Mínimo do mínimo para anunciar a boa nova a juventude

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Mínimo do mínimo para anunciar uma boa-nova à juventude

Crédito: Shutterstock

Hilário Dick


Ciência e Fé caderno

Volume 1 • Número 3 • 2013 ISSN 2317-7926


© 2013, Hilário Dick 2013, Editora Universitária Champagnat Os cadernos Ciência e Fé, na totalidade ou em parte, não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização expressa por escrito do Editor.

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Sumário

Prefácio – o fundo do tacho

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Apresentação

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Introdução – Um convite ao mais

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Mínimo do mínimo para anunciar uma boa-nova à juventude

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Na opção pela juventude, construindo história

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A pertença a uma instituição

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Opção preferencial pelos jovens

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Escola de autonomia: o protagonismo juvenil

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A ação se faz organizada

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Setor Juventude

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Pastoral e movimento 29 Resistências à Pastoral da Juventude

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Fonte de conflitos 32 Relacionamento da Pastoral da Juventude com outros movimentos de jovens, não eclesiais

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Grupo de jovens

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Escola de serviços 35 Animando a vida

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Comer do mesmo pão 36 Assessoria – Função 37 Assessoria – Equipe – Serviços 38 O papel dos leigos na assessoria 40 O que nos identifica 41 Opções que norteiam o fazer pastoral

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Juventudes e consequências 43 Formação integral 44 O método 47


Espiritualidade juvenil 48 Pastoral Vocacional? 50 Raízes do mínimo do mínimo — Documentos

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Leituras

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Uma história a caminho, com horizonte

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Referências 55 Sobre o autor 59


Prefácio

O fundo do tacho “Ela vem de dentro, de dentro ela vem, Toda a energia que a PJ tem.”

“O mínimo do mínimo” sobre qualquer coisa exige ir ao fundo do tacho. Essa é uma das frases que Hilário Dick utiliza para explicar seu exercício de cozinhar este doce de livreto... Fiquei pensando nas aventuras de um cozinheiro fazendo seu melhor doce, aquele do qual só ele sabe o segredo: o ponto certo para servir àqueles convidados para experimentar e saborear o oculto que vem do fundo, do íntimo, da essência... Penso que esse é um dos doces, pois temos outros amigos e amigas cozinheiros, assim como o Hilário, que também fizeram e farão seus doces para celebrar a vida da Pastoral da Juventude. A Pastoral vive seus 40 anos no Brasil, país da diversidade, dos sabores e das culturas diferentes. Nesse doce, constam ingredientes


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especiais: memória, caminho, opções, pedagogia, estrutura, pessoas e vida, e as muitas doações que não se enxerga... Interessante como resgatar a memória é ingrediente essencial para pensar o horizonte, para estabelecer os caminhos e as metodologias. Vamos aprendendo que, do caminho feito, temos muito a saborear: anos de descobertas das geografias do continente latino-americano, desse nosso país e dessas nossas culturas que especificavam e especificam o trabalho da evangelização juvenil. São sabores diversos que fazem o mesmo doce... Aqui, neste doce, encontraremos o gosto do tacho, do lugar de onde viemos, das sensações daqueles que foram colocando seus ingredientes; o gosto da espessura da organização, do ferver das opções e dos princípios da Pastoral da Juventude; o gosto do rito em preparar juntos; o gosto da experimentação e das descobertas dos jovens, do compromisso e da espiritualidade de todos nós... Sentiremos o gosto saboroso de ter dito sim ao seguimento da pessoa e da proposta de Jesus Cristo. Obrigada, Hilário, por nos presentear com esse doce da evangelização juvenil no Brasil, a partir da organização da Pastoral da Juventude. Um cozinheiro como você deve ser aplaudido de pé. E fica o gostinho de quero mais... Sugiro que possamos experimentar esse doce com as colheres de nossa realidade, vislumbrando os sentimentos e as sensações que ele nos provocará... Essa, afinal, parece sua intenção. Raquel Pulita Andrade Silva Amiga, irmã de sonho, assessora da Pastoral da Juventude

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Apresentação

É com satisfação que apresentamos mais um caderno do Instituto Ciência e Fé da PUCPR, desta vez dando abertura ao Observatório das Juventudes. Esta produção decorre do compromisso do Pe. Hilário Dick com a juventude. É resultado de seu esforço em compreender a história da Pastoral da Juventude (PJ) no Brasil, os frutos colhidos e o momento atual por que passa a PJ. Nesse sentido, o número “Mínimo do mínimo” representa um importante material de apoio e aprofundamento para os jovens de grupos e lideranças, dos mais variados níveis, além de todos aqueles que assumem essa causa e engajam-se com ela. Os jovens fazem caminho, porém são inteiros no momento em que se encontram. Eles não só representam o futuro, mas também o presente e, por essa razão, é necessário escutá-los, partilhar de seus sonhos, tê-los como irmãos e irmãs; companheiros de itinerário. Acreditar nos jovens é colocar-se como


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parceiro de seu desenvolvimento, incentivar seu protagonismo e com eles construir comunidade. Por ser lugar teológico, os jovens representam a esperança missionária da Igreja, para que se anuncie com coragem e criatividade a Boa-Nova de Jesus Cristo. Eles são fonte de vitalidade para a Igreja, com compromisso profético e alegre na construção do Reino de Deus. Por outro lado, a Igreja representa um espaço comunitário privilegiado, no qual eles podem construir e compartilhar sua identidade e, na diversidade dos sujeitos, confrontar-se com o “outro”. Em comunidade, desenvolvem a dimensão solidária e têm a oportunidade de colaborar para um mundo mais justo. Em suma, jovens e Igreja são complementares um ao outro, num processo de crescimento sempre dinâmico. A vivência eclesial desemboca em dom para a sociedade. É no cotidiano; no trabalho, nos estudos, na vida familiar, no encontro com os amigos, que os jovens dão testemunho de sua fé e de sua experiência grupal, reinventando o cristianismo e possibilitando novas e diversificadas formas de existência. Não podemos deixar de agradecer, de forma especial, ao Padre Hilário Dick, pela paixão e dedicação de uma vida à Pastoral da Juventude. Mas, também, por suas palavras que representam lucidez e são fonte de discernimento para a caminhada eclesial. Simbolizam a tocha que vai alumiando o interior da caverna, para que seja desvendada e conhecida, ao mesmo tempo em que apontam que a caminhada é cheia de riquezas e de paisagens magníficas. Assim, somos 12

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brindados com um documento recheado de consciência crítica e esperança a respeito da caminhada da juventude na Igreja e na sociedade. Gostaríamos de destacar, igualmente, a importância do Observatório das Juventudes, enquanto organismo do Instituto Ciência e Fé, dedicado ao serviço do jovem e da Igreja. Acreditamos que muitas pessoas irão se identificar com este caderno, revivendo suas histórias, suas convicções e sua fé. E, por meio de sua leitura, poderão vislumbrar um jeito sempre novo de construir história na Pastoral da Juventude, lembrando sempre que o importante é estar a caminho, passo a passo, pouco a pouco, mas com olhar no horizonte.

Ir. Rogério Renato Mateucci Diretor de Pastoral e Identidade Institucional da PUCPR

Fabiano Incerti Diretor do Instituto Ciência e Fé da PUCPR

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Introdução

Um convite ao mais Uma síntese não pode ser um convite à preguiça; deveria ser uma forma de despertar fome para saber mais. É verdade que, por vezes, é interessante ler algo mais curto, porque o tempo é escasso; mas outras vezes, nosso interior, nossa curiosidade exigem mais. Já existem bastantes escritos sobre evangelização da juventude e Pastoral da Juventude; o que desejamos, contudo, é dizer algo ligeiro. No entanto, escrever o mínimo do mínimo sobre qualquer coisa exige ir ao fundo do tacho, raspar o resto do arroz queimado. Uns vão dizer que é “o de menos”; outros, arriscado. Verdade. Falar de evangelização da juventude ou querer anunciar uma boa-nova à juventude torna-se, por vezes, algo


