Revista Academia Paulista de Educação - N° 2 - Ano 1 - Novembro 2012

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RINO COM

Educação, oportunidade e assistência social. Com isso, o CIEE ajuda a construir um Brasil mais justo. Todos os meses, milhares de estagiários e aprendizes do CIEE utilizam parte de sua bolsa-auxílio para complementar a renda de suas famílias. É o CIEE contribuindo para a inserção dos jovens no mercado de trabalho, prestando assistência social às famílias e colaborando com o Governo em suas bem-sucedidas ações sociais. Sede do CIEE: Rua Tabapuã, 540 • Itaim Bibi • São Paulo/SP • CEP 04533-001 (11) 3046-8211 • www.ciee.org.br


Editorial O ano de 2012 vai ficar na história desta Academia como o marco da fundação e consolidação da Revista Academia Paulista de Educação, que terá periodicidade semestral. Seu objetivo é traduzir, em linguagem adequada e mediante a colaboração de especialistas de renome nacional e internacional, os principais problemas da educação no Brasil, de preferência os concentrados na educação básica, visto ser ela o calcanhar de aquiles da crise que, de tempos em tempos, até esta data, vem avassalando o sistema de ensino como um todo. A edição número 1, correspondente ao primeiro semestre, e que se esgotou rapidamente, abordou as comemorações em torno do cinquentenário da LDB; analisou o teor do Plano Nacional de Educação, cujo projeto de lei ainda tramita no Congresso Nacional; além de informar sobre os avanços importantes havidos na vida da Academia, com destaque para a regularização institucional do órgão, o preenchimento de suas numerosas vagas, com nomes consagrados no cenário educacional, bem como o texto integral do novo Estatuto, aprovado em Assembleia Geral e já em vigor. Na edição deste segundo semestre, a publicação aborda o polêmico e desafiante problema do livro impresso versus livro digital – a natureza de cada um, as relações do processo educativo com um e outro desses instrumentos didáticos e paradidáticos, o papel do professor em meio a

esse tiroteio, os interesses comerciais envolvidos nesse mercado e a avaliação de seu uso em sala de aula –; a importância do ensino técnico na atual conjuntura desenvolvimentista do País e os chamados “apagões” dos recursos humanos voltados para as profissões de ponta; estudo sobre a controversa adoção das cotas universitárias, que somam mais de 1 milhão e meio de vagas, inseridas no Prouni. Vale a pena, ainda, darmos notícia do vindouro Seminário sobre Alfabetização e os Fenômenos do Letramento e do Analfabetismo Funcional, a realizar-se no primeiro semestre de 2013. Em fase de organização, o seminário estará sob a coordenação dos acadêmicos João Gualberto de Carvalho Meneses e Jair Militão da Silva e contará com a presença de diversos e relevantes educadores do país. Esperamos que este número 2 tenha o mesmo destino do anterior, esgotando rapidamente a sua tiragem e prestando um relevante serviço à educação nacional. Boa leitura! Paulo Nathanael Pereira de Souza Presidente


EXPEDIENTE Academia Paulista de Educação Rua Joaquim Távora, 756 04015-001 – São Paulo – SP www.apedu.org.br contato@apedu.org.br Diretoria

Sumário Lançamento: Paulo Bomfim apresenta sua Antologia Lírica

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Presidente: Paulo Nathanael Pereira de Souza Vice-Presidente: Bernardete Angelina Gatti 1º Secretário: Jair Militão

2º Secretário: Flávio Fava de Moraes 1º Tesoureiro: Wander Soares

2º Tesoureiro: Arnold Fioravante Bibliotecário: Reinaldo Polito

Diretora de Comunicação: Márcia Ligia Guidin Comissão de Cursos, Eventos e Convênios Coordenador: João Gualberto de C. Menezes Membros: Myrtes Alonso, João Grandino Rodas, João Cardoso Palma Filho, José Augusto Dias.

Conselho Editorial Paulo Nathanael Pereira de Souza, Arnold Fioravante, Márcia Lígia Guidin e Wander Soares

Artigo: A crise inicial na formação de professores

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Entrevista: Carlos de Maio destaca a importância da formação profissional Capa: O livro didático na era digital

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Artigo Cotas universitárias: pró e contra

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Edição Sônia Monfil Cardona Reportagem Célia Domingues Sônia Monfil Cardona Revisão Eva Célia Barbosa Projeto Gráfico e Diagramação RS2 Comunicação Impressão Prol Editora Gráfica Tiragem 2.000

Destaques acadêmicos: Notícias sobre as atividades além da academia

Acadêmicos

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Fotos: Di Bonetti

Lançamento:

Homenagem ao poeta de São Paulo Lançamento do novo livro de Paulo Bomfim reuniu amigos de longa data, entre políticos, intelectuais e acadêmicos

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m Antologia Lírica, Paulo Bomfim selecionou 63 de seus poemas prediletos. A edição especial, lançada em festa ocorrida no dia 4 de setembro, no Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), foi produzida pela Miró Editorial, em conjunto com a empresa de comunicação Viveiros & Associados. Prestigiaram o evento, além de membros das Academias Paulistas de Letras e de Educação,

a presidente da Academia Cristã de Letras, Yvonne Capuano, o ex-governador de São Paulo, Laudo Natel, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, representantes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, os presidentes executivo e do Conselho de Administração do Ciee, Luiz Gonzaga Bertelli e Ruy Altenfelder, respectivamente, entre outros. Antologia Lírica tem apresentação do jornalista Ricardo Viveiros e prefácio do professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, presidente da Academia Paulista de Educação. É uma obra representativa da trajetória do poeta, segundo a editora e membro da Academia Paulista de Educação, Márcia Lígia Guidin. “Paulo Bomfim impôs-se a tarefa de selecionar alguns poemas. Chegou a 63 deles. Como será difícil escolher, ou

reler, o que talvez nem se acarinhe mais! Entretanto, esses 63 textos estão aqui como uma espécie de revelação. E o número – acidental – trouxe à sua lembrança data muito importante: no ano de 1963, Bomfim era eleito para a Academia Paulista de Letras. Ou seja, antes dos 40 anos, partilharia o peso da tradição acadêmica – e nem metade de sua obra ainda existia. Por isso, depois de 1963, ganha a APL e ganhamos nós. Se Antônio Triste e Armorial já se elevavam à imortalidade do autor, as obras vindouras trariam consigo um senso estético ainda mais apurado e, sobretudo, a paradoxal liberdade de manter-se em aparente prisão na forma fixa dos sonetos. Eis um poeta na modernidade: sem arruído, Paulo Bomfim mostrará, cada vez mais, que sua lírica não é só expressão individual, ela existe porque adquire participação no todo universal.”


ARTIGO:

A crise inicial na formação de

professores Bernardete A. Gatti*

A

Fotos: arqu

ivo pessoal

qualidade da educação escolar no Brasil é questão que vem preocupando amplos setores da sociedade. Vários fatores interligam-se para a produção de uma boa qualidade educacional nas escolas: o conjunto de políticas e programas educacionais posto em ação; o financiamento da educação básica; a carreira e o salário dos docentes e suas condições de trabalho nas escolas; aspectos sociais e culturais; a naturalização, em nossa sociedade, da situação crítica das aprendizagens efetivas de amplas camadas populares; as formas de estrutura e gestão das escolas, a formação dos gestores, etc. Porém, não há educação escolar sem professores. As políticas relativas aos docentes tornam-se, assim, altamente relevantes, inclusive as relativas à sua formação

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inicial nas instituições de ensino superior, nas nas escolas de educação básica, e que o papel licenciaturas, questão até aqui descurada. Isso da escola, e dos professores, é ensinar-educando. não quer dizer que se deva reputar apenas ao Ou seja, acreditamos que, sem conhecimentos professor, como pessoa, a responsabilidade sobre básicos, a vida no social não se realiza plenameno desempenho atual das nossas redes de ensino. te, e, sem eles, não há verdadeira condição de O profissional é fruto de uma política educacio- consolidação de valores e do exercício da cidadanal que descura das licenciaturas, descura de sua nia. Pensamos o professor como um profissional formação, como veremos, e que descura de suas e, como tal, deve ser preparado para enfrentar os desafios do exercício do magistério. possibilidades de carreira. Mas, o que se verifica é que a formação iniMas, mesmo considerando a conjunção de fatores que se inter-relacionam na dinâmica cial para a educação básica é feita, em qualquer das escolas, pensamos ser importante dar aten- dos tipos de licenciatura, de modo fragmentado ção especial para a questão específica da for- entre as áreas disciplinares e os níveis de ensino. mação inicial, na graduação dos professores, o Não se conta, no Brasil, nas instituições de enque envolve diretamente as instituições de en- sino superior, com uma faculdade ou instituto sino superior, em especial, as universidades, e as próprio, voltado à formação integral desses profissionais, com uma base comum formativa, como políticas federais de educação. Vários autores nos lembram que o magis- observado em outros países, onde há Centros de tério é um setor nevrálgico, nas sociedades contemporâneas, cujo desenvolvimento repouPensamos o professor como sa cada vez mais na formação um profissional e, como tal, adequada de seus habitantes em domínios de conhecimento deve ser preparado para chaves para seu desenvolvimenenfrentar os desafios do to econômico e social, e para a constituição de melhor bem-esexercício do magistério tar social. O cuidado com a boa formação dos professores da educação básica torna-se essencial, para o desenvolvimento das pessoas e de Formação de Professores englobando todas as um país. Essa nem sempre foi a preocupação especialidades, com estudos, pesquisas e extensão prioritária de governos, no Brasil, nem mesmo relativos à educação escolar, à atividade didática, das instituições de ensino superior. (TARDIF à pedagogia e às reflexões e teorias associadas. Exemplos são os Teachers College, dos Estados & LESSARD, 2005; GATTI et al. 2010). Ao discutir a formação inicial de professo- Unidos e Inglaterra, os Institut Universitaire res oferecida em nossas instituições de ensino (IUFM), da França, os Centros de Formação de superior, assumindo que formar professores é Professores, nas universidades de Portugal, entre formar um profissional especializado para atuar tantos. Na fragmentação formativa de docentes, 7


