AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS-UNISINOS CIÊNCIAS HUMANAS ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

ALEXSANDRA CRISTINA ERHART BAMBERG PEDROSO

AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

SÃO LEOPOLDO 2013


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ALEXSANDRA CRISTINA ERHART BAMBERG PEDROSO

AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

Trabalho de conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS

Orientador: Ms. Paulo Sergio Fochi

SÃO LEOPOLDO 2013


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Alexsandra Cristina Erhart Bamberg Pedroso

AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS Aprovado em 28 de março de 2013.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Prof. Ms. Paulo Sergio Fochi – Orientador

________________________________________________________________ Prof. Dra. Marita Martins Redin – 2ª Avaliadora


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A todos que me incentivaram a estudar, pesquisar e correr atrás dos meus sonhos, dedico este trabalho. Mas, principalmente as crianças, que com sua curiosidade, irreverência e alegria me levaram a sentir esta necessidade de compreendê-las melhor.


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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Agradeço a minha família pela paciência, incentivo e compreensão. A minha mãe, que me incentivou a ser professora, a estudar e batalhar por aquilo que acredito; ao meu esposo pelo seu companheirismo nos momentos em que precisei desabafar e trocar ideias e pela sua ajuda quando precisei escrever a presente monografia e ele teve que ficar com nossa filha; e claro a minha filha, peço desculpas pelos momentos que não pude estar tão presente quanto gostaria, mas agradeço ao seu carinho e compreensão em saber que sua mãe precisava realizar esta pesquisa. Todos, e cada um a sua maneira, colaborando para que eu realizasse esta conquista de ser Especialista em Educação Infantil. Aos professores que foram muito importantes em minha caminhada, me fazendo crer na educação. A uma em especial, que percebeu em mim o gosto pela infância, antes mesmo de mim. Ao professor e meu orientador Paulo Sergio Fochi, pelas horas de dedicação, pelos seus comentários, questionamentos, críticas, sugestões, por suas palavras de incentivo e também por sua cobrança e puxões de orelha, obrigada por você ser tão presente e interessado, por estar e se mostrar disposto a me ajudar em todos os momentos que precisei. A todas as crianças que fizeram parte da minha caminhada, que de uma forma ou de outra, me motivaram a estudar, a pesquisar, em busca de informações que me auxiliassem a compreendê-las melhor, me possibilitando refletir sobre a minha prática pedagógica e me incentivando a sempre ir além, buscar o novo, o imprevisível. E não poderia deixar de agradecer as minhas colegas e a equipe da escola Municipal de Educação Infantil Pedacinho do Céu, pelo apoio e incentivo nos meus momentos de experimentação com os bebês.


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RESUMO

Este trabalho refere-se à pesquisa que investiga como os bebês estabelecem relações com os materiais e como estas se convertem em linguagem. Trata-se da pesquisa sobre a utilização de materiais não corriqueiros nas atividades desenvolvidas com os bebês, e a importância que estes momentos de exploração e relacionamento com os diversos materiais possuem para a criança, pois através destas experiências o bebê toma conhecimento sobre os materiais, define projetos, age, demonstra intenção, testa hipóteses, relaciona, agrupa, compõe, alinha, intercala, ordena, classifica, amontoa, recolhe, derrama, despeja, apropriando-se das características dos materiais, conhecendo-os e significando-os, desta forma compreende o mundo que a cerca, comunicando-se com ele. PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil, bebês, relações, materiais, linguagem.


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Ao contrário as cem existem

A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos cem pensamentos cem modos de pensar de jogar e de falar. Cem sempre cem modos de escutar de maravilhar e de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos, para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura

lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos de fazer sem a cabeça de escutar e de não falar de compreender sem alegrias de amar e de maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir um mundo que já existe e de cem roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho a realidade e a fantasia a ciência e a imaginação o céu e a terra a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe enfim: que as cem não existem. A criança diz: ao contrário, as cem existem.

LORIS MALAGUZZI


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................................................10 2. O ACASO ME GUIOU E LEVOU-ME DE ENCONTRO AO ENCANTAMENTO COM A INFÂNCIA............................................................................................................................................12 3. MATERIAIS NO BERÇÁRIO. QUAIS, DE QUE FORMA E POR QUE UTILIZÁ-LOS? ...............18 4. POSSIBILIDADES DA CRIANÇA PERCEBER O MUNDO, TRANSFORMANDO TODA SUA IRREVÊRENCIA E ALEGRIA EM SEDE POR PESQUISA...............................................................28 4.1 Nosso primeiro encontro - inseguranças e curiosidades.................................................31 4.1.1 Iniciativa e coragem...........................................................................................................32 4.1.2 Manchando, marcando, borrando, pintando......................................................................33 4.2 Nosso segundo encontro - muitas experimentações........................................................38 4.2.1 Quantos objetos - o que fazer com eles?..........................................................................40 4.2.2 Que meleca, isso gruda!!...................................................................................................42 4.2.3 Meu corpo inteiro na ação.................................................................................................46 4.3 Nosso terceiro momento de explorações...........................................................................50 4.3.1 Uma lata - motivo de risadas, descobertas e muitos puxões............................................54 4.3.2 Pincéis e uma lata com água - quantas possibilidades e diálogos....................................57 4.3.3 Incontáveis percepções e descobertas..............................................................................59 4.4 Quarto encontro - ação + movimento + liberdade = puro divertimento..........................62


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4.4.1 Ação e reação - que descoberta.......................................................................................64 4.4.2 Concentração - momentos gloriosos com nossa pequena pesquisadora........................66 4.4.3 Concentrado sim - parado nunca......................................................................................71 4.4.4 Potes e água - incríveis possibilidades.............................................................................74 4.4.5 E isso aqui, o que será?....................................................................................................76 5. CONCLUSÃO.................................................................................................................................78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS..................................................................................................85


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1 INTRODUÇÃO

Meu interesse pela forma como os bebês se relacionam com os materiais e como os convertem em linguagem, levou-me a propor quatro sessões com bebês da escola onde trabalho. Em cada sessão desenvolvida, ofereci materiais inusitados, que possibilitassem diferentes ações, relações e transformações sobre eles, e no desenrolar de cada sessão procurei analisar as ações e relações que as crianças teciam, procurando intervir o mínimo possível, o protagonismo delas na realização tanto de projetos individuais, quanto dos coletivos. Esta monografia pretende revelar a importância de utilizar uma gama de materiais com os bebês na Educação Infantil, materiais que normalmente nos passam desapercebidos, mas que nas mãos das crianças tornam-se fontes riquíssimas de investigação, criação, elaboração. Também estou convencida de que os bebês, ao elaborarem e testarem diferentes hipóteses em suas explorações com os materiais se apropriam das características dos mesmos e os transformam em linguagem. No primeiro capítulo será apresentada a minha trajetória de vida, meus encontros e desencontros com a Educação Infantil, a forma como o acaso me guiou ao encontro da infância e me fez perceber apaixonada por ela, até chegar as inquietações que me motivaram a realizar esta pesquisa. No segundo capítulo será abordada uma análise sobre os materiais que costumamos encontrar com maior frequência nas salas de berçários, as fontes de pesquisa de onde grande parte dos educadores de educação infantil buscam informações e ideias para desenvolver com suas crianças, uma contextualização sobre os materiais, onde dialogo com teóricos que abordam o assunto e embasam esta teoria, dos materiais como linguagem. No terceiro capítulo será abordada a metodologia adotada na pesquisa, a descrição das sessões práticas realizadas com os bebês, os relatos das experiências e descobertas realizadas pelos bebês, durante estas sessões,


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dialogando com autores que se dedicaram a pesquisar sobre o tema. Incentivando o leitor a prestar atenção as ações das crianças, o quanto elas são significativas e podem estar nos mostrando, comunicando, expressando. No quarto capítulo apresento as considerações finais, obtidas com a referida pesquisa, onde faço uma reflexão sobre a utilização de materiais inusitados e não estruturados e sobre a relação dos bebês com os mesmos, e, se e como, é possível para os bebês, transformar estas relações em uma forma de linguagem com o mundo.


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2- O ACASO ME GUIOU E LEVOU-ME DE ENCONTRO AO ENCANTAMENTO COM A INFÂNCIA.

Sou uma pessoa tranquila e tímida, não gosto de falar em público prefiro escrever. Gosto de pintar telas, fazer artesanato, ler livros de romance, olhar filmes, ouvir músicas e ficar sentada na rede sentindo o vento e olhando as estrelas, tenho sentido falta desses momentos. Sou casada e tenho uma filha de 2 anos que fica na mesma escola onde trabalho, atuo como professora de educação infantil há seis anos e meio na rede de Esteio, este ano estou fazendo RET (regime especial de trabalho), abro e fecho a escola, resumindo estou quase morando na escola, ainda bem que existem os finais de semana. Desde muito pequena brincava de ser professora, a criançada da rua reunia-se na minha casa e mesmo sendo uma criança tímida, nesses momentos coordenava a brincadeira, minha irmã caçula foi alfabetizada por mim, de tanto brincar com as letras, palavras e frases, quando ela entrou na escola já sabia escrever, por isso terminava rapidamente os exercícios e passava o tempo conversando, a professora dela não ficou contente, pois ela distraía os colegas, mas eu sentia um grande orgulho de ter ajudado ela neste primeiro contato com a escrita. Era uma criança quieta, na escola tinha poucos amigos e na maioria das vezes não interagia muito com os colegas, minha professora chamou por diversas vezes minha mãe para saber se eu não brincava por medo de me sujar, questionando-a se me proibia de brincar. Minha mãe que sempre nos incentivou a brincar, a explorar o ambiente, a criar brincadeiras, que permitia que os nossos vizinhos fossem brincar na nossa casa, que os acolhia com carinho e compreendia nossa necessidade de experimentar, repetir, diversificar, bagunçar,... precisou convencer minha professora que eu apenas era uma criança tímida e introvertida. Os anos foram passando, fui crescendo, tinha bons amigos com os quais tinha liberdade para falar, mas continuava tendo dificuldade para me comunicar com determinadas pessoas, nas aulas até parecia que eu sabia tudo, pois dificilmente questionava algo, mas esse silêncio era todo motivado pela timidez. Nesta fase precisava decidir o que


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estudar no segundo grau, tinha vontade de fazer o magistério, mas ao mesmo tempo não queria sair da escola a qual já estava adaptada. Minha mãe precisou me dar um empurrão e levar-me para fazer a matrícula no Magistério. Agradeço-a por isso, agora tenho certeza de que estou no caminho certo e devo isso a ela. Quando chegou o momento do estágio precisava escolher uma turma, a professora me sugeriu que eu procurasse realizar o estágio com os pequenos, talvez uma primeira série, mas eu insisti que preferia os maiores e procurei por uma terceira série. Durante o estágio foram muitos os desafios que tive que vencer, no entanto tudo deu certo e consegui chegar ao final satisfeita com a sensação de haver feito algo de produtivo. Após o estágio prestei diversos concursos, mas, como não obtive sucesso comecei a procurar por emprego. Uma amiga minha que trabalhava em uma escola particular de educação infantil procurou-me para que eu fizesse uma pintura decorativa na sala dela, caso a dona da escola gostasse poderia chamar-me para fazer outras pinturas. E foi assim que tive o meu primeiro contato com a educação infantil, por destino, coincidência ou mero acaso. Ao final da pintura a dona da escola além de me pedir para pintar outras paredes convidou-me para trabalhar na escola com as crianças de 2 e 3 anos. Primeiramente fiquei receosa se daria conta do recado, afinal nunca havia pretendido trabalhar com crianças tão pequenas, mas eles já haviam me cativado, já sentia um enorme carinho por eles. Desta forma aceitei o desafio e iniciei minha caminhada na educação infantil, o começo foi difícil e tumultuado, as dúvidas eram enormes e eu me sentia muito insegura, mas conforme os dias passavam e eu me apaixonava mais por eles, por suas descobertas, experimentações, formas de resolver os conflitos e pela facilidade de dar e receber carinho. No ano seguinte ingressei na graduação no curso de Licenciatura em Artes Visuais, mesmo estando na Educação Infantil a vontade de estudar artes, de estar envolvida com o mundo das artes foi maior, e fui para a Feevale com muitas expectativas. Foram momentos bons e também difíceis, meu parco salário não estava sendo suficiente para me manter, então tive que sair da escola infantil e optar por outro trabalho. Além disso, estava me sentindo incomodada por muitas coisas na escola, inquietações, que me faziam questionar se eu estava no lugar certo. A estrutura, a higiene, a rotina, os


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materiais e atividades oferecidos às crianças me pareciam pobres, a visão que a escola tinha de que se eles estavam pagando sempre poderia entrar mais uma criança, angustiava-me e comecei a sentir-me fora de lugar naquele ambiente, pois as outras pessoas estavam satisfeitas com a rotina que se apresentava e não tinham interesse em mudar. Tentei vagas em outras escolas, mas ao perceber que eram muito parecidas com a que eu havia saído não vi futuro para mim nestes ambientes. Acabei trabalhando como baba por dois anos, depois trabalhei três anos em um escritório de revenda de peças para tratores e afins e finalmente fui chamada no concurso para professora de Educação Infantil. Quando fui me apresentar na escola tenho que admitir que estava cheia de receios e incertezas, havia passado um bom tempo afastada das crianças e estava chegando a conclusão que seria melhor eu lecionar artes para os maiores. Estava morrendo de medo que me levassem para trabalhar com os bebês, pois meu contato com esta faixa etária na outra escola havia sido um pouco traumatizante, porém aguardei a supervisora me encaminhar para a sala e me deparei com a turma de maternal dois, até o final daquela tarde eles já haviam me conquistado e estava encantada com eles. Neste mesmo ano me graduei em artes e prestei vários concursos, quando me chamaram em um fiquei numa dúvida cruel, mas achei que seria interessante fazer uma experiência e assumi o concurso em Sapucaia, neste período eu estava grávida, em pouco tempo entrei de licença e tive tempo para pensar no que eu realmente desejava. Quando retornei da licença trabalhei mais dois meses para fazer o fechamento das avaliações e me exonerei do concurso de Sapucaia. A experiência com os maiores foi maravilhosa, no entanto eu sentia muita falta da espontaneidade, alegria, do brilho dos olhos perante cada novidade, do carinho dos meus pequeninos. Assim sendo, fiquei somente com o concurso de Educação Infantil em Esteio. As artimanhas da vida são tão estranhas havia esperado tanto tempo para lecionar artes com os maiores e quando consegui só me sentia deslocada e com saudades dos pequeninhos que sempre eram tão carinhosos comigo, muitos me chamaram de maluca, porém pouco me importou, resolvi seguir meu coração e aqui estou eu até o momento e sem a menor vontade de modificar o meu caminho, tenho paixão por aquilo que faço, sou educadora de corpo, alma e coração.


