Mares de Sesimbra nº 28

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MARES de SESIMBRA

A Informação que conta

Director: João Augusto Aldeia Foto: João Augusto Aldeia

29 de Abril de 2016, nº 28 30

Fernando Bento Alves andou na pesca da baleia, realizada a partir de Sesimbra, durante a década de 1 940.

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pesca: no arrasto, e nas traiEra mecânico de bordo – ou a esta pesca. "chofer", como aqui se diz – Depois, casou como uma neiras de Sesimbra. do "Proviência", uma das em- sesimbrense, e acabou por barcações que se dedicavam se dedicar a outras artes de Página 2

Ai ol a d e S e si m b ra

U m a re p orta g e m d o p roj e to P e sca Ó P e i xe Iniciamos hoje a publicação de uma série de reportagens da autoria de alunos das escolas do concelho de Sesimbra, no âmbito do projeto “Pesca Ó Peixe – Repórteres pela Literacia do Mar”, uma iniciativa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa que tem como objetivo promover o aumento do nível de literacia do mar a nível local. A iniciativa, cofinanciada pelos EEA Grants, conta com a colaboração das escolas e

da Câmara Municipal do Concelho de Sesimbra, dos órgãos de comunicação social local, “O Sesimbrense” e “Mares de Sesimbra”, e da AAPCS - Associação de Armadores de Pesca Artesanal e Local do Centro e Sul. O projeto abordará quatro temas centrais – o lixo marinho, a sustentabilidade, a biodiversidade e a aiola, sendo este o tema abordado nesta edição. Página 3


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Foto: João Augusto Aldeia

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Fernando Bento Alves andou na pesca da baleia, realizada a partir de Sesimbra, durante a década de 1 940. Era mecânico de bordo – ou "chofer", como aqui se diz – do "Proviência", uma das embarcações que se dedicavam a esta pesca. Depois, casou como uma sesimbrense, e acabou por se dedicar a outras artes de pesca: no arrasto, e nas traineiras de Sesimbra. Onde é que nasceu?

Nasci em Setúbal, na avenida dos Combatentes, que fica à entrada de Setúbal. Ainda tenho lá uma irmã, e tenho sobrinhas. Primos, então, já nem os conheço. Mas casei em Sesimbra, a minha mulher é de cá. A minha sogra era da Cotovia, era Margarida de Sousa Martins, mas era conhecida pela Maria Aldeia. E como veio para Sesimbra?

Vim para ajudante do barco das baleias, era aqui que a empresa trabalhava, embora depois levasse as baleias para Setúbal, para a fábrica. Nessa altura tinha 1 9 anos. E o trabalho que fazia era qual?

Era ajudante de motorista.

E antes disso tinha trabalhado em quê?

Tinha trabalhado numa oficina de automóveis, na avenida 5 de Outubro – desde os 1 4 anos. E já tirei a cédula quando vim para a baleia, com 1 9 anos. Os meus pais não queriam que eu viesse para o mar, mas depois o meu pai morreu, tinha eu 1 6 anos, e foi a solução. Ainda joguei no Vitória, em juniores e sou Vitoriano até morrer. Qual era a profissão do seu pai?

Foi mestre dos galeões, e foi mestre da traineira. Mas nunca quis que eu fosse para o mar. O galeão também era uma espécie de traineira: qual era a diferença?

A traineira é a gasóleo, e os galeões eram a caldeira: alguns a carvão, outros a lenha, e eram barcos maiores: os galeões metiam a rede pela proa e pela popa. Depois, chamavam eles, faziam a “faena” e puxavam a rede, que estava à ré, toda para a proa, tinham uns rolos, e a rede passava ali toda para a proa. Mas tinham muita gente. E apanhavam­se muitas baleias, aqui nesta costa?

Algumas. O barco onde eu andava não tinha grandes condições para apanhar, era mais utilizado para puxar por elas, para levar para Setúbal. Às vezes trazíamos as baleias aqui para terra, para Sesimbra. Só íamos para Setúbal quando sabíamos que podíamos ir, por causa da maré. Se a gente levasse duas baleias, com a água a vazar, tínhamos dificuldade em passar ali ao Outão. Mas não eram desmanchadas aqui?

