Na Cuia #8

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BELÉM EM CENA


Editorial O teatro grego surgiu de celebrações. Uma série de movimentações ritualísticas para Dionísio - o deus do vinho - foram organizadas e se transformaram em um rascunho do que conhecemos como o teatro contemporâneo. É claro que as experimentações transformam a tradição. Mas tem um conceito muito básico do teatro que inspirou e inspira todas as peças já feitas: a tragédia e a comédia do cotidiano. Os coletivos de teatro paraense são persistentes e transformam a tragédia do descaso em emocionantes histórias para serem contadas. A comédia era e é a sátira sociopolítica. E a esperança de que dias melhores para as artes cênicas estejam bem na esquina. Depois de terminar a produção desta edição, percebemos que a escolha do tema não poderia ser mais certeira: o Dia Nacional do Teatro - que acontece dia 19 desse mês - tem uma simbologia muito forte. Não é Mundial, como o do dia 27 de março. É uma data que celebra o teatro brasileiro. A gente não analisa com essa lente macroscópica, nossa curiosidade é pontual. Como anda o teatro em Belém: de passos largos ou na ponta dos pés?

Juliana Araujo Editora-chefe

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NA CUIA REVISTA CULTURAL Para contatar qualquer departamento da revista: nacuiarevistacultural@gmail.com @revistanacuia /nacuia REDAÇÃO Bianca Brandão, Caio Jesus, Juliana Araujo, Louise Lessa, Luciana Vasconcelos, Madylene Barata, Matheus Botelho, Stéfanie Olivier, Vitória Mendes CHEFE DE REDAÇÃO Matheus Botelho

DEPARTAMENTO DE ARTE & DESIGN Diretora de Arte e Diagramação: Lorena Emanuele Arte: Luana Lisboa DEPARTAMENTO DE FOTOGRAFIA Diretora de Fotografia: Bianca Brandão Fotógrafas: Louise Lessa e Madylene Barata REVISÃO E FINALIZAÇÃO Vitória Mendes Madylene Barata EDITORA-CHEFE Juliana Araujo

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO Coordenação de Mídias Sociais: Ana Luiza Rocha FOTO DE CAPA Planejamento de Comunicação: Mariana Guima- Leonardo Magno rães


~ Ediçao 4 - Breve história do Teatro Paraense por Luciana Vasconselos

8 - A sombra do teatro por Maria Paula Malheiros

12 - Nheë: Edyr Augusto 16 - O olho mágico das ruas por Alana Menezes

24 - Na Cuia indica: Blind for Giant por Vitória Mendes

26 - Ainda sem Poesia Filipe Santos das Mercês


Breve história do Teatro Paraense...

Considerado a 5ª bela arte, o teatro é uma das mais tradicionais formas de representação artística, refletindo a realidade social dos povos desde a antiguidade. E no Pará não foi diferente. Da Belle Époque aos anos 2010, o teatro paraense passou por diversas fases, ascenção, popularização, negliência. Conheça um pouco dessa história: breve, mas cheia de riqueza.

A

história do teatro paraense se mescla com a própria história do teatro brasileiro. À época da colonização, no século

Foto: Fernanda Cavalcante

XVII, o teatro chega a capital sob influência direta dos jesuítas, missionários e colonos europeus que viam aquele tipo de arte como representação religiosa com o intuito, não somente entreter, mas de evangelizar a população local. A cena teatral, não mais ligada diretamente à religiosidade, inicia com a necessidade local de construir espaços para abrigar grupos de teatro da região e fora dela também.

Foi construído no Complexo Largo das Mer-

cês, antes do tão esperado Theatro Nossa Senhora da Paz, o Teatro Providência, na primeira metade

do século XIX. Para suprir a necessidade cultural daquela época, a administração da Província locava teatrinhos particulares improvisados em um casarão no Largo. Na época, o teatro era uma das bases econômicas para o Estado. Empresários recebiam ajuda financeira do governo e promoviam temporadas de companhias


Luciana Vasconselos

tações artísticas daquele porte (grupos internacionais, festivais de ópera, etc). Devido a exploração da borracha na Amazônia, Belém - assim como Manaus - adquiriu grande destaque atraindo diversos setores da indústria e sendo reconhecido como grande centro comercial do país. Na época áurea do ciclo da borracha, o Theatro da Paz ganhou investimento e força para sua inauguração e manutenção do espaço. No mais luxuoso estilo neoclássico, o teatro era uma referência quando se tratava de monumento e espaço artístico-cultural.

