Livro Paisagem e Fé - 2021

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PAISAGEM E FÉ: ESPAÇOS SAGRADOS NOS CAMINHOS DE ANCHIETA MARCELO SEIDEL FIOROTTI RealizadoAPOIO: com recursos do

MARCELO

SEIDEL FIOROTTI PAISAGEM E FÉ: ESPAÇOS SAGRADOS NOS CAMINHOS DE ANCHIETA RealizadoAPOIO: com recursos do

Fiorotti, Marcelo Seidel

F521pPaisagem

Ficha catalográfica

Ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo – PROURB-FAU-UFRJ, centro de excelência no ensino acadêmico brasileiro, fundamental na minha formação. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão das bolsas de apoio à pesquisa.

Ao professor Arthur Soffiati, pela ajuda na busca dos livros mais raros.

À professora Dra. Ivete Farah, orientadora da tese, por conduzir a pesquisa com inestimável atenção, delicadeza, respeito e generosidade, destacando-se pelo amplo conhecimento teórico e primorosa estratégia de abordagem metodológica.

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Aline da Silva Moreira CRB-6 ES 876/0

Às professoras e coordenadoras do PROURB-FAU-UFRJ – Dra. Margareth Pereira, Dra. Eliane Bessa, Dra. Denise Pinheiro Machado, Dra. Rosângela Cavallazzi –pelos preciosos debates nas disciplinas e seminários do Programa.

e fé: espaços sagrados nos caminhos de Anchieta / Marcelo Seidel Fiorotti. – Rio de Janeiro, RJ : Editora Prourb, 2021. 168p.; Il.; fot.; 17x24,5 cm

Inclui bibliografia. ISBN 978-65-89444-02-2

À Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Espírito Santo, pela tenacidade em apoiar projetos culturais, através de inúmeras políticas públicas, nestes tempos difíceis que, futuramente, serão marcados pelos contratempos da pandemia.

A Eneida Mendonça, pela cessão de material de pesquisa.

Aos professores membros da banca examinadora – Dra. Raquel Tardin, Dra. Fabíola Zonno, Dra. Andrea Rego e Dr. Cristóvão Duarte – pelas valiosas contribuições.

A Mariângela de Lorenzo, pela disponibilidade em percorrer as comunidades de Anchieta.

Ilustrações: Desenhos do autor digitalizados

1. Paisagismo. 2. Patrimônio cultural e religioso. 3. Catolicismo – Referências culturais. 4. Anchieta (ES). I. Título. CDD 719

Capa: Fotografia de Tadeu Bianconi com efeito artístico

Editoração: Link Editoração

A Cristina Coelho, Edinéia Cabral da Silva (Mãe Néia), Maria Helena Rauta Ramos e Viviane Pimentel, pelas entrevistas concedidas, imprescindíveis para compreender os valores espirituais e religiosos da paisagem do litoral sul capixaba.

Agradecimentos

Às secretárias, Keyla Silva e Margareth Agostinho, pela prestativa colaboração.

A Lais, Monica e Luciano, pelo apoio incondicional de uma vida inteira...

Este livro foi contemplado no Edital 018/2019 – Incentivo à produção e difusão de obras literárias no Espírito Santo – da Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo, no eixo temático “obras de história, memória, biografia e ensaio sobre a cultura capixaba”.

O tema foi abordado em tese de doutorado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, da Faculdade de Aquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro –PROURB-FAU-UFRJ – sob orientação da Doutora Ivete Mello Calil Farah.

Editora do Prourb – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo

Edição:

Avenida Pedro Calmon, 550, Edifício da FAU/Reitoria, sala 521, Cidade Universitária, Rio de Janeiro www.prourb.fau.ufrj.br

Apresentação

Ao levantar as referências identitárias ao longo da história do município de An chieta, seu locus de análise, bem como aquelas presentes na dinâmica social contemporânea, o autor evidencia a importância do reconhecimento das mar cas da rica diversidade cultural daquele território, que registram a presença e a memória de suas diferentes ocupações. Entre elas, destacam-se os topónimos e as inúmeras manifestações revividas no cotidiano e nos festejos, em lendas e crenças, ofícios, festas, ritos e mitos, folias e brincadeiras, no congo e no jongo. A

Com alegria recebi o convite para apresentar esta edição, em livro, da tese de doutorado de Marcelo Fiorotti, que atribuo à minha participação na elaboração e operacionalização de instrumentos para a gestão do patrimônio cultural bra sileiro no Espírito Santo.

