A hora da feliz idade

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Foto: Lorena Tapavicsky

Recife | Março de 2011

A hora da feliz idade O que é ser idoso no Brasil? Os velhinhos do século 21 diferem – e muito – da imagem construída por seus pais e avós. Querem saber de tudo sobre informática, finanças, novidades da música, tendências da moda, e não abrem mão dos cuidados com a saúde, da prática de sexo e esportes, de cultura e lazer. Agora, vão em busca do reconhecimento dos mais jovens e da aplicação dos direitos garantidos pelo Estatuto do Idoso, em vigor desde 2003. Para tanto, apostam em um argumento difícil de ser rebatido: o grupo está cada vez maior. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o país tinha 19 milhões de pessoas com mais de 60 anos, 10% da população. Números que prometem aumentar ainda mais nas próximas décadas. A expectativa é que, em 2025, os idosos sejam 32 milhões, elevando o índice para 14% do total de habitantes. Nesta edição de O Berro, você vai conhecer o que pensam e o que fazem alguns membros desta nova “velha” geração.


O BERRO

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TAINAH CASTELO BRANCO

Se de um ano para outro as coisas podem mudar drasticamente, imagine como tudo pode ser diferente quando se fala de uma geração para outra, ou até mesmo duas gerações depois. Educação, saúde, tecnologia e o modo de vida são coisas que avançaram muito nos últimos cem anos. Para o médico infectologista Aderbal Vieira, o segredo para ter uma vida saudável e garantir muitos anos pela frente está nas atitudes que tomamos hoje. O professor de educação física Victor Lima defende que a base de uma vida saudável são os exercícios físicos quando realizados com prazer. Segundo ele, os treinamentos mais indicados são os que envolvem força, pois aumentam os níveis de potência e a massa magra dos idosos, que, com o tempo, perdem essas duas características. “É o segredo para se ter uma vida saudável e duradoura”, afirma Lima. BONS TEMPOS As opiniões sobre o passado são bem diferentes. Para a dona de casa Josélia Soares Albuquerque, de 72 anos, as lembranças são sempre as melhores. “Naquela época, existia esse negócio de ser um bom partido. As mocinhas aprendiam com as mães e as avós a cozinhar, cuidar das crianças e costurar. Tudo isso para conseguir um bom casamento. Eram raros os casos em que mulheres iam para a faculdade aprender uma profissão. Sei que agora tudo mudou. Os jovens serão

Foto: Tainah Castelo Branco

O idoso ontem e hoje

LEONARDO BURGOS

PREVISÕES O dentista aposentado Fenelon Ferreira Neto com a foto do avô, que temia o futuro do país

velhinhos elétricos e cheios de atividades. (risos).” Dona Jojó, como gosta de ser chamada, concorda que, muitas vezes, é melhor aprender uma profissão para ser independente, mas, quando questionada se trocaria de lugar com as jovens de hoje para estudar, ela diz, sem hesitar, que não. Preferiria fazer tudo da mesma maneira. O funcionário público aposentado José Guedes Dantas acredita que os idosos de antigamente tinham uma vida mais calma e sem tantos afazeres como ele, mas não trocaria por nada a vida que teve. Ele, que vai completar 90 anos, afirma estar no auge de sua atividade mental. PROBLEMAS Ao mesmo tempo em que a saúde dos idosos do século 21 está melhor, a terceira idade do século passado vivia

Radiola ou MP3?

mais tranquilamente, uma vez que não se preocupava tanto com coisas como a segurança. Se hoje a sociedade é rodeada pela violência, antigamente, as coisas pareciam ser bem mais calmas. E, de fato, eram. “Podíamos sair na rua a qualquer hora, tendo a certeza de que voltaríamos aos nossos lares. Agora, vivemos com medo”, lamenta a aposentada Diana Campos, de 73 anos. O dentista aposentado Fenelon Ferreira Neto, de 82 anos, lembra que, quando criança, escutava o avô falar que não queria chegar até os 70 anos, pois não queria ver o quanto a sociedade iria mudar nos anos que se aproximavam. “Ele tinha medo de ver a maldade e os crimes, que começaram a aumentar naquela época, acontecerem com a nossa família. Parecia que ele estava prevendo o que nos aguardaria nos dias de hoje.”

O gosto musical que chama a atenção das paradas de sucesso de hoje reflete o quanto o consumo de música está relacionado à escolha dos jovens. Pelo menos no Brasil, o pop e o pop rock ditam tendências de seleção das playlists. Falta saber se esse gosto agrada aos idosos também. Será que o ritmo agitado e as letras que se repetem até cansar “fazem a cabeça” dos que já passaram das seis décadas de vida? Hesséa Mattos, de 74 anos, pensa que não. “Eu sempre escutei, e continuo escutando, os ícones da Música Popular Brasileira, como Cauby Peixoto, Ângela Maria, Agnaldo Timóteo e Rayol. As letras eram colocadas em primeiro lugar, apesar da melodia e do ritmo também serem lindos. Hoje, essas bandas só fazem barulho e acham que estão fazendo canção.” Apegada ao passado, dona Hesséa faz questão de continuar escutando LP na velha radiola, que mantém limpinha na sala. “Eu gosto muito do som do rádio e até do abafado que sai das caixas.” Quem não pensa da mesma for ma é dona Darcy Alves, que diz ter um estilo mais eclético. “Tenho 61 anos e não quero ficar parada, sem me atualizar.” E os ritmos que mais apetecem à sexagenária refletem o envolvimento com a família. “Meu filho Diego gosta muito de pagode e samba. As minhas sobrinhas Danielle e Bianca escutam músicas internacionais. Já Fernanda me apresentou às nacionais, que são as que mais

gosto, porque eu entendo as letras, não é?” Um diferencial de dona Darcy é o modo como ela escuta música: a aposentada decidiu comprar um MP3. “Eu ainda não sei colocar as músicas aqui dentro. Peço para as meninas baixarem da internet ou copiarem do que elas já têm. É ótimo. Enquanto preparo o almoço, limpo a casa, lavo a louça, eu coloco os fones nos ouvidos e saio me divertindo.” E um artista é unanimidade na preferência dos idosos, ou pelo menos entre as idosas: Roberto Carlos. Romântico por natureza, o repertório do “rei” agrada a gregos e troianos. “Amo as músicas dele. Possuo 12 discos, que só não quebraram porque tenho muito cuidado. Sou fã”, conta dona Hesséa. Já dona Darcy afirma que todas as amigas curtem as músicas de Roberto Carlos. “Nas reuniões semanais, para colocar o papo em dia, é ao som dele que fofocamos.” A diretora de ensino do Conservatório Pernambucano de Música, Roseane Hazin, diz que “o gosto musical dos idosos que frequentam a escola pende para o clássico, principalmente para o Jazz”. Segundo ela, é um reflexo do que eles ouvem em casa. O que mudou na música de consumo é o apelo das sensações. “Nas décadas de 50 e 60, o comum era encontrar canções mais lentas, com uma carga melódica dramática. Atualmente, a repetição, a rapidez das notas e as letras de ordem repentina reforçam a ideia de diversão imediata”, diz Hazin.