Porém o teatro era algo distan-

te da camada popular. Enquanto a elite “apreciava” os espetáculos mais reconhecidos internacionalmente, a periferia do estado mantinha o seu tipo de arte nacionais e portuguesas. Mas, em 1872, o Teatro Providência quase foi às cinzas. O prédio pegou fogo de forma inesperada e comprometeu a vinda de vários grupos e peças valorizadas na época. O tal incêndio, no entanto, apressou a construção do Theatro da Paz.

O teatro era considerado uma “arte para pou-

cos” da sociedade daquela época. Apenas a burguesia tinha acesso ao teatro e aos vários tipos de manifes-

inicialmente no teatro de rua e só tinha acesso ao Theatro de uma forma: acom-


Foto: Leonardo magno

panhando seus senhores. Os empregados de uma família da elite belenense, por exemplo, enxergavam o

banqueiros da época, sentavam numa

que podiam de um espetáculo quando faziam com-

espécie de camarote que fica em volta

panhia às suas patroas, geralmente a pedido de seus

do teatro, os outros senhores senta-

patrões.

vam na parte do meio do teatro. Aos

No Theatro da Paz pode perceber que as ca-

empregados restava o que era chama-

madas internas do espaço eram também estrutura de

do de “paraíso” pelos senhores e co-

segregação social. Os senhores entravam pela frente

nhecido como o “inferno” para eles.

e os empregados nas portas laterais, para, de certa

São aqueles espaços que ficam na par-

forma, não se mesclarem àquela elite. Outro detalhe:

te superior do teatro, quase no teto.

as pessoas mais importantes como os governantes e

Era comumente chamado assim por-


a reflexão política. A Companhia Cena Aberta é fundada pelo mestre Luiz Barata, trazendo essa contestação dos padrões sociais com a intenção de “abrir a mente” de quem assiste o espetáculo e enxergar a atual situação segregatória das manifestações artísticas paraenses.

A cena teatral de Belém conti-

nua, de cabeça erguida. A desigualdade social ainda ecoa e quem é independente (tanto os veteranos, quanto quem é mais novo) se vira como pode, dando continuidade a esse teatro popular que, que além de ser quente, possuía uma acústica horrível.

Devido a esses fatores de exclusão do acesso

a boa parte da sociedade, a periferia se manifestava como podia. Inicia assim o teatro popular, com essa raíz áurea na época da borracha. A periferia faz uma mimese daqueles espetáculos grandiosos, obtendo influências das grandes óperas, do circo, das lendas, das danças mais populares como a quadrilha e o boi -bumbá. Na década de 20, o teatro popular paraense começa a ter mais visibilidade e desenvolver, também,

no início do século XX, desafiou as normas impostas, colocando esta linguagem tão acostumada com palcos suntuosos em qualquer lugar que pudesse expor sua grandeza sensível.


A Sombra do Palco...

Foto: acervo da companhia


Maria Paula Malheiros

O Coletivo Miasombra trabalha com experimentação e as formas mais diversas de contar histórias emocionantes.

M

iguel Cervantes se orgulharia desse grupo.

bras se tornou um dos meios de comu-

Surgiram a partir de sua famosa obra lite-

nicação do coletivo com o mundo.

rária, “Dom Quixote”, e se tornaram um

O Coletivo Miasombra é respon-

dos coletivos teatrais mais expressivos da mangueirosa

sável pela criação e gestão da Ocupação

Belém: este é o Miasombra. Nasceram em 2009, a partir

Território Paranoá Eixo Cerrado Ama-

de um projeto de montagem aprovado pela FUNARTE.

zônico, para a Funarte Brasília, até de-

A ideia inicial era apenas realizar um espetáculo feito

zembro de 2015. Iniciou em julho, com

a partir de sombras e inspirado na obra Dom Quixote,

a Semana Paraense de Cultura, e segue

entretanto, ao longo do processo de produção, passaram

com diversas atrações até o fim do ano.

a observar que, na verdade, o pilar era a investigação, e

Esse coletivo tem em sua coxia nomes

não o teatro de sombras em si. O ir atrás, o experimentar,

cheios de alma que o tornam uma rea-

o arriscar. Era disso que a alma do coletivo se alimentava.