Não. Iam sempre para Setúbal, a fábrica era em Setúbal. Lá eram puxadas pelos guinchos, e depois lá é que

cortavam e tiravam o óleo. E o outro mais moderno? Esse tinha um nome noDos cachalotes só se aprorueguês que eu não me lemveitava o óleo, bro. Em média, caçavam uma baleia de quanto em quanto tempo?

Essa empresa também teve um barco que afundou, não foi?

Conforme elas passaFoi um que foi ao fundo, vam. Às vezes tínhamos semanas de apanhar duas e o “Maria Virgínia”. Eles pensavam que já estava a baleia três. morta, e a baleia levantou o rabo, deu uma cacetada na E costumavam vir juntas? Às vezes vinham, cardu- proa, o barco era de madeimes de 4, 5 ou 6. Às vezes ra, e foi ao fundo. só vinha uma, mas quase E em que sítio foi? sempre vinham juntas. Foi aqui para fora, para o lado do Mar Novo. A empresa tinha vários barcos?

Tinha três barcos; depois mais tarde é que alugaram um, aos noruegueses, e esse era indiscutível: tiro que desse na baleia, ela já não fugia. Com o nosso barco, dava-se o tiro, e a baleia puxava, puxava, umas vezes partia o arpão, outras vezes arrebentava o cabo. Mas aquele não, o barco norueguês tinha umas molas, que vinham lá do fundo – o barco era em ferro – até cima. E quando a baleia começava a puxar, as molas oscilavam, e então cansava, e quanto estava cansada, injectavam o ar para dentro, pronto, ela ficava por cima de água. Como é que se chamava o barco onde andava?

“Persistência”.

Como é que sabiam que estavam a passar baleias?

A empresa estava a pagar a pessoal para estar no Cabo Espichel, lá eles viam, tinham uns binóculos, porque a baleia passava o largo, e a baleia quando se levanta, deita o esplendor da água, e então eles viam e chamavam os barcos: em tal sítio, tantas milhas, vão três ou quatro baleias. E os barcos iam lá. E quanto tempo andou nessa pesca?

Andei aí uns três anos. Depois o barco foi vendido para a Madeira, e eu não quis ir. Foi o pessoal todo para lá, mas eu não quis ir. Devia ter 21 ou 22 anos.


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E a seguir foi para onde?

Fui para a pesca do arrasto. Mas era a partir de Lisboa?

Era. Cheguei a ir para Cabo Branco, para a Mauritânia, e pesquei também aqui na nossa costa. Andei uns anos bons, mais de 30 anos. Até se reformar?

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sa, depois vinham aqueles dois e iam outros dois, e assim sucessivamente. Saíamos de Lisboa e regressávamos ao fim dum mês . Em Sesimbra, aquilo que ganhava era fixo, ou era proporcional à pesca?

Era uma percentagem. Se apanhasse muito peixe, ganhava muito, se apanhasse pouco, ganhava pouco. Eu depois passei de ajudante a motorista, tirei as cartas em Setúbal. Tive carta de 600 cavalos.

Até me reformar. Mas também andei em Sesimbra. E ainda se recorda dos Andei no Augusto Caminhão, primeiros motores com andei na traineira do Louren- que trabalhou? Trabalhei com o Bolinder, ço, andei cá em Sesimbra nos “campeões”. Andei tam- trabalhei com o ScaniaK bém no Luís Adrião, mas pouco tempo porque a pesca Os motores mais antigos estava fraca e eu fui-me em- eram muito primitivos, bora para o arrasto outra vez. muito simples? Eram piores. Havia traineiras que tinham motores a Mas o seu trabalho foi maçarico, tínhamos que estar sempre o mesmo? Sim. O que era, é que em a aquecer os maçaricos e deCabo Branco, era da máqui- pois era injectado o combusna, mas ia ajudar ao peixe tível e depois é que arrantambém. A gente chegava a cava. Depois começaram a estar a dormir de pé. E o vir os motores a quatro temmestre: “Despachem-se que pos, com baterias, nesses já temos peixe no saco outra motores era só carregar no vez”. Iam dois comer, à pres- botão.