Carol Abreu, Superintendente do IPHAN-ES no período 1992 a 2011

Tratando de uma região onde os valores espirituais perpassam os tempos e a paisagem está em constante transformação, o autor enfatiza a relevância dos espaços livres para as manifestações sagradas. Através deles dá-se o contato visual e o acesso aos lugares sacralizados, e são eles que acolhem os passos, os olhares e os demais sentidos das experiências subjetivas e das vivências compartilhadas por moradores e visitantes, propiciando diferentes formas de apropriação cultural.

Motivado pela constatação da acelerada transformação da paisagem em dife rentes pontos do litoral capixaba, Marcelo enfrenta uma questão que atraves sa a história da humanidade: a dominação de territórios e seus recursos, quase sempre efetivada por meio da sujeição e exclusão das populações locais. Mile narmente empreendidas em nome do poder geopolítico e mais recentemente em nome do “desenvolvimento”, essas conquistas em geral apagam referências importantes e modificam as relações entre os habitantes e os elementos da pai sagem, constitutivas das formações socioculturais.

essas, somam-se iniciativas de compartilhamento e difusão das referências cul turais e religiosas, em especial aquelas do catolicismo ligado ao Santo Padre José de Anchieta, como os Passos de Anchieta, a Caminhada Luminosa, o Caminho dos Imigrantes e a Via Sacra de Itaperoroma.

Com interesse crescente fui percorrendo o texto, animada pelo desafiante ob jeto de seu estudo, pela abordagem fundada no pensamento contemporâneo multidisciplinar, pelo mapeamento cuidadoso do variado repertório cultural da região estudada, pela contribuição oportuna que traz à discussão e, igualmente, pela ação possível que o autor oferece enquanto professor, arquiteto e urbanista.

Grata pela satisfação que obtive com a leitura, parabenizo o autor Marcelo Fio rotti e os professores que contribuíram para a realização deste livro, em particu lar a orientadora Professora Doutora Ivete Farah.

Em favor da preservação dos espaços livres de valor espiritual, e compreendida a paisagem em permanente construção mediada por valores através de sucessivas gerações, Fiorotti enfrenta a complexidade das questões que trata, valendo-se de noções que recusam simplificações dicotomizantes. Na análise dos possíveis impactos resultantes de novas ocupações pretendidas, sua pesquisa contribui para que, no planejamento territorial e urbano, para além dos disputados valo res de ordem econômico-financeira, sejam incluídos os valores e os significados intangíveis das relações entre os grupos humanos e seu ambiente, como cami nhos possíveis para a dignificação das comunidades em conflito com projetos industriais, infraestruturais e imobiliários que as desconsiderem.

Carol Abreu

De acordo com Fiorotti, os espaços livres participam da vivência da espiritualida de e da devoção ao sagrado, e contribuem para o reforço do sentido de história e memória. Estas condições representam caminhos potentes para a constituição de uma paisagem afetiva. Os habitantes se identificam com estes ambientes, sentem-se acolhidos e desenvolvem elos emocionais, propiciando o fortaleci mento dos vínculos entre sociedade e paisagem.

Prefácio

“Paisagem e fé: espaços sagrados no caminho de Anchieta” trata dos espaços livres na sua relação com o patrimônio cultural imaterial e aponta para a sua fragilidade frente às pressões de transformação da paisagem. O reconhecimento dos valores imateriais da paisagem e sua consideração no processo dos projetos urbanos e territoriais é um tema recente, que necessita ser estudado em sua complexidade. Pilares da cultura de uma sociedade, estes valores desenham na invisibilidade do cotidiano sua história, seus costumes e suas crenças.

O embasamento teórico da obra reúne aportes de diversos campos disciplina res, buscando complementações e identificando convergências, a partir do en tendimento no qual a paisagem adquire importância central. Na ampla gama de referências, destacam-se na construção de sua estrutura autores ícones da geografia cultural como Carl Sauer e David Lowenthal e a inspiração filosófica de Augustin Berque, a partir da interpretação das mediações da paisagem.