lidade: Aline Chaves, David Matos, Lu-

A partir de então surgia o Miasombra, que até o mo-

ciana Medeiros, Milton Aires, Márcia

mento não era denominado dessa forma, composto por

Lima, Patrick Mendes e Thiago Ferra-

artistas, sem hierarquia, em busca de novas experiências

daes. O time pesquisa desde 2009 o Te-

teatrais, como um laboratório cênico. O teatro de som-

atro de Animação, Teatro de Sombras,


Cinema e Performance. De forma colaborativa, horizontal, ligado diretamente ao Estúdio Reator, que se dedica ao estudo da performance do teatro, artes plásticas e tecnologia. Em seu repertório possui a premiada cena, “Makunaíma em a Àrvore do Mundo e a Grande Enchente” e o espetáculo “À Sombra de Dom Quixote”, contemplados pelos prêmios renomados Myriam Muniz de 2009 (FUNARTE) e Festival de Cenas Curtas Galpão de 2011 (Prêmio Especial do Júri); além dos editais Pauta Mínima de 2014 e o Edital de Ocupação Teatro Plínio Marcos de 2015 (FUNARTE). Evidente que uma ideia tão majes-

ponibilizados a partir de incentivos governamentais,

tosa não deixaria de ser compartilhada: o

legitimam o fazer criativo de grupos no país inteiro.

Miasombra possui parcerias com outros

coletivos, assim como ele, independentes

expectativas: “Queremos continuar com nossas pes-

e que possuem como foco o teatro. Den-

quisas e criações artísticas. Temos projetos para cir-

tre os parceiros do coletivo estão o Estú-

cular mais pelo Brasil com nossa produção de espe-

dio Reator e o Casarão de Bonecos - In

táculo e com atividades de intercâmbio e formação.

Bust Teatro com Bonecos. Entretanto, o

Nesse momento estamos empenhados no intercâm-

grupo faz questão de afirmar, que apesar

bio com artistas da Amazônia e do Brasil, nosso pro-

de na maioria das vezes as parcerias se-

jeto em Brasília busca esse estreitamento das ativida-

rem com outros coletivos, os editais dis-

des artísticas entre duas regiões, norte e centro-oeste,

Diante do sucesso, o que não pode faltar são

e a afirmação de uma zona de fruição e escoamento da arte nessa geografia que é o Eixo Cerrado Amazô-


nico. Isso já existe culturalmente há muito tempo, agora com o projeto de ocupação queremos tornar essa eixo cultural entre regiões uma realidade e uma necessidade.”, afirma o grupo.

Para saber mais sobre o projeto, vale a pena visitá

-los nas redes sociais. Procurando por Coletivo Miasombra é possível obter uma série de informações sobre o grupo. Para agenda de espetáculos e contato, o endereço é miasombra.teatro@gmail.com.

Foto: acervo da companhia


Nheë:

Edyr Augusto Proença Edyr Augusto, membro do Grupo Cuíra, é veterano no teatro paraense e sabe das dificuldades que os artistas passam para expor seus trabalhos - tanto pelo lado do apoio de instituições, quanto pelo do apoio do próprio público. Com o fechamento do Teatro Cuíra, a Na Cuia o entrevistou para saber quais as perspectivas do grupo e qual a sua visão sobre o futuro da cena teatral da cidade.

NC: Em uma nota divulgada no site do Grupo Cuíra, vocês afirmam que já tem em vista um novo lugar para as apresentações? Como está esse processo? EA: Tá tudo andando já. O lugar nós já temos, fica na Dr. Malcher, uma rua da Cidade Velha. É uma casa que tem um espação enorme onde vamos fazer teatro imersivo. O Grupo já começou a ensaiar um espetáculo que se chama “Esse corpo que me veste”, que é sobre questão religiosa. Ele tem por base o julgamento de Jesus Cristo por Pilatos, e aí discute religião modernamente. Tem direção da Wlad Lima, a Olinda Charone faz o Pilatos e a Zê Charone faz Jesus. Nós já começamos os ensaios. E temos o outro espetáculo, que até o final do ano deve entrar, chama-se Auto do Coração. É um espetáculo de rua, ainda está em elaboração. Além disso, nós temos outros espetáculos menores do Cuíra que iremos apresentar. Esse espaço já está começando a ser aparelhado. A gente está tiran-

do as coisas do Cuíra que guardou aqui e ali e tá colocando de volta. Eu penso que daqui a um mês ou dois no mais tardar em outubro - a gente apresenta esse espetáculo.