ARTIGO nesse nível, e encontram no Brasil, o aspecto discipligrandes dificuldades para nar tem absoluta primazia, A formação didática fazer a transposição didádescurando-se das questões tica dos conhecimentos pedagógicas. é precarizada. disciplinares necessária à Os cursos de licenciaFaz-se necessário formação de novas geratura, que devem estar volções. Aprendem por ensaio tados à formação inicial de integrá-la em e erro, na prática, com conprofessores para a educaselho de colegas, e consulta ção básica, têm sido objeto estruturas tardia a materiais didáticos. de várias análises, as quais institucionais Com isso, sofre o ensino, apontam sérios problemas sofrem as aprendizagens, associados à forma como voltadas a essa sofrem as crianças e os joé realizada. Seus currículos formação específica vens, e sofre o jovem provêm sendo postos em quesfessor, que tem de se destão, e isso não é de hoje. dobrar para aprender o que Estudo de âmbito nacional, lhe foi sonegado nos cursos da Fundação Victor Civita, associado à Fundação Carlos Chagas (GATTI de licenciatura. Sofre a escola pública, onde a et al., 2009 e 2010) mostra como esses cursos imensa maioria desses docentes se encontra oferecem uma formação precária em psicolo- e onde entra sem os apoios adequados para o gia da educação, didática e práticas de ensino, e início de seu trabalho profissional. Não há pracomo pouco tratam das questões educacionais. ticamente cuidados, nas redes públicas, com o Os estágios não contam, em geral, com plane- professor iniciante. (GATTI, 2012). Constata-se, também por pesquisas, que a jamento e supervisão adequados. O que se verifica é que a parte curricular, formação continuada oferecida a professores que propicia o desenvolvimento de habilida- em exercício, que deveria prover aprofundades profissionais específicas para a atuação nas mentos e avanços, na maioria dos casos, são escolas e nas salas de aula, fica bem reduzida. propostas com a característica de dar supriCom isso, os licenciandos nas várias áreas (le- mento a uma formação precária pré-serviço. tras, ciências, matemática, história, pedagogia, São conhecimentos que deveriam já ter sido filosofia, etc.) saem, da maioria desses cursos, dominados nas formações iniciais. Isso respondespreparados para o enfrentamento de uma de a uma situação particular nossa, pela precasala de aula, e sem as condições mínimas para o riedade em que se encontram os cursos de forexercício da profissão de professor, que implica mação de professores em nível de graduação. saber quais são os fundamentos e como ensinar (BARRETTO, 2011). No que concerne à formação de professores, a crianças ou adolescentes os conhecimentos uma verdadeira revolução nas estruturas insticurriculares da educação básica. Desconhecem o currículo escolar, o desen- tucionais formativas e nos currículos da formavolvimento cognitivo e afetivo de estudantes ção é necessária. Os remendos já são muitos. 8

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A fragmentação formativa é clara. A vocação para o trabalho na educação básica não é o eixo integrador dessa formação. A formação didática é precarizada. Faz-se necessário integrá-la em estruturas institucionais voltadas a essa formação específica. Temos faculdades de medicina, de administração, de direito, etc., mas não temos nas universidades, ou em outras instituições de ensino superior, um centro específico formador para os profissionais professores. Eles recebem uma formação geral insuficiente, em cursos de áreas disciplinares que não estão preparados para formar professores pedagogicamente falando. A formação de professores não pode ser pensada a partir das ciências e seus diversos campos disciplinares, como adendo dessas áreas, mas, deve ser proposta e realizada a partir da função social própria da escola – ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas coerentes com as necessidades de nossa vida civil. Conhecimento disciplinar, apenas, não garante a possibilidade de fazer crianças e jovens aprenderem. Há uma ciência nisso. A formação de profissionais professores para a educação básica tem de partir de seu campo de prática e agregar os conhecimentos necessários selecionados como valorosos, em seus fundamentos e com as mediações didáticas necessárias, sobretudo por se tratar de formação para o trabalho educacional com crianças e adolescentes. Mudar os rumos de nossa educação requer mudar a formação de professores, qualificando-a profissionalmente. Cuidar da formação inicial dos professores também é passo para garantir que sua formação continuada represente saltos cognitivos, avanços e não suprimento de lacunas apenas.

Esses dois aspectos, mesmo não sendo os únicos a considerar, são muito relevantes para proporcionar avanços no desempenho escolar de nossas redes de ensino. A educação não anda, sem os professores. Reformas educacionais miraculosas não se concretizam sem a atuação direta desses profissionais. E a questão é essa: tratá-los como profissionais, em sua formação e carreira. *Bernardete A. Gatti, membro da APE (cadeira 27) é doutora em Psicologia pela Université de Paris VII e pós-doutorada pela Pennsylvania State University (EUA) e pela Université de Montreal (Canadá). Foi Presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e teve participação importante em órgãos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) e o International Development Research Centre (IDRC). Dentre os vários prêmios que recebeu, estão o Diploma de Mérito da Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação e o título de pesquisador emérito, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Referências BARRETTO, Elba S. de S. Políticas e práticas de formação de professores da educação básica no Brasil: panorama nacional. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 27, p. 39-52, 2011. GATTI, Bernardete A.; NUNES, Marina M. R. (Orgs.). Formação de professores para o ensino fundamental: estudo de currículos das licenciaturas em pedagogia, língua portuguesa, matemática e ciências biológicas. Textos FCC (Fundação Carlos Chagas). São Paulo, v. 29, 2009, 155 p. ______. et al. Formação de professores para o ensino fundamental: instituições formadoras e seus currículos. Estudos & Pesquisas Educacionais. São Paulo: Fundação Victor Civita, 2010, p. 95-138. ______. El inicio de la carrera docente en Brasil: formas de ingreso, primeras experiencias profesionales y políticas educativas. III CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE PROFESORADO PRINCIPIANTE E INSERCIÓN A LA DOCÊNCIA, Santiago de Chile, 2012. TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005.

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Entrevista

Valorização do ensino técnico Com 25 anos de carreira dedicados ao ensino técnico, Carlos Augusto de Maio é um enfático defensor da formação profissional como instrumento de transformação social. Ele, que foi diretor da Escola Técnica Estadual de São Paulo por dois mandatos, de 2004 a 2012, e hoje é coordenador técnico pedagógico do Programa Telecurso TEC, Grupo de Estudo da Educação a Distância, departamento da Unidade de Ensino Médio e Técnico do Centro Paula Souza

– Este ano, o senhor deixou a direção da Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp), uma das mais destacadas unidades do Centro Paula Souza, para assumir a coordenação do programa de ensino a distância da mesma instituição? Revista APE

– Trabalho há 25 anos na Etesp, uma das 209 unidades de Ensino Técnico (Etec) do Centro Paula Souza, que, desde 2005, tem ocupado o primeiro lugar entre as melhores escolas públicas estaduais de São Paulo no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Em 2004, fui eleito diretor da Etesp, e reeleito para a gestão de 2008-2012. Terminado meu Carlos Augusto de Maio

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mandato, sem poder continuar como diretor, pois não é possível ser eleito além de dois mandatos consecutivos, fui convidado para assumir a coordenação do Telecurso TEC, do Grupo de Estudo da Educação a Distância, departamento da Unidade de Ensino Médio e Técnico do Centro Paula Souza, uma instituição do governo do Estado, vinculada à Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, que administra a educação profissional no estado de São Paulo. É, hoje, a maior instituição de ensino técnico e graduação tecnológica da América Latina, pois, além das unidades de ensino técnico que mencionei, é responsável por 56 Faculdades de Tecnologia Estaduais (Fatecs).