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Fazendo uma reflexão lembrei-me da professora que estava orientando meu estágio de Magistério, pois ela havia insistido muito para que eu fizesse o estágio em uma primeira série e eu teimosamente insisti em fazer em uma terceira, pensei em como ela podia me conhecer tão bem, melhor que eu mesma? Demorei para perceber que me encanto com os pequenos, mas agora estou aqui e tenho certeza que estou no lugar certo. No meu segundo ano em Esteio me pediram para trabalhar no projeto de artes, cobrindo a falta do professor que esta planejando e lá fui eu circular por todas as turmas da escola, inclusive na turma dos bebês que eu tanto temia e qual não foi a minha surpresa ao perceber que eu adoro trabalhar com esta faixa etária, é maravilhoso poder acompanhar as suas conquistas e descobertas, os seus rostinhos com expressões curiosas e concentradas na exploração de diferentes materiais, quando percebem algo que lhes chama a atenção e ficam isolados naquela exploração que algumas vezes demoramos para compreender. Acho maravilhoso estar em contato com todas as crianças, buscar coisas que acredito despertar o seu interesse. Na escola já sou conhecida como a profe da meleca, vira e mexe levo algo diferente para manipularem, experienciarem, investigarem e provarem, pois com certeza muitas vezes eles acabam levando para a boca, não tem como isso não acontecer, é puro instinto. Porém por diversas vezes me sinto incomodada com as caras atravessadas de algumas colegas, a falta de vontade de outras, com o espaço que por diversas vezes me limita, pelo tempo destinado a atividade/brincadeira que por diversas vezes nos leva a interromper o processo da criança e esta fica sem uma conclusão para ela, mas estou firme no meu propósito e em minhas convicções e vou tentando realizar estas experimentações dentro do possível. Mas muito maior que meu incomodo é meu prazer ao perceber o entusiasmo das crianças quando entro em sala, quando levo algo diferente, quando seus olhinhos brilham meu coração se enche de alegria e meu esforço se faz valorizado e percebido por elas que são a minha grande preocupação e alegria, as crianças. Venho percebendo que outras colegas também estão procurando oportunizar às crianças momentos de contato com materiais diversificados, ricos em cores, cheiros e texturas, e fico imensamente feliz por saber que de uma forma ou


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de outra algumas se sentiram motivadas por mim, pegaram o gosto por fazer meleca, pois o melecar nos desperta para variadas sensações desde o receio, a incerteza, a curiosidade, o nojo, a alegria, o prazer, o divertimento, a observação e nos ajuda a estabelecer relações entre diferentes materiais. Desta forma venho parar neste Curso de Especialização em Educação Infantil por saber das lacunas que ficaram em minha graduação, a necessidade de ter um embasamento teórico, a vontade de estar em um grupo que estivesse preocupado com a infância e suas múltiplas facetas, onde estaríamos conversando, debatendo, ouvindo e principalmente trocando. Através desta parada, deste tempo dedicado a estudar o tema é possível refletir sobre o que se faz para e com as crianças, se o trabalho está sendo válido e contribuindo em algo. Nesta auto avaliação sobre a minha prática pedagógica, percebi que sinto um enorme interesse em trabalhar com variedade de materiais, principalmente com materiais não estruturados e que fujam da rotina das crianças, gosto de lhes oferecer coisas novas e inusitadas, de assistir suas interações com os materiais, suas expressões concentradas e seus olhos brilhando, acredito que estes momentos oportunizam novas descobertas e os ajudam em suas elaborações de conceitos, mas me questiono se por meio destas experiências é possível que as crianças convertam esta relação com os materiais em linguagem e de que forma isso seria possível? A partir de diversas leituras relacionadas ao tema tenho me sentido cada vez mais interessada por esta proposta pedagógica, e a cada dia com mais vontade e segurança para ousar nas atividades propostas às crianças com as quais convivo. Sou uma pessoa que cria raízes, não consigo me sentir confortável com mudanças de ambientes/espaços, pois adoro a sensação de conhecer as pessoas ao meu redor, pois tenho dificuldade em iniciar amizades, então agradeço a Deus a sorte de estar próxima de pessoas comunicativas e que me aceitaram da maneira que sou, pois ainda que sigam me considerando quieta tenho a consciência de que fiz progressos significativos em minha forma de relacionar-me. Tenho sentido vontade de mudar de escola, no entanto primeiro preciso esgotar todas as possibilidades na busca pelas melhorias quanto ao que me incomoda, pois além de me sentir abandonando o barco tenho receio em não ser tão bem aceita. Apesar das dificuldades, das diferentes opiniões, da falta de apoio de algumas colegas, do comodismo de


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outras consigo me relacionar bem entre todos os grupos dentro da escola, justamente por ser tranquila e gostar de ouvir os outros. E desta forma vou tentando levar coisas novas e transmitir o meu entusiasmo para ver se de repente ele não contagia um pouco essas pessoas. Nestas páginas escrevi um pouco sobre mim, minha trajetória, minhas dúvidas e certezas, meus interesses, meus anseios e o caminho que trilhei até o momento.


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3- MATERIAIS NO BERÇÁRIO. QUAIS, DE QUE FORMA E POR QUE UTILIZÁ-LOS?

É preciso ver a vida inteira como no tempo em que se era criança, pois a perda desta condição nos priva da possibilidade de uma maneira de expressão original, isto é, pessoal. (HENRI MATISSE, p. 7)

Refletindo sobre a pesquisa a ser desenvolvida, sobre as muitas dúvidas e questionamentos que perpassam por minha mente sobre a educação infantil e principalmente sobre os bebês, muitas indagações poderiam servir como a pergunta inicial desta pesquisa. Mas analisando a minha trajetória, o meu interesse, a minha disponibilidade, o meu coração, não poderia ser sobre outro o assunto, tenho que pensar/pesquisar/investigar/escrever sobre como as crianças se relacionam com os materiais e como/ e se essa relação pode se transformar em uma forma de linguagem. Quando estamos em nossas escolas com os bebês propiciamos momentos em que os bebês possam trabalhar com diversos suportes e materialidades nas suas experimentações e relações? Que foco damos a nossas observações perante estes momentos e as possíveis descobertas? Oferecemos um ambiente que favoreça estas explorações? Permitimos que estas experiências sejam significativas para eles? Que seus ritmos de relações sejam observados e respeitados? Possibilitamos que as crianças estabeleçam relações com os materiais oferecidos? Como a criança se relaciona com o mundo? Até que ponto estas questões são relevantes e auxiliam no desenvolvimento da criança? Estas são questões que me inquietam, e por isso, me motivaram a estudar e realizar esta pesquisa. Estas questões serviram como norteadoras deste estudo, mas este não tem a pretensão de responder a todas neste momento. Com base nos profissionais de educação infantil com os quais tenho contato percebo que muitos deles baseiam suas pesquisas e buscam sugestões de atividades em revistas e guias práticos, nestes ao procurar por atividades para berçário encontramos muitas sugestões que envolvem o uso do E.V.A, o carimbo das mãos das crianças com tinta em datas comemorativas para confecção de painéis, a construção de objetos para as crianças passarem e entrarem,


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jogos de encaixar peças,..., e assim sendo muitos

que os cerca, ao seu tempo e do seu modo, não de uma

profissionais da educação infantil acabam limitando sua

forma imposta e da maneira desejada por nós adultos,

busca por informações em um mesmo tipo de revista e

porém, não se trata de “deixar as crianças fazerem o que

sua prática pedagógica fica sendo limitada no mesmo

querem”, mas sim do adulto estar convicto e assumir

estilo de atividade, perdendo a qualidade da variedade,

como seu objetivo o processo de como as crianças

da novidade e da surpresa, sendo desgastada pela

exploram o seu entorno e não, do resultado. Precisam

repetição e pelo uso dos mesmos tipos de materiais e as

ser respeitados na sua forma de elaborar hipóteses, de

crianças marcadas pelas mesmas texturas, aromas,

relacionar os materiais, de senti-los e de expressar esta

temperaturas, pesos, densidades, movimentos,... O

conquista.

atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 29) coloca que

Segundo Francesco Tonucci, (2008) vai dizer que

“investigar e descobrir como um determinado material se

por material, podemos entender “tudo aquilo com que se

apresenta e é transformado ajuda a criança a adquirir

faz algo, que serve pra produzir, para inventar, para

conhecimento sobre o material em si – sobre a textura,

construir deveríamos falar de tudo o que nos rodea,

forma, configuração, cor e a aparência externa e interna.

desde a água até a terra, das pedras aos animais, do

[...].”

corpo às palavras... „incluindo as plantas e as nuvens‟” Poucas

são

as

reportagens

e

matérias

(idem) [grifo do autor] ., inclusive a imaginação é um

estes

material, e este deve ser usado e abusado, utilizado sem

profissionais a abrirem seus horizontes e incentive-os a

esgotamento, pois os bebês vão conhecendo o mundo

utilizar materiais diversificados nas atividades realizadas

que os cerca com a nossa ajuda e precisamos nos

com os bebês, que apesar de serem pequenos são

esforçar em mostra-lo em suas várias facetas, em sua

crianças potentes, pensantes e que precisam de

amplitude e riqueza, e não uma única fatia escolhida por

oportunidades, possibilidades para descobrir o mundo

um adulto que acredita que determinado pedaço dele

encontradas

nessas

revistas

que

auxiliam

seja mais importante do que outro.


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Diante desta afirmação, percebo que a ideia de

Lella Gandini (2010, p. 52) em que a autora registra

material para ser ofertado a criança vai muito além do

como encontrou a linha para unir todos os ambientes da

que estamos acostumados a utilizar, vai muito além dos

escola “[...] o objetivo era usar materiais para mostrar

materiais ou brinquedos disponibilizados para a maioria

que as experiências na escola poderiam ser expressadas

das crianças das creches. Reproduzo aqui a palavras de

em muitas linguagens.[...]”, e ainda (2010, p. 62) “ [...]

Milú Villela (2007, p. 5) ao escrever sobre o trabalho de

meu outro conselho, bastante pragmático, é jogar fora os

Holm “promovem atividades artísticas simples e com

materiais pré-fabricados encontrados em catálogos para

recursos ignorados pelo senso comum do brinquedo

crianças e começar a procurar materiais em outros

industrializado.”,

locais: no sótão da vovó, feiras de coisas usadas, praias,

temos

incorporado

em

nós

a

necessidade de consumo, desta maneira, muitas vezes

ferragens. [...]”.

optamos por oferecer as crianças brinquedos prontos

As crianças não necessitam de brinquedos caros e

(industrializados), que normalmente são confeccionados

sofisticados, elas conseguem criar, inventar muito mais

da mesma matéria e acabam limitando a criança, pois

com materiais que muitas vezes não nos chamam a

geralmente estes brinquedos já chegam às crianças

atenção, materiais que consideramos sem utilidade,

carregados de informações e significados, induzindo a

coisas sem significado para nós adultos, mas as crianças

criança a reproduzir ações no seu faz de conta e

se apropriam destes materiais e de suas características,

impossibilitando-a de criar/recriar com o material, de

na busca por conhecer e compreender o mundo que as

estabelecer as suas conjecturas a respeito do mesmo,

cerca.

pensando em diferentes formas de utilizá-lo.

Os autores Saló e Barbuy (1980, p. 36) afirmam “o

Neste mesmo sentido, podemos pensar que os

mundo da matéria começa a operar na vida da criança

materiais também tem valor ao organizarmos o espaço

no momento em que ela passa do meio intra - uterino ao

da escola, conforme a entrevista de Gambetti dada a

ambiente exterior.“ Desta maneira o bebê entra em


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contato com a matéria desde a mais tenra idade, logo

mais fácil para a criança elaborar hipóteses e conceitos,

que ele nasce e vem para o ambiente externo, para o

devido ao fato de ficar livre do uso que os adultos dão

mundo com o qual nós adultos já estamos acostumados,

aos objetos e materiais. Nestes, a criança liberta-se da

mas para os pequenos tudo é novo, a cada segundo uma

intencionalidade do adulto e pode fazer suas próprias

nova descoberta, uma nova sensação, uma nova

deduções, dando o seu significado para a matéria,

percepção.

transformando-a em material, sem a interferência do

Começa percebendo a temperatura que o rodeia e

adulto e da cultura que rodeia os materiais e objetos. Os

é diferente da que estava acostumado dentro do ventre

materiais e matérias que encontramos na natureza nos

materno, o ar, o aconchego e calor humano, a sutileza da

possibilitam diversas interações/ construções/ criações

água, o toque no berço, os tecidos de suas roupas e o

sem as significações já impostas pelos adultos, estes

das

fronhas,

materiais e matérias são passíveis de transformações.

almofadas, o toque em seus primeiros brinquedos

Nesse sentido, vale a pena ressaltar a afirmação de

percebendo os diferentes materiais, a rigidez e aspereza

Giovani Piazza (2012, p. 28) em entrevista concedida a

de outros objetos, a luz, os reflexos, sons, formas, os

Lella Gandini:

outras

pessoas

como

dos

lençóis,

cheiros sabores e aromas. Tudo isso, nas mãos de uma criança, torna-se um material produtivo para estar e relacionar-se com o mundo. Ao decidirmos trabalhar e oferecer uma variedade de materiais e matérias (a qual pode ser entendida como a substância de que são feitas as coisas, aquilo de que algo é feito), para os nossos bebês precisamos nos dar

Quando as crianças usam suas mentes e mãos para agir sobre um material usando gestos e instrumentos e começam a adquirir habilidades, experiência, estratégias e regras surgem estruturas dentro da criança, que podem ser consideradas como uma forma de alfabeto ou gramática, do uso dos materiais, deve ser descoberto pelas crianças em parceria com adultos.

conta de que a natureza nos disponibiliza uma infinidade de materiais e possibilidades, pois com estes materiais é

E ainda, Piazza (2012, p. 28-29):


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É durante a construção dessa relação que as possibilidades de modificação, transformação e estruturação do material se apresentam, de modo que o material transformado pode se tonar o meio para a expressão que comunica os pensamentos e sentimentos da criança.

Como nos propõem Saló e Barbuy (1980, p. 38)

realmente deixa-los livres para escolher onde mexer, com o que interagir e que estejam abertos e presentes para lhes ajudar quando necessário, mas que não lhes solucionem todos os conflitos/problemas, que permitam as crianças testar todas as possibilidades ao explorar os materiais oferecidos, pois durante estas testagens as

“que os adultos fiquem com os objetos e permitam às

crianças realizam a verificação de informações (FOCHI,

crianças usar a matéria de que são feitos os objetos.” Os

2013, p. 141) sobre os materiais, desta maneira

autores (1980, p. 41) também colocam que:

conseguem realizar escolhas, decidindo quais materiais utilizar e de que forma, assim, demonstrando a sua

Cada material tem uma mensagem diferente e especial. Cada material tem uma ensinança para a criança. A criança está preparada para recebê-la. Os adultos não estão preparados para tornar possível o diálogo direto entre a criança e a matéria. Os adultos não querem ficar à margem, e procuram ser indispensáveis. Mas as crianças não necessitam intermediários nem intérpretes.

Apoio à ideia de que as crianças não necessitam que lhes ensinemos como interagir com as matérias e os materiais. Elas necessitam de tempo, espaço, variedade de materiais e profissionais que se disponham a

intenção sobre os materiais. Em contrapartida, esses profissionais também devem mostrar às crianças que elas podem contar com a sua presença, seu interesse, com o seu olhar e com o seu respeito a sua condição de sujeito pensante, desbravador, investigador e atuante. O atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 27-28), coloca que: Um primeiro encontro das crianças com materiais, para explorar e agir sobre eles, é um processo de conhecer da criança. Nesses encontros e explorações, as crianças constroem uma percepção do que pode acontecer com os materiais, e os adultos constroem a capacidade de


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observar e apoiar a significância de cada experiência.