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“perigoso”; mais ainda, quando se misturam evangelização da juventude e Pastoral da Juventude. Contudo, nunca é demais. Além disso, vivemos, ainda, em tempos pós-Jornada Mundial da Juventude; em tempos de juventude pós-Campanha da Fraternidade de 2013 (com texto-base questionável); de documentos “secos” e normativos como o de um grupo de bispos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Estudos da CNBB n. 103); de criminalização eclesial de certo tipo de evangelização da juventude, especialmente do serviço apostólico no qual a autonomia, o protagonismo e o empoderamento têm lugar, no qual se fala de Estatuto da Juventude, de redução da maioridade penal, de extermínio de jovens etc. Enfim, ainda vivemos um tempo de muita juventude no Brasil. Não é sem consequências, por outro lado, falar de Pastoral Juvenil ou de Pastoral da Juventude. É diferente se o termo juventude é tomado como um adjetivo ou um substantivo... Embora a expressão pastoral juvenil nos faça mais latino-americanos, o nome pode ser uma postura ideológica em que o protagonismo juvenil, de forma sutil, é posto de lado; em pastoral juvenil, o jovem é adjetivo. Na Pastoral da Juventude, queremos o jovem como substantivo. Importa muito e machuca quando se usa um termo novo para desfazer o significado de um utilizado há muito tempo. Há os que usam o termo para se esconder em elucubrações ou conjeturas e, até, em manipulações que pouco têm a ver com o que aqui vai escrito. No 10º Encontro Nacional da Pastoral da Juventude do Brasil, realizado em Maringá (PR), em 2012, lançou-se 16

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uma publicação intitulada Somos Igreja Jovem: Pastoral da Juventude — um jeito de ser e fazer (SILVA; VIEIRA; SILVA, 2012). Tão bonita que provocou encantamentos na juventude que se viu, ali, representada e contemplada. Além disso, em 2007, os bispos do Brasil aprovaram um documento fundamental para quem trabalha com esse público: Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais (CNBB, 2007). Como seria bom que todos os bispos soubessem o que aprovaram nesse belo documento! De certa forma, pode-se dizer que o mínimo do mínimo do anúncio de uma boa-nova para a juventude está ali. No entanto, sobre o mínimo do mínimo da Pastoral da Juventude, num contexto um pouco adverso, é preciso dizer e repetir certas coisas que podem ser esquecidas, enterradas, combatidas ou — intencionalmente — deixadas de lado. Fica claro que Somos Igreja Jovem trata “do que somos”, da memória, da missão e dos princípios da Pastoral da Juventude, da espiritualidade, das dimensões da formação integral, dos eixos norteadores do fazer da Pastoral da Juventude, dos projetos e da organização. Podemos dizer que não falta nada, e que o mínimo do mínimo, como um subsídio de estudo em construção, está sobrando. De vez em quando, no entanto, faltam sínteses, coisas pequenas, livretos que podemos carregar, facilmente, no bolso e na vida. Imaginamos muitas lideranças com vontade de dizer o essencial daquilo que são, pensam e querem fazer. O texto que segue é uma tentativa de ajudar nessa direção.

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Na opção pela juventude, construindo história

A

história da Pastoral da Juventude é longa (mais de 40 anos), mas poderia ser mais extensa. Quem estuda juventude não pode deixar de estranhar que esse serviço de evangelização, no qual os jovens são protagonistas, tenha surgido há tão pouco tempo. É estranho, também, que esse “serviço”, essa “organização”, essa “pastoral” nasça da própria juventude, que foi vivendo em grupo e, aos poucos, foi descobrindo a importância de se organizar e se articular. Ela, a Pastoral da Juventude, nasceu de dentro da juventude procurando ser Igreja. Não tem fundador. Essa pastoral é herdeira da Ação Católica Especializada e, para se articular, contou com o apoio da CNBB e, no âmbito da América Latina, da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM).


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A história da Pastoral da Juventude é marcada, portanto, por milhares de jovens, assessores, religiosos, padres, bispos e leigos desejando construir uma Igreja jovem. Essa construção tem o selo de inúmeras assembleias, reuniões ampliadas, reuniões de diferentes tipos, relatórios, encontros, atas e celebrações. Em alguns lugares do Brasil, tal construção leva 40 anos; em outros, 30. Pode-se dizer que o encontro das diversas articulações “regionais” viveu um processo de descoberta, de troca de experiências e, por fim, de decisão por uma caminhada em conjunto, nacional, no fim do ano de 1983, em Brasília, sempre procurando não excluir ninguém. A Conferência dos Bispos da América Latina, em Puebla, falara de uma “Pastoral da Juventude Orgânica”. A memória histórica é e deveria ser uma opção pedagógica de quem trabalha com evangelização da juventude, não importando qual seja a “experiência”. Um povo, uma pessoa, uma organização sem memória são e se tornam frágeis. Falta-lhes resistência e resiliência. O cultivo dessa memória se dá em atas, relatórios, e-mails, arquivos digitais, álbuns, memórias escritas, cadernos de anotações, em âmbito pessoal, grupal e organizacional A construção da memória é uma das melhores ações que o jovem pode fazer. Na Pastoral da Juventude, existem variadas histórias, de diversas “regionais” do Brasil. Quer-se, no entanto, mais do que datas; quer-se saber o que preocupava os jovens naquelas datas... Para contar essa história, há vários escritos; no entanto, uma das apresentações mais completas dessa caminhada da Pastoral da Juventude no Brasil é do Pe. Hilário Dick, que escreveu, em 1999, O caminho se faz: 20

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história da Pastoral da Juventude no Brasil. É claro que há outras histórias mais sintéticas ou mais localizadas, não abrangendo o Brasil inteiro. Destacaríamos o que vai escrito no Marco Histórico do Marco referencial da Pastoral da Juventude do Brasil (CNBB, 1998, p. 82-122); na “Visão histórica da Pastoral da Juventude da América Latina”, em Civilização do amor: tarefa e esperança (CELAM, 1997, p. 69-92); e, especialmente, em Civilización del amor: proyecto y misión (CELAM, 2012, p. 113-180). Nos últimos tempos, começou-se a falar de “O trem da Boa-Nova para a Juventude”, retomando toda a caminhada da evangelização da juventude do Brasil, desde o tempo da Ação Católica até os preparativos da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, em 2013. Podemos dizer que a importância da memória histórica está em diferentes aspectos: a) em preservar sua identidade, mantendo vivas as opções, os valores, os princípios, as atitudes, as utopias, as metodologias e as pedagogias essenciais, construídas ao longo da história; b) resgatar a riqueza acumulada das experiências pedagógicas significativas desenvolvidas pela Igreja no campo juvenil; c) motivar as gerações atuais e futuras de jovens para um compromisso com a vida, aprendendo, com as gerações do passado, a necessidade da participação e da organização; d) renovar a aliança que Deus faz com a juventude, assumindo efetiva e afetivamente a opção pelos pobres e pelos jovens, buscando novas estratégias e instrumentos teóricos diferentes, adaptados às novas gerações; e f) alimentar a esperança, a resistência e a resiliência. Caderno Ciência e Fé

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A pertença a uma instituição O conceito de Pastoral da Juventude não é só uma experiência a mais; é a ação dos jovens vivendo, de forma organizada, sua missão de ser Igreja. É Igreja e, por isso, como organização, insere-se numa das frentes de evangelização da CNBB e numa das sessões pastorais da CELAM. Como instituição, a Pastoral da Juventude tem identidade definida, tem seu Marco Referencial, que a orienta nos diversos espaços. É muito mais do que um regimento ou um manual. Seu Marco Referencial compreende o Marco Situacional e Histórico, o Doutrinal, o Operativo, o Celebrativo, e tudo o que os bispos apontam em Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais. Destaca-se, de modo especial, Civilización del amor: proyecto y misión (CELAM, 2012). Trata-se de uma pastoral (ação organizada) da Igreja Católica, tendo os jovens como protagonistas, isto é, não comandados, mas acompanhados, assessorados por adultos (leigos, religiosos, sacerdotes), vivendo sua missão em espírito eclesial, de forma orgânica e comunitária. Caracteriza-a o cuidar, e não o controlar. Alguém se torna “pejoteiro” (esse é o jargão que se usa no Brasil), fazendo referência à sigla PJ (Pastoral da Juventude), quando participa de um grupo de jovens; quando um grupo se articula com outros grupos de jovens, formando parte de uma organização deles; quando toma consciência de que pertence a uma Igreja, vivendo sua missão de modo encarnado nas diferentes realidades, também nas realidades juvenis. Alguém é “pejoteiro” quando toma consciência, 22

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conhece e aceita que a Igreja tem uma proposta de realização na fé do jovem. Ele é incentivado a ser evangelizador do jovem como missionário e como protagonista. A consciência de pertença a uma caminhada juvenil, coletiva, organizada, é fundamental.

