Boletim socialismo#2

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nesta edição

gonçalo pessa e cláudia campos Balanço do movimento estudantil recente e os desafios do Bloco para o sector

ricardo sá ferreira País Basco: e agora?

rita calvário

Balanço do trabalho ecologista do Bloco de Esquerda

carlos ermida santos

As dificuldades Socialistas atrás dos montes

tendência socialismo | boletim #1 | outubro 2013

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2 Balanço do movimento estudantil recente e os desafios do Bloco para o sector gonçalo pessa e cláudia campos A 20 de outubro de 2004 estudantes invadem pela segunda vez nesse ano o senado da Universidade de Coimbra para impedir a fixação das propinas, na altura no valor de 880€. Esse foi o último episódio de levantamento estudantil contra as propinas, e com o seu fim entrou também o movimento estudantil num prolongado refluxo. Se na segunda metade da década passada os temas quentes da agenda estudantil eram RJIES e Bolonha, hoje a austeridade, a príncipio com os PEC’s e depois com a Troika, degrada universidades e escolas e o seu corpo docente, desinveste no ensino básico, secundário e superior deixando escolas, universidades e estudantes no limiar da sobrevivência, corta e dificulta o acesso à acção social e atrofia a investigação científica, tornando-se este país num sítio onde viver é difícil e estudar é impossível. Vão-se tornando claras as consequências da guerra económica que o desenvolvimento deste novo estágio do capitalismo nos declarou, um terço dos jovens não tem nem dinheiro para estudar nem emprego onde o ganhe, o desemprego circunda os 18%, 42% naqueles com menos de 34 anos, o número dos que se refugiam no estrangeiro ultrapassa os valores dos da guerra e da miséria da década de 60. Apesar deste cenário de desastre social, e da forma como afeta os mais jovens e os que tentam estudar, é preciso recuar 3 anos para encontrarmos uma manifestação de estudantes que tenha posto milhares na rua. [2]

O facto de não termos vindo a conseguir capitalizar o acentuar das dificuldades nos meios estudantis em condições objectivas para a construção de um movimento estudantil contra a troika e contra a austeridade é um balanço crítico que não devemos deixar de fazer, ou corremos o risco de esquecer que a organização dos estudantes do Bloco não se esgota em si mesma, que tem o propósito de politizar e de capacitar os camaradas para influenciarem os espaços onde estudam, de organizar redes alargadas de intervenção nas escolas e faculdades, de ser um espaço de encontro e de discussão de vários activismos, e de provocar o levantar do movimento estudantil. O nosso insucesso em combater a subordinação da maioria das associações de estudantes à agenda governativa, a agenda da direita da elitização e mercantilização do ensino superior, da empresarialização das escolas, da privatização de tudo o que mexe e onde rendas possam ser extorquidas, é reflexo de um défice de organização e disputa política dos espaços das faculdades, com colectivos e ajuntamentos de esquerda, com disputas dos espaços democráticos. As relações de forças nas escolas e faculdades não devem ser olhadas a partir dum espetro partidário, o discurso do senso comum e o caciquismo das jotas da direita é eficaz no arrebanhamento mas não na politização das suas fileiras, e a criações de movimentações agregadoras e polarizadoras dos espaços é possível