E como é que se resolviam as avarias?

Conforme a avaria. Se fosse uma avaria que não tivesse resolução, tínhamos de vir para a terra. Agora se era um filtro entupido, eram trabalhos que tínhamos possibilidade de arranjar. Aprendeu essa profissão a bordo, quando veio para ajudante?

Aprendi. Mas já tinha luzes da mecânica, quando trabalhei nos carros. Trabalhava com chaves, fui para lá com

1 4 anos, e andava debaixo dos carros, a ver a malta trabalhar, para tentar perceber. E depois eles: – “é pá Fernando, vai lá buscar isto, vai lá buscar aquilo” – e eu saía de baixo dos carros e ia buscar. Naquele tempo, fui ganhar três escudos por semana, nunca mais me esqueço. A minha mãe dizia que nem dava nem para o sabão que eu gastava. João Augusto Aldeia

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U m a re p orta g e m d o p roj e to P e sca Ó P e i xe Um grupo de alunos da Escola Básica do Castelo – Sampaio, para saber mais sobre a aiola, embarcação típica de Sesimbra, saiu à rua e foi falar com um construtor

naval, com um pescador e com um técnico do Museu Marítimo de Sesimbra. Aproveitando a saída, realizaram ainda uma entrevista a um visitante que encontraram a

passear com a família na Fortaleza, e que revelou ter um conhecimento incompleto sobre a aiola, mas vontade de aprender mais. Alunos: Carolina Bargado,

Para si, qual é a embarca­ ção com maior valor histó­ rico e cultural em Sesimbra?

Já pescou noutro tipo de embarcações?

de fundo.

António Salter, pescador Já, andei em Marrocos, na pesca do peixe-espada Agora são as aiolas, são branco. embarcações que existem há mais de 1 00 anos. Este é o tipo de embarcações que E qual é que prefere? eles trabalharam aqui pela É assimK os barcos de costa, andaram sempre aqui aos chocos, às lulas e aos Marrocos acabaram e agora polvos. Agora as pessoas es- tenho de me agarrar aqui. tão a desistir e com o parque marinho isto está a acabar Que artes de pesca podem tudo. ser praticadas numa aiola? É só a toneira, a piteiraK depende das licenças que Pesco com a aiola desde ela tenha, mais de 90% desos 30, quando andei lá em tas embarcações é só a toneira, a piteira e o palangre Marrocos. Desde que idade é que pesca com a aiola?

E quais pratica?

Eu só pratico a toneira e a piteira. Que espécies é que costu­ mam capturar?

Os chocos, as lulas e os polvos. Que importância tem para si a aiola?

O meu meio de sustento é a aiola, não tenho mais nenhum meio de sustento, tenho de viver de uma embarcação destas.

Gonçalo Corte-Real, Lara Silva, Matilde Graça, Margarida Barreiros, Patrícia Pinheiro, Patrícia Fonseca. Professor responsável: Luís Varela


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Rui Farinha, construtor naval Para si qual a embarcação com maior valor histórico e cultural em Sesimbra?

Como construtor naval e depois de 54 anos de profissão, e pertencendo ao maior e mais antigo estaleiro de Sesimbra, com mais de 80 anos, o maior orgulho que eu tenho foi o de reconstruir a antiga barca de Sesimbra que fez a viagem ao Brasil. Foi a barca da Nossa Senhora da Aparecida que fez a célebre viagem ao Brasil, na mesma rota de Cabral, em 2005. Esta foi a maior obra e a que deu mais orgulho de

fazer e sinto-me feliz por ter concretizado esse trabalho, afinal essa barca foi ao Brasil e hoje está na posse de Sesimbrenses e ao serviço de Sesimbra, dos turistas e de todos aqueles que a queiram visitar. Quantas aiolas já ajudou a construir?

