KWZero 1

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KADOK

à memória de João Vieira

Toda a arte é bibliográfica: freme com a destreza alucinante, granular, de um definhar digital, ou uma erma feira. Esta é a amorosa profissão de eventos obtusos, a absorta truculência de alguns signos fadados: continentes pro-vocados, frágeis, metafísicos e diagonais.

E vislumbro documentários, espuma desabrochada embaraçando-se no ar amanhado. A luz colhe-se na inteligência. Resvalo na trombetas da Graça. Transpira o incendiado ecrã, voraz, flor adversa assistido por fotões, repetido na cisão inextricável. Atmosfera exasperada, com a fria nostalgia das falas rasas.

— Dolentes, as arcadas recolhem o fim da tarde. Leve esqueço esse sumiço no arrefecer dos astros. Oh, o varar dantesco das vidas novas.

Biografia impune, calcada, filme intercalar, em sua enxurrada vigilante desarrumando-se com palmeiras escavando a entropia funda. Sopra a memória na quietude dos copos.

A chama do cerne, do nicho pituitário recai onírica: ego arvorado, lume nos lóbulos, ardor a narrar-se, intrépido, a cores.

A luz recolhe garras de alegorias. E na bruxuleante passagem das câmeras assíduas sou a imagem dissuasora.

Na superficie agente o amante compõe ligeiro nomes de tumulto e sujeira.

É a vida brava, apetecível, bibliografia voraz, filmografia insensata. Súbita, a terra brame, soluçam as águas nas caves do tempo arrebitado para arquitecturas de fundo.

A atenção coa a gravidade do pensamento água mineral a borbulhar por jardins predilectos. Infâncias agudas lambem a Criança, dealbar de vozes onde

o deus sensível e morredouro se instala. E a atmosfera apruma — corpulenta, agravando o Ocidente. A roupa desmazelada veste meses escuros; as manchas respiram a perpétua folha de ouro. Oh, o pavor de pavão corrompe a doce tinta que grava augúrios na Face! Que a gente renasce a colher amoras no kairos encharcado!

Reincide a água fluída, borbulhante água leviana vincando o dorso do tempo granular. Qual vírus mascarado. Em dedos vários tropeça lenta, plural, reproduzindo-se a luz pela gravidade. E a si mesmos se desenham os banquetes turvos, as bebidas que ampliam a dissolução. Dramáticos reciclamos orquídeas murchas. Amplitude magnética através da empatia que aquieta vegetal. A presença, insone, habita o vortex da claridade, descentrada em sua frescura e louvor mascarado. A beleza comprime face.

O crepúsculo despe a brisa, túlipas conquistam a cínzea planura do oceano. Inscrevem-se luzes mornas denunciando trevas: estilhaços foscos de gravuras primordiais.

Hortos fermentam sob ávidas albas, onde se demolharam noites bestiais, com luas lavando plexos.

Nenhuma cor fora tão persa que me lambesse assim a cara. Serpentes de sol a desembrulhar contrapicados de infância; agacham-se no útero: no poço lume colhido na água, fogo no períneo cerrado.

O vento emprenha a metáfora que traduz: cravo abraçando barulhos proletários — adjectivo libertino, por entre ortografias galantes, a rimar migalhas.

Lavam-se os vasos que te aumentam, os ecos que aliteram cores de mente, desde o nascente. É o ritmo que te compara

a idade sôbolos rios que ungem pensamentso. Penduras a harpa no sopro das linhas, e atiras a pedra ao charco de luz onde mães medram mais mágoas.

Escava um vôo à ciência, avista— hiato fértil que te agrava. Diluição cálida, mapa transitório, expressão — a cara infusa na santidade do sopro. Uma pomba bascula na barca de animais figurada. Na fina pele que acha folhas de ouro doce avanço eu: dúvida em arrefecimento empinado. Bode, a envelhecer arreigado.

Vibra o cobra arteiro. Besta a desbravar, a arquear cores na película nata. Veias perdidas dos mapas: mamas fabulosas, bestiários avulsos em pergaminhos esfregados, pele de cabra ferida de pedra, mulher, maçã, erva. Oh maravilha salgando o sabor animal.

