Final revista alheio nilo lima barreto

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m o d a

100 ANOS

DE

MODA FUTURISTA prospecções de entrevista novos cenários com o designer para 2014 mickaël dejean 1

os calungas do ilustrador marcos olli


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essa revista pode ser impressa, publicada, postada, distribuída e divulgada livremente, de forma integral, gratuitamente, sem qualquer alteração, edição, revisão ou corte, junto com os devidos créditos.


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adj. Distante; liberto; em que há liberdade; que pertence ou diz respeito a outra pessoa.


ALENCARINOS PERIFÉRICOS EPICENTRO MEIO FIO SOMA


48 Os calungas de marcos olli 46 o toque francês de mickaël dejean 36 editorial SOLILÓQUIO MISANTRÓPICO 31 100 anos de moda futurista 24 IGUALMENTE DIFERENTES 07 prospecções de tendências de moda para 2014


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EDITORIAL

ALHEIO foi criada como materialização do trabalho final da disciplina Planejamento Gráfico do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. Partindo da necessidade de existir uma plataforma que possa expor novos artistas que estão emergindo no cenário das artes visuais e da moda, a revista tem por missão trazer aos olhos do mundo um conteúdo alheio ao que está orbitando dentro do núcleo das principais publicações, horizontalizando os meios de divulgação de trabalhos e dando suporte para quem quer construir uma rede democrática de artistas de alta qualidade.

na capa

Como não poderia deixar de ser, ALHEIO é fruto da colaboração de inúmeras pessoas que se dispuseram a construir de forma livre um repositório de ideias e de experimentações, pois a revista também se enquadra na categoria de emergente, procurando seu lugar dentro do círculo de publicações-modelo, se transmutando e se adaptando conforme espaço e tempo. Dito isto, fica meu grande agradecimento a todos os envolvidos e meu desejo de que esse ensaio possa germinar na cabeça de pessoas criativas e ousadas que queiram levar a revista ALHEIO adiante. Forte abraço!

Sem título. Nilo Lima Barreto

COLABORADORES& AGRADECIMENTOS NILO LIMA BARRETO Editor chefe JESSÉ LIMA - MARCOS OLLI - MICKÄEL DEJEAN - LEONARDO DE QUEIROZ - FELIPE MARQUES - YÁGDA HISSA - PRISCILA SALGADO RENATA BRANDÃO - DILLIANA DIAS - JOHANN FREITAS - VICTÓRIA PRACIANO - YAN DINIZ - ALESSANDRA GOMES - FÁTIMA MORAES - LUCAS VANTIER - LILLY O. - BRENDDA COSTA - RAÍRA ARAÚJO - VANESSA ELLERY - MAI OLIVEIRA - LUÍS SÉRGIO SANTOS -

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prospecção de novos cenários

macrotendências 2014

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soma

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mercadológico em que “a inovação é cada vez mais crucial para o sucesso no mundo dos negócios” (SHAPE THE AGENDA, 2005, p. 52). As novas coleções de roupas e acessórios introduzidas por eles são ingredientes vitais para atingir bons resultados mercadológicos, pois a economia de livre mercado depende de empresas competindo entre si, para superar marcas estabelecidas por outras empresas. “As empresas precisam introduzir continuamente novos produtos, para impedir que empresas mais agressivas acabem abocanhando parte de seu mercado” (BAXTER, 1995, p. 1). Para que o processo criativo ocorra em uma empresa e transforme-se em efetivas inovações (em estratégias, produtos ou processos) é necessário que haja indivíduos potencialmente criativos e capazes de implementar as criações (MATTAR; SANTOS, 2003, p. 253). Contudo, parece cada vez mais difícil inovar, “com mercados que se transformam muito rápido e consumidores muito exigentes” (HSM MANAGEMENT, 2005, p. 51). Esse contexto, que requer projetos de design de moda com altos níveis de inovação e com baixos níveis de risco, gera dois tipos de ansiedade entre o grupo de profissionais da indústria da moda da sociedade contemporânea, formado por designers, gestores de marketing, compradores de lojas de varejo e empresários. Primeiro, eles desejam saber qual será o produto portador de força de vendagem e distinção e passar a produzi-lo. Segundo, saber qual será esse produto antecipadamente. A ação criativa desses profissionais é sempre orientada em função de um conjunto de informações de estética antecipado e de uma constante ruptura com o produto

