Notícias da UFPR

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www.feiradecursos.ufpr.br Edição Especial - Jornalismo Científico Agosto de 2010

Notícias da

O MUNDO DA PESQUISA

PERTINHO DE VOCÊ

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GENÉTICA Respire fundo! O amor está no ar!

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LUTERIA

O amor , o pas sado, o a nano s vírus tecnolo minùsc gia, a á ambiem ulos, g ua, o m te, ufa eio ...Na U virar c F P onhecim R tudo ento. A pode ceita o desafio ?

A arte e a técnica de fabricar instrumentos musicais

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LIVROS-REPORTAGEM Assassinatos, pé na estrada, torcidas organizadas e outras histórias reais


Editorial

Apresentação

A difusão do conhecimento tornou-se uma das facetas mais relevantes do trabalho de produção científica. As instituições voltadas para a pesquisa, sobretudo as financiadas com recursos públicos, têm, hoje, não apenas o desafio de produzir conhecimento, mas também de comunicá-lo, de prestar contar e de disseminar ciência. O jornalismo científico é uma das facetas deste trabalho de disseminação. Esta edição do Notícias da UFPR, voltada para a juventude pré-universitária, pretende contribuir na divulgação da pesquisa realizada na UFPR, mas há dois outros fatores que são fundamentais também. Por um lado, mostrar aos jovens que a UFPR não é apenas um conjunto de cursos, mas também uma instituição voltada para a produção do conhecimento. Assim, os alunos terão formação profissional na mais antiga universidade do Brasil, mas também entrarão em contato com a produção do conhecimento em diversas áreas, podendo participar deste processo e até mesmo iniciar aqui carreiras bem-sucedidas como pesquisadores. Por outro lado, esta edição é fruto da parceria da Assessoria de Comunicação Social com o curso de Jornalismo da UFPR. Os textos, produzidos e editados pelos alunos do curso, sob supervisão de docentes da área, são parte fundamental de seu processo formativo. É uma forma de mostrar os talentos da UFPR. E eles não são poucos. Além disso, estamos levando a ciência às pessoas ao mesmo tempo em que apoiamos a formação de profissionais que tenham competência e interesse na área de jornalismo científico.

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Parceria pela ciência

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Pesquisa,

uma ideia para seu futuro Myrian Del Vecchio de Lima, Jornalista e professora do Curso de Comunicação Social da UFPR

Olá vocês, Esta é uma edição especial do Jornal da UFPR. Eu diria, muito especial. Ela foi elaborada, com cuidado, por dez estudantes de Jornalismo da universidade, que produziram matérias sobre resultados ou temáticas de pesquisa que povoam os laboratórios, corredores e salas de aula da instituição. Os meninos e meninas do jornalismo produziram estes textos pensando em vocês, outros milhares de meninos e meninas, que neste momento se preparam para tentar uma vaga na UFPR. E mais do que isto: ainda se perguntam sobre a escolha de uma profissão que seja mais do que que uma forma de garantir economicamente o futuro, mas que se transforme em um modo de viver a vida pessoalmente gratificante e útil para a sociedade e o planeta. Mesmo sem poder abarcar todas as áreas do conhecimento de nossa universidade, tentamos aqui, com este recorte de temáticas (genética, biologia celular, luteria, saúde e ambiente, engenharia elétrica, arquitetura, nanotecnologia, ecotecnologia, arqueologia, jornalismo e línguas), mostrar as possibilidades da pesquisa. Ou seja: a idéia não é enaltecer esta ou aquela área, mas sim acentuar o mundo de caminhos e alternativas em pesquisa científica que o ingresso na universidade oferece ainda mesmo na graduação, por meio das práticas de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso e interação professor-pesquisador/aluno; e no seguir adiante da pós-graduação, em torno dos mestrados e doutorados. Também faz parte desta edição especial, a consciência da necessidade permanente de divulgar ciência e conhecimento, disseminando seus resultados e construções para que atinja pessoas de todas as idades e profissões, de forma a permitir novos olhares sobre o mundo e seus fenômenos. Esta é uma missão fundamental do Jornalismo Científico, que pauta esta edição. O jornal também resume o resultado de um exercício didático-pedagógico, realizado, em parte, durante a disciplina optativa de “Jornalismo Especializado”, do curso de Jornalismo, durante o primeiro semestre de 2010; e em outra parte, durante as experiências de alunos de jornalismo em práticas e estágios profissionais diversos. A gente espera que vocês gostem das matérias e, sobretudo, que elas lhes inspirem, ainda com mais força e dedicação, no objetivo de adentrar na Universidade Federal do Paraná. Aqui, onde além das salas de aula, existe um mundo de possibilidades de construção do conhecimento, por meio da pesquisa em Ciência.

Zaki Akel

Reitor da UFPR

O jornal Notícias da UFPR é uma publicação da Assessoria de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná. Rua Dr. Faivre, 405 - CEP: 80060-140 Fones: 41 3360-5007 e 41 3360-5008 Fax: 41 3360-5087 E-mail: acs@ufpr.br

Reitor Zaki Akel Sobrinho | Vice-Reitor Rogério Mulinari | Pró-Reitor de Administração Paulo Roberto Rocha Kruger | Pró-Reitora de Extensão e Cultura Elenice Mara de Matos Novak | Pró-Reitora de Gestão de Pessoas Larissa Martins Born | Pró-Reitora de Graduação Maria Amélia Sabbag Zainko Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento e Finanças Lúcia Regina Assumpção Montanhini | Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Sérgio Scheer Pró-Reitora de Assuntos Estudantis Rita de Cássia Lopes | Chefe de Gabinete Ana Lúcia Jansen de Mello Santana. Assessor de Comunicação Social e Jornalista Responsável Mário Messagi Júnior - Reg. Prof.: 2963 | Edição geral Myrian Regina Del Vecchio de Lima Projeto Gráfico e Diagramação Juliana Karpinski| Capa Bernardo Staut e Juliana Karpinski (Einstein em Pop Art) | Revisão Ciro Campos Impressão Imprensa Universitária - Rua Bom Jesus, 650 | Tiragem 20 mil exemplares

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Genética

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O

Amorestá no ar

As regras do amor são mais complexas do que imaginamos: as diferenças genéticas percebidas pelo olfato podem influenciar na escolha de parceiros sexuais pois quanto maior a variabilidade genética, maior a defesa do organismo e a chance de perpetuação da espécie”.

Luan Galani

luangalani@gmail.com

Os diferentes se atraem Como em uma conhecida lei da física moderna – lembra-se da Lei de Coulomb? –, os diferentes de fato se atraem na genética humana, e o olfato desempenha um papel central no processo. Uma das hipóteses levantadas seria a de que moléculas do MHC parcialmente degradadas e presentes nos fluidos corporais volatizariam, como se fossem perfumes, e seriam captadas por receptores olfativos. De acordo com os pesquisadores, o odor corporal seria uma das referências para identificar possíveis parceiros geneticamente distintos, à semelhança de feromônios (substâncias químicas que permitem que dois seres da mesma espécie se reconheçam e tenham relações).

Derpunk/ Flickr

Se naquela balada do final de semana você levou um fora e não sabe o porquê, não se preocupe. A explicação pode estar nos seus genes. Mais precisamente na região cromossômica responsável pelo sistema imunológico. Isso pode parecer muito estranho aos nossos ouvidos, mas, de acordo com evidências científicas, essa região cromossômica, aparentemente inocente, pode exercer um papel decisivo na escolha de um parceiro. As pessoas, inconscientemente, tendem a escolher, pelo olfato, parceiros com constituição genética da região do DNA que controla o sistema imunológico bastante diferente da sua. Essa foi a conclusão de uma pesquisa do Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade do Departamento de Genética da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apresentada no Congresso da Sociedade Européia de Genética Humana, em Viena, Áustria. “O sistema imune é uma ferramenta biológica que evolutivamente foi moldada para a defesa do organismo contra a invasão de agentes estranhos, como vírus e bactérias”, conta a geneticista Maria da Graça Bicalho, coordenadora do estudo. Até hoje a ciência não tem conhecimento de uma região tão diversificada do genoma humano quanto a do MHC – Complexo Principal de Histocompatibilidade, na sigla em inglês. “Essa variabilidade influencia uma maior resistência imunológica”, aponta Bicalho. “O que é vantajoso para a espécie humana,

De acordo com a geneticista da UFPR, este odor corporal é extremamente sutil e característico do MHC. “Os seres humanos o percebem por meio de um ‘nariz primitivo’ ligado ao sistema límbico (região cerebral responsável pelo processamento das emoções)”. A pesquisa analisou o MHC de 90 casais casados e cruzou os dados aleatoriamente, formando 152 casais virtuais. De acordo com João Carlos Magalhães, biólogo do Departamento de Genética, os indivíduos dos casais reais têm grande diferença no Complexo, além do que era esperado. “Eles tiveram uma diferença de até 3,6 %, que, embora pareça pequena, evolutivamente é bastante significativa”. O próximo passo da equipe é investigar a morfologia facial como um outro sinal possivelmente associado ao MHC e investigar a influência de pistas visuais na escolha do parceiro

com MHC diferente. Camisetas suadas: termômetro da atração

Os pesquisadores lembram do primeiro estudo do gênero, feito em 1995, na Universidade de Berna, Suíça, pelo biólogo Claus Wedekind. Camisetas de algodão foram dadas para universitários do sexo masculino usarem por duas noites seguidas, na hora de dormir. Durante o período, eles se abstiveram de fumo, sexo, desodorante e alguns alimentos. Depois do segundo dia, as camisas foram postas em caixas e um grupo de estudantes do sexo feminino foi convidado a, literalmente, cheirar as camisetas e avaliar os odores. Surpreendentemente, as mulheres preferiram odores de homens com MHCs diferentes dos delas. Até hoje, esse famoso experimento é conhecido como “the sweaty T-Shirt study” (estudo da camiseta suada). Embora não conclusivo, o resultado da pesquisa suíça foi, ao menos, provocativo. “Repetimos esse experimento em 2005 na UFPR”, conta Bicalho. Mas, em vez de camisetas, usamos colares com sachês de algodão. “Com o teste do cheiro, chegamos a conclusões muito semelhantes às dos pesquisadores suíços”, explica a cientista. A geneticista da UFPR reconhece que os mecanismos de atração em humanos não podem ser reduzidos a padrões genéticos. Diferente de outros seres, temos uma série de fatores culturais e psicológicos que influenciam nossas escolhas. Mas os componentes biológicos de uma escolha não podem ser ignorados. Se pudessem, Darwin, onde quer que esteja, estaria muito decepcionado. Afinal, como Bicalho lembra, somos parte do reino animal. 3


