Berro Mudança Vol. 01

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deZembro

O Berro

:: publicação do curso de jornalismo da unicap ::

Foto: bartolomeu bittencourt

BOA VIAGEM A evolução do bairro em 100 anos

. A . . M S E U LE D U P T I M T I S A

SUPERAÇÃO encarando a doença com bom humor


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editorial

Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar

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Mudar é, antes de mais nada, um processo que sempre prescinde um referencial. Só percebemos (ou nos convencemos) de que mudamos a partir do momento no qual olhamos para a condição anterior. É também um ato de coragem, de inquietação, de desejo. E desde os tempos de Heráclito - que dizia que ninguém tomava banho duas vezes no mesmo rio, pois ambos haviam mudado, o homem e o rio - até a atualidade, com você - que quer mudar desesperadamente de vida, de hábitos, da cor do cabelo todos os dias -, esse assunto está em pauta. Dentro de casa, nos corredores da universidade, na pausa para o cafezinho, no meio do expediente, na mesa de bar. Foi pensando nisso que os 22 alunos do 7o� período (2014.2) do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) encararam o desafio de produzir uma edição "diferente" de O Berro. A partir de uma missão simples e direta (“escrever sobre mudança”), eles partiram em busca das histórias e pontos de vista mais diversos com o intuito de mostrar a pluralidade deste tema. Isso porque “mudar” também funcionou como palavra de ordem para a equipe de edição de O Berro, que apostou num novo formato impresso desde a diagramação (com projeto assinado pela professora Carla Teixeira) até a qualidade do papel e acabamento de impressão. O resultado está estampado nas 16 páginas deste primeiro volume da publicação e nas outras 16 do segundo. Sim, porque a edição também buscou integrar os dois materiais, bem como conteúdo para a internet (capitaneado pelo webdesigner Flávio Santos), que você pode acessar através do link www. unicap.br/oberro/mudanca e conferir outras matérias, vídeos, áudios e galerias de imagem que complementam as edições, além de um conteúdo totalmente exclusivo. Há de tudo um pouco, tanto lá como aqui. E, a partir de agora, que o material fale por si só.

Repórteres Alice Mafra Amanda Souza Ana Alessandra Ana Lígia Portilla Artur Portella

Projeto gráfico e diagramação Carla Teixeira

Impressão FASA

:: publicação do curso de Jornalismo da Unicap ::

BOA VIAGEM A evolução do bairro em 100 anos

2014

O Berro

VOLUME 2

Webdesigner Flávio Santos

DEZEMBRO

Professor Orientador Dario Brito

Revisão Fernando Castim

VOLUME1

Coordenador do Curso de Jornalismo Juliano Domingues

Bartolomeu Bittencourt Cristina Maria Felipe Andrade Helga Lira Jéssica de Lima Júlia Teles Lucila Bezerra Mariana Azevedo Marília Melo Millena Araújo Patrícia Gomes Pedro Souza Raíssa Castro Raíssa Martins Thatiany Lucena Thiago Jefferson Ticiana Machado

2014

O Berro é uma publicação do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco

DEZEMBRO

expediente

Boa leitura! Dario Brito

O Berro

:: publicação do curso de Jornalismo da Unicap ::

TRABALHO Novo emprego ajuda a mudar de vida INTERCÂMBIO Amadurecimento bem longe de casa

A . S E.. UM LE UD P M IT SI AT

SUPERAÇÃO Encarando a doença com bom humor

...PARA MUDAR DE VEZ


04 mente

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sumário

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autoestima

cidadania

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cidade

capa

14 fé

mais conteúdo

www.unicap.br/oberro/mudanca

Reportagens trazem material complementar na versão online. Participe das enquetes

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Áudio de entrevistas

Galeria de imagens


:: m en te ::

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Fotos: patrícia gomes

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SIMILARES Alexandre, Isabella, Lis e Wilder: em comum o receio de mudar

O medo da transformação

por Patrícia Gomes

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"Qualquer mudança tem de começar necessariamente dentro do homem. Para depois atingir o todo. A modificação externa, a alteração da sociedade, vem da transformação interior". O trecho do livro “Não Verás País Nenhum”, de Ignácio Brandão, mostra a situação radical pela qual passou o protagonista do romance. Diferentemente do que a obra narra, o medo não se restringe apenas a situações radicais: há pessoas que tiveram depressão porque mudaram de Estado, por exemplo. Uma situação simples como mudar de uma casa para outra pode mudar a vida de uma pessoa de forma que tanto pode ser benéfica como maléfica. E isso só depende de uma coisa: adaptação. A mudança mexe com vários aspectos da vida das pessoas, pois antes dela existia a rotina e, também, todo um planejamento. Logo de início, muitos têm dificuldade em se adaptar a essas novas experiências. Foi o que aconteceu com a paciente da psicóloga Conceição de Fátima: “Tenho medo de começar um relacionamento porque, querendo ou não, vou mudar o meu estilo de vida. É desconfortável”, conta Camila Eufrásio, 20 anos. O medo da mudança é caracterizado pelo desconhecido. A mutação em si é algo novo e essa novidade provoca certa ansiedade, que é natural quando está dentro daquilo que se aguarda – faz parte, pois gera alguma expectativa. Nesse cenário, o que leva um indivíduo a mudar pode ter naturezas bem distintas: uma doença, uma perda, um novo relacionamento, um novo trabalho, etc. “Os motivos que fazem uma pessoa sair da sua zona de conforto são diversos: de ordem emocional, de ordem afetiva, ou até mesmo da área de trabalho. Pode ser até o que a pessoa deseje, pois nunca refletiu no que poderia acontecer com ela”, diz a psicóloga