– A partir de sua experiência de mais de duas décadas, quais foram as mudanças mais significativas ocorridas com as escolas técnicas? APE

– O ensino técnico, no Brasil, que tem por volta de cem anos, sempre teve conotação de ser voltado mais para alguém sem muita escolaridade, ou condição de prosseguir os estudos rumo ao ensino superior, e que precisava, portanto, se tornar mão de obra. Até o final dos anos 1980, início dos 1990, o ensino técnico ainda era visto como formação de segundo nível, destinado àquela pessoa que não podia investir mais nos estudos, e precisava, então, buscar uma profissão para trabalhar, na maior parte dos casos como executor de tarefas predeterminadas. De 15 anos para cá, a ideia sobre a formação profissional começou a mudar, na medida em que o profissional técnico passou a ser visto como alguém que interfere no setor produtivo, capaz de opinar, sentar à mesa de negociações, contribuindo para o crescimento das empresas, para que elas possam melhorar seus produtos ou os seus serviços. De maneira que, hoje, a própria sociedade começa a valorizar mais essa formação. – Há uma discussão sempre em pauta, atualmente, na mídia, nas análises de especialistas e entre as entidades representativas do empresariado, de que o Brasil sofre com a falta de técnicos qualificados. Como o senhor observa isso? APE

– As áreas que envolvem mais tecnologia, estão mais desenvolvidas, e são mais atraentes para quem contrata. Áreas como eletrônica e informática, por exemplo, geram um conhecimento que pode interferir mais na produção ou nos resultados das empresas. Hoje, também, algumas áreas de serviço começam a ter aceitação maior, por parte do empresariado, como turismo Maio

Fotos: Centro Paula Souza

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o profissional técnico hoje é capaz de opinar, sentar à mesa de negociações, contribuindo para que as empresas possam melhorar seus produtos ou os seus serviços

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Entrevista Maio – O governo tem investido muito na cria-

e eventos, que estão se tornando necessárias para o País. Percebemos que há procura maior por profissionais dessas áreas. De modo geral, notamos grande número de oferta de estágios durante a formação dos nossos alunos. E, também, muitas empresas procuram por alunos das escolas técnicas já para efetivação, para contratação como profissionais. Hoje, o Centro Paula Souza tem identificado que de 75% a 80% dos nossos alunos têm empregabilidade depois de formados. Avaliamos que é um número extremamente alto. Mas, de fato, o Brasil ainda está carente em termos de qualificação profissional. Saindo de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, a situação fica ainda mais delicada. Existem alguns estados que tem demonstrado preocupações nesse sentido; temos sido contatados por secretarias de educação de outros estados, que estão preocupadas em abrir esse canal, mas ainda é incipiente em termos nacionais. – O que está sendo feito para que essa demanda por qualificação profissional seja atendida, no estado de São Paulo? APE

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ção dessas escolas; em dar melhores condições de trabalho aos professores. Hoje, temos unidades bem equipadas, com laboratórios muito próximos daquilo que existe no mercado em termos de tecnologia, o que tem facilitado a formação de alunos e o trabalho docente. O Centro Paula Souza investe muito na capacitação docente, para que seus professores estejam atualizados, para que acompanhem o que há de novidade no mercado. Às vezes, isso é feito em parceria com empresas que oferecem determinados equipamentos para uso nos cursos. As próprias empresas capacitam os professores para melhor utilizarem os equipamentos em aula. Os investimentos têm acontecido, tanto em estrutura como em pessoas. E, algumas vezes, têm sido altos. Os laboratórios, para as mais diversas áreas de formação, por exemplo, são caros. O Centro Paula Souza possui número significativo de oferta de vagas; atualmente, são mais de 220 mil estudantes matriculados no ensino técnico e no médio, em 120 cursos oferecidos, nas áreas industrial, agropecuária e de serviços. Mas, ainda assim, muita gente fica de fora, então, ainda é preciso oferecer mais. APE – Chama a atenção o fato de o Centro Pau-

la Souza estar vinculado à Secretaria do Desenvolvimento, Econômico, Ciência e Tecnologia e não à de Educação, o senhor acredita que isso pode ser um diferencial para a condução do ensino técnico?

– Acredito que sim, porque a Secretaria da Educação tem outro tipo de preocupação, voltada para a formação propedêutica, que também é um importante trabalho. Já a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, certamente, Maio


apresenta condições de ter outro olhar para a formação profissional. Além disso, a essa Secretaria, estão vinculadas as universidades estaduais, o que facilitou ao Centro Paula Souza, por exemplo, estabelecer parcerias com a Unesp [Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho]. Esse viés de aspecto tecnológico é levado para a formação profissional. – Qual a faixa etária dos alunos dos cursos de formação técnica? APE

– Os alunos podem ingressar a partir dos 16 anos, porque, para fazer o ensino técnico, o estudante precisa estar cursando, pelo menos, a segunda série do ensino médio – para que tenha a certificação do curso técnico, precisa comprovar a certificação do ensino médio, ou ele faz concomitantemente, ou depois de concluir o ensino médio. Então, é um público de jovens, adolescentes, mas também temos alunos que estão há tempos no mercado e buscam nova formação profissional, pessoas com 50 anos, 60 anos. Mas a faixa, na qual se concentra o maior número de alunos, é de 18 a 25 anos. Maio

– Existem pesquisas que identificam uma relação direta entre a violência e a participação no mercado de trabalho e a escolaridade, estando mais vulneráveis os jovens de 18 a 24 anos, que não realizam funções remuneradas e não estudam. Então, como podemos estimular, motivar mais os jovens a buscar uma formação profissional? APE

– Não sei dizer qual seria a receita para isso, mas se eles conseguissem vislumbrar essas possibilidades que a formação profissional pode lhes dar, não só na questão do conhecimento, mas das competências que podem ter,

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ficariam motivados. Vejo a questão da formação técnica como uma possibilidade de o aluno perceber a importância do conhecimento que ele adquire na formação do ensino médio, porque passa a ver as aplicações daquilo que conheceu como teoria. Quando ele começa a formação profissional, entende muito melhor aquilo que está estudando na área acadêmica, então, isso lhe dá uma amplitude de conhecimento, de visão, de horizonte. Por isso é que acredito na importância da formação técnica, principalmente quando é simultânea com o ensino médio, porque vai dando sentido a uma série de conhecimentos que o aluno está adquirindo e podendo interagir, entendendo melhor aquilo que foi ensinado nas aulas de matemática, de física, da química. E quando ele vê a aplicação, amplia-se seu conhecimento. – O senhor nota diferença entre o aluno que está na escola técnica hoje e o de duas décadas atrás? É mais preparado, menos preparado, tem algumas habilidades diferentes? APE

– Ele vem com muito interesse profissional, enquanto o aluno de antes fazia o curso para conseguir um emprego. O de hoje vislumbra não só ter uma profissão, mas também uma carreira, a partir daquele curso que está fazendo. Ele tem mais desenvoltura, é muito arrojado, bem articulado e tem posicionamento. É bastante interessante, o público que temos hoje. É diferente do que havia antes, quando as pessoas entendiam que apenas deveriam cumprir ordens, tinham o conhecimento de uma técnica profissional e a executavam. Agora percebemos que vai além disso, enxergam outras possibilidades. Inclusive, muitos dos nossos alunos são empreendedores e acabam sendo Maio

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Entrevista seus próprios empresários. Antes, o aluno buscava ser um trabalhador, hoje, muitos acreditam que podem empreender. APE – Qual é o nível de evasão da escola técnica, comparado ao do ensino médio? – Observamos que, na escola técnica, a evasão é maior do que no ensino médio. Talvez seja porque o ensino médio é uma formação obrigatória e o ensino técnico uma opção de buscar qualificação profissional, e qualquer situação que viva de desconforto, uma situação familiar, ou dificuldade financeira que o obrigue a trabalhar, ele desiste do curso. Temos, hoje, no Centro de Estudos Paula Souza, em torno de 30% de evasão dentro da formação profissional. Não pela qualidade do curso; o que se percebe, por meio dos levantamentos que fazemos em nossas escolas, é que dificilmente o aluno deixa o curso porque não se adaptou ou não era aquilo que procurava, essas são situações raras. Às vezes, para dar uma ideia, perdemos alunos porque, ao terem iniciado o curso técnico, conseguem um emprego e daí esse emprego os impossibilita de continuar os estudos. Portanto, Maio

Vejo a questão da formação técnica como possibilidade de o aluno perceber a importância do conhecimento que ele adquire na formação do ensino médio

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são mais as condições sociais deles que acabam interferindo no abandono do curso. – Mas isso é uma contradição. Ele está no curso para ter uma colocação no mercado de trabalho e o trabalho impede que continue com o curso? APE

– É, de fato. Temos perdido aluno que concluiu o primeiro módulo e aquilo foi a possibilidade de ter um emprego melhor, então, ele acaba deixando de dar continuidade aos estudos porque, naquele momento, precisa do trabalho. Muitas situações familiares também o acabam impedindo de continuar o curso, como, por exemplo, uma moça que não tenha com quem deixar o filho. Qualquer grau de dificuldade que encontram, acabam desistindo do curso. Ou, ainda, enquanto o aluno está fazendo o curso técnico, presta vestibular e, ao ser aprovado, troca a formação profissional pela faculdade, porque ainda existe aquela cultura de que a formação superior é que vai lhe dar status, melhor colocação profissional. Maio