No caminho da investigação do que se apresenta como invisível na matéria, indo além da “opacidade do mundo”, como sugere Maurice Merleau-Ponty, esta pu blicação mergulha no tema da religiosidade, afirmando sua importância na con formação das sociedades. A sua grande contribuição é trazer à luz a relação do patrimônio religioso com os espaços livres, apontando estes como importantes locais de manifestação de atividades sagradas e que se revelam como funda mentais no reconhecimento destes valores, na sua manutenção e no sentido de buscar a preservação da paisagem.

No texto preciso e teoricamente substanciado, a realidade etérea dos valores espirituais de Anchieta é tratada com delicadeza. Na sequência de explanação dos conceitos necessários à compreensão e análise da temática, o mergulho profundo nos espaços livres e sua relação com o sagrado ganham sentido e compreensão, criando as bases para valorização e preservação destes signifi cados na paisagem.

Ivete Farah

Dra. Ivete Mello Farah, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro

De forma introdutória à análise, a ênfase ao monumento natural O Frade e a Fei ra, situado nos arredores da região de Anchieta, denota o olhar sensível do autor sobre a paisagem, pela constatação da proeminência do caráter espiritual en contrado no sul do Estado. O simbolismo surgido na associação das formas das montanhas revela a essência transcendente emanada da potência de suas rochas, informando o genius loci desta ambiência. Pela compreensão fenomenológica da imagem poética de Gaston Bachelard, o monumento se apresenta como uma for ça elementar, em seu significado mais profundo, e ganha, assim, o sentido de um atributo poderoso capaz de traçar o destino de uma paisagem. Em sua completude, comporta a gênese da vocação da região como santuário religioso.

Esta publicação traz contribuições na abordagem da temática de patrimônio imaterial, na defesa por uma ação mais sensível sobre a paisagem. Futuras inter venções sob a ótica da “metapaisagem” podem, assim, proporcionar ambiências mais íntegras e fiéis aos valores e afetividades de seus habitantes.

A cidade de Anchieta e seus arredores, no estado do Espírito Santo, área foco deste estudo, apresenta forte representatividade no que tange a esta temática, envolvendo o padre jesuíta José de Anchieta, canonizado em 2014. Sua presen ça e seus feitos deixaram traços na paisagem e nos valores de seus habitantes.

2.1.1 A toponímia como atribuição de valor ao espaço 52

1.2 O reconhecimento do valor espiritual como patrimônio 42

Sumário

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2.1 Categorias de análise 52

PAISAGEMUMAINTRODUÇÃOINCURSÃONASAGRADA

DOSRECONHECIMENTOSIGNIFICADOSDAPAISAGEM

2 REFERENCIALMETODOLÓGICOTEÓRICO4630

4.1 Rituais e celebrações nos espaços livres 107

3 GÊNESE DA PAISAGEMANCHIETADE

2.3 Metodologia para revelar e mapear nossa metapaisagem 63

3.3 Cidade de Anchieta: a ressignificação do valor religioso do apóstolo 96

2.1.3 Os valores polarizados na consagração dos espaços livres 57

4 A RECOMENDAÇÕESDOSHERANÇAVALORESESPIRITUAISAPROTEÇÃODAMETAPAISAGEMESPIRITUAL 68 146104

2.1.2 Atuação dasculturaisidentidades 55

2.2 Técnicas de mapeamento do invisível 60

3.2 Vila de Benevente: o apagamento da atuação dos jesuítas 87

4.2 Ameaças e desafios na preservação da paisagem 138

3.1 Reritiba: a interação entre nativos e europeus 78

1.1 Abordagens da dimensão imaterial 33

1 O

Starry, starry night your palette blue and grey out on a summer’s day eyes that know the darkness in my soul McLean (1971)

UMAINTRODUÇÃOINCURSÃONA PAISAGEM SAGRADA

Don

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With

Na música “Vincent”, o compositor e cantor Don McLean faz uma homenagem ao pintor Van Gogh, descrevendo nos seus versos iniciais a tela “The starry night” (A noite estrelada), pintada no período em que Van Gogh permanece internado para tratar-se da loucura. Para McLean, a tela pode transmitir a tensão, o tormento, a escuridão na alma de Van Gogh. Da mesma forma, a paisagem pode adquirir significados marcantes, diferenciados, surpreendentes.

Paint

Look

Figura 01 – “De sterrennacht” ou “The starry night”, pintura de Van Gogh datada de 1889 que retrata a paisagem noturna da aldeia de Saint-Rémy, em Provence, na França. Fonte: Pickvance, 1986, p. 104-105.