Opção preferencial pelos jovens Onze anos depois do corajoso posicionamento diante da juventude, na 3ª Conferência Geral do Episcopado, em Medellín (1968), a Igreja da América Latina fez, em Puebla (1979), uma opção pastoral que atravessou e atravessa os anos: a opção preferencial pelos pobres e pelos jovens. Essa decisão foi reafirmada de várias formas, especialmente na Conferência de Santo Domingo (1992) e, em 2007, na Conferência de Aparecida (Brasil). Verdade que houve quem dissesse que a opção pelos jovens (1979) era para enfraquecer a opção profética pelos pobres. Mesmo que digam tratar-se de uma opção mais afetiva do que efetiva (vejam-se as Conclusões das Conferências de Santo Domingo e de Aparecida), não é possível negar que se trata de um assunto importante para a Igreja e para os jovens. A Pastoral da Juventude cresceu muito, embalada por essa opção. O capítulo da opção pelos jovens aborda a situação da juventude, dos critérios pastorais no trabalho com os jovens e das opções pastorais que vieram solidificar muitas coisas que se fariam e confirmar o que já se fazia no campo do anúncio da Boa-Nova à juventude. Caderno Ciência e Fé

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A opção preferencial pelos jovens se tornou, e ainda é, mais do que uma estratégia pastoral voltada aos jovens, posta em prática pelos que se dedicam à evangelização da juventude. É uma opção pela juventude, querendo ser Igreja, ou não. Uma ajuda na busca pela felicidade. Sabemos que os jovens nunca deixaram de exigir da Igreja coerência nessa questão. Ampliou-se, por isso, na sociedade e na Igreja, como um todo, a consciência de um trabalho mais sério com a juventude. Em muitos lugares, as iniciativas e as articulações institucionais e juvenis começaram e continuam a florir. Em 1980, funda-se o Instituto de Pastoral de Juventude, em Porto Alegre. Em 1981, a CNBB busca novamente um assessor para o Setor Juventude. Em 1983, os bispos do Brasil, na Assembleia Geral, escolhem, para suas Diretrizes Gerais, os jovens como destaque. Em 1986, sai o n. 44 da coleção Estudos da CNBB. Em 1992, o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja do Brasil são os jovens. Em 1998, é lançado o Estudo n. 76 da CNBB. Crescem enormemente os momentos de formação para assessores. Em 1999, por iniciativa da Pastoral da Juventude, começou um curso de Pós-Graduação em Juventude. Em 2006, sai o documento de consulta e de estudo da CNBB n. 93, sobre a evangelização da juventude. Anualmente, a Campanha da Fraternidade lança um subsídio especial para os jovens. As Igrejas particulares que consideravam desnecessário o jovem precisar de atendimento especial abrem-se para o trabalho com a juventude. Em 2007, a Conferência de Aparecida renovou a opção pela juventude no Brasil e a CNBB lançou o documento mais completo sobre o tema, Evangelização da juventude: 24

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desafios e perspectivas pastorais. Em 2012, havia mais de 15 Centros e Institutos de Pastoral de Juventude espalhados pelo Brasil. Além de tudo isso, em 2013, há o lançamento do Estudos da CNBB n. 103, da Comissão Episcopal de Pastoral para a Juventude, e o tema da Campanha da Fraternidade é, novamente, a juventude.

Escola de autonomia: o protagonismo juvenil Quando fala de protagonismo juvenil, a Pastoral da Juventude refere-se a uma vivência pedagógica do exercício de ajudar o jovem a assumir sua identidade e fazer-se sujeito de sua história. Protagonista é o ator principal. A afirmação desse protagonismo é muito importante. Assumido como princípio norteador, ajuda o jovem a tornar-se responsável por seus atos, afirmando a atitude de independência e decisão pessoal, aprendendo a lidar com o poder. Com esse princípio, defende-se o jovem como aquele que decide e coordena. A Pastoral de Juventude transforma-se em Pastoral da Juventude. O protagonismo juvenil não tem o sentido de ser uma atitude “contra” o adulto ou qualquer instituição. É, simplesmente, um princípio pedagógico com a finalidade de ser um espaço de formação para a autonomia dos sujeitos, em nosso caso, dos jovens. O mesmo pode ser dito, em outra geografia, de qualquer pessoa: os leigos na Igreja; os religiosos na vivência de seu carisma; os pais no cumprimento de sua missão. Sonha-se com pessoas “empoderadas”, autônomas, com Caderno Ciência e Fé

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“personalidade”. Com a juventude, essa “realidade”, essa “atitude pedagógica”, essa forma de acompanhar e de animar tem um aspecto estratégico e pedagógico, considerando o tempo em que o jovem vive. Podemos dizer que viver o protagonismo juvenil é ativar uma energia, uma reserva, um “capital” presente em todo jovem, que o leva (ou deve levar) a ser uma personalidade, alguém que vai aprendendo a ser sujeito da história e de sua história. Essa “energia”, os antropólogos chamam de moratória vital, algo que vem de dentro, que faz desabrochar capacidades; bem diferente da moratória social, vinda de fora, muitas vezes encarada como uma forma de controlar a “energia” que brota do jovem e que quer e precisa brotar.

A ação se faz organizada Não há pastoral (ação organizada da Igreja) sem uma organização. Além disso, a Pastoral da Juventude encara a organização como uma de suas opções pedagógicas, isto é, algo em que se acredita, tomado como opção no caminho da construção e da realização da personalidade. Acredita, por isso, na dimensão libertadora e educativa da organização. É nela, na organização, que se aprende e se vive o exercício do poder, que se aprende a distribuir funções, a planejar etc. É nela que se aprende a viver o poder, isto é, sua socialização, ou o empoderamento. A boa organização é uma escola privilegiada de amadurecimento na fé e de aprendizagem. A Pastoral da Juventude só pode ser uma 26

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verdadeira pastoral na medida em que estiver articulada, em suas diferentes instâncias, e estas articuladas com a pastoral de conjunto das Igrejas, internacionais, nacionais e locais. Uma das grandes vantagens da boa organização é fazer muitos jovens assumirem, desde cedo, responsabilidades exigentes e desafiantes. Ela possibilita espaços diversificados de participação, levando o jovem a se descobrir e a se revelar como cidadão. A única forma de construir protagonismo, empoderamento e autonomia é por meio da organização. Cuidar para se ter boa organização, por isso, é muito importante quando se fala de pastoral, especialmente da Pastoral da Juventude, pois possibilita o protagonismo do jovem. Em contrapartida, desfazer uma organização de jovens pode, por isso, ser um pecado contra o Espírito. Falamos de uma organização de e não para jovens. A forma concreta como se viveu e se vive essa organização nas diferentes instâncias (paróquia, diocese, regional, instância nacional e latino-americana) é muito variada. Embora se suponha que o protagonismo juvenil seja um princípio norteador, nem sempre isso acontece. A tentação de “controlar” e de ter atitudes “autoritárias” sempre está presente. Não é só questão pedagógica ou política; é também uma questão teológica e de cenário de Igreja. O ideal defendido pela Pastoral da Juventude é o da participação e da comunhão; ela acredita numa igreja comunitária, e não piramidal ou centralizadora. Isso repercute na organização criada e aceita. Sempre será um grande desafio saber articular, de forma eficaz e integradora, as diferentes experiências de Caderno Ciência e Fé

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evangelização da juventude, ficando claro que a Igreja tem diretrizes que devem ser a alma do anúncio da Boa-Nova para a juventude.

Setor Juventude O Setor Juventude, também da CNBB, coloca-se no espaço da organização. Esse Setor já tem longa história de animação de todas as experiências com jovens, mas a fidelidade às diretrizes da Igreja sempre enfrentará embates. Verificase isso na “recepção” que teve, ante o episcopado brasileiro, o documento, aprovado por ele, intitulado Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais (CNBB, 2007). Por que, de 311 números, praticamente só parecem valer os de 193 a 202, nos quais se fala de Setor? A aprovação de uma Comissão Episcopal de Pastoral da Juventude (2011) situa-se, igualmente, nesse espaço. A pergunta relaciona-se ao lugar ocupado pela juventude da Igreja na própria organização, em suas diferentes experiências; nele, entram em jogo bispos, assessores e a juventude, como um todo, sendo que o jovem é substantivo ou adjetivo. Importa estar vigilante para que a vivência da fidelidade eclesial, respeitando o protagonismo juvenil, colabore na construção — no mundo juvenil — daquilo que se entende por autonomia, personalidade e cidadania social e eclesial. Temos de reconhecer que, em toda a história da Igreja — e também no apostolado com a juventude —, uma das tentações ou uma das atitudes a serem superadas é a do clericalismo. 28

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A organização da Pastoral da Juventude é um convite para o amadurecimento político e teológico da vivência do poder, um campo no qual a Igreja, ao longo de sua história, sempre teve dificuldades. Se isso vale para todos, de modo especial para a juventude, é uma questão que precisa ser encarada com a máxima sabedoria, porque ela — a organização — é uma importante escola de amadurecimento na fé1.