Patrícia Cruz. Quando temos medo, desenvolvemos muitas vezes o instinto de defesa. O medo pode ajudar de certa forma quem está mudando, mas, na situação cotidiana, a falta de conhecimento paralisa em si: sendo assim, o medo não ajuda, atrapalha. E, naturalmente, as situações de novidade acabam levantando dúvidas. As interrogações resistem e elas podem acabar prejudicando o indivíduo. Quais são as consequências disso? Positivas ou negativas? Camila, por exemplo, sente desconforto quando precisa mudar: “Você não sabe o que está te esperando, então você não gosta da sensação que a mudança traz”, conclui. Em geral, o indivíduo é muito precavido, logo ele tem medo de ousar. Isso acaba sendo prejudicial a partir do momento no qual a pessoa não consegue sair do ciclo onde ela se encontra. “Quando alguém começa a sentir que aquilo é prejudicial para ela, é que realmente precisa procurar um tratamento”, esclarece a estudante de psicologia Amanda Cavalcanti. Mudar não é fácil. Requer tempo e adaptação. Quando a gente quer mudar, tudo na gente muda. “O medo é muito grande, mesmo em uma situação que é preciso mudar; se eu conheço a circunstância em que me encontro, pode ser menos assustadora”, conta Patrícia.   Enquete: Você já deixou de mudar algo em sua vida por medo? Formas de tratamento para deixar o medo Entrevista com a psicóloga Bárbara Sales


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Todas as metamorfoses do humor por Raíssa Martins

Fotos: raíssa martins

Nos dias de hoje, existem várias doenças que, de maneira indireta, podem afetar o humor das pessoas. Algumas delas são consideradas pelos profissionais de saúde (se devidamente controladas e acompanhadas) como não muito graves, algo em nível passageiro. No entanto, a depressão, o transtorno bipolar e o de personalidade múltipla são as que se qualificam especialmente como “doenças de humor”. A Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata) divulga, em seu site, que cerca de 340 milhões de pessoas no mundo sofrem de algum tipo de transtorno afetivo. A Organização Mundial de Saúde (OMS), inclusive, classifica a depressão como a quinta maior questão de saúde pública a ser tratada até 2020. As causas exatas do desenvolvimento dos transtornos de humor não são totalmente conhecidas. Na maioria das vezes, o portador as desenvolve porque sofreu uma perda irreparável, não consegue se adaptar à realidade ou não consegue superar uma grande frustração e inúmeros problemas externos. Para alguns cientistas, as doenças da mente podem ser, também, um sinal de um desequilíbrio químico cerebral. Os sintomas são muitos, mas facilmente identificáveis. Entre os mais comuns da

ALCANCE Segundo a Abrata, 340 milhões de pessoas no mundo têm algum transtorno afetivo

depressão, por exemplo, estão a falta de ânimo, irritabilidade, desespero, falta de capacidade de sentir alegria, memória ruim e cansaço fácil. Além do fator biológico, um dos maiores desafios que cercam as doenças de humor é o convívio com elas, tanto para quem a porta quanto para quem cerca o portador. De acordo com a psicóloga Nina Paranhos, o paciente do transtorno bipolar acorda de mau humor e, antes do primeiro gole de café, ele já está experimentando um estado de euforia. Além da imprevisibilidade do humor ou da sua total previsibilidade, no caso exclusivo da depressão, a doença pode trazer ao

doente perdas irreversíveis, que se estendem para a vida profissional e para os estudos. A estudante Camila Souza, 18, já sofreu com a depressão. “Lembro que os sintomas começaram a surgir quando eu estava prestes a fazer 15 anos. Meu cotidiano era invadido por uma eterna sensação de incapacidade e infelicidade. Eu não tinha vontade de executar as atividades mais básicas do dia a dia, como comer. Só sentia um desejo incontrolável de ficar o dia inteiro na cama. Nada que os meus pais e amigos fizessem me deixava feliz”. Camila conta que a situação chegou ao limite quando sua aparência foi ficando muito

A HISTÓRIA da advogada Sarah Neuer, que se transformou numa compradora compulsiva depoimento sobre as doenças de humor, com a psicóloga Fabiana Nascimento

comprometida. “Perdi uns 16kg, cheguei a pesar 43kg. Estava esquelética, beirando a desnutrição. Foi aí que minha família resolveu intervir e me colocar em acompanhamento psiquiátrico e psicológico ao mesmo tempo. Ter amigos ao meu lado foi essencial para a minha recuperação”. Hoje, quatro anos depois de um tratamento intenso, Camila está se redescobrindo. Perto de completar 19 anos, a estudante faz planos para o futuro e comemora a saída de uma fase soturna da sua vida. “Eu quero ser arquiteta”, confessa. Além do acompanhamento clínico, ela se permitiu redescobrir as atividades ao ar livre. “Nos fins de semana, me perco por cachoeiras, praias e andanças de bicicleta em grupo. Essas atividades foram essenciais para a minha reintegração social e foi com elas que eu aprendi a viver bem e esperar o futuro com boas expectativas”. A psicóloga Fabiana Nascimento alerta que quanto mais cedo for iniciado o tratamento contra as doenças de humor, menos danos na vida do paciente ela deixará. “É crucial que a família ou amigos estejam atentos aos primeiros sinais das doenças, porque, quando elas são identificadas logo no início, fica mais difícil evoluir para estágios mais dramáticos”.

