudas “ilegais” ao setor, pactuou a prórroga do veto até 31 de dezembro de 2014. Só um dado que explica por si só esta situaçom: na década dos anos setenta estavam incritos no estaleiro de Astano (Fene) mais de 6.000 trabalhadoras e trabalhores. Na atualidade, só há inscritos cerca de 300, dos quais quase metade estám deslocadas na antiga Bazam (Ferrol). Algumhas estimaçons feitas falam de quase 15.000 postos de trabalho diretos e indiretos que se vírom afetados na comarca de Trasancos polo veto ao setor naval que se impujo contra a antiga Astano. De nada tenhem servido os fundos de promoçom de emprego (FPE), os de Zona de Urgente Reindustrializaçom (ZUR Vigo – Ferrol) e que, no caso de Ferrol, deu lugar também aos fundos de Zona Insdustrializada em Declínio (ZID – Ferrol) que com esse nome dá ideia da situaçom laboral na comarca. No resto da Galiza, pom-se em andamento também o ZPE (Zona de Promoçom Económica) para tratar de recuperar umha economia e emprego muito castigados, e recentemente continuado com o chamado “Plano Ferrol”. Os diferentes planos levados a cabo para tratar de recuperar o emprego e a economia nom passárom de corti-

nas de fumo, que nom solucionárom os problemas e tam só demonstrárom que fôrom fonte de rendimentos para especuladores que se aproveitárom dos fundos públicos. A dura realidade que vivem nos dias de hoje as cidades de Vigo e Ferrol som claro exemplo do acontecido. Nos últimos anos, o problema com o sistema de financiamento para o setor naval espanhol ou “tax lease” pujo novamente de manifesto a falta dumha política em chave nacional galega relativamente às imposiçons continuadas de Madrid e Bruxelas. Comprovamos como carecemos dumha política que aposte claramente na classe trabalhadora frente às políticas neoliberais que favorecem a burguesia. Observamos como é mais necessário que nunca apostar numha banca pública e galega ao serviço dos interesses do nosso país e da nossa classe, motivado por um sistema de financiamento deficiente para o setor, ou também como pode ser muito mais beneficioso umha nacionalizaçom do setor, apostanto no público frente aos interesses privados.

Outros subsetores

D

esde começos deste século, o setor eólico tem tido um peso específico na Galiza, destacando na sua liderança em criaçom de emprego se comparado com o conjunto do Estado espanhol. No ano 2005, o governo bipartido aprovava o chamado “Plano Eólico” que, com as suas

eivas e deficiências, suponha o primeiro plano setorial em chave galega; posteriormente, no ano 2009, foi tombado polo PP de Feijó, quando alcançou o governo da Junta de Galiza. A última reforma do Ministro da Indústria e Energia José Manuel Soria modificou mais a normativa e pujo mais preto o futuro energético para o nosso país e, sobretodo, para o conjunto da populaçom galega, adotando umha normativa com claros interesses classistas burgueses. Desde o ano 2005, é mais do que constatável a perda de centenas de postos de trabalho derivada do deslocamento de muitas empresas (GAMESA, ALSTON, DANIGAL ou LM Composites som alguns exemplos). Continuando com o setor energético, a aprovaçom por parte do governo do PSOE de Jose Luis Rodríguez Zapatero do chamado decreto do carvom no ano 2010, que limitava a sua utilizaçom nas centrais térmicas, condenou as indústrias das Pontes e Meirama e o emprego nestas comarcas. Sem estar a favor desse modelo enérgetico, fica novamente demonstrado que as imposiçons por parte de Espanha contra a Galiza condicionam a nossa economia. O fenómeno dos deslocamentos que afetou a diferentes subsetores industriais, tivo como conseqüência a perda de força de trabalho derivada do fechamento e deslocamento de empresas para outros países ou regions com os custos laborais mais baixos. Podemos incluir o acontecido com o têxtil, a indústria conserveira ou a indústria da madeira, que significou a perda de milhares de postos de trabalho. Alem disso, a aposta permanente nas indústrias de enclave assentes na Galiza a partir de há más de umha centúria, algumhas já fechadas, tais como a Fábrica de Tabacos na Corunha, Arsenal em Ferrol, ENCE em Ponte Vedra, Alumina em Sam Cibrao ou Reganosa em Mugardos... impedem e condicionam a criaçom dum sistema industrial galego, agravam e condicionam a dependência económica, som predadores com os nossos recursos naturais e promovem o abandono do meio rural galego.