Dar vida à madeira para fazer música O primeiro curso de luteria da América Latina ensina o delicado ofício de construir instrumentos como violinos, violoncelos e contrabaixos. Mas também ensina a confecção dos populares violões, bandolins, cavaquinhos e violas caipiras Henrique Kugler

henrique.kugler@gmail.com

Uma arte que também é ciência. Assim é a luteria, ofício que dá vida à madeira bruta e faz dela instrumentos de corda, como violinos, violas e violoncelos, contrabaixos, violões e alaúdes. Por trás do encanto das melodias esconde-se um sofisticado trabalho braçal, baseado em técnicas construtivas de tradição secular. Há tempos esse saber é transmitido de mestre para discípulo. Agora o aprendizado está disponível em salas de aula, pois a UFPR fundou recentemente o primeiro curso superior do gênero na América Latina. “Em todo o mundo, há poucos cursos de luteria”, diz Le4

andro Mombach, mestre lutier e mentor da nova graduação. No âmbito do ensino superior, há cursos apenas na Alemanha, Estados Unidos e Itália. As demais iniciativas vêm de pequenas escolas, que atendem um número limitado de alunos. No Brasil, a formação em luteria é ofertada no Conservatório Dramático Musical Dr. Carlos de Campos, em Tatuí (SP), e no ateliê do lutier Túlio Lima, em Petrópolis (RJ). “Mas são cursos com uma série de limitações”, diz Mombach. O curso da UFPR é direcionado para a confecção de instrumentos de corda tanto para orquestra (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos) quanto para a execução de música popular brasileira (violão,

bandolim, cavaquinho e viola caipira, entre outros) – o que o torna um dos cursos mais completos do gênero. A formação do lutier é profundamente interdisciplinar. “Para se tornar um profissional, é necessário aprender desde botânica e química até desenho e técnicas de restauração museológica”, afirma Mombach. “Além de muita teoria musical, é claro!” Dando vida à madeira O primeiro passo na construção de um bom instrumento é selecionar a matéria-prima. “É preciso escolher a madeira certa, com configuração celular especial”, revela Mombach. A luteria trabalha com árvores

de regiões frias, em especial do hemisfério norte. Lá, como o inverno é longo, a madeira cresce mais devagar, apresentando anéis de crescimento bem condensados. “O parênquima [tecido relacionado com armazenamento e distribuição de substâncias nutritivas] fica mais denso. A madeira, mais dura, e também mais sonora.” Há outro segredo ainda: a árvore deve ser cortada no inverno. E em seções radiais – isto é, todos os cortes devem passar pelo cerne do tronco, o que garante maior estabilidade à madeira. Outra regra de ouro da luteria é que cada instrumento deve ser construído com madeira da mesma árvore. As melhores madeiras vêm

Leandro Mombach

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tas como goivas, plainas, formões e serras específicas para a atividade, forjadas à mão, são caras e disponíveis em poucas lojas do mundo. A harmonia da natureza Há séculos se discute qual é o segredo de um instrumento perfeito. Mitos já foram criados e lendas ainda perduram. Mombach explica que o mistério está nos números. “A harmonia de um instrumento resulta das proporções entre seus elementos formais.” Um dos segredos é o uso da progressão áurea, baseada em um número extraído da sequência de Fibonacci. Trata-se de uma constante real algébrica irracional expressa pela letra grega φ (fi), com valor aproximado de 1,618. Não é um número mágico. É apenas um valor que os matemáticos observam nos variados detalhes da natureza: a geometria do casco de um caracol; a angulação do crescimento de folhas ao redor de um galho; a própria razão entre as medidas dos membros de um ser humano. Em todos os casos se aplica a razão 1.618, que já era conhecida dos sábios antigos. Para exemplificar uma aplicação desse número, Mombach cita as falanges dos dedos. “Se você medir sua falange maior e dividir por 1,618, terá o tamanho de sua falange média. Se fizer o mesmo com a falange média, terá o tamanho da falange menor.” Leonardo Fibonacci (11701250), matemático italiano, viajou para o oriente e de lá trouxe o conhecimento acerca de tais proporções, muito usado ao longo da história da arte. “Bom exemplo disso é a arquitetura do Parthenon, baseada em retângulos que respeitam a proporção ensinada por Fibonacci”, conta Mombach. “As pinturas renascentistas também consideravam tais relações.” Na luteria não foi diferente. Ao construir um violino ou outro instrumento, a razão entre suas medidas deve respeitar as mesmas regras. “Elas aproximam o instrumento das leis da natureza.”

A história da arte do lutier Leandro Mombach

dos bordos (como Acer platanoides) e pinhos (como Picea abies), originários de países setentrionais. Mombach lembra que, ao beneficiarmos 1 metro cúbico de madeira para produzir móveis, o valor agregado ao produto é de cerca de R$ 20 mil. Mas beneficiando o mesmo volume de madeira para a construção de instrumentos musicais, esse valor pode ultrapassar R$ 200 mil. Escolhida a boa matéria-prima, a etapa seguinte é trabalhar no projeto acústico do instrumento. É quando se definem detalhes como desenho, volume de ar na caixa e espessura dos tampos. “Quanto menor a massa do instrumento, mais sensível à vibração da corda ele será”, explica Mombach. “Isso significa que ele responderá mais prontamente aos comandos do músico, com mais brilho e volume.” O passo seguinte é a preparação artesanal dos vernizes. São receitas tradicionais e cada lutier desenvolve a sua. “Fazemos vernizes que duram séculos, e para cada região do mundo há um tipo específico, que varia segundo o clima local.” Além do verniz, o lutier aplica substâncias mineralizantes que atuam nos poros da madeira, cristalizando e criando pontes entre as moléculas para preencher espaços vazios. “Assim fortalecemos o instrumento.” Esses processos químicos já eram pesquisados na Roma Antiga, para fabricar armas como balestras, catapultas e aríetes. Mombach conta que, como era preciso estocar as armas e mantê-las em bom estado, a ciência bélica da época desenvolveu esses métodos de preservação – que os lutiers da tradição italiana passaram a usar em seus instrumentos. Após os processos químicos, o instrumento finalmente é montado em uma delicada marcenaria. A finalização de um violino pode exigir até seis meses de trabalho. E os custos são altos. “Um ateliê completo de luteria pode ser três vezes mais caro que um consultório odontológico de última geração”, diz Mombach. Ferramen-

A origem da luteria se perde na aurora dos tempos. Instrumentos de cordas existem há pelo menos quatro mil anos, mas no Ocidente tudo começou com o alaúde. O instrumento chegou na Europa lá pelos idos do século IX, trazido pelos mouros com o nome de oud; em pouco tempo ficou conhecido como lut (na França) e liuto (na Itália). Daí a origem do termo liuteria, ou simplesmente luteria. Embora o nome remeta apenas ao alaúde, a técnica se refere à construção de instrumentos de corda em geral. Com o surgimento das grandes orquestras e amplas salas de concerto, o velho oud, com seu som tímido, imortalizou-se em passado. Os instrumentos de arco, de sonoridade imponente e projeção mais vibrante, roubaram a cena. No século XVI, a luteria viveu anos de ouro, com auge na Renascença e no Barroco. “São do período os primeiros violinos produzidos no formato semelhante ao conhecido hoje”, diz Mombach. Na Itália essa tradição construtiva teve seus maiores mestres. As cidades de Verona, Brescia e Cremona se consagraram como os primeiros grandes centros de luteria. De lá são os notáveis lutiers que fizeram história, como Andrea Amati (1505-1578), Mathias Albani (1621-1673), Antonio Stradivari (1648-1737), Giuseppe Guarnieri (1698-1744). “Esse grupo levou a luteria a um ponto que jamais foi superado”, afirma Mombach, discípulo da tradição italiana. Muitas técnicas utilizadas por esses mestres se perderam no tempo. Mas algumas escolas preservam parte desse saber – decisivo nos bastidores da história da música. Ainda hoje a profissão é um tanto desconhecida. “Mas quem ouve boa música”, garante Mombach, “ouve o resultado do bom trabalho de um lutier”.

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Biologia celular

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Água e alimentos

A análise das células de peixes e outros organismos aquáticos e revelam efeitos de poluentes de diversas origens - a con Guilherme de Souza

guilhermesouza89@gmail.com

O almoço está servido. À mesa, um filé de peixe à milanesa, acompanhado por batata-palha e folhas de alface, tudo temperado com azeite, sal, toxinas, metais e organoclorados. Alheios aos riscos deste tempero inusitado, os que se encontram à mesa se deliciam com o alimento contaminado e colocam a própria saúde em risco. A cena, embora hipotética, tem grandes chances de ser verdadeira: águas de lagos e reservatórios por todo o país encontram-se potencialmente contaminadas por substâncias nocivas à saúde. Os riscos que essa situação traz é tema de diversas pesquisas realizadas pelos integrantes do Laboratório de Toxicologia Celular da UFPR. Criado em 1997, pelos professores Ciro Oliveira Ribeiro e Marco Ferreira Randi, o laboratório reúne estudantes de graduação e pós-graduação. Ali, eles avaliam os efeitos de poluentes em organismos aquáticos e, indiretamente, em seres humanos. ”No começo, trabalhávamos apenas com metais tóxicos, como mercúrio, chumbo e estanho; com o tempo passamos a estudar outros contaminantes, como os organoclorados e os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos”, explica Ribeiro. “Ao observar os efeitos em alguns animais aquáticos, é possível avaliar os danos sobre o equilíbrio do ambiente (ecossistemas) e, em alguns casos, sobre as pessoas que têm contato direto ou indireto com a água.” Em princípio, qualquer substância pode contaminar ou intoxicar uma pessoa: se estiverem em concentrações mais altas do

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que o normal, mesmo elementos essenciais ao organismo, como o cobre e o zinco, podem alterar algumas funções biológicas. Resíduos industriais, além de expor os seres vivos a substâncias tóxicas, podem interferir no equilíbrio ambiental. Um fenômeno comum, é a eutrofização de águas (aumento na quantidade de nutrientes). Com alimento de sobra, certos tipos de bactérias — as cianobatérias — começam a se reproduzir de forma descontrolada e a prejudicar outros organismos. A isso, dá-se o nome de “floração de bactérias”. É o que ocorre nos casos de maré vermelha: cianobactérias avermelhadas que, por causa da riqueza dos nutrientes na água, se reproduzem em um ritmo anormal e mudam a coloração do líquido. O fenômeno acontece por diversas razões, dentre elas o despejo de lixo urbano e industrial. As toxinas liberadas por essas algas são altamente nocivas para organismos aquáticos e seres humanos, além de prejudicar o equilíbrio do ecossistema local. Toxinas nas águas As florações deste tipo de bactérias podem ser especialmente perigosas quando ocorrem em águas de reservatório ou de lagos com população ao redor. “A situação já é ruim pelo lado ambiental. Quando afeta diretamente as pessoas, é ainda pior”, ressalta o biólogo Rodrigo Silva, doutorando em Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que faz experimentos no Laboratório de Toxicologia da UFPR. Sua pesquisa envolve os efeitos causados por cianotoxinas (substâncias nocivas produzidas pelas cianobactérias) em

peixes e, por aplicação, em seres humanos. “Além dos danos propriamente ditos, investigamos se as toxinas ficam acumuladas no organismo mesmo quando ele não está mais exposto”, aponta.