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por Lucila Bezerra

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A mudança começa pela cabeça Fotos: lucila bezerra

Dois tipos de fio em um só à espera da liberdade que lhe foi tirada pela padronização. Enquanto milhares de brasileiras buscam nos alisamentos (permanentes ou temporários) fazer parte de um grupo, um movimento que dá um basta à tal imposição ganha força. Contudo, a transição entre o alisado e o natural é um período de autodescoberta, no qual muitas descobrem o cabelo que jamais se permitiram ter. “Através do nosso cabelo tolhem nossa auto-estima, personalidade, sonhos e ideias, porque, quando alisamos, mostramos que somos submissas a um padrão estético, a uma ideologia branca que quer que todos sejam 'iguais”, afirma a pedagoga Rosinha Andrade, 26, que terminou o processo de transição nos seus fios há um ano. No entanto, não são apenas mulheres negras que sofrem preconceito pelo seu cabelo cacheado e crespo. A estudante de direito Isabela Pinheiro, 23, tem cabelos cacheados e é branca, mas mesmo assim se sentiu reprimida em relação ao cabelo. “Ao entrar na adolescência, vi que o cabelo da maioria das minhas amigas estava sempre escovado e eu ouvia críticas sobre o meu cabelo, por isso decidi alisar”, recorda. Além de continuar alisando os fios com chapinha até o final da jornada, muitas crespas e cacheadas vão aos salões de beleza a fim de realizar procedimentos sem química para tornar o período mais fácil e com um jeito mais afro. “Para passar por essa transição, muitas meninas decidem cortar toda a parte alisada (o chamado big chop), ou a disfarçam com tranças afro ou mega hair", explica a cabeleireira Aldicéia Mota, 64, especializada em cabelos afro e proprietária do Salão Afro Baloguns.

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TRANSIÇÃO Ao enfrentar o processo, a ideia é ficar livre de um padrão para os cabelos

Que o diga Rosinha Andrade: “Depois de um congresso do grupo de pesquisa sobre relações étnico-raciais que participo vi negras com turbantes e tranças e decidi mudar e fiz o big chop com o desejo de conhecer o meu cabelo ainda que vá contra a opinião até da minha família", lembra a pedagoga. A imposição social é a razão para o alisamento da maioria das pessoas que veem nos artistas o conceito de beleza ideal. “Me chamavam de Elba Ramalho e de outras cantoras com cabelo volumoso de um jeito maldoso. Isso me deixava muito mal, por isso decidi alisar na primeira oportunidade, para ser aceita”, confessa a estudante de logística Taynara Freitas, 21, que complementa: “Não aprendi a me achar bonita pelo que eu sou, mas pela opinião dos outros”. O que acontecia com Taynara há quase dez anos também ocorreu com a

estudante do Ensino Médio, Beatriz Dantas, 16. “Meus colegas riam do meu cabelo porque ele era volumoso e me chamavam de bruxa, então alisei para evitar esses constrangimentos”, diz a garota que está num processo de transição para voltar àqueles cabelos que hoje admira pelo que vê nas ruas e nos blogs de beleza. O que dificulta alguém iniciar o período de transição e se manter até o fim é esperar o cabelo crescer para ver como ele é. O que pode não parecer ter sentido, já que o cabelo é de quem o alisou, mas com o tempo se vão até as memórias de uma época sem horas na cadeira do cabeleireiro em processos de alisamento. “Eu já comecei várias vezes, mas quando vai crescendo eu me frustro e não quero ficar

com aquele cabelo feio que, ao mesmo tempo, não é nem cacheado nem liso”, comenta Taynara que está há um ano sem progressiva. Já Rosinha teve outros obstáculos: “A pior parte é esperar que ele cresça, porque ele demora mais a ficar do tamanho que você quer, já que o cabelo encolhe por causa dos cachos". Assim, ao enfrentar o processo de transição, a ideia passa a não ser de uma obrigação em deixar o cabelo natural, mas de se ver livre de um padrão. “Eu não acho que, por causa da ditadura do cabelo liso, todo mundo tem que ter cabelo natural”, comenta Aldicéia. “O mais importante é que cada um tenha liberdade de expressão para alisar, fazer tranças, black, usá-lo natural ou com megahair”, conclui.

Blogueiras e redes sociais contribuem para o retorno ao cachos Entrevista com Nathália Ferreira colaboradora da página Faça Amor, Não Faça Chapinha


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Foto: Marília melo

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Foto: instagram de anna melo

Foto: Marília melo

FORÇA Camila e Anna enfrentam a doença com o mesmo humor que os atores do HCP

Ânimo inabalável como remédio por Marília Melo

Tudo pode mudar a qualquer instante na vida de qualquer pessoa e, quando a mudança não acontece por vontade própria, a tendência é sentir medo. Toda mudança gera insegurança, porque se deixa a zona de conforto, mas, no caso de Camila Araújo, 27, e Anna Melo, 43, foi diferente: a descoberta do câncer tornou-se apenas mais um motivo para mostrar que o humor é um grande aliado, quando o assunto é mudar de vida inesperadamente. Apesar de, no geral, terem experiências distintas por conta da idade, as duas têm muitas coisas em comum. Quando descobriram o câncer, resolveram não “ficar por baixo” e tornaram-se sinônimo de alegria. Para Camila, recém-formada em publicidade pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), a má notícia foi impactante. Quando se tem toda uma vida planejada para um futuro bem próximo, algo como o câncer muda toda a rota. Mas, apesar de motivos para ficar depressiva, Camila surpreendeu seus amigos e familiares. “Quando descobri a doença estava em casa. Minha mãe ficou muito nervosa, começou a gritar e chorar. Esse foi o momento que soube”, relembra. Após o impacto, em vez de reclamar, preferiu tocar o barco para frente. Disse aos pais que tinha vontade de continuar com os planos para as festas de fim de ano e, a partir dessa atitude, todos se surpreenderam e, de certa forma, notaram a força que Camila transmitia. “Nossa filha enfrentou a doença com determinação e alegria. Passou por todas as etapas com a cabeça pra cima e isso nos deu forças”, afirma o pai, Sérgio Araújo. A jovem, que há três anos frequenta a Igreja Católica de Casa Forte, teve mais um motivo para se apegar à fé. “Nunca imaginei que algo de pior pudesse me acontecer nessa condição. Sempre tive pensamentos positivos, e acho que isso me ajudou bastante”, conta, orgulhosa. Além da fé, outro elemento contribuiu para a superação dessa etapa: os amigos. Camila é uma pessoa bastante sociável, muito engraçada, cuida bem do seu lado “criança” e, por isso, muitas pessoas têm carinho por ela. “Conheci Camila num curso de teatro. Ela sempre foi muito animada

