Hortas sociais

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Grande plano

O regresso à agricultura nas cidades Almeirim, Cartaxo, Santarém e Rio Maior aderiram ao projeto de hortas comunitárias que superou totalmente as expetativas das entidades envolvidas. O próximo passo é a expansão Vanessa Colaço vanessa.acolaco@gmail.com

Enquanto prepara o terreno para plantar hortaliças, Manuel perdese em memórias de infância que surgem ao ver uma criança de meses que se embrenha na terra em brincadeiras. Estamos nas Bio Hortas Urbanas de Almeirim um espaço que reúnem gerações. Candidataram-se ao programa e, agora que receberam uma horta para cultivar, partilham a tarefa com familiares e amigos num total de cerca de 150 pessoas envolvidas no cultivo das 60 hortas, só no município de Almeirim. Os números demonstram um cla-

N.os

58%

dos horticultores em Almeirim têm menos de 45 anos e apenas 13 pessoas, das 60 inscritas, se encontram reformadas ou desempregadas.

90

hortas distribuídas nos concelhos de Almeirim, Cartaxo e Santarém e encontam-se ainda cerca de 20 pessoas em lista de espera.

200

pessoas envolvidas nestes projetos, sendo que às 90 hortas distribuídas correspondem entre 2 e 3 pessoas envolviidas em cada uma, sejam do agregado familiar ou amigos.

4 O Ribatejo 13 setembro 2012

ro interesse pela agricultura em concelhos urbanos historicamente ligados à atividade, mas onde atualmente esta constitui apenas uma pequena parte da ocupação laboral, com a predominância dos setores secundário (indústria) e terciário (serviços). Cartaxo, Rio Maior, Almeirim e Santarém são exemplos de concelhos que abraçaram este projeto de desenvolvimento sustentável que visa o aproveitamento de espaços na periferia ou centro das cidades. No passado mês de abril, a iniciativa arrancou na zona norte da cidade de Almeirim onde uma área de 1.516m2 foi dividida em 60 lotes distribuídos gratuitamente. Para que a exploração fosse feita à luz da agricultura biológica foram organizadas quatro sessões de formação, em sala e no terreno, um complemento educativo que surgiu da parceria entre a Câmara Municipal e a Agrobio – Associação Portuguesa de Agricultura Biológica. Meses depois, o conceito deu frutos no concelho do Cartaxo, por iniciativa da Eco Cartaxo - Movimento Alternativo Ecologista, e começaram a ser cultivados na Quinta das Pratas, inicialmente, 14 talhões. Os valores do campo foram redescobertos e a adesão dos habitantes foi uma boa surpresa para os seus empreendedores. Rpidamente, foram preenchidos os 22 espaços disponíveis, atingindose os 100% de ocupação. Estimase que estejam envolvidas nesta iniciativa entre 50 a 60 pessoas, que perfazem um grupo heterogéneo englobando diferentes níveis sociais, de formação e faixas etárias, à semelhança do que acontece nas restantes hortas da região. O fim primordial dos alimentos é o consumo familiar, apesar de ser permitida a comercialização dos produtos. Em Rio Maior, a iniciativa avançou com a distribuição de 31 talhões, dos 44 disponíveis. O terreno com cerca de 1.800m2 dispõe de abastecimento de água, uma zona de compostagem e arrumos. A antiga Escola Prática de Cava-

laria, em Santarém, foi o primeiro local a receber um projeto desta natureza. Levado a cabo pela Casa Solidária das Artes e Ofícios, o projeto, na altura pioneiro, data de 2011. Ao contrário dos exemplos anteriores, as hortas foram criada estritamente numa prestativa de apoio social a famílias afetadas pelo desemprego ou em situação de carência socioeconómica. Aqui encontraram uma ocupação que ajuda a manter hábitos de trabalho e proporciona a aquisição de competências profissionais, no âmbito da agricultura tradicional. Têm neste momento 8 talhões ocupados, bem como laranjeiras e limoeiros a serem cultivados no espaço comunitário. Os 22 lotes ainda disponíveis aguardam a ocupação e exploração por parte de famílias em dificuldades interessadas na atividade agrícola. As hortas comunitárias são uma realidade um pouco por todo o pais e chegaram ao Ribatejo para promover uma alimentação saudável e um novo conceito de comunidade, baseado no estreitamento de laços entre habitantes e na otimização da qualidade de vida nos centros urbanos. O espírito comunitário que se vive entre os horticultores estende-se à manutenção, feita de forma participada e à aprendizagem conjunta, usufruindo da sabedoria dos mais experientes. Cultivam e consomem os frutos do próprio trabalho numa experiência que será, no mínimo, enriquecedora. A obtenção dos lotes não está dependente de qualquer pagamento e os critérios de seleção baseiam-se na ordem de chegada das inscrições e na proximidade da residência ao local das hortas. Contudo, os materiais necessários são da responsabilidade do horticultor que, caso não os possua, terá de os adquirir.