NC: A mudança de tipo de teatro implica em algum tipo de adaptação das peças? EA: Implica sim. Primeiro, que tal-


vez seja uma adequação ao público que temos hoje no teatro. Segundo, a gente pensa no teatro imersivo, que é aproximar o público da cena, deixar o ator muito próximo, sem aquela separação entre palco e plateia. Esse tipo de teatro que, pra nós, é razoavelmente novo, é bastante provocador, é instigante.

NC: Tu achas que a mudança da configuração do teatro é uma tentativa de aproximar do público? EA: Sim, é uma tentativa de aproximar as pessoas da cena, deixar aquela mágica do teatro acontecer junto delas. Acho que vai ser muito bom.

NC: Tu achas que a falta de interesse dos próprios paraenses no teatro regional é uma consequência do deslumbramento com o que vem de fora? Qual a maior problemática disso? EA: Pra teres uma ideia, eu estreei minha primeira peça no Theatro da Paz lotado. Já participei de peças paraenses que lotaram várias vezes o Theatro, fazendo espetáculos extras. Ao longo do

tempo, é evidente que o mundo mudou, há outros encantos, há outras mídias. Agora, o que acontece em Belém é esse processo de dizimação da classe artística paraense, nenhum apoio, nada. E aí as pessoas vão se afastando. Preferem ficar em casa, vendo um filme ou outra coisa. O teatro passa a ser uma coisa cada vez mais distante delas. Essa cultura da televisão fica cada vez mais forte e as pessoas ficam fotografando o ator global. No fundo, nem a peça do cara da Globo é assistida realmente; as pessoas vão pra ver a celebridade instantânea que tá lá. Houve um problema de educação e de cultura brutal em nosso estado. Hoje em dia nós somos um -1, -10 em termos de condição educacional e cultural.

NC: Com mais 30 anos de história do Grupo, qual tu


achas que é o maior legado do Cuíra para o teatro aqui no Pará? EA: Acho que a persistência, porque nos últimos 20 e poucos anos nós temos tido uma política cultural por parte do governo de dizimação da classe artística. Ao longo desse tempo, poucos grupos sobreviveram, a duras penas, fazendo menos espetáculos. Os grupos não têm local para ensaiar. Foi uma grande audácia do Cuíra conseguir um lugar. Nós conseguimos fazer um teatro de 100 lugares com ar condicionado, palco magnífico. Lutamos durante 9 anos e fomos vencidos porque não tivemos nenhum tipo de apoio, estávamos fazendo muito na luta mesmo, as despesas eram muito altas. E também, infelizmente, por questão de drogas e usuários de crack que invadiram aquele local, sem nenhuma resistência do poder público. Nós também não temos onde nos apresentar. É difícil conseguir uma pauta de um mês no teatro Margarida Schivasappa, no Sylvia Nunes. O Theatro da Paz, ele é inacessível para paraenses, que não são bem-vindos, a não ser que sejam de canto lírico. Então é difícil. Ao longo desses anos poucos grupos conseguiram sobreviver. Nós sobrevivemos, estamos aí, vamos continuar a fazer teatro.


NC: Na história do Grupo Cuíra, qual foi a peça que mais te marcou? EA: É muito difícil dizer, porque cada peça é uma peça. Pessoalmente, me tocam muito as peças que eu dirigi e escrevi, que foram feitas pela Zê Charone e pelo Cláudio Barradas, que é um deus do nosso teatro e vai trabalhar como consultor na peça religiosa que a gente tá fazendo. Esses espetáculos que eu fiz com o Cláudio e com a Zê, um se chama “Abraço” e outro “Sem Dizer Adeus”. Foram espetáculos muito tocantes, embora “Convite de Casament”o seja o que mais chamou atenção e ficou mais tempo em cartaz.