Conclusom

Por muitos cantos de sereia que cheguem aos nossos ouvidos, estamos numha fase do capitalismo, nas economias centrais, em que a situaçom para a classe trabalhadora, longe de melhorar, vai piorar, pois as diferentes crises das últimas décadas fam parte dum processo de decadência sistémica de longa duraçom5. Assim, no caso galego, o declínio industrial que sofre a nossa economia temos que enquadrá-lo portanto dentro das dinámicas próprias que se estam a produzir dentro das economias maduras do centro capitalista, agravado, isso sim, pola sua situaçom de periferia e também pola imposiçom do projeto económico nacional espanhol. Desde há décadas, a carência de soberania, junto com o pioramento da situaçom económica com motivo da nova crise do sistema capitalista, a partir de 2007, e também como conseqüência, previamente, da integraçom do Estado espanhol na Uniom Europeia, supugérom para a nossa naçom, tanto do ponto de vista económico, como social, um agravamento maior do que sofreríamos polas próprias tendências do sistema capitalista. Mais do que nunca, necessitamos avançar na nossa soberania e na defesa dos nossos interesses como classe, trabalhando pola nossa independência como povo e, como sempre, camaradas, a luita é o único caminho. 1 Jorge Beinstein. Economista e professor da Universidade de Buenos Aires. Parágrafo tirado do artigo “Origem e Declínio do Capitalismo”. http://resistir.info/crise/beinstein_23mai13.html 2 A taxa de lucro e o mundo atual. Chris Harman 2007. www.marxist.org/portugues/ harman/2007/mes/taxa.htm. 3 Michael Roberts é economista. http://www.diarioliberdade.org/mundo/laboral-economia/52211-desindustrializa%C3%A7%C3%A3o-e-capitalismo.html Texto publicado originalmente em inglês no blog do autor no dia 21/10/14. Traduçom de Isabela Palhares e Roberto Brilhante. 4 “O Banco Central Europeo e a crise Global”, Jourdy Victoria James Heredia (Investigadora do CIEM, Centro de Investigaçons da Economia Mundial – Cuba), publicado na revista Tempos Novos em julho de 2011. 5 Jorge Beinstein. Parágrafo tirado do artigo “Origem e Declínio do Capitalismo”. http:// resistir.info/crise/beinstein_23mai13.html


6 ABRENTE

APRENDER SEMPRE

Nº 75 Janeiro, fevereiro e março de 2015

“Aprendei, porque vamos precisar de toda a vossa inteligência. Protestai, porque vamos precisar de todo o vosso entusiasmo. Organizai-vos, porque vamos precisar de toda a vossa força” António Gramsci