EXPEDIENTE Coordenador do Curso de Jornalismo Alexandre Figueirôa O BERRO é uma publicação da Disciplina Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Rua do Príncipe, 526 - Boa Vista - Recife-PE CEP 50.050-900 - CNPJ 10.847.721/0001-95 Fone: (81) 2119.4000 - Fax: (81) 2119.4222 www.unicap.br/oberro

Professora Orientadora Fabíola Mendonça Subeditores Lorena Tapavicsky Tiago Cisneiros

Repórteres Carolina Vaz Cínthia Carvalho Cynthia Giestosa Diego Ximenes Isabela Alves Kamila Nunes Leonardo Burgos Lívio Angelim Lorena Tapavicsky Maria Eduarda Vaz Milenna Gomes

Mirella Lemos Paulo Henrique Tavares Renata Oliveira Tainah Castelo Branco Thayuanancy Araujo Tiago Cisneiros Victor Bastos Diagramação Flávio Santos Impressão FASA

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Vitalidade na prática de exercícios A temida terceira idade chega para a maioria da população mundial. Ela, no entanto, não é mais encarada como a fase das dores, depressão e repouso. A imagem de vovós fazendo crochê e vovôs cochilando no sofá da sala está se tornando cada vez mais rara. O século 21 chegou para eles e, junto com a modernidade, veio a mudança de hábitos e atividades. É cada vez mais comum ver idosos em academias ou, em alguns casos, fazendo esportes antes considerados de jovens. O envelhecimento junto à prática de exercícios é considerado uma conquista nessa fase da vida. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1995 a 1999, o número de pessoas com mais de 60 anos cresceu 14,5%. Isso significa que, em quatro anos, a população de idosos aumentou em 1,8 milhão. A mentalidade dos integrantes da “boa idade” mudou bastante. A atividade física é, para muitos, o meio de se conseguir a longevidade e a boa qualidade de vida. Os especialistas concordam com essa ideia. A personal trainer Zirlene Brito, por exemplo, fala que o exercício é fundamental. “Tenho

alunos idosos e os treinos melhoram a saúde e o humor deles. O passar dos anos causa uma diminuição das capacidades físicas, mas isso não deve significar o fim das atividades”, diz. Para Nicolau Pereira, 67, praticante de musculação, o esporte chegou para mudar tudo. “Desde que comecei a treinar, me sinto mais vivo”, afirma ele, que estava no início de uma depressão. A recomendação médica o estimulou a entrar na academia. Também há os idosos tradicionais, como é o caso de Teresinha Gouveia, de 83 anos, que faz hidroginástica há três. “Os dias em que eu vou para a piscina são os melhores da semana. Não pretendo parar de ir”, afirma, com um sorriso no rosto. 40 ANOS DE PAIXÃO Segunda-feira, 21 de março, 7h20. A piscina do Clube Português, na Zona Norte do Recife, está cheia de nadadores, o que orgulha o técnico Domingues Cardoso. “Trabalho aqui há 15 anos e adoro treinar campeões. Mas sempre existem os xodós, e o meu é o Zé Augusto”, diz. A amizade entre Domingues e José Augusto das Chagas, o Zé (como gosta de ser chamado), veio com os treinos.

O atleta, que nada há 40 anos, tem 73, bem escondidos pela barriga sequinha, de dar inveja a muitos jovens. Também pudera. Ele não dorme no ponto. São 16,2 quilômetros por semana, divididos entre a piscina e o mar aberto. Na bagagem, já são mais de 800 medalhas e troféus nacionais, além de um dos orgulhos da sua vida. “Em uma das minhas competições, enVIDA SAUDÁVEL contrei Maria Lenk (naJosé Augusto dadora brasileira), que me nada há 40 anos chamou pelo nome e me e cultiva um corpo de dar parabenizou pela vitória. inveja a muitos É por essas e outras que jovens eu quero continuar. Sinto-me realizado e útil”, diz. No entanto, o feito mais lembrado por Zé são os 22 Zé Augusto, a tarefa dele é mostrar quilômetros percorridos em 2002, no aos jovens que tudo é possível. “Sempre digo que, se eu posso, eles mar da Bahia, em cinco horas. também podem.” Exemplo que também vem de O EXEMPLO O que chama a atenção nessas N i c o l a u e Ter e s i n h a . N e n h u m histórias são os exemplos passados deles deixa a vida passar. Vão, sim, pelos idosos aos mais novos. A vontade à sua procura. Sem medir esforços de viver está sempre com eles. Para ou suor. Foto: Maria Eduarda Vaz

MARIA EDUARDA VAZ

Terceira idade redescobre o prazer TIAGO CISNEIROS

“Estou com todo o pique.” É assim que o comerciante Amaro Bezerra resume sua performance com as mulheres. Moreno, mag ro de barriguinha saliente e com 1,75 metro de altura, ele garante que faz sucesso, na lábia e na cama. O detalhe é que Amaro está longe de ser adolescente. Aos 64 anos, ele integra o universo de idosos brasileiros que não abrem mão do sexo. Universo que, dizem os especialistas, não para de se expandir. O apetite sexual da terceira idade tem sido tema de estudos em todo o mundo, com resultados nem sempre previsíveis. No Brasil, uma pesquisa do Instituto Datafolha, publicada em 2009, mostrou que 47% dos idosos têm atividade sexual plena. Entre os homens, o índice chega a 74%, caindo para 24% no meio feminino. A diferença não faz sentido para a dona de casa Conceição Souza, 62. “As mulheres tiveram vergonha de admitir. Conheço várias senhoras que