Pastoral e movimento No seguimento de Jesus, estamos diante de duas formas diferentes de trabalho de evangelização, de anunciar a Boa-Nova e de viver essa missão de forma organizada: a forma de pastoral e a de movimento. Falar de movimento (na Igreja) é referir-se a uma articulação evangelizadora baseada num fundador com carisma definido. Assim como Inácio de Loyola “fundou” os jesuítas, Chiara Lubich fundou o Movimento do Movimento Focolares (do italiano focolare: lareira, lar, casa). Todos os movimentos têm alguns fundadores: pessoas que sistematizaram e difundiram determinado modo de ser cristão. Por outro lado, nenhuma pastoral tem um fundador. A pastoral faz parte da dinamicidade da própria comunidade 1

Para se ter noção de como ocorreu, na história, a organização do Setor Juventude da CNBB e da Pastoral da Juventude, no Brasil, nas diversas instâncias, é preciso estudar a história da evangelização da juventude. Uma boa publicação, mas que não vai até os tempos atuais (vai até 1998), é DICK, 1999. No âmbito da América-Latina, ajuda a levar em conta o resgate histórico que se encontra em CELAM, 1997, p. 113-180. Caderno Ciência e Fé

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eclesial, assumindo, de forma organizada, as diferentes realidades, desde a Pastoral da Terra até a Pastoral da Juventude: trabalhos em espaços e trabalhos com pessoas. Tudo isso a partir de Jesus, porque a missão da Igreja, como comunidade dos que seguem Jesus, é, por excelência, pastoral. Por isso, os espaços e as pessoas podem ser cultivados na perspectiva de movimento, com sua espiritualidade, seu carisma etc., ou na perspectiva de pastoral, de ação organizada a partir das diversas realidades vividas pelas comunidades eclesiais. Trata-se da riqueza da pluralidade e da diversidade na forma de ser Igreja e de seguir Jesus Cristo. Como dizem os bispos do Brasil, são diferentes experiências que precisam se encontrar, para se complementar, sendo uma autêntica expressão eclesial. Porém, nem sempre isso é fácil; nem sempre se compreende ou se aceita essa riqueza. A diferença é mais bonita se vai além de uma postura unicamente ideológica. Nesse caso, os verdadeiros cenários de Igreja têm mais facilidade de dialogar e se complementarem. A Pastoral da Juventude liga-se (articula-se), essencialmente, à pastoral orgânica da paróquia, da diocese, do regional e da CNBB, como organização nacional da Igreja no Brasil e na América Latina. A Pastoral da Juventude inscreve-se, por isso, na estrutura pastoral das diversas circunscrições eclesiásticas. Os movimentos inscrevem-se, mesmo que funcionem numa paróquia, numa diocese ou num regional, em outro espaço, na maioria das vezes, com orientações vindas “de fora”, do exterior, do fundador ou fundadora. Dependem (os movimentos) de outra estrutura e/ou organização autônoma, em geral, liderada por leigos ou Congregações que procuram 30

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incentivar a vivência de um carisma definido. O ideal é que os movimentos se insiram nas atividades e orientações pastorais da Paróquia, da diocese ou do regional sem perderem sua autonomia. Os movimentos sempre foram e constituem grande riqueza para a Igreja, mas podem ser, igualmente, fonte de conflitos, principalmente quando são diversos os cenários de Igreja onde a pastoral, a paróquia, a diocese ou o regional — com seus respectivos responsáveis — navegam.

Resistências à Pastoral da Juventude Um grande desafio na Igreja e, também, no trabalho com as juventudes é o diálogo. Por ter e proclamar sua identidade, a Pastoral da Juventude (assim como outras pastorais e outros movimentos) é admirada e questionada. As resistências, como as aceitações, são normais. Mesmo dentro da Igreja, todas as pastorais que tomam atitudes proféticas, especialmente de denúncia, têm dificuldades. As resistências até podem virar perseguição, criminalização, menosprezo... É importante detectar quais os motivos dessas resistências. Tais motivos podem ter sua raiz na falta de informação, nalgum erro que se tenha cometido (crítica, postura política ou moral, desrespeito a alguma norma...), na postura ideológica (modelo de sociedade, cenário de Igreja, discordância com alguma diretriz, pertença partidária...) ou nalgum problema mais psicológico (ciúme, medo de perder a hegemonia...). Detectado, contudo, o motivo da rejeição ou dificuldade, é mais fácil tomar um posicionamento interno e Caderno Ciência e Fé

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externo. Mais importantes do que ações externas, e talvez, mais decisivas e significativas, são as atitudes pessoais coerentes, de abertura ao diálogo e, ao mesmo tempo, atitudes coerentes com a causa na qual estamos envolvidos. Há situações em que a resistência exige mais estudo; em outros casos, exige humildade. Pode acontecer, também, que a situação exija atitudes proféticas de denúncia. Bem maior do que tudo, entretanto, é a missão. Mais importante — muito mais importante — do que o gosto do enfrentamento, o que vale é a juventude sair ganhando.

Fonte de conflitos Se há um aspecto da Pastoral da Juventude que incomoda e marca as diferenças e, ao mesmo tempo, a identidade, é a maneira como se olha o relacionamento entre fé e vida, fé e política, fé e realidade social. Há espaços de Igreja onde essas realidades são encaradas de forma dupla, mascarada, fugindo da realidade. Fala-se de Igreja, mas não se sabe qual o cenário de Igreja escolhido, ou se diz que esse cenário é “absoluto”, sem espaço para o diálogo. Fala-se de Igreja, mas não se fala do Reino de Deus pregado por Jesus Cristo. A Igreja se identifica com o Reino e não se aceita que a Igreja seja um sacramento do Reino. É o conflito entre instituição e carisma; entre os modos de ser de “Pedro” e de “Paulo”. Entra em jogo uma dimensão verdadeiramente libertadora, transformadora, ou não. Entra em jogo uma leitura fundamentalista da Bíblia. E ainda, está em jogo uma religião que é 32

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ópio do povo ou libertação do povo, a partir dos pobres. Está em jogo o lugar que tem, no anúncio do Evangelho, a opção pelos excluídos. Perdeu-se a grandeza da vocação batismal pela qual somos chamados a ser profetas, a ser celebrantes e construtores de comunidade (dimensão política). Evidentemente, essas diferenças repercutem em toda a concepção de evangelização da juventude: desde a análise da realidade até seus Marcos Doutrinal, Pedagógico e Celebrativo. Em geral, também não se valoriza a memória histórica. Consideram-se os eventos e não as questões vividas na época dos eventos, porque isso implicaria o aprofundamento do “processo” vivido. Que valor têm, na nossa fé, os grandes eventos? Por que se valorizam alguns eventos e setores e não outros (Copa, política, Conselhos de Direitos, rebanhões, políticas públicas etc.)? Sabe-se ler a história de nossa “experiência” além da enumeração de datas? Quais as grandes questões que a história, como pastoral ou movimento, mostra?

Relacionamento da Pastoral da Juventude com outros movimentos de jovens, não eclesiais Para quem acredita que fé e política, fé e realidade social caminham juntas, e que a Igreja não é o Reino, mas sacramento do Reino, o relacionamento com “outros movimentos” e outras organizações sociais (especialmente de jovens) é consequência lógica. Numa dimensão eclesial, o mais importante é cultivar um relacionamento “inteligente” e “cordial” com os grupos que vivem a mesma utopia, isto Caderno Ciência e Fé

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é, com outras “experiências”, como os movimentos cristãos de jovens. Contudo, o relacionamento com organizações juvenis, que não se situam no espaço eclesial, também se enfileiram na boa-nova que a Pastoral da Juventude quer viver. Por isso, ela tem e deveria ter relacionamentos com as juventudes e organizações que lutam pelos direitos humanos e sociais de todas as pessoas. Relaciona-se e deveria relacionar-se sempre mais, por exemplo, com os movimentos estudantis, com a juventude dos partidos políticos, com os jovens dos diferentes sindicatos, com os Conselhos de Juventude e com tudo o que significa organização de jovens presente na sociedade. Não se concebe uma Pastoral da Juventude encerrada na sacristia, haja vista que um dos desafios da Pastoral da Juventude é inserir-se, sempre mais, nas políticas públicas para a juventude.