Precisamos, nos permitir, fugir do mesmo tipo de atividades, do comodismo da rotina e do que estamos

transformação e estruturação do material se apresentam, de modo que o material transformado pode se tornar o meio para a expressão que comunica os pensamentos e sentimentos da criança.

acostumados, variar os materiais e as matérias que

Podemos perceber que os materiais transmitem

oferecemos aos nossos bebês, pensar que eles podem

muitas informações, causam muitas reações, sensações

criar e recriar com objetos que não são tão usuais,

e percepções nas crianças. Na exploração destes

observar

e

materiais surgem muitas relações, conceitos começam a

construtores de conceitos e lógicas. É importante que

ser construídos e a criança expressa através de gestos,

nosso enfoque esteja na criança e na visão de criança

sons, ações essas elaborações que lhes vão no íntimo,

que acreditamos.

comunicando a quem se dispor a observar atentamente

nossos

pequenos

como

pensadores

Desta maneira percebo que é necessário pensar mais sobre os materiais e a forma como oferta-los, Sálo

seus pensamentos e emoções. De acordo com Charles Schwall (2012, p. 32):

e Barbuy (1980, p. 40) colocam “cada material tem uma estrutura

interna,

uma

textura

superficial,

determinada resistência para ser trabalhada,

uma uma

maneira de conduzir o calor e centenas de outras qualidades mais, que devem ser ponderadas ante a criança.” Já o atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 28) afirma que: É durante a construção dessa relação que as possibilidades de modificação,

O estilo de trabalho que adotamos é usar os materiais como linguagens. Nessa visão, os materiais são veículos para expressar e comunicar e fazem parte do tecido das experiências e processos de aprendizagem das crianças, em vez de serem produtos separados. As crianças apresentam uma receptividade inata às possibilidades que os materiais oferecem e interagem com eles para criar significações e relações, explorar e comunicar.


24

A matéria possui muitas informações, tais como: peso,

calor,

densidade,

textura,

plenamente, ao ponderarmos sobre o papel dos

sonoridade, elasticidade, consistência, entre outras.

materiais, percebemos que os materiais precisam ser

Quando

ofertados com frequência, mas de forma organizada,

estamos

dificilmente

maleabilidade,

De acordo com os autores, no que eu concordo

elaborando

pensamos

nestas

nosso

planejamento

características

das

para que desperte o interesse das crianças, também

matérias que constituem os materiais ou em como eles

devemos criar coleções de materiais, variedade (tampas,

podem ser ricos para as mentes inovadoras de nossas

canos, sementes, retalhos de tecido, retalhos de papéis,

crianças, ou em quanto eles podem transformar o

latas, rolhas, fios,...), de diferentes cores, texturas,

material dando um significado diferente daquele que

tamanhos, formatos, espessuras, transparências, para

estamos acostumados e habituados. Portanto, venho a

que

refletir sobre a necessidade das crianças se relacionarem

componham com alguns tipos de objetos e materiais,

com diferentes materiais, de se sentirem parte de um

mas que eles possuam várias diferenças entre si,

processo de aprendizagem, de se comunicarem com o

possibilitando interações, construções e transformações.

possamos propor desafios às crianças,

que

mundo, a partir de diversos materiais, portanto, de

Concordo com o pesquisador Paulo Sergio Fochi

diversas linguagens, como diria Malaguzzi (1999),

(2013, p. 137) quando afirma que “[...] esses tipos de

podendo perceber todas as suas sutilezas e diversidade.

materiais

criam

uma

atmosfera

em

que

a

Sálo e Barbuy (1980, p. 32) ao falarem sobre os

imprevisibilidade ocupa um espaço importante, não

materiais, colocam que “ponderar o papel dos materiais

sabemos o que as crianças farão e que sentidos darão

na educação faz que a metodologia se simplifique, até

para aqueles materiais, naquele espaço com outras

converter-se em mero inventário, para manter o estoque

crianças.”, e ainda (2013, p. 138-139) ” a ação das

em dia, e fornecê-los gradualmente de acordo com uma

crianças com os materiais parece exatamente, ser

ordem de prioridades.”.

sempre o início para inventar, produzir, fazer algo


25

inimaginável e surpreendente, muitas vezes, com aquilo

Nesse sentido, vale a pena ressaltar a necessidade de

que faz parte do cotidiano,”. Assim sendo, as crianças

incentivá-los a se expressarem através de todos os seus

precisam estar em contato com diferentes materiais, com

sentidos, de perceber que através da experiência

outras crianças, com um ambiente que seja incentivador

concreta e efetiva com as matérias e os materiais, os

para

e

pequenos vão construindo conceitos sobre as coisas que

significações sobre os materiais ofertados, por mais

compõem o mundo, sobre seu formato, consistência,

corriqueiros que esses materiais possam nos parecer,

temperatura, solidez, textura, volume, peso, densidade,

para a criança é o momento em que ela pode exercer a

sobre como é possível utilizá-los, combiná-los e também

sua intenção sobre o objeto durante a realização do seu

transformá-los.

que

possam

inventar

e

produzir

ações

projeto.

Outro aspecto a ser considerado ao falarmos

Desta forma, também trago Cunha (2001, p. 26)

sobre materiais é a criatividade, o quanto este tipo de

que ao falar sobre a arte e os materiais em relação com

proposta auxilia e incentiva o desenvolvimento da

a criança, afirma:

criatividade, de acordo com Gandini (2010, p. 193) “a criatividade não é apenas a qualidade do pensamento de [...], devem ser reinventados tanto os usos dos materiais como dos suportes e instrumentos. Devemos lembrar que assim como os artistas contemporâneos aproveitam e exploram qualquer material em suas produções, as crianças também podem fazer o mesmo quando se expressam.

cada individuo; ela também é um projeto interativo, relacional e social. Ela requer um contexto que lhe permita existir, ser expressada, tornar-se visível.”, para Malaguzzi (2010, p. 87) ”a criatividade parece expressarse por meio de processos cognitivos, afetivos e imaginativos, que se unem e que apoiam as habilidades

Os autores nos fazem refletir sobre como estamos

para prever e chegar a soluções inesperadas.”, e

tratando e ofertando os materiais para nossas crianças.

também “a criatividade exige que a escola do saber encontre conexões com a escola da expressão, abrindo


26

O território é definido por sensações sentidas dentro das crianças e impressões indeléveis produzidas por cada encontro com os materiais. A paisagem reflete memórias essenciais e duradouras que as crianças levarão pela vida, de cores, da sensação das coisas, da aparência de algo; um espaço onde memórias são criadas profundamente dentro da criança, moldadas por meio de tudo que fazem ali. O ateliê é um lugar para aprender todos os tipos de técnicas e um lugar para pesquisa.

as portas (este é nosso slogan) para as cem linguagens das crianças.”[grifo do autor],

pois esta não se

desenvolve sozinha e a partir do nada na criança, a criança

não

criatividade

nasce a

criativa

parir

de

ela

desenvolve

suas

esta

experiências,

experimentações, explorações, relações com os adultos, com o ambiente, com as matérias e com os materiais que a rodeiam. E ainda, Lella Gandini (2010, p. 193) ao esternalizar sua opinião sobre criatividade coloca: Nas escolas, a criatividade deve ter a oportunidade de se expressar em cada local e a cada momento. O que esperamos é a aprendizagem criativa e professores criativos ,e não apenas uma “hora da criatividade”. É por isso que o ateliê deve promover e garantir todos os processos criativos que possam ocorrer em qualquer lugar da escola, em casa e na sociedade. Devemos lembrar que não haverá criatividade na criança se não houver criatividade no adulto. Teremos uma criança competente e criativa se houver um adulto competente e criativo.

Já Barbara Burrington (2010, p. 66) ao conceituar a geografia da imaginação, coloca que:

Partindo das afirmações dos autores podemos compreender que a criatividade precisa ser desenvolvida em todos os lugares e em todos os momentos, ela expressa-se por meio de seus processos cognitivos, afetivos e imaginativos, onde criam novas relações e transformações; já

a imaginação é a capacidade de

imaginar, fantasiar, se constitui das memórias que a criança carrega com ela, em seu interior, as impressões sobre as cores, as sensações das coisas, a aparências que percebe nos objetos/materiais/pessoas com quem convive. De acordo com Malaguzzi (2010, p. 88) “nossa tarefa no que se refere à criatividade, é ajudar para que as crianças escalem suas próprias montanhas, tão alto quanto possível. Ninguém pode fazer mais do que isso.”


27

Para que as crianças tenham a possibilidade de se expressar

criativamente

e

de

construindo

e

reconstruindo

conceitos.

esta

Também precisamos nos acostumar com a ideia de que

criatividade, precisamos , assim como aconteceu em

a criança é uma protagonista (Malaguzzi, 1999, p. 62) no

Reggio Emilia , onde trabalham com a proposta de

seu processo de conhecimento, que ela não apenas

ateliês nas escolas, que se resumem a espaços

recebe informações como também as produz, mas neste

destinados a propiciar o desenvolvimento da criatividade

processo ela necessita da ajuda dos outros para

através de infinitas linguagens, ressignificar a nossa

perceber e descobrir o significado das novas relações e

compreensão sobre os espaços, os materiais e a

para ser incentivada a buscar outras relações, portanto,

docência do professor na Educação Infantil. Para desta

precisa ser desafiada com propostas criativas e que

forma,

propiciem a investigação sobre os materiais.

podermos modificar a

desenvolver

relações,

maneira como

nos

relacionamos com as crianças.

Assim sendo, podemos destacar que o adulto

Em Reggio Emilia os professores precisam estar

precisa estar atento para compreender e extrair os

em dia com a sua criatividade para poderem perceber as

significados destas, para depois encontrar maneiras de

diversas possibilidades e auxiliarem as crianças a

unir as suas interpretações aos significados das crianças,

também se tornarem criativas, portanto esta criatividade

criando

deve ser respeitada em todos os seus momentos e não

colaboração entre as partes na construção e elaboração

apenas durante o desenvolvimento de uma certa

do conhecimento. Ao ser entrevistado por Lella Gandini

atividade, a criança deve ser respeitada e se sentir

(1999, p. 91), sobre o papel do adulto na aprendizagem

valorizada em todas as suas conquistas.

das crianças, Loris Malaguzzi afirma:

um

dialogo

produtivo,

onde

haja

uma

Assim sendo, devemos sentir-nos incentivados a pesquisar e a instigar as crianças a pesquisar. Durante estes momentos de investigação sobre o material a criança desenvolve sua criatividade, cria e estabelece

[...] gostaria de salientar a participação das próprias crianças: elas são capazes, de um modo autônomo, de extrair significado de suas experiências cotidianas através de


28

atos mentais envolvendo planejamento, coordenação de idéias e abstrações. Lembre-se os significados jamais são estáticos, inequívocos ou finais; estão sempre gerando novos significados. O ato central dos adultos, portanto, é ativar, especialmente de um modo indireto, a competência de extrair significado, das crianças, como uma base para toda a aprendizagem.

estabelecido por eles, os bebês estão presentes e se

Portanto, compartilho a ideia de que os materiais,

mundo que foi adquirindo, por meio de suas experiências

nas mãos e mentes inventivas dos bebês, se convertem

sobre os materiais, suas características e sobre as

em linguagem, onde através das relações estabelecidas,

diversas possibilidades de relações entre eles.

das intenções e ações durante a realização do projeto

relacionam com o mundo que se descortina a sua frente, em todo seu esplendor de cores, formas, texturas, aromas, movimentos . Assim sendo, a criança comunicase com o mundo, com os adultos e com outras crianças, expressando suas conquistas e aquisições, e também transformando constantemente os conhecimentos de


29

4- POSSIBILIDADES DA CRIANÇA PERCEBER O MUNDO, TRANSFORMANDO TODA SUA IRREVERÊNCIA, CURIOSIDADE E ALEGRIA EM SEDE POR PESQUISA.

Convite Os pequenos nos convidam a experimentar. Eles têm a arte dentro de si. Eles criam arte. Eles nos dizem algo. Algo que perdemos. Algo atraente e sedutor. Algo que reconhecemos. E que não podemos explicar. Tudo é muito maior. Para as crianças pequenas existe uma conexão direta entre vida e obra. Essas são coisas inseparáveis. Anna Marie Holm Considerando o que foi apresentado no capítulo anterior escolhi utilizar materiais variados e não habituais para elaborar as sessões com os bebês, desta maneira interagiram com alimentos, tintas confeccionadas com base de alimento, água, e claro diversificados objetos que foram escolhidos de forma que propiciassem à criança possibilidades de ações e interações. Os autores Saló e Barbuy (1980, p. 15) afirmam que “antes de aprender o idioma, antes do significado das palavras e, antes das leis gramaticais, a linguagem criada, com sons, formas, cores e gestos, permite a comunicação total, direta, profunda e exata”. Levando em consideração esta afirmação, é possível perceber que as crianças se


30

comunicam de uma forma muito mais abrangente, do

Como metodologia de pesquisa propus quatro

que nós adultos, normalmente, estamos acostumados a

encontros com bebês entre 10 meses e 1 ano e 4 meses,

perceber, pois se utilizam de todos os seus sentidos,

escolhi trabalhar com um grupo de 4 crianças, dois

todo o seu corpo expressa esta comunicação. Segundo

meninos e duas meninas, mas devido a alguns

Fochi (2013, p. 105) “a linguagem da qual utilizam está

imprevistos tive que substituir uma das crianças que não

desde o gesto até os sons dos balbucios e sorrisos, ou

se mostrou disposta a participar e alternar outras devido

seja, a linguagem dos bebês está na ação.” e ainda

às faltas, para que o número de crianças não ficasse

(2013, p. 102) ” aqui, talvez caiba destacar da nossa

muito reduzido, então no total seis crianças participaram

incompletude para compreender os bebês e suas

desta pesquisa.

linguagens, seja pelo fato de estarmos imersos no

Filmei as sessões com os bebês e fotografei

mundo das palavras, seja pela histórica imagem da

sempre que possível. As sessões foram realizadas em

ausência de linguagem antes da fala.”

um ambiente organizado para recebê-los, onde evitei que

Portanto,

os

materiais

se

convertem

em

linguagem, e assim, é de vital importância que as crianças tenham contato com diferentes materiais, (pintura, desenho, dança, música, teatro,...) de diferentes formas,

cores,

conhecimento

texturas, que

para

adquirem

que,

através

durante

do suas

experimentações, possam converter estes conhecimentos em um linguajear para os bebês.

estivessem mais crianças e outros materiais que pudessem distraí-los.


31

4.1- Nosso primeiro encontro- inseguranças e curiosidades

Materiais: tinta caseira utilizando o grude de farinha e corante comestível, um papelão grande, diversos objetos (pincel, rolo, esponja, peneira, madeira,

palitos,

tampas,

rolha,

tecido,

espumadeira).

Primeiramente estendi o papelão no saguão da escola, tendo o cuidado de fixar as laterais do papelão, ao chão, com fita durex, evitando que as crianças viessem a tropeçar no papelão. Depois distribui os materiais sobre o papelão, de forma que ficassem espalhados alternadamente com os pingos de tinta colorida. Procurei montar a sessão de forma que ficasse colorida e atrativa aos olhos dos bebês. Quando o material estava todo organizado, busquei os bebês e coloquei-os próximos ao papelão.