transam regularmente”, diz, incluindose no grupo. Casada há 28 anos, revela: desde que o último dos três filhos saiu de casa, em 2008, a “hora de deitar” ficou bem mais agradável. Segundo especialistas, uma situação comum para casais idosos bem resolvidos, cujas relações tendem a repetir as da fase adulta e podem até melhorar quando voltam a viver a sós. É a chance de retomar o namoro. Quem sabe isso explique um dos resultados do Estudo da Vida Sexual do Brasileiro? Elaborada pela Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa revelou que 60,7% dos homens com mais de 61 anos têm vontade de transar algumas vezes na semana. Mais até do que os 57,3% obtidos na faixa entre 51 e 60 anos, ainda fora da terceira idade perante a lei. Esse novo comportamento dos idosos não surpreende a psicoterapeuta sexual Vitória Menezes, para quem tudo está ligado ao fato de eles terem sido os jovens da “Era do amor livre”, na década de 1960. Ela vê a atuação

dos “sessentões” de forma tão natural que chega a compará-la com a dos adultos. “Transam igual ao pessoal de 30 ou 40 anos, em relações estáveis ou esporádicas. Há até traição. A diferença é que são mais discretos.” Os segredos para tanta disposição, apontam especialistas, são os avanços científicos e a mudança de mentalidade. Vitória Menezes, por exemplo, classifica a criação do Viagra, em 1998, como uma “revolução positiva”. Para ela, o estimulante masculino não funciona só na “hora H”. Serve, também, como ponto de segurança. “Saber que ele está por perto, em caso de necessidade, dá confiança ao idoso.” A professora de psicologia Tereza Batista, da Universidade Católica de Pernambuco, destaca a nova mentalidade dos idosos, construída graças a iniciativas como o feminismo e a invenção da pílula anticoncepcional. A partir daí, diz, muitas pessoas superaram estigmas e questionaram, por exemplo, a rigidez do casamento e a falta de poder sobre o próprio corpo.

CORPO E ALMA Em 2000, a Organização Mundial de Saúde incluiu o sexo entre os dez itens mais importantes para a qualidade de vida. Verdade absoluta? Para Vitória Menezes, não. Ela considera que a atividade é realmente benéfica ao idoso, apenas, quando inserida em um contexto favorável, ligado a três fatores: com quem, como e onde. No corpo, além de fortalecer os músculos, o sexo facilita a circulação sanguínea e estimula a liberação de substâncias que dão a sensação de prazer. Por outro lado, pode causar doenças graves, às quais vários idosos ainda não atentaram. Conforme dados do Ministério da Saúde, a taxa de incidência de Aids entre homens com 60 anos ou mais saiu de 5,8 (para cada 100 mil habitantes), em 1997, para 10,8, em 2009. Entre as mulheres, passou de 2,4 a 6,4. A sexóloga Valéria Walfrido atribui o quadro à resistência aos preservativos. “Muitos dizem que não gostam ou creem que a camisinha interfere na ereção.”


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Hábitos saudáveis previnem doenças LORENA TAPAVICSKY

Em todo o mundo, doenças cardiovasculares estão no topo da lista de enfermidades que levam os idosos à morte. As neoplasias, alterações celulares que podem gerar tumores, e as quedas também precisam de uma atenção especial de médicos e pacientes. Exercícios físicos, além de uma alimentação balanceada, podem ajudar a melhorar a saúde daqueles que já passaram dos 60 anos. “Por terem mais tempo de vida, os idosos desenvolvem doenças crônicas, como artrose, diabetes e hipertensão. Para que se chegue à velhice com uma boa saúde, é preciso tomar medidas de prevenção durante a vida toda”, explica

a geriatra Maria do Carmo Lencastre. Hábitos simples podem fazer uma grande diferença com o passar dos anos. “Não fumar, nem beber em excesso, tentar se alimentar de maneira balanceada e praticar exercícios são comportamentos-chave para ter uma boa saúde na velhice”, garante a médica. Entre os exercícios mais procurados, estão a caminhada, hidroginástica, musculação e aeróbica. O pilates também é uma boa opção, pois ajuda a recuperar funções motoras perdidas e oferece toda uma reestruturação postural, sem a utilização de pesos. “O principal benefício do pilates para esse público é o alívio dos sintomas da artrose,

já que trabalhamos os músculos, mas sem sobrecarga nas articulações”, explica a fisioterapeuta Fernanda Chaves. Segundo ela, a prática regular de pilates também proporciona melhora do equilíbrio e da incontinência urinária. A dona de casa Maria Carolina Mendes é um exemplo de senhora que não se deixa abater pela idade. Aos 75 anos, frequenta a academia pelo menos quatro vezes por semana. “Vou sempre às 6h30, e quando volto para casa, ainda faço as tarefas domésticas.” Acostumada a caminhar nas ruas para manter a forma, há três anos, ela trocou o asfalto pela esteira da academia. “A minha médica me orientou a fazer essa mudança. Agora, não sinto

Acompanhamento da saúde do idoso vai além da Medicina Com o crescimento da população idosa no Brasil, a necessidade de especializações de saúde nessa área aumentou consideravelmente. Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a expectativa de vida do brasileiro é de 73,17 anos, número bem diferente da década de 1960, quando era de 54,6. Com essa mudança, surge a necessidade de a sociedade buscar novas especializações no campo da saúde. Atualmente, mais de 10% da população brasileira têm idade acima de 65 anos. Esse contingente está dividido em dois grupos: aqueles que envelhecem com saúde e os que envelhecem com alteração. Engana-se, no entanto, quem acha que só os últimos devem ser acompanhados por profissionais da saúde. O trabalho é fundamental, também, na prevenção de doenças e alterações próprias do processo de envelhecimento. Para isso,

o trabalho de diversos profissionais da saúde é fundamental. Regulamentada no Brasil há 42 anos, a profissão de terapeuta ocupacional está diretamente ligada à melhoria da qualidade de vida do idoso que sofre alguma alteração, tornandoo mais independente. Visando a promover mais autonomia para o pai, João Oliveira, 78, que tem Alzheimer, Andréa Oliveira buscou a ajuda de um terapeuta. “Achamos importante ele ser acompanhado para retardar os sintomas”, diz. Mas não são apenas as doenças que pedem o acompanhamento de um profissional da saúde. A perda da qualidade da voz também é comum, sendo, muitas vezes, necessária a inter venção fonoaudiológica. “O idoso Foto: Carolina Vaz

CAROLINA VAZ

CUIDADO Profissionais ajudam a manter a saúde dos idosos

sofre perda de líquido, o que traz danos à laringe e modifica a voz”, explica a fonoaudióloga Maria Lúcia Costa. Segundo ela, tais mudanças deixam a voz da mulher mais grave e a do homem, aguda. Neste caso, a prevenção é primordial para a manutenção vocal. “A pessoa deve ter uma alimentação saudável, evitando alimentos gordurosos e dando preferência às frutas, além de ingerir muita água”, destaca.