A pesquisa verificou que os animais aquáticos testados permaneceram com as toxinas no organismo mesmo após vinte dias do contato com elas Até o momento, a pesquisa verificou que os animais aquáticos testados permaneceram com as toxinas no organismo mesmo após vinte dias do contato com elas. Há vários tipos de cianotoxinas: hepatotoxinas (atacam o fígado); neurotoxinas (prejudicam o sistema nervoso); dermatotoxinas (causam dano à pele); e as citotóxicas, que podem danificar qualquer tipo de célula do organismo. As concentrações e a forma como o organismo entra em contato com as toxinas – inalação, ingestão, contato físico – também interferem nos efeitos produzidos. (ver Box) Quando há excesso de cianobactérias no ambiente, existem duas alternativas: aguardar o restabelecimento do equilíbrio, o que pode levar meses, se a causa for climática ou devido a resíduos urbanos e industriais; ou eliminar as cianobactérias e

tratar quimicamente as toxinas. A segunda alternativa, embora pareça simples, traz sérias dificuldades. “Primeiro, se as bactérias forem eliminadas sem cuidado, suas células se rompem e liberam mais toxinas”, alerta o biólogo. “Além disso, o tratamento químico pode tornar as toxinas ainda mais nocivas.” O método mais comum é a adição de cloro, que quebra as partículas das cianotoxinas e pode potencializar seus efeitos negativos. Está em estudo o uso de semente de moranga em pó para neutralizar essas substâncias. Fígado, órgão purificador Nos seres humanos e em outros animais vertebrados, o fígado é o órgão responsável por metabolizar substâncias estranhas ao organismo e torná-las menos nocivas, eliminando-as. “Uma das maneiras de avaliar a qualidade da água de um reservatório”, explica a estudante de graduação em Biologia, Paola Nagamastu, “é analisar as células do fígado dos organismos que nela vivem”. Para isso, é escolhida determinada espécie de peixe. Após a coleta em diversos pontos dos reservatórios, os animais são levados ao laboratório para análise das células do fígado, avaliando-se se há alterações causadas pelas cianotoxinas ou outros poluentes. Outra linha de pesquisa desenvolvida no Laboratório é a de avaliar quais poluentes causam determinados danos. “Nesse caso, além de elaborar uma técnica de análise padrão, é preciso avaliar isoladamente a ação de cada substância”, detalha a mestranda em Biologia, Daniele Dietrich. As respostas do organismo variam, da mor-


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s comprometidos

encontradas nos reservatórios de água que abastecem as cidades ntaminação leva perigo ao ambiente e à saúde das pessoas continuam no ambiente mesmo quando param de ser emitidas, o que as torna ainda mais potencialmente nocivas. “O caso do benzo-pireno é muito complicado porque ele se torna mais tóxico depois que é metabolizado pelo fígado”, alerta Heloísa. O DDT, apesar dos riscos à saúde, é uma das poucas substâncias eficazes no combate ao mosquito transmissor da malária. O tributil-estanho não é tão nocivo para seres humanos, mas pode prejudicar o comportamento reprodutivo de outros animais. Por permanecerem no ambiente, algumas dessas substâncias são chamadas de POPs:poluentes-organo-persistentes’. Um mundo a ser estudado Para a maioria das pessoas, as análises feitas no Laboratório parecem simples, um trabalho que pode ser concluído em poucas semanas. Na verdade, há tantas variáveis envolvidas – os testes

A Síndrome de Caruaru Em 1996, na cidade de Caruaru (PE), 60 pacientes de uma clínica de hemodiálise morreram e dezenas ficaram doentes devido às cianotoxinas. De acordo com as investigações realizadas, a água usada para consumo e nos aparelhos de hemodiálise estava contaminada. O episódio, conhecido na imprensa como Síndrome de Caruaru, levou o Governo Federal a trocar os equipamentos e enrijecer os padrões de tratamento de água no país. “A Síndrome de Caruaru é um episódio conhecido, mas há muitos outros casos de contaminação sendo avaliados hoje”, aponta Rodrigo Silva.

com as substâncias, a coleta de animais e a descoberta de resultados estatisticamente relevantes – que garantem aos pesquisadores meses de tarefas e desafios. “Os trabalhos são longos, desde a coleta de animais até o preparo das células”, detalha o estudante de Biologia Dandie Bozza, aluno de iniciação científica, que participa há seis meses das pesquisas. “As coletas de material podem levar um dia inteiro. Além

disso, é preciso superar dificuldades de acesso, impostas pela distância e pelos terrenos dos reservatórios”, relata. No momento, estão em análise amostras de água coletadas nos reservatórios do Passaúna e do Iraí, região metropolitana de Curitiba, que abastecem a população.

Arquivo

te de células à manifestação de câncer, danos neurológicos ou no sistema imunológico. Análises de hormônios no sangue revelam a presença de poluentes desreguladores e como o organismo reage à sua ação. Além de interferir nos organismos, os poluentes interagem quimicamente entre si e podem, por essa razão, produzir efeitos diferentes. “Depois de testar os poluentes separadamente, faço análises dos efeitos que eles causam quando misturados”, explica a doutoranda em Biologia Celular, Heloísa de Oliveira, que atua no Laboratório há dois anos. Heloísa enumera pelo menos três poluentes especialmente danosos: o DDT (inseticida proibido no Brasil); o tributil-estanho (usado antigamente no revestimento de navios); e o benzo-pireno (produto da queima incompleta da matéria orgânica). Algumas dessas substâncias, já estudadas há décadas,

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Arquiterura Sustentável

“Prédio Verde”

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o s s i é O que

Nos últimos anos, estamos reaprendendo a comer, vestir, transportar, consumir e morar, para encontrar um padrão de vida mais sustentável. Até os edifícios públicos começam a se adequar, com a arquitetura projetando “prédios verdes”, conceito que vai muito além da cor das árvores. lucileopoldino@yahoo.com.br

A partir deste ano, pode-se dizer que preocupação em ser “verde” também está presente na Universidade Federal do Paraná. Ela é o primeiro órgão público do Sul do País a unir tecnologia, pesquisa e sustentabilidade em um único ambiente com a certificação Leadership in Energy and Environmental Design (Leed), concedido pelo Green Building Council Brasil. Um prédio com este selo começou a ser erguido no campus Politécnico. Embora no Brasil existam vários edifícios lançados com o rótulo de sustentáveis, este será o terceiro do país com a certificação oficial. A construção vai abrigar os laboratórios integrados de

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genética humana e biologia molecular – o Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade (Ligh) e de Citogenética Humana e Oncogenética –, além de um memorial dedicado ao geneticista e ex-professor da universidade Newton Freire Maia. O espaço também vai se transformar em um palco de teatro giratório, onde duzentas pessoas poderão assistir a apresentações artísticas. Mas não é só pela versatilidade que essa edificação chama a atenção. A construção da obra envolve conceitos de arquitetura sustentável e de paisagismo, com destaque para a preservação da mata ciliar ao redor do terreno. Em outras palavras, o prédio será integrado ao ambiente, e não o contrário. Também haverá aproveitamento dos recursos na-

turais disponíveis, como o uso da água das chuvas e a separação de resíduos orgânicos. Projeto de muitas mãos O arquiteto responsável pelo prédio do Ligh, José Sanchotene, conta que a planta final foi estruturada após um ano de muito estudo e acertos com toda a equipe. “O projeto do prédio verde é uma integração entre escritórios de arquitetura”, explica. Dos 3.500 m² de terreno, o laboratório vai utilizar apenas 1.200 m². O espaço restante será ocupado por estacionamento e vegetação local. O prédio se adaptará ao relevo e será voltado para o eixo norte-sul da cidade, permitindo conforto térmico e aproveitamento da iluminação natural.

“A projeção do edifício não terá a movimentação de toneladas de terras que as construções normais costumam realizar. Os ambientes aproveitarão a luz natural e os espaços serão otimizados através de divisórias removíveis para melhor aproveitamento”, esclarece o consultor da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura, divisão Paraná, Frank Siciliano. A obra se baseia em cinco estratégias. A primeira foi o emprego de um programa computacional que integrou o projeto arquitetônico, a topografia do terreno e o paisagismo. A segunda, quando a construção estiver pronta, será a utilização diferenciada da água. A ideia é que esta não chegue até a rede de captação sem ter sido aproveitada de alguma forma. Se-

Fotos: Divulgação

Luciane Cordeiro


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também foi pensada. Diferente do que acontece na maioria dos prédios da UFPR, que é antiga, deficientes físicos terão acesso facilitado no “prédio verde”. Dois em um: arquitetura sustentável e genética

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O QUE É UM PRÉDIO VERDE

Um prédio que leva o meio ambiente em consideração no seu processo de concepção, projeto, construção e operação. Algumas das características mais comuns: uso racional da água, eficiência energética, emprego de materiais e recursos menos agressivos ao meio, escolha adequada do local, redução dos impactos no entorno e a qualidade ambiental interna.

O Ligh abrigará o Centro de Referência e Atendimento ao Doador Voluntário de Medula Óssea, referência em pesquisas genéticas no Brasil. “Quando a possibilidade de construir um novo laboratório surgiu, comecei a pesquisar projetos que se adaptassem ao conceito de sustentabilidade e inovação tecnológica e permitissem a expansão de uma forma de edificação nova”, conta, animada, a diretora do Ligh, Maria da Graça Bicalho. Após muita conversa entre

universidade, arquitetos e diretoria optou-se pelo edifício verde. As primeiras reuniões começaram em 2007, quando o projeto foi esboçado. Apesar dos longos meses de planejamento, a obra só será entregue em 2012, no centenário da Universidade. Sua realização tem apoio financeiro do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Por enquanto, a UFPR não planeja construir outro prédio com a mesma estrutura, porque o dinheiro para o financiamento não supre a realização de outras obras. “O financiamento ainda é um limitador na elaboração de obras como essa, mas estamos adequando os novos prédios aos conceitos de arquitetura sustentável”, afirma o pró-reitor de Administração da UFPR, Paulo Kruger.

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - gundo o cálculo dos arquitetos responsáveis, apenas 38% dos fluidos pluviais devem cair direto no esgoto. Os outros 62% serão direcionados para uso nos vasos sanitários. “O jardim vai favorecer a infiltração da água e deixá-la mais limpa e pura”, conta Siciliano. Além disso, com o uso de dispositivos hidráulicos mais econômicos, o consumo de água tratada cairá em 30%, contabilizando uma economia de 12 milhões de litros, isto é, 55 mil reais por ano. “Também está previsto que a irrigação dos jardins seja feita a partir do tratamento dos efluentes sanitários o que gera mais economia e preservação ambiental”, explica o arquiteto. A terceira etapa diz respeito ao consumo energético. A inovação começará nas paredes, que serão removíveis conforme as necessidades. As divisórias também terão isolamento térmico. O ecotelhado é outra característica marcante no projeto, de forma a reduzir infiltrações e garantir o isolamento térmico do prédio. A refrigeração dos ambientes funcionará conforme o uso. Por exemplo, quando uma das janelas for aberta, o sistema

de ar condicionado da sala será desligado automaticamente, assim como o compressor responsável pelo gasto de energia. A fonte solar também atuará no pré-aquecimento da água. Com o uso de luz natural e artificial, o prédio vai economizar 25% da energia elétrica total, uma economia de 100 mil reais por ano. O bem-estar das pessoas foi um quesito priorizado no projeto. Estudos indicam que passamos 90% de nosso tempo em locais fechados, onde a qualidade do ar pode ser de 10 a 50 vezes mais poluído do que o externo. Poluentes internos vão de toxinas (como o amianto) a formaldeídos, encontrados em materiais de construção e causadores de alergias, além de fungos e bactérias. A agência ambiental americana EPA (Environmental Protection Agency) os chama de uma ‘sopa química’. “Nos laboratórios, a filtragem do ar vai diminuir a disseminação de agentes infecto-contagiosos beneficiando a saúde dos funcionários”, afirma Sanchotene. Por fim, a quinta estratégia sustentável incorporada foi o uso de ecomateriais, produzidos próximos à construção, valorizando e incentivando a mão-de-obra local. Aliás, a questão social

José Sanchotene, dedicação aosprojetos “verdes”.