– Quando, na realidade, muitos terminam o curso superior e não encontram com facilidade uma colocação no mercado de trabalho? APE

– Sim. Ao optar pelo ensino superior, eles têm a expectativa de obter um emprego melhor, um salário melhor, e acabam se frustrando e inflacionando o mercado, submetendo-se a fazer determinado trabalho a qualquer preço, prejudicando toda uma categoria profissional, enquanto que poderiam ser bons técnicos, bem remunerados e valorizados. É ainda uma questão cultural forte, na nossa sociedade, diferente do que se vê em outros países. Na Alemanha, por Maio


exemplo, as pessoas que passam por formação técnica são muito valorizadas, reconhecidas. – O senhor acredita que chegaremos a isso? APE

Maio – Há um trabalho longo pela

frente, mas espero que se possa vislumbrar essa possibilidade de ter profissionais técnicos que, além de serem bem qualificados e de estarem bem colocados, sejam bem aceitos socialmente e que percebam isso também, porque o preconceito não é só da família ou da sociedade, muitas vezes é deles também, que podem se sentir inferiorizados por terem apenas essa formação, o que é uma bobagem. – Fale um pouco sobre como é o ensino a distância, a nova área em que o senhor passou a atuar. APE

Maio – O Telecurso Tec é resultado de uma par-

ceria do Centro Paula Souza com a Fundação Roberto Marinho. Atualmente, são oferecidos os cursos de administração, secretariado e comércio, em três modalidades: semipresencial, on-line e aberta. Na modalidade semipresencial, o aluno passa pelo Vestibulinho, tem aula presencial uma vez por semana e, nos demais dias, faz todas as atividades de forma interativa com o professor, via Internet. Na modalidade on-line, que, no momento, ainda não está aberta ao público, estamos com um projeto voltado para nossos funcionários, o aluno não frequenta as aulas, só vai à escola para realizar as provas, mas é acompanhado por um tutor, um professor da equipe do Centro Paula Souza, que orienta,

tira todas as dúvidas. Já na modalidade aberta, a pessoa compra os livros, assiste aos programas pela televisão e faz as provas. Essa modalidade tem três módulos e as provas são feitas ao final da cada módulo. Concluindo o terceiro módulo e aprovado, ele se torna técnico em administração, comércio, ou secretariado. – O ensino a distância pode ser uma alternativa para quem não consegue manter a frequência nas aulas do curso técnico regular? APE

– Sim, pode, por causa da disponibilidade de horário. Percebemos que, mais recentemente, os alunos do curso regular das áreas de administração, secretariado e comércio, as mesmas do ensino a distância, que por alguma razão, não terão condições de dar continuidade ao curso, estão migrando para a modalidade semipresencial. É interessante oferecer essa possibilidade, para que possam concluir a formação profissional. As avaliações pelas quais passarão são as mesmas do curso regular, pois buscam caracterizar a competência. São aplicações práticas, da realidade cotidiana das empresas, vivências baseadas nos estudos que eles têm. São provas que avaliam a competência profissional. Maio

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CAPA

O livro didático O futuro da versão digital para livros adotados no ensino é um assunto cada vez mais presente, mas ainda longe de certezas. Especialistas, ouvidos pela reportagem da Revista APE,, são unânimes na opinião de que o livro em papel não deixará de existir e que é prematuro afirmar se o formato digital será melhor ou pior para a aprendizagem. Por enquanto, a expectativa é de que todos – governo, editoras, escolas – respeitem o perfil dos alunos, em cada fase da formação, na hora de definir quais recursos digitais e como serão utilizados em sala de aula O processo de transformação do livro didático impresso para a versão digital está engatinhando, no Brasil. Começou a ser adotado nas escolas particulares e está chegando ao ensino público, com a publicação do edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2014, do Ministério da Educação (MEC), o primeiro a permitir que as editoras apresentem objetos educacionais digitais complementares aos livros impressos. 16

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Os alunos não conheceram, até agora, o livro didático completamente digital, da primeira à última página, ou seja, obras que foram pensadas e desenvolvidas exclusivamente para a plataforma digital. Atualmente, o que se vê são adaptações do livro didático impresso e a incorporação de recursos multimídia a esse conteúdo. A iniciativa da Amazon – empresa norte-americana de comércio eletrônico, com forte atuação no setor livreiro – de

começar a operar diretamente no mercado brasileiro, nos próximos meses, notícia que tem agitado nosso mercado editorial, deve promover o crescimento do livro digital de literatura de ficção, segmento em que o processo de transformação da versão impressa para a digital está mais avançado. Hoje, o mercado editorial brasileiro oferece obras de ficção cujo conteúdo é o mesmo da versão impressa, apenas digitalizados, ou livros em formato


na era digital Nas escolas públicas

eletrônico com alguns recursos digitais. Portanto, espera-se que, com a entrada da Amazon, as editoras brasileiras ampliem e diversifiquem seus catálogos de obras digitais, assim como deverá crescer a disponibilidade de novos leitores eletrônicos (tablets). Paralelamente, esse desenvolvimento deve esquentar a discussão sobre propriedade intelectual e acesso ao conteúdo digital.

Despertando para essa realidade, o PNLD 2014, além de obras didáticas para o ensino básico, deverá atingir também os anos finais do ensino fundamental, e contempla a adoção de recursos digitais complementares aos livros impressos utilizados pelos alunos das escolas públicas. Um material multimídia, que agrega jogos educativos, simuladores e infográficos animados, a ser enviado, juntamente com o livro em papel, às escolas. Além disso, está prevista a opção de acesso on-line, pelos estudantes, a outros conteúdos que complementem os assuntos estudados em aula. Os livros didáticos inscritos pelas editoras são avaliados por universidades federais e os aprovados integram o Guia do Livro Didático, que apresenta o

resumo das obras para professores e diretores das escolas públicas indicarem as mais adequadas ao processo pedagógico. A partir da assinatura de contrato com o Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação (FNDE) do MEC, as editoras começam a produzir os livros que são entregues na rede pública antes do começo do próximo ano letivo. No caso do PNLD de 2014, as editoras entregaram, em maio de 2012, os exemplares das obras inscritas, para o processo de seleção – a meta é que o resultado final da avaliação pedagógica seja divulgado em maio de 2013, para que as escolas possam selecionar as obras que pretendem utilizar com seus alunos. Pelas previsões do FNDE, serão adquiridos 93 milhões de exemplares e o volume de investimento deve aumentar para a aquisição 17


CAPA dos livros didáticos com recursos digitais, mas o valor ainda não foi divulgado. A retrospectiva dos investimentos é a seguinte: para atender ao PNLD de 2013, a previsão é que o governo invista R$ 1,48 bilhão para adquirir e distribuir livros do 6º ao 9º ano do ensino fundamental; o PNLD de 2012 teve o orçamento de R$ 1,3 bilhão (livros para o ensino médio); o PNLD de 2011, de R$ 1 bilhão (livros do 6º ao 9º ano do ensino fundamental); e o PNLD de 2010, de R$ 728 milhões (livros do 1º ao 5º ano do ensino fundamental). Em todos os anos, há também a reposição e complementação de obras de PNLDs anteriores. Tudo indica que os investimentos em educação realmente serão maiores. A Câmara dos Deputados aprovou a proposta do novo Plano Nacional de Educação, que inclui a meta de o governo investir o valor equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no ensino do País. E já encaminhou, no último mês de outubro, o texto para a análise dos senadores. A meta de 10% do PIB deve ser alcançada em dez anos e engloba recursos dos governos federal, estaduais e municipais. 18