mais dor nas articulações e passo o dia mais disposta.” Para potencializar os efeitos dos exercícios, nada melhor do que uma alimentação balanceada. Os idosos são mais susceptíveis às alterações no estado nutricional, devido às mudanças fisiológicas próprias do envelhecimento e às doenças crônicas, cuja medicação pode alterar o paladar e o apetite deles. “Diminuição do olfato, do paladar, problemas de deglutição, perda de dentes, má digestão dos alimentos e prisão de ventre são alguns dos fatores que podem influenciar o modo como o idoso se alimenta”, explica a nutricionista Luisiana Lins Lamour. Para ela, uma dieta equi-

librada, rica em sais minerais, proteínas de alto valor biológico, gorduras de boa qualidade, fibras e água atende às necessidades de pessoas nessa faixa etária. As mulheres precisam ficar atentas à menopausa, que pode provocar aumento de peso e tecido adiposo, o que afeta o estado nutricional delas. “A vantagem das mulheres é que elas tendem a cuidar mais da saúde, o que é refletido nos hábitos alimentares”, explica Lamour. Uma dica é a ingestão de ômega 3, gordura encontrada em peixes de águas profundas e óleos vegetais, que ajuda a reduzir sintomas da depressão, melhorar a parte cardiovascular, além de ajudar a prevenir o câncer de colo de útero.

Leitura pode evitar o mal de Alzheimer CYNTHIA GIESTOSA

“Descobri o prazer da leitura aos 65 anos.” A afirmação é da aposentada Maria da Graça Santos, que, há dois anos, fez uma aposta com a neta. “Combinamos de ler um livro por mês. Hoje, ela não se vê longe deles”, conta a neta Carolina Santos. A idosa é uma exceção, já que mais da metade das 19 milhões de pessoas acima de 60 anos não têm interesse nos livros, como mostrou a pesquisa Retratos da Literatura no Brasil, coordenada pelo Instituto Pró-Livro. Terapeutas ocupacionais paulistas usaram a leitura como estímulo à memória nos pacientes internados no Instituto de Ortopedia e Traumatologia. Constatou-se que, ao ouvirem as histórias, eles exercitavam a memória, protelando sintomas de doenças como o Alzheimer. Em Pernambuco, não há uma pesquisa relacionando a leitura com a saúde mental do idoso, mas o governo disponibiliza o Programa de Apoio ao Idoso. Segundo a

coordenadora, Célia Nóbrega, o estímulo da leitura é gerado pelos próprios pacientes. “Eles incentivam os amigos, no intuito de conversarem sobre as publicações.” Outra opção gratuita para os interessados em leitura é visitar uma das 900 bibliotecas disponibilizadas pelo governo, dentro de escolas públicas. Nelas, todos podem solicitar o empréstimo. No entanto, o acer vo não é voltado, especificamente, para a terceira idade. A maioria dos enredos disponíveis possui jovens como protagonistas. Sabendo desta escassez e de olho em um novo mercado, a presidente da Primavera Editorial, Lourdes Magalhães, busca mudanças. “Estamos procurando profissionais reconhecidos que possam escrever para a terceira idade.” É uma tentativa de mudar, no Estado, o quadro exposto pelo Instituto Pró-Livro. A leitura é importante para a saúde mental dos idosos, como comprovaram os terapeutas paulistas. O incentivo se faz necessário.


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THAYUANANCY ARAUJO

Antigamente, quando se pensava em pessoas idosas, era comum associá-las a expressões de fragilidade e doenças. Essa visão foi-se modificando com as mudanças de costumes da terceira idade. Aqueles que já conseguiram uma situação financeira mais estável vêm buscando no turismo uma forma de aproveitar a vida. Em Pernambuco, há 16 anos, existe uma agência especializada em preparar viagens para idosos, a Luiza Tour. “É um trabalho que me deixa feliz e ajuda muitas pessoas”, afirma a proprietária, Luiza Pedrosa. A empresa, que tem mais de 700 clientes cadastrados, oferece pacotes especiais, com boa infraestrutura de hotéis e

transportes. A dona de casa Hermínia Campos é viciada em viagens. Viúva há dez anos, ela adora visitar os países europeus, principalmente a Inglaterra e a França. Para cada passeio internacional, desembolsa cerca de R$ 10 mil. Com um grupo de amigas, recentemente, ela fez um cruzeiro pelo Havaí. O que não esperava é que, na viagem, acontecessem tantos fenômenos naturais. Além de fazer um passeio para conhecer o vulcão Kilauea, que entrou em erupção, ela presenciou o desespero da tripulação com a aproximação de um tsunami, provocado pelo terremoto de magnitude 8.9, no Japão. “Algumas amigas ficaram em pânico e ligaram para a família para se despedir. Se aquela fosse a hora de partir, eu pelo menos

estaria no Havaí”, recorda. SEM MUITO DINHEIRO Mesmo não tendo as condições econômicas de Hermínia, a aposentada Rute Alcântara iniciou o ano avisando aos familiares que só queria viajar. “No começo, falavam que estava saindo demais, mas eles não têm que reclamar de nada”, diz. Para ela, o governo federal deveria estabelecer leis que incentivassem a terceira idade a viajar. Na verdade, esse incentivo já existe, porém poucos idosos sabem. O Supremo Tribunal Federal (STF) assegura que pessoas a partir de 60 anos e com renda menor ou igual a dois salários mínimos podem viajar de graça de um estado para o outro. Por lei, eles têm

No palco, idosos representam o drama e a comédia com esmero RENATA OLIVEIRA

Quem pensa que a chamada melhor idade significa passar o dia inteiro parado pode estar bem enganado. Pelo menos este não parece ser o passatempo mais apreciado por Maria Eugênia da Rosa Borges, 88 anos. Quando não está em sua residência ou no escritório, Geninha dedica algumas horas do dia ao teatro. Geninha descobriu a veia das artes performáticas ainda pequena, na escola, em 1941. Pelas mãos de Waldemar de Oliveira, entrou no Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) e, até hoje, continua atriz amadorista. Ela tem experiência em tudo que diz respeito às artes cênicas, mas prefere o teatro. Não o troca por nada. “O teatro serve para movimentar o corpo e trabalhar a mente, renovando a alma. Melhora a qualidade de vida, oferece criatividade e a sensação de ser capaz de muitas outras coisas”, destaca Geninha.