e eu muito tímida. Acho legal o jeito com que ela conquista as amizades, por isso recebeu tanto apoio nessa fase difícil”, explica Lúcia Caricio. No caso da profissional de logística Anna Lúcia Melo, 43, a descoberta do câncer também não tirou sua alegria de viver. Apesar das sessões de quimioterapia debilitarem bastante o paciente e exigirem muito repouso, Ana procurou não deixar completamente de fazer o que gosta. Sempre que tinha condições ia trabalhar e fazia isso com muita vontade. Apontada por todos como boa profissional, mãe e esposa, ela não deixou de ser vaidosa. Mesmo com a queda dos cabelos, não deixou de se cuidar. Muito pelo contrário. Com o incentivo, principalmente de sua filha, Alexia, conseguiu manter a autoestima. Sempre bem arrumada, com lenços coloridos na cabeça e maquiada, Ana mostrou que a beleza deve ser vista de várias formas. E a principal delas é o sorriso. Animada, como sempre, Ana nunca desistiu de ser feliz e repetia claramente para si e para os outros uma frase quase que como um mantra, sorrindo: “Vou conseguir, sou mais forte do que a doença”. Sua alegria é algo bastante visível, inclusive através de fotos: Ana realizou um ensaio fotográfico, já com a cabeça raspada, mostrando que a sua beleza e o sorriso são invejáveis. Além de ser alto astral, adora cozinhar para a família. E o que mais lhe ajudou nesse processo foi que ela tentou permanecer com sua rotina, apesar das mudanças, algumas inevitáveis, como o afastamento do trabalho. Em muitas postagens de Alexia, direcionadas para a mãe, sempre houve palavras de incentivo e admiração. A mais recente foi sobre o dia da descoberta da doença. “Cerca de um ano atrás, passamos pelo pior momento de nossas vidas: a descoberta do câncer. Foram dias no hospital que pareciam não ter fim, exames dolorosos, tratamento cruel, noites sem dormir. Mas, apesar dessa grande prova, sempre seguimos com muita fé. Hoje, posso dizer que conheço a mulher mais forte do mundo, aquela que sempre me deu amor e nunca desistiu de nada por mim. O dia 17 de setembro, a partir de agora, tem um outro significado”, compartilhou Alexia, toda orgulhosa.

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Fotos: bartolomeu bittencourt

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A trajetória de artistas que transformaram o qu por Bartolomeu Bittencourt

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EXPRESSÃO Daaniel, Nathália, Raul, Lucas e Endi fazendo da arte sua guia

Eduardo Galeano escreveu certa vez: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”. Para muitos dos que vivem com arte, seja na música, literatura ou artes plásticas, este fazer e mudar é constante e importante para o crescimento. Decisões fortes para os que abdicaram de um emprego e salários fixos por uma busca de qualidade de vida na forma em que acreditam. Para o artista plástico e designer gráfico Daaniel Araujo, 29, o momento da mudança é um descobrimento. “Me considero um artista em formação. A escolha de viver de arte era um sonho antigo, pois sempre adorei pensar sobre arte e fazer arte, logo uma hora me percebi munido de capacidade de gerar trabalhos para atender às minhas próprias ideias”, afirma. Daaniel, que também trabalhou com música, juntou as experiências. “Comecei a trabalhar com artes gráficas quando comecei a me envolver com música. Antes, na escola, gostava de ficar desenhando no caderno. Mas foi quando montei minha primeira banda que comecei a pensar no visual”, recorda. O ambiente de trabalho requer do funcionário dedicação exclusiva naquele horário e obriga uma constante relação com os colegas e chefes. Uma rotina que afasta um pouco o artista da sua criação. O veterinário e artista plástico Raul Luna, 28, buscou folgas no emprego para poder trabalhar nos seus projetos. “Saía de casa às 7h da manhã, para ir ao interior e só voltar de noite para o Recife. Consegui liberar minhas quintas-feiras para poder passar o dia pintando e estudando”, destaca. “Essa flexibilidade que encontrei é importante para que eu possa desenvolver meu trabalho como artista”. A tranquilidade de ter um emprego fixo pode causar um desconforto no artista que anseia por mudanças. “É um sentimento complicado para mim, quando se fala em quesitos de trabalho. Trabalhei por muitos anos em empresas de design e publicidade. Em algum momento, a situação confortável da rotina me deixou muito inquieto”, afirma Daaniel. Para a publicitária de formação Nathalia Queiroz, que também por anos trabalhou em empresas da área, essa busca de externar os sentimentos tornou-se seu dia a dia. “Trabalho com ilustração, fotografia, design gráfico.