prospecção em design Leonardo de Queiroz, Universidade Federal do Ceará

A

indústria da moda, na sociedade pós-industrial, é um negócio excitante, dinâmico, criativo e global. A moda é um grande negócio que emprega inúmeras pessoas com seus diferentes talentos e habilidades para que a indústria possa levar roupas e acessórios inovadores para os consumidores. Estilistas, fabricantes, varejistas, compradores, administradores de marketing, entre outros profissionais, estão todos envolvidos no desenvolvimento do melhor produto para o mercado, no menor tempo possível e por um preço competitivo. Isto não é fácil, pois a moda muda constantemente (BRUCE; HINES, 2002). Atualmente, na indústria da moda, há uma aceleração enorme na circulação de capital e consumo em todas as suas fases. “Os prazos de rotatividade,reinvestimento e distribuição do capital,taxas de inovação e

obsolescência tanto dos bens de produção quanto de consumo, mudanças de estilo – tudo isso atinge velocidades histéricas” (SLATER, 2002, p. 189). As estações tradicionais de Primavera, Verão, Outono e Inverno ainda são aparentes, mas as mudanças são mais numerosas. Cor, forma, textura, silhuetas, proporções são efêmeros. Isso torna a previsão, o planejamento e a criação de estratégias de marketing arriscadas e complexas (BRUCE; HINES, 2002). Além disso, a criação de novas coleções é particularmente complicada para a indústria de confecção devido ao alto número de unidades de estoque, à necessidade por mudanças constantes e à criação de pelo menos quatro estações e várias linhas ao mesmo tempo (REUMAMY, 1996, apud LE PECHOUX et aI., 2002). O desenvolvimento de novos produtos está sujeito a baixas taxas de sucesso e à dificuldade na diminuição do tempo de produção. Hoje, o foco de gerenciamento de confecção está na redução dos ciclos de produção e no aumento da inovação de produtos, porque essas ações são decisivas para evitar perdas na participação de mercado (LE PECHOUX et aI., 2002). Os profissionais da indústria da moda operam, na sociedade pós-industrial, num contexto 8


soma anterior. Esses profissionais, para desenvolverem seus trabalhos de forma criativa e para diminuir ou eliminar o fracasso mercadológico, desejam sempre saber o que as pessoas gostam ou gostariam de vestir. Essa necessidade de conhecimento sobre as necessidades estéticas de mercado existe também porque a consagração da empresa e do profissional no setor da moda está diretamente relacionada com a sua capacidade de prever quais serão as tendências de moda das estações por vir. E é essa capacidade que justifica sua aparição nos editoriais de moda das revistas especializadas. Ter uma carreira bemsucedida na indústria da moda, hoje, significa demonstrar talento para identificar uma determinada tendência e ser seu legítimo representante (BERGAMO, 1998).

"a área de prospcção de Design tem o objetivo de desvendar o mistério a cerca das tendências de moda."

Com base nisso, a área de prospcção de Design tem o objetivo de desvendar o mistério a cerca das tendências de moda. Quem nunca se perguntou de onde vêm as informações de estética? Como elas surgem? Quem as elabora? Muita gente não imagina que a tendência de uma estação tem sua origem alguns anos antes e que muito trabalho foi feito primeiramente para uma peça chegar às vitrines de uma loja (AZEVEDO, 2005). Antes de chegar ao armário do consumidor, roupas, bolsas, sapatos, óculos e outros acessórios já foram informações de estética resultantes de pesquisas socioculturais, comportamentais e mercadológicas. Quem pensa que a moda começa com uma idéia luminosa do estilista e termina em uma peça de bom caimento sobre o corpo do consumidor ainda não conhece a epopéia que precede a confecção tanto de um caríssimo Giorgio Armani quanto de um singelo zíper vendido a preço popular. A moda das passarelas é o produto final, manufaturado e transformado por muitas mãos

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diferentes antes de chegar às araras das lojas (DURAN, 2005). Atualmente, oferecendo muito mais que propostas de moda, são os escritórios de estilo que “fundamentam e elaboram todas as informações necessárias para a criação das tendências de moda” (LEÃO, 2002, p. 61) na indústria da moda da sociedade pós-industrial. Eles compõem o setor de previsão de moda cuja principal missão é “descobrir as tendências que afetarão o comportamento do consumidor e traduzi-Ias em guias de estética para criação: os cadernos de tendências (Cahiers de Tendances)” (Ibid., p. 61) ou os sites da Internet – que funcionam como cadernos de tendências digitais –; além disso, eles oferecerem consultoria personalizada. “O papel dos bureaux de estilo é fornecer dados específicos para cada segmento da indústria da moda e assim permitir que eles realizem um trabalho de acordo com as necessidades dos consumidores”, explica a designer Luciana Parisi (DURAN, 2005). As informações de estética fornecidas pelos escritórios de estilo, através dos cadernos de tendências ou dos sites na Internet, têm um alcance maior do que pode ser pensado, pois elas são “instrumentos de grande importância entre o meio empresarial, pois fornecem a segurança necessária para o desenvolvimento de um produto de moda” (LEÃO, 2002, p. 61). Os consumidores dessas informações