através de causas concretas da vida dos estudantes, em torno do combate ao desinvestimento no ensino superior, do aumento das propinas e da anorexia da ação social, da reposição do passe escolar, da falta de perspetivas de emprego, mesmo nas faculdades mais conservadoras. A importância de Coimbra na definição do compasso do movimento estudantil é clara, nos períodos em que abandonou a “política de gabinete”, de 92 a 95, em 2003 e 2004 e novamente em 2009 e 2010, se bem que com menos intensidade, sentiu-se o pulsar dos estudantes e o ensino superior voltou a estar na ordem do dia. A universidade de Coimbra e a sua associação académica são, portanto, estratégicas para o levantamento estudantil, e o seu imobilismo é um dos responsáveis pela hibernação do movimento nos últimos anos. No entanto, a nossa capacidade de intervenção aí esvaziouse por completo, não houve capacidade de renovação, e os camaradas que ficaram não têm conseguido ir além de uma intervenção marginal. Também no ensino secundário as perspetivas não são muito animadoras. Os activistas estudantis que tivemos nos últimos anos nalgumas cidades do país foram prosseguindo estudos e a nossa capacidade de renovação neste ciclo de ensino não existiu. Em escolas secundárias de cidades como Lisboa, Porto, Covilhã, Pombal, Paredes, onde tivemos alguns camaradas envolvidos em associações de estudantes e colectivos, e onde se organizaram acções de protestos, perdemos a pequena implementação que tínhamos, e que não conseguimos ganhar entretanto em qualquer outra escola. A formação do setor estudantil do Bloco em 2010 criou um espaço onde camaradas discutem e se organizam em torno da intervenção estudantil que querem ter, um espaço de politização de estudantes, de discussão e de partilha de experiências de ativismos, de reflexão sobre a nossa intervenção na diferentes escolas e faculdades, não beliscando a autonomia de cada um nas suas associações e colectivos e recusando criar correias de transmissão. Apesar do adormecimento do movimento estudantil, a rotina de discussão de política estudantil que este setor criou permite-nos hoje ter uma reflexão construída, e faz-nos hoje, em particular em Lisboa, ter mais estudantes com mais intervenção nas suas

faculdades, como mais organização, envolvimento e liderança de coletivos, associações de estudantes e listas candidatas à sua direção. Falta-nos, no entanto, um grande trabalho de construção de redes pelo país, o trabalho efetivo do setor estudantil concentrase fundamentalmente em Lisboa e Porto e a espaços em Braga e Vila Real, levá-lo até Coimbra é um desafio estratégico com que nos temos de comprometer, assim como expandi-lo para sul e reganhar intervenção nas escolas secundárias. No entanto, actualmente existe no Bloco, como nunca, activistas com um papel de direção do movimento estudantil. Actualmente, o movimento estudantil está aprisionado à política da direita, por inoperancia política das direções estudantis, mais concretamente da maioria das grandes associações academicas. O numero de Associaçoes de Estudantes que se posicionam contra a austeridade é ainda insuficiente para provocar alterações no movimento estudantil, sendo a disputa directa das associaçoes de estudante fundamental para reverter a tendencia. No que toca àquelas associaçoes que mobilizam e se posicionam contra a destruição do ensino superior e contra a politica da troika, tem faltado capacidade de entusiasmar politicamente os estudantes, não quebrando assim a apatia gerada. Não é a consciência da destruição do ensino superior e da escola pública e a sua discussão com os nossos camaradas que faz de nós activistas estudantis, não é a nossa participação em manifestações de estudantes ao lados dos nossos camaradas que reforça o movimento estudantil, é nas faculdade, junto dos nossos colegas, que a luta política deve ser travada, que a disputa ideológica deve ser feita, é nas manifestações de estudantes com os nossos colegas, é nas disputas democráticas nos nossos locais de estudo, na conquista da representação dos estudantes e na direcção de movimentos agregadores de faculdades que poderemos voltar a colocar milhares de estudantes nas ruas, que conseguiremos travar a colecção de derrotas. Só se tornando cada militante estudante do Bloco num activista estudantil teremos capacidade de nos renovarmos, de chegarmos a mais pessoas, de sermos reconhecidos nas faculdades, de crescermos enquanto sector e de recuperar a atractividade da irreverência do Bloco como partido anti-sistema. tendência socialismo | boletim #1 | outubro 2013

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país basco: e agora? ricardo sá ferreira