32

Os quatro bebês ficaram sentados na lateral do papelão, observando o material com receio mas também com curiosidade. Observavam o material que estava exposto, o espaço do saguão, suas professoras que estavam próximas e novamente seus olhos recaiam sobre o colorido distribuido sobre o papelão. A Manuela não sentiu-se à vontade para participar, ficou próxima aos colegas por algum tempo, engatinhou ao lado do papelão, caminhou segurando-se à parede, até se interessou em mexer em uma tampinha, mas não demonstrou interesse em interagir e explorar os materiais oferecidos. Depois alguns minutos, procurou pela segurança do colo da sua professora e não se aproximou mais dos colegas que já estavam envolvidos em suas experimentações e descobertas.

4.1.1- Iniciativa e coragem

O Bernardo, apesar de ser o mais novo da turma, foi o primeiro a caminhar sobre o papelão e relacionar-se com o material. Conforme dava seus passos, ainda meio inseguros, pois estava caminhando a pouco tempo, seus pés causavam marcas no papelão ao espalharem a tinta. Vendo o Bernardo em contato com o material a Julia também se animou e foi engatinhando para cima do papelão. O Bernardo logo interessou-se por um pincel grande e largo, observou-o com curiosidade, de acordo com Fochi (2013, p. 98) “ a curiosidade é uma característica do ser humano pelo qual motivou e motiva os grandes feitos da humanidade.”, virou-o de lado alterando sua posição várias vezes, segurou nas cerdas do pincel, alisou as cerdas do pincel como se estivesse fazendo um carinho; encaixou o dedo no furo do cabo do pincel, retirou o dedo, encaixou-o novamente; passou o pincel sobre o papelão, fazendo algumas marcas no momento em que as cerdas encostaram na tinta, sempre concentrado na sua ação, os olhos observando e acompanhando os seus movimentos.


33

4.1.2- Manchando, marcando, borrando, pintando.

Após abandonar o pincel largo, o Bernardo

pé. De vez em quando, fazia uma pausa, para observar

caminhou sobre o papelão observando-o, ao perceber

como estava ficando, e depois voltava a pintar mais um

um outro pincel, segurou-o firmemente entre os dedos,

pouco.

observou, movimentou-o para um lado e para outro, de

Richter (2001, p. 55) escreve:

repente abaixou o pincel e começou a bater com ele A viscosidade da tinta determina uma resistência ao corpo impondo-lhe um modo de lidar com a força do movimento gestual: forte ou fraco, longo ou curto, amplo ou contido. A pintura nasce do modo como seguramos o pincel, pela maneira da mão conduzir o movimento. Diálogo entre mão e matéria, entre mão e cultura. Não raro a mão nos surpreende, criando e resolvendo problemas no ato dinâmico de confrontar a matéria ao desejo de figurar.

sobre o papelão. No momento em que acertou com o pincel sobre um dos montes de tinta, espalhando-a formando marcas no papelão, parou e observou o colorido próximo aos seus pés, depois recomeçou a bater com o pincel até o momento que diminuiu o ritmo do movimento e começou a passar as cerdas do pincel sobre o papelão, movimentando a tinta que até aquele momento estava ali parada. Criou uma linda pintura, com suas

pinceladas

suaves,

um

tanto

quando

desencontradas mas carregadas de emoção.

O Bernardo em sua relação e envolvimento com o pincel e com a tinta, mostrou diferentes intenções ao

Ainda com o pincel, foi extendendo a sua pintura,

realizar suas ações sobre o material, encontrando

utilizou o seu corpo como o suporte da pintura, passou o

possibilidades variadas de movimentar o pincel. Realizou

pincel na bochecha, chupou as cerdas do pincel, passou

diferentes

o pincel pela roupa, pelas pernas, sobre os pés, como

intensidades e pressões, percebeu que sua mão expan-

estava sentado virou o pé e pintou a sola do pé,

diu o movimento da sua pintura, chamando todo o seu

passando lentamente o pincel por toda extensão do seu

movimentos

gestuais,

com

diferentes


34

corpo a participar da mesma e servir de suporte para

materiais. O pesquisador Fochi (2013, p. 142) em sua

esta pintura. Acredito, que sua mão, deva tê-lo

dissertação, utiliza as palavras de Mayer e Musatti (2002)

surpreendido ao dialogar com o material, com a tinta,

para tratar desta repetição de movimentos, de ações:

pois conduziu a viscosidade da tinta por várias partes do bebês e crianças pequenas procedem em suas explorações, consolidando suas descobertas passo a passo, por exemplo, pela repetição até mesmo das atividades mais simples, e apresentando mais ou menos sistematicamente elemenos novos para substituir ou acrescentálos a elementos já compreendidos (p.198).

seu corpo, oportunizando diferentes experiências e sensações, dialogando com seu corpo inteiro. Depois de um tempo levantou chorando, olhou em volta, voltando a atenção novamente para o chão, onde percebeu uma espumadeira, abaixou-se e segurou a espumadeira, seus olhos brilhavam e parou de chorar, virou o objeto, lambeu, girou, alisou, bateu no chão, sua

Portanto, é possível afirmar que os bebês e as

expressão estava interrogativa, como se perguntasse o

crianças pequenas, atraves da repetição de ações, nas

que é isso? para que serve?

quais aos poucos vão acrescentando novos elementos,

Em seguida voltou a bater, percebeu o som, bateu

seja objetos ou tipos de ações, consolidam suas

novamente no chão, levou a espumadeira a boca

descobertas,

atuam

sobre

lambendo e mordendo-a, soltou-a, voltou a pegar o

modificações, investigando-os.

os

materiais

fazendo

objeto começando a movimentá-lo para o chão, testou

Já a Julia, se envolveu principalmente no processo

várias intensidades de pressões ao bater com a

de engatinhar sobre o papelão causando marcas sobre o

espumadeira

e

mesmo. Marcas dos joelhos e das mãos que deslizavam

aumentando o ritmo e intensidade, parando e reiniciando

pelo chão, quando percebeu que ao passar com as mãos

o processo, até haver esgotado o seu interesse, ao que

sobre os montes de tinta, elas se espalham, gerando

levantou e foi procurar sua professora abandonando os

formas

no

chão,

iniciando

levemente

novas,

colorindo

o

que

estava

embaixo,


35

começou a bater e passar os dedos sobre todos os

ações geram uma reação, neste caso, as marcas sobre o

montes de tinta que encontava a sua frente, observando

papelão. Onde, lhe é possível, expressar-se através

concentrada as diferentes cores que ali estavam, sentia a

desta experiência, convertendo esta experimentação

tinta em contato com a mão, apertando e abrindo-a,

com os materiais em linguagem, já que, utilizando as

formando muitas manchas, borrões e cores novas. Com

tintas, as manchas e misturas de cores, o sensorial, o

a expressão de satisfação, demonstrava ter percebido

movimento do corpo, consegue comunicar o seu

que suas ações e movimentos, que causavam toda

processo de raciocínio sobre a sua elaboração e

aquela dança de cores e formas que apareciam sobre o

hipóteses e as conclusões que chega durante este

papelão, criadores daquela linda pintura.

processo de aprendizagem.

Ao abordar a questão da cor e da mancha, Richter (2001, p. 49) nos diz:

O Gustavo, apesar de ser muito dinâmico e ativo, demonstrou estranhamento com a proposta. Ficou por longo

Ante a mancha de cor, a criança reage de modo distinto do desenhar. A cor toca o ser dinânico das coisas, revelando-o como eterna fluidez e mudança, um enigma sensorial quase mágico, onde nada é fixo no constante movimento do corpo e das cores, estímulo e provocação de gestos no espaço, figurando o imaginário, participando da construção do pensamento e do comportamento.

tempo

sentado

no

mesmo

lugar,

apenas

observando o que acontecia com os colegas e os materiais, por diversas vezes procurava suas professoras com os olhos. No entanto, não se afastou do material oferecido. Depois de vários minutos, aproximei-me dele e chamei-o para sentar mais próximo ao material, mas sem forçá-lo a relacionar-se com o mesmo. Neste momento ele sacudiu a mão e acabou

Desta forma, cabe registrar nesta análise que o processo

de

espalhar

a

tinta

demonstra

a

intencionalidade da Júlia em marcar a superfície do papelão, oportunizando-lhe a percepção de que suas

encostando em um monte de tinta com os dedos, surpreso movimentou os dedos observando o colorido que os havia manchado, e a partir deste momento


36

sentiu-se a vontade para experimentar, mas ainda

que ele observou intrigado. Com a peneira em mãos

demonstrava estar inseguro e desconfiado.

novamente começou a bater sobre esta marca e

Limitou-se a explorar o que estava ao alcançe de suas mãos, ficando o tempo todo praticamente no mesmo lugar, mas realizou muitas ações neste pequeno espaço

físico.

Escolheu

ficar

acocado

percebeu que a marca ia sumindo, restando apenas manchas coloridas. Na perspectiva de Richter (2001, p. 40):

enquanto Na Linguagem plástica não existem restrições: importa é tornar visível o vivido! É educar o olho e a mão para estarem alertas e curiosos para recolherem fragmentos e dispô-los em outros olhares que, a partir do observado, construam outras hipóteses.

relacionava-se com o material. O primeiro objeto que segurou foi uma peneira pequena, passou a peneira sobre um monte de tinta espalhando-a levemente, bateu com a peneira sobre o papelão. Ao perceber que o papelão ficou manchado, onde havia batido com a peneira, repetiu este mesmo movimento, por diversas vezes, sempre observando as novas marcas que

Pensando

no

desenvolvimento

da

ação

do

apareciam sob seu olhar. Este olhar era um olhar que

Gustavo, em contato investigativo com os materiais,

demonstrava curiosidade, satisfação e interesse, mas

levando em consideração a perspectiva de pintura

ainda com uma ponta de receio.

apresentada por Richter (2001), e o fato da linguagem

Levantou-se segurando a peneira, olhou em volta,

plástica não impor restrições, nem o certo ou errado,

observou as manchas que realizou e decidiu abaixar-se

devo reconhecer que o Gustavo tornou visível o vivido.

novamente. Timidamente pasou seus dedos sobre os

Ele olhou de diversas formas os materiais, impregnou

montes de tinta próximos a ele, misturou as cores

suas experimentações com os

espalhando-as com as mãos, passou a mão fazendo

possuia sobre os materias e elaborou e testou novas

uma pressão mais intensa nas pontas dos dedos o que

hipóteses, construindo novos conceitos através da

ocasionou em uma marca longa de quatro tiras paralelas

transformação do material pelo gesto do corpo, da mente

conhecimentos que já


37

e da mão. Em seguida, o Gustavo, segura um pouco de tinta

prendedor, tentou de um lado, depois virou e tentou do

entre os dedos, espreme a tinta, sentido-a entre seus

outro lado, soltou-os para em seguida pegá-los de novo,

dedos, observa sua mão, levanta o corpo, abaixa

bateu com o palito no prendedor, depois de alguns

novamente, observa sua mão com atenção, sua

momentos voltou a desenhar com o palito e o prendedor,

expressão estava muito concentrada, de repente passa a

pareceu ter chegado a conclusão de que esta era a

mão sobre seu pé e analisa as marcas que surgem neste

utilidade destes materiais.

movimento. Satisfeito, realiza o mesmo movimento por

A seguinte frase de Gandini (2012, p. 192) “com

mais algumas vezes, deixando seus pés coloridos de

“criatividade”, queremos dizer a capacidade de construir

tinta.

novas conexões entre pensamentos e objetos que Ao olhar para o papelão novamente, percebe um

promovem inovação e mudanças, pegando objetos

palito de picolé e um prendedor de roupa, esticou suas

conhecidos e criando novas conexões.”, me fez perceber

mãos para segurá-los e começou a passá-los sobre o

que a ação desenvolvida pelo Gustavo tem tudo a ver

papel. A cada movimento que fazia realizava marcas

com o seu significado, pois o Gustavo explorando o

sobre a tinta que estava no papelão, marcas mais

prendedor e o palito, se apropriou dos mesmos , mas os

intensas ou mais suaves, dependendo da pressão que

utilizou a sua maneira, dando-lhes o seu significado e

fazia sobre o objeto, observava as marcas com interesse,

função, sem se limitar a função já estipulada para o

de cabeça baixa, olhos focados no seus traços que

objeto. Permitiu-se estabelecer suas próprias conexões e

deslizavam em várias direções.

relações.

Em determinado momento, resolveu encerrar o seu desenho e pareceu ter novas ideias, continuava com os dois objetos em mãos, mas observava-os com outra expressão. Então começou a tentar encaixar o palito no


38

4.2- Nosso segundo encontro – muitas experimentações Materiais: farinha (consistência pura, molenga, massinha

Neste dia, organizei a sessão com os bebês,

de modelar e grudenta), lona, bacias para as farinhas,

dentro da sala deles. Estendi uma lona grande no chão,

objetos (esponja, pincel, rolinho de pintura, palitos,

colando algumas pontas para haver menos risco das

tampas, espumadeira, tecido, peneira).

crianças tropeçarem na lona. Distribui três bacias sobre a lona, em cada bacia coloquei a farinha em um estado de consistência diferente, deixando a que parecia massa de modelar

diretamente

sobre

a

lona.

Distribui

aleatoriamente os objetos sobre a lona, intercalando-os, de forma que ficasse um visual harmônico e interessante aos olhos. Em um primeiro momento, as crianças, se aproximaram da lona, mas não ultrapassaram este limite demarcado no chão. Ficaram paradas olhando ao redor, observando o que havia sobre aquele espaço que estava diferente, então começaram a olhar para as professoras como a pedir licença para relacionar-se com o material que estava sendo oferecido, mas somente pisaram na lona, quando os incentivei verbalmente e gestualmente, no momento em que avisei que poderiam mexer e realizei um gesto com a mão, de que aquilo tudo era para eles. Enquanto os colegas aproximavam-se lentamente


39

das bacias e dos objetos, o Gustavo caminhava e depois corria ao redor da lona, procurando não pisar na mesma. Depois de umas três voltas, parou e rendeu-se a curiosidade de também participar da experimentação que os colegas já estavam fazendo.


40

4.2.1- Quantos objetos – o que fazer com eles?

A Júlia aproximou-se da bacia com farinha pura e recolheu um punhado com a mão, ergueu-a entre os dedos apertando-a, e então, abriu a mão, observando a farinha escorregar entre os dedos, percebendo que uma parte caia dentro da bacia e a outra parte na lona. Concentrada, pegou outro punhado de farinha que rapidamente largou sobre a lona, observando as marcas deixadas na mesma, o contraste era vibrante. Entusiasmada, passou a mão sobre a lona, espalhando-a, levantando um pouco daquela “poeira” branca. Neste momento inicia o processo de testar vários objetos e seus sentidos. Segurou a peneira entre os dedos, passando-a pela bandeja de farinha, espalhando a farinha, algumas vezes parecia estar querendo erguer a farinha com a peneira, mas o gesto não se completava, olhava para a peneira e voltava a empurrá-la pelo fundo da bacia, deixando novos traços e movimentos estampados na farinha. Também encontrou uma colher, que observou atentamente ao passá-la pela bandeja de farinha. Trocou de objeto, pegou um rolinho de pintura que ficou girando a espuma com os dedos, para em seguida passar o rolo pela farinha pura, largou o rolo para se interessar por palitos. Procurou empurrar a farinha com o palito, realizando um movimento repetitivo, também realizou movimentos circulares com os palitos, ocasionando traçados muito bonitos dentro da bacia.