soma são apenas as maiores empresas ligadas à indústria de moda do mundo. Portanto, não são irrelevantes. Ao contrário, a adesão em grande escala ao seu discurso estético faz com que efetivamente as prospecções de novos cenários dos escritórios de estilo se tornem realidade. Isso por um motivo bastante simples: “passa a ser produzido em escala mundial aquilo que foi previsto por esses escritórios. Logo, estará disponível para compra no mercado exatamente aquilo que os escritórios de estilo disseram que estaria” (BERGAMO, 1998, p. 20). Como a sociedade pós-industrial é marcada pelo surgimento de uma nova estrutura social onde a informação pode proporcionar poder e crescimento econômico, é indispensável à compreensão do processo de criação de informação de estética na indústria da moda contemporânea. Essa nova estrutura social está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento, o informacionalismo, a nova base material, tecnológica, da atividade econômica e da organização social, e historicamente moldado pela reestruturação do modo capitalista de produção, no final do século XX. No novo modo informacional de

desenvolvimento da sociedade pós-industrial, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento de informação e de comunicação de símbolos (CASTELLS, 1999, p. 32-35). Na nova sociedade atual, “a força motriz do capitalismo não é mais alimentada pelos engenheiros e gerentes de produção, pela indústria fabril ou pesada, e sim pelos diretores de marketing e consultores de design, pelos varejistas e pelos produtores de conceitos“ (SLATER, 2002, p. 170). Vive-se numa sociedade marcada por uma cultura pós-moderna que está claramente ligada ao “pós-fordismo, caracterizado pelo predomínio da informação, da mídia e dos signos, pela desagregação da estrutura social em estilos de vida, pela prioridade geral do consumo sobre a produção na vida cotidiana e pela constituição de identidades e interesses” (Ibid., p. 188). Tendo em vista que a posse de determinadas informa-

ções levanta também questões de poder,é fundamental que os profissionais e estudantes de moda compreendam os pontos mais estratégicos do desenvolvimento de informação de estética na indústria da moda internacional. Não adianta que todos os passos do desenvolvimento estejam, simplesmente, tecnicamente corretos, se as empresas, profissionais e estudantes de moda estiverem, de um modo ou de outro, desconectados dos processos de criação de informação, bens e valor que definem as redes internacionais da moda2. Na atualidade, “os fluxos de informações e signos passam a ser cruciais para o controle, a produção, o trabalho e o consumo. O acesso às redes de informação e o controle sobre elas tornam-se os árbitros do poder social” (Ibid., p. 189) e fonte do crescimento econômico.

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nas páginas que seguem apresentaremos os quatro padrões desenvolvidos pelos alunos da disciplina de prospecção de novos cenários do curso de design - moda da universidade federal do ceará 10


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Posso não ser uma janela aberta para o mundo, mas certamente sou um periscópio sobre o oceano do social.

antônio abujamra 23


igualmente Durante mais de dez anos, Hans Eijkelboom passou pelas ruas do mundo inteiro buscando na multidão uma peça de roupa ou um acessório em comum. Resultado: impressionantes coleções de indivíduos.

P

or mais de dez anos o artista registrou padrões de vestuário que se repetiam ao parar e observar durante um pouco mais de duas horas em um movimentado centro comercial de um total de quase 25 países. Observando atentamente a multidão que passa através da objetiva de sua câmera fotográfica, Eijkelboom procura similaridades como uma camisa, um acessório, um corte de cabelo. E o que surge dessas coleções aparentemente aleatórias são padrões in-

visíveis que ignoramos existirem (por pura inocência). Como consumidores de massa, ao comprarmos um determinado produto de moda não nos damo conta de que além daquela peça que estamos adquirindo existem outras 500.000 prontas para serem compradas ou até mesmo vestindo outros corpos na rua. Porém o artista revela que mesmo capturando essas uniformidades, somos essencialmente diferentes nos detalhes, únicos. 24