A

o longo da história, e graças ao trabalho humano, sempre existírom produtos cuja utilidade definiu a sua relaçom com as pessoas. É o caso de umha maçá ou umha cadeira, úteis como alimento e móvel para sentar respetivamente. A partir de certo grau de desenvolvimento da divisom social do trabalho, em que as pessoas começárom a se dedicar a tarefas diferentes no processo de produçom da sua vida social, surgiu o mercado como modo de relacionamento. É aí que o produto se constitui em mercadoria, adquirindo um valor na medida que é trocado por outros produtos ou, mais tarde, através doutra mercadoria que funciona como equivalente universal: o dinheiro. A mercadoria distingue-se entom do simples produto nom mercantil na existência do duplo aspeto: utilidade (valor de uso) e valor mercantil (valor de troca), sendo que o primeiro está subordinado ao segundo, que é o mais importante e o que converte a mercadoria numha verdadeira relaçom social, e nom só umha simples “cousa” como o produto era. Para compreendermos isto, pensemos na compra de umha cadeira. Em funçom da utilidade que para nós vai ter, acudimos ao mercado para adquirir por um preço marcado (representaçom do valor de troca) essa mercadoria, que umha vez na nossa casa deixa de ser mercadoria para se tornar um simples produto útil para nós (valor de uso). Na verdade, esse percurso começou já na altura em que a cadeira foi construída com a perspetiva de se realizar no mercado. É isso que a converte em relaçom social entre pessoas (empresário, produtor, comerciante, comprador...), se bem nós interpretamos que se trata só de umha simples cousa. Ela só fica reduzida a “simples cousa” quando está na nossa casa a servir-nos em funçom da sua utilidade. Tenhamos em conta, porém, que nom todo bem ou produto útil é umha mercadoria. Só se converte em mercadoria quando o seu valor de uso é disponibilizado a outras pessoas através do mercado, tendo nesse caso um valor social expressado no seu valor de troca. Se bem a existência de mercadorias é muito antiga, a novidade do capitalismo é a de convertê-las no eixo da sociedade, sintetizando todas as categorias e antagonismos que definem esse modo de produçom (trabalho abstrato, força de trabalho, exploraçom, alienaçom, meios de produçom, mais-valia, salário, mercado, dinheiro, crise...). Todo está aí! Eis a importáncia dessa célula básica da sociedade capitalista que chamamos mercadoria. O trabalho é o que nos humaniza como espécie, sendo a nossa a única que fai do trabalho umha tarefa consciente com um objetivo que lhe permite transformar a realidade em termos históricos concretos. Porém, é também precisamente o trabalho mediatizado pola mercadoria, na medida que se estendeu a relaçom salarial-mercantil com o alargamento das relaçons capitalistas, que desumaniza o trabalhador ou trabalhadora como produtor de mercadorias definidas polo seu valor mercantil e nom pola sua utilidade. Umhas mercadorias que o trabalhador ou trabalhadora realiza para outro (o burguês) em troca de um salário que paga só umha parte do trabalho investido, obrigando ainda por cima o trabalhador a adquirir no mercado essa (ou outras) mercadorias mediante o pagamento com parte do salário. De facto, a força de trabalho constitui mais umha mercadoria no mercado capitalista, sendo o seu valor de uso o trabalho que permite ao burguês produzir outras mercadorias e o seu valor de troca o salário socialmente determinado polo próprio mercado. Som as condiçons de exploraçom consubstanciais ao regime mercantil-salarial que levam à produçom da mais-valia ou parte da força de trabalho nom paga e que permite a apropriaçom polo burguês e a reproduçom alargada do capital.

Categorias marxistas

As categorias funcionam para Marx e Engels como esteios teóricos em que se sustenta a análise da sociedade capitalista. De caráter histórico e abstrato, tenhem no entanto correspondência permanente na realidade concreta desse modo de produçom, se bem as suas manifestaçons concretas nunca correspondem totalmente com o modelo ideal ou abstrato. Parte-se da validade permanente dessas categorias para, funcionando como axiomas, permitirem avançar na construçom do modelo teórico e na intervençom prática sobre a realidade capitalista, mediante aproximaçons sucessivas do abstrato para o concreto (método abstrato-dedutivo), com vistas à sua transformaçom revolucionária. Começamos abordando a categoria considerada por Marx como “célula fundamental” da sociedade capitalista: a mercadoria.

Mercadoria

Eis como o ciclo de produçom e reproduçom mercantil capitalista separa o trabalhador ou trabalhadora do fruto do seu trabalho, alienando-o e convertendo a mercadoria no verdadeiro eixo articulador do sistema, ao ponto de se converter em fetiche. O chamado “sentido comum” acaba por considerar que o que acontece na sociedade capitalista é umha relaçom entre cousas, quando na realidade se trata de umha relaçom entre pessoas. O avanço do capitalismo tem conduzido à progressiva mercantilizaçom da vida: se no início eram só uns poucos produtos que eram realizados como mercadorias (alguns alimentos, produtos necessários no dia a dia das pessoas, especiarias trazidas de longe...), o alargamento do mercado e a reproduçom do capital tem levado à conversom em mercadoria de produtos como a água, o ensino, a saúde, a música, o tempo livre... para assim possibilitar o aumento dos lucros por parte das minorias capitalistas detentoras dos mecanismos tecnológicos e políticos para garantir a expropriaçom dos lucros resultantes. É por isso

que afirmamos que, nesse processo histórico, a mercadoria constitui a partir de certa altura o centro do sistema. A genialidade de Marx estivo em avançar o mecanismo fundamental de funcionamento da mercadoria como gasolina do motor capitalista, um mecanismo que continua a funcionar, em escala alargada, da mesma forma que quando ele o definiu como categoria fundamental da sua economia política. O grande êxito ideológico da burguesia tem sido chegar a transmitir para o sentido comum das sociedades capitalistas a crença de que todo o sistema social e histórico arquitetado em torno da mercadoria tem caráter natural e permanente. Surge daí a interpretaçom como pura utopia irrealizável de qualquer tentativa de ultrapassar as relaçons sociais construídas em torno do valor como mecanismo de reproduçom capitalista e do próprio sistema. Por seu turno, o grande contributo teórico de Karl Marx consiste em situar historicamente as