mudar

ue criavam em seu trabalho

São vários meios e começos que eu vou me inspirando e colocando para fora. Meus projetos vêm de mim, das coisas que vejo, das coisas que vivi. Eu tenho a necessidade de transformar essas coisas em arte”. NOVA ROTINA No campo dos músicos, a mudança também é complicada. Os horários do trabalho costumam ser o inverso do comercial, além do dinheiro que não é uma garantia. “No começo, é possível juntar as duas profissões, mas chega uma hora na qual se tem que decidir”, afirma Lucas Dombroysk, 25, que usa o nome artístico de Fro-u no seu projeto musical. “Trabalhava em banco e tinha a certeza do salário certo no fim do mês. Mas a qualidade de vida da forma em que acredito, encontrei na música”. Lucas também trabalha como produtor de eventos musicais. O salário parece não ser um incômodo para as novas experiências. “No começo, o que eu recebia com meus quadros era bem menos do que na agência. Precisei de um suporte familiar para poder me manter. Conversei com meus pais, expliquei a situação”, relembra Daaniel. “Mas com o tempo, as coisas começaram a surgir. Hoje, têm meses que consigo duplicar aquilo que ganhava dentro do escritório”, destaca. Para o músico Endi Amaral, 26, na mudança atual, o salário fica em segundo plano. “Hoje, recém-formado, o que ganho com música era o mesmo que recebia nos estágios que tive. Mas tenho a consciência de que dificilmente ganharei com música o que poderia ganhar crescendo no meu antigo trabalho”, compara. “Para mim, a liberdade está ligada à arte. Mudar pelo bem-estar do ser humano é o que importa”, afirma Daaniel, que idealizou uma exposição com outros artistas no seu ateliê em Olinda, durante a Mimo (Mostra Internacional de Música de Olinda), intitulada “Algo além de um Mimo”. Daaniel também já mostrou seus quadros na Casa do Cachorro Preto, além de ter feito exposições no Festival de Inverno de Garanhuns. E, durante o mês de setembro de 2014, seus quadros estiveram expostos no evento “Hiato Figurado”, no Parque Dona Lindu. NOVAS POSSIBILIDADES para os artistas com a internet

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Vindo ao mundo naturalmente por Pedro Souza

“A doula é responsável por promover massagens relaxantes na grávida e passar a segurança de um parto tranquilo”.

PARTO HUMANIZADO O ideal é respeitar a natureza fazendo a menor intervenção possível

De forma inesperada, o casal Aline Vieira e Luiz Bonner descobriu que um filho estava a caminho. A surpresa foi grande e o susto também. A chegada de Fabrício mudaria muita coisa, mas, antes disso, era preciso quebrar tabus familiares e pensar em como o pequeno viria ao mundo. A humanização do parto foi a primeira opção e, embora houvesse entraves familiares, o casal persistiu na ideia. Hoje, Fabrício tem sete meses e uma bela história para contar. Trazido ao mundo através de um parto humanizado

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Fotos: pedro souza

hospitalar: o garoto nasceu na maternidade Santa Lúcia, no bairro da Madalena. Após 12 horas de dor intensa, Aline deu a luz ao menino. “É um momento único que só a humanização nos proporciona. Na hora, nos sentimos mais fortes, mais mulher, mais animal. Poder participar ativamente da chegada do meu filho foi incrível”, lembra a mãe. O parto humanizado é uma prática milenar que perdeu a força com o avanço da medicina e volta ao centro de debates junto ao maior conhecimento das mães e pais contemporâneos. O ideal da temática é respeitar a natureza e a vontade da mulher, aceitando suas preferências e seu tempo, havendo o menor espaço de i nte rvenção possível. A a usência de anestesia e o acompanhamento de uma dou la são caracte rísticas das opções tomadas pela maioria dos casais que escolhem a human ização para traze r seus fi lhos ao mundo. A doula é uma profissional – geralmente mulher – que acompanha a gestante durante toda a gravidez e, no momento do parto, tem participação bastante importante em todo o processo. Doular é doar segurança, carinho e força tanto para a mãe, quanto para o pai. A doula é responsável por promover massagens relaxantes na grávida e passar a segurança de um parto tranquilo. A advogada Mariana Bahia fez um curso de

doula no ano de 2013 em São Paulo e, desde então, atua na área no Recife. Já atendeu a dezenas de grávidas e compartilha de várias histórias em que a humanização do parto foi respeitada, mas também de relatos em que as intervenções cesarianas aconteceram sem a real necessidade. “São vários os casos de mães que têm seu filho da maneira mais invasiva possível, via cesariana, sem motivo algum. O grande problema é a falta de informação e a crença absoluta no que os médicos dizem”, comenta. Outro ponto forte da prática humanizada é a ausência de anestesia, que representa uma semelhança ao passado e ao animal irracional. Sem ela, a mulher pode tornarse mais participativa em seu processo. Foi assim que aconteceu com Aline e seu companheiro, Luiz, que esteve presente, proporcionando força neste momento. “O momento da dor é muito singular, é a mulher com ela mesma e o apoio que o pai pode dar é algo para somar forças, não para dividir a dor”, enfatiza Luiz. Aos olhos dos defensores da humanização do parto, a prática da cesariana não é, somente, um grande mal. Muito pelo contrário. É um avanço da medicina, que surgiu para salvar a vida da mãe e do bebê em situação de risco.

A história do casal Carina Albuquerque e Tibério Azul


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Será que nada muda na política?

Foto: ticiana machado

dAtA popuLAR Apenas 8% dos brasileiros acham que eleitos farão as transformações necessárias

por Ticiana Machado Em setembro de 2014, o Data Popular e o Instituto Ideia Inteligência realizaram uma pesquisa com a missão de descobrir o pensamento do cidadão sobre a política brasileira. Cerca de 30 mil pessoas foram entrevistadas via telefone em 129 cidades. O resultado do levantamento deixou evidente a descrença do eleitor de todo o país. Três perguntas foram feitas: Se os candidatos eleitos farão as mudanças necessárias ao país; o que essa modificação significaria; e quais as áreas do Brasil que mais precisam dela. Apenas 8% dos entrevistados acreditam em que os designados promoverão as transformações necessárias. Na segunda questão, 63% dos eleitores afirmaram que se deve mudar o governante e a forma como se governa. A economia foi apontada como o setor mais preocupante por 41% dos questionados. Um governo voltado às causas sociais desejado pela população nas grandes manifestações de 2013 é quase impossível, de acordo com o jornalista político do