É importante que a direção do elenco, em qualquer atividade cênica, esteja atenta quando uma pessoa de idade está no palco. As produções e as execuções dos exercícios são cuidadosas quando envolvem idosos, que costumam se movimentar com algumas restrições. Atores com idade mais avançada têm, no teatro, a oportunidade de sair de processos depressivos com ajuda do trabalho com o texto, o autor e os personagens. Os exercícios físicos, vocais e mentais são estímulos para a memória, ajudam na criatividade e ainda eliminam o uso de alguns remédios. TEATRO É ESTIMULO Reinaldo Oliveira, já com os seus 80 anos, dirige o TAP e o Teatro Waldemar de Oliveira. Garante, que na criação de um conjunto formado, é essencial a presença de pessoas idosas, porque serão necessários papéis que correspondam à idade deles. Diz ainda que não há teatro

formado para acolher idosos e que, desde a sua fundação, em 1941, o TAP já tinha pessoas mais velhas trabalhando. “O idoso representando um idoso é muito mais autêntico”, afirma Reinaldo Oliveira. O ator José Francisco, 62 anos, ressalta que uma pessoa com mais idade tem experiência e pode usá-la para ajudar qualquer ator jovem. Este auxílio engloba, por exemplo, dicas sobre como se posicionar em cena e melhorar a desenvoltura para um iniciante em palco. Recentemente, a Universidade Federal de Pernambuco criou um curso de Teatro e Extensão, aberto a qualquer pessoa com idade superior a 17 anos. Não houve limite máximo. Decisão que agradou aos artistas da velha geração. “Eu não gosto da rotulação, por exemplo, de ensinar teatro apenas para a terceira idade ou só para jovens. A fórmula ideal é a mistura. Assim, posso ter melhores resultados e contribuir para os dois lados”, ressalta o ator José Francisco.

Foto: Thayuanancy Araujo

Diversão começa depois dos 60 TURISMO Sempre que tem uma oportunidade, Hermínia Campos prepara uma viagem

dois assentos garantidos nos veículos. Caso os lugares estejam ocupados, ainda podem pagar metade do valor da passagem, mas, para isso, precisam fazer uma reserva. A empresa que não cumprir a deter minação pode pagar multa de R$ 3.435,00. Além desse benefício, o

Ministério do Turismo criou o Viaja Mais Melhor Idade. O programa estimula a terceira idade a viajar pelo Brasil, proporcionando uma redução de 50% no valor da hospedagem. Outras informações podem ser encontradas na página www.viajamais.com.br/ viajamais.

Sem censura e limite para a educação VICTOR BASTOS

Bairro do Cordeiro, Zona Oeste do Recife. Toda sextafeira, uma espécie de reforço escolar pode ser considerado um capítulo especial na obra do eterno aprendizado da vida. Maria Pessoa da Silva Barreto e Rosita Araujo dos Santos são as protagonistas que não abrem mão de, aos 70 anos, estudar. Na biblioteca particular, chefe e funcionária atravessam o universo de possibilidades que os livros podem proporcionar. Maria Barreto, advogada aposentada, estudante de espanhol. Motivo? Lazer. Rosita dos Santos, doméstica e aposentada, cursando supletivo do ensino fundamental e médio. Razão? Um sonho. “Sempre viajei com agências de turismo, o que ajudava na comunicação. Porém, quis aprender espanhol”, explica Maria, que, após 40 anos, se aproximou, através dos livros, da empregada doméstica da família.

A pergunta foi simples: “Dona Rosita, qual o seu sonho?”. E a resposta sincera, pronunciada como um alívio: “Estudar para ser enfermeira”. A dona Rosita, mãe de quatro filhas, viúva, história que se confunde com a de milhões de brasileiras, teve, pela primeira vez, a oportunidade de concluir a educação básica. Ela frenquenta, desde janeiro, o programa Educação de Jovens e Adultos (EJA). O EJA vem contribuindo para a diminuição do analfabetismo no Brasil. O programa tem sido adotado pelas redes pública e particular. Nos últimos dez anos, a taxa de analfabetismo entre os “velhinhos” caiu de 35,9% para 34%. Foi a vontade de estudar que fez com que as aposentadas, dia após dia, andassem de mãos dadas e livros abertos contra o tempo e o preconceito. Nessa aula, não existe professora e aluna. Maria e Rosita ensinam e aprendem a viver. Escrevem um belo capítulo do eterno aprendizado da vida.


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Planejar-se na fase adulta é o ideal Chegar à terceira idade e aposentar-se com uma condição financeira que permita viagens, lazer e descanso depois de anos de trabalho é o desejo da maioria das pessoas. Até porque a conhecida boa idade pode ser considerada a melhor fase da vida, mas, para aproveitar esse momento com tranquilidade, o segredo é se planejar. Com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a preocupação com os projetos após a aposentadoria deve ser levada em consideração desde o início da fase adulta. “Para quem ainda está distante da aposentadoria, é importante se preparar para a terceira idade, que está cada vez mais longa, e que vai exigir ainda mais recursos financeiros para ser vivida da maneira que se deseja”, afirma o consultor de administração em finanças Nilton Farinati. O economista Alexandre Jatobá, professor da Faculdade Boa Viagem, destaca a importância da construção de uma carreira sólida e do reconhe-

COMO INVESTIR Segundo o economista, para garantir uma vida tranquila financeiramente, a pessoa deve tomar algumas iniciativas que garantam, pelo menos, a manutenção da renda mensal atual após a aposentadoria. Jatobá indica que o primeiro passo é adquirir o quanto antes um plano de previdência privada. A segunda recomendação é comprar imóveis, comerciais ou residenciais, em locais valorizados e com perspectivas de crescimento. É necessário que a pessoa pesquise o valor de aluguel das propriedades vizinhas. A terceira opção é investir parte da renda mensal em remuneração, ou seja, ações, que podem dar ótimos resultados, principalmente, a longo prazo. “Para todas essas medidas, consultar o gerente do banco ou da instituição financeira, a chamada corretora de ações, é muito impor-

setor privado é de R$ 700. Para os aposentados que vieram do setor público, a remuneração é, em média, de R$ 6 mil. A aposentadoria somada à renda complementar deve ser suficiente para contemplar os gastos na terceira idade, que podem ser ainda maiores. Por isso, tanto na fase adulta, como na velhice, é recomendada, por Jatobá, a elaboração de uma planilha, tipo fluxo de caixa, na qual a pessoa registre todas as despesas fixas e variáveis. “Com esse acompanhamento, é possível se planejar melhor e evitar excessos”, afirma.