e diferentes Voltando seu trabalho para o registro do banal, do cotidiano, o artista se questiona sobre a construção do seu Eu (e de sua obra) ser um choque constante entre a cultura de massa e sua própria subjetividade, afirmando que hoje somos mais independentes nas nossa próprias escolhas (e as roupas são a melhor tradução delas), podendo construir livremente nossas identidades. Porém não temos dimensão do nosso papel no todo, e que nos perdemos facilmente no meio de qualquer multidão. A coleção fotográfica de Hans Eijkelboom ilustra claramente um fenômeno de moda conhecido como Bubble-Up (ebulição em português), surgido após a expansão do Prêt-à-Porter e da globalização dos meios de comunicação e que permitiu

que as tendências de moda surgissem das ruas, dos jovens, das tribos urbanas, dos anônimos. Invertendo o ciclo de moda (ou sendo mais modestos, inserindo um outro transmissor de tendências), o olhar atento ao que está nas ruas e nas pessoas dentro da multidão, compreendendo o comportamento dos indivíduos é que capta e projeta as novas tendências.

QUEM PUDER... • « Hommes du XXIe siècle », exposição na concept store Colette, 213, rue Saint-Honoré, Paris 1er. • Mês da foto : « Small Universe », exposição reunindo vários fotógrafos holandeses no Centquatre, Paris 19e, de 16 de novembro a 4 de janeiro. Abertura ao público dia 15 de novembro.

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meio fio

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de moda a n o sFUTURISTA FUTURISTA

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de fevereiro de 1909. Essa foi a data de aparecimento do movimento Futurista. Redigido em forma de manifesto e publicado na primeira página do jornal francês Le Figaro, o seu idealisador e fundador Filippo Tommaso Marinetti, poeta italiano, introduz o texto com um prólogo onde contava as circunstâncias precedentes a criação do Futurismo (um acidente de automóvel) e elencava onze itens de ações nas quais o movimento se estrutura. Ideias como “2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.” ou “10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.” revelam sua natureza enérgica e modificadora.

O desenvolvimento de novas teorias em diversos campos científicos como o da medicina, biologia, física, mecânica e diversas invenções essenciais à humanidade como a invenção do dirigível e do avião, a lâmpada elétrica incandescente e o telefone concatenaram para a formação de um cenário fértil as propostas futuristas, pois era essencial aos artistas futuristas incorporar às artes essa nova configuração de sistema industrial inalgurada na transição entre os séculos XIX e XX, assim como seu ritmo e dinamismo, características adquiridas graças ao triunfante progresso da ciência, os tangíveis milagres da vida contemporânea, velocidade, máquina e a frenética atividade das grandes capitais. E é dentro desse contexto conturbado que foi o início do século XX que se encontra o Futurismo. Todos esses avanços científicos e tecnológicos da sociedade necessitariam de novas formas de expressões artísticas 31

que podessem captar e transmitir com o mínimo de ruído possível essas novas materialidades e dentre os movimentos que se relacionavam com esse conceito o Futurismo era o que o defendia com mais entusiasmo. Outro fator que diferenciava o Futurismo dos demais movimentos artísticos contemporâneos e o caracterizava como uma arte realmente de vanguarda radical era o seu defrontamento perante os conceitos artísticos tradicionais e a priorização da ideia em detrimento ao estilo. É relevante ressaltar também o desejo da interdisciplinaridade dos formatos e meios artísticos sentido por Marinetti. O artista futurista possuia a liberdade de atuar sobre todos os componentes do cotidiano social além das artes plásticas como música, mobiliário e arquitetura, incluindo também a moda, vindo a corroborar com a ideia de que “essa conversa entre as várias artes também apontava para novas linguagens que surgiam no interior de uma cultura de massas, que produzia bens cujo consumo se ampliava. como é o caso do surgimento do Design.


epicentro

Se de um lado a moda masculina se empenhava em manter a moda racional e restrita a sua essência, do outro lado os artistas futuristas se preocupavam em instaurar o caos na estrutura da estética moderna, seguindo a concepção de progresso tecnológico. O vestuário deveria ir além da sua função de cobrir o corpo e instituir um significado sintético a roupa e assim como aplicado à pintura, introduzir a idéia de simultaneidade (justaposição dos quadros fragmentados do movimento), atributo fundamental do movimento futurista. Faz-se visível a persistência dos futuristas no conceito de interdisciplinaridade, onde a troca de técnicas e fazeres permite que haja novas aplicações e possibilidades de criação. Como exemplo dessa iniciativa em procurar e experimentar novas áreas de atuação e de referência podemos citar o pintor e escultor italiano Giacomo Balla, responsável