Diario de Pernambuco Josué Nogueira. “Há exceções, mas grande parte dos políticos priorizam interesses pessoais, familiares e partidários que costumam vir primeiro. A conquista do próximo mandato é sempre mais importante que qualquer causa social”, afirma. Para o deputado estadual reeleito pelo PSBPE Waldemar Borges, o distanciamento de alguns governantes não é suficiente. “Não é o afastamento de personagens individuais que vai resolver a política fechada sem a participação do povo e o controle social”, diz. Ele também afirma que não se deve alimentar expectativas de que a atividade política vai conseguir, por si só, superar todos os problemas do Brasil, pois o governo depende dos cidadãos. A reformulação de toda a estrutura do Estado brasileiro pode ser uma fórmula para o fracasso, como observa o cientista político Vitor Diniz. “O Brasil é uma democracia estável. É preciso definir quais pontos

devem ser reformados. Uma mudança geral dificultaria uma mobilização em torno de algum tema específico”, argumenta. Apesar de parecer uma novidade, a modificação na forma de governar é um desejo antigo dos que já passaram por diferentes momentos políticos e ainda esperam por mudanças. O aposentado Ricardo Breno, 80, se encaixa nessa situação. Ele afirma que houve avanços no Brasil, mas que o sistema ainda deixa espaço para diversos problemas. “A política brasileira é complicada, houve uma melhora nos últimos anos principalmente nos programas sociais voltados aos brasileiros mais necessitados, porém ela abre espaço para casos de corrupção, poder centralizado e ainda falta um diálogo mais próximo da população”. Dona Severina Cavalcanti, 82 anos, lembra o Golpe de 1964 e compara com a estrutura do regime atual. “A maior mudança por que já passei foi sem dúvida a

ditadura militar. Saímos dela com muita luta por parte do povo, que conquistou a democracia para o país. Por ser uma forma de governo ainda nova no Brasil, é de se esperarem aprimoramentos e alterações nos setores que realmente necessitam, como o da saúde e educação”. A lição, nessas poucas décadas de abertura do regime, segue: se há uma desconfiança entre os eleitores e políticos, faz-se necessário que os governantes tirem as propostas do papel e dialoguem com as pessoas. Assim se faz a democracia.

“Não é o afastamento de personagens individuais que vai resolver a política fechada sem a participação do povo e o controle social”.

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por Raíssa Castro

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Boa Viagem ao longo do século

O bairro de Boa Viagem ocupa um lugar especial no coração do recifense. O local era originalmente uma colônia de pescadores, frequentado apenas para estação de veraneio. Começou a ser povoado no século XVII. Em 1965, a orla de Boa Viagem era bem diferente: havia 200 casas e apenas três edifícios: o Holliday, o Acaiaca e o Califórnia. “Moro neste bairro desde 1965 e hoje não reconheço grande parte deste local. Sabe onde fica aquele hotel chique, o Recife Palace? Pois bem, em frente havia uma venda e, todos os dias, às 5h, eu e meus amigos tomávamos uma garrafa de pinga por lá”, comenta Emanuel Lopes, 86, comerciante. A Avenida Boa Viagem foi inaugurada no dia 20 de outubro de 1924. Em 2014, ela completou 90 anos, quase um século de história. “É uma pena não termos registros de quantos carros trafegavam pela via. Mas sabe de uma coisa? Deviam ser mais carroças do que carros a passar pela avenida”, diz, sorrindo, o historiador Carlos Alberto. Na época da inauguração, aconteceu uma grande festa com a presença do então governador de Pernambuco, Sérgio Teixeira Lins de Barros Loreto. “Eu tenho 94 anos, mas lembro bem de quando brincava de contar os carros que passavam. Foi o meu pai que me trouxe para conhecer a avenida. Naquela época, pensei que ela não tinha fim”, conta o aposentado Euclides Machado. Hoje, a Avenida Boa Viagem está muito diferente das lembranças dele: trafegam pela via cerca de 18 mil carros por dia. “Meu avô comprou uma casa de veraneio no ano de 1965. Todos os seus netos passavam as férias de janeiro naquela casa. Nossa, era uma diversão sem tamanho! Corríamos e brincávamos de bola na areia. Às vezes, me lembro desse tempo e fico com muitas saudades.”, comenta o professor de artes Antônio Marques, 75. No local onde era a casa de veraneio foi construído o Boa

Viagem Praia Hotel. Outras casas foram compradas e também destruídas para que o proprietário conseguisse espaço suficiente para seu empreendimento. “Eu sempre fui pescador desde os tempos do meu finado pai. Ele me levou para o mar quando eu tinha 5 anos e hoje tenho 85. Eu nunca fui mordido por tubarão e só vi dois deles na minha vida inteira. Não sei por que os bichos estão matando as pessoas agora”, comenta Luiz Severino. Segundo especialistas, os ataques de tubarão no litoral recifense são resultado do impacto ambiental provocado pela construção do Porto de Suape, que exigiu o aterramento de dois estuários onde os tubarões-touro procriavam. As mudanças ocorridas em Boa Viagem fizeram do bairro o mais rico da Zona Sul do Recife e um dos mais importantes da cidade, embora não seja o mais desenvolvido, por causa das favelas como a Entra-a-Pulso, Tancredo Neves e Bruno Veloso. Possui uma infraestrutura completa, com lojas, restaurantes, bares, hotéis, boates, escolas e edifícios, principalmente na Avenida Boa Viagem, o endereço residencial mais caro da cidade. Nove décadas depois, as mudanças transformaram Boa Viagem de um antigo bairro de veraneio e uma tranquila colônia de pescadores no local mais disputado não só por moradores e empresas do mercado imobiliário, como também por donos de empreendimentos de comércio e serviços. Imagens da Avenida Boa Viagem Entrevista sobre as mudanças no bairro Saiba mais sobre a feirinha à beira-mar

CORAÇÃO DA ZONA SUL Em 100 anos, o bairro foi de uma estação de veraneio à área mais agitada da cidade