Foto: Kamila Nunes Viana

cimento do mercado de trabalho. Ele acredita que o futuro financeiro de uma pessoa depende diretamente do sucesso adquirido na trajetória profissional.

KAMILA NUNES

CENDIÊ Exemplo de planejamento para uma terceira idade tranquila

tante. É a primeira atitude que a pessoa deve tomar”, esclarece. COMO SE PLANEJAR Segundo o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o valor médio das aposentadorias de empregados no

EXEMPLO Algumas pessoas têm mais facilidade e certo talento para gerir orçamentos. É o caso da administradora de empresas, Cendiê Costa, que, desde os 20 anos de idade, controla as contas da casa. Hoje, Cendiê, que é gerente regional de uma empresa de telefonia móvel, continua se planejando bem para o futuro. Ela possui um plano de previdência privada, que considera a ferramenta mais indicada para garantir estabilidade na velhice.

DIEGO XIMENES

Muita gente planeja o dia em que vai poder aposentar-se. A data é esperada e planejada, há anos, por algumas pessoas que não veem a hora de deixar de contribuir com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). No passado, o aposentado era visto como um tipo de escória. A partir do momento em que deixasse de trabalhar, ele já não tinha mais importância dentro da sociedade. A visão, preconceituosa, aos poucos, vai sendo desfeita devido ao grande número de idosos que já se aposentaram e ainda desempenham uma função. Alguns fazem por necessidade. Outros, pelo fato de não conseguirem se ver em casa, parados, só observando a vida passar, sem nenhuma produtividade. Quem é segurado da Previdência Social não é obrigado a parar de trabalhar. A exigência deixou de existir em 1991, com a Lei 8.213, que trata dos Planos de Benefícios da Previdêndência Social. A única aposentadoria que impede o empregado de trabalhar é a que se baseia na invalidez, devido ao fato de a incapacidade ser determinante para a concessão do benefício.

Foto: Diego Ximenes

A vida continua depois da aposentadoria TAXISTA Aos 74 anos, Expedito Lima não quer parar de trabalhar

No cotidiano, é fácil ver uma pessoa com mais de 60 anos ainda no mercado de trabalho. Isso ocorre devido às boas condições físicas e mentais para o bom desempenho da atividade. Outro fator que pode explicar o maior número de idosos trabalhando é o aumento da expectativa de vida. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatisticas (IBGE) mostrou que, em 20 anos, a expectativa de vida passou de 63,9 para 71,3 anos. Anexados à

idade, a pesquisa revelou que, hoje, existem, aproximadamente, 15 milhões de pessoas com mais de 65 anos. Juntas, elas movimentam R$ 7 bilhões a cada mês. Muitos destes idosos estão trabalhando em agências de viagens, cursos de idiomas, universidades, organizações que lidam com informática e outros setores tercerizados. Mas também existem os mais velhos que gostam de atuar na correria do dia a dia, competindo com os mais

novos e até dando lições de vida. Este é o caso de Expedito Lima Correia da Silva, 74, taxista há nove anos. Antes de entrar de vez na profissão, ele trabalhou em uma grande distribuidora de alimentos por quase 40 anos. Resolveu aposentar-se. Porém, não se acostumou à ideia de passar boa parte do dia em casa. Aproveitou que o cunhado estava querendo largar o táxi e entrou de cabeça na nova jornada. "Minha mulher não gostou muito da ideia, mas eu queria. Não conseguia mais ficar em casa, parado. Eu sei que dirijo bem e só comecei a aproveitar uma habilidade que tinha. Hoje, sou muito feliz e não pretendo largar o carro nem tão cedo", conta Correia, orgulhoso da profissão que exerce. Bem de saúde, nem tão cedo ele pensa em parar. Garante que só vai sair do táxi quando Deus o chamar. "Hoje, eu tenho uma boa saúde, então, não consigo pensar no dia de parar. Se, em casa, não tem o que fazer e aqui estou me dando bem, é melhor continuar. Realmente, só paro no dia em que Deus me quiser lá em cima", finaliza o taxista, feliz com a situação que vive atualmente.


Recife, abril de 2011 | 7

O BERRO

Um Estatuto de direitos LÍVIO ANGELIM

Atendimento preferencial, viagens gratuitas em todo território nacional, prioridade na tramitação de processos, reserva de 3% de unidades residenciais nos programas habitacionais. Desde 2003, vale muito a pena ser idoso. Fora a vaidade, não há mais motivos para esconder a idade. A partir dos 60 anos, qualquer um pode tirar a carteirinha e usufruir das leis inscritas no Estatuto do Idoso. A “guerra” travada entre governo, aposentados, pensionistas, sindicalistas e outras pessoas da terceira idade é bem antiga. Antes, os poucos direitos dos idosos eram resguardados pela Constituição de 1988, e, em seguida, pela Política Nacional do Idoso, de 1994. No entanto, eram apenas leis complexas e com muitas brechas. O Estatuto do Idoso che-

gou com uma perspectiva diferente e mais completa. Foi um projeto de lei do então deputado federal Paulo Paim (PT-RS). A sanção regulamentar foi dada em 2003, pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), curiosamente o primeiro a ter origem sindicalista. Os benefícios gerados para os idosos foram implementados em muitos setores da sociedade: lazer, cultura, transporte, trabalho, justiça, habitação, atendimentos, entre outros (ver box ao lado). As garantias são muitas e a preocupação passou a ser a desinformação. A vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Idoso (Cedi/PE), Valdecir Teixeira, 75, ressaltou os benefícios do Estatuto, mas não deixou de pedir atenção às pessoas da terceira idade sobre as garantias que possuem. “Hoje é muito bom você

ter mais de 60 anos. Eu posso viajar o Brasil todo pagando pouquíssimo ou até nada. O problema é que pouca gente sabe disso”, fala. O delegado do Idoso no Recife, Eronildo de Farias, vê a falta de informação como um problema a curto prazo. “Acredito que as novas gerações têm bem mais esclarecimento sobre o Estatuto e, obviamente, os próximos idosos estarão mais atentos.” O “visionário” Eronildo se preocupa com um assunto mais emergente e degradante: a violência contra as mulheres da terceira idade. Em 2010, foram registrados 362 casos de agressão às idosas, quase o dobro do ano anterior: 172. O Estatuto não permite esses crimes, mas a maioria das idosas têm medo ou vergonha e terminam sem prestar queixas. O resultado é que os autores da violência seguem impunes.