Grupo de jovens O grupo de jovens é, para a Pastoral da Juventude, uma opção pedagógica fundamental. Mais que isso, contudo, é uma opção teológica, porque o grupo é, por excelência, na vida dos jovens, um espaço fundamental de felicidade. Tratase de grupo pequeno, no qual se pode conversar, escutar, viver, celebrar... A vida em grupo tem muito sabores, saberes e crescimento. A Pastoral da Juventude acredita que a educação na fé e a adesão ao projeto de Jesus passam pelo comunitário, pelo grupo ou pelos grupos de jovens nas comunidades. Além disso, a vida em grupo está na essência da juventude. 34

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Escola de serviços Quando existem grupos não só articulados, mas organizados, destacam-se algumas figuras (personagens). A mais importante é o participante do grupo, como tal; sem ele não existe nem grupo nem Pastoral da Juventude. Mas uma boa organização exige outras figuras. Uma delas é o coordenador, isto é, alguém que organiza, anima e articula o grupo, um evento, uma assembleia. Tem suas funções definidas por quem o escolhe para ocupar um cargo. Exerce essa função por tempo determinado pelo grupo. Nas Pastorais da Juventude, os coordenadores são, por opção pedagógica, os jovens. O coordenador, por missão, é aquele que articula decisões. Como diz Civilização do amor: tarefa e esperança — Orientações para a Pastoral da Juventude (CELAM, 1997), o coordenador “é um/a jovem chamado por Deus na Igreja para assumir o serviço de motivar, integrar e ajudar os/as jovens a crescer no processo comunitário”. O serviço da coordenação é uma verdadeira escola para aprender a lidar com as pessoas, com os próprios colegas, e a servir.

Animando a vida Outra figura que aparece, ou pode aparecer, é a do animador. Alguém que ajuda, sugere, visita, anima... Sua identidade situa-se no caminho do acompanhamento ou da assessoria, não no caminho da coordenação. O animador já teve uma bonita experiência de vida e de grupo, mas ainda Caderno Ciência e Fé

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não teve tempo de ter mais experiência de vida e, por isso, não teve tempo de “formar-se”, porque nem sempre o espontaneísmo é a melhor solução. Trata-se de alguém que cresceu no grupo, exerceu aí — talvez — diversas funções, mas sente que passou o tempo de “ser jovem” e o tempo que lhe competia “coordenar”, mas deseja continuar sendo útil, ajudando o grupo e/ou os grupos de jovens da região a caminharem com mais assistência na trilha da fé. Pode-se dizer que é um tempo de preparação para assumirem, progressivamente, o ministério da assessoria.

Comer do mesmo pão Uma terceira figura que aparece é a do assessor. O assessor é um agente de pastoral mais maduro (alguém que já teve tempo...) que procura acompanhar uma pessoa, um grupo ou uma entidade, a caminhar e a compreender o contexto em que se encontram e no qual desejam intervir. O assessor, quando é somente uma presença esporádica, é chamado de perito. Na Pastoral da Juventude, entende-se como assessor uma pessoa que “caminha junto”, que “procura sentar-se com o grupo” e faz, junto, a caminhada planejada. Além de tudo, é um companheiro. Um dos critérios para exercer esse ministério é o preparo intelectual, psicológico, teológico e a prática; outro critério é o reconhecimento por parte da Pastoral como instituição, sendo indicado pelos jovens e reconhecido pela instituição eclesial. Pode ser do clero (padre ou religioso) ou do laicato. Pode acontecer que o assessor exerça sua função de 36

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assessoria somente em vista do cargo eclesiástico que ocupa, mas essa não é considerada a situação ideal. Por viver a dimensão educativa, espera-se dele um preparo específico e que seja pessoa estudiosa de juventude, bem como um apaixonado pela juventude. Um verdadeiro neotéfilo, isto é, verdadeiro amante da juventude. Mais do que isso, é alguém que carrega uma experiência de vida de fé. O assessor da Pastoral da Juventude é um cristão adulto chamado por Deus para exercer o ministério do acompanhamento, em nome da Igreja, dos processos de educação empregados na fé dos jovens. Na Pastoral da Juventude, a assessoria e o acompanhamento são encarados como uma “opção pedagógica”, isto é, uma realidade que faz parte de sua crença pedagógica e teológica. Acreditamos que os jovens não só precisam, mas querem essa presença adulta. Acreditamos que a assessoria e o acompanhamento são uma necessidade, além de serem, sempre, uma urgência.

Assessoria – Função Por trás da vida de um grupo de jovens está, portanto, uma figura (personagem) que se chama assessor, acompanhante. Alguém mais maduro, amigo da juventude, convidado por outro; alguém que está aí porque viu necessidades. Diz-se, com razão, que onde há um bom assessor ou uma boa assessora, a Pastoral da Juventude vai bem. Disso se conclui que o jovem não quer caminhar sozinho. Ele quer um companheiro de caminhada. Alguém que coma o mesmo pão com ele. Caderno Ciência e Fé

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Poder-se-ia falar de vários aspectos da assessoria: função, espiritualidade, psicologia, pedagogia, formação específica etc., mas, basicamente, ser assessor é acompanhar os jovens no âmbito do grupo, da paróquia, da diocese, do regional e, até, em âmbito nacional. Podem ser funções do assessor: 1) acompanhar o grupo ou os grupos, especialmente os que assessoram a coordenação. Ser presença em diferentes momentos (bons e ruins) e diferentes instâncias; 2) garantir o apoio efetivo e, de modo especial, a formação para a caminhada do grupo na paróquia e na região, evitando o “ativismo”, isto é, a crença de que pertencer a um grupo é só fazer coisas; 3) fomentar a articulação dos grupos e de suas equipes de responsáveis; 4) contribuir para a dinamização da vida dos grupos na paróquia, na diocese, nas instâncias da Igreja e na relação com outras entidades; 5) ser ligação com a Pastoral de Conjunto nos diferentes níveis de organização e de instâncias de apoio. A palavra que, talvez, seja mais expressiva é presença; a atitude que fala mais alto é encanto. Para trabalhar com e sobre a juventude, é preciso estar encantado por ela.

Assessoria – Equipe – Serviços Algo muito importante na vivência da assessoria é não se isolar. Trata-se de encontrar “colegas de missão” e aprender junto, apoiar e apoiar-se. A vida vai ensinando que, nos “cursos” para assessores, o mais importante não são os conteúdos apresentados. O grande conteúdo é a convivência. Os encontros de formação e de troca de experiências dos 38

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assessores são fundamentais porque a Pastoral da Juventude acredita na formação em ação. Em muitos lugares, a Pastoral da Juventude promove a efetivação de equipes regionais e diocesanas de assessores. Obviamente, a presença junto aos jovens é prioridade, mas essa prioridade será mais bem vivida se, como assessor, não se esteja isolado. Existem diferentes assessorias: uma é essa da qual falamos; outras são as assessorias que as instituições, as pessoas com responsabilidades de governo, de administração, de orientação etc. desejam e pedem: cursos, encontros, palestras etc. Sem entrar em muitos pormenores, a CNBB também convida assessores que a ajudem nos diversos campos da evangelização, também no campo da juventude. Durante toda a existência dessa Conferência, ela teve, quase sempre, um encarregado nacional do Setor Juventude. Desde 1983 — quando começou a articulação nacional da Pastoral da Juventude atual —, este Setor é ocupado por alguém indicado pelos jovens e assumido pela Conferência. Foram assessores nacionais da Pastoral da Juventude, depois de 1981, o Pe. Hilário Dick SJ, o Pe. Jorge Boran, o Pe. Florisvaldo Orlando, o Pe. Wilson Basso, Carmem Lúcia Teixeira, Ir. Ângela Falchetto e o Pe. Gisley Azevedo. Nos últimos tempos, houve mudanças na forma de se levar em frente o Setor. Os bispos optaram em não ter somente um bispo referencial e um assessor, como foi até 2008, mas uma Comissão Episcopal de Juventude, com a presença de dois assessores (padres) e três bispos: um é o presidente da Comissão e o outro acompanha os movimentos e as comunidades; e o terceiro, na medida do possível, cuida das pastorais. Caderno Ciência e Fé