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Outra novidade, em termos de investimento para material de apoio ao trabalho dos professores, é a abertura de um processo de parcerias, pelo MEC, para a estruturação e operação de serviço público e gratuito de disponibilização de materiais digitais, por meio da Internet, aos usuários da educação nacional (as empresas interessadas poderão inscrever

o governo incentivará o livro digital completo, ou seja, toda a obra poderá ser vista na tela do computador

suas propostas até 15 de outubro de 2013). O objetivo é fazer a distribuição remota de obras digitais voltadas para professores, alunos e outros agentes da rede pública de ensino – universo estimado em 50 milhões de usuários. Devem ser oferecidos títulos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e de outras

iniciativas do MEC. Cada lote de obras digitais será disponibilizado para públicos específicos, com regras para controle de acesso e garantia dos direitos autorais e da propriedade intelectual dos acervos. Transição para o livro digital O PNLD de 2014 formaliza a transição para o livro digital, ao permitir, nessa fase preliminar, a inclusão de objetos digitais que acompanham a obra impressa, segundo o diretor de Ações Educacionais do FNDE, Rafael Pereira Torino. Ele garante que a resposta do mercado editorial foi positiva, com a pré-inscrição de grande número de obras com conteúdo multimídia. “Todas as editoras participantes incluíram obras com recursos digitais em pelo menos uma categoria”, diz o diretor. A evolução disso será gradual, no PNLD. Na edição de 2015, cujo edital deve ser publicado no final de 2012, o governo incentivará a inscrição do livro digital completo, não apenas objetos digitais soltos, ou seja, toda a obra poderá ser vista na tela do computador. “Nossa proposta é que a escola receba a obra na versão digital, mas também em papel, porque


assim garantimos o acesso ao conteúdo, caso acabe a energia, por exemplo”. O PNLD de 2015 é voltado para os alunos do ensino médio. “Teoricamente, os adolescentes e jovens absorvem bem os recursos tecnológicos; é um bom ponto de partida para testarmos o uso do livro digital na sala de aula”, completa Torino. Basta saber se a rede pública estará preparada para receber, em 2014, os livros com recursos digitais complementares. “Acreditamos que sim, porém com alguma diferença. Hoje, já temos escolas preparadas para usar a obra digital, mas, algumas não estarão, em 2014”, analisa o diretor do FNDE. Para ele, o importante é que o Estado começou o processo e as três esferas do governo estão trabalhando ao mesmo tempo para abranger todas as escolas. “Existem diversas ações dos governos federal, estaduais e municipais, que convergem para permitir que as escolas tenham condições de utilizar as obras digitais. Há a compra de computadores, de conteúdos digitais, a instalação de banda larga...” Rafael Torino vê de forma positiva o processo de evolução do livro didático impresso para a versão digital. “É uma nova

Como funciona o PNLD O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, oferece, para as escolas públicas de ensino fundamental e ensino médio, livros didáticos, dicionários e obras complementares. Atende também aos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJAs) das redes públicas de ensino e das entidades parceiras do Programa Brasil Alfabetizado. O PNLD é executado em ciclos trienais alternados. Anualmente, são distribuídos livros para todos os alunos de determinada etapa de ensino (anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental ou ensino médio) – há também a reposição e complementação dos livros reutilizáveis para as outras etapas. Cada exemplar deve ser aproveitado por três anos e, por isso, repassado de um estudante a outro, ao final de cada período letivo. A exceção fica para os livros consumíveis de alfabetização dos anos iniciais do ensino fundamental, além das obras de filosofia e sociologia do ensino médio, e também de língua estrangeira, dos dois níveis, que não precisam ser devolvidos. Os livros reutilizáveis são os das áreas de Matemática, Língua Portuguesa, História, Geografia, Ciências, Física, Química e Biologia. E os consumíveis são os de Alfabetização, Matemática, Letramento e Alfabetização, Inglês, Espanhol, Filosofia e Sociologia.

19


CAPA

Fotos: Ascom/FNDE

opção de acesso ao conteúdo, que, muitas vezes, fica mais interessante com os recursos digitais.” Ele lembra que o uso da tecnologia em sala de aula tem poucos anos e não houve tempo ainda de explorar todas as possibilidades e comprovar os resultados. “Na medida em que as escolas forem usando os livros com recursos digitais, descobrirão maneiras diferentes de explorá-los, tanto pelos professores como pelos alunos.” A ideia do MEC, segundo ele, é priorizar o professor, nos planos de capacitação para o uso da tecnologia, considerando que o aluno dessa geração já nasceu na era digital e, portanto, deve ter mais facilidade para lidar com as novidades tecnológicas. “Cem por cento dos professores do

Rafael Torino

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ensino médio da rede pública vão ter um tablet para trabalhar e serão orientados sobre como utilizá-lo em sala de aula”, complementa Torino. Tecnologia com bom senso Considerando as diferentes condições sociais e econômicas no Brasil, o avanço do livro digital nas escolas percorrerá caminhos tão diferentes quanto. “Para a população em geral, o acesso aos meios digitais é uma realidade muito distante ainda. Principalmente no interior do País, falta o básico, não há investimento em infraestrutura, Internet de banda larga”, analisa a pesquisadora e coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, e membro da APE, a professora Bernardete Angelina Gatti. Por outro lado, nas grandes cidades e entre as camadas sociais mais ricas, o interesse mercadológico pode estimular o uso exagerado e equivocado da tecnologia na educação. A pesquisadora alerta que é preciso ter bom senso para empregar os recur-

sos digitais, respeitando o aluno nas diferentes fases de sua trajetória escolar. O livro impresso é fundamental para o desenvolvimento da criança e algumas atividades que ele proporciona são insubstituíveis pelo meio digital. “Quando a criança rabisca, escreve, manipula o livro no papel, está desenvolvendo sua habilidade motora, cognitiva. Ela precisa desse contato com o livro. Por isso, iniciar a criança em alguns aspectos digitais, não tem problema, mas não vejo com bons olhos a ideia de transformar tudo em digital”, diz Bernardete, que já foi professora de escolas estaduais e orientadora educacional do Colégio de Aplicação da Universidade de São Paulo (USP). No ensino médio, a situação é outra. “O livro digital, quando for acessível, prestará um grande serviço para o aluno adolescente, apresentando materiais diferentes, para complementar a aprendizagem. Mas, de


Para trazer resultados positivos, os recursos digitais têm de ser integrados à didática da escola. Caso contrário, podem virar uma brincadeira na aula e perder o valor da aprendizagem. “Eu admiro a Suécia, Noruega e Finlândia. Eles têm muita preocupação com a educação infantil. Usam os meios digitais com cuidado, em determinados momentos, bem definidos. São conscientes de que a tecnologia é apenas auxiliar e que o professor deve dominar o conhecimento. Não vejo, nesses países, a substituição do livro didático impresso pelo digital”, diz Bernardete, lembrando que os estudos feitos no Exterior sobre o uso dos recursos digitais na sala de aula são controvertidos. Não

“O livro impresso não deve deixar de existir, seja aqui, no Brasil, ou em outros países” Bernardete Gatti

Fotos: arquivo pessoal

qualquer forma, não se pode reduzir tudo ao livro digital, porque nenhum meio digital substitui a qualidade de um bom professor. O aluno pode buscar informação no computador, no tablet, mas o conhecimento de fato está na aula dada pelo professor.” Além disso, a pesquisadora lembra que a educação visa formar o ser humano e isso se faz no relacionamento e por essa razão o contato entre o professor e o aluno é fundamental. Bernardete Gatti é absolutamente contrária ao uso da tecnologia para substituir a aula prática no laboratório de Ciências da escola. “O Brasil está caminhando nesse sentido, valorizando a simulação em programas de computador. É uma falta de conhecimento dos conceitos de educação e desenvolvimento humano. Não se vê essa substituição nos países desenvolvidos.” Na opinião dela, o aluno precisa estar no laboratório para fazer os experimentos básicos de Física, Biologia e Química, pois o contato faz parte do conhecimento. “O computador deve auxiliar apenas na organização dos dados, nos cálculos, mas se substituir a manipulação é um grande prejuízo para a criança, o aluno.”

Bernardete Gatti

há, por enquanto, consenso se a tecnologia beneficia ou prejudica a aprendizagem. Mesmo considerando o modismo, “um traço perigoso da cultura brasileira”, e o poder do marketing para impor os meios digitais na Educação, Bernardete Gatti se diz satisfeita ao constatar que escolas de elite da cidade de São Paulo, que ela acompanha de perto, também têm tido cautela para aplicar os meios digitais, respeitando a relação pedagógica e o desenvolvimento do aluno. Para a pesquisadora, há uma certeza, neste momento: “O livro impresso não deve deixar de existir, seja aqui, no Brasil, ou em outros países”. 21


CAPA novo brinquedo que levam para a escola. Esperamos que as famílias, encantadas Pesquisa realizada com 500 crianças, com a invasão tecna faixa etária entre 6 e 15 anos, na Innológica no Brasil, glaterra, revelou que os estudantes da era busquem, sobretudo, digital desconhecem o material impresa qualidade da educaso de consulta. Dezenove por cento das ção para seus filhos.” crianças entrevistadas não sabem o que Bernardete Gatti é um dicionário impresso e 45% nunca tem percebido que, usaram uma enciclopédia. A geração apesar da novidade, a Google prefere, de fato, fazer criança se cansa de ler suas consultas na Interno tablet. Essa simnet: 54% respondeples observação mosram que usam o tra que as questões buscador quando fisiológicas também precisam checar devem ser considerainformação e das, no debate sobre o fazer o dever avanço da tecnologia de casa. nas escolas. O uso de computadores, tablets Questionada sobre a possi- e smartphones, por horas a fio, bilidade de a tecnologia empre- na postura errada, como se tem gada nos livros didáticos e em visto entre a população jovem, determinadas atividades, como faz mal à saúde, em especial a simulação de experimentos aos olhos e à coluna vertebral. científicos, mascarar a falta de É preciso disseminar, entre os qualidade do ensino de uma alunos, os cuidados necessários, escola, a pesquisadora acredi- como a postura correta na frenta que sim, isso pode aconte- te da tela, e buscar soluções que cer, pois seria mais um escudo amenizem qualquer dano ao para os estabelecimentos de má corpo, principalmente porque a qualidade, que atraem alunos tecnologia tem atraído crianças apenas pela estrutura física que cada vez mais novas. Em sala de aula, o provável oferecem. “Há muito exibicionismo em algumas classes so- descompasso entre a habilidaciais; crianças pequenas já têm de do professor e a do aluno, seus próprios tablets como um em lidar com os meios digitais,