O olho mรกgico das ruas

Foto: acervo da companhia


Alana Menezes

O desejo de ocupar espaços não-convencionais estava desde o inicio com as Madalenas. Ocupar as ruas sempre foi uma necessidade, e mesmo que seus espetáculos sejam divididos entre palcos e ruas, a Companhia de Teatro Madalenas nos mostra a importância da ocupação dos espaços públicos.

atro da UFPA sentiram a necessidade de

E

ganda. Juntos eles organizam suas ativida-

montar um grupo para fazer espetáculos

des, montam seus espetáculos, trabalham

por conta própria e que falasse daquilo em que acre-

para que a companhia continue produzin-

ditavam. Queriam fazer de maneira experimental,

do e fazendo aquilo que eles mais gostam

ocupando lugares nada convencionais para se fazer

de fazer: Teatro.

teatro. Surgia ali a necessidade de falar sobre o con-

flito do homem contemporâneo. Eles eram muitos

torze anos de existência, a Companhia de

que muito logo - em 2002 -, ficaram poucos, mas a

Teatro Madalenas se mostra incansável

determinação e vontade de fazer teatro ainda eram

quando o assunto é o fazer teatral e a res-

as mesmas. Em 2002 já estavam formados, não ti-

ponsabilidade social. Mesmo com os per-

nham mais a comodidade e segurança que a escola

rengues enfrentados pela a falta de apoio

de teatro dava, mas seguiram em frente caminhando

financeiro, as Madalenas continuam se-

com as próprias pernas.

guindo em frente, tocando seus projetos e

Assim surgiu a Companhia de Teatro Madalenas.

mostrando que vale a pena persistir naqui-

Hoje são cinco integrantes: Flávio Furtado, Leonel

lo que acreditam, sem sucumbir diante das

Ferreira, Michele Campos, Rodrigo Braga e Tainah

dificuldades e sempre querendo fazer mais

m meados de 2001 alunos da escola de te-

Fagundes - que é formada em Publicidade e Propa-

Somando sete espetáculos em qua-


pelas pessoas e pela cena cultural do Estado.

Madalenas e as Ruas

A ocupação dos espaços públicos sem-

pre foi uma grande vontade das Madalenas, desde o início. Pensava-se em uma maneira de ocupar os lugares não-convencionais, não somente as ruas, mas casarões abandonados pelo poder público também eram almejados pelas companhias. Com o tempo, a vontade virou realidade e a ocupação foi acontecendo. Logo de início, em 2003, depois de muita conversa e negociações com a prefeitura da época conseguiram a liberação para ensaiar o primeiro espetáculo da Companhia, o “À flor da pele”.

Em 2006 as Madalenas ocuparam as

ruas com o “Eu quero botar meu bloco na rua”, cortejo que saia de dentro do cemitério da Soledade e levava um caixão até o Theatro da Paz, em forma de protesto contra a política cultural do Estado do Pará. Leonel Ferreira, ator, diretor, educador e um dos fundadores da Companhia afirma que “essa inconformidade das Madalenas sempre foi a mola precursora para que nós sempre tratássemos de assuntos que para nós era im-

portante, não só para nós, mas que dialogasse com o espectador. O mais importante é isso, que o público sacasse qual era a nossa linha”.

Depois de apresentarem dois

espetáculos seguidos nos palcos, o “Aurora da minha vida” e o monólogo “Corpo Santo”, em 2011 as Madalenas voltam para as ruas com a cobrança interna do grupo de produzir um espetáculo infantil que fugisse dos grandes clássicos dos teatros. Nascia


então o “La Fábula”, espetáculo que ia para as ruas contando histórias. A contação de história aconteceu em todas as praças da região Metropolitana de Belém e em algumas cidades do interior do estado.

Em 2014 o desejo antigo de produzir

o espetáculo “A Estação” voltou à tona e as Madalenas resolveram apresentá-lo nos terminais rodoviários e hidroviários da cidade. As apresentações aconteceram em julho deste ano e trouxe para o público a grande surpresa de uma intervenção inesperada por todos que passavam no local em que estavam, incitando reflexões até mesmo para os atores do espetáFoto: acervo da companhia

culo.

Para Leonel Ferreira “ocupar o espaço

público é dar pra ele outro sentido, é ressignificar aquele espaço, é abrir aquele espaço para outras possibilidades para além daquilo que ele foi construído”. Isso mostra que, para as Madalenas, estar nos lugares públicos também é uma forma de mostrá-lo para as pessoas. Tainah Fagundes completa dizendo que “estar num espaço público é um questionamento político também, e isso vem um pouco da nossa trajetória, não é um escolher só por uma experiência diferente, inusitada, Foto: acervo da companhia


para ser a cena da Babalu. Tem que esperar a hora certa de virar o jogo, a cena é um mas também é uma forma de questionar o poder público”. “Não fazemos teatro para nós, fazemos para o outro, então que esse outro receba o que nós temos de melhor, que esse outro tenha a experiência e a vivência daquilo que nós acreditamos. Se isso vai tocar a todos, nós não sabemos, nós estamos fazendo nossa parte naquilo que acreditamos, que é deixar esse mundo um pouco melhor, deixar menos violento, menos embrutecido, sabe? Com mais amor ao próximo, de a respeito à natureza, ao meio ambiente, da cidade como um todo. Respeito à vida!”, afirma Leonel.