As ligações políticas da esquerda com os nacionalismos independentistas são históricas, longas e densas mas no País Basco têm sido particularmente difíceis. Entre os vários partidos políticos que surgiram e foram sucessivamente ilegalizados pelo Estado Espanhol, a esquerda abertzal1 e tem percorrido um longo e turbulento caminho na luta pela autodeterminação popular. Ao contrário do processo de independência na Catalunha que é dirigido pela burguesia, no País Basco a esquerda abertzale é o motor do movimento popular. No Bloco de esquerda, estendemos a nossa solidariedade de forma tímida Mesmo que não concordássemos com a tática, parece que se criou duas categorias de relacionamento com os movimentos independentistas do Estado Espanhol: os bem-comportados em que se inclui o Bloco Nacionalista Galego (BNG) e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e os malcomportados, os Bascos. Contudo, desde a luta armada e as ligações à ETA até ao atual cenário político que está em construção, vão distâncias titânicas. A táctica da confrontação armada esgotou-se numa relação de forças desfavorável, tornando a estratégia política da criação de um Estado Basco uma miragem. Houve uma viragem desde a Declaração de Aiete de outubro de 2011, três dias depois a ETA anunciava um cessar-fogo definitivo e a esquerda abertzale reafirmava a centralidade de encontrar uma via política sem confrontação armada para o conflito Basco. Está tudo em aberto e só há uma certeza: nada será como dantes. Sortu: recuperar o instrumento político. Depois de dez anos ilegalização, com três direções política decapitadas, centenas de dirigentes presos e o seu mais carismático líder, Arnaldo Otegi, também preso, a esquerda abertzale recupera o seu instrumento político na utilização da legalidade burguesa para a

1 - Esquerda soberanista

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luta de classes, o Sortu. O resgate deste instrumento político não foi fácil já que durante 2 anos foi ilegalizado pelo Estado Espanhol por ser o sucessor do Batasuna. O Sortu surge do mesmo espaço sociopolítico que representava o Batasuna, mas com uma diferença importante: o Sortu rejeita explicitamente o uso da violência, incluindo o da ETA. Em Maio de 2013, na fundação do Sortu, o secretáriogeral encarcerado Arnaldo Otegi escrevia aos seus camaradas: “Estamos conscientes de que aqui e agora a nossa imensa tarefa histórica é de construir uma maioria popular para declarar um Estado Basco e construir um modelo social alternativo?”. Aqui está o Sortu. Esta mudança tática tem como eixo “convencer para vencer”, buscando maiorias sociais e alianças programáticas em trono da independência do País Basco. Não é só uma mudança tática, mas representa uma alteração radical da relação de forças, a esquerda abertzale passa da defesa ao ataque. A esquerda abertzale não nasceu para resistir nem sequer para responder. Nasceu para vencer. Processo de transição: da defesa ao ataque. A mudança da defesa para o ataque fez-se numa transição rápida antes da esquerda abertzale recuperar o seu instrumento político. Passaram da confrontação armada para a busca de uma solução política para o seu país em que dão destaque ao “dinamizar e desenvolver uma nova estratégia política para o País Basco, fruto de uma nova relação de forças”. Essa nova relação de forças foi forjada na rua com os movimentos sociais, em que as mobilizações populares demonstraram que existem condições objetivas para suster e aprofundar o processo de libertação nacional através da via política, e tornou-se uma oportunidade para reinventar a relação de forças.


Começaram com a construção de uma plataforma política soberanista à esquerda do Partido Nacional Basco (PNV), o EH Bildu que nas eleições regionais de 2011 se tornou um novo fator político não só no País Basco e em Navarra mas em todo o Estado Espanhol ao tornar-se a segunda força política, a 50 mil votos do PNV. Foi também assim com o Amaiur nas eleições para o Congresso de Deputados e para o Senado do Estado Espanhol sendo a segunda força política mais votada na Comunidade Autónoma Basca. Conseguiram configurar um bloco histórico no País Basco, dirigido pela esquerda abertzale, para levar a cabo o processo de libertação nacional através de vitórias eleitorais estrondosas com o EH Bildu e o Amaiur. Mas a intervenção política não se esgota nas instuições do Estado Espanhol já que foram fieis aos seus princípios estando ao lado e denunciando o julgamento político dos Herriko Taberna em que a alegação feita na Audiência Nacional é que estes herriko taberna seriam uma fonte de financiamento da ETA e de toda a atividade armada no País Basco. Sem quaisquer provas. Impulsionaram e dirigiram o maior movimento em prol dos direitos dos prisioneiros bascos, o Herrira, que mobilizou 100 mil pessoas. Madrid reagiu com uma operação policial para decapitar o Herrira fechando sedes e detendo ativistas. Seis dias depois das detenções, 65 mil pessoas saíam à rua em solidariedade com os presos. O movimento alargou e bateu-se contra uma decisão do Tribunal Superior do Estado Espanhol (197/2006) que prolongou a condenação a 90 presos bascos. Conseguiram levar a Doutrina Parot2 ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que lhes deu razão: a decisão do Tribunal Superior quebra todas as convenções Europeias de Direitos Humanos. Madrid voltou a recorrer e perdeu uma segunda vez. Madrid reage: tudo é ETA Desde a Declaração de Lizarra-Garaiz em 1998 e

