Entrevista com os Anaquim

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Queremos tanto fazer leis como ouvir um CD feito pelo governo O QUINTETO DE COIMBRA VAI APRESENTAR O NOVO ÁLBUM E A C CONVERSOU COM JOSÉ REBOLA E PEDRO FERREIRA SOBRE O QUE É "DESNECESSARIAMENTE COMPLICADO Texto MARCO ROQUE

O

s Anaquim estavam de volta. De volta aos palcos e de regresso aos álbuns, depois do sucesso do disco "As Vidas dos Outros". Os concertos de apresentação do novo álbum, "Desnecessariamente Complicado", começam esta sexta-feira, no Teatro Académico de Gil Vicente. Como sempre, o público pode esperar uma visão crítica da realidade portugesa, numa

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[O Anaquim está de regresso] mas com algumas alterações ao nível da personalidade. Está menos ingénuo, mais reivindicativo e exigente

mistura de vários estilos musicais. Qual é filosofia do vosso novo álbum? T a l c o m o o a nt e r io r [A s V id a s d o s Outros],este disco continua a ser um olhar para a sociedade contemporânea portuguesa - e não só - onde tudo parece ser desnecessariamente complicado, desde o sistema judicial ao legislativo, às finanças, a toda a burocracia que reina. E, lembrando que as

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Um duende observador e com espírito crítico cuja música é difícil de definir

estruturas são feitas de pessoas, também as pessoas desnecessariamente complicadas nas suas relações interpessoais. Portanto, este disco é uma tentativa de sublinhar que também devíamos voltar ao básico. Talvez as maneiras mais simples de viver a vida funcionassem melhor. É um álbum mais interventivo que o anterior? Acaba por ser. Este álbum está pensado em

A PERSONAGEM do Anaquim, um duende muito observador, foi criada - e assumida como alter-ego - por José Rebola. O nome surgiu em honra à personagem Anakin Skywalker, da Guerra das Estrelas, e é alguém que observa o mundo ao seu redor e tira conclusões. Dessas conclusões, nascem as

letras das músicas. Tal como o Anaquim, o estilo muscial usado também é bastante irrequieto: a banda está "mais próxima do rock, embora nunca ponha de a paleta sonora que antes os caracterizava: o swing, a country, o jazz manouche, o cabaret ou a música portuguesa".

dois caminhos. Por um lado, nasce do palco, para o registo [gravado]. Por outro lado, acaba por ter um grande paralelismo em relação ao primeiro, mas mais amadurecido. Parte da observação da vida pessoal de quem escreve. Está mais incisivo, é intervenção no sentido de lançar alertas, tentar que as pessoas mudem a sua parte. Até porque não queremos substituir o governo. Queremos tanto fazer leis como ouvir um CD feito pelo governo. Cada um no seu campo. É um

álbum que lança alertas, lança às pessoas o desafio de irem reclamando e mudando aquilo que podem, para levar aos ouvidos de quem pode mudar mais e mostrar que as pessoas não estão satisfeitas. Podem destacar algumas canções? O "Se eu mandasse", por exemplo, é uma caricatura do discurso de café, em que uma pessoa está a ver as notícias e começa a dizer "se eu mandasse, isto era tudo corrido

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O quinteto é composto por Filipe Ferreira, José Rebola, Luís Duarte, João Santiago e Pedro Ferreira (foto em cima, ao centro). porta fora..". Essa é uma das caricaturas que temos, embora também falemos de temas mais sérios. "O Encurvado" fala dos sem-abrigo, o "Livro de Reclamações" fala da organização das instituições. "Hoje é um bom dia", que encoraja pessoas as pessoas a insurgir-se e a mudarem. Despois, no plano pessoal, há o "Nós", que é uma viagem de autoconhecimento, o "Mas nunca em dias de Sol" que fala em aproveitar os pequenos prazeres da vida, que ainda são gratuitos. Até é injusto estar a destacar umas em detrimento de outras. Gostávamos que se fizesse uma coisa que caiu em desuso: ouvir um álbum do início ao fim, sem destacar o single. Este álbum é uma história com capítulos e ouvir

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só algumas músicas é ficar com a história só pela metade. E mantém-se a persona do observador duende Anaquim? Sim, mas com algumas alterações ao nível da personalidade. Está menos ingénuo, tantas observações fez que tirou as suas conclusões. Está mais reivindicativo, exigente em relação ao que não vai gostando na sociedade e não se coíbe de apontar o dedo às questões que ele considera estarem mal resolvidas. O João Rebola disse numa entrevista que o duende Anaquim era um alter ego dele, mas acabou por se tornar de toda a

banda. Como foi esse processo? A cada concerto, a cada entrevista que damos, estamos a injetar no Anaquim um pouco de sangue nosso. No princípio esse sangue vinha mais do José e agora repartimos as doações por todos, o que até vai resultar numa melhor saúde para o duende (risos). Tudo isto começou por ser um passatempo, mas é também uma grande ocupação de todos nós. Todo este olhar atento, de preocupação social [que se refletem nas letras] mas também a estética musical, onde não se tem de encontrar uma, acabam por se encontrar várias… Desde o início, todo este caminho tem-se feito com cinco pares de pernas.

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O que é que mudou nos Anaquim desde esse ano de 2007, em que se encontraram? Mudou quase tudo e ainda bem, e esperemosque continue a mudar. Se nos fizerem essa pergunta em 2017, era bom puder dizer que mudou a mesma quantidade de coisas, para melhor sempre. As músicas estão mais completas, no início eram apenas esboços. Quem tiver a ilusão de que as músicas são feitas como são ouvidas, não é verdade. Esse caminho dos esboços até à versão final está a ser cada vez mais fácil e mais completo, estamos a conseguir encontrar a nossa identidade como banda, encontrar os temas dos quais queremos falar. O engraçado é que o que não mudou foi o entusiasmo da banda e isso é bom que não mude. O que mudou foi para melhor, no processo de fazer canções, foi-se aprimorando. Para fazer um paralelo com um chef de cozinha que vai aprimorando e as suas receitas vão saindo cada vez melhor. O que é que esta nova digressão traz de novo? Vai trazer mais empatia e à-vontade. Uma pessoa quando está a começar, com o primeiro álbum, e está a lançar as suas ideias vai sempre a medo, a ver se a água está fria. Mas, quando conheces bem a piscina, já te atiras de cabeça. Esperamos que é isso o que vai acontecer nesta digressão. As pessoas já nos conhecem, sabem a nossa forma de estar descontraída e nós já sabemos que há uma abertura por parte do público que vê com bons olhos essa forma de estar. É quase como ter uma carta verde para sermos nós próprios e, assim sendo, as pessoas vão estando mais à vontade e os espetáculos correm melhor. E quem for concerto no Teatro Académico de Gil Vicente, no dia 16? Podem esperar uma imagem fiel do álbum. Estes concertos de apresentação são feitos com o intuito de dizer às pessoas que o que ouviram em estúdio, está aqui em palco. Há tempo para, ao longo de dois ou três anos – o tempo de vida do álbum -, para se irem retocando e reiventando as canções. Os concertos de apresentação não são para isso. Nesse sentido, temos vindo a ensaiar que nem uns "mouros" e estamos a tentar que a sonoridade seja o mais fiel possível. Vamos tentar todos os convidados, pelo menos a maior parte, e, depois, tentar replicar isso em Lisboa e Porto.

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