Cacto incisivo, suores, coalhos de planos fixos. Talhados na concisão murmúrio azul, festim de sombras: o caudal do foco a meio. Raios de visão emplumada: centelhas a santificar numa brandura fosca, escarpas despertando marés memórias a dar o salto.

A dança agiliza pernas que sovam a terra. Sobra a placenta à cria: torvelinhos fundos. Oh, beleza ridente e crua! A noite açaima a leitura e mostra dentes à ternura. A cabala semeia junto ao pé-de-meia a divina loucura.

Ajardinas na retorta mercúrio — arborescem afectos escuros. O colo longo, senhora, sobe o tempo é nossa discrepância, lava de livros deitados, partículas de mudança!

Corvos fornecem plumas para escrever o âmago que alvorece solar. A argúcia esfria o tempo. Uma teima de música afaga a ilha peluda do ventre. Digo que o Lobo é Logos confessa. Turbam-se no âmago as faunas.

Sentado no canto baço, a visão desabroxa. O calor ondula: torvelinho maduro. E labutam orquídeas na erosão das rotas. Tábuas pasmadas, serradura e sexo. Cartas de marear encardidas de estrelas. Alvitra a mão jardineira

na vida abusada. Como alecrim fumegando apertas nos seios imagens recalcadas. Plasma, oh, película espantada: fulgor desviando vocações na projecção.

A fronte eleva-se na teoria povoando: ondulação de intuições, risco da leveza, bichos esboçados em poética acre, desenhos escancarando fachadas de matéria. Tudo solicita tudo co-movente: entusiasmo acérrimo, orquídolo nómada em céu severo. E no múltiplo, então, montas fotogramas fatais.

O olhar é caça, ou fundura impregnada pela rapidez do éter, ondulação de som alongado. Zona magnética: o entusiasmo. Documentário tremor do excesso. Com a mão dubitando, desbasta a morte que recicla o mundo. E como o demais se engasta.

a dúvida como nascimento da exuberância intimidade dos sentidos vislumbrar dentro o encontro mais que a memória como arte a inacção como arte a alegria como arte tu és a invenção do meu paraíso tu és os ritmos da intimidade a dançarem a revolução

este é o corpo toma-o come-o este é o estado da devoração dos corpos livre do juízo final

eu vejo-me como pássaro paradisíaco eu nunca cessei de me diferir a revolução permanente multiplica-nos os eus nós somos o povo e quando morrermos a sabedoria sobra-nos tu és o fulgor o júbilo a diversa maneira de desfrutar o desejo a dúvida da qual renascemos para prosseguir a ternura revolucionária

não há tempo que seja medida das revoluções nenhum evento se encerra nas datas o entusiasmo vai no vir a ser outros a utopia é o pensá-la no carne nos instantes sem rigor no inevitável encantamento e é a eternidade que nos encontra à força de morrer e renascer espontâneos

A ARTE DE CONVIDAR

(invitation art Jacques Pastiche)

1. convida vossa ex.a para mais uma inauguração (entre outras)

2. convida-o a nem sequer comparecer (o direito a faltar faz bem)

3. gostaríamos que viesse com sacrifício pessoal 4. intíma-o a estar presente em corpo, alma e viva voz

5. queríamos que fizesse o obséquio de vir à exposição

6. queríamos deixá-lo baralhado quanto a contar consigo no evento

7. gostaríamos imenso que viesse (e no entanto…)

8. prepare-se para o esperado inesperado na hípotese de comparecer 9. adorava que viesse por razões sentimentais, profissionais e outras mais

10. é com refinado e renovado cinismo que o convidamos 11. gostaríamos de o seduzir com insistência para esta espécie de inauguração

12. achariamos oportuno que vá a outro sítio (e que tal ao cu de Judas?)

13. julgamos que não seria má ideia se se calhar aparecesse 14. seria importantíssimo que viesse, sabendo do incómodo que representa

15. venha apimentar o exuberante evento com a sua carinha laroca

16. cremos não ser indiscretos ao pedir-lhe que dê aqui um pulinho para que a inauguração não seja um fiasco

17. não perca esta extraordinária oportunidade de vir à grandiosa inuguração

18. venha abrilhantar com a sua imprescindível presença a fabulosa inauguração

18. ficaríamos extremamente ofendidos se não viesse

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