Não tenho conta, porque tenho construções não só a nível nacional mas também como no estrangeiro em vários países, já construi para França, Inglaterra, Noruega, Holanda, Escócia e outros mais que me passam no momento. Desde que idade acompa­ nha esta arte do seu pai?

Comecei esta arte com 11 anos, portanto quer dizer que

tenho 54 anos de profissão. Foi com o maior orgulho, quando o meu pai me perguntou se queria ir estudar ou se queria seguir a profissão dele, que optei por seguir a sua profissão, e é por isso que sou o que sou e tenho orgulho em ter tido um grande mestre, o mestre Acácio Farinha. Acha importante que esta arte se mantenha?

Acho que sim, e é pena que ela acabe. Tem havido ao longo destes últimos anos muitas dificuldades que tem

dificultado a construção naval não só em Sesimbra mas a nível nacional. Os estaleiros estão a acabar, e o de Sesimbra é dos poucos que ainda restam a nível nacional. Seria um grande orgulho que os mais novos continuassem esta arte, estou a dar apoio e todos os contributos possíveis para conseguir realmente criar forças para que se incentive esta arte, que é uma arte linda, e de certa forma uma continuidade para a história, pois faz parte da história do nosso país e sobretudo da

nossa terra. Eu tenho orgulho de ser Sesimbrense, e tudo aquilo que eu faço é para mostrar a todos aqueles que nos visitam que temos orgulho da nossa terra e faço-o através do meu trabalho, que foi uma longa vida de trabalho, e tenho orgulho disso.

não se perca. Assim fica gravada na história um pouco da minha vida assim como a dos meus antepassados, pois o meu pai levou uma vida de trabalho nesta área e é com o maior orgulho que eu neste momento tento valorizar Sesimbra, as suas raízes e Existe mais alguém com o tudo aquilo que seja de vaconhecimento de como lor, para que Sesimbra seja construir aiolas? recordada e não se perca a Presentemente não, sou o sua história e a sua memóúltimo construtor naval de ai- ria. olas em Sesimbra. E construí, a pedido de dois turistas Que importância tem para espanhóis que depois de si a aiola? A aiola, assim como a barca de Sesimbra, têm muita importância para mim. São as duas grandes embarcações que marcam a história de Sesimbra, porque são únicas no país. A barca típica de Sesimbra surge no seguimento das antigas naus que fizeram as descobertas, foi adaptada e criado um modelo próprio. Algumas dessas naus foram construídas aqui em Sesimbra no tempo das descobertas, e portanto a adaptação e aperfeiçoamento desse tipo de embarcação para a barca é única em Sesimbra, em Portugal, e portanto é de valorizar a barca típica de Sesimbra. A aiola derivou da canoa da picada, que era um apoio a essa embarcação, e que ao longo dos anos foi adaptada e passou a ser também uma embarcação típica dos pescadores de Sesimbra. Na altura eram movimentadas à vela, e depois o aparecimento dos umas férias em Sesimbra com a vela deixou de decidiram cá ter uma segun- motores mas seja como for da residência, a maior aiola funcionar, embarcação que ainde Sesimbra, com quatro édauma hoje é utilizada. metros e meio, tal e qual cotipo de embarcamo elas eram antigamente, à çõesEste a perder-se devivela, como os nossos ante- do a está certas circunstâncias, passados utilizavam. não é por vontade dos pescadores nem dos construtoPretende passar esse res, são outras questões conhecimento a alguém? não vale a pena abordar Por isso é que eu estou que agora. aqui, uma vez que já não há Mas realmente é essa a quem se interesse muito pela minha maior mágoa, é não continuação desta arte, pelo ter aquela que já menos posso transmitir aos existiu de vivacidade nós não termos mais novos a realidade da mãos a medir e construirnossa história para que ela mos para todo o país, e havia trabalho e quem tivesse interesse, mas isso acabou e é pena, e o que mais me magoa é ver realmente esta profissão a acabar.