O público

As ruas trazem a incerteza, os contratempos,

as intromissões, o inesperado. Ninguém pode prever o que acontecerá. A surpresa é a palavra de ordem nas ruas. Leonel diz que “é sempre um aprendizado quando nós somos surpreendidos com algo que não esperávamos, porque nos coloca em uma situação de risco, daquilo que o ator não está preparado. O ator nunca deve sentir que está pronto para tudo”.

O ator conclui: “Você vai para um lugar pú-

blico, aberto, você está sujeito as interações, as intervenções dos passantes. Isso aconteceu um dia de uma mulher, uma moradora de rua, ela entrou em cena, virou a cena dela, da Babalu. Deixou de ser nossa

jogo. A hora que ela entra é o momento mais importante do jogo”.

Tainah Fagundes fala sobre essa in-

teração: “O olhar, a contemplação, o carinho, a ausência daquilo que não tem. Eles recebem a gente e é muita troca mesmo. No terminal rodoviário a gente encontrou o Seu Júlio, ele era um senhor que desembarcou em Belém, era de BH, cadeirante e estava esperando aquela passagem que é de graça para voltar pra BH. E foram três dias de apresentação e ele estava lá os três dias. Conversa e se emociona, ele achou que eu parecia com a filha, e descobrimos que ele tinha um problema familiar, estavam brigados e meio que me viu e ficou emocionado”.


Foto: acervo da companhia

A Madalenas acredita que a rua é o lugar de

o grupo resolveu que promoveria oficinas

encontros e que as histórias que são apresentadas

junto com o espetáculo. Um dia antes de

chegam as pessoas como uma identificação.

cada exibição era ofertada uma oficina so-

bre teatro e educação. Leonel afirma: “Isso Teatro e educação

começou a nos motivar, então de que for-

Logo que estreou o “La Fábula”, com a dire-

ma poderíamos trabalhar o teatro como

ção de Ester Sá, a contação de história trouxe consigo

uma ferramenta que fosse usada para a

a necessidade de aproximar as pessoas da leitura, e

transformação das pessoas? Nós acreditamos que um caminho é a educação. Então o teatro, juntamente com a educação ser esse instrumento que possibilita a reflexão da sua condição de vida, do mundo que você vive, que possibilite a você uma ação”.

Augusto Boal - com o teatro do

oprimido - e Paulo Freire - com a pedagogia do oprimido - estão na base teórica da Cia de Teatro Madalenas. As oficinas são de Trabalho de Ator e de Teatro e Educação, e são ministradas pelos atores Foto: acervo da companhia


da companhia. “Cada vez que a gente apresenta, cada oficina que a gente dá, é uma vitória. E quando te chamam de volta, é porque tu plantaste a semente

também por editais, a produção das Madalenas

certa e ela vigorou, sabe? Ela deu fru-

sobrevive rendendo o dinheiro que ganha para

tos” diz Leonel.

continuar produzindo.

O Coletivo Pirão, criado há três anos,

Apoio e parcerias

é formado por seis grupos artístico de Belém,

A falta de apoio financeiro é

são eles: Cia de Teatro Madalenas, Cia de In-

uma realidade na cena cultural da ci-

vestigação Cênica, Dirigível Coletivo de Tea-

dade, o que dificulta as produções, mas

tro, In Bust Teatro com Bonecos, Produtores

a vontade de produzir acaba rendendo

Criativos e Grupo Projeto Vertigem. Para Tai-

bons frutos. Ganhando alguns prêmios

nah “isso também é mais uma possibilidade

a partir de editais do governo federal e

para a gente poder fazer arte, o nosso trabalho

um patrocínio do Banco da Amazônia,

se juntando com mais força, né? Para a gente


juntar no outro essa energia, a vontade para a gente não desanimar e a resistência para não parar” afirma.