41

Para Richter (2001, p. 56): É quando age, mexe e remexe nas coisas, experimenta e modifica-as que conhece melhor. Entendo experimentação, não como simples manipulação de materiais, mas antes de tudo como um desafio provocado pela própria simbolização. Experiência supõe um processo de interpretação, de autoria.

Pensando neste trecho do texto de Richter (2001), posso afirmar que a Júlia efetivamente experimentou, teve uma experiência investigativa sobre os materiais, sentiu-se provocada a interpretar, analisar, avaliar as possibilidades que os materiais ofereciam; suas características físicas e sensoriais. Procurou conhecer o material que tocava, agindo sobre o mesmo de diversas formas, inclusive modificando-o.


42

4.2.2- Que meleca, isso gruda!!

Aproximando-se da bacia, com a farinha em estado molengo, a Júlia passou uma mão pela farinha, movimentando os dedos e sentindo a sensação do gelado e da meleca, passando entre seus dedos. Entusiasmada passou as duas mãos dentro da bacia, movimentando a meleca que estava lá dentro, empurrandoa de um lado para o outro, deixando aparecer a cor da bacia ao fundo. Retirou as mãos da bacia e passou-as sobre a lona, parecendo querer limpar as mãos com este movimento. Mas, inesperadamente, ela não consegue. No entanto, nota que aparecem muitas manchas deixadas pela farinha, com este movimento, sobre as marcas já realizadas por outros, e ela, Júlia,

transforma

estas

manchas

em

outras

formas,

ao

movimentar as mãos sobre a farinha, criando novas manchas, as suas manchas.


43

Segundo o italiano Francisco Tonucci (2008, p. 11) “[...] e, portanto, também as roupas, brinquedos, livros... Como isso pode ser material para construir, nas mãos de uma criança que vive em um ambiente onde inventar é lícito e desejável.” Refletindo sobre a profundidade desta frase, acredito que os bebês necessitam de um ambiente e de profissionais que permitam variadas possibilidades de relação, transformação e experimentação, assim sendo os materiais ganham um valor muito grande nas pequenas mãos dos bebês, tornam-se potentes nas mãos que são capazes de transformá-los e ressignificá-los.


44

Após passar por todos os tipos de consistência de farinha, e manipular cada uma delas, começou a mostrar-se inquieta com a quantidade de farinha que estava grudada em sua mão, a sensação estava incomodando e trazendo-lhe um certo desconforto. Chamava “mãe, mãe” mostrando as mãos sujas, continuou fazendo mais alguns sons, que apesar de serem incompreensíveis já demonstravam o seu incomodo, cada vez chegando mais próxima a mim, neste momento o seu foco de interesse mudou, esqueceu-se da farinha que estava grudada entre seus dedos, e sentando no meu colo, apontou para a máquina, observando a imagem que aparecia no visor enquanto eu batia algumas fotografias. Em seguida, a Júlia desce do colo e aproxima-se da bacia com o grude, onde a consistência é “puxenta”, coloca uma mão dentro da bacia, movimenta-a para em seguida levantá-la da bacia. Durante o movimento de erguer a mão percebeu os fios de massa que ficaram presos

em

suas

mãos,

observou-as,

movimentou-as,

realizou

novamente a ação de molhar a mão no grude e puxar, sentindo novamente a resistência da massa, os respingos que saltaram e os pedaços de farinha pendurados em suas mãos, lembrando finas minhocas. Dedicou-se por vários minutos a puxar estas minhoquinhas tentando libertar sua mão da sensação pegajosa.


45

Ao observar a ação da Júlia em interação com a farinha muito pegajosa, lembrei-me da frase de Jonh Dewey (2010, p. 130) “ao manipularmos, tocamos e sentimos; ao olharmos, vemos; ao escutarmos, ouvimos. A mão se move com a agulha usada para gravar ou com o pincel. O olho acompanha e relata a consequência daquilo que é feito”. Pois, em sua concentração e interesse, seus olhos, acompanhavam todos os movimentos que seus braços e mãos faziam, percebiam as consequências que surgiam perante os seus atos/ações/gestos, sua mente assimilando todas as suas sensações e percepções decorrentes da experiência investigativa sobre o material.


46

4.2.3- Meu corpo inteiro na ação

No momento em que o Gustavo iniciou sua exploração, ele jogou-se de corpo – alma e coração. Ele começou sua exploração interagindo com as farinhas em diferentes estados de consistência, sentindo o toque, a sensação que causava, se grudava ou não na mão, se saia da mão ao sacudi-la, buscando descobrir em quais objetos e materiais ele conseguiria deixar marca, e como ficariam estas marcas. O Gustavo pegou um punhado de farinha pura e seca e jogou sobre a lona preta, em seguida pegou mais um pouco de farinha e jogou no chão, abaixou-se e começou a espalhar esta farinha com as mãos, depois com os pés. Enquanto realizava movimentos de empurrar a farinha de um lado para o outro ou passava os dedos, deixando marcas longas e finas, que nos remetem a linhas, observava atentamente o movimento que realizava e o que acontecia ao realizar este movimento.


47

Encontrou um rolo de pintura, aproximou-se da bacia com a farinha em estado molengo e enfiou o rolo nesta meleca. Ao erguê-lo percebeu que gotejava, a meleca escorria, respingando por suas pernas e pela lona, logo após passou o rolo pela meleca e em seguida na farinha pura, entreteu-se empurrando este rolo pelo chão, deixando suas marcas pelo espaço da sala. Testou várias possibilidades de manchar com o rolo, experimentou passa-lo em todas as farinhas para em seguida deslizar o rolo pela lona, pelo chão, pela parede, pela caixa de brinquedo, nas bandejas de farinha, no espelho onde se observou por entre as marcas que deixou, logo voltou à lona, molhou o rolo e depois continuou pintando/marcando.


48

Deixando o rolo um pouco de lado, continuou o Segundo Cunha (2001, p. 17):

processo de deixar marcas, só que agora utilizava as próprias mãos, passou as mãos pelos braços, pernas,

[...] quanto mais uma criança pinta e interage com diferentes tintas e instrumentos (buchas, pincéis, esponjas, rolhas, etc.) que marcam um suporte (papel, madeira, pedra, tecido, argila, etc.) mais possibilidades esta criança terá de elaborar seu vocabulário pictórico. É neste fazer, e no pensar sobre este fazer pintura que a criança constituirá sua linguagem na modalidade da pintura, assim como em qualquer outra modalidade visual.

pés, bochecha, na roupa. Algumas vezes dava batidas com as mãos pelo corpo provocando sons. Novamente com o rolo em mãos, o Gustavo molhou o rolo na farinha molenga e deitou-se no piso, observando suas mãos e o rolo, logo passou o rolo pela mão, por cima e por baixo. A sensação parece ter sido boa, pois sorriu enquanto o rolo passeava por sua mão. Rapidamente virou o corpo e levantou-se para enfiar o

O Gustavo ao relacionar-se com diferentes suportes (lona, espelho, chão, parede, bandejas) e com as diferentes consistências de farinha desenvolveu a sua noção de pintura, pois a aquisição da linguagem gráficoplástica

acontece

gradativamente,

quanto

mais

possibilidades de relacionar-se com este tipo de materiais, mais facilidade ele terá de elaborar o seu repertório pictórico. Quanto mais experiências a criança tiver com pinturas e seus respectivos materiais, mais ela irá conhecer o material, podendo utilizá-lo de uma forma mais confiante e cheia de propriedade.

rolo na meleca novamente e continuou pintando o chão; em posição meio sentada, meio ajoelhada. De forma que deslizava o corpo pelo chão, deixando novas marcas, pois seu corpo limpava a farinha do chão deixando um rastro mais limpo e de outra cor. Passou o rolo e as mãos, por tantas vezes no chão, que criou uma pintura única, somente sua; coberta de energia, curiosidade, ação sobre, fora as marcas de dedos, mãos, pés, e punhados de farinha que foram sendo sobrepostos, possibilitando que a pintura/desenho aparecesse naquele momento.


49

Cunha (2001, p. 31) afirma “[...] o importante é termos disponibilidade para explorar o inusitado junto com as crianças, propondo usos para diferenciados objetos comuns do cotidiano”. Concordo com a autora sobre a importância de explorar objetos comuns de uma maneira inusitada, pois desta forma as crianças podem descobrir novas maneiras de usar e interagir com os objetos, transformando-os inclusive em novos objetos, com finalidades totalmente diferentes das que nós adultos lhes damos. Imagine quanto foi prazeroso estar presente em todas as relações das crianças com os materiais, em cada investigação que fizeram; a cada nova possibilidade que descobriram ou a cada sensação e emoção que demonstraram. Se estas propostas de exploração de materiais inusitados não houvessem ocorrido, quantas experiências

não

teriam

acontecido,

quantas

descobertas continuariam esperando por um momento para poderem acontecer. Neste momento percebo que começam a surgir respostas para minhas indagações iniciais.


50

4.3- Nosso terceiro momento de explorações Coloquei um grande tecido de cor clara no chão,

distribui

os

materiais

os

quais

Quando o espaço e os materiais estavam

seriam

organizados, faltava o essencial, os bebês, e assim fui

oferecidos sobre o tecido. Nesta sessão utilizei

buscá-los, com uma certa curiosidade para ver o que

alimentos cozidos (massa de três tipos diferentes),

demonstrariam ao serem colocados diante

cenoura, beterraba e espinafre e completei dispondo

diferentes materiais.

alguns objetos que acreditei serem possíveis de promover relações.

destes

Nos primeiros minutos, os quatro bebês ficaram sentados esperando por algum sinal de que poderiam agir, suas expressões variavam da curiosidade ao receio pelo novo, vagarosamente foram se aproximando dos materiais e começaram a tocar e relacionar-se com o que estava exposto. Cada criança se aproximou do que mais chamava sua atenção, ou seu tempo, sem interferência de quem estava observando. Segundo Ana Angélica Albano (2007, p. 8): Para ela [a criança] tudo vai depender da disponibilidade do adulto de ouvir e acompanhar as narrativas criadas durante as brincadeiras, e também, de sua capacidade de propor desafios e aceitar que as crianças transgridam as propostas apresentadas criando outras.


51

A criança necessita que os adultos tornem-se

pedaços de cenoura teimavam em escorregar de suas

presentes, que acompanhem seus gestos e ações, que

mãos. Persistente, ela continuou insistindo, até que

lhes transmitam segurança e incentivo com uma palavra,

conseguiu ficar com todos os pedaços nas mãos, deu

um carinho ou simplesmente um olhar, para que se sinta

gritos de felicidade pela conquista e se levantou,

segura em continuar explorando os objetos e materiais

caminhando com os pedaços nas mãos, mostrando-os

que são oferecidos, que se sinta incentivada a ir além da

para os que estavam próximos.

proposta inicial do professor, onde ela possa criar e

Depois,

encontrou

uma

forma

com

várias

recriar suas próprias propostas, seus próprios desafios.

cavidades e ficou observando-a intensamente, como a

Holm (2007, p. 12) também acredita na importância do

analisar as possibilidades do material, até que começou

adulto participar e estar presente, confortando e

a encaixar os pedaços de cenoura nestas cavidades.

apoiando a criança “o importante é ter um adulto por

Caminhou com a forma, circulando todo o painel,

perto, co-participando e não controlando.”

tentando equilibrar os pedaços de cenoura. Claro que por diversas vezes eles caíram, mas ela resgatou-os e colocou-os novamente na forma. Após, vários minutos nesta exploração, resolveu aproximar-se de sua professora, que estava sentada próxima, e colocou os pedaços de cenoura sobre as pernas dela, a professora fez um gesto de que estava tudo bem e se dispôs a aceitar os pedaços de cenoura,

A Vitória logo se interessou pelos pedaços de cenoura, ficou envolvida tentando segurá-los, mas os

fazendo um carinho na cabeça da Vitória. Demonstrando com este gesto simples que a Vitória podia compartilhar suas descobertas e que podia contar com o seu apoio.


52

Em seguida a Vitória se afastou e logo o Bernardo foi até lá pegou um dos pedaços de cenoura, segurou levando-o a boca e dando uma mordida nele, mastigou com satisfação e ficou por alguns minutos nas pernas da professora, olhando-a em seus olhos, depois que recebeu um sorriso dela e alguns carinhos voltou a brincar no grande painel. Ao analisar esta interação com o adulto me recordei sobre o que é estar presente na visão de Holm (2007, p. 71) “o que é “estar presente”? Tem a ver com não exigir um resultado específico, mas um contato de igual para igual.”. São destas ações e intervenções que as crianças necessitam para sentirem-se seguras e incentivadas a realizar suas próprias pesquisas com e sobre os materiais.

A Rhayane e a Pietra ficaram próximas das massas, estavam mais tímidas e foram se aproximando com mais cautela, aos poucos colocaram as mãos dentro das bacias e pegaram pedaços de massas. A Pietra apertou com os dedos suavemente o pedaço de massa sentindo o que acontecia, já a Rhayane encostava na massa, mas demonstrando receio, a empurrava no chão, até a Pietra lhe entregar uma massa na mão, que ela pegou com as pontinhas dos dedos e colocou-a no chão. Ao querer engatinhar para sair dali, esmagou com a mão uma massa, e esta ficou grudada em sua mão, sua expressão foi de quem estava achando muito nojento e pegajoso, após algumas tentativas sacudindo as mãos, conseguiu se livrar da massa e prosseguiu engatinhando.


53

A Pietra se interessou pelo rolo, resgatou-o de dentro da bacia da beterraba erguendo-o. Enquanto olhava para o rolo e sentia maciez da espuma dele, gotas caíram sobre seus pés, ela sentiu os respingos e ficou o observando curiosa, até que sentiu mais gotas e decidiu abaixar o rolo, observando os respingos coloridos em seu pé e no tecido. Depois as gotas pararam de cair e ela ficou olhando muito concentrada para o rolo, até que uma nova gota caiu e ela repetiu o processo de ficar observando o rolo, só que desta vez ela virava o rolo no ar, abaixou-o novamente e mergulhou-o na bacia, de forma que ao erguê-lo novas gotas respingaram, ficou observandoas caindo e as manchas que ocasionavam, até que perdeu o interesse e depositou-o sobre o chão. Conforme Rangel (2001, p. 19):

Nos berçários, é onde surgem os primeiros registros, que são as marcas realizadas pelos bebês com as mãos impregnadas de sopas, papas e sucos. De certa maneira, as mãos precedem os instrumentos (buchas e pincéis) e os alimentos às tintas. Por isso é interessante permitir que aconteça em alguns momentos esta lambança alimentícia primitiva da inscrição e da mancha.


54

Enquanto a Pietra experimentava o objeto, percebeu que ao colocá-lo na bacia e erguê-lo, o mesmo liberava um líquido que escorria, respingava, molhava e também manchava. Nesta faixa etária, os bebês, se utilizam de seus sentidos para conhecer e reconhecer objetos e materiais; desta forma apreciam tocar nos alimentos e assim iniciam seus primeiros registros gráficos, as marcas das mãos lambuzadas sobre a mesa, nas próprias mãos, nos braços e na roupa. Na linguagem artística as mãos seriam o seu primeiro instrumento de ação e os alimentos seriam suas primeiras tintas, aquelas que possibilitam tingir/marcar/imprimir algo sobre alguma superfície. As primeiras manchas surgem desta necessidade e interesse das crianças. A Pietra surpreendeu-se com as manchas provocadas pela água do cozimento da beterraba.