perante as mobilizações populares em torno dos presos políticos, do herriko taberna e do herrira o Estado Espanhol fixou dois objetivos. Primeiro neutralizar a esquerda abertzale através da repressão policial e judicial ao afirmar que “tudo é ETA”. Segundo, elaborar uma estratégia que reconduzisse o Partido Nacionalista Basco (PNV) à posição de poder, de compromisso e de assimilação do Estado Espanhol, fazendo do PNV um partido meramente regionalista que pactua com o Estado Espanhol. Desde a mudança tática levado a cabo pela esquerda abertzale - a da via pacífica - o compromisso do Estado Espanhol tem sido o bloqueio de qualquer diálogo político. O que causa tanta irritação no espanholismo de Madrid é o sucesso político que a esquerda abertzale inspira, tanto a nível eleitoral nas plataformas políticas do EH Bildu e no Amaiur, como a nível judicial ao terem revertido a decisão de ilegalização do Sortu e por terem conseguido uma vitória a nível europeu ao derrotarem a Doctrina Parot no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de Estrasburgo. O espanholismo de Madrid despoleta uma estratégia de isolar a esquerda abertzale ao rotular que “tudo é ETA”. Nesta ficção, as “tabernas do povo” Herriko Taberna? Financiam a ETA. O movimento pelos direitos dos prisioneiros políticos bascos Herrira? É dirigido pela ETA. Os jornais Egin, Egunkaria, Apurtu e Ateak Ireki? São órgãos de propaganda da ETA. A organização juvenil Segi? É a ETA dos pequenos. Para Madrid tudo é ETA. Mas a questão que nos cabe é a seguinte: e que achamos nós? Em que lado nos colocamos? País Basco, e agora? Só falta mesmo a nossa solidariedade porque nada será como dantes.

2 - A Doutrina Parto é a controvérsia decisão 197/2006 em que uma pena é aplicada pela individualidade de cada infração em determimento da pena máxima exigida por lei. Este precedente abriu-se no julgamento do Henri Parot que atualmente está a servir 4800 anos de prisão. A Doutrina Parot foi condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como sendo ilegal.

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Balanço do trabalho ecologista do Bloco de Esquerda rita calvário Desde a sua fundação que todas as cores do arco-íris fazem parte da batalha política e social do Bloco de Esquerda. Nunca fomos um “partido-movimento” que nasceu do movimento dos e das trabalhadoras e apenas para os e as trabalhadoras. Nascemos com a clareza que o nosso centro de luta é a hegemonia do capital e em tempos de globalização neoliberal armada. Nunca nos esquecemos que o capital tem a sua ganância na exploração do trabalho, como também nunca nos esquecemos que o capital entra em todas as esferas das nossas vidas. Exploração, opressão e expoliação é um trinómio que se reforça mutuamente, sem campo para artificialismos entre lutas prioritária e secundárias. É nas lutas concretas de cada momento que disputamos a correlação de forças, e é nos diferentes espaços que o capital une que procuramos acumular forças, sem exceções. Daqui entra a ecologia no nosso campo de luta, por inerência. Sem que seja mais uma parte numa soma de partes, mas uma parte que se entrelaça com outras para estruturar um todo tornado coerente pela mão do capital. Lutar contra o todo isolando ou ignorando as suas partes é perder força e entrar em contradições. E pretender que uma parte prejudica a outra é entrar no jogo perigoso do capital que divide para reinar. Fizemos eco do grito do movimento alter-globalização contra a crescente privatização, mercadorização e financiarização dos bens comuns, a expansão da extração dos recursos e sujeição dos ritmos biofísicos ao ritmo do capital em nome da sua reprodução ampliada. Fizemos eco do grito das vítimas da sua agressão, dos e das expoliadas. Porque o regime neoliberal também é tudo isto. Nunca olhámos para a natureza como algo imaculado ausente de pessoas que é preciso preservar contra as pessoas. É na relação entre natureza-social que nos posicionamos contra o capital. Porque a nossa crítica é também uma crítica