A Cia de Teatro Madalenas e tantos outros

grupos que buscam, na sua força de vontade, no querer produzir, na esperança de que deixarão o mundo melhor e que mesmo com o pouco apoio, que por vezes nem vem, ainda sim continuo seguindo firmes -e porquê não fortes?- no fazer teatral, seja ele nos teatros, nas ruas, nas praças, no interior ou na cidade, o que prevalece é a esperança e a vontade de manter as chamas das artes acesas.

Foto: acervo da companhia


Na Cuia indica: Blind for Giant Vit贸ria Mendes

Foto: Juliana Araujo


que a gente descobriu que não é tão fácil

A

ntes de começar a falar sobre a Blind for Giant, quero dizer que minha entrevista com o Allan Souza, vocalista da banda, foi

mais ou menos assim: -O disco também vai seguir a linha “cronologia do desastre”? - perguntei, fazendo referência a uma entrevista deles que encontrei em um site. -Cara, minha vida é um grande desastre, é a grande verdade (risos).

Me identifiquei na hora. Se identifica também,

jovem? Ótimo. Então pode colocar o EP Greetings to the Farewells pra tocar. Esse é o primeiro trabalho autoral da Blind for Giant, banda de rock paraense formada por Allan Souza (guitarra e vocal), Almir Severo (bateria e backing vocals) e Daniel Frazão (baixo). O EP é de 2013 e tem 4 músicas, todas em inglês, influenciadas por bandas como Queens of the Stone Age, The Mars Volta, The Hives e a banda goiana Black Drawing Chalks, que o Allan faz questão de rasgar muitos elogios. “Os caras da banda gostam, mas eu amo muito, é a minha banda brasileira preferida”. A banda acabou de gravar o primeiro disco, cujo-nome-não-pode-ser-revelado-por-enquanto-pois-é-surpresa. “O processo de gravação foi interessante por-

assim só ensaiar as músicas e ir lá gravar. A gente dá uma energia no palco, mas pra transpor pro CD essa mesma energia é preciso se entregar duas vezes mais. Foi um desafio, exauriu nossas forças, mas foi bem legal a experiência”, conta o vocalista.

O álbum tem previsão de lança-

mento estratégico para o início de 2016, mirando nos festivais de música alternativos espalhados pelo Brasil, como Bananada (GO), Quebramar (AP) e Festival DoSol (RN). Allan também adiantou que as canções todas serão sobre seus desastres pessoais, acreditando que o público se identifica com o artista quando há realidade em suas letras. A música Fake Fleeting Traps ganhou um clipe em janeiro deste ano e estará presente no disco-cujo-nome-não-pode-ser-revelado -pois-é-surpresa. Para ouvir o som deles, acesse soundcloud.com/blindforgiant e curta a fanpage homônima da banda. Lá também tem o link para baixar gratuitamente o EP Greetings to the Farewells.


Um rio que corta a angustura (Filipe Mercês)

Onde crescem brancas flores

Morrem jovens imortais,

Nos altos da folhagem,

Caem nas aguas escuras do destino.

E o solo aborta outras

Veneno, meninos e ratos

No transbordo do excreto,

Criança e cão...

Que molha os pés de quem passa.

O risco é a conjuntura,

Na cidade de belém,

É a profundeza,

Há escárnio e um pouco de pena na praça,

A agua escura

Enquanto morrem jovens imortais.

Do rio que nao corre,

Tarde, dizem uns;

Do rio que nao morre,

Cedo, diz o tempo.

Mas agoniza o sofrimento alheio.

Eles se afogam nos méritos do destino

Transborda a dor amortecida

Do rio que nao corre,

E molha os pés de quem passa.

Que nao morre...

Ratos, meninos

Mas agoniza a dor profunda

Criança ou cão...

Dos pés amortecidos

Embaixo do tapete,

Das utopias perseguidas

Abaixo do discurso,

Entre a riqueza e o suor.

O braço do rio leva à donzelas indefesas

Vertical,

Onde o prazer é cavado

A chuva,

A dor se esconde, na memoria

Os sonhos,

O pecado, fica no fundo

O coito,

da boca,

A queda...

ou do corpo,

Mais um estalo opaco,

de ratos, meninos,

Mais um jovem imortal

menina ou cão...

Megulha nas profundezas do rio,

que caem nas aguas escuras do destino.

Para não morrer,

Do rio que nao corre,

E nem voltar.

Do rio que nao morre,



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