LIVROS

Mercado escravagista na Argélia. Século XVIII

relaçons sociais mercantis capitalistas e formular as condiçons para a sua superaçom, mediante a luita revolucionária que conduza para o comunismo. Nele, as relaçons sociais deixarám de ser construídas de maneira mercantil-capitalista, tornando progressivamente obsoleta a relaçom salarial, a divisom social do trabalho e a apropriaçom do excedente económico pola classe burguesa dominante. Também será no comunismo que as diferentes alienaçons ligadas à mercadoria como eixo da (re)produçom social, e principalmente a económica, serám ultrapassadas. A força de trabalho deixará de ser umha mercadoria, o trabalho recuperará o seu papel como realizaçom da nossa própria humanidade e os valores de uso recuperarám a sua centralidade frente aos interesses do “mercado”. Umha revoluçom como essa só pode ser protagonizada pola única classe em condiçons de substituir a burguesia como dominante da divisom social do trabalho: a classe trabalhadora.

WEB

Adaptaçom em cómic da obra de Karl Marx El Capital. El manga Barcelona, Herder, 2013, 390 páginas

Daniel Bensaïd, com ilustraçons de Charb Marx, manual de instruções São Paulo, Boitempo Editorial, 2013, 192 páginas

Jorge Grespan, 2013 Palestra: A crítica da economia política em Marx http://youtu.be/5Xp3UFM3nPc

Ótima proposta gráfica-formativa sobre os principais conceitos dos tomos I, II e III do Capital. De maneira acessível e amena, avançamos através das páginas numha típica história de género mangá, que serve de veículo ideal para compreendermos o funcionamento do capitalismo. Mercadoria, mais-valia, valor, exploraçom, dinheiro, capital fictício, crise... Muito recomendável como primeira aproximaçom prévia à leitura direta do Capital.

O título mostra bem o objetivo da obra: trazer a obra de Marx para quem o próprio Marx concebeu como “público alvo”, fora de qualquer pretensom erudita ou académica. Bensaïd aproxima a classe trabalhadora de hoje do marxismo crítico e radical, através das chaves para a incursom direta na obra do autor do Capital, partindo da incontornável realidade da sua vigência para a compreensom e o combate contra o capitalismo. O tom rigoroso e descontraído é bem complementado polas ilustraçons de Charb, diretor do Charlie Hebdo recentemente assassinado em Paris.

Dentro do IV Curso Livre Marx-Engels organizado em São Paulo pola Editora Boitempo em maio de 2013 e com curadoria de José Paulo Neto, o professor da USP Jorge Grespan apresentou uma comunicaçom bem didática de umha hora e meia, sobre Marx e a sua crítica da economia política. O autor percorre os três níveis da produçom, circulaçom e consumo e as relaçons internas que configuram o funcionamento do capitalismo, com base sobretodo no Capital e nos Grundrisse.