Porém data-se de setembro de 1911 a primeira aparição do que viria ser a moda futurista. Fernande Olivier descreve em sua autobiografia como estavam vestidos os futuristas em visita do grupo italiano à Paris: “Boccioni e Severini, os pintores, inauguraram uma moda futurista que consiste em usar dois sapatos de cores diferentes, mas combinando com suas gravatas. Isso nos revela como as ideias gerais do movimento estavam bem alinhadas e que os aderentes ao movimento literalmente “viviam” as propostas e conceitos que eles

por elaborar os dois manifestos concernentes a moda masculina. Balla foi o primeiro futurista a conceber um vestuário ligado ao movimento e que em suas criações desarranjava a estrutura dos trajes fragmentando o corpo do usuário, através de cortes assimétricos e na justaposição de cores e formas contrastantes, acentuado pela utilização de geometrismos com a intensão de transpor a dinâmica de suas pinturas. G. Balla começou a desenvolver e confeccionar suas próprias roupas em 1912, acabando por criar um guarda-roupa com peças condizentes com as prerrogativas futuristas e utilizáveis ao seu cotidiano urbano.

propunham nos manifestos. O desejo de que as artes saissem do pedestal de culto e integrassem a vida cotidiana de todos foi uma premissa bastante ressaltada e que através da moda ela foi certamente aplicada. A prova disso é que o pintor Balla foi muito além da confecção de roupas e juntamente com seu amigo e também pintor Fortunato Depero desenvolveu à partir de 1915 uma série de produções que iam desde brinquedos infantis, passando por mobiliários e indo até publicidades. Posteriormente à todas essas vivências e experimentações, Giacomo Balla redige e publica, em 1914, o seu manifesto (não o primeiro) à cerca da moda masculina: o “Manifesto do traje masculino futurista” e o “Manifesto da roupa antineutral”. Esses dois manifestos não são distintos entre si e que na verdade um seria a revisão e publicação 32

Dentre as peças que criou, configuram um terno assimétrico de cor preta com bordas brancas e outro terno com grandes recortes em linhas diagonais. Desenhando linhas brancas sobre um tecido preto, o artista consegue aplicar um efeito óptico que se estende por todo o corpo, rejeitando a simetria (padrão em sua época) do vestuário masculino e criando dinamismo e fragmentações que conferem um efeito quase cinético.

oficial do outro. A diferença mais intrigante que o autor pontua é a de que no primeiro manifesto (do traje masculino futurista) o item de número 10 onde se almeja um vestuário de “curta-duração, para que possamos renovar perpetuamente o prazer e animação de nossos corpos e a fim de promover a indústria têxtil.”. Porém, na edição revisada e definitiva do manifesto publicada em maio de 1914, onde adquire o título de Manifesto da Roupa Antineutral, a parte relacionada a capitalização da moda é suprimida, valorizando as intenções de modificação estética e conceitual, se tornando apenas “de curta duração, para que possamos renovar perpetuamente o prazer e a impetuosa animação do corpo.” A estrutura dos dois manifestos é fundamentalmente a mesma. Divididos em quatro partes cada, os textos são introduzidos por uma breve colocação de como era a situação atual da moda e como ela se configurou no desenvolver da história da humanidade. A segunda parte é destina aos os elementos da moda que os futuristas desejavam abolir, tanto de ordem


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manifesto da roupa antineutral. Por Giacomo Balla.