As hortas são cedidas de forma totalmente gratuita às famílias que se queiram dedicar à bio agricultura

Testemunhos

Manuel Faustino

Ana Coelho

Manuel Faustino podia muito bem comprar alfaces e nabiças na praça, como fazia há 6 meses atrás, mas em vez disso decidiu inscrever-se na Sachónabo, a Bio Horta Urbana do concelho de Almeirim. “Carolice” é o nome que dá à ideia de elevar o depósito de água e criar, por baixo dele, uma estrutura de armazenamento de materiais. De “carolice” em “carolice” foi aprimorando a sua horta com um sistema de rega gota-a-gota, de rega por expressão, uma entrada personalizada e todos os pormenores que merece este regresso à agricultura. Reformado da PSP há 6 anos, encontrou aqui um lugar onde pode aprender e ensinar. Em simultâneo, nutre uma competição saudável pelo título de “horta mais bonita”, discute inovações e técnicas com o curioso vizinho inglês e recorda o passado. Aos que aqui encontra chama-lhes família. E que outro nome lhes poderia dar?

Foi uma mensagem de correio eletrónico da Câmara Municipal de Almeirim que despertou o interesse desta professora de Educação Visual para o projeto das hortas biológicas. A situação de desemprego em que se encontrava foi um dos motivos que a levou a inscrever-se, mas daqui leva também conhecimentos úteis à sua profissão, uma vez que hoje em dia também se pratica este tipo de agricultura nas escolas. Aos 29 anos, nunca tinha estado diretamente envolvida no cultivo da terra. Para alguém que nada sabia sobre lavoura, ver crescer as primeiras flores e frutos são experiências únicas e gratificantes e é com orgulho que fala do tomate com cerca de 900g que colheu na sua horta. Em casa não há lugar para desperdícios e faz questão de que sejam consumidos todos os produtos que vêm da horta.

aposentado da psp

professora de educação visual


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01 Cláudia Pina Nunes troca experiências com os vizinhos e aprende algo novo sobre os alimentos a cada “conversa de quintal”

02 Vera Nunes estabelece a ponte de comunicação entre o corpo municipal, a Agrobio e os horticultores.anos, um emprego h‡ dezassete, habita um apartamesete, habita um

02

Bio Hortas crescem em Almeirim O terreno de eucaliptos foi transformado em hortas comunitárias e já se pensa na expansão

Cláudia Pina Nunes advogada

Ao fim do dia, Cláudia troca os papéis, as canetas e o computador por uma enxada e um regador e dedica-se à sua horta na Sachónabo. Ao fim-de-semana, troca o shopping por algumas horas de agricultura em família. Os filhos, João e Madalena, de 12 e 8 anos, participam em todas as fases de produção dos alimentos que mais tarde lhes chegam ao prato. O argumento de que os legumes, aos quais antes torciam o nariz, vieram da horta da família é eficiente na hora da refeição. Conta que entre amigos e colegas em Lisboa, as histórias da horta despertam uma imensa curiosidade e deixam uma subtil vontade de integrar ambientes mais rurais onde a qualidade de vida parece tentadora. Acredita que é preciso desmistificar a ideia de que as pessoas do campo são menos cultas ou têm menores capacidade e procura incutir nos seus filhos a valorização da atividade, uma preocupação ambiental e a preferência por uma alimentação o mais saudável possível.