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O papel dos leigos na assessoria Historicamente, o assessor era alguém do clero. Esse modo de pensar ainda existe, resultado de um clericalismo que não deixa de marcar presença na Igreja... No tempo da Ação Católica, era nomeado, pelos bispos, com o nome de assistente; mais tarde, numa visão mais participativa, essa figura começou a ser chamada de assessor. Mais ainda: tornou-se hábito os jovens formarem uma lista tríplice, da qual os bispos escolhiam como assessor quem julgavam mais adequado. Deixando de ser tão clerical, aos poucos, foi surgindo, nesse ministério, a figura do leigo, também assumida pela maioria dos bispos. Em âmbito nacional, houve, no Setor Juventude, a assessoria de duas mulheres: uma leiga, de Goiás, e uma Irmã Salesiana, inserida na Pastoral da Juventude da Rondônia (naquele momento). Atualmente, nas equipes de assessores das Pastorais de Juventude há muitas pessoas do laicato. O ideal sonhado pela Pastoral da Juventude é que haja certo equilíbrio entre assessores leigos, religiosos e sacerdotes. O ministério da assessoria não é exclusividade de ninguém, nem do clero nem dos leigos. Hoje, contudo, quem mais assume esse serviço são os leigos, nas diferentes instâncias. Para o jovem, não é muito simpático que a figura (do assessor) seja considerada como “tio” ou “tia”; o jovem procura sair da dependência, e a figura do “tio” e da “tia” pode não contribuir para essa “libertação”. É questão de respeito a um desejo que o jovem sonha realizar e a um direito de desenvolver sua autonomia. 40

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O que nos identifica É o objetivo que confere identidade a algo. E o objetivo da Pastoral da Juventude é a evangelização da juventude em suas diversificadas realidades. Levar, aos diversos tipos de jovens, a Boa-Nova da felicidade trazida por Jesus Cristo. Essa é sua identidade. É este o seu objetivo: despertar os jovens para a pessoa e a proposta de Jesus, desenvolvendo, com eles, um processo global de formação baseado na fé, para formar líderes capacitados a agir na comunidade, atuar na própria Pastoral da Juventude, em outros ministérios da Igreja e em seu meio específico, comprometidos com a libertação integral do homem e da sociedade, por meio da vida de comunhão e participação, de modo que contribuam, efetivamente, com a construção da Civilização do Amor. Em vista desse objetivo, a Pastoral da Juventude defende uma Teologia, uma Pedagogia, uma leitura da realidade e, de modo especial, faz algumas opções pedagógicas.

Opções que norteiam o fazer pastoral As opções pedagógicas da Pastoral da Juventude referem-se à construção pedagógica, da felicidade juvenil, apontando para alguns “instrumentos” nos quais e por meio dos quais o jovem (e todas as pessoas) vive feliz. A Pastoral da Juventude afirma, em seu credo pedagógico, de modo muito especial, algumas opções, alguns “caminhos”. Essas Caderno Ciência e Fé

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opções são: 1) o grupo jovem ou a comunidade juvenil, em suas etapas e fases; 2) a valorização do cultivo da memória histórica; 3) o trabalho com as diferentes realidades juvenis, traduzido nas pastorais específicas de juventude, respeitando diferentes carismas na vivência das espiritualidades; 4) a valorização da organização em seus diferentes níveis; 5) o acompanhamento e a assessoria, dando especial valor às estruturas de apoio. Há, ainda, uma opção fundamental, que a Pastoral da Juventude, em sua ação, chama de princípio norteador: a formação integral. Estas opções são “instrumentos” dos quais se deve ter consciência quando se deseja trabalhar com juventude. Em si, não precisam de grandes explicações. Todas são importantes; o que é necessário é aprender a torná-las reais no dia a dia. Pode-se chamar a atenção para a necessidade, por exemplo, do que se entende como estruturas de apoio: são locais, espaços, iniciativas, pessoas, investimento, possibilidade de estudo e formação, produção de subsídios etc. Capítulo mais complexo é o trabalho diferenciado com as juventudes, diferença reconhecida pela Igreja do Brasil (CNBB, 2007, n. 193). Na evangelização da juventude, falamos da Pastoral da Juventude dos grupos das paróquias e comunidades eclesiais (habitual e simplesmente chamado de Pastoral da Juventude), as Pastorais da Juventude Estudantil, Rural e do Meio Popular, cada qual com sua caminhada, tendo presentes a identidade e as opções pedagógicas expressas.

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Juventudes e consequências Assim como fica cada vez mais evidente que há juventudes e não somente juventude, dever-se-ia também, discutir mais, , a necessidade de um trabalho diferenciado com essas “juventudes”. Parece algo evidente, mas não é. Um dos motivos é que somos especialistas em fugir de nós mesmos. Por isso, há dificuldades em aceitar que haja diferentes Pastorais de Juventude. É que, na hora em que encaramos com seriedade nossa própria identidade, nossa especificidade, vai nascendo a autonomia e deixamos de ser um “Maria vai com as outras”. Nem todos ao derredor, gostam disso, porque é mais difícil manipular quem tem convicções. Aprendemos de Jesus de Nazaré que precisamos encarnar-nos e assumir nossas origens e nossa identidade. Esse respeito às diversas realidades vale, também, para as diversas “experiências” e aos diferentes movimentos, com seus carismas. Por isso, existem a Pastoral da Juventude Estudantil, a Pastoral da Juventude das Comunidades, a Pastoral da Juventude Rural, a Pastoral da Juventude Trabalhadora, Indígena, Afrodescendente etc. É resultado da descoberta de que existem juventudes (não só uma juventude em geral) que precisam de um atendimento diferenciado no processo de educação na fé. Quando um “tipo” de jovens, com as mesmas preocupações, o mesmo ambiente e os mesmos desafios se encontra e se organiza, tomando em conta sua identidade, para se articular e crescer na fé em seu meio específico, existem condições para um trabalho diferenciado.

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Algumas dessas Pastorais têm sua identidade muito clara e objetiva, não dependendo de grandes distinções, como é o caso dos estudantes, dos jovens operários e dos jovens do campo. Outras especificidades já são mais complexas, como o jovem urbano ou do meio popular, cuja identidade ainda fica muito esparsa. Dependendo dos critérios usados para destacar os grandes “tipos” de jovens, poderíamos falar dos jovens negros, dos jovens índios, dos jovens ribeirinhos e dos jovens em situações críticas de risco, vulnerabilidade e violência. Pode-se dizer que há uma “cultura de organização pastoral”, nos espaços das Igrejas, onde isso não é compreendido ou não é aceito. Temos pouca tradição em respeitar diferentes espaços ou meios. Dir-se-ia que “é mais fácil” tratar todos da mesma forma... Além de outras consequências, exigir-se-iam assessores especializados e com criatividade. Talvez uma resposta mais profunda a essa questão (a esse trabalho diferenciado) é que não se chegou, ainda, a pôr em prática, realmente, uma “decisão política” de fazê-lo.

Formação integral Se há algo de qual a evangelização da juventude deve cuidar é da formação integral. Trata-se de uma educação, na fé, do jovem, que o atinja em todas as suas realidades, em todos os seus aspectos: no aspecto pessoal, a personalização (cultivo de si); no aspecto social, a socialização (êxodo de si mesmo); no aspecto sociopolítico, a conscientização (tornar-se crítico, consciente, cuidante, 44

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criativo e comprometido); no aspecto teológico, a formação dentro do ensino teológico (ir além do “catecismo”); no aspecto teologal, a educação para a prática e a vivência dos sacramentos e de outras manifestações religiosas; no aspecto político, a educação para a cidadania; no aspecto prático, a capacitação técnica para enfrentar a vida pessoal, grupal e institucional no que se refere à organização e ao planejamento; e no aspecto da missão do jovem, a vocacionalidade (tomar a história nas mãos e construir projetos pessoais e comunitários de vida). Além disso, a Pastoral da Juventude defende que essa formação se dá de maneira processual, não só por eventos, respeitando as etapas de crescimento do grupo e da pessoa. Sendo um assunto tão importante, fala-se das dimensões da formação integral. São seis: a) Dimensão psicoafetiva: é a dimensão da relação do jovem consigo mesmo, respondendo às necessidades de amadurecimento afetivo, e da formação da personalidade, respondendo ao processo da personalização. Embora seja muito importante essa formação no início da vivência grupal, é uma dimensão que nos deve acompanhar durante toda a vida. b) Dimensão psicossocial: trata-se da dimensão social, da descoberta do(a) outro(a) como ser diferente, e do grupo como lugar de encontro. Visa-se com essa dimensão, embora todas as dimensões sejam “fundamentais”, o processo da integração social e comunitária. Caderno Ciência e Fé