estética e física como cores, padronagens, cortes e simetria quanto os de ordem conceitual como o entristecimento da roupa, a carga negativa que ela possuia e o “bom gosto” clássico que os futuristas tanto questionavam. Em seguida há uma lista de onze pontos que Giacomo Balla desejava instaurar na moda, segundo os ditames do movimento artístico. Em ambos os manifestos, essas proposições atingiam diferentes setores da moda enquanto sistema, indo desde a preocupação com o design de superfície e a renovação da estamparia de tecidos, passando pela modelagem das roupas e o desejo de cortes assimétricos, até a tecnologia têxtil, exigindo a utilização de tecidos mais higiênicos e ergonômicos, assim como a utilização de novos materiais. Há também uma atenção especial com as cores aplicadas, onde a neutralidade dos tons pastel seria substituida pela saturação das cores primárias e a mistura caleidoscópica extraídas da pintura futurista. Para concluir as propostas explicitadas nos manifestos, a quarta seção do texto expõe outros elementos do vestuário que também serão alvo das interveções futuristas (tais como chapéus e sapatos) e profetisa seus anseios de disseminação da estética futurista. Acerca das proposições inovadoras de Balla, é essencial discorrer sobre o item de número 11. Chamando de “modificadores”, o artista propõe que os ternos tenham uma variedade de materiais extras que o usuário poderar ativá-los através de botões pneumáticos, tendo a autonoimia de inovar e inventar novas configurações de vestimentas, variando-as de acordo com seu estado de espírito a qualquer momento. Logo, as intenções de alteração da vida moderna por parte dos futuristas não eram dirigidas apenas para o plano cidadão/espaço urbano mas também da subjetividade do indivíduo interferindo o meio onde ele se encontrava, sendo o 33


g. balla, 1914. Alguns croquis do artista futurista durante suas experimentação sobre o que viria a ser o traje Futurista.

» mesmo o vetor principal dessa ruptura com o passado. Em alguns desenhos de moda de Balla podemos perceber nitidamente a aplicação dos diversos itens propostos pelo artista em seus manifestos, materializando os valores essenciais da moda Futurista como trabalho na superfície dos tecidos, o caráter assimétrico da modelagem das roupas, a vivacidade das cores, a percepção do dinamismo e do movimento, bem como a eliminação da estética passadista e fúnebre dos ternos masculinos do século passado. Apesar de seu curto espaço de tempo em atividade (que

dentre os principais fatores estão a guerra de 1914-1918, o afastamento de alguns integrantes como Marinetti e Prampolini e a morte prematura de um de seus principais animadores, Boccioni), o Futurismo deixou uma carga ideológica muito valiosa para a posteridade além de uma produção híbrida, contando com obras que transpassam diversas áreas do campo artístico e que extendem para a posteridade uma liberdade maior no trânsito de conceitos e a interdisciplinaridade das atividades artísticas. Apesar de seu fim prematuro, a influência de tal movimento artístico foi elementar e prolongada, tanto para a sua contemporaneidade quando para as décadas subsequentes. O Cubismo partilhou e se beneficicou dos avanços e conquistas do movimento, afirma o autor, e sua relevância dentro da arte moderna só se 34

deu por existência do Futurismo italiano. Traços mais consistentes da arte futurista podem ser identificados no Vorticismo inglês, em algumas facetas do Expressionismo alemão e na pintura, tipografia e literatura de vanguarda russa, sendo essa a materialização dos ideais tão valiosos aos artistas futuristas, conclui o autor. Os artistas futuristas foram responsáveis por inaugurar um experimentalismo e sentido de dinamismo na moda, além de expandir os caminhos para a moda esportiva e o emprego de diferentes materiais, como os populares agasalhos de malha. Foram responsáveis também por influenciarem o trabalho de diversos estilistas da segunda metade do século XX, como o também italiano Emilio Pucci. É possível perceber, após levantamento de dados históricos, como as idéias e referências estão intimamente ligadas. O espírito do tempo do século XX foi de inovações tecnológicas, de um frenético desenvolvimento urbano, de grandes guerras e mudanças abruptas, cenário fértil para o desenvolvimento de uma arte mais ligada ao cotidiano humano e também sua subjetividade, que rompesse com as amarras esterelizantes do século passado. O que porventura pensamos ser algo inovador, desenvolvido recentemente, muitas vezes foi idealizado e realizado no século passado. A verificação crítica do passado sempre servirá para podermos criar possibilidades para o futuro, evitando os erros cometidos anteriormente, criando um fio condutor progressivo, no sentido de aperfeiçoar o indivíduo e a sociedade.


epicentro

1919 - TUta

" a roupa mais inovadora e futurista jamais produzida na história da moda italiana " - thayaht

criador e criatura. Acima temos uma foto do artista/designer Thayaht vestindo seu macaão TUTA e à esquerda vemos um guia de como montar seu próprio.

capriole. Por Iris Van Herpen, julho de 2011.