INTERNACIONAL

Nº 75 Janeiro, fevereiro e março de 2015

Sonhos imperiais

O

TTIP: a integraçom das decadências Reservas globais de petróleo

Elipse energética global

Reservas globais de gás

80% das reservas globais de gás 60% das reservas globais de petróleo

Alianças periféricas

Integraçom latino-americana Estratégias de controlo caótico

projeto de integraçom entre os Estados Unidos e a Uniom Europeia (TTIP) é a vertente atlántica do TPP, o acordo transpacífico, ambos aparecem como a estratégia de criaçom de umha vasta articulaçom dirigida por Washington, rodeando a convergência eurasiática motorizada pola aliança russo-chinesa que estende sua influência para a periferia africana e latino-americana (tentando umha Europa a caminho da desintegraçom). Na prática, cada umha dessas ofensivas norte-americanas assume um duplo aspeto. O acordo transpacífico tenciona assegurar o controlo razoavelmente organizado do que poderíamos qualificar como o arco periférico, formado por países de alto desenvolvimento, como o Japom, e subdesenvolvidos, como as Filipinas ou a Colômbia. E, a partir dessa zona controlada, cercar, hostilizar e pressionar a China. Por sua vez, o projetado acordo transatlántico pretende realizar umha operaçom similar controlando os países da atual Uniom Europa e apontando para a Rússia. A partir do Leste e do Oeste, o Império estabeleceria assim umha espécie de jogo de pinças sobre o espaço euroasiático, confrontando com a aliança russo-chinesa, que os estrategas imperialistas consideram “o inimigo principal”. Este desdobramento pretende apoiar-se sobre umha dinámica flexível, combinando diferentes doses de ordem e de caos: em princípio, trata-se de conseguir o controlo ordenado da “retaguarda estratégica” (países do TTIP e do TPP) e o controlo caótico do “espaço hostil”. É importante levar em conta os antecedentes ideológico-geopolíticos desta mega-estratégia global, bem como as suas componentes militar e energética (estendida a outros recursos naturais). O pensamento geopolítico imperial prolonga e, de certa forma, renova umha velha obsessom ocidental, apontando para o espaço continental eurasiático, desde o leste europeu até o Pacífico, visto como umha área destinada à conquista colonial, ao saque dos seus recursos naturais, à sobre-exploraçom das suas populaçons, seguindo as tradiçons de Napoleom e Hitler. Para começar a entender os estrategas do Pentágono, é necessário remontar a Halford J. Mackinder, pai fundador da geopolítica anglo-saxónica, quem assinalava a começos do século XX que a prevalência global de Inglaterra, potência marítima, dependia do controlo do continente eurasiático, principalmente da sua zona central, o “heartland” ou coraçom estratégico do mundo, incluído naquela altura o Império russo1. Conter, desarticular, calcar a essa potência e seus possíveis aliados para o centro-leste europeu ou para o este asiático, impedir possíveis convergências russo-alemás ou russo-chinesas. Segundo essa visom o planeta aparecia dividido em três espaços; a “ilha mundial”, abrangendo a Ásia, África e Europa continental, rodeada por umha faixa marginal próxima, marítima, com Inglaterra, Japom, etc; e por trás dela, umha faixa marginal longínqua com a América, Austrália, etc. Mal terminada a Primeira Guerra Mundial, Mackinder resumia a teoria com a sua célebre frase: “Quem governar o Heartland dominará a Ilha-Mundial; quem governar a Ilha-Mundial, controlará o mundo”. O contra-almirante Alfred Mahan, a partir dos interesses dos Estados Unidos e na mesma época, apontava para o mesmo objetivo2. Mais adiante , Nicholas Spykman, durante a Segunda Guerra Mundial, continuando de maneira crítica as ideias de Mackinder e Mahan, sentou as bases da escola geopolítica estado-unidense, cujos seguidores serám personagens como Henry A. Kissinger, George F. Kennan, John Foster Dulles, Zbigniew Brzezinski e falcons de última geraçom como Robert Kaplan ou Robert Kagan. Spykman criticava a teoria de Mackinder, na realidade alargava-a, ao “heartland” ou coraçom continental do estratega británico agregava-lhe o “rimland”, o anel de territórios e espaços marítimos que o cercam. Dito de outra maneira, a contençom e

Convergência eurasiática Rússia

China

BRICS

África

Participaçom dos países do futuro TTIP no Produto Bruto Global Em percentagem, medida a Paridade de Poder de Compra. Fonte: Banco Mundial 48 46 44 42 40

Países da atual Uniom Europeia

Países do Pacífico

38 36 34

TTIP

TPP Estados Unidos

30

Retaguarda estratégica depois a desarticulaçom colonial do inimigo eurasiático devia ser desenvolvida a partir da Europa nom russa (ou anti-russa), do Pacífico contra a China e da Rússia e do Sul marítimo e continental da Ásia e África. Obras como “O grande tabuleiro mundial” de Zbigniew Brzezinski3 reafirmavam as teorias de Mackinder e Spykman nos anos 1990, no pós Guerra Fria, dando os primeiros passos do que agora alguns autores denominam Guerra Fria 2.0, tentando a conquista integral da periferia facilitada pola desarticulaçom de seu coraçom estratégico: a convergência russo-chinesa (que vai alargando as suas áreas de influência na Eurásia, África e América Latina). Visto com o ángulo dos recursos naturais a Federaçom Russa, aparece como o aparelho estatal (ou estatal-militar) que bloqueia o domínio imperial completo da chamada elipse estratégica dos recursos energéticos globais, território politicamente complexo que acolhe cerca de 60% das reservas mundiais de petróleo e 80% das de gás, abrangendo os países da bacia do Mar Cáspio e do Golfo Pérsico, estendendo-se para a Rússia. Com umha visom económica mais ampla, nom só deve ser agregado um leque de recursos mineiros: desde antimónio (a China mais a Rússia tenhem 80% das reservas globais) até as “terras raras” (a China possui cerca de 60% das reservas globais) passando polo bismuto (a China tem 70% das reservas globais), o manganês (a Ucránia dispom de um quarto das reservas globais), a potassa (a Bielorússia tem algo mais de metade das reservas globais). Também é necessário considerar os 230 milhons de operários industriais da China, cuja incorporaçom à economia mundial através de exportaçons baratas dirigidas principalmente para os Estados Unidos, Japom e Europa ocidental permitírom suavizar os desajustes estruturais causados pola onda neoliberal.