ARQUITETOS SUSTENTÁVEIS NO MUNDO

Desde meados do século passado, a Arquitetura tem incorporado diversos conceitos sustentáveis em projetos e produtos. Novas edificações são concebidas para impactar o mínimo possível o meio à sua volta, consumindo menos recursos naturais durante sua vida útil. Ken Yeang e Bill Dunster são dois exemplos atuais de profissionais que conciliam o belo, o útil e o natural. Yeang nasceu na Malásia em 1948 e além de arquiteto é ecologista. Seus projetos são marcados por instalações ecológicas e bioclimáticas há 40 anos, e sua característica marcante é a construção de arranha-céus e ecoprédios. Dunster desenhou, no Reino Unido, um modelo de condomínio líder em sustentabilidade urbana, a partir do projeto BedZED, Beddington Zero Energy Development (Empreendimento de Energia Zero), que beneficia mais de 200 pessoas. A fama ganhou o mundo e o projeto do arquiteto já pode ser visto em países como Portugal, França e China. Os moradores também são incentivados a deixar o carro em casa e utilizar a bicicleta como meio de transporte.

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Saúde e Meio ambiente

Agosto

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Aquecimento fa avançar no Sul

A epidemia é termômetro da situação social do paí região Sul não existe a doença, não passa de Luan Galani

luangalani@gmail.com

O papel principal nessa história é de uma ilustre conhecida: a dengue. Que ela assola nosso país tropical há algum tempo, isso já se sabe. Que devemos colocar areia em vasos de planta e evitar acumular água parada, entre outras medidas preventivas, também já sabemos. Mas se temos conhecimento disso tudo, por que existem mais de 400 mil casos registrados no Brasil só nesse ano e porque se observa um aumento de mais de 300% nos registros da doença no Paraná? A resposta para tal dúvida reside na ciência e está relacionada ao famoso aquecimento global e à desigualdade social. A verdadeira história da carochinha de que o Sul do Brasil é imune à dengue está caindo por terra com um trabalho que investiga a dispersão da doença na região. Segundo a pesquisa, o aquecimento gradual da área

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onde se encontram os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul têm garantido condições climáticas propícias para que os mosquitos transmissores da dengue se reproduzam também nessa parte do país. Cerca de mais de 5% de todos os casos de dengue no Brasil estão situados no Sul. “A dengue não é uma doença desta ou daquela região. Para existir, depende do clima tropical-subtropical”, afirma o geógrafo Francisco de Assis Mendonça, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do estudo. Segundo Mendonça, existe uma forte relação entre o aumento do número de casos de dengue e o aquecimento da região. Análises de dados climáticos de mais de 200 estações meteorológicas do Paraná revelaram que, de 1970 para cá, a temperatura do estado aumentou aproximadamente 1,5ºC. “Pode parecer pouco para leigos, mas esse aumento

pode causar mudanças drásticas no ambiente”, alerta o professor da UFPR. “Da região Sul inteira, o Paraná é o mais quente, o que contribui para a reprodução do mosquito transmissor da doença”. Dengue:

termômetro

dos

aspectos socioeconômicos

Trata-se de uma doença para a qual não existe controle clínico por meio de vacinas ou medicamentos específicos, portanto, as medidas preventivas e de controle são baseadas no conhecimento do meio ambiente e do modo de vida das populações humanas. Em 1999, o biólogo inglês Paul Reiter liderou um estudo sobre a dengue na fronteira dos Estados Unidos com o México. Separadas pelo rio Grande, as cidades de Laredo, no Texas, e de Nuevo Laredo, no México, tinham as mesmas condições necessárias ao desenvolvimento da doença. Mas esta só se desenvolveu em Nuevo Lare-

do. Enquanto os texanos viviam em ambientes climatizados e usavam carros com ar-condicionado – mantendo-se distantes do mosquito da dengue –, o povo de Nuevo Laredo ficava à mercê das picadas do inseto. As condições de vida das pessoas fazem toda a diferença. Os mosquitos contaminados transmitem a doença às vítimas de sua picada, sem fazer distinção de etnia, credo ou posição social. Mas na prática as classes mais baixas são as mais atingidas. “Não há como controlar o vetor [o mosquito transmissor] sem investir na melhoria da qualidade de vida das pessoas”, diz o geógrafo. Para combater de fato o mosquito, portanto, além de simplesmente injetar milhões no setor de saúde e em campanhas publicitárias (só neste ano foram investidos R$ 40 milhões), faz-se necessário um maciço investimento governamental em saneamento básico. Para Mendonça, o estudo de Reiter sobre


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Bruno Bangioni Neto

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az dengue do Brasil

ís. E mais: a história de que na “versão da carochinha”.

Da região Sul inteira, o Paraná é o mais quente, o que contribui para a reprodução do mosquito transmissor da doença” Francisco Assis de Mendonça Geográfo

a incidência da dengue na fronteira dos Estados Unidos com o México exemplifica o ‘sucesso’ do mosquito entre os mais pobres. Segundo a Organização Mundial da Saúde, são contabilizados 50 milhões de casos da doença por ano. Patinho feio do Sul O Paraná é o estado com o maior número de registros de dengue há tempo. Os primeiros casos surgidos na região ocorreram em 1993, em Ibiporã, norte do estado. Mas a doença só adquiriu proporções epidêmicas dez anos depois, na vizinha Londrina, onde foram confirmados 9 mil casos. ”O ano de 2003 foi excepcional no Paraná, sobretudo em Londrina”, diz Mendonça. Segundo ele, a dengue pode ter atingido 10% da população do município, levando-se em conta que um expressivo percentual de pessoas doentes não procura socorro médico, o que inviabiliza as notificações.

Outro surto alarmante ocorreu em Maringá, em 2007, onde foram contabilizados mais de 50 mil casos. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o ano de 2002 foi o mais preocupante, quando foram registrados respectivamente cerca de 400 e 500 casos. A dengue foi erradicada no Brasil nos anos 1950, mas reapareceu no Rio de Janeiro nos anos 1980. Na região Sul, até aquela década, os únicos registros eram de casos importados (os infectados vinham de fora). O aparecimento da doença na região na década de 1990 coincidiu com o fato de que essa foi, de acordo com especialistas, a década mais quente nos últimos 200 anos. Mais de um vilão? As campanhas veiculadas nos meios de comunicação tornaram o mosquito Aedes aegypti conhecido como o vilão que transmite o vírus da dengue. Na verdade, porém, o mosqui-

to divide esse mérito com um parente do mesmo gênero: o Aedes albopictus. Enquanto o aegypti é prefere o meio urbano, o albopictus prolifera-se na zona rural. Como a doença é mais combatida nas cidades, o A. aegypti ganhou a fama. Mas as diferenças acabam por aí. Ambos os mosquitos são de clima tropical-subtropical e dependem de condições específicas para proliferar: chuvas intermitentes e temperatura superior a 18ºC. É no intervalo entre as chuvas que o mosquito bota seus ovos. Segundo Mendonça, essas condições existem no Sul entre novembro e abril. “No dia de finados (em novembro), por exemplo, muita gente deposita vasos de flores nos cemitérios, criando possíveis focos da doença”, afirma. Mas é entre março e abril, no final da estação chuvosa, com precipitações menores e temperaturas ainda altas, que a dengue se espalha com mais intensidade.

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Nanotecnologia

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Nanotubos de carbono

Unicamp

Como dar nó em um material duro como diamante

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Ciências interdisciplinares, que evoluíram da necessidade de expandir o conhecimento além das limitações de cada área científica, os estudos das nanoestruturas podem ser utilizados da medicina ao meio ambiente. Mas sua ampla utilização aponta para a necessidade do uso consciente.


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Junho

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nayarabrante@gmail.com

Rodrigo Batista

rodrigombatista87@gmail.com

Imagine um cilindro feito de um material muito mais duro do que o diamante. E, ao mesmo tempo, extremamente flexível. Tão flexível que é possível dar um nó nele, por exemplo, e voltar. Então, temos um material muito difícil de ser quebrado, de alta resistência e flexibilidade. Assim são os nanotubos de carbono, produtos resultantes de uma das pesquisas que se encontra em estágio avançado na UFPR. Vista com grande entusiasmo pelos cientistas, essas estruturas são a nova menina dos olhos da ciência. “Os nanotubos de carbono são materiais muito especiais. Isso porque suas propriedades jamais foram encontradas em outros compostos”, afirma Aldo Zarbin, coordenador do Núcleo de Excelência em Nanotecnologia e Nanomateriais da UFPR, que faz parte do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), instrumento de estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento científico ligado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os nanotubos são formados somente por átomos de carbono. E, quando esses elementos químicos se ligam entre si, obtêm-se compostos com diferentes estruturas e propriedades. Os exemplos mais clássicos são o grafite e o diamante – ambos constituídos apenas por carbono —, porém, a forma como os elementos estão ligados em cada um desses compostos é completamente diferente, o que faz com que as características de cada um também o sejam. Nos nanotubos de carbono, os elementos unem-se formando um cilindro ou, como o próprio nome já diz, um tubo. Só que a dimensão dessa estrutura é nanométrica. “É como se fosse um tubozinho oco, formado somente por átomos de carbono”, resume o professor. Mesmo entre os nanotubos, encontram-se múltiplos arranjos na disposição dos átomos

de carbono. Em laboratório, os cientistas são capazes de sintetizar essas substâncias, criando diferentes configurações moleculares que resultam em aspectos físicos e químicos diversos. Outra característica que torna os nanotubos um material tão especial é sua alta condutividade elétrica, do tipo metálico ou semicondutor, dependendo da forma como os átomos de carbono estão organizados “Isso permite uma ampla utilização em eletrônica, por exemplo, em circuitos. Também é um material que tem alta condutividade térmica”, aponta Zarbin.