2011 - impressão 3D de roupas por iris van herpen

nomeada pela times uma das 50 melhores invenções de 2011 35


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perifĂŠricos

01 - Regalo escondido 02 - Ecdise

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perifĂŠricos

03 - Claustrofobia 04 - Abissal

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perifĂŠricos

05 - A fina pele 06 - Divina trindade

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perifĂŠricos

07 - Lata de sopa 08 - AmĂŠlia

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Assistentes de produção andressa camille arnoldo queiroz cátia barbosa isabelle lima isac sobrinho

Assistentes

mariana costa gama natália bucar raíra araújo sérgio klisman yágda hissa 42

deísy raíra


de produção tonar araújo

Agradecimentos especiais

priscila guimarães belchior josé pet moda ufc camila raiza raíra araújo nádia matos cardoso sabrina brena natália bucar nilo lima 43


o toque francês de mickaël dejean no design contemporâneo

sendo o mais novo ganhador do prêmio rado star france 2014, m. dejean nos conta um pouco sobre sua história, trabalhos recentes, projetos futuros e o que o design moderno francês tem para nos oferecer »

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periféricos Conte-nos um pouco sobre a sua história, de onde veio, percurso acadêmico, eventos, concursos. Uma linha cronológica da sua carreira.

ca para fora, o que libera espaço para as pernas debaixo do bureau. Um objeto minimalista que tem personalidade e que realça o ambiente ao redor.

Eu sou da Reunião (Departamento francês perto de Madagascar), mais precisamente da capital Sain-Denis. Foi quando eu tinha cinco anos que tudo começou, assistindo as corridas de Fórmula 1 na televisão. Eu sou fascinado por automóveis e foi isso que me levou ao Design, um termo que aprendi aos nove anos. Durante uma prova na escola foi que eu tive os primeiros sintomas de um Designer me questionando sobre a maneira de escrever com uma caneta... minha escolha foi automaticamente em direção à Belas Artes da Reunião a fim de enlarguecer meu campo de experimentações sobre o objeto. Em 2007, fui premiado pela concepção do troféu Mascarin do Festivel do Filme da Reunião, que foi reeditado durante cinco anos. Depois de um primeiro diploma em Design e Moda, foi na Suiça onde fui aprofundar meus conhecimentos em Design industrial na ÉCAL (Écola Cantonale d’Art de Lausanne). Diplomado depois de um bacharelado de três anos, me instalei em Paris e comecei a trabalhar em uma agência de Design. Depois de um ano decidi me virar sozinho e expor minhas coleções em todos os eventos ligados ao Design.

Você ainda faz parte do Coletivo "Federação Francesa de Design"? Como ele funciona e como é a sua participação? Eu tenho a sorte de participar desse coletivo e de ter participado das duas primeiras exposições durante a Semana de Design de Paris. A FFD é um coletivo que cria eventos durante as manifestações de Design, valorizando o savoir faire francês. Cada designer propõe um evento em torno do Design, que em seguida é validado pelos membros do coletivo. A única palavra de ordem é trazer frescor ao mundo cruel dos designers. Eu prometo igualmente fazer um evento do tipo “punch” para a Semana de Design de Paris em 2015 com a FFD.

Explica também como ACONTECEU a exposição França X Itália?

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Para esse segundo evento a ideia foi de confrontar mais uma vez duas equipes de designers durante um encontro internacional opondo França e Itália. A França sendo representada pela cerâmica branca e a Itália pela terracota. Apresentei uma urna funerária composta de dois compartimentos, uma para os objetos e outra para as cinzas do defunto. Comumente um objeto sem vida, sem alma, eu dei uma personalidade com uma silhueta humana. Presente/Apagado, essa urna é uma referência ao ritual de morte no Egito, um sarcófago redesenhado com muita doçura em seus traços.

Você ganhou recentemente o prêmio Rado Star Prize France 2014 com seu projeto "Agrafe". Você poderia nos contar como foi todo esse processo, desde a seleção, passando pelo desenvolvimento do produto até o dia da premiação e a repercussão? A Semana de Design de Paris me marcou depois da minha primeira exposição com a Federação Francesa de Design no Carrousel do Louvre em 2013. Depois de sua chamada, eu me inscrevi na edição de 2014 e lá apresentei a coleção Acrobata ao Now le OFF e o bureau Agrafe para o prêmio Rado Star Prize France 2014. Eu apresentei un bureau composto de três elementos, duas hastes que atravessam o tampo da mesa. A montagem não necessita de parafusos ou qualquer outra coisa e duas novas funções são então criadas, as aberturas no tampo da mesa para a passagem das hastes permitem a passagem de fios de aparelhos de informáti45


periféricos Vi em seu site que você se considera designer de produto. Você já se arriscou além dessa fronteira e dialogou com outras áreas criativas?