Curiosidade britânica

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considerando que o professor terá de assimilar a nova cultura e o aluno já nasceu na era digital, não é problema para a relação dos dois, na opinião da educadora. “O professor terá, é claro, de se atualizar, mas ele pode mobilizar o conhecimento do aluno e levar para o aspecto pedagógico, estruturando a participação do aluno-protagonista durante a aula. O aluno, por sua vez, adora mostrar que sabe, para o professor e os colegas”, conclui. O que muda na literatura? Se considerarmos apenas a transcrição da obra impressa para os leitores digitais, ou e-books, é, seguramente, mais fácil responder a essa pergunta: as mudanças são pequenas para a literatura tradicional, já que o texto continua o mesmo, apenas o leitor ganhou um meio alternativo para a leitura. Entretanto, a análise é outra, quando se fala do livro digital propriamente dito, desenvolvido para o novo formato, com diversos elementos, como vídeos, imagens, animações, etc., que aumentam as possibilidades de interatividade com o leitor. Para a literatura, como conhecemos hoje, a linguagem


Fotos: Maira Mesquita Fernando Paixão

escrita é fundamental. A dúvida é se o livro digital não colocaria a literatura em segundo plano, reduzindo o teor de concentração e o envolvimento do leitor. “Uma coisa é o leitor preocupar-se apenas com o texto, outra é distrair-se com imagens, vídeos”, analisa o escritor Fernando Paixão, professor de Literatura do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). Ele observa que o objetivo da literatura é transmitir vivência, não informação, e pode ser traduzida como um ato silencioso de descoberta de outros mundos. Ele é taxativo ao afirmar que é muito cedo para falar sobre o futuro do livro digital e as implicações para a literatura. Apontar vantagens ou desvan-

tagens seria pura especulação. “Não temos nem meia geração vivendo nesse novo contexto digital, então, como podemos prever o futuro do livro digital e avaliar, com segurança, se será bom ou ruim?”, questiona. “Para a literatura tradicional, talvez tenha alguma desvantagem, mas, quem sabe, a literatura mude. Com a vida moderna, tão fragmentada, talvez a literatura fique mais curta, mais fragmentada também, e os recursos digitais possam somar nesse sentido.” A plataforma digital é, hoje, uma tendência inexorável, na opinião de Fernando Paixão. “A situação, no entanto, ainda está muito indefinida. Não sabemos qual ambiente digital predominará, há competição entre softwares. Enfim, estamos engatinhando nesse processo. Hoje, só temos a transposição de texto, faltam elementos para analisar o futuro do livro digital”, diz o escritor. Ele acredita que o livro impresso nunca deixará de existir,

mas deve perder proeminência no mercado. “Ainda é mais confortável ler no papel do que na tela”, complementa. E como será a identidade das livrarias no futuro? Na opinião dele, as livrarias, que têm apoio no livro de papel, devem entrar em crise. E, quem sabe, as obras impressas passem a ocupar uma pequena área nos shoppings culturais. “Talvez não tenhamos mais espaço público para conhecer os livros que foram lançados”, diz Paixão, que também foi diretor editorial, por mais de 20 anos, da Editora Ática. E o que os editores de livros didáticos tem a dizer sobre o assunto? Foi o que a reportagem da revista APE tentou saber, por meio da Associação Brasileira de Livros Didáticos (Abrelivros), que congrega as empresas do setor, mas apesar da insistência em obter a indicação de um representante da entidade para a entrevista proposta, não obteve sucesso.

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CAPA

Fotos: arquivo

pessoal

Excesso de cautela Revista APE – Como o senhor analisa o processo de transformação do livro didático impresso para a versão digital? Claudio de Moura Castro – O processo vem sendo muito penoso, por causa dos medos e do conservadorismo das casas editoras e das demais instituições envolvidas no mercado do livro. Diante da Amazon, da Google e da Apple, tremem de medo e se fecham em copas. Possivelmente, é a pior estratégia, pois deixam de agir de forma mais arrojada, criando, para eles, novos espaços. APE – Essa é uma situação que acontece só no Brasil?

O economista Claudio de Moura Castro, especialista em educação, fala sobre a postura das editoras na transição do livro didático em papel para a versão digital. Ele, que já lecionou na PUC-Rio, Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Chicago, Universidade de Brasília, Universidade de Genebra e Universidade da Borgonha, é também articulista da revista Veja 24

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Castro – No Brasil não é diferente. Por exemplo, a Pearson não é brasileira e vi nela um comportamento muito conservador e cauteloso, tanto quanto o das nossas editoras. O problema do excesso de cautela é que abre espaço para novos operadores, vindo de outros mundos mais agressivos. Estão entrando mais rapidamente e podem ganhar um mercado que as editoras levaram décadas para conquistar. Outro risco são as cópias piratas. Custa US$ 10 para digitalizar um livro, na China. Se for vendido por um site da Bulgária, pago com cartão de crédito da Mongólia, é quase impossível coibir a explosão de um mercado clandestino. Até me surpreendo que ainda não esteja mais pujante. APE – A tecnologia em sala de aula deve ajudar o trabalho do professor? Castro – No que diz respeito aos livros digitais, há dois aspectos igualmente importantes. O primeiro é puramente econômico. Uma vez feito o livro, sua distribuição digital se faz a


custo zero. Isso pode significar uma economia fenomenal para os cofres públicos e para faculdades privadas. Não importa se o aluno gosta de ler na tela – sabemos que não se importa, mas não é esse o ponto –, pois a redução de custos é enorme. O segundo é o potencial de criar um livro muito mais interativo, muito mais denso em hipertextos e malabarismos tecnológicos. E, também, de atualizá-lo rapidamente, bem como customizar para esse ou aquele cliente.

Livro é livro. O fato de estar na tela ou no papel não o faz melhor ou pior.

APE – E os alunos? Os recursos digitais podem estimular o interesse em aprender? Castro – Livro é livro. O fato de estar na tela ou no papel não o faz melhor ou pior. Muito mais importante do que esse aspecto, é a sua qualidade intrínseca. Isso não muda, continua o desafio de produzir livros geniais. Mas um bom livro pode se tornar mais atraente, com todos os recursos de hipertextos, animações, referências cruzadas e tudo o que se pode pendurar em um arquivo digital, até música. APE – O senhor vê relação entre o uso da tecnologia e a qualidade de ensino? Castro – Na prática não. Pela simples razão de que o computador e a escola são inimigos figadais. Não se entendem de maneira alguma. Nenhum programa de uso de informática na escola deu certo, exceto em nichos muito particulares. Em todos os países, vem sendo um dos piores investimentos que o Estado pode fazer. Isso não é dizer que o computador seja inapto para a educação. Pelo contrário, é brilhante. O problema é a incompatibilidade de gênios com a escola formal. Fora dela, faz maravilhas. APE – Há outras vantagens e desvantagens do uso do livro digital nas escolas? Castro – Falei das vantagens econômicas. Sem mudar nada, um computador razoável já custa o mesmo que os livros que um universitário deveria comprar em um ano letivo. Do ponto de vista de educação, o livro digital pode ser um

passo adiante no processo de estruturação do ensino. Em torno dele, tudo pode acontecer, com a colaboração ativa do professor, cuja vida pode ser muito facilitada, apesar dos desafios de lidar com um conhecimento muito mais vivo. APE – O senhor sabe se o Brasil já realizou alguma pesquisa sobre o uso de livros com recursos digitais nas escolas? Castro – Não conheço, mas isso não quer dizer nada. Por outro lado, algumas versões de Educação a Distância usam tecnologias que se aproximam do livro digital e estão em pleno uso, com bastante sucesso. APE – O senhor acredita que o livro escolar impresso deixará de existir daqui a algum tempo? Castro – Penso que a pergunta, tal como formulada, não possa ser respondida. Isso porque, por mais sucesso que faça o livro digital, o de papel ainda vai encontrar muitos nichos de mercado. O importante é saber se grande parte dos livros em papel vai virar digital. Acho que sim, considerando o que vemos em países como a Coreia. Um problema nesse processo é que a liderança da conversão está nas mãos de países ricos, para quem o livro em papel está mais do que dentro de suas realidades orçamentárias. E quem mais tem a lucrar com o livro digital são os países mais pobres, que tendem a ser caudatários das tendências do Primeiro Mundo. 25