Os nanotubos de carbono são materiais muito especiais. Isso porque suas propriedades jamais foram encontradas em outros compostos” Aldo José Gorgatti Zarbin. Professor de Química

Com tantas propriedades em um mesmo material – e todas superlativas em relação a outros compostos – as possibilidades de aplicação dos nanotubos de carbono são vastas. Por ora, a maioria está relacionada à eletrônica, proporcionando aumento significativo da capacidade de equipamentos eletrônicos e computacionais e a diminuição de seu tamanho. A conservação e a transmissão mais eficientes de energia também são aplicações vantajosas na área. No ramo da construção civil, a alta resistência dos nanotubos de carbono poderia ser utilizada na substituição dos cabos de aço. Na indústria têxtil, substituiriam outras fibras

CMDMC

Nayara Brante

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na composição de tecidos de alta resistência. “E não para por aí. As aplicações estão em todas as áreas e só dependem de muito estudo”, conclui o professor de química. Desafio científico Ainda que a utilização prática da nanotecnologia na indústria seja um dos aspectos que mais chama atenção dos pesquisadores, Zarbin destaca que os estudos em nanociência na UFPR devem valorizar também o desafio científico. “A ideia foi montar um grupo de pesquisa que estuda o início e o fim do processo, e não só a aplicação na indústria. Ou seja, eu saio da preparação e chego à aplicação. E em todas as etapas tenho interesse científico envolvido, porque por trás disso temos a formação de recursos humanos”, diz. A perspectiva é de que a participação de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado na área só aumente. “Ao pesquisar, nós miramos em um ponto, e no meio do caminho um leque de novas possibilidades se abre. Você acaba percebendo novas realidades que nem imaginava no projeto original. E essas novas possibilidades devem atrair cada vez mais gente para a pesquisa”. Uma ciência polêmica O século XX trouxe muitas incertezas quanto às tecnologias, em especial por causa das conseqüências nem sempre positivas que as novidades poderiam gerar. Essa insegurança se refletiu até na Literatura. Isaac Asimov, autor do livro I, Robot (Eu, Robô), retrata situações de interação entre robôs e pessoas. Os contos oscilam entre

Montadores moleculares: nanotecnologia ou nanoficção? O responsável por batizar a nanotecnologia, ainda na década de 1980, foi o cientista e engenheiro norte-americano Eric Drexler. Em seu livro Engines of Creation (1986, sem tradução em português), o autor descreve o uso de máquinas em escala nanométrica, capazes de construir produtos automaticamente, por meio da manipulação átomo a átomo. Os chamados montadores moleculares seriam usados para produzir outros nanomateriais. Para entender melhor o montador molecular, imagine uma linha de produção toda automatizada. Robôs pegam algumas peças inacabadas em uma esteira e as modificam ou acrescentam materiais à original. A esteira avança, e os robôs adicionam produtos à montagem. Quando tudo está pronto, colocam o material finalizado em outra esteira e voltam a se dedicar a um novo produto inacabado. Agora imagine tudo isso acontecendo em escala nanométrica, uma medida tão pequena que é invisível aos olhos e que as peças da esteira sejam átomos. Em seu livro, Drexler alerta para os riscos da criação de tais máquinas: por serem capazes de construir qualquer outro objeto, os montadores moleculares poderiam se auto-reproduzir e, caso se descontrolassem, essa auto-reprodução poderia ameaçar a vida humana de forma semelhante a uma epidemia. No entanto, os montadores moleculares nunca foram construídos, e ficaram conhecidos como “nanoficção”. 13


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Fotos: CMDMC

histórias de uma menina com saudades de seu robô, tratado como urso de pelúcia e máquinas que tentam governar a sociedade. Retrato fictício, porém visível, das incertezas quanto aos avanços científicos. Quando grandes inovações são anunciadas, é comum a sociedade se dividir entre entusiastas e críticos. Com a nanotecnologia não seria diferente. As preocupações aparecem em todas as áreas de usos. Para citar um exemplo, na medicina e na farmacologia, questiona-se se a utilização de nanocompostos em medicamentos e cosméticos pode influir diretamente na saúde humana. “O problema é que os padrões de segurança dos produtos nanotecnológicos ainda precisam ser pensados e regulados, pois o sistema de controle atual é baseado em um padrão tecnológico anterior à disseminação destes novos materiais e artefatos”, aponta o diretor técnico-científico da Fundação Djalma Batista, do estado do Amazonas, Adriano Premebida. Zarbin concorda que questões como essas devem ser levadas em conta. Mas, por se tratar uma tecnologia muito recente, pouco se sabe sobre o assunto. “Por enquanto, existe muito folclore, muito achismo, muito chute”. Ele exemplifica com a questão do medo da poluição por nanocompostos. “Não podemos afirmar que a nanociência e

Arte com átomos Ao criar o Microscópio de Tunelamento por Varredura (STM), em 1981, Gerd Binnig e Heinrich Rohrer mudaram a forma de se fazer ciência. Nesse momento, eles ainda não sabiam, mas criaram também uma nova forma de se fazer arte. “Quando nós ampliamos as coisas de forma tão grande ou vemos tudo tão pequenininho, a perspectiva se torna muito diferente”. Quem explica é a artista multimídia, curadora e autora de diversos artigos na área Anna Barros, que se dedica a animações computadorizados com imagens obtidas de microscópios eletrônicos. Ao contrário de uma fotografia, na qual são as partículas de luz que geram a imagem, na nanoarte as figuras são dos próprios átomos que constituem o material e, portanto, são todas em preto e branco. Em geral, o que os artistas fazem é processar a imagem no computador, e a partir daí manipulá-la da forma como quiserem.

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a nanotecnologia são tóxicas, isso é um absurdo. Temos alguns materiais dela resultantes tóxicos e outros não, muito pelo contrário”, diz. Se o controle e a regulamentação dessas inovações ainda não são aplicados extensivamente, o mesmo não se pode dizer dos investimentos na área, por parte do governo e da indústria. “Determinadas empresas terão um giro em função destas novas tecnologias e inovações. A divisão entre países pobres e ricos pode se agravar do ponto de vista tecnológico e, consequentemente, econômico”, analisa Premebida. Nesse sentido, a nanotecnologia pode suscitar debates relevantes sobre a questão trabalhista, discussão que remonta à Primeira Revolução Industrial, no século XVIII, com a invenção da máquina a vapor e da locomotiva. Mas, a preocupação com a exclusão social não se dá somente no âmbito do papel das novas tecnologias no sistema produtivo, mas também no monopólio do conhecimento. Premebida chama atenção para a necessidade de criação de políticas públicas de inclusão da sociedade: “A participação da sociedade civil no debate é pífia. Precisamos achar modelos eficientes de integração entre ciência e leigos, para que estes participem de fóruns de discussão sobre escolhas de padrões tecnológicos”, afirma.

No Brasil, o laboratório de nanotecnologia do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC) tem feito diversos trabalhos nesse sentido. Pesquisadores e técnicos do Centro, inclusive, ficaram em 2º e 4º lugares na Mostra Internacional Online Nanoarte 2009-2010. Mais do que produzir figuras estáticas, outra característica da nanoarte são as imagens tridimensionais. No artigo “Criando no escuro tátil das moléculas”, apresentado na 5th International Conference on Digital Arts, Anna Barros explica que, nesse ambiente, o sentido do tato é mais importante que o da visão. “Cada objeto tem o seu desenho, a sua composição, e nós interagimos com esses elementos. A procura dos artistas se amplia para apresentar experiências poéticas com base em dados científicos que nos permitam perceber como se comportam os átomos e moléculas em seu próprio mundo, sem que sejam uma ilustração ou permaneçam só no visual”, conclui Barros em seu artigo.


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Revolução invisível O tratamento magnético na do Departamento de Química superfície de partículas para da UFPR, Aldo José Gorgatti que tenham afinidade com pe- Zarbin. tróleo poderia ser a solução O grande triunfo da nanopara conter o vazamento do tecnologia é trabalhar não com óleo, que atingiu as águas do esses bilhões de átomos, mas Golfo do México, em 2010. O com apenas alguns milhares mecanismo altera a estrutu- deles. Quando um material é ra dos materiais em um nível produzido em escala tão pemuito pequeno, invisível a olho quena, suas propriedades são nu. Este é apenas um exem- completamente novas, além plo do que pode ser feito com de serem potencializadas. “A os materiais por intermédio da gente pode dizer sem nenhum nanotecnologia, recurso que exagero que é o maior avantrabalha com partículas em ço científico que ocorreu nos proporção abaixo na escala do últimos tempos, porque isso nanômetro (nm). expande as áreas tradicionais Objetos dessa grandeza so- do conhecimento. É uma nova mente podem ser vistos com o visão e uma nova forma de enauxílio de equicarar a ciência pamentos de e a tecnologia, percepção muibaseada no to poderosos. tamanho das A gente Para se ter uma coisas”, afirma pode dizer sem ideia, um glóZarbin. bulo vermelho O interesse nenhum exagero do sangue posdos cientistas é que é o maior sui de 5 a 7 mil aplicar as monanômetros, e avanço científico dificações em o diâmetro de âmbito muito que ocorreu nos pequeno, para um fio de cabelo apresenta criar e melhorar últimos tempos, dimensão de 80 alguns composporque isso a 100 mil nanôtos. “É nanometros. Mesmo expande as áreas tecnologia se esses corpos a dimensão for tradicionais do são gigantes relevante para para o padrão propriedades, conhecimento.” as trabalhado em porque exisnanociência. te muita coisa Tudo o que que sempre foi Aldo José Gorgatti Zarbin. Professor de Química existe no munpequena, mas do é formado nunca foi nanopor átomos. tecnologia, nem Estes, por sua vez, são com- nanociência”, explica o profespostos por prótons, nêutrons sor do Departamento de Física e elétrons. Até onde se sabe, da UFPR, Ivo Hümmelgen. essas são as menores partes Hoje, os estudos nas nanoda matéria. Mesmo coisas e ciências são amplos e aplicáseres pequenos são formados veis a diversas áreas, desde a por bilhões e bilhões dessas medicina até o meio ambiente partículas. “Quando você tem e a eletrônica: sensores, laum sólido, por exemplo, as sers, aumento da eficiência propriedades daquele objeto de catalizadores, agentes bacdependem da existência des- tericidas, medicamentos com ses inúmeros átomos. Ou seja, liberação controlada de subsas espécies que formam esse tâncias, afinidade de nanoessólido estão juntas numa estru- truturas para o tratamento tura que se repete tridimensio- de tumores. Os exemplos são nalmente”, explica o professor diversos.

Nanotecnologia no Paraná: parceria é o diferencial O Núcleo de Excelência em Nanotecnologia e Nanomateriais é coordenado pela UFPR, mas ela não trabalha sozinha. Ao todo, cinco instituições integram o grupo de pesquisa – a própria UFPR, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a Universidade Estadual de Londrina (UEL) e a Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). O professor coordenador do Núcleo, Aldo Zarbin, explica que esse tipo de pesquisa é bastante complexo, por isso, foi criada uma rotina fragmentada de trabalho. “São ao todo 17 professores doutores envolvidos, e cada um tem um grupo de pesquisa, que reúne alunos participantes e é responsável por uma parte diferente do projeto. É uma pesquisa unificada, mas realizada em partes”, descreve. Graças às pesquisas do

Núcleo, nanomateriais como óxidos, metais e carbono serão utilizados para aplicação nas áreas ambiental, energética (como fonte limpa de energia) e agrícola. “Há materiais sendo preparados para conversão de energia solar em energia elétrica. Outros, para conversão direta de álcool em hidrogênio, por exemplo. Outros servem como sensor, para se estudar a qualidade de fármacos e qualidade de alimentos, entre outras várias aplicações”, exemplifica Zarbin. Com os recursos do CNPq e também da Fundação Araucária (órgão financiador do governo estadual), o professor acredita que o Paraná pode se tornar um centro de referência em nanotecnologia no país. “Aqui na UFPR, nós sempre tivemos referências individuais na área. Agora, vamos dar destaque ao estado e a cada uma das instituições participantes, o que é um diferencial fantástico”.