Alguns benefícios garantidos aos idosos na legislação Saúde Distribuição gratuita de próteses, órteses e medicamentos. Proíbe os planos de saúde de reajustar as mensalidades por critério etário.

Cultura e lazer Prevê 50% de descontos em todas as atividades sociais voltadas para as áreas de cultura, esporte e lazer.

Direito É de responsabilidade dos Conselhos do Idoso (nacional, estaduais e municipais), junto com Ministério Público, a fiscalização e o controle da aplicação regulamentar do Estatuto.

Justiça Prioridade na tramitação de processos, procedimentos e execução dos atos e diligências judiciais.

Habitação Compreende uma reserva de 3% de unidades residências nos programas habitacionais públicos. Abusos Zela para que nenhum idoso seja vítima de negligência, discriminação, violência ou opressão.

Transporte Reser va de 10% dos assentos, gratuitos, em transportes coletivos municipais. Nos estaduais, a reserva de duas vagas grátis para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos. Exclusividade Admite, aos idosos, preferência em qualquer tipo de atendimento.

Vida em asilo pode ser boa opção, Em coletivos, leis são apesar do preconceito sofrido ignoradas ISABELA ALVES

O processo de envelhecimento requer, talvez, uma estrutura ainda maior do que a infância. São exigidos da família cuidados frente às alterações sociais, culturais e hormonais. Na velhice, ainda há necessidades que pedem atenção aos lados fisiológico e psicológico. Mas nem todas as famílias sabem - ou até mesmo querem - lidar com essa situação. A solução? Instituição de Longa Permanência para Pessoas Idosas (ILPI), os asilos. No ILPI Nossa Senhora de Lourdes, fundado há 18 anos e localizado na Rua de São Bento, em Olinda, residem 28 velhinhas, todas com idade superior a 60 anos. Cada uma tem seu próprio quarto na enorme casa, cujo portão de entrada fica ao lado de uma capela. Tudo simples, mas aconchegante. Que o diga dona Alzira

Maria da Silva, de 84 anos, que vive no asilo desde novembro de 2010. “Me sinto bem aqui, inclusive bastante segura”, afirma. Ela nasceu em Catende, interior de Pernambuco e cuidava do arado da casa de suas tias. Deu à luz a sete filhos, mas o único com quem ela tem contato é Gabriel, casado com Fátima Sena, principal apoio de dona Alzira. “Minha nora recebe até o dinheiro da minha aposentadoria”, conta. Foi Fátima quem sugeriu colocar a sogra na instituição. Para ela, o problema não é dona Alzira morar em sua casa, pois as dificuldades seriam as mesmas, já que o lugar é pequeno e não tem elevador. Além disso, ela própria passa o dia trabalhando, assim como seus filhos. “Não tenho empregada, nem dinheiro para pagar alguém para cuidar da minha sogra. E achei que ela precisava de companhia”, diz.

Assim como é difícil para dona Alzira, é para Margarida Galdino da Silva, 92, que mora no asilo há 28 anos junto com a filha. Ela foi abandonada pelas oito irmãs por ser a mais pobre da família. Mas isso não é motivo de rancor. Afinal de contas, como ela mesma diz, é “a mais pobre, mas a de vida mais longa”. Todas as oito irmãs já morreram. Apesar de ter ido para lá porque “foi o jeito”, Margarida é feliz e vive cantando. Faz isso desde pequena. Questionada se gosta de rezar, não titubeia: “Ave Maria! Misericórdia!”. Logo se percebe que a religiosidade é um ponto forte na sua personalidade. Quando vai à capela ao lado do asilo, enfrenta, sem medo, um caminho longo e repleto de escadas. Diz ter fé nos anjos. “Eles me levarão em suas mãos, para que eu não tropece em nenhuma pedra”, canta.

MILENNA GOMES

São 18h quando o coletivo com destino ao Jordão Baixo chega a uma das mais movimentadas paradas da avenida Conde da Boa Vista, no Centro do Recife. José Inácio Gomes, 78 anos, esperava-o depois de uma tarde de exaustivos exames médicos. O pensamento do enfermeiro aposentado é o de poder, quem sabe, tirar um cochilo no caminho de volta para casa. Mas, como é de costume na hora do rush, o veículo está lotado com pessoas que se apertam em pé e ocupam todos os assentos, inclusive os reservados, por lei, aos idosos. O direito de quem tem mais de 65 anos a cadeiras exclusivas no transporte público é, comumente, desrespeitado por quem ignora a visível sinalização de assento prioritário. Seu Inácio está na terceira

idade e coleciona experiências desagradáveis em relação a coletivos. “Pessoas jovens, saudáveis, pegam nossos lugares preferenciais. Alguns estão sentados porque não há mais cadeiras disponíveis e até se levantam quando alguém mais velho chega. Outros fazem ‘cara de paisagem’, olham para o lado e permanecem onde estão”, conta o aposentado. Diante da situação, ele prefere ser educado. “Não peço para ninguém me dar a cadeira. Acho que essa não é minha obrigação. As pessoas devem ter consciência de que estão infringindo uma lei.” Desrespeitar o Estatuto é crime. Caso se sinta prejudicado, o idoso pode entrar com ações na Justiça contra pessoa física ou jurídica - no caso, as empresas de ônibus. Para evitar o transtorno, é importante mostrar a carteirinha e fazer valer os direitos nos coletivos.


O BERRO

8 | Recife, abril de 2011

CÍNTHIA CARVALHO

Na década de 1960, não havia computador e a internet era, apenas, parte da imaginação de alguns escritores de ficção científica. Entretanto, nos anos 1990, os aparelhos passaram a ser informatizados e muita gente teve que abandonar suas máquinas de datilografia para se adaptar aos mouses e teclados. Ao completar 20 anos, a internet segue atraindo cada vez mais novos usuários. Na verdade, nem tão novos assim. A chamada terceira idade está, cada vez mais, procurando entender e aprender as tecnologias usadas pelas novas gerações. Hoje, o computador, por exemplo, já faz parte da rotina de muitos vovôs e vovós. Seja por trabalho ou por lazer, a verdade é que “estar conectado” é quase uma necessidade nos tempos

atuais - e os mais experientes não querem ficar offline. E o que fazem os idosos quando estão navegando no mundo virtual? O mesmo que os adultos e jovens: se informam, trocam e-mails, assistem aos vídeos, ouvem suas músicas favoritas, compram produtos, acessam serviços on-line e também participam das redes sociais que, por sinal, são a nova mania entre a “galera mais experiente”. Já faz quase cinco anos que a professora aposentada Josefa Nunes de Souza, de 69 anos, criou o seu perfil no site de relacionamentos Orkut. Lá, ela reúne os amigos, participa das comunidades com as quais se identifica e publica as suas fotos preferidas. “Eu me cadastrei com a ajuda do meu filho, que mora no Canadá. É uma forma de manter contato com os amigos de lá. Além do Orkut, também converso com