Fotos: raíssa castro

Fotos: acervo iphan


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Foto: cristina maria

NECESSIDADE Bikes deixaram de ser equipamentos de lazer e passaram a transporte

Uma magrela me modificou por Cristina Maria

As bicicletas sempre foram sonho de consumo de grande parte da população. Quando criança, quem não desejou que o Papai Noel trouxesse uma “magrela” como presente de Natal? Contudo, as “bikes” mudaram bastante: deixaram de ser apenas equipamento de lazer e se transformaram em meio de transporte, instrumento de trabalho e opção de exercício físico. Um símbolo de mudança, para os que estão na busca de uma vida mais saudável. O técnico em informática Ricardo

do Rêgo Barros, 56, é exemplo de quem utilizou o equipamento para mudar a atitude. Passou a praticar ciclismo como atividade física, pois tinha sido diagnosticado pré-diabético e com colesterol alto. Das recomendações médicas, emagrecer era a principal. Por não ser adepto das academias, comprou a bicicleta, passou a pedalar nos fins de semana, perdeu peso e descobriu novo hábito. “Hoje participo de competições na categoria amadora. Junto com um grupo de

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amigos, pedalamos longas distâncias, nos finais de semana, saindo das fronteiras do Recife”, conta, feliz com a escolha, a mudança e, principalmente, a saúde. Também conhecidas como “camelos”, as bicicletas ganharam designs arrojados, passaram a ser fabricadas em diferentes materiais (titânio, fibra de carbono, alumínio e madeira), foi investido nos seus acessórios (segurança e decoração) e sua existência deixou, de fato, de ser relacionada ao “desejo de presente de Natal”. Hoje, são usadas para diversos fins: entregar jornais, alimentos, correspondências, entre várias outras encomendas. Ronaldo José de Souza, 21, trabalha como “carregador” de compras em frente a um mercadinho, no bairro do Cordeiro. “Comecei a carregar pacotes porque minha namorada ficou grávida, eu precisava ganhar dinheiro, não consegui trabalho, então comprei a bicicleta de segunda mão. Hoje, levo dinheiro para casa e, junto com o da minha mulher, que é vendedora, sustentamos a família”, relata. O modelo da bicicleta com a qual Ronaldo trabalha tem bagageiro dianteiro, específico para transporte de mercadorias. Segundo ele, recebe em média R$ 5 por entrega. Trabalhadores com poucos recursos financeiros também utilizam como locomoção até o local de trabalho. Contudo, as mudanças novamente apareceram e, atualmente, não apenas a população de classe baixa, mas a média também tem recorrido às bicicletas na busca de fugir do trânsito caótico das cidades, além de aproveitarem

a pedalada para entrar em forma, melhorando a saúde. Com a implantação das ciclofaixas e estações de bike,o número de ciclistas cresceu consideravelmente. Quem usa o transporte frequentemente fala da necessidade de melhorias. “As mudanças realizadas são boas no lazer, mas quem usa a bicicleta no dia a dia, como para trabalhar, é prejudicado. As ciclofaixas não são respeitadas pela maior parte dos motoristas, colocando em risco a vida do ciclista. Para melhorar, é necessária a criação de uma ciclovia. Porém, tornase quase impossível numa cidade já projetada”, observa o editor de imagens Diego Bertolini, 27. O rapaz descobriu o novo hábito de pedalada através de amigos. Ele saiu das quatro paredes da academia, comprou a bicicleta e há pouco mais de um ano explora as ruas do Recife em cima da sua “magrela”. O grupo pedala cerca de 40 km em aproximadamente 4h, duas vezes por semana. “A vida sobre duas rodas é fantástica. Você se sente livre e de bem com a vida. Sempre bate uma vontade de ir ainda mais longe”, destaca. Mudar é uma necessidade presente nos seres humanos. Buscar hábitos diferentes faz parte do processo de construção de personalidade e aprendizado. Às vezes, o uso de equipamentos e objetos, ou adaptação, modernização dos existentes, faz parte desse processo transformador. Dessa forma, aconteceu com as bicicletas e seus usuários. “As magrelas” mudaram visualmente, na utilidade e, atualmente, vêm “criando” pessoas mais ativas, saudáveis e menos estressadas.

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por Jéssica de Lima

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Kamila Bezerra é fisioterapeuta, tem 25 anos, e recentemente passou por uma mudança drástica. Depois de muito tempo como seguidora da religião católica, ela conheceu o islamismo e se converteu. Quando criança, Kamila frequentava uma igreja protestante por influência dos pais. Na adolescência, aproximou-se do catolicismo, no qual permaneceu até 2013, quando se tornou muçulmana. A conversão para o Islã é feita através de um ritual em que é recitada a sharada, testemunho individual pelo qual o fiel afirma que há um Deus único e que Muhammad é seu profeta, na presença de duas testemunhas muçulmanas. A partir daí, a pessoa pode ser considerada convertida ao Islã. Kamila conta que a transição foi mais tranquila do que ela imaginava e não houve atrito algum com sua família. “Alguns me chamaram de louca, disseram que minha mãe não deveria aceitar uma coisa dessas, outros fizeram piadas sobre as novas roupas, mas a maioria dos amigos e da família me aceitou bem e respeitou minha decisão”, conta. Para quem vê de fora, a vida e a rotina da fisioterapeuta mudaram completamente por conta da nova religião, mas ela afirma que tudo aconteceu de forma muito natural. Depois de ter-se tornado muçulmana, ela teve que passar a obedecer a algumas regras religiosas, como não ter contato físico com homens que não pertençam à sua família, não usar roupas que marquem o corpo e usar o hijab, lenço que cobre os cabelos. Apesar de ter-se adequado tranquilamente aos preceitos da religião, ela admite que, realmente, muita coisa mudou. “Minha vida mudou praticamente em tudo. Viver em shows, festas, beber e dançar não faz parte da escolha que fiz ao seguir o Islã”, conta, sem arrependimento. Depois que passou a seguir a doutrina islâmica, Kamila afirma que começou a ver a vida de outra forma. “Foi como descobrir que as pessoas não são apenas mais uma no