4.3.1- Uma lata- motivo de risadas, descobertas e muitos puxões

Em determinado momento os bebês começaram a perceber a lata, que estava posicionada entre as bacias de alimentos, com pedaços de cenoura e a água de seu cozimento dentro dela. Primeiramente foi o Bernardo que se aproximou, ficou observando atentamente, chegou mais perto e se abaixou segurando a lata. Em seguida começou a pegar os objetos que estavam próximos e colocava-os dentro da lata, depois vagarosamente puxava-os para fora, para logo largá-los dentro da lata novamente. Ao querer retirar o rolo de pintura de dentro da lata teve dificuldade, puxava e o rolo não soltava, ele olhou ao redor, como a procurar por auxílio, parecia estar chamando os colegas ou os adultos a lhe prestarem ajuda, levantou e voltou a tentar soltar o rolo, sacudiu a lata até conseguir o feito. Um pouco depois a Vitória também resolveu se aproximar, chegou sorridente e interessada, trouxe um pincel e colocou na lata. E os dois ficaram próximos à lata mexendo no líquido que havia dentro com um pincel, de vez em quando faziam sons com a boca, conversando.


55

Jonh Dewey (2012, p. 149) “a transformação de sons, balbucios, lalações etc. em linguagem é uma ilustração perfeita do modo como os atos expressivos passam a existir e também da diferença entre eles e os meros atos de descarga”, desta forma, conforme os bebês amadurecem percebem que determinadas ações geram consequências diferentes, principalmente em relação às pessoas a sua volta. Assim, começam a se dar conta do sentido das suas ações e tornam-se capaz de expressar suas vontades, ideias, desejos. A Vitória e o Bernardo ao relacionarem-se com a lata e produzirem sons com as bocas, estavam estabelecendo sua forma de comunicação, trocando ideias a sua maneira.


56

Assim começou o rodizio dos bebês em volta da lata, aos poucos todos interagiram com este objeto, experimentaram colocar diversos objetos dentro e depois retirá-los. Conforme sacudiam a lata ou retiravam os objetos caiam gotas de água ou respingos nos bebês e no painel. Enquanto os bebês estavam neste processo de integração, onde todos foram se aproximando e começaram a relacionarem-se com a lata, pude perceber que os bebês demonstravam satisfação em estarem juntos em um projeto, de acordo com Renée Maisonnet e Mira Stambak (2011, p. 28) “as sequências organizam-se a partir da ação de uma das crianças do grupo, que atrai a atenção de um ou de vários outros, que então reproduzem essa atividade durante um tempo mais ou menos longo”. O Bernardo foi o desencadeador desta ação , a qual foi imitada pelos colegas, que se apropriaram desta ação para estabelecer o início da sua atividade, que foi sendo transformada conforme eles realizavam novas ações, leventando novas possibilidades e faziam novas descobertas. Demonstraram, através desta ação, que ao observarem os colegas, imitam-os, mas ao mesmo tempo tornam-se propulsores de novas ideias, que também aprendem através da imitação. Uma criança propõe a ação e a outra continua, mas de forma a transformá-la em algo novo e inovador.


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4.3.2- Pincéis e uma lata com água - quantas possibilidades e diálogos O Gustavo chegou à lata com um pincel, colocouo dentro da lata e em seguida retirou-o de lá, passandoo no chão, neste momento deu um sorriso e voltou a molhar o pincel dentro da lata e novamente passou-o no chão, percebeu que fazia marcas no piso com o pincel molhado e repetiu este processo por mais vezes, inclusive se afastava da lata passando o pincel pelo chão em volta do painel de tecido, ia e voltava várias vezes, sempre observando concentrado as marcas que apareciam. Segundo Holm (2007, p. 73) “os primeiros traços são à base da linguagem através da pintura.” Assim sendo, neste momento de encantamento o Gustavo estava

exercitando

sua

linguagem

através

da

pintura/desenho, com traços enérgicos, curtos e rápidos, concentrado neste seu processo mas em certos momentos observando e buscando perceber se os adultos a sua volta estavam acompanhando o seu processo.


58

Neste momento a lata se transformou no centro Temos que nos convencer de que a expressividade é uma arte, uma construção combinada (não imediata, não espontânea, não isolada, não secundária); que a expressividade tem motivações, formas e procedimentos; conteúdos (formais e informais); e a capacidade de comunicar o previsível e o imprevisível.

das atenções e os outros foram se aproximando também, assim começaram a puxar a lata, todos queriam segurála, em alguns momentos a Pietra chegou a tentar morder os colegas para que eles se afastassem. Faziam muitos sons com a boca, trocavam olhares, estavam em comunicação, todos se olhavam e faziam sons, pareciam

Portanto, podemos entender que a expressividade

estar discutindo quem iria brincar com a lata. Envolvidos neste processo, colocaram um pincel

é um processo, no qual podemos estar expressando

dentro da lata e o Gustavo tentou puxá-lo, mas não

fatos,

desejos,

ideias

previsíveis

ou

totalmente

conseguiu, depois a Pietra e a Rhayane também

inesperadas e imprevisíveis para quem esta observando

tentaram e nada, novamente o Gustavo tentou puxá-lo,

este momento de expressão, pois a expressividade

porém o pincel não saia, então o Gustavo se levantou e

precisa de veículos que a convertam efetivamente em

acabou puxando o pincel e erguendo a lata do chão,

expressão. Durante a experimentação do Gustavo, da

sacudindo-a, no entanto o pincel continuava preso dentro

Pietra e da Rhayane com a lata e o pincel pude perceber

da lata, até que ele, colocou a lata com força no chão e o

que estavam expressando a compreensão de que se

pincel se movimentou, de forma que ele conseguiu tirá-lo

havia uma forma de colocar o pincel dentro da lata,

de lá. Gandini (2012, p. 24) escreve:

deveria haver também uma forma de retirá-lo de lá.


59

4.3.3- Incontáveis percepções e descobertas

Aproveitando que ninguém estava segurando a

de utilizar este material, incentivando o processo

lata a Rhayane olhou para os colegas e puxou-a para o

investigativo. Analisando a experimentação dos bebês

lado, com este movimento acabou por virar boa parte da

com a lata e os objetos, percebi que nesta relação

água que ali estava, quando os bebês perceberam a

apropriaram-se do formato da lata, do seu material, do

água sorriram e fizeram novos sons, o Gustavo “aguui,

fato de ser possível colocar coisas dentro dela, de poder

aguui” entusiasmado, em seguida ele pegou a lata e

retirar coisas, de poder erguer, girar, movimentar, como

tratou de virar o resto de água que ainda estava ali

também de sentir os respingos e a temperatura da água.

dentro, observaram a água cair e sentiram os respingos

Com a lata vazia, o Gustavo levantou-a acima da

soltando gritinhos, passaram a mão na água que estava

cabeça, olhando para dentro e sacudindo-a, como se

no chão molhando os dedos e mãozinhas. O Gustavo

assim pudesse sair mais água de lá, quando percebeu

dava pulos de alegria.

que não havia mais nada a largou no chão, virando-a

Cathy Topal (2012, p. 141) nos provoca a pensar

várias vezes entre seus dedos, logo começou a bater as

sobre a situação referida quando diz “trazer um material

mãos sobre ela, percebendo o som que fazia. A Pietra

incomum para a sala de aula é uma maneira intrigante

notou o som e também se aproximou, tentando pegar a

de fazer perguntas sobre sua origem, características,

lata, mas quando ela encostava os dedos a lata

qualidades e usos possíveis [...]”. Através deste tipo de

escorregava e desta forma a mesma acabou rolando no

experiências, com materiais diversificados e inusitados

chão e fazendo barulho, os dois se olharam sorriram e

no cotidiano da escola, os bebês se apropriam do

novamente tentaram pegar a lata, até que o Gustavo

contato com o material, conhecendo e reconhecendo

empurrou a lata para a colega e assim ela conseguiu

suas características e vão estabelecendo possibilidades

segurá-la.


60

De acordo com Giovanni Piazza (2012, p. 156) “vemos a criança como uma rica portadora de experiências – experiências não apenas de construir mas também de elaborar significados em suas relações com os materiais, [...]”. Assim sendo, na visão de Giovanni, com a qual eu concordo e acredito ser de extrema importância, as crianças constroem significados a respeito dos materiais com os quais se relacionam, estabelecendo relações no momento da experimentação, que podem vir à tona em outros momentos, em novas investigações, que completem esta experiência anterior, pois as crianças vão se apropriando dos materiais, de suas relações, suas possibilidades de interação, do seu toque, textura, formato, temperatura, sonoridade. A lata ainda foi fonte de exploração e descobertas, passeou um pouco nos braços das crianças, mas em seguida completou seu ciclo de interesse para os bebês. Esta lata foi à sensação do momento e acabou roubando a cena durante esta sessão

. Para Gandini (2012, p. 24): A expressividade encontra suas fontes no lúdico, assim como na prática, no estudo e na aprendizagem visual, assim como em interpretações subjetivas que vêm com as emoções, com a intuição, com o acaso, e com a imaginação racional e as transgressões.


61

Através das brincadeiras, dos momentos lúdicos, dos momentos de experimentação e exploração, conseguimos observar que a expressividade da criança aparece, onde ela se mostra em sua forma mais pura e completa. Nestes momentos as crianças sentem-se livres para estabelecer suas próprias relações e diálogos, e através destes, expressa suas emoções, anseios, desafios, conquistas, e por diversas vezes nos surpreendem, realizam ações e transformações que não estávamos preparados e organizados para presenciar naquele momento. As crianças são fontes inesgotáveis do imprevisível. Portanto, a investigação sobre materiais se torna importante para os bebês, pois através delas, conforme se apropriam e tomam conhecimentos sobre os materiais, conseguem utilizá-los como veículos para sua expressividade. Esta relação entre, bebê, matéria e material, possibilita que a expressão apareça e que os bebês transmitam suas ideias aos outros, seja aos outros bebês ou aos adultos que os rodeiam. Em diversos momentos diferentes, as crianças levantaram e movimentaram-se pelo espaço, indo e vindo conforme a sua vontade, corriam em volta do painel, foram até a porta que dava para o pátio espiar pela fresta que havia ficado aberta, se aproximavam das professoras que estavam próximas, ou apenas corriam de um lado para o outro, mas quando sentiam vontade voltavam a se aproximar dos materiais e a explorá-los até sentirem novamente a necessidade de se movimentarem. Analisando o comportamento dos bebês, concordo com Holm (2007, p. 35) quando ela afirma que “nosso corpo se movimenta quando tem necessidade, sem que isso prejudique a concentração.”, pelo contrário, a movimentação ajuda que as crianças tenham experiências mais ricas e completas, onde conseguem utilizar todo o seu corpo na experimentação, tornando sua ação mais autêntica e dinâmica.

Podemos perceber a veracidade desta afirmação,

observando como o Gustavo realiza suas investigações sobre os materiais. Dificilmente fica parado em um mesmo lugar, está sempre em atividade, indo e vindo, tomando conhecimento de todo o espaço que tem a sua volta, então, para e volta a exploração, testa diversas hipóteses, experimenta com concentração e entusiasmo, estabelecendo e elaborando diversas relações, onde utiliza todo o seu corpo na investigação, aproveitando e experimentando todos os seus sentidos.


62

4.4- Quarto encontro – Ação + movimento + liberdade = Puro divertimento As coisas que não levam a nada têm grande importância Cada coisa ordinária é um elemento de estima Cada coisa sem préstimo Tem seu lugar Na poesia ou na geral O que se encontra em ninho de joão-ferreira: caco de vidro, garampos, retratos de formatura, servem demais para poesia Manuel de Barros

Materiais: Várias bacias com água, corante

alimentício,

e

diversos

objetos: lata, potes pequenos e grandes, pincel largo, pacote de argila,

garrafas

decoradas, peças

de

escorredor

bolinhas

pet

500ml

de

plástico,

madeira, de

massa

peneira, infantil,

esponja, brinquedos de plástico.


63

Para delimitar um espaço do pátio, que ficava em frente a sala do berçário 1, de forma que as crianças não ficassem expostas ao sol intenso, utilizei dois bancos, colocando-os de maneira que formassem um L. Distribui as onze bacias, de tamanhos variados, dentro deste espaço; colori a água com o corante (cores: laranja, roxo, verde, vermelho), me preocupando em deixar algumas bacias com a água incolor. Sobre um destes bancos distribui os materiais que ficariam a espera das crianças. No horário combinado com as educadoras da turma, busquei as crianças que faziam parte da pesquisa, neste dia apenas três crianças puderam participar, pois as outras duas estavam com febre. Como o espaço preparado para a sessão era em frente à sala das crianças, apenas precisei abrir a porta e chamá-las para virem ao pátio. Desta vez as crianças se mostraram ávidas por mexer no material, nos primeiros instantes observaram as bacias coloridas com um quê de curiosidade e ansiedade, para em seguida se aproximarem das mesmas, caminhando pelo espaço, até escolherem uma bacia, abaixarem-se ao lado dela e então começarem a realizar suas descobertas.


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4.4.1- Ação e reação – que descoberta

alegria e curiosidade, devo concordar com a colocação de Albano, precisamos ser mais artistas ou ao menos

A Vitória protagonizou a primeira cena a ser

possuir alma de artista para resgatar o encantamento

narrada neste encontro, assim que acocou-se ao lado da

frente às coisas simples da vida. As crianças não

bacia, com água laranja, olhou para a bacia, para os

precisam de materiais elaborados e caros para criar, mas

colegas e depois voltou a observar a água na bacia.

sim de variedade de matérias e de materiais, de espaço

Então, colocou suas mãos na água, movimentando-as

e liberdade para explorá-los, pois as crianças criam muito

com calma, para em seguida começar a bater com uma

com pouco, já que admiram a simplicidade da vida. Nós,

mão na água, levantando vários respingos. Ao sentir as

adultos, que complicamos a vida e o trabalho com

gotas de água caindo sobre seu corpo, soltava alguns

pesquisa de materiais, colocando empecilhos que na

gritinhos,

realidade temos condições de resolver.

derrubando

água

para

fora

da

bacia,

apresentando uma expressão de surpresa e ao mesmo tempo feliz.

Quando percebeu que a água estava caindo no chão,

Albano (2007, p. 8) diz que:

a

Vitória

passou

os dedos na superfície,

espalhando ainda mais esta água e em seguida levantou-se ficando em pé; repetiu o processo de abaixar

Poetas e artistas deveriam estar, sempre, entre os interlocutores privilegiados dos educadores que trabalham com a primeira infância. Eles recuperam para a educação aquilo que a criança ainda não perdeu: o encantamento diante de todas as coisas simples.

Observando

como

as

crianças

vêm

se

relacionando com os materiais, em sua simplicidade,

– bater as mãos-sentir respingos-soltar gritinhos-levantar, várias vezes, até que resolveu sentar-se ao lado da bacia, colocando uma mão em cada uma delas, movimentando os dedos lentamente.