Foto: Cínthia Carvalho

Terceira idade cada vez mais conectada

REDES SOCIAIS Nova mania dos idosos

eles pelo MSN (programa de mensagens instantâneas), todos os dias”, conta. Sempre “antenada”, dona Zefinha, como Josefa é conhecida, aderiu ao Facebook recentemente. “Criei o meu perfil e mandei o convite para a turma. O Twitter, não fiz ainda, porque estou sem acesso à internet”, completa. Sem internet? E agora? “É complicado. Mas, enquanto ela não chega, eu fico jogando

O tempo a favor do estilo MIRELLA LEMOS

Quando se é jovem, quase tudo o que se veste fica bem, mas, quando os anos passam e a idade vai chegando, já não há espaço para todas as modas. Roupas curtas, braços totalmente de fora e decotes salientes já não são as melhores opções. Isso, no entanto, não impede que os idosos valorizem o visual. A idade não é mais desculpa para ignorar tendências. Hoje, é muito mais fácil encontrar artigos de moda que deixam os idosos mais bonitos, elegantes, confortáveis e, por que não, joviais. “A mulher madura também quer se sentir bonita e na moda”, afirma Ana Maria Cristina de Araújo, de 68 anos. Nos últimos anos, a indústria fashion não fez grandes investimentos pensando nos consumidores mais velhos. Mas este cenário está mudando. Segundo estudos realizados em 2010, pelo Ibope Inteligente, 28% dos consumidores de moda do país têm

mais de 50 anos. Esse público vem gerando um faturamento de R$ 10,4 bilhões na indústria do setor, que cresce a cada dia. No mundo fashion, quase tudo é permitido. A diversidade de estilos é um convite para manter o bem-estar e a autoestima em dia, em qualquer faixa etária. É possível ser elegante na terceira idade, mas é importante não esquecer que, com o tempo, chegam também muitas mudanças corporais. Para a consultora de moda Ieda Guimarães, ter cuidado com essas alterações físicas é fundamental. “Você não precisa mudar o seu estilo, mas é necessário adaptar-se às mudanças que acontecem no seu corpo com a idade.” A consultora destaca que, com essas transformações, o idoso deve estar atento, em primeiro lugar, ao conforto e à saúde. Estar bem vestido, ou “estar na moda”, não significa usar roupas desconfortáveis. É preciso ter muita atenção na compra do “modelito”, prin-

cipalmente porque ele pode trazer prejuízos à saúde. A escolha de um sapato errado, por exemplo, pode causar sérios problemas de circulação ou provocar acidentes com graves consequências para o idoso. Na moda para a terceira idade, o que muda são os cortes e os comprimentos, para manter a elegância e poder chegar a essa etapa da vida com classe. Por esse motivo, as roupas precisam de ajustes especiais. Os tecidos também devem tornar-se cada vez mais flexíveis e confortáveis, proporcionando liberdade de movimentos. Vivendo por mais tempo e com melhor qualidade, o idoso no Brasil gasta mais com bens de consumo. Por isso, a moda para esse público vem crescendo com o intuito de atender à demanda do mercado. O segmento, hoje, é um dos propulsores da economia nacional, aumentando os lucros da indústria do setor no Brasil.

paciência no computador”, revela. A web já faz parte da rotina dela. Canastra, agora, só pela internet. Além disso, dona Zefinha gosta de pesquisar. “Procurar no dicionário dá muito trabalho. Quando eu quero saber de alguma coisa, eu vou ao Google e faço uma busca. Uso a internet para ler os jornais virtuais também, para me manter ciente do mundo”, diz.

De acordo com a psicóloga Valéria Vasconcelos, independentemente da idade, as pessoas se adaptam àquilo que se torna um prazer ou uma necessidade para elas. “As novas ferramentas virtuais despertam a curiosidade dos idosos. Eles querem conhecer, perguntam aos netos, aos filhos e, quando descobrem interesses e facilidades, acabam aderindo. Dessa forma, sentem-se incluídos socialmente”, afirma. Josefa é um exemplo do idoso contemporâneo. A internet traz praticidade, diversão e serve como fonte de informação para os usuários – e a boa idade compreendeu bem isso. “Além de lazer, a internet ajuda a desenvolver a minha mente. A tecnologia ajudou de uma maneira geral, facilitou muito a vida dos estudantes. No meu tempo, era bem diferente”, conta.

Idosos à moda antiga PAULO HENRIQUE TAVARES

“Não existe fórmula para a felicidade.” Essa frase não foi retirada de um livro famoso, nem falada por gênios ou intelectuais. Ela ganhou for ma na boca de alguém que a vive intensamente. A simplicidade de sua construção ortográfica é a mesma buscada no dia a dia de muitos idosos, que têm o prazer conquistado em viver sem os luxos dos novos tempos. Explorar tecnologias, praticar esportes... Não! Só descansar e viver a vida. A declaração acima foi dita pelo aposentado José de Souza, 79 anos, que, entre tantos outros, fazem parte de uma tribo que pode ser considerada em processo de extinção: a dos idosos que vivem à moda antiga. Alheio a qualquer tipo de “jovialidade”, seu José - como faz questão de ser chamado - se considera feliz por viver a vida “sem procurar novas preocupações”. “Muitas pessoas criticam

quando algum idoso relaxa no fim da vida. O bonito é ser metido a jovem. Não acho essa atitude correta! Precisamos saber que o nosso tempo passou”, afirma seu José, sem deixar de alfinetar os próprios críticos. “Temos de ser quem somos e não mudar nossa personalidade para agradar aos outros. Ser um velho metido a jovem até pode ser engraçado, mas não é essencial.” Morador do bairro de Casa Caiada, em Olinda, o “vizinho mar” tornou-se, nos últimos anos, o principal companheiro de seu José. “Vir aqui e olhar a praia me faz bem. Ainda aproveito para relembrar da juventude”, brinca o aposentado, que ainda faz questão de ressaltar não sentir saudades dos tempos de garoto. “Gosto de saber que tenho experiência, adquirida ao longo da minha vida. Respeito muito os meus cabelos brancos. Aceitar a escolha do tempo é fundamental para ser feliz na velhice”, conta.


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