Foto: jéssica de lima

Transformada pela nova crença FÉ RENOVADA O Alcorão faz parte da leitura diária de Kamila

mundo”. Sobre a morte, ela ainda acredita que cada um colhe o que planta. “O Islã vê a morte como uma passagem. Se seguirmos os pilares da religião, se formos boas pessoas em nossas vidas terrenas, teremos uma vida boa no céu, porém, se fizermos o mal, praticarmos haram (pecado), iremos para um lugar ruim, para pagar pelos nossos mal feitos, assim como no cristianismo”, explica. Apesar da conversão, ela ainda tem contato com sua religião anterior, o catolicismo. Em datas como Natal e Páscoa ela participa dos rituais com a família, mas não há envolvimento espiritual com as comemorações. Ela conta que seus pais pedem que ela esteja presente e, no islamismo, os filhos devem sempre obedecer-lhes. Segundo o filósofo Harim Britto, a importância que a crença ocupa na vida da pessoa é definida por ela mesma. Ele explica que a religião pode influir nas suas expectativas diante da vida e das pessoas, nas aspirações pessoais, ou, levando para uma escala social maior, ter ou não uma crença e proferi-la publicamente pode ser uma espécie de salvoconduto ou carta de aceitação para o meio em que a pessoa se encontra. “Muitas pessoas, mesmo que não tenham a vida de um religioso praticante, mantêm o status, para não se verem apartados da sociedade onde convivem”, afirma. Para ele, mudar de religião significa uma mudança de perspectiva diante da vida, podendo indicar a transformação de alguns ideais e crenças. De maneira mais ampla, essa mudança pode resultar uma ressignificação de próprio mundo do indivíduo. Ter ou não uma crença não faz de ninguém mais ou menos especial, aos olhos da tradição filosófica, explica Harim. Como exemplo, ele cita que, na história da filosofia, grandes pensadores possuíam concepção religiosa, como, por exemplo, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e outros que se diziam sem religião como, por exemplo, Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre e Theodor Adorno.


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Padres que abandonaram o sacerdócio Entrevista com o padre e teólogo João Tavares, membro ativo do Movimento das Famílias dos Padres Casados.

Ao tomar a decisão de se tornar padre, um homem precisa estar à altura de certos requisitos. Ter mais de 25 anos, ser solteiro, precisa ter feito oito anos de seminário ou cursado teologia e, na maioria das vezes, também filosofia, e precisa ter sido ordenado diácono. Acima de tudo, é necessário que o homem tenha vocação. Porém, o que acontece quando, após enfrentar todos os passos e exercer o sacerdócio, o padre decidir que não quer mais ser padre? O que deve fazer caso decida abandonar o sacerdócio? Como se reajustar à sociedade? Segundo o padre Cosmo Francisco, pároco da Igreja Nossa Senhora da Paz, o desprendimento da Igreja muitas vezes é um processo lento e que envolve muita ponderação. “A maioria dos padres se prepara a vida inteira para o exercício do sacerdócio, por isso demora meses, até mesmo anos a tomar a decisão de ‘deixar de ser padre’ definitivamente”, explica. O padre que decide deixar de exercer o sacerdócio deve solicitar sua desvinculação no Tribunal Diocesano, com desdobramento em Roma. Em seguida, é obrigado pelo Vaticano a assinar uma carta de desligamento. A última etapa é o certificado de dispensa emitido pelo Papa, que permite que ele se case. Se quiser retornar a exercer a atividade, o padre terá de reiniciar o ministério, o que torna o processo de desligamento com a Igreja muito mais difícil e definitivo. Na maioria das vezes, o fator determinante para a saída do sacerdócio é o celibato. O Movimento das Famílias dos Padres Casados, que engaja os sacerdotes e suas famílias, existe desde 1986 e já tem mais de 5 mil membros no Brasil. Nele, são realizados encontros a cada dois anos, além de possuir um jornal próprio e discussões diárias sobre os mais diversos assuntos. O apoio mútuo é um dos fatores que ajuda os sacerdotes no processo de reintegração à sociedade. Além da mudança de rotina, quem deixa o trabalho de padre para seguir a voz do coração enfrenta a mudança de pensamento. Para o professor de teologia Ismael Sanches, durante o processo, houve várias reviravoltas. Após exercer a profissão em Portugal, seu país natal, ele deixou o sacerdócio, casou, teve uma filha e ficou viúvo. Passou, então, anos dedicando sua vida de novo à teologia de maneira acadêmica. Até que, aos 75 anos, conheceu uma brasileira, começaram a namorar e ele casou novamente. Apesar de todas as mudanças serem espontâneas, sempre fica a saudade. “Nunca me arrependi da minha decisão. Continuo, todavia, com muitas saudades das alegrias que o sacerdócio me trouxe”, conta Ismael. Mesmo não podendo mais ministrar missas ou casamentos, os padres nunca deixam a fé e o contato com a Igreja. Segundo Ismael, é impossível viver sem laços estreitos com Deus. “Hoje, apesar de encarar a Igreja com um sentido muito crítico, também tenho a veneração que lhe devo como mãe e mestra”.

Noemia Pereira fala mais sobre a sua história com Ismael

SACERDÓCIO Movimento das Famílias dos Padres Casados (à esq.) e Ismael, que casou novamente aos 75

RESULTADO da enquete: Você acha que padres deveriam poder casar?

Fotos: mariana azevedo

por Mariana Azevedo

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2 0 1 4 Foto: lucila bezerra

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Foto: patrĂ­cia gomes

Foto: raĂ­ssa martins

Foto: acervo pessoal danielle lins

Foto: bartolomeu bittencourt

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Foto: acervo pessoal aline vieira

Foto: jĂŠssica de lima


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