65

Tentou levantar-se, mas não conseguiu, e começou a chorar, arrastando o corpo para a frente. Neste momento, achei importante realizar uma pequena interferência, estendi minha mão para a Vitória, que a segurou prontamente, levantando-se, e parando de chorar, segurou-se com a outra mão em uma das bacias, logo, libertando minha mão. Voltou a abaixar o corpo, de forma a poder movimentar a água com as mãos, em seguida prosseguiu insegura, caminhando, até onde o chão estava seco. Neste momento, percebi que o piso molhado estava deixando as crianças inseguras ao caminharem, então, realizei mais uma intervenção, que foi coloquei os chinelos em cada um, o que facilitou a segurança e locomoção das crianças. No momento em que a Vitória retornou para perto das bacias, percebeu que o banco estava repleto de objetos variados e materiais, aproximou-se do banco com uma expressão de curiosidade, seu olhar passeou agilmente por toda extensão do banco, até que se deteve em um pode de plástico, rapidamente segurou o pote com suas mãos. O Gustavo e a Pietra ao visualizaram a Vitória também aproximaram-se do banco, desbravando o que havia nele.


66

Colla (2012, p. 84) coloca “quanto mais atenção tivermos em nossas escolhas sobre os materiais e o

4.4.2- Concentração- momentos gloriosos com nossa pequena pesquisadora

espaço, mais evidentes serão a seriedade e a beleza das investigações que as crianças fazem.”, já Hunter-Mcgrath

No primeiro momento, a Vitória, ainda com o pote

(2012, p. 130) “[...] oferecem aberturas e caminhos pelos

de plástico nas mãos, interessou-se pelas bolinhas

quais

coloridas. Estava o tempo todo com uma expressão

as

crianças

podem

entrar

no

mundo

do

conhecimento.”

concentradíssima.

De acordo com as autoras, a investigação

Começou sua ação, pegando algumas bolinhas

realizada pelas crianças em pesquisas com materiais

que estavam no chão próximo às bacias e distribuindo-as

deve proporcionar possibilidade de ações e relações.

entre duas bacias, uma com água verde e outra com

Para que as investigações sejam ricas, completas e

água incolor, abaixou e levantou-se várias vezes, até

possibilite a criança apropriar-se de conhecimentos, nós

conseguir recolher todas as bolinhas que visualizou, e

adultos devemos pensar com seriedade sobre os

colocá-las dentro das bacias escolhidas.

materiais selecionados e nas possibilidades que esses

Testou várias hipóteses neste seu momento de

oferecem, além de, questionar-se se os materiais dão

relação com a matéria e com o material. Colocou uma

abertura a uma variedade de explorações, se permitem

bolinha dentro do pote que segurava, analisou, girou a

diferentes usos, se várias crianças podem explorá-lo e

bolinha, observou o movimento dos seus dedos ao girar

claro como apresentar este material para as crianças, de

esta bolinha, tentou colocar mais uma bolinha no pote e

forma que o mesmo seja atrativo, mas sem ser

notou que não havia espaço suficiente. Pegou uma

intimidante e limitador.

embalagem de xampu e tentou encaixar a bolinha no buraco dela, ao perceber que ela não encaixava abandonou o pote no chão e continuou observando a bolinha que segurava, pegou outro pote, agora uma


67

embalagem de tinta e procurou colocar a bolinha dentro da embalagem, novamente não conseguiu, mais uma vez largou o pote que não lhe foi útil e buscou o pote que já havia experimentado, o qual a bolinha encaixava perfeitamente. Demostrou ter esgotado todas as suas hipóteses de encaixar as bolinhas, pois, tranquilamente deixou o pote de lado. Segundo Saló e Barbuy (1980, p. 20) “não é suficiente a experiência física e sensitiva dos materiais; é necessário realizar a vivência sobre o espectro completo de possibilidades oferecidas pela própria matéria, captá-lo e registrá-lo em todas as suas alternativas.” Refletindo sobre esta frase percebi que a Vitória realizou uma vivência sobre a própria matéria, partiu de uma questão que lhe cultivou o interesse e testou diversas possibilidades de solucioná-la até sentir-se satisfeita com a questão e a solução encontrada no momento, quem sabe retornará a esta questão no futuro? Foi em busca de um novo desafio, tentou por diversas vezes segurar duas bolinhas com uma mão apenas, mas não conseguia, as bolinhas escorregavam de suas mãos, até que percebeu, que conseguiria segurar uma em cada mão, neste momento deu um sorriso satisfeito, havia encontrado uma maneira de solucionar o seu dilema, que era segurar as duas bolinhas coloridas nas mãos. Em seguida, resgatou o pote plástico, com o qual havia iniciado este processo, encheu-o de água, e então virou o pote, jogando a água do pote dentro da bacia. Observou o movimento que a água da bacia fazia ao receber a água que caia do pote, e a forma como as bolinhas movimentavam-se dentro da bacia. Realizou este processo mais algumas vezes, e então aproximou-se da bacia de água verde, retirando todas as bolinhas de lá. Novamente encheu o pote com água e virou-o para que a água caísse dentro da bacia, sorriu quando sentiu os respingos que chegavam até seu corpo e soltou alguns gritinhos entusiasmados. Repetiu o processo, de encher e esvaziar o pote, por mais algumas vezes, e então largou o pote na bacia e saiu caminhando, observando o que havia ao redor.


68


69

Não demorou muito para encontrar outra fonte de

Retornou a primeira bacia com o pincel firme em

interesse. Percebeu que a Pietra havia colocado algumas

sua mão, colocou algumas bolinhas dentro da bacia e

garrafas em uma bacia e que empurrava-as para o fundo

com o pincel empurrou a bolinha, encantada, observava

querendo afundá-las, mas as garrafas voltavam a

a

superfície. Aproximou-se da bacia e também empurrou

formavam na bacia, em decorrencia do seu movimento

uma garrafa para o fundo, mas retornou a superfície,

com o pincel.

olhou surpresa e tentou novamente.

bolinha

movimentando-se,

e

as

ondinhas

que

Começou a bater com o pincel na água, a príncipio

A Pietra sacudiu a cabeça e foi observar outros

levemente e aos poucos foi aumentando a intensidade

materiais; já a Vitória, retirou todas as garrafas da água,

do movimento, até que conseguiu respingar bastante

pegou

passá-lo

água para fora da bacia. Não satisfeita, retirou as

suavemente sobre a superfície da água, como se

bolinhas da bacia e substituiu-as pelas garrafas pet.

estivesse acariciando-a com o pincel. Seguiu para a

Realizou o mesmo pocesso de alisar as garrafas com as

bacia ao lado e relizou o mesmo processo de passar o

cerdas do pincel, para em seguida empurrar as garrafas

pincel sobre a água. Novamente trocou de lugar,

com o pincel, por alguns momentos, ficou parada em

aproximou-se de outra bacia, porém, nesta ela resolveu

frente a bacia com a expressão séria, observando o

afundar o pincel na água, começou afundando somente

movimento que acontecia dentro da bacia, meneou a

as cerdas do pincel e então erguia-o, observando as

cabeça, deu um leve sorriso e abaixou-se para começar

gotas caindo, para em seguida afundar o pincel até tocar

a retirar as garrafas da bacia e largá-las sobre o outro

o fundo da bacia. Erguendo o pincel movimentou-o,

banco.

um

pincel

largo

e

começou

a

observando todos os seus lados, tocou em suas cerdas com cuidado, percebendo a sutiliza do toque.


70

Refletindo sobre as ações e relações estabelecidas pela Vitória com a água, bolinhas, garrafas e o pincel me lembrei da frase de Cathy Weisman Topal (2012, p. 138) onde “esse tempo de experimentação – de organizar e reorganizar – é muito importante. [...] essa ideia de testar possibilidades é onde se encontra a riqueza de uma experiência com materiais. ” Assim sendo, a Vitória testou

possibilidades

ao

experimentar balançar as bolinhas na água como pincel, ao movimentar a água e perceber as bolinhas balançando, ao tentar afundar as garrafas e perceber que elas vinham a tona e boiavam sobre a água. Criou relações com os materiais e investiu

em

diversas

experimentações de ideias, suas ideias.


71

4.4.3- Concentrado sim – parado nunca

O Gustavo é uma criança muito ativa, alegre, que não consegue ficar parado por muito tempo, mas sem dúvida experimenta e concentra-se nas suas descobertas, porém de uma forma toda sua, única. Foram muitas as explorações e relações do Gustavo, mas vou descrever apenas as que considero mais potentes, para que o relato não torne-se cansativo para o leitor. Assim que percebeu os objetos sobre o banco, o Gustavo,

apropriou-se de um brinquedo

que parecia um peso de ginástica, chamou-me a atenção que por umas três ou quatro vezes ele aproximou este brinquedo do ouvido, como se segurasse um telefone, e falava algumas palavras, mas que para mim ainda não foram compreensiveis, mas pude perceber que ele simulava uma conversa ao telefone, já realizava assim o jogo simbólico por sua própria conta, sem a interferência de um adulto que o induzisse a esta ação.


72

Ao escrever sobre o faz-de-conta e o desenvolvimento cognitivo da criança, Musatti (2011, p. 90) “ [...] segundo Vygotsky, ao brincar, a criança toma consciência das próprias ações e do fato de que todas as coisas têm seu próprio significado. O jogo simbólico está, estreitamente ligado ao desenvolvimento da linguagem”. O Gustavo ao aproximar o objeto (chocalho em forma de peso) do ouvido e simular uma conversa telefônica apropriou-se do significado do objeto para ele e utilizouo de acordo com este significado, desta forma evocou, por imitação, objetos ou também ações realizadas por si mesmo ou por outras pessoas, realizando o faz-de-conta. Mesmo envolvido na relação com o brinquedo, que lembrava um peso, acabou por segurar e explorar outros objetos e materiais, no entanto não se afastava do brinquedo inicial. Ao pegar uma lata começou a usar o “peso” como basteca, a principio batia calmamente na lata gerando um som mais suave, aos

poucos

começou

a

caminhar

segurando

a

lata,

consequentemente começou a bater com mais força e energia com o “peso” na lata, ocasionando um som mais alto, mais rápido e curto. O Gustavo estava realizado, fazia a sua música, corria de um lado para o outro, mexia o seu corpo, querendo acompanhar o ritmo do seu som, com o resto do seu corpo.


73

De acordo com a proposta de Holm (2007, p. 18): O processo criativo não pode se desenvolver numa situação fechada. Quando se cria, é preciso fugir da necessidade de ser bem sucedido o tempo todo. Temos que retomar à criação como um elemento integrado, uma convivência comum, sem esperar resultados.

Durante investigações

suas o

experimentações

Gustavo

não

e

demonstrou

preocupação em estar fazendo certo ou errado, apenas se dedicou a investigar os materiais e as relações que poderia tecer entre eles, testando suas hipóteses, sem esperar resultados. Utilizou todos

os

seus

sentidos

nesta

exploração,

buscando experimentar e conhecer as qualidades físicas e sensoriais dos materiais, criando formas de conhecer e reconhecer estes materiais.


74

4.4.4- Potes e água- incríveis possibilidades

Interessou-se muito pelos potes expostos, foi

muitos movimentos e ondas. Também resolveu degustar

testando todos eles ao se aproximar das bacias. Pegava

a água, por duas vezes encheu um potinho e levou o

um pote, aproximava-se de uma bacia, enchia de água o

pote aos lábios tomando um gole de água, rindo

pote e então jogava a água do pote em outra bacia,

satisfeito, falava “aguui, aguui”. Uma nova descoberta,

repetia este processo em várias bacias, parecia estar

além de molhar, refrescar, manchar o chão, podia beber

querendo misturar as águas de cores diferentes, pois

a água, aí que delícia.

jogava a água e dava uma olhada para ver se acontecia algo.

Já, quando tentou levar a água, de uma bacia para outra, com o escorredor de massa, teve uma surpresa

Desta forma, realizou este mesmo processo com

que o deixou muito intrigado, pois sempre que chegava a

cinco tipos de potes diferentes, com a embalagem de

outra bacia via no máximo uma ou duas gotas caindo,

tinta têmpera, a do xampu, a do amaciante de roupas,

então realizou o processo novamente, só que desta vez

com uma tampinha e com um escorredor de massa de

mais calmamente, prestando atenção ao trajeto e ao

brinquedo. Cada pote permitia uma quantidade de água

movimento, qual não foi sua surpresa ao perceber que a

diferente, um peso diferente ao segurar, um volume de

água do pote ia gotejando o caminho todo, e quando

água diferente ao ser jogado, uma variedade de

chegava a outra bacia não sobrava água dentro do pote.

respingos, um som diferente ao pingar/cair na água da

Mais uma conquista para seu repertório de vida, pote

bacia e também o movimento diferente que causava na

com furos não armazena água, a não ser por um período

água da bacia, ora mais suave (um leve balanço) ora

de tempo curtissímo.


75

Abrahan Kaplan (2012, p. 38) ao abordar a teoria de Jonh Dewey, diz “é no ato de expressão que o material se converte em um veículo. O ato de expressão, não sendo rotineiro nem caprichoso, faz do material, [...] um canal pelo qual a experiência flui, desimpedida e despreocupada”. Durante a investigação dos bebês com os materiais é possível perceber que os bebês se expressam através dos materiais, convertendo-os em veículos de comunicação e transformado-os em uma forma de linguagem, desde que a experiência flua com naturalidade, através do seu interesse e da testagem de suas hipóteses.


76

4.4.5- E isso aqui, o que será? De repente, o Gustavo abandonou os potes,

necessidade

de

liberdade

uma peça de madeira havia caido para o outro lado do

movimento, precisa ir e vir, utiliza todos os seus sentidos

banco

em uma integração, utiliza a totalidade de sua expressão,

ir

buscá-la,

autônomo,

correu

contornando o banco que servia de delimitação de

pede

por

suas

experimentações,

resolveu

corpo

desenvolver

começando a caminhar em volta das bacias, notou que

e

seu

para

espaço

e

sem fragmentação.

espaço e buscou a pecinha, voltou todo feliz e orgulhoso,

Nisso, percebeu uma esponja ao lado da bacia,

largou a peça próxima ao banco, virou-se movimentando

seu

os braços e foi girando o corpo, numa dança só sua,

rapidamente, observou/analisou/avaliou a esponja e em

sorria feliz e empolgado, nisso abaixou-se, batendo com

seguida enfiou-a dentro da bacia, ergueu-a, percebendo

as duas mãos na água, energicamente, ocasionando

que gotinhas de água deslizavam da esponja para

muitos respingos, ao que sorria mais ainda, gritando “ai,

caiarem dentro da bacia.

ai, ai”, satisfeito com os pingos que molhavam-o.

olhar brilhou ao tocar na esponja, ergueu-a

Aos

poucos,

foi

aumentando

o

movimento,

Holm (2007, p. 22) ao escrever sobre como a

molhava a esponja e levantava caminhando com ela,

atividade pode ser realizada no pátio, onde permite uma

observava os pingos caindo no chão, molhava a esponja

maior movimentação e interação, afirma que

“a

e apertava-a para a água cair mais rapidamente. Depois

felicidade com criação é naturalmente maior quando não

de alguns minutos nesta exploração, mas sem ter ficado

há limitações. Existe a possibilidade de uma total

parado no mesmo lugar, molhou a esponja e saiu

integração

caminhando,

dos

sentidos,

envolvendo

movimentos,

procurando áreas do pátio que ainda

sentimentos, sons e tudo o que se pode ver”. Analisando

estavam secas, onde conseguia observar melhor as

as ações do Gustavo pude perceber que ele demonstra

manchas que as gotas faziam ao tocarem no chão.