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João Ventura

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Técnico da Câmara Municipal de Sesimbra na área do património Para si qual a embarcação com maior valor histórico e cultural em Sesimbra?

As embarcações que são originais e típicas de Sesimbra, e portanto que só existem aqui na nossa região, a aiola e a barca de Sesimbra. Que tipo de embarcação deu origem ao aparecimento das aiolas?

Tipo de embarcação? Se

naval tradicional ou de embarcações em madeira tem de ser registada. Estamos sempre a falar de descobrimentos e das nossas caravelas, somos um país que temos muita responsabilidade a esse nível e isso também é trabalho dos museus, mais do que expor, que é a parte final de um processo, há que documentar, inventariar, registar, e

de há séculos, mas os tipos de barcos vão-se adaptando às necessidades do tempo. Originalmente a aiola era a embarcação de apoio da canoa da picada, e servia para fazer o transporte de peixe e de pessoas para a praia, tendo sido adaptada depois para a pesca. Já no século XX apareceram os motores e os barcos como a aiola deixaram a vela e adaptaram-se à nova fase – as embarcações a motor. Sabemos que o número de aiolas está a diminuir e sa­ bendo do valor cultural da mesma, o que é que a Câ­ mara Municipal de Sesim­ bra está ou pretende fazer em relação a isso?

calhar a questão não deveria ser colocada dessa maneiraK A arte que vai passando de mestre em mestre, a arte de saber fazer, esse conhecimento que é passado de geração em geração, vai também, e de acordo com as necessidades da época e com a tecnologia existente, possibilitar que possamos ter uma evolução, por exemplo das embarcações de madeira, de geração em geração através da transmissão de conhecimentos. Sabemos também por quem estuda estas matérias, que as técnicas utilizadas hoje em dia, por exemplo pelo Rui Farinha, são técnicas que podemos encontrar documentadas há muitos séculos atrás por mestres. Portanto, mais do que a forma, eu penso que o que é mais importante aqui realçar é a arte de saber fazer. E essa arte de saber fazer é também uma das riquezas de Sesimbra, é património, e deve ser tão bem tratado ou tão bem registado como qualquer outro. Hoje ouvimos falar tanto, e está tão na moda, do património material como o fado, que a arte de saber fazer, e a documentação da arte dos metres ligados á construção naval, especialmente á construção

portanto esse é também o nosso trabalho. Há registo do ano em que foi construída a primeira aiola?

Dilui-se no tempoK mais importante do que saber esse aspeto é ter noção que as técnicas construtivas vão-se mantendo. Há uma técnica de saber construir que já vem

- Do ponto de vista da dinamização, da alteração do negócio, ou da construção das aiolas, a Câmara Municipal pouco pode fazer. Obviamente que o esforço passa muito por quem sabe ainda construir, e como não há assim tanta gente isso é logo o primeiro grande problema. O que pode ser feito, e ai é já a minha área – museus e património – é promover o conhecimento, e valorizar as embarcações típicas de Sesimbra. Temos ainda, felizmente, várias barcas e aiolas no mar, mas cada vez são menos, e acho que temos de olhar para estas embarcações típicas como um valor de identidade de Sesimbra, e quem sabe se

possa promover outras utilizações para estas embarcações, e assim valorizá-las pela sua história mas também perspetivando o futuro destes barcos. O que é que eu quero dizer? Converter, por exemplo, este tipo de embarcações para atividades de recreio ou para outro tipo de funções, mas sempre valorizando a importância documental do barco e das técnicas que levam á construção do mesmo. O mais importante é mesmo não deixar morrer, se não puder ser só pela pesca, que possa ser pela pesca e por exemplo pelo recreio, mas fazer algo que possa revitalizar este mercado da construção que é uma coisa muito limitada pois já existe muito pouca gente a construir este tipo de embarcações. Posso lembrar por exemplo que o Rui Farinha, e o pai Acácio Farinha, construíram barcos uma vida inteira para a pesca, mas também já construíram muitos barcos para outras funções: lazer, recreio, passeio, e inclusive construíram um barco que ficou muito famoso por realizar a travessia do oceano Atlântico até ao Brasil. Portanto, os barcos podem ser valorizados hoje em dia por várias frentes. O Museu Marítimo de Sesimbra tem esse objetivo de valori-


zar, dar a conhecer, e explicar por que é que estes barcos são tão importantes, originais, porque é que têm tanto a ver com Sesimbra. Que importância tem para si a aiola?