32 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Economista e professor da Universidade de Buenos Aires

Espaço hostil

Jorge Beinstein

ABRENTE 7

Mas o desenvolvimento do mercado interno chinês foi tornando mais cara essa mao de obra sobre-explorada (atualmente, por exemplo, o salário média na China é superior ao do México), o capitalismo chinês ia-se autonomizando e finalmente encabeçava junto à Rússia um processo de integraçom regional e de concorrência global com o Ocidente. Nesse sentido, é razoável pensar que os Estados Unidos, os seus sócios-vassalos da Europa e o Japom tenhem intençom nom só de dominar a elipse energética global, como também de submeter, sobre-explorar e embaratecer os operários chineses, redirecionando completamente a sua força de trabalho (ou o que ficar dela se se concretizar a colonizaçom da China) para as necessidades dos capitalismos centrais tradicionais.

Os três níveis do desenho

A

imaginaçom imperial edificou umha hierarquia flexível de três níveis: o primeiro nível é o do espaço próprio, os Estados Unidos, que desde a chegada de George W. Bush à Casa Branca vai-se convertendo numha sociedade policial, aproximando-se de um modelo de tipo neofascista, a tendência viu-se reforçada na era Obama e será assim seguramente bem mais no futuro. O segundo nível estaria integrado pola retaguarda estratégica, isto é os países “seguros”, aliados do Império que atenazam geograficamente o “espaço hostil”. Trata-se basicamente da Uniom Europeia e dos vassalos do Pacífico, o TTIP e o TPP seriam o seu enquadramento económico, a NATO e os acordos militares dos Estados Unidos no Pacífico conformariam a sua estrutura bélica. O terceiro nível seria o “espaço hostil”, países periféricos destinados a ser objeto de desarticulaçom e saque. Porém, o arco ou retaguarda estratégica nom é integrado por dous

subespaços economicamente homogéneos, mas por zonas heterogéneas, com países de primeira classe e outros de segunda ou terceira. Alguns que começam a declinar a partir de grandes alturas, como a Alemanha, França ou Inglaterra e outros que se encontram em pleno desastre social, como a Grécia, Roménia ou Bulgária. No Pacífico, temos umha economia hiperdesenvolvida e decadente como o Japom e outras tanto ou mais decadentes, mas completamente subdesenvolvidas como as Filipinas, Colômbia, Peru ou Indonésia. Esta simples constataçom serve para pôr em dúvida a viabilidade do desenho. A retaguarda estratégica segura, as tenazes dos serventes do Império, nom parecem ser seguras, antes apresentam-se como um monte de zonas doentes às quais os estrategas imperiais pensam encomendar missons que estám muito acima das suas possibilidades reais. É o que ocorre atualmente no caso ucraniano, onde os Estados Unidos obrigam a Uniom Europeia a reduzir as suas relaçons comerciais com a Rússia, incentivam a histeria anti-russa dos países bálticos e Polónia e fabricam um espaço caótico na Ucránia, instalando no seu governo umha mistura insólita de neonazis, oligarcas e bandidos, com o fim de desestabilizar a Federaçom Russa. O que consegue é em primeiro lugar a derrota militar do governo ucraniano, o desabamento do seu aparelho punitivo empurrado para a armadilha de Deváltsevo, desestabilizar a Uniom Europeia e fortalecer a popularidade de Putin, consolidando o sistema de poder da Rússia. Em conseqüência, o jogo entre ordem e caos (controlo ordenado do espaço próprio e do campo dos aliados... caos para o resto do mundo) devém um mega-espaço universal com fronteiras confusas. A dinámica da crise global (económica, política, civilizacional) fai rebentar os esquemas teóricos dos estrategas imperiais.