Como você poderia caracterizar o design francês da atualidade e o que ele possui de diferente dos demais?

Eu apresentei peças de vestuário durante meu primeiro diploma na Belas Artes da Reunião, mesmo considerando o vestuário como objeto também. É a arquitetura, a construção de roupas que me fascina, um objeto do cotidiano em movimento no qual eu interpreto com a minha alma de design poeta. A matéria é viva e como criador meu únco objetivo é de tornar mais sociável possível minhas criações a fim de que elas se adaptem o melhor possível ao seu ambiente. O Design industrial é uma forma de compartilhamento internacional, é nesta perspectiva que eu avanço ...

O design francês é um dos únicos a serem multiculturais, porque a miscigenação é bem presente nas criações francesas. Esta mistura étnica está ligada a história da França... Outros países possuem um design bem próprio e que infelizmente permanecem fechados sem vontade de mudar de direção. Eu sou fascinado pelo design alemão e japonês, um pela sua técnica impecável e outro pela sua simplicidade. bureau "agrafe".

De fácil montagem, o bureau possui fendas que possibilitam a passagem de fios e deixam livres os movimentos das pernas.

Você se considera mais um designer francês ou da ilha da Reunião? Essa diferença realmente existe? Eu sou um designer fracês da Reunião, não existe diferença real, exeto pelo clima. Além do que diz-se que a Reunião é “a pequena metrópole devido a cultura ser mais ou menos similar. Só que o sol francês nos faz colocar um pullover no verão enquanto que na Reunião todo mundo está nu no inverno (brinca o designer). Mas eu tenho tanto um pé da Reunião quanto parisiense...

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Quais os seus futuros projetos, desejos, planos, caminhos a seguir...? O vestuário é algo que me envolve já faz um tempo e eu vou lançar uma coleção com uma abordagem bem específica, a descobrir em torno de 2016... S2 LOVE S2

Considerações finais? Desde já agradeço imensamente sua colaboração e espero nos vermos em breve na França ou no Brasil, forte abraço! Minha abordagem como designer é antes de tudo artística, eu me qualifico como poeta simplesmente porque eu herdei a “veia poética” de meu pai. Eu nunca faço rascunhos dos meus projetos de início, eu crio uma constelação de palavras que me levam a um conceito e é de lá que os esboços surgem rapidamente. A técnica não me interessa em primeiro plano, embora eu considere os desenhos como partituras, onde artesãos e industriais podem compor uma música funcional. Eu distribuo na minha vez vinis e cd’s. Essa profissão me fascina por uma única razão, o compartilhamento. Cada objeto é diferente, cada cliente é diferente e o compartilhamento é a ligação entre esse paralelo.

troféu mascarin. Prêmio dos jurados.

PARA CONHECER MAIS SOBRE » http://mickaeldejean.com/ 47


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os calungas de marcos olli S

uas composições de obras são feitas a partir de alguns estudos livres que envolvem estamparia, formas abstratas, cartoon , colagens, inspirações em outras culturas como: cultura africana e street art. Uma eterna tentativa de alcançar tanto o traço único pessoal do artista quanto novas formas de expressar ilustração, desenho, finalização e sentimentos. De nome Olli, desde a infância foi apaixonado por arte, trazendo-lhe tanto lembranças boas como ruins, com a ajuda de alguns amigos e a influência fortíssima de uma "inteligência caseira" de seu pai. Despertou um olhar sensível que o tem mudado e mostrado caminhos há tempos, fazendo dessa sensibilidade alguns ensaios pessoais com desenhos e textos. Com seu universo pessoal girando em torno do design e indo até o estudo de outras culturas como a japonesa (pela qual é fascinado) e cultura africana e alguns dos vários aspectos da cultura americana, como o cartoon. Deixando bem claro que está sempre aberto a conhecer e absorver novas ideias, gosta de expressar a mistura do todo, a bagunça, o desajuste o assimétrico, tanto quanto o oposto como formas limpas e minimalistas. Como detalhe importante em suas obras, Olli cita os Calungas (como gosta de chamar seus personas, algo batizado pelo seu pai e que tem origem no nome atribuído aos escravos fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades auto-suficientes e viveram mais de duzentos anos isolados em regiões remotas, próximas à Chapada dos Veadeiros) como ponto principal em suas obras, personificando todo seu repertório criativo. 48


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para ver mais obras basta acessar Âť https://www.facebook.com/ollidesigner

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