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c) Dimensão sociopolítica: corresponde à inserção do(a) jovem na sociedade, formando-se como cidadão(ã), e exercitando o processo de conscientização. Fica patente como essa dimensão, além de importante, é questionadora, numa sociedade e, talvez, numa Igreja, que não gostam muito de pessoas autônomas e críticas. d) Dimensão mística, teológica e teologal: trata da vivência e da fundamentação da fé do jovem, sendo central o aprofundamento do seguimento de Jesus Cristo, no trabalho com o processo de evangelização. Há duas tentações que se apresentam: o politicismo e o espiritualismo; uns exagerando na “oração” e outros na “política”, quando — em verdade — fé e realidade social devem caminhar juntas. e) Dimensão da capacitação técnica e pedagógica: entram, nesta dimensão, muitos aspectos práticos como o planejamento, o exercício da liderança e a capacidade de coordenar em diferentes situações e espaços. A missão precisa ser realizada com eficácia, por isso a importância de capacitação em ação, fazendo. f) Vocacionalidade: uma Pastoral da Juventude que não leva o jovem a amadurecer seu projeto pessoal de vida, isto é, sua “missão no mundo”, não é pastoral. Trata-se de ajudar o jovem a descobrir o mundo no qual pensa realizar-se.

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O método Consciente ou inconscientemente, todos temos um método. Podemos até dizer que todos somos método, no modo de ser e agir. Por isso, é imprescindível, saber explicitar o método que se vive. Mais essencial, ainda, é ser coerente com ele e amadurecê-lo sempre mais. Assumir um método é assumir uma pedagogia, um modo de lidar com as pessoas e os fatos. Na vivência do método, está em jogo a visão de mundo, de Igreja, de pessoa humana, de sociedade, de política etc. A Pastoral da Juventude assume o método que leva em conta a verdadeira vida do jovem, a personalização e a socialização, a iluminação com a Palavra de Deus, o compromisso a ser assumido, a revisão e a celebração. Por isso, de forma muito decidida, a Pastoral da Juventude diz que seu método é composto de cinco etapas interligadas: o ver, o julgar, o agir, o rever e o celebrar. Quando falamos disso, não podemos ser superficiais, mas dar-nos conta, por exemplo, de como olhamos a realidade. Deixar de ser ingênuo fazendo uma análise que parta, realmente, da realidade, é um desafio. O mesmo vale para o julgar. Algumas perguntas se impõem: qual é a leitura teológica que move nossa ação? O que significa libertação nesse julgamento? O que significa a opção pelos empobrecidos? O mesmo vale para o agir. Qual ação realizar para transformar a realidade? Que passos dar tendo em vista a construção da Civilização do Amor? No rever, damo-nos conta do caminho percorrido e indagamos se o processo feito, até agora, Caderno Ciência e Fé

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tem transformado profundamente a realidade. É tempo de avançar mais e mais. Já no celebrar, detemo-nos em festejar o caminho percorrido, o processo realizado, além de nos animarmos a seguir com a ação. Aplicado e vivido em sua dinamicidade, esse método se torna um estilo de vida e uma espiritualidade.

Espiritualidade juvenil Existem diferentes espiritualidades: a salesiana, a franciscana, a dominicana, a jesuítica, a leiga, a religiosa, a libertadora, a conservadora etc. Então, pode-se falar de “espiritualidade juvenil”? Por vezes, tem-se a impressão de que a espiritualidade é, sempre, uma “espiritualidade adulta”... No entanto, assim como há um “modo de ser” jovem, também há um modo jovem de rezar, de viver a vida e os valores, assim como há modos e valores que só valem para o que se chama de “juventude”. Há um modo jovem de seguir Jesus e de assumir seu projeto. Como seria essa “espiritualidade juvenil”? O que se vai dizer, certamente, será pouco, mas são algumas características que fornecem uma pista. 1) Encontrar Deus na vida. É a espiritualidade do cotidiano da vida de um jovem em suas diferentes especificidades e em suas diversas situações. Nem sempre pensamos nisso, e são poucos os que nos ajudam a viver isso, de forma “espiritual”, isto é, como um estilo. 48

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2) Viver como Jesus viveu. É a espiritualidade do seguimento de Jesus, contemplado nos Evangelhos, mas vivo e presente na história e no modo de ser do jovem. Encontram-se aí infindos gestos que ensinam, desafiam, provocam e inspiram. 3) Cultivar a comunhão e o serviço. Trata-se, no fundo, de viver o espírito comunitário, de pertença a uma comunidade — desejo profundo do jovem. Claro que se coloca, em primeiro plano, a comunidade eclesial, mas se estende a outras vivências comunitárias, sempre na dimensão de ser para os outros, tendo em vista o bem-viver. 4) Testemunhar a alegria e a esperança. O ser simplesmente jovem, que vive uma enormidade de novidades, é uma espiritualidade quando feito com consciência. Sem deixar de falar da vivência litúrgica, deve-se pensar na “liturgia” que o jovem é. Ele é festa, é celebração. 5) Assumir o anúncio e o compromisso de ser missionário onde quer que esteja e em tudo que estiver fazendo, como jovem. Ser jovem é viver o êxodo de si mesmo; por isso, é a espiritualidade do êxodo. 6) Ter um lugar especial para os pequenos, os pobres e os excluídos. É a espiritualidade da opção pelos pobres. Quando se consegue vislumbrar jovens vivendo isso, compreende-se a grandeza da pessoa humana. 7) Nem sempre o jovem tem consciência disso, mas as descobertas e os lutos que vive fazem a juventude viver, de modo muito bonito, a espiritualidade pascal. Caderno Ciência e Fé

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8) Ninguém nega que a figura de Maria e a figura dos mártires estão muito dentro do coração da juventude. Por isso se fala, na Pastoral da Juventude, da espiritualidade mariana e martirial. Percebe-se que, na juventude, encontramos um modo de ser espiritual muito especial. Isso pode ser aprofundado se refletirmos o que os bispos do Brasil dizem quando falam da juventude como realidade teológica. Encontrase essa afirmação em Evangelização da Juventude: desafios e perspectivas pastorais (CNBB, 2007, n. 80-81). Dentro da proposta brasileira e latino-americana de evangelização da juventude, sempre é bom dar-nos conta de que, ao lado dos “Marcos” (Marco da Realidade, Resgate da História, Marco Doutrinal e Marco Operativo), também existe a formulação do Marco Celebrativo. Mas, além de tudo isso, um espetáculo lindo de ver é contemplar, vivenciar e perceber a forma como as juventudes da Pastoral da Juventude sabem cultivar o Ofício Divino da Juventude, criado e assumido por elas. Quando se encontram pessoas dizendo que os jovens da Pastoral da Juventude não rezam, na maioria das vezes, estamos diante de uma cegueira movida por certo preconceito com o jovem.

Pastoral Vocacional? Vocacional vem de vocação, no sentido de chamado. Todos somos chamados, convidados a assumir uma missão 50

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que nos faça felizes e espalhe felicidade em nosso derredor. Por vezes, tem-se a impressão de que Pastoral Vocacional só vale para quem quer entrar na Vida Religiosa ou no Ministério Presbiteral. Se vocação é para todos, a Pastoral Vocacional também é para todos. Podemos dizer que uma Pastoral da Juventude que não é vocacional, no sentido amplo, é incompleta; a Pastoral Vocacional, mesmo no sentido estrito, que não se preocupa com o jovem como tal, é uma pastoral destinada ao fracasso. As duas pastorais deveriam caminhar juntas. Assim como toda Pastoral da Juventude deveria ter uma dimensão vocacional, toda Pastoral Vocacional deveria ter a dimensão juvenil. A Pastoral Vocacional está “dentro”, não “junto”, muito menos “fora” da Pastoral da Juventude. Pensar em vocação, como tal, é mais profundo que pensar em profissão, porque na vocação se fala mais do modo de vida que se deseja abraçar, que é mais do que vou fazer. As duas são importantes, mas em vocação se expressa mais o chamado. Até se pode dizer que vocação é mais integral, incluindo o místico ou a espiritualidade, o que não se percebe quando se fala de profissão, que se aproxima muito da forma de sobreviver