Mais uma vez falo na perspetiva do museu. Ao longo de toda a exposição no museu temos réplicas, miniaturas, documentação, fotografias ou filmes da aiola. A aiola é o único objeto diretamente ligado à pesca ou à navegação aqui em tamanho real, isto porque é também uma mensagem que quere-

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mos transmitir, as artes de pesca perderam-se mas temos na exposição maquetes que são agora a única forma de explicar a quem nos visita como era e como se fazia a arte. Mas não nos interessa só o barco, mas também que as pessoas percebam toda a técnica envolvida na construção do mesmo, por isso pedimos ao Rui Farinha que nos cedesse uma aiola inacabada para que as pessoas possam perceber toda a arte e tudo o que está por detrás da construção de uma aiola. Felizmente ainda podemos ver aiolas no mar e na doca, mas para nós a aiola é muito importante enquanto

documento e enquanto objeto na exposição do museu municipal. Assim, se há objeto que acaba por ter destaque aqui no museu é a aiola, e isso no fundo responde à vossa pergunta. O que poderemos encontrar no Museu Marítimo de Sesimbra?

O Museu Marítimo de Sesimbra pretende documentar o barco, pretende documentar a pesca e acima de tudo a relação dos sesimbrenses com o mar em todas as suas perspetivas. Neste museu as pessoas vão encontrar obviamente as artes de pesca, a construção naval, mas vão encontrar também a devo-

ção. As comunidades marítimas têm uma devoção própria, uma devoção muito específica e muito forte, especialmente aqui em Sesimbra. Poderão ainda descobrir a arte de navegar, como se conduz um barco, como é que se vai para os pesqueiros, como é que se viaja com as técnicas da navegação. E sendo um museu temos também uma forte presença do contexto histórico e arqueológico, e das várias perspetivas dessa relação com Sesimbra. O barco tem um papel muito importante, mas poderão ser observados vários aspetos da relação de Sesimbra com o mar.

António Costa

Engenheiro, de visita a Sesimbra Para si, qual é a embarca­ ção com maior valor histó­ rico e cultural em Sesimbra?

A embarcaçãoK Eu não sei o nome exato daquele tipo de embarcação mas é a barca, não? Não sei se é a barca. É a barca? Sim, a barca é uma delas, e sabe o que é uma aiola?

Uma aiola sei que é um barco com artes de pesca,

penso que é um barco pe- ma aiola? quenino. É típico de SesimA pesca à linha e a pesca bra? E com quantos ao cerco. ocupantes? Dois? Sim, a aiola é uma embar­ cação típica de Sesimbra, e leva um ou dois tripulan­ tes. Gostaria de andar nu­ ma aiola?

Gostava, gostava.

Sabe que artes de pesca podem ser praticadas nu­

A pesca ao cerco é com barcos maiores… Acha im­ portante manter­se as tra­ dições e costumes locais?

costumes locais?

Tenho, tenho.

Que importância tem para si a aiola?

A aiola penso que é uma embarcação artesanal, neste momento em vias de desapaSim é muito importanteK recimento, não sei quantas Muito. pessoas ainda estão envolvidas com este tipo de embarQuando visita um novo lo­ cação, mas acho que já não cal tem curiosidade em sa­ são muitas, por isso é muito ber mais sobre os importante preservá-las.

MARES DE SESIMBRA publicação electrónica Director: João Augusto Aldeia - joaldeia@aiola.pt Administração: José Gabriel - jagabriel@aiola.pt Correspondência: mares@aiola.pt Publicação: Projectos Aiola - www.aiola.pt


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