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ao projeto modernizador do capital, apesar do caminho percorrido para construir uma outra modernidade ser ainda muito curto. Não basta tirar o capital da equação, é preciso transformá-la no seu conjunto. Com estes pontos de partida, a incipiência de um movimento social ecologista marcou em parte a falta de consolidação da nossa intervenção para dentro e para fora. Sem maturidade social na discussão e nas lutas, e quase sem tradição nas esquerdas, a custo integramos esta dimensão nas nossas reflexões, diagnósticos, propostas e ações de luta. Mas fizemo-lo porque vimos a importância de o fazer, ainda que a sua entrada nas nossas mentes, discursos e propostas seja ainda superficial. Entre tomá-la como transversal porque faz parte de “da luta toda” ou como setorial para não se diluir no todo, o equilíbrio é instável quando não ausente. Se havia muito espaço para crescer também havia muito que fazer e hoje tem de se reconhecer que pouco se avançou para construir na sociedade um discurso ecológico anti-capitalista e polos estruturados de resistência e alternativa. Igualmente dentro do Bloco temos pouca maturidade no debate e diria uma frágil (se não inexistente) identidade ecologista. É certo que sempre nos batemos contra a injustiça ambiental nos locais onde se manifesta, sem dizer que aqui não mas ali pode ser. É certo que sempre defendemos o acesso universal aos bens ambientais e uma perspectiva de serviço público que integra critérios socioecológicos e não de rentabilidade. Com o trabalho autárquico e local soubemos estar do lado das populações e defender alternativas. Com o trabalho parlamentar reforçamos este esforço, dando voz ao local e enfrentando o centro das decisões. E da análise do ambiente como uma nova área de expansão do capital identificámos nós górdios e construímos alternativas concretas. Em 2007 a dimensão ecológica foi assumida na Convenção Nacional do Bloco. Não sem incompreensões.


Havia muito por fazer, para dentro e para fora. Fizemos campanhas nacionais e locais, debates e formações, materiais de propaganda. Tocámos muitos temas e apoiámos muitos movimentos específicos contra a privatização e destruição ambiental, nacionais ou locais. Criámos uma coordenadora nacional para aprofundar o debate e as ações. De tudo isto muito se construiu, avançaram-se passos, saímos para a rua com a ecologia na lapela, juntámos gente. Enfrentámos o poder perante uma quase ausência de vozes incómodas. Mas esse muito é uma gota de água hoje difícil de discernir.

Se hoje o centro de ataque do capital é a austeridade e a dívida, e com a debilidade social a nível do discurso e ação ecologista, esta é uma dimensão quase ausente na nossa intervenção. E esta ausência enfraquece-nos porque não nos permite ver o todo que hoje estrutura a acumulação capitalista nem discutir alternativas além do quadro que nos oferece o capital. Não nos permite ver que o capital busca novos espaços de acumulação, nos quais a “economia verde” oferece um grande potencial. A crise cria condições que facilitam a expoliação ambiental, nem que seja usando o argumento de que cria empregos.