Raízes do mínimo do mínimo – Documentos O mínimo do mínimo tem suas raízes. Embora tenha demorado, este mínimo — como todo o trabalho da Igreja,

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respeitando o protagonismo juvenil — foi brotando, aos poucos, na América Latina e no Brasil. Sempre é um pouco arriscado selecionar, mas o que vamos citar é “oficial”, reconhecido pela Igreja. Na América Latina, os documentos eclesiais mais importantes são: 1) o capítulo 4 das Conclusões da 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (1968), em Medellín; 2) o capítulo da opção preferencial pelos jovens, das Conclusões da 3ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (1979), em Puebla, no qual o episcopado afirma a opção preferencial pelos jovens; 3) as linhas de ação da Conferência de Aparecida (2007); 4) o livro Pastoral da Juventude: sim à civilização do amor, da Seção Juventude do CELAM (1987); 5) o livro Civilização do amor: tarefa e esperança, da Seção Juventude do CELAM (1997); 6) o livro Civilização do amor: projeto e missão do CELAM (2012); 7) as Conclusões dos Encontros Latino-Americanos de Responsáveis Nacionais da Pastoral da Juventude; 8) as Conclusões do 1º, do 2º e do 3º Congressos Latino-Americanos de Jovens, em Cochabamba, na Bolívia (1992); em Punta de Tralca, no Chile (1998); e em Los Teques, na Venezuela (2010). No Brasil, os principais documentos da Pastoral da Juventude, reconhecidos pela Conferência Episcopal, são: 1) Pastoral da Juventude no Brasil (Estudos da CNBB n. 44); 2) Marco Referencial da Pastoral da Juventude do Brasil (Estudos da CNBB n. 76); 3) o texto base da Campanha da Fraternidade de 1992 – Juventude caminho aberto; 4) Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais (Documentos da CNBB n. 85), de 2007.

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Leituras Ao lado dessas leituras “normativas” ou “diretrizes”, existem muitos bons escritos sobre evangelização da juventude. Além dos documentos citados, mencionamos publicações como Assessoria e acompanhamento na Pastoral da Juventude (CELAM, 1994a) e Assessoria em cinco enfoques (CELAM, 1994b); Juventude, o grande desafio, do Pe. Jorge Boran (1982) e O futuro tem nome: sugestões práticas para trabalhar com jovens, também do Pe. Jorge Boran (1994); O caminho se faz: história da Pastoral da Juventude do Brasil, do Pe. Hilário Dick (1999); Juventude, acompanhamento e construção de autonomia, organização de Carmem Lúcia Teixeira (2011); Cartas a neotéfilo: conversas sobre assessorias para grupo de jovens, de Pe. Hilário Dick (2005); Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na História, também do Pe. Hilário Dick (2003); Acompanhamento: mística do/a acólito/a da juventude, organização de Hilário Dick, Carmem Lúcia Teixeira e Salvador Segura Levy (2008); Resiliência, espiritualidade e juventude, de Susana M. Rocca (2013) e O divino no jovem: elementos teologais para a evangelização da cultura juvenil, de Pe. Hilário Dick (2009), dentre outros. Nos últimos tempos, saiu uma coleção de subsídios intitulada Na trilha do grupo de jovens, fruto de um trabalho em mutirão enorme, em âmbito nacional. É preciso saber procurar e querer aprender. Muitos sites, blogs... Contudo, apesar de toda a importância da leitura, mais do que na leitura, é na participação de processos

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significativos da Pastoral da Juventude que se aprende o que é Pastoral da Juventude.

Uma história a caminho, com horizonte O mínimo do mínimo para anunciar uma boa-nova à juventude, dando destaque para a Pastoral da Juventude, desejou ser, somente, breves palavras sobre essa instituição quanto à sua proposta e sua história. Algumas palavras que provocassem outras, para serem lançadas ao mundo. É importante, contudo, caminhar para o horizonte, sabendo, sempre, quem somos, de onde viemos, o que nos identifica, o que nos marca, aquilo que assumimos... Não queremos que seja uma “conclusão”, apenas um fim de conversa, dizendo o mínimo do mínimo sobre evangelização da juventude e Pastoral da Juventude. Para o cristão e para quem trabalha com juventude, o mínimo não acaba. É como o horizonte que não serve para nada; simplesmente serve para nos fazer caminhar. Uma das palavras que animam Civilização do amor: projeto e missão (CELAM, 2012) é horizonte. Quando se deixa de viver na esperança, abandonou-se a utopia; quem abandona a utopia fica sem horizonte e não pode dizer que é da Pastoral da Juventude.

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Referências

BORAN, J. Juventude, o grande desafio. São Paulo: Paulinas, 1982. BORAN, J. O futuro tem nome: sugestões práticas para trabalhar com jovens. São Paulo: Paulinas, 1994. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL — CNBB. Pastoral Juvenil no Brasil: identidade e horizontes. Estudos da CNBB n. 103. Brasília: CNBB, 2013. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO — CELAM. Conclusões da Conferência de Puebla. São Paulo: Paulinas, 1979. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO — CELAM. Pastoral da juventude: sim à civilização do amor. São Paulo: Paulinas, 1987. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO — CELAM. Assessoria e acompanhamento na Pastoral da Juventude. São Paulo: CCJ, 1994a. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO — CELAM. Assessoria em cinco enfoques. São Paulo: CCJ, 1994b.


Hilário Dick

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO — CELAM. Civilização do amor: tarefa e esperança — Orientações para a Pastoral da Juventude latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1997. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO — CELAM. Proyecto de vida: camino vocacional de la Pastoral Juvenil — Aportes y reflexiones de la Pastoral Juvenil Latinoamericana. Documento CELAM n. 162. Bogotá: CELAM, 2003. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO — CELAM. Civilización del amor: proyecto y misión — Orientaciones para una Pastoral Juvenil Latinoamericana. Documento CELAM n. 173. Bogotá: CELAM, 2012. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL — CNBB. Pastoral da juventude no Brasil. Estudos da CNBB n. 44. Brasília: Paulinas, 1986. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL — CNBB. Marco referencial da pastoral da juventude do Brasil. Estudos da CNBB n. 76. Brasília: Paulus, 1998. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL — CNBB. Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais. Documentos da CNBB n. 85. São Paulo: Paulinas, 2007. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL — CNBB. Pastoral juvenil no Brasil: identidade e horizontes. Estudos da CNBB n. 103. Brasília: CNBB, 2013.

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Mínimo do mínimo para anunciar uma boa-nova à juventude

DICK, H. O caminho se faz: história da pastoral da juventude do Brasil. Porto Alegre: Evangraf, 1999. DICK, H. Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na história. São Paulo: Loyola, 2003. DICK, H. Cartas a neotéfilo: conversas sobre assessorias para grupo de jovens. São Paulo: Loyola, 2005. DICK, H. O divino no jovem: elementos teologais para a evangelização da cultura juvenil. São Paulo: CCJ, 2009. DICK, H.; TEIXEIRA, C. L.; LEVY, S. S. Acompanhamento: mística do/a acólito/a da juventude. São Paulo: CCJ, 2008. ROCCA, S. M. Resiliência, espiritualidade e juventude. São Leopoldo: Sinodal, 2013. SILVA, J. A. A.; VIEIRA, L. D.; SILVA, R. A. (Org.). Somos igreja jovem: pastoral da juventude — um jeito de ser e fazer. Brasília: PJ, 2012. TEIXEIRA, C. L. (Org.). Juventude, acompanhamento e construção de autonomia. Goiânia: CAJU; PUC Goiás, 2011.

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Sobre o autor

Hilário Dick Padre Jesuíta. Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e graduado em Filosofia e Teologia pela Faculdade Cristo Rei, em São Leopoldo (RS). Professor de História da Juventude e coordenador da Pós-Graduação em Juventude da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Ex-assessor do Setor Juventude da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Autor de: Gritos silenciados, mas evidentes – jovens construindo juventude na história (Loyola); Cartas a neotéfilo: conversas sobre assessoria para Grupos de Jovens (Loyola); O Divino no jovem (CCJ). Coautor de: Juventude, acompanhamento e construção de autonomia (PUC Goiás).


Impresso na Gráfica Everest Rua Waldemar L. de Campos, 3.946 Xaxim – Curitiba (PR) Tel: (41) 3276-0040 A presente edição foi composta pela Editora Universitária Champagnat e impressa pela Gráfica Everest, papel pólen 80 g/m² (miolo) e papel supremo 250 g/m² (capa).




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