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Contador de cédulas

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Ricardo Rodrigo Wolf Cruz

Uma mão na roda para deficientes visuais

Imagine que você é cego. Como você contaria o dinheiro de sua carteira? Henrique Kugler

henrique.kugler@gmail.com

Você é cego e acaba de pegar um ônibus. Como ter certeza se o cobrador lhe deu o troco corretamente? Em tempos de malandragem, é preciso ficar esperto. Contar moedas é fácil, já que elas são diferentes em peso e forma. Mas as cédulas de real são todas do mesmo tamanho, sendo impossível identificá-las apenas pelo tato. Pensando nisso, uma dupla de pesquisadores da UFPR desenvolveu o primeiro contador de cédulas portátil do Brasil. A ideia foi dos estudantes Ricardo Cruz e Walter Steiger, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPR. “Queríamos fazer de nosso trabalho de conclusão de curso algo útil”, diz Cruz. “Então surgiu a ideia de ir ao Instituto Paranaense de Cegos, onde pesquisamos quais eram as principais demandas daqueles deficientes”, conta Steiger. Os cegos enfrentam muitas dificuldades diárias, e uma delas é contar seu dinheiro. Assim surgiu a idéia de elaborar um contador de cédulas portátil. “É uma espécie de mini computador equipado com um mini programa. Assim que inserimos uma cédula no aparelho, ele faz uma leitura ótica do papel e emite um sinal em áudio, dizendo, em alto e bom som, de que valor é aquela nota. O processo todo leva menos de 16

um segundo”, comemoram os estudantes-pesquisadores. A concorrência O orientador do trabalho, Marlio Bonfim, conta que a Universidade Positivo já havia desenvolvido um aparelho com a mesma função. “Mas o dispositivo era muito grande e pesado”, lamenta o engenheiro. “Além disso, ele demorava de dez a quinze segundos para fazer cada leitura.” Segundo Bonfim, era um sistema pouco prático e nada portátil, com utilidade limitada para as reais necessidades dos cegos. Para as bandas do norte – nos Estados Unidos – também já existe um leitor de cédulas. A empresa responsável pelo aparato é a Maxi Aids, que fabrica versões para dólares americanos e canadenses. “Esse, sim, parece funcionar bem. Tanto que o Banco Central do Canadá compra e distribui para todos os deficientes visuais do país”, contam os pesquisadores. O problema é que ele custa uns US$ 300. “Enquanto o nosso, desenvolvido aqui na UFPR, sai por menos de oitenta pila!”, comemoram. Futuro, com mais precisão O projeto do novo leitor de cédulas da UFPR começou em agosto de 2009. “Atingimos 90% em precisão de leitura. Mas queremos chegar a pelo menos 95%”, prevê Steiger (a precisão do leitor de cédulas australiano

também é de 90%. Já a precisão do leitor fabricado nos Estados Unidos, ninguém sabe, uma vez que a empresa responsável jamais divulgou esse dado). O dispositivo já está apto a funcionar nas ruas. Mas, dizem as más línguas, as cédulas de real estão prestes a mudar de tamanho e forma. Segundo nosso Banco Central, a data limite para a mudança completa é 2012. E aí, como fica? O que será do aparelho projetado para ler as notas atuais? Isso não preocupa os jovens pesquisadores. “Há vários países que utilizam cédulas do mesmo tamanho, e nosso dispositivo poderia ser usado em qualquer um deles”, esclarece Cruz. “Basta reprogramarmos os padrões de leitura, o que é bem fácil.” A ideia dos novos pesqui-

sadores é liberar na internet o código do software e o esquema de montagem do dispositivo. Assim, qualquer pessoa com certo conhecimento em eletrônica poderá fabricar o leitor de cédulas em casa. “Não temos toda aquela preocupação comercial”, enfatiza Cruz. “Queremos apenas que nosso trabalho seja útil para a sociedade.” Mesmo assim, a UFPR já é responsável pela administração da patente, para evitar eventuais cópias ou apropriações indevidas do produto. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, existem 45 milhões de cegos no mundo. No Brasil, o número de portadores de algum tipo de deficiência visual é de 3,5 milhões. Apesar de tão numerosos, suas demandas ainda são pouco atendidas.

Repórter às cegas: a prova do crime Era uma típica tarde curitibana. Lá estava eu, na Rua XV, de bengala-guia e óculos escuros à la Bob Dylan. Sim, um pobre repórter disfarçado de cego, determinado a desafiar a honestidade desse povo supostamente educado que vive em Curitiba. É estranho como os transeuntes desviam; louvável como os dignos zelam; mas lamentável como os canalhas enganam. O teste: colocar à prova a honestidade de um vendedor numa banca da Praça Osório. “Com licença, quanto custa uma bala?”, perguntei. “É dez centavos, senhor”, respondeu o moleque. “Então me vê uma”, repliquei, estendendo a mão, com uma moeda de 50 centavos. “Essa moeda é mesmo de dez centavos?”, indaguei fingindo um engano. Eis que vem a surpresa: nada de troco! “Sim, senhor, a moeda é de dez centavos.”


lúdico Robótica

Agosto

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O lixo, o e o descarte correto Um instituto de Curitiba promove cursos informativos e até ensina a construir kits de robótica utilizando resíduos eletrônicos Lilian Wiczneski

lilian.wiczneski@gmail.com

Arquivo pessoal

Usar o computador em vez do papel parece uma ótima contribuição ao meio ambiente. Mas o que acontece quando a máquina torna-se obsoleta? Vira lixo também – e de um tipo bem pior do que seria o caderno. Esse tipo de resíduo, o lixo eletrônico, tem crescido exponencialmente sem que as pessoas saibam o que fazer. Não é à toa que ouvimos tantos casos de containeres de lixo sendo enviados de um lado para o outro: ninguém quer um problema desse tamanho por perto. O engenheiro Maurício Beltrão Fraletti, fundador do Instituto Brasileiro de EcoTecnologia (Biet), conta que a maior preocupação com este tipo de lixo é o seu descarte. “O Brasil é o país emergente que mais consome eletrôni-

cos, que se tornam ultrapassados em uma velocidade alarmante. O problema é que esse material é descartado incorretamente, normalmente em lixões. O equipamento começa a se decompor e libera substâncias tóxicas no meio ambiente”, Outra prática agravante do problema é o envio do resíduo eletrônico para desmanche em países subdesenvolvidos. “Aí entra a questão social, já que nesses países é utilizada uma mão de obra praticamente escrava para retirar metais nobres dos componentes eletrônicos, como ouro, prata e platina”, revela Fraletti. A riqueza recolhida é vendida para outros países, enquanto os metais pesados, como mercúrio, cádmio, berílio e chumbo, acumulam-se sem receber tratamento. “Essas pilhas de componentes ficam a céu aberto, liberando um

Projeto ensina crianças e jovens a construírem robôs a partir do lixo

chorume químico que penetra na terra e causa danos terríveis”, completa Lixo e opções criativas A gravidade do problema exige soluções criativas. E foi com muita inventividade que Maurício Fraletti começou a dar um destino correto para o lixo eletrônico: o projeto “Robótica Sem Mistérios” ensina crianças e jovens a construírem robôs a partir do lixo. A ideia surgiu quando o filho de Maurício, na época com 9 anos, interessou-se por kits de robótica que existiam no mercado. “Como era tudo muito caro resolvi montar, eu mesmo, um kit para ele; aquele primeiro kit virou o projeto ‘Robótica sem Mistérios’”, relata o engenheiro. O projeto é uma forma de utilizar peças (que acabariam indo para o lixo) para ensinar conceitos de tecnologia, além de ética, cidadania, metodologia, qualidade no desenvolvimento e respeito à natureza. “Realizamos oficinas em parceria com a UFPR Litoral e o interesse dos alunos – entre 5 e 60 anos – é incrível”, conta Fraletti. “O mais importante é o sentimento coletivo de que a população contribui para algo útil”. Além disso, o Biet trabalha com a conscientização local, realizando campanhas para que a população doe seus equipamentos obsoletos para o Instituto, onde o material é separado entre aquilo que pode e que não pode ser reu-

tilizado. Fraletti explica que para algumas substâncias ainda não foram descobertas soluções de descarte ou reciclagem. “Nesses casos, as partes tóxicas são estocadas em ambiente apropriado”. Os componentes que podem ser reciclados e reutilizados são enviados para empresas especializadas. “Além de evitar o descarte incorreto, quando reciclamos evitamos tirar mais matéria prima da terra”, argumenta. Os equipamentos em boas condições de uso têm destino diverso: são revisados e enviados para entidades carentes, escolas, creches, bibliotecas. Há uma única ressalva: quando o equipamento não for mais utilizado deve ser devolvido para o Biet. “Assim podemos dar um destino correto e contribuir para a segurança ambiental”. O Biet mantém parceria com universidades que pesquisam soluções para esses componentes. “Queremos que a juventude pesquise métodos para acabar com o acúmulo de lixo, contribuindo para seu futuro”, afirma o engenheiro. Desde 2007, o Biet participa Festival de Inverno da UFPR, em Antonina, onde realiza oficinas com crianças por meio do projeto “Robótica sem mistérios”.

Serviço

Sede do Biet: Rua Juvenal Galeno, 477, Jardim Social. Curitiba. PR, Fone [41] 99320168, falecom@biet.org.br 17


Jornalismo

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2010

Caçadores de h

Muitos estudantes de jornalismo escolhem fazer um Os temas são os mais variados, mas o resultad Renata Portela

renata.portela@gmail.com

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Em 2008, dois estudantes de jornalismo abriram um mapa do Paraná, traçaram um destino com uma caneta marca texto, colocaram as mochilas no carro e o pé na estrada. Carolina Leal, 22 anos, e Lilo Barros, 24, percorreram seis mil quilômetros acelerando em rodovias e sacolejando por estradinhas de terra. Eles perderam a conta de quantas cidades visitaram, mas em 27 delas encontraram o que estavam procurando: boas histórias. O resultado virou o livro-reportagem Retalhos que conta os causos de um Paraná que a gente nem imagina que existe. Ao longo de 30 dias, Lilo e Carol tiveram a ajuda de jornalistas e moradores locais para garimpar as histórias. Mas muitas delas vieram do olho atento e da curiosidade dos dois. “Algumas pautas surgiram de ideias que tivemos e fomos atrás, como o caso do trabalho escravo em Cerro Azul. Ou frutos de coincidências, como ficarmos hospedados justo na pousada do ex-treinador da seleção brasileira de canoagem, em Tibagi”, conta Carol. Talvez um sexto sentido também tenha ajudado, como no caso do barbeiro da Lapa. “Vimos a portinha dele aberta, achamos que podia render um papo legal e foi uma das histórias mais incríveis da viagem. O cara tinha simplesmente comprado um detector de metal pra achar um tesouro enterrado numa fazenda da cidade... Sensacional!”, diverte-se Carol. As histórias costuradas no livro Retalhos transformaram-se no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) dos dois jornalistas. Themys Cabral, 26 anos, é outra ex-aluna da UFPR que

viveu a aventura de um livro-reportagem. Em 2004, ela e sua colega Aline Anginski, 28, escreveram PFP: histórias de uma prisão feminina. O livro conta a trajetória de sete detentas da Penitenciária Feminina de Piraquara, escolhidas entre centenas por sua história de vida e pelos crimes barra pesada que cometeram. Themys e Aline queriam dar voz àquelas mulheres, relatar não só por que elas estavam presas, mas também o que aconteceu em suas vidas para que chegassem até ali. Para as detentas, não era fácil relembrar o passado. “Eu procurava olhar bem nos olhos e deixar com que a entrevistada ganhasse confiança em mim para poder abrir a vida e o coração”, conta Themys. A primeira leitora do livro foi a jornalista Myrian Del Vecchio, que recorda: “Confesso que chorei, tive uma noite de insônia, parei desamparada no meio da rua, com a plena consciência de que outros seres humanos, em todas as horas do dia, estão vivendo partes dilacerantes das mesmas histórias narradas neste livro. Sei que elas se repetem, se repetem...”. Mas, além da comoção, Myrian analisa: ”Ao mesclar emoção e muita informação, Themys e Aline foram grandes repórteres: souberam perguntar, e sobretudo, ouvir. Anotaram, gravaram, pesquisaram como gente grande. Redigiram e editaram a quatro mãos, ainda buscando estilo aqui e ali, tentando uma linguagem homogênea a partir de duas imprssões/expressões diferentes. Trabalharam como profissionais, mas com idealismo estudantil. Foram, sobretudo, corajosas e verdadeiras. E fortes, muito fortes, mesmo