ARTIGO:

A

história do Brasil está cheia de loteamentos, em suas várias fases de desenvolvimento: primeiro, foram as capitanias; depois, os governos-gerais, os vice-reinados, as províncias, os estados, os municípios. Chegou, agora, a vez das cotas, como estratégia não mais geográfica e, sim, de política social, com vistas à conquista de uma possível justiça, com o resgate da dívida moral para com as minorias historicamente excluídas das benesses da civilização. Daí, que se vão implantando, em todos os setores da vida brasileira, essas cotas, que buscam equalizar as con-

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Paulo Nathanael Pereira de Souza* dições mínimas de competitividade entre brancos e coloreds, ricos e pobres, privilegiados e despossuídos. A primeira arena escolhida para sediar essa experiência foram as universidades, especialmente as federais, que devem destinar 50% de suas vagas a alunos negros e índios, mais os pobres, com renda familiar insuficiente, que tenham cursado o ensino médio das escolas oficiais (federais, estaduais e municipais). É o Programa Universidade para Todos (Prouni) em ação. Resta saber se, na aplicação dessa política, o governo atua com acerto ou desacerto. As opiniões a respeito do tema

têm ensejado, quer na mídia quer entre os próprios educadores, uma divergência, que tende a radicalizar-se, a cada dia que passa. Não poucos me perguntam de que lado estou, nessa polêmica. E minha resposta é a que se segue: Nada tenho contra as cotas, em si, muitos países do Primeiro Mundo as têm utilizado em suas políticas de educação. Os Estados Unidos, por exemplo, as vêm prestigiando nos chamados projetos de hed-start, a partir da pré-escola. E o maior pensador político do século XX, Norberto Bobbio, disse sobre elas, no seu monumental Dicionário de Política, o seguinte:


“A simples concessão de igualdade de direitos não é suficiente para tornar acessíveis a quem é socialmente desfavorecido, as oportunidades de que gozam os indivíduos socialmente privilegiados. Há necessidade de distribuições desiguais para colocar os primeiros ao mesmo nível de partida. Por isso, os programas head start, conquanto, intrinsicamente inigualitários são extrinsicamente igualitários, já que levam a um nivelamento de oportunidades de instrução”. O mal, pois, não reside nas cotas em si, e, sim, na forma como se faz a sua implantação: se como instrumento meramente político-eleitoral, ou como meio de efetivamente promover a justiça social por meio do aumento das oportunidades educacionais. No caso brasileiro, parece que a primeira hipótese sobrepuja a segunda, o que gera uma série de problemas da maior gravidade, como os que se seguem: 1o A forma autoritária com que se implantou a medida feriu profundamente a autonomia universitária e retirou das instituições de ensino superior o seu direito constitucional de escolher a forma mais conveniente de decidir sobre o tipo de alunos que deseja ter em seus cursos;

2o O despreparo intelectual generalizado dos alunos, que se matriculam, via cotas, nos cursos superiores, não só obriga os professores a rebaixarem o nível de ensino, como também provoca o aumento das taxas de evasão e reprovação de estudantes, bem como, no longo prazo, será responsável pela decadência das atividades de pesquisa, que sempre foram a própria razão de ser da epistemologia científica do saber universitário; o 3 Embora concebida como instrumento de justiça social, a aplicação indiscriminada das cotas cria outra injustiça, que diz respeito à frustração dos alunos que disputam as vagas nos vestibulares e têm de conformar-se em ver seu mérito desprezado, em favor de candidatos menos preparados e beneficiados por essa carteirada política. O pior de tudo isso é que a evasão dos que não conseguem acompanhar as exigências de um ensino superior, mesmo rebaixado em seu nível, cria numerosas vagas ociosas, que não poderão ser aproveitadas pelos alunos que ficaram de fora, embora aptos a cursar faculdade;

4o Isso tudo, sem levar em conta o fato de que essa discriminação em favor de negros e índios institui por lei no Brasil um tipo de racismo às avessas, tanto mais grave quanto bem se sabe que, entre nós, o relacionamento social sempre se fez mais por harmonias convivenciais (vejam-se os estudos de Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda) do que pelo artificialismo ideológico da luta de classes. A conclusão é a de que uma política de cotas que vise, emergencialmente, a equalizar o direito das minorias sociais com o das maiorias, no contexto de uma política mais ampla de qualificação do sistema educacional como um todo, findo o qual poderá – e deverá – ser extinto, é perfeitamente aceitável e até recomendável. Mas, como medida isolada e inspirada menos na superação da falência qualitativa desse mesmo sistema, e mais nos acenos eleitorais dos governantes de plantão, pode prestar-se a gerar graves distorções como as apontadas nestas reflexões.

*Paulo Nathanael Pereira de Souza Doutor em Educação e Presidente da Academia Paulista de Educação 27


Destaques

Acadêmicos Acadêmicos

Direito e literatura José Renato Nalini (cadeira 35) lançou o livro Direitos que a cidade esqueceu (Editora Revista dos Tribunais), no qual aborda as carências e deficiências das cidades brasileiras, em confronto com uma Constituição Cidadã, que erigiu os direitos fundamentais a um norte muito preciso para a atuação de todo o Poder Público. O acadêmico também participou do Conselho Curador do Prêmio São Paulo de Literatura 2012, a convite do secretário de estado da Cultura, Marcelo Araujo,

Conselho Municipal de Educação João Gualberto de Carvalho Meneses (cadeira 5) foi reeleito presidente do Conselho Municipal de Educação de São Paulo, para o mandato de 2012 a 2014. O acadêmico também participou do I Congresso de Direito Educacional da Ordem dos Advogados – seção São Paulo (OAB/SP), apresentando a palestra de abertura, intitulada Fontes Normativas do Direito Educacional. Promovido pela Comissão Jovem Advogado da OAB-SP, a programação contemplou outros temas relacionados à área da Educação, como: a jornada de trabalho do professor e a legislação trabalhista; a inadimplência no setor educacional; autonomia universitária e medidas cautelares de supervisão do Ministério da Educação (MEC); análise de leis sobre bullying; e questões jurídicas sobre a data de ingresso no ensino fundamental. 28

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cuja cerimônia de entrega ocorreu no final de setembro passado. Lançada em 2008, a premiação já se consolidou como uma das mais importantes do País. A cada ano, são contemplados dois autores de romances (escritos em língua portuguesa, originalmente editados e publicados no Brasil), um veterano, na categoria Melhor Livro, e outro em início de carreira, na categoria Melhor Livro – autor estreante, que recebem o valor de 200 mil reais cada um.

A trajetória de Sud Mennucci Luiz Gonzaga Bertelli (cadeira 31) publicou artigo sobre o educador, geógrafo, sociólogo, jornalista e escritor Sud Mennucci, na Revista do Historiador, edição 162, maio/junho, 2012. Intitulado “Sud Mennucci, um educador que não pode ser esquecido”, o texto do acadêmico destaca a trajetória desse intelectual que marcou época e continua sendo uma referência na área da Educação – é patrono da cadeira 8 da Academia Paulista de Educação, atualmente ocupada por Nacim Walter Chieco.

Experiência registrada em livro Myriam Krasilchik (cadeira 34) é uma das organizadoras, ao lado dos professores Marieta Lúcia Machado Nicolau e Nilson José Machado, do livro Novos rumos, novos olhares - Programa de Educação Continuada - PEC/USP (Editora Livraria da Física), lançado recentemente. A obra é resultado de um esforço coletivo de alunos e professores que fre-


Homenagem da USP Flávio Fava de Moraes (cadeira 1) foi homenageado, no dia 3 de outubro, durante jantar realizado no Clube Monte Líbano, pelas relevantes contribuições à Universidade de São Paulo (USP), como professor do Instituto de Ciências Biomédicas da instituição e, em especial, por sua atuação como Reitor, no período de 1993 a 1997. Recentemente, o acadêmico também foi reeleito para o Conselho Curador da Fundação da Faculdade de Economia Álvares Penteado (Fecap) e da Fundação Instituto de Administração (FIA).