A prática imperialista nom consegue os seus objetivos, convertendo-se antes num catalisador da decadência sistémica global, um de cujos aspetos mais notáveis é a fuga militarista para adiante, realidade extremamente perigosa qualificada de maneira conservadora como Guerra Fria 2.0, quando na verdade se trata de um processo de guerras locais que começárom como guerras assimétricas (a superpotência militar contra países subdesenvolvidos fracos) como no Iraque, Afeganistám ou Líbia, mas que no caso da Síria e agora com a Ucránia aparece como a confrontaçom entre os Estados Unidos e a Rússia, as duas principais potências militares do mundo.

O TTIP: a integraçom entre a fame e a vontade de comer

O

TTIP aparece como o projeto económico mais ambicioso dos Estados Unidos que trataria de integrar sob o seu controlo direto, num só espaço, o conjunto de Ocidente, o que somado à NATO daria teoricamente como resultado a existência de umha força mundial irresistível. Mas a teoria e a manipulaçom mediática que a acompanha nom coincidem com a realidade. A propaganda fala-nos da uniom de dous espaços económicos que ao se integrarem representariam cerca de metade do Produto Bruto Mundial, em geral trata-se de cálculos em dólares correntes que sobre-estimam economias com moedas sobrevalorizadas, como o é atualmente a dos Estados Unidos e o seu dólar, e subestimam outras com moedas subvalorizadas, como a da China. Tanto o Banco Mundial como o FMI, que nom podem enganar-se a eles próprios de maneira tam extrema, apresentam cálculos de Produto Bruto Interno medidos a Paridade de Poder de Compra em cada país, o que brinda umha visom mais realista. Segundo esses cálculos, o potencial TTIP representava em 1990 46,1% do Produto Bruto Mundial, para descer suavemente até 44,2% no ano 2000 e depois percorrer umha trajetória de queda rápida, baixando em 2013 até 33,8%, escassamente superior ao produto bruto dos países do BRICS (29,3%). Como é sabido e segundo dados do FMI, o produto bruto chinês (medido a paridade de poder de compra) ultrapassou o dos Estados Unidos em 2014. A economia norte-americana está superendividada e conseguiu modestos crescimentos depois da recessom de 2009, graças a gigantescas injeçons de dinheiro a cada vez menos eficazes em termos de crescimento produtivo, dispom de umha estrutura industrial declinante, os seus desocupados reais (nom os que indicam os dados oficiais manipulados) aumentam. Por sua vez, a economia da Uniom Europeia deixou de crescer e em 2015 sofre deflaçom. O TTIP, se vinher a se concretizar, aumentará os lucros das grandes empresas transnacionais de cada zona, a anulaçom de escudos protecionistas que implica esse tratado gerará desempregos que nom poderám ser compensados por hipotéticas geraçons de empregos graças aos acréscimos das vendas aos respetivos mercados desprotegidos. Em ambas zonas, aumentará a concentraçom de rendimentos, arrefecerám ainda mais esses mercados, a pobreza alastrará e as taxas de crescimento económico serám nulas, muito baixas ou negativas. Em definitivo, a via de salvaçom para um grupo concentrado de capitalistas será ao mesmo tempo um colete de chumbo para as grandes maiorias populares de Ocidente. Mas a salvaçom do mundo burguês nom chegará do heartland, da Eurásia (ou do BRICS), que nom consegue subtrair-se do desastre geral, o Brasil e a Rússia oscilam entre o crescimento zero e negativo, a China e a Índia desaceleram, nom há desacoplamento periférico, a crise mundial começa a se perfilar como decadência geral do sistema. 1 H. J. Mackinder, “The Geographical Pivot of History”, The Geographical Journal, Vol.XXIII, 1904, Londres. 2 Alfred Mahan, “The Influence of Sea Power Upon History”, Little, Brown and Company, Boston 1890. 3 Zbigniew Brzezinski, “El Gran Tablero Mundial”, Paidós Ibérica 1998.