Daqui a 20 anos, quando lembrarmos dessa viagem, não será tanto pela produção do livro ou das matérias. Vai ser por tudo que vimos, ouvimos, conhecemos... Carol Leal


Agosto Agosto

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dução

histórias quando choraram ao reler cada capítulo pronto”. Abuso sexual, tema do primeiro livro

A jornalista e ex-aluna da UFPR, Rita de Cássia Bovo de Loiola foi, em 2003, a primeira autora de um livro reportagem do Curso de Jornalismo. O tema também era pesado: o drama do abuso sexual de crianças em Curitiba, a partir de várias de suas vítimas, adolescentes do sexo feminino, que sofreram violência no âmbito da própria família; o ato é geralmente praticado pelos pais, padrastos ou outros homens da família, muitas vezes com o consentimento das mães. O tema resultou no livro Muralhas de silêncio, orientado por Myrian Del Vecchio, que após esta primeira experiência já contabilizou mais de uma dúzia de orientações de livros reportagem, como produtros de trabalhos de conclusão de curso de jornalismo. Desta experiência, ela destaca Sobre livros: um

painel contemporâneo da prosa ficcional realizada em Curitiba,

de Renata Ortega Moritz, que veceu, em 2010, o Prêmio Sangue Novo de Jornalismo, na categoria livro-reportagem, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. “Mas praticamente todos os outros tem muita qualidade, além de serem interessantes, informativos e atrativos ao leitor, o que é o principal requisito”, analisa a professora. “Daqui a gente não sai” Outro dos professores que orientou muitos TCCs de livros-reportagem na UFPR é Luiz Paulo Maia, o Lupa. Para ele, esse tipo de trabalho é o que soma mais pontos na formação

do futuro jornalista. “O estudante tem que cumprir várias etapas: pesquisa bibliográfica sobre o livro-reportagem em si, ler pra caramba outros livros, entrevistas, fazer a checagem de todo o material e o texto final”, aponta o professor. Para ele, o texto tem que ser extremamente atraente. “Do contrário, fica uma reportagem grande, chata, maçante, e não uma grande reportagem, que é o objetivo final do trabalho”, completa. Daqui a gente não sai é um livro que ninguém tira da cabeça de Lupa. A obra conta a história de resistência dos moradores da Vila das Torres, em Curitiba, região que abriga grande parte dos catadores de papel da cidade. O livro de Fernando Jasper e Anne Warth ganhou o primeiro lugar em um prêmio da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). “Ele foi marcante porque eu dei a ideia do tema para os alunos. Eles queriam fazer um livro-reportagem e não sabiam exatamente sobre qual tema. E, claro, o desdobramento do prêmio nacional”, orgulha-se o professor. E tem livro-reportagem sobre tudo, até sobre futebol. Só nos últimos dois anos, foram três livros sobre a arte de dominar a bola com os pés. O Avesso da Paixão Nacional, escrito por Dâmaris Thomazini e Adriano Ribeiro em 2008, é uma dessas obras. O livro revela a realidade de abandono do futebol feminino no Brasil. Com uma torcida mirrada, pouca visibilidade na imprensa e falta de estrutura para os treinos, mesmo assim as meninas não desistem. Muitas conciliam um emprego durante o dia com treinos à noite e nos finais de semana. A remu-

Imagen

s: Repro

livro-reportagem ao final do curso. do é um só: uma lição de vida.

neração é péssima, quando existe. Sem contar o preconceito. Tem menina que apanha do pai porque gosta de jogar bola. Outro destaque na área é Paixão Organizada, de Vanessa Prateano, que faz um mergulho aprofundado do mundo das duas maiores torcidas organizadas de Curitiba: a Império Verde, do Coritiba Football Club, e a “Os Fanáticos”, do Atlético Paranaense. Histórias para contar não faltam. Escassez, mesmo, só de tempo: um ano para produzir um livro-reportagem é um aperto. Caco Barcelos pesquisou durante cinco anos para escrever Rota 66. Dez anos foi o tempo que o jornalista paranaense Laurentino Gomes levou para escrever 1808. Mesmo correndo contra o relógio, o professor Lupa acredita que “se o aluno já tem um bom conhecimento sobre o assunto que vai abordar, o tempo é suficiente”. Para quem investe no sonho de fazer uma grande reportagem, o resultado é compensador e vai muito além do aprendizado jornalístico. É o caso de Carol e Lilo, autores de Retalhos, que depois de seu TCC viraram especialistas em Paraná. “Daqui a 20 anos, quando lembrarmos dessa viagem, não será tanto pela produção do livro ou das matérias. Vai ser por tudo que vimos, ouvimos, conhecemos... Nós brincamos que o nosso ‘mochilão’ não foi pela Europa nem pela América do Sul; foi pelo Paraná mesmo. E foi ótimo!”, revela Carol.

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Patentes

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Um

inven

Os pedidos de patentes — registros ver nas patentes uma forma de rec

Renata Portela

Myrian Del Vecchio

renata.portela@gmail.com

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Numa tarde de 1971, Ray Tomlinson digitou uma mensagem qualquer no correio eletrônico que ele mesmo fez, juntando um programa de envio de mensagens que já existia com outro de transferência de arquivos no qual ele trabalhara. O texto foi algo como “QWERTYUIOP”, ele não se lembra, só tem certeza de que foi tudo em caixa alta. Tomlinson enviou a mensagem para si mesmo, de um computador para o outro que estava logo ao lado. Apesar de próximas, a única ligação entre as duas máquinas era pela Arpanet, a avó da internet. Naquele instante nascia o e-mail, que em pouco tempo revolucionaria a forma de comunicação entre as pessoas. Só em 2009, cerca de 90 trilhões de emails foram enviados. Tomlinson nunca recebeu um centavo por sua criação: ele não fez o registro de patente. O engenheiro da computação deixou de patentear o e-mail porque não achou que seu invento fosse grande coisa. É provável que haja mais ‘Tomlinsons’ por aí. Gente que tem ideias criativas, desenvolve produtos inovadores, mas não registra sua criação. Isso abre brecha para que outras pessoas que não investiram tempo, dinheiro nem esforço em pesquisas se aproveitem comercialmente desses inventos. “Patente é um reconhecimento do trabalho do inventor. É um título de propriedade que o Estado concede em troca da revelação de como se faz aquela invenção”, explica Edmeire Cristina


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nto para chamar de seu

s de uma invenção — ainda são poucos na UFPR, mas pesquisadores começam a conhecimento pelo seu trabalho. E de correr o risco de ganhar algum dinheiro... Pereira, coordenadora de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O título de propriedade é temporário, vale por 20 anos para patentes de invenção e 15 anos para patentes de modelo de utilidade (melhoria feita em algo que já existe). Durante esse período, o dono da patente tem direito a explorar comercialmente sua criação sozinho, sem concorrentes. Mas até se chegar a esse ponto o caminho é longo. No Brasil, uma patente demora de sete a dez anos para ser concedida. No entanto, é possível ver a cor do dinheiro antes disso. O primeiro passo é fazer o depósito do pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) – órgão do governo responsável pelos registros de marcas e patentes. E tem que guardar segredo: a invenção ou modelo de utilidade deve ficar em sigilo por 18 meses. Esse é o tempo que o Inpi leva para fazer uma primeira análise do pedido e fazer buscas em bases de dados internacionais. Se estiver tudo certo, o inventor recebe um número de registro e, se quiser, já pode procurar empresários interessados em produzir ou utilizar sua invenção. Para ajudar em todo esse processo, desde a formulação do pedido de patente até a busca por empresas interessadas no invento, é que surgiu, na UFPR, a Agência de Inovação. Criada em 2008, a partir do antigo Núcleo de Propriedade Intelectual que existia desde 2003, ela tem como objetivo fazer com que as pesquisas realizadas na universidade cheguem ao setor produ-

tivo. A ideia é que todo mundo saia ganhando: sociedade, inventores e universidade. Nos últimos sete anos, foram depositados 94 pedidos de patente pela UFPR. Mas esse número poderia ser bem maior, já que mais de 70% dos docentes da universidade têm doutorado e, mais do que ensinar, eles podem produzir conhecimentos. Além disso, existem cerca de quatro mil alunos matriculados em cursos de mestrado e doutorado. “Não existe uma cultura de patente, tudo isso ainda é muito recente na universidade”, afirma a coordenadora da Agência. Inovação na universidade Em 2008, foram publicados 30.451 artigos científicos no Brasil, o que coloca o país na 13ª colocação no ranking da produção científica mundial. Mas, no mesmo ano, o país obteve apenas 101 patentes internacionais, concedidas pelo Escritório Americano de Patentes, nos Estados Unidos. Isso corresponde a 29ª colocação mundial, atrás de países emergentes como Rússia, Índia e China e até de pequenos países como Singapura e Malásia. Uma explicação para a distância entre a produção científica e a inovação no Brasil pode ser a falta de conhecimento dos pesquisadores sobre o processo de patentes. “A gente achava que patente era algo muito complicado e burocrático. Em 2005, o pessoal da Agência de Inovação veio ao Departamento de Química e desmistificou essa ideia”, conta o professor Fernando Wypych, o recordista em pedidos de patente na UFPR. Ao todo, Wypych tem 16 pedidos depositados no Inpi. E

está prestes a ver um de seus inventos ser implantado na indústria: já fechou contrato com uma empresa de agronegócios de São Paulo para utilização em larga escala do fertilizante de liberação lenta de nitrogênio. O fertilizante é baseado no uso do caulim, um minério encontrado na argila, abundante no Brasil e de baixo valor agregado. O processo químico que garante a liberação lenta do nitrogênio para as plantas evita a evaporação e não deixa resíduos no solo. O produto também serve para alimentação de animais, principalmente gado. O invento foi realizado por Wypych em parceria com o professor Antonio Mangrich, ambos do Instituto de Química da UFPR, e foi objeto da tese de doutorado da aluna Cristiane Budziak Fukamachi. A ideia de patentear o fertilizante surgiu durante a banca de defesa de tese. Ao final da apresentação, um dos membros da banca, um professor de São Paulo perguntou: “Por que vocês não patenteiam isso aí? O negócio está muito bonito”. A sugestão foi aceita. “Esse nosso produto é um fertilizante inovador. Com isso nós corremos o risco de ganhar algum dinheiro”, comenta. Mais do que a possibilidade de engordar a conta bancária do pesquisador, o registro de patente pode ser o incentivo que faltava para fazer com que as inovações saiam dos laboratórios e sejam utilizadas na sociedade. Se o inventor for pesquisador ou aluno da UFPR, a comercialização da patente pode significar também novos laboratórios, equipamentos e recursos para a universidade. Assim o círculo se fecha.