77

Quando percebeu as primeiras manchas começou a sorrir muito e a soltar sons e gritinhos olhando para mim, estava conversando comigo, eu em resposta bati palmas e falei “que legal Gu, que descoberta!!”. Ficou por mais alguns minutos envolvido com a esponja, passou-a na parede, tentou enfiá-la em um buraco da parede, até que pareceu ter esgotado a sua curisidade sobre o material, concluindo, desta forma o seu ciclo de descobertas e de hipóteses testadas para o momento. Cathy Weisman Topal (2012, p. 142) nos faz pensar na relação entre criança e adulto, e em como é importante compartilhar e refletir sobre novas estratégias, para propor novos desafios a criança, acrescentando novos materiais e situações que os levem a novas explorações, articulações e reações, segundo ela “quando crianças e adultos se envolvem e celebram juntos os momentos de reações, segundo ela “quando crianças e adultos se envolvem e celebram juntos os momentos de expressão e descoberta, e usam esses momentos para despertar novas aventuras, nasce um espírito de encantamento e confiança”; já Holm (2007, p. 12) afirma “[...]e ter confiança, para que a criança possa se movimentar e experimentar. E que ela retorne ao adulto, tenha contato e crie junto”. Refletindo sobre o comportamento do Gustavo, ao conversar comigo, da sua necessidade de compatilhar a sua descoberta, a sua conquista, tenho que concordar com as duas autoras, pois através desta relação e desta troca de olhares e entendimentos, a criança demonstra confiança na pessoa que está ao seu lado, e sente-se segura para continuar em suas experimentações e relações, sente-se livre para se movimentar e experienciar.


78

CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve o intuito de pesquisar

interessante o planejamento de outros elementos, que,

como os bebês se relacionam com os materiais e de que

nesse estudo, organizo-os da seguinte forma: o tempo,

forma os convertem em linguagem, se isso ocorre e de

os espaços, os materiais, a organização do grupo e o

que maneira. Durante a realização das sessões com os

tipo de intervenção.”, portanto, todos estes fatores devem

bebês me foi possível refletir sobre muitas questões

ser tratados como resposta às problematizações dos

relacionadas aos materiais e os bebês, em como eles se

bebês, a partir do que foi sendo significado em suas

apropriam das características físicas dos materiais e

ações. Assim sendo, é necessário refletir sobre a forma

elaboram e reelaboram hipóteses, até sentirem-se

como o adulto irá realizar intervenções durante os

satisfeitos com suas resoluções.

momentos que estará junto com as crianças, para que

Várias questões influenciam na relação dos bebês

possa garantir experiências ricas e interessantes para as

com os materiais, a questão do espaço pensado para o

crianças

e

adultos,

desenvolvimento da ação, a quantidade de crianças, a

transformação.

oportunizando

momentos

de

escolha dos materiais e a forma como são ofertados, a

Durante o desenvolvimento da parte prática desta

variedade de materiais, a presença atuante dos adultos,

pesquisa, observei que as crianças sentiam-se mais a

a forma como são realizadas as interferências e em que

vontade quando o ambiente estava mais silencioso e

momentos, se os bebês sentem-se desafiados a

sem trânsito de pessoas próximas ao local, pois sua

investigar o material. Desta maneira concordo com

atenção não se distanciava do seu foco, que era a

Focchi (2013, p. 157) que ”[...] ao invés de planejar a

relação com os materiais. Na primeira sessão realizada

atividade para ser “aplicada” com os bebês, seja mais

com os bebês, os adultos da escola estavam curiosos


79

em espiar qual seria a reação dos bebês frente ao

desafio proposto, que era interagir com tintas e diversos

objetos, e desta maneira vários se aproximavam do local,

próprias elaborações e testagens, como também de

sem perceberem que esta presença interessada estava

dialogarem com os colegas expondo suas ideias e

dispersando e talvez intimidando algumas crianças, que

conquistas através de uma comunicação completa,

já se mostravam um pouco receosas, incertas do que

utilizando-se de todos os sentidos e movimentos do

fazer, pois estavam diante de algo diferente do que

corpo.

estavam

acostumados.

As

sessões

seguintes

se

Nestes momentos, em que o que foi pensado e

desenvolveram de forma mais tranquila, pois conversei

organizado

não

ocorreu

conforme

o

planejado,

sobre a importância das crianças sentirem-se a vontade

inicialmente, refleti sobre a importância dos bebês

no ambiente, sem muitas pessoas próximas a lhes

poderem realizar suas próprias descobertas, sendo

inquietar. Desta forma, observei que é necessário um

imprevisíveis em suas elaborações e criações. Também

ambiente mais isolado e calmo para a prática das

percebi a potencialidade e riqueza dos materiais, e como

sessões.

nos diz Holm (2007, p. 14) ”[...] é importante ousar ir

Na relação com os diferentes suportes e com os

além e ouvir: nós devemos ouvir as crianças.”,

diferentes materiais os bebês me surpreenderam em

precisamos estar atentos e presentes, para ouvir o que

vários momentos, como ao tecerem tantas hipóteses,

as crianças querem nos dizer, nos comunicar, e aceitar

diálogos, proposições, interações com, basicamente,

que criem novas soluções para seus conflitos.

uma lata. Nesta exploração mostraram-se capazes de

Observando as crianças, em seus momentos de

criar variadas hipóteses e testá-las até se sentirem

investigação sobre o material, principalmente ao olhar

satisfeitos com

de

para o Gustavo e suas ações/relações, e em todos os

apropriarem-se das ações dos colegas, através da

movimentos que ele realizava, todas suas idas e voltas

imitação, para servir de ponto de partida para suas

aos materiais, pude compreender e defender que a

o desenvolver

da

sua ação,


80

criança tenha liberdade de movimento, o direito de ir e vir

as crianças têm o desejo inato de entender o seu mundo

enquanto desenvolve a atividade, pois seu corpo não

e de aprender a interagir com ele.[...] Por meio das suas

precisa estar parado, enrijecido em um lugar, para

ações, elas constroem conhecimento e caráter.”.

demonstrar que esteja concentrado e envolvido no que

Cada criança possui a sua maneira e o seu tempo

esta fazendo, segundo Holm (2007, p. 35) ”nosso corpo

de relacionar-se com a matéria e com o material,

se movimenta quando tem necessidade, sem que isso

algumas

prejudique a nossa concentração.”, e ainda (2007, p.58)

insegurança, outras praticamente se atiram sobre os

”quando a criança tem liberdade para movimentar-se

materiais em seu entusiasmo em explorar o que esta

livremente, ela está incessantemente em contato com

sendo oferecido. Independente da maneira como a

diferentes materiais.”.

criança irá se relacionar, ela precisa ser respeitada em

demonstram

mais

cuidado,

receio

e

Compartilho da opinião de Ashley Cadwell (2012,

sua individualidade, em seu tempo de sentir-se a vontade

p. 213) que ”as escolas devem ser ambientes que

com a proposta e com os materiais. No entanto,

cultivem a criatividade e a cooperação, a invenção e a

podemos

inovação e a investigação, assim como as habilidades

significativas, onde a criança possa estabelecer relações

fundamentais. Essencialmente as escolas devem cultivar

entre

relacionamentos. [...].”, portanto a escola deve valorizar

comparando-os com experiências anteriores, desta forma

as crianças, os conhecimentos que elas já trazem como

transformando a matéria e o material e o que já conhecia

bagagem (suas questões e teorias), e estar sempre

sobre o mesmo, ampliando o seu repertório de mundo.

propondo desafios as crianças. A criança precisa que a escola

lhe

proporcione

ambientes,

profissionais

os

incentivá-las,

materiais,

criando

propondo

novos

atividades

conceitos

ou

Durante a observação e reflexão das sessões

e

desenvolvidas com os bebês, pude perceber que os

variedade de materiais que as ajudem a compreender o

bebês se desafiaram a realizar projetos com os materiais

mundo e tudo que o compõem, Cadwell ainda coloca “[...]

que foram oferecidos, e nesta intenção que exerceram


81

sobre os mesmos, estabeleceram diversas relações

trabalhando com os bebês e percebi que posso ousar

entre

compondo,

muito mais, apesar de já trabalhar com diversidade de

amontoando,

materiais, ainda existem muitas possibilidades sobre as

esparramando. Nestas relações criaram conceitos, e

quais não havia pensado e com certeza os bebês serão

modificaram outros que já haviam adquirido, testando-os

beneficiados com esta prática voltada para a sua

sobre novos enfoques, confrontando-os com outros

investigação sobre materiais de diversas texturas,

materiais e hipóteses.

tamanhos, temperaturas, formatos, matérias.

os

materiais,

relacionando,

transformando-os,

agrupando,

seriando,

Através destas experiências, o bebê consegue se

A utilização de materiais não estruturados e não

apropriar da materialidade que compõe o mundo,

convencionais nas atividades propostas para as crianças

consegue perceber do que o mundo que o cerca é

pequenas, oportunizam experiências, oferecem

composto e assim tece suas próprias relações, que

caminhos, novas aberturas e incontáveis possibilidades

geram ações que lhes possibilitam comunicar ao mundo,

de

as crianças e aos adultos, os conceitos que vem

provocam, convocam e mobilizam as crianças/bebês a

estabelecendo e as relações que vem criando e

interagirem com eles.

recriando, desta forma se comunicando através de suas

aprendizagem

às

crianças,

pois

os

novos

materiais

Segundo John Dewey (2010, p. 109):

ações, movimentos, hipóteses testadas, descobertas, intenções

sobre

os

materiais,

percepções,

enfim,

transformando estes momentos de experiências com materiais inusitados e não-estruturados em mais uma forma de linguagem. Por meio das leituras realizadas e das sessões práticas desenvolvidas com os bebês me confrontei com a minha prática pedagógica, a maneira como venho

[...] experiência proveniente de outras experiências. Conclui-se uma obra de modo satisfatório; um problema recebe sua solução; um jogo é praticado até o fim; uma situação, seja a de fazer uma refeição, jogar uma partida de xadrez, conduzir uma conversa, escrever um livro ou participar de uma campanha política, conclui-se de tal modo que seu encerramento é uma consumação, e não


82

uma cessação. Essa experiência é um todo e carrega em si seu caráter individualizado e sua autossuficiência. Trata-se de uma experiência.

facilmente superados. Os materiais podem ser inclusive

Percebo que muitas pessoas ainda acreditam que

conversa explicando sobre este tipo de proposta e os

manipular e tocar em variados objetos, materiais e

seus benefícios, e quanto ao espaço basta adaptar, até o

matérias, seja por si só considerado uma experiência, no

pátio pode se transformar em um atelier, como coloca

entanto em minha concepção, partilho da ideia de Jonh

Ana Angélica Albano (2007, p. 8) ao registrar a opinião

Dewey, na qual para ser considerada experiência é

de Holm sobre o atelier:

coletados na natureza e reaproveitados ou reciclados, o que sujar basta limpar, com os pais é suficiente uma boa

necessário um contato muito mais profundo com o material, é necessário que o bebê/ a criança se relacione com o mesmo, que o observe, que mexa, analise suas características, pense em formas de organizar, interligar, de utilizá-lo, que dê seu significado a ele, aprendendo e construindo, até que consiga completar o ciclo, e chegue

A cozinha, o quintal, um guarda sol velho, o espaço embaixo da mesa de jantar, [...] qualquer espaço pode ser transformado em um atelier, onde meias velhas, caixinhas de chá, pôsteres antigos, a água da conserva de beterraba, o sumo da ameixa são utilizados como materiais expressivos.”

a uma solução para o seu problema, para sua hipótese. Muitas vezes, colocamos empecilhos ao pensar

Portanto, qualquer lugar pode ser utilizado para a

em trabalhar com este tipo de proposta, não temos um

realização de atividades que envolvam a relação com

lugar adequado, pensamos na sujeira que será gerada,

materiais expressivos, basta estarmos disponíveis a

nos pais que podem reclamar, no gasto com a aquisição

imaginar, a criar, a ousar, a ir além do que sempre

do material (a escola não possui verba para isso),..., mas

fazemos, de sair da rotina e de enxergar além do óbvio,

se observarmos como as crianças constroem muito com

de nos desafiar a olhar com olhos de crianças as

tão pouco, percebemos que nossos empecilhos são

possibilidades dos lugares e dos materiais.


83

Já os materiais precisam ser pensados e escolhidos de forma a oportunizar ações e relações possíveis entre eles, que desafiem a criança a criar, recriar, compor, transformar, significar. Desta forma, podemos aproveitar tudo que esta a nossa volta, desde folhas de jornal e a sombra de uma árvore ou latas e diferentes canos, apenas precisamos pensar na atividade e na escolha dos materiais com antecedência, para podermos proporcionar um momento que seja significativo para a criança e oportunize novos aprendizados, novos conceitos elaborados. Na pedagogia italiana, desenvolvida nas escolas de Reggio Emila a escola é considerada como um ambiente educador, ele é flexível e deve estar em constante processo de modificação perante as crianças, para que estas sintamse protagonistas no processo de construção do seu conhecimento. No texto de Lella Gandini (1999, p. 157) cita as palavras de Loris Malaguzzi: Valorizamos o espaço devido a seu poder de organizar, de promover relacionamentos agradáveis entre as pessoas de diferentes idades, de criar um ambiente atraente, de oferecer mudanças, de promover escolhas e atividade, e a seu potencial para iniciar toda a espécie de aprendizagem social, afetiva e cognitiva. Tudo isso contribui para uma sensação de bem-estar e segurança nas crianças. Também pensamos que o espaço desse ser uma espécie de aquário que espelhe as idéias, os valores, as atitudes e a cultura das pessoas que vivem nele (Malaguzzi,1984).

Cada escola deveria se preocupar em valorizar o seu espaço, em promover relacionamentos agradáveis entre todas as pessoas que fazem parte das mesmas, em propor um ambiente que seja atraente aos olhos de todos, adultos, crianças e bebês. Considero ser de extrema importância a escola espelhar as ideias, crenças, valores, culturas e pensamentos daqueles que vivem neste ambiente. Pois, desta forma, as crianças sentem-se seguras e respeitadas, os adultos sentem que fazem parte daquele lugar, sentem-se apoiados e reconhecidos, e assim criam um ambiente único que reflete suas vidas e histórias.


84

Desejo que esta escrita, que se constituiu na presente monografia, possa incentivar possíveis leitores a refletirem sobre a importância de se trabalhar com uma variedade extensa de materiais e de possibilidades de utilizá-los, seja agrupando, sobrepondo, interligando, reestruturando, compondo ou transformando-os. Que cada educador ao ler este texto pense nas crianças como pessoas capazes de pensar, imitar, criar e recriar, transformar, expressar, desafiar, relacionar, comunicar, agir, propor, dialogar, investigar e que se desafie a possibilitar momentos em que as crianças/bebês possam exercitar todas estas suas qualidades em contato com diferentes materiais, técnicas e meios, de forma que ao conhecer as características dos objetos e dos materiais, possam estabelecer as suas relações e assim se relacionar e conhecer o mundo que as rodeia. Desafie-se!! As crianças e a educação infantil agradecerão pela sua iniciativa e coragem em oportunizar uma educação centrada na criança, no seu olhar sobre este ser ao mesmo tempo tão pequeno e tão surpreendentemente potente.


85

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86

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