Jornal comunista de debate e formaçom ideológica para promover a Independência Nacional e a Revoluçom Socialista Galega

Ramiro Vidal Alvarinho. Militante de NÓS-Unidade Popular

Contracapa Insurgente

A

Edita: Primeira Linha. Redaçom: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Telefone: 616 868 589 Conselho de Redaçom: Comité Central de Primeira Linha. Fotografia: Arquivo Abrente. Correçom lingüística: Galizaemgalego Diagramaçom: ocumodeseño. Imprime: Sacauntos Cooperativa Gráfica. Encerramento da ediçom: 29 de fevereiro de 2015 Correspondência: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Web: www.primeiralinha.org / Correio eletrónico: primeiralinhagz@gmail.com / Twitter: @PrimeiraLinhaGZ Tiragem: 3.000 exemplares Distribuiçom gratuíta. Permite-se a reproduçom total ou parcial dos artigos sempre que se citar a fonte. Abrente nom partilha necessariamente a opiniom dos artigos assinados. Impresso em papel reciclado. Depósito Legal: C-901-1997

Galiza no Atlas Mundial da Revoluçom

geografia mundial da rebeliom é umha bola do mundo com luzes que se ligam e desligam; nom é umha imagem estática e todos os povos tivérom os seus momentos a prender a sua particular luz. Hoje a chama da revoluçom brilha na Ucránia antifascista; no Curdistám, com @s noss@s camaradas do PKK; na Palestina, com a luita heróica da FPLP; na Colômbia nas guerrrilhas comunistas e bolivarianas das FARC-EP e do ELN; na Venezuela chavista; nas Filipinas, com o Novo Exército do Povo; no México, no Paraguai, no Equador ou no Brasil, com as luitas indigenistas e camponesas; ou em toda a Europa, com a luita de classes a ressurgir contra os prognósticos dos altofalantes pós-modernos. Com efeito, Paris, Londres, Atenas, Lisboa som nomes de lugar para umha revoluçom que será global e que se manifestará de forma local, a pé de rua, em cada bairro operário. Quando alguns proclamavam a morte da classe, ela abrolha como única verdadeiramente capacitada para liderar umha viragem revolucionária. Primaveras e movimentos regeneracionistas de calado similar (15-M, Occupy) que reclamam maior democracia institucional, medidas contra a corrupçom e a remissom das políticas de cortes e austeridade, som um sintoma da crise do modelo social, mas a resposta revolucionária chegará em forma de luita de classes. Essa luita de classes vai ter lugar nas ruas e nos centros de trabalho. …E na Galiza? Na Galiza, devemos fazer o nosso esforço por nos colocarmos no Atlas da Revoluçom. Mundial em chave de presente. Com umha situaçom de claro risco de desapariçom do povo galego como comunidade lingüística e cultural, e com umha consciência nacional em mínimos, só a unidade de classe nos pode levar à vitória, perante a ofensiva fascio-liberal espanhola. A recuperaçom dos setores produtivos históricos galegos, das conquistas sociais da classe operária galega, a luita pola socializa-

çom do trabalho, pola inclusom no mundo do trabalho das pessoas discapacitadas, das mulheres... passa pola luita por um modelo novo, sob as linhas mestras da independência, o socialismo e o feminismo. Devemos luitar por umha naçom livre e soberana construída nesses parámetros e à margem das pautas do dogma liberal, onde fiquem excluídas as privatizaçons, as deslocalizaçons e as liquidaçons fraudulentas de empresas. Onde nom tenha lugar a especulaçom com a nossa força de trabalho, através de empresas de trabalho temporário e de contratos-lixo. Onde as condiçons de

trabalho acordadas nos instrumentos de participaçom operária tenham força de lei. Onde o desemprego deixe de ser umha situaçom normal para determinados perfis de trabalhador ou trabalhadora. Onde homens e mulheres tenham exatamente as mesmas remuneraçons perante a mesma carga de trabalho, e as mesmas possibilidades de promoçom, com o único condicionante da capacidade de cada qual. Frente ao axioma hipócrita da austeridade liberal, devemos instaurar a racionalidade socialista. A opulência consumista, com a sua sobreproduçom e o seu consumo

irracional devem desaparecer. Os recursos públicos devem ser direcionados a cobrir necessidades reais. E, naturalmente; a saúde, a educaçom, a arte, a cultura, o desporto... mas também a alimentaçom, o vestido, a higiene, a vivenda e os seus serviços básicos, devem ser direitos com os quais de nengumha maneira se poda fazer negócio. O povo trabalhador galego deve luitar por umha sociedade nova numha pátria libertada. Deve acender a sua luz no Atlas Mundial da Revoluçom. Como di a Internacional, “nom há salvadores supremos...”.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.