Na Itália, a primeira patente

Mas, se a prática é recente na universidade, não é no mundo. A primeira patente de que se tem notícia foi concedida na cidade de Florença, Itália, em 1421. Seu beneficiário era o arquiteto Filippo Bruneleschi que, entre outras obras-primas, foi responsável pela cúpula da igreja de Santa Maria del Fiore, catedral de Florença. A patente deu a ele, pelo período de três anos, monopólio na fabricação de um barco para transporte de mercadorias. Mas a primeira legislação sobre o tema surgiu apenas anos mais tarde, em 1474, em Veneza, na época um grande centro comercial. A partir daí, a prática de concessão de patentes disseminou-se pela Europa e depois, com o tempo, para quase todos os países do mundo. No Brasil, a primeira resolução data de 1809, um ano depois da chegada da família real portuguesa ao país. Até então, fábricas e manufaturas eram proibidas por aqui. Com a vinda do governo português para o Brasil, foi preciso incentivar o desenvolvimento industrial. Uma das formas de fazer isso era conceder aos inventores o direito exclusivo de explorar a invenção por 14 anos. Dom João VI também liberou recursos para incentivar invenções e dar prêmios. O resultado começou a surgir em 1822, com o pedido de privilégio industrial para uma máquina de descascar e polir café, a primeira patente brasileira. 21


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Arqueologia

Fotos: Sharon Abdalla

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Uma vida garimpando vestígios do passado

Há mais de 50 anos, as pesquisas realizadas e orientadas pelo professor Igor localizam e contam um pouco do que foi a nossa história Sharon Abdalla

sharonabdalla@gmail.com

Sabe aquele tirada popular que diz: “Você nasceu para a coisa”? Ela define muito bem a relação do professor Igor Chmyz com a arqueologia. O amor pela pesquisa, o acompanha desde a infância. O menino, nascido e criado em União da Vitória, PR, era curioso e fazia coleção de tudo o que encontrava pela frente. “Eu lia muito, procurava livros que me atraíam. Gostava de pes-

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quisas, independente sobre o que fossem”, conta. E o gosto só fez aumentar, culminando, em 1960, com o ingresso de Igor no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFPR (Cepa), antes mesmo de iniciar a graduação de História e Geografia. Desde então, passadas mais de quatro décadas, a rotina continua a mesma — só muda nos períodos de viagens para os trabalhos de campo. Por volta das 7h “e pouco”, o arqueólogo chega ao prédio Dom Pedro

II, no campus da Reitoria da UFPR, pega o elevador até o décimo primeiro andar e caminha pelas rampas até o décimo segundo, onde está localizado o Cepa, que dirigiu entre 1966 e 2007. Na porta do Centro, um “puxe” escrito à caneta convida o visitante a entrar. A sala do professor é a última no final do longo corredor — ladeado por relíquias históricas —, sempre aberta para quem deseja conversar e conhecer narrativas sobre seus achados e salvamentos arqueológicos. O almoço ele traz de casa. Após a refeição, a caminhada

pelo centro da cidade é sagrada, e o expediente termina, religiosamente, às 17h. “Aproveito as caminhadas para visitar a caixa postal que mantenho no correio da Marechal Deodoro ou para analisar algum ponto da cidade onde possamos realizar pesquisas”, diz o professor. Vocação: pesquisador do passado

Uma visita ao tio que morava no interior do Estado traçou o caminho que o professor Igor seguiria pelo resto da vida. Os dois foram acampar às margens do rio Paraná, ao lado das ruínas da vila espanhola Liberdad Real Del Guaira (datada de


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1557). “Deixei a pescaria e comecei a percorrer as ruínas, a colher material. Quando passei por Curitiba, entrei em contato com o Museu Paranaense. O professor Oldemar Blasi sentiu minha tendência para a arqueologia e me convidou para trabalhar com eles, isso em 1959”. Após o ingresso no Cepa, um ano depois — a convite de José Loureiro Fernandes, então diretor do Centro —, Igor assumiu, em 1964, sua primeira turma de arqueologia, disciplina que ministrou até 2007, quando foi aposentado por idade. Afastado das aulas da graduação, hoje o professor ministra aulas na pós em Antropologia Social e continua com as pesquisas. Atualmente, conclui o relatório com os resultados dos estudos realizados durante a reforma da Praça Tiradentes, centro de Curitiba, em 2008 — quando ele e sua equipe encontraram uma calçada datada do século XVIII no subsolo da praça. O trabalho fez com que interrompesse, temporariamente, as pesquisas sobre os virotes (setas curtas) e as práticas funerárias dos índios tupi-guarani. Além disso, o professor orienta uma tese sobre os contatos interétnicos no médio Rio Iguaçu. “Nunca pensei em me aposentar, porque achava que poderia continuar contribuindo. Foi uma situação que aceitei com revolta. Por outro lado, agora tenho mais tempo para dedicar à pesquisa do material recolhido e catalogado durante todos esses anos”. Simplicidade e reconhecimento Para o pesquisador, Eloi Bora, que trabalha há mais de 20 anos com o professor Igor, simplicidade e organização são as palavras que melhor definem o colega. “Ele é superorganizado e tem uma metodologia de trabalho impressionante. Pela posição que ocupa na universidade e como pesquisador, poderia assumir outra postura em relação às pessoas, mas não o faz. É uma das características que mais admiro nele”.

Esta simplicidade reflete-se na maneira de o professor trabalhar. Na sala, ampla e arejada, nada de computadores, cadeiras estofadas e com rodinhas, ou outras “modernidades”. Os móveis são antigos. Num dos lados do tapete, as marcas dos pés do professor denunciam os anos que presenciaram seu trabalho de pesquisa. “Há algum tempo eu o virei, para deixar as marcas do outro lado”, ri o professor. Os registros das pesquisas e os artigos são escritos a lápis, com letras miúdas em papéis de rascunho, uma herança de muitos anos. “Não gosto muito de computador, penso escrevendo”. Habilidoso com as mãos, é ele quem retrata, com perfeição invejável, os objetos encontrados nas pesquisas arqueológicas. Sobre as diversas honras que recebeu, como o 1º Prêmio de Ciência e Tecnologia do Paraná, o professor quase não fala. Para ele, o maior reconhecimento é o que recebe dos alunos e da comunidade, como na ocasião da descoberta da calçada na Praça Tiradentes. “Alunos de diversos cursos se ofereceram como voluntários na pesquisa. As pessoas nos perguntavam o que fazíamos e nos parabenizavam. Isso é recompensador”, comenta. Entre as centenas de pedestres que param para admirar a calçada diariamente, encontramos o casal Luiz, engenheiro de alimentos, e Kati Valle, acupunturista, que não fazem ideia das técnicas que permitiram a exposição do calçamento, mas reconhecem a sua importância para a população curitibana. “As pessoas podem agora ver um pedaço do que foi a nossa história. Não podemos deixar que isso se perca com o crescimento das cidades”, afirmam. No que depender do professor Igor, isso, realmente, não vai acontecer. “Amo a arqueologia, nunca a considerei como um trabalho. Enquanto puder, vou continuar com as pesquisas para encontrar os registros da nossa história e apresentá-la para todos”.

Desenho de Igor Chmyz

Das ruínas de Pompéia a Indiana Jones A arqueologia é a ciência que se dedica ao estudo da cultura das sociedades no passado, a partir da análise dos vestígios de materiais, como ossos, cerâmicas, restos de fogueiras, estruturas arquitetônicas, “escondidas” pela ação do tempo sob o solo ou em grutas e cavernas. Os locais que abrigam tais relíquias são chamados de “sítios arqueológicos”. As pesquisas arqueológicas têm início na Itália do período Renascentista (século XVI), incentivadas por humanistas como Francisco Petrarca, após a descoberta das cidades de Pompéia e Herculanum, soterradas pelas lavas do vulcão Vesúvio, em 79 d.C. Já no século XIX, a decifração dos hieróglifos da Pedra de Roseta, no Egito, por Jean-François Champollion, abriu novas perspectivas para esta ciência. Na sociedade contemporânea, a arqueologia foi retratada e ganhou fama através do personagem Indiana Jones e dos quadrinhos do Tio Patinhas e sua turma, na série Ducktales.

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que as crianças têm mais TRava Por facilidade no aprendizado de línguas do que os adultos a u línG ??? Agosto

Línguas

2010

Camila Collato

camila.collato@gmail.com

Nos primeiros anos de vida, as conexões neurais estão em sua máxima atividade e integração, prontas para novos conhecimentos. Não há nenhum problema da criança ser alfabetizada em mais de uma língua, pois a criança inconscientemente busca sempre a regularidade. Ou seja, se ela percebe que o passado do verbo comer é “eu comi”, ela vai aplicar a mesma lógica para outros verbos como beber: “eu bebi”. Para lidar com as exceções, há sempre o auxilio dos pais e professores. A criança a partir dos 5-6 anos de idade já é capaz de comparar dois sistemas lingüísticos e, além disso, sempre há o recurso visual como, por exemplo, em palavras semelhantes como rua e lua, onde se pode verificar graficamente a diferença dos fonemas. Até os 12 anos a criança apresenta maior sensibilidade auditiva que permite distinguir melhor a formação dos sons das palavras. As crianças bilíngües apresentam maior agilidade mental, pois desde cedo foram obrigadas a lidar com mais informações do que crianças monolíngües.

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Para Terumi Koto Villalba, professora do departamento de Letras da UFPR e integrante do programa de Pós-graduação na linha de pesquisa referente ao Ensino, aprendizagem e aquisição de línguasestrangeiras, todo ser humano nasce dotado de uma

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Dos 12 aos 14 anos se consolida o processo de lateralização cerebral. O lado esquerdo associa-se às funções analíticas, lógicas e à comunicação verbal, sendo dominante nos processos de fala, leitura, escrita e matemática em cerca de 95% das pessoas. Já o lado direito está ligado à criatividade, à comunicação visual e aos processos de recepção - impressões, imagens, sons, cores, estruturas geométricas e dados abstratos. Para o bom aprendizado de uma língua é preciso uma boa articulação destas funções, porque a fala e escrita utilizam diversas regiões do cérebro ao mesmo tempo. As dificuldades aumentam após os 25 anos, quando um hemisfério quer “se meter nos assuntos do outro” de maneira dominante, gerando confusões. “Infelizmente, boa parte do ensino de línguas para os adultos ainda prioriza a memorização, mas esse já é um método que não tem mais efeito satisfatório. Há também um número muito maior de materiais didáticos voltados para as crianças do que para adultos”.

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Na infância, os hemisférios do cérebro atuam de maneira similar, pois ainda não há dominância de um sobre o outro (lateralização cerebral). Tanto o hemisfério esquerdo como o direito são eqüipotenciais para a linguagem. Os fatores psicológicos também são considerados: “A criança possui maior capacidade imitativa, pois é algo instintivo para ela. Ela imita o professor e não fica constrangida por isso. Já os adultos se recusam a fazer certas atividades em sala de aula por medo de se sentirem ridicularizados. Para a criança, o processo de aprendizagem de uma segunda língua é permeado por um sentido lúdico – seja através de música, jogos, do contato com objetos. A metodologia é em sua grande parte baseada na experiência.

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capacidade lingüística: “Esta ‘caixa preta’ que todos possuímos no cérebro é chamada dispositivo de aquisição lingüística. Segundo Chomsky, os seis primeiros anos são os melhores para o aprendizado de línguas, pois há uma maior disposição cognitiva”. Sai-

ba um pouco mais sobre este e outros fatores que facilitam a aquisição de línguas nos primeiros anos de vida. Mas vale lembrar: Para aprender não existe idade!


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