cretas à austeridade, porque não nos propomos nesse trabalho e em conjunto a imaginar e construir outro mundo possível? Pelo menos a reiventar a nossa própria linguagem? Ou resta-nos um silêncio incómodo quando o crescimento, seja ele qual for, animar um trimestre ou outro? Ou quando o capital nacional se internacionaliza ou aumenta as exportações? Ou quando se anunciam a (re)abertura de minas por todo o lado a favor dizem eles do emprego? Perante o ataque feroz do capital sobre a vida das pessoas, o desafio é imenso. E para construir esse desafio precisamos de criar discursos e espaços para romper o isolamento, o medo, a frustração. De ter outra linguagem. De alimentar a esperança e a vontade de resistir e construir algo novo. De ramificar a política na sociedade para construir a contra-hegemonia ao capital. É hora de voltar a olhar para as partes como partes que estruturam um todo. Certamente, a ecologia faz parte desse todo que deve contaminar o nosso pensamento e proposta política.

Se não temos mais para oferecer que a simples defesa da exploração do trabalho, então temos uma alternativa social no mínimo coxa. E faz falta documentar, informar, denunciar as portas abertas pela crise à expoliação. Mesmo que esta não seja evidente, já que a especulação financeira e classe rentista nem sempre precisa de extrair o minério, produzir a energia ou lavrar as terras para obter rentabilidade. Também aqui há um novo ciclo que se abre. E se para construir o enfrentamento social precisamos de desconstruir o discurso da inevitabilidade, da flexibilidade, da necessidade e apresentar alternativas con-

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As dificuldades Socialistas atrás dos montes carlos ermida santos

É certo que as dificuldades da região transmontana vêm de trás, agravadas pela crescente disparidade entre a qualidade de vida no litoral e no interior do país, motivo que levou simultaneamente ao êxodo para o litoral e emigração em elevados números. Com um nível tão elevado de saídas das regiões interiores, deparamonos com um verdadeiro Interioricídio, com populações cada vez mais isoladas e em menor número. Assim, torna-se difícil encontrar uma forma de chegar a todas as pessoas, e devido a uma implementação políticoconservadora com raízes católicas muito fortes e em união com os partidos políticos de direita, bem como um nível ainda relevante de iliteracia, é ainda mais difícil conseguir que essas pessoas acedam a programas políticos que não os do PSD, CDS e PS. O carácter agropecuário da região, confrontado com a política de destruição do cooperativismo nos governos de Cavaco Silva, sofreu uma derrotada pesada quer na sua existência quer no próprio poder negocial com a União Europeia. Com efeito, as cooperativas perderam atividade em grande número, apesar de alguns exemplos de boas práticas e crescimento subsistirem como a Adega Cooperativa de Favaios e a Adega Cooperativa de Murça. Actualmente, o novo programa de desenvolvimento rural da Política Agrícola Comum (PAC) para 2014-2020, prevê novos cortes nos subsídios atribuídos, que vem penalizar ainda mais produções agrícolas que passam dificuldades. Os casos mais conhecidos são certamente os da AVIDOURO (Associação dos Vitivinicultores Independentes do Douro) e da própria Casa do Douro, sendo nesta matéria o IVDP (Instituto dos Vinhos e do Porto) um constante entrave ao desenvolvimento no que toca as produções de Vinho e um constante lobby dos interesses privados instalados no Porto, como as grandes empresas de caves de vinho, em detrimento dos pequenos produtores do Douro. Mas também os produtores mais pequenos e não associados tem vindo a