Em nova Academia

Reinaldo Polito (cadeira 3) tomou posse na Academia Araraquarense de Letras, no dia 26 de outubro. Ele ocupará a cadeira 36, cujo patrono é frei Francisco do Monte Alverne. Na mesma oportunidade, tomarão posse, ao lado dele, a esposa do acadêmico, Marlene Theodoro Polito, que ocupará a cadeira 32; José Welington Pinto e Antonio Clovis Pinto Ferraz, nas cadeiras 26 e 27, respectivamente. Presidida por Darcy Oliveira Lins, a Academia foi criada há pouco tempo, por iniciativa da escritora Aparecida Aguiar (vice-presidente), com o objetivo de valorizar a língua e a literatura nacionais, bem como promover e estimular a produção literária e sociocultural. Seus 37 membros, entre poetas, jornalistas e contistas naturais de Araraquara, foram escolhidos por indicação da presidência e diretoria, de acordo com a relevância de suas publicações. Em reunião realizada em maio passado, foi empossada parte dos acadêmicos e agora, em outubro, será completada a posse dos demais membros.

quentaram a 3ª edição do Projeto de Ensino Continuado, ocorrido na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). A obra tem como propósito fornecer aos leitores uma visão multifacetada do complexo processo que reuniu 876 alunos, 66 docentes e cerca de 280 videoconferencistas, numa jornada que levou mais de 3.300 horas, na qual procurou-se qualificar o ensino e a aprendizagem na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Mercado editorial

Wander Soares (cadeira 17) participou da estruturação do programa do Curso de Extensão em Edição – O Livro como Negócio e Produto, da Universidade do Livro, unidade voltada à capacitação e atualização com foco no mercado editorial, da Fundação Editora Unesp e ministrou a aula inaugural em setembro passado. Na oportunidade, o acadêmico, que tem larga experiência no setor editorial, apresentou uma visão geral do mercado do livro no Brasil, sua situação atual e perspectivas, e destacou a importância da educação escolar e do incremento ao gosto pela leitura. O objetivo do curso é permitir, que os atuais e futuros profissionais de editoras ampliem seus conhecimentos sobre o negócio em que estão inseridos, enriquecendo a capacidade de gestão própria, por meio de discussões acerca das especificidades da área e novas tendências e oportunidades do mercado. Convidado a integrar o Conselho Curador da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), o acadêmico tomará posse do cargo no dia 3 de dezembro de 2012, em cerimônia realizada na sede da Fundação, no Rio de Janeiro. 29


Acadêmicos

A Academia Paulista de Educação é formada por 40 cadeiras, cada uma com seus respectivos patrono e titular, este eleito em Assembleia Geral, quando da ocorrência de vaga. APE agrega Acadêmicos Honorários, Acadêmicos Beneméritos e Acadêmicos Correspondentes:

Cadeira 1

Patrono: Eduardo Carlos Pereira Titular: Flávio Fava de Moraes Antecessor/Fundador: Aquiles Archero Júnior

Cadeira 2

Patrono: Antônio Sampaio Dória Titular: Jorge Nagle Antecessor: Alcindo Muniz do Souza Fundadora: Zenaide Villalva de Araujo

Cadeira 3

Patrono: Fabiano Lozano Titular: Reinaldo Polito Antecessor: Padre Hélio Abranches Viotti Fundadora: Matilde Brasiliense de Almeida Bessa

Cadeira 4

Patrono: João de Deus Cardoso de Mello Titular: Samuel Pfromm Netto Antecessor / Fundador: Alberto Rovai

Cadeira 5

Patrono: João Köpke Titular: João Gualberto de Carvalho Meneses Antecessor / Fundador: Walter Barioni

Cadeira 6

Patrono: Roldão Lopes de Barros Titular: Márcia Lígia Guidin Antecessor: Laura de Souza Chauí Fundador: Maria do Carmo de Godoy Ramos

Cadeira 7

Patrono: Padre Leonel Franca Titular: Paulo Nathanael 30

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Pereira de Souza Antecessor/Fundador: Alberto Mesquita de Camargo

Cadeira 8

Patrono: Sud Menucci Titular: Nacim Walter Chieco Antecessor/ Fundador: Noêmia Saraiva de Mattos Cruz

Cadeira 9

Patrono: Alberto Conte Titular: Arnold Fioravante Antecessor: Cidmar Teodoro Pais Fundador: Nelson Cunha Azevedo

Cadeira 10

Cadeira 14

Patrono: Antonio Piccarolo Titular/Fundador: Oswaldo Melantonio

Cadeira 15

Patrono: Antonio Firmino de Proença Titular: Luiz Barco Antecessor/ Fundador: Vicente de Paula Rocha Keppe

Cadeira 16

Patrono: Abraão de Moraes Titular/ Fundador: Osvaldo Sangiorgi

Patrono: Antonio Ferreira de Almeida Júnior Titular: José Augusto Dias Antecessor/ Fundador: Amaury Moraes de Maria

Cadeira 17

Patrono: João Baptista Julião Titular: Sônia Terezinha de Souza Penin Antecessor/Fundador: Hercília Castilho Cardoso

Cadeira 18

Cadeira 11

Cadeira 12

Patrono: Júlio de Mesquita Filho Titular: Cláudio Salvador Lembo Antecessores: Irany Novah Moraes e Orlando Alvarenga Gaudio Fundador: Laerte Ramos de Carvalho

Cadeira 13

Patrona: Adalivia de Toledo Titular: Teresa Roserley Neubauer da Silva Antecessora/Fundadora: Corina de Castilho Marcondes Cabral

Patrono: Celestino Bourroul Titular: Wander Soares Antecessor: José Aristodemo Pinotti Fundador: João Baptista de Oliveira e Costa Júnior Patrono: José Bento Monteiro Lobato Titular: João Grandino Rodas Antecessor: Erwin Theodor Rosenthal Fundador: Valerio Giulli

Cadeira 19

Patrono: Carlos Pasquale Titular: Celso de Rui Beisiegel Antecessores: Paulo Zingg, Antonio Augusto Soares Amora e José Mário Pires Azanha Fundador: Oswaldo Quirino Simões

Cadeira 20

Patrono: Maria Augusta Saraiva Titular: Myrtes Alonso Antecessor: Rosalvo Florentino


Fundador: René de Oliveira Barbosa

Cadeira 21

Patrono:Fernando de Azevedo Titular: Moacyr Expedito Marret Vaz Guimarães Antecessor/ Fundador: José Fernandes Soares

Cadeira 22

Patrono: Padre Manoel da Nóbrega Titular: Amélia Americano Domingues de Castro Antecessor/ Fundador: Reynaldo Kuntz Busch

Cadeira 23

Patrono:Robert Mange Titular: José Cláudio Correra Antecessor/Fundador: Rita de Freitas

Cadeira 24

Patrono: Álvaro Lemos Torres Titular: José Sebastião Witter Antecessor: Vinício Stein Campos Fundador: Sílvio Carvalhal

Cadeira 25

Patrono: João Augusto de Toledo Titular: Ives Gandra da Silva Martins Antecessor/ Fundador: Antonio d’Avilla

Cadeira 26

Patrono: Padre José de Anchieta Titular/Fundador: Luiz Contier

Cadeira 27

Patrono: Theodoro Augusto Ramos Titular: Bernardete Agelina Gatti Antecessor: Jorge Bertolaso Stela e Benedito Castrucci Fundador: Egon Schaden

Cadeira 28

Patrono: Suetônio Bittencourt Junior Titular: Francisco Aparecido Cordão Antecessor: Apparecida Gomes do Nascimento Thomazelli Fundador: Luiza Chagas

Cadeira 29

Patrono: Geraldo Horácio de Paula Souza Titular: Rachel Gevertz Antecessora/Fundadora: Maria Antonieta de Castro

Cadeira 30

Patrono: Joaquim Silva Titular: Maria de Lourdes Mariotto Haidar Antecessor/ Fundador: José Bueno de Oliveira Azevedo Filho

Cadeira 31

Patrono: Pedro Voss Titular: Luiz Gonzaga Bertelli Antecessor: Mario Pires Fundador: Juvenal Paiva Pereira

Cadeira 32

Patrono: Horácio Augusto da Silveira Titular: João Cardoso Palma Filho Antecessores: Sólon Borges dos Reis e Paulo Ernesto Tolle Fundador: Arnaldo Laurindo

Cadeira 33

Patrono: Manoel Bergström Lourenço Filho Titular: vaga Antecessores: Carlos Corrêa Mascaro e Paulo Renato de Souza Fundador: João de Souza Ferraz

Cadeira 34

Patrono: Ernst Gustav Gothel Marcus Titular: Myriam Krasilchik

Antecessor/ Fundador: Michel Pedro Sawaya

Cadeira 35

Patrono: Newton Almeida Mello Titular: José Renato Nalini Antecessores: Zoraide Rocha De Freitas e Pedro Salomão José Kassab Fundador: João Chiarini

Cadeira 36

Patrono: Anésia Loureiro Gama Titular: Zilda Augusta Anselmo Antecessor/ Fundador: Walter Silveira da Mota

Cadeira 37

Patrono: Máximo Moura Santos Titular: Ivani Catarina Arantes Fazenda Antecessor/ Fundador: Henrique Ricchetti

Cadeira 38

Patrono: Norberto Souza Pinto Titular: Jair Militão da Silva Antecessor: Odilon Nogueira de Matos Fundador: Luiz Horta Lisboa

Cadeira 39

Patrono: Emilio Mira y López Titular: Joaquim Pedro Vilaça de Souza Campos Antecessor: Imídeo Giuseppe Nérici Fundador: Agostinho Minicucci

Cadeira 40

Patrono: Manoel Ciridião Buarque Titular: Anna Maria Pessoa de Carvalho Antecessora: Maria José Barbosa de Carvalho Fundadora: Nilce de Carvalho Amazonas



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