CONCELHO Com apenas seis meses de existência, as Bio Hortas Urbanas de Almeirim registam bons resultados em termos de produção e satisfação dos participantes, o que leva o vice-presidente Pedro Ribeiro a considerar que esta foi uma “aposta de sucesso”. “Em 10 dias distribuímos todas as hortas e já temos lista de espera. Estamos a projetar numa zona circundante, que estava prevista para outro tipo de intervenção, o aproveitamento de mais espaços para tentar reduzir a lista de

espera”, explica Pedro Ribeiro. O município procurou atender a três vertentes essências. “O facto de sermos um concelho agrícola e maior parte das pessoas de gerações mais avançadas terem tido, com alguma regularidade, contacto com o campo foi um dos motivos pelos quais quisemos permitir o regresso das pessoas à terra e à agricultura. Por outro lado, o facto de as hortas serem um complemento aos orçamentos familiares que, ao final do ano, pode representar uma poupança de centenas de euros acabando por consumirem alimentos de qualidade superior. Por fim, uma componente de interação social. Há gente passa o dia inteiro nas hortas, o que para 49m2 parece um abuso, mas estão ali sobretudo pelo convívio”, esclarece Pedro Ribeiro.

Havia pouca convicção no bom resultado deste projeto devido ao facto de o terreno, ao fundo da Avenida da Liberdade, ter sido durante anos um depósito de lixos, ser um terreno árido e com eucaliptos que sugam a água e os nutrientes da terra. Depois de um trabalho de aproveitamento, que incluiu a desarborização, regularização e abastecimento de água, nasceram as Bio Hortas e preparam-se agora para aumentar o espaço de cultivo. Numa segunda fase do projeto, está a ser pensada a expansão para mais do dobro dos talhões, ainda sem aprovação nem previsão de datas. A próxima melhoria efetiva será a colocação de uma casa de banho, um pequeno telheiro para servir de espaço de refeições e, possivelmente, um pequeno grelhador.

Jovens querem cultivar a terra Comunidade A maior surpresa foi o interesse dos jovens nesta experiência agrícola. No concelho de Almeirim 58% dos horticultores têm menos de 45 anos e apenas 13, dos 60 inscritos, se encontram reformados ou desempregados. Os jovens casais que aderiram a esta iniciativa trazem os seus filhos para cultivar os alimentos que depois consomem em suas casas. “É muito interessante ver aqui crianças de três ou quatro anos, e sentir que estas gerações se estão a aproximar da terra. Alguns pais

dizem que os filhos preferem vir para a horta do que ir para o ATL”, explica Vera Nunes, uma jovem engenheira do ambiente que faz o acompanhamento das bio hortas. “Há um convívio enorme e principalmente entre pessoas com mais idade, que se dispõem a ajudar, e os jovens, que estão recetivos, havendo uma partilha muito grande de experiências”, o que leva a engenheira a acreditar que a interação e diferença de idades entre os horticultores são os motivos para o sucesso da iniciativa.

As normas neste espaço são simples e a regra-chave é a não utilização de qualquer tipo de produtos químicos nas colheitas, algo que vai totalmente contra as práticas biológicas. Para além disso, preza-se a manutenção e preservação do local e o máximo respeito pelos espaços alheios e comuns. A revitalização do terreno foi possível devido ao empenho de todos, a ajuda dos conhecimentos de adubagem e agricultura biológica, o envolvimento e disponibilidade dos especialistas que têm acompanhado todas as fases do processo.

Produtos das hortas à venda na Feira Rural do Cartaxo COMÉRCIO Os alimentos produzidos segundo técnicas de agricultura tradicional podem por vezes não ser tão atrativos à vista mas são livres de químicos, logo mais saudáveis e, por norma, mais saborosos. Nas Hortas Urbanas Biológicas do Cartaxo o lema é “cultive hoje para colher amanhã” e, apesar de o consumo familiar ser o principal destino destes alimentos, a Eco-Cartaxo decidiu coloca-los também ao alcance da comunidade. O movimento ecológico participa na Feira Rural do Cartaxo, que se realiza mensalmente, com uma banca onde podem ser adquiridos produtos cultivados nas hortas comunitárias. Os produtos comercializados correspondem a uma pequena parte da produção, mas a maisvalia desta participação está na sensibilização, promoção dos valores ecológicos e na divulgação do projeto. Defendem a importância da transmissão de conhecimentos e do gosto pela agricultura. Para que não sejam perdidos, os conhecimentos agrícolas deveriam ser recuperados pelas gerações mais recentes, principalmente, numa zona como o Ribatejo onde a influência cultural da atividade agrícola é tão vincada.

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