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sentir um forte peso da redução dos apoios comunitários e do estado, nomeadamente os Cunicultores, Apicultores e os produtores de leite. No entanto, a região é um importante exportador de alguns produtos como a Castanha, os Cogumelos e Morangos, sendo um factor de peso a ter em conta na balança de exportações do país. Outro factor importante é a existência de muitos baldios, resultantes quer da saída populacional quer do próprio envelhecimento da população residente, incapaz de trabalhar grandes terrenos devido à idade avançada. Neste sentido torna-se difícil o cadastramento de terrenos, devido à dificuldade de chegar ao contacto com os proprietários ou seus descendentes emigrados e a própria desconfiança da população devido à forte existência de crimes de burla. É no entanto imperativo a criação de um Banco de Terras Público, de modo a poder explorar estes terrenos e empregar jovens. A juntar a esta destruição do sector produtivo, veio uma forte aposta no sector dos serviços, tornando algumas cidades, como Vila Real e Chaves, dependentes destes no que toca ao emprego. O facto da direita ter governado quase todos os locais de Trás-os-Montes desde o 25 de Abril de ’74, com muitos sobreviventes do regime fascista ainda a proliferarem, levou igualmente à instauração de um clima de cunhas e intimidação. É importante atentar ao facto de a Igreja Católica ter um papel importante na ligação aos partidos de direita, algo facilmente observável pelo assassinato do Padre Max, e ao facto de nas eucaristias e missas em altura de eleições, bem como na imprensa local escrita controlada por padres, se apelar ao voto em partidos de direita, provocando pavor à esquerda referindo de forma extrema e folclórica a expropriação de terrenos durante o PREC. Esta convergência de factores político-religiosos culminou já por diversas vezes em ameaças aos camaradas


durante distribuições de propaganda e é algo difícil de contornar quando os camaradas são pouco (mais uma vez: a saída do interior auxilia também neste factor). Também é assim facilmente constatável o papel difícil do sindicalismo, nomeadamente no sector das Câmaras, onde existem muitos funcionários intimidados por um clima persecutório. Em Vila Real, após as últimas eleições e em que o poder passou do PSD para o PS pela primeira vez, foram passados panfletos e informação partidária do PSD nós órgãos camarários, tais como sondagens, panfletos e comunicados no próprio site da CM, e após as eleições foram levados dossiers e computadores da Câmara sem explicações. No sector privado, o pequeno comércio foi afetado fortemente pela vinda das grandes superfícies, em primeiro dos hipermercados e em segundo dos centros comerciais, levando ao fecho de muitas lojas nos centros históricos e a uma forte precarização laboral mediante o trabalho no grande comércio. Destacam-se também o encerramento de pequenas companhias de teatro e de cinemas, face ao aparecimento dos cinemas comerciais. Apesar disto, foi construído no âmbito do programa POLIS o novo teatro municipal de Vila Real, se bem que não é permitido a todas as companhias de teatro actuar neste.

não há gente para circular nestas, quer pelas novas portagens serem caras, quer pelo próprio despovoamento existente. Destaque-se também a paragem do Túnel do Marão, que apesar de desnecessário, indo já a meio da obra, não se justifica a sua suspensão, deixando no desemprego cerca de 1400 trabalhadores. Neste âmbito, é bastante difícil chegar às pessoas: o espaço geográfico é muito amplo (o distrito tem 3 vezes a área do de Lisboa) e os povoamentos muito dispersos e de difícil acesso, dado que muitos situam-se em zonas rurais. Atente-se também, que com a Reforma das Freguesias, Vila Real passa a deter somente uma freguesia urbana e 19 freguesias rurais. O próprio carácter conservador e de desconfiança com a esquerda, alimentado pela comunicação social e iliteracia, levam a uma difícil consciencialização das pessoas para os seus problemas advirem de políticas de direita. A população vê-se também esquecida pelos políticos actuais e com as características diferenciadoras que a crise tem em Trás-os-Montes, é necessário ser bastante mais proactivo no plano nacional para com esta Região, algo que pode ser impulsionado pela Regionalização e a justa redistribuição de apoios comunitários.

Por fim, no panorama energético-ambiental constatamos uma forte aposta no betão e a um estranho encanto dos transmontanos com este quer pelo pavoneamento (ter o viaduto rodoviário mais alto da europa) quer pelas falsas promessas de emprego, feitas aquando da construção de muitas barragens. O viaduto construído pela obra da autoestrada transmontana destruiu um vale importante e as barragens destruíram importantes ferrovias nomeadamente as do Tua e Tâmega, adicionando-se a estas o encerramento da linha do Corgo. Tal provoca um paradoxo: fecharam-se os transportes mais acessíveis em troca de mais autoestradas e no entanto

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