Os espaços livres são as porções do território não ocupadas com edificações. Con figurando-se em diferentes modalidades – estradas, praças, praias, orlas – eles es timulam uma interação com a paisagem e evidenciam as maneiras de viver de uma comunidade, tornando-se importantes cenários de manifestações individu ais e coletivas. Eventualmente, algum lugar, em que se manifestam as crenças hu manas, pode ser declarado como uma paisagem cultural. Dessa forma, o estudo do valor espiritual de uma paisagem pode alertar para o reconhecimento de um patrimônio cultural imaterial e a preservação do espaço livre a ele associado. As sim vemos majestosas igrejas, singelas capelas, animados terreiros, mastros de São Benedito ou estátuas de Yemanjá, demarcando significados religiosos nos espaços livres, em diversas vilas e cidades brasileiras (Figura 02).

Figura 02 – Dança realizada por um grupo folclórico em homenagem aos pescadores, no Quadrado, praça histórica de Trancoso, Bahia. Fonte: autor, 2012.

O que existe além da paisagem? Quais são os valores importantes para as pes soas que ali vivem? E como estes valores podem ser identificados e mapeados? Estas questões permeiam este livro, originado a partir de uma pesquisa de dou torado com objetivo de investigar a importância dos valores espirituais da pai sagem, contendo um estudo de caso na cidade de Anchieta, no Espírito Santo.

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Aos espaços ou lugares de uma paisagem, podemos atribuir significados dife rentes, às vezes divergentes; mas quando os diferenciamos pela ancestralidade, raridade ou singularidade, passamos a reconhecer seus valores. Extrapolando a dimensão física, palpável, tátil, os valores imateriais são resultantes das relações afetivas, identidades culturais, manifestações espirituais ou religiosas, ou fatos históricos e saberes populares. Essa qualificação como “imateriais” admite, tam bém, uma aproximação a outros significados similares, ocasionalmente deno minados como “sensíveis” (FARAH, 2008), “culturais” (NATURAL ENGLAND, 2009), “intangíveis” (NOGUÉ et al., 2013) ou mesmo “românticos” (TUAN, 2013).

Insere-se este trabalho, portanto, na temática do espaço sagrado – aquele que contribui intensamente para uma paisagem potente, plena de significados, par ticipante dos rituais e inspiradora para as crenças humanas. Ao abordar a con versão do espaço livre em lugar sagrado, procura-se trazer uma contribuição à abordagem do território como construção social de uma sociedade, baseando -se na literatura que investiga a interatividade entre valores materiais e imate riais (BERQUE, 1996, 2000a, 2000b), individualizando-se em enfoques abrangen tes ou específicos: afetividade, consagração, sublimação (TUAN, 2013), memória, nostalgia (LOWENTHAL, 1985) e identidade (HALL, 1996).

Compreende-se a paisagem como território de atuação de uma sociedade (AB’SABER, 2003). Ao ser vivenciada, transformada e ressignificada pela popu lação humana, na mediação entre processos físicos e fenomenais (BERQUE, 2000b), essa terra adquire diversos valores, materiais ou imateriais. O conceito de valor é considerado como uma produção social, decorrente do contexto cul tural de um tempo e um lugar (CONNOR, 1992; AVRAMI; MASON; TORRE, 2000).

O mito em torno de Anchieta é ecoado nas intrigantes lendas que se contam sobre sua atuação como missionário da Companhia de Jesus, nos desafios enfrentados na catequização – ou na resistência – de algumas tribos indígenas.

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1José de Anchieta é canonizado em 2014 pelo Papa Francisco, em consideração à sua vida missio nária e ao seu legado para a Igreja Católica no Brwasil.

dos valores da paisagem e dos espaços livres ainda constitui um assunto recente, e Tardin (2013) afirma que este tema pode ser aprofundado no sentido de incorporar os valores imateriais. É na constatação desta lacuna que se contextualiza este estudo, que consiste, especificamente, na investigação dos valores espirituais de uma região, que possa colaborar como um subsídio para futuras iniciativas de planejamento territorial, para atenuar as interferên cias e os impactos do desenvolvimento urbano e industrial (FIOROTTI, 2017).

Figura 03 – Município de Anchieta na microrregião Litoral Sul do Espírito Santo. Fontes (mapas): IJSN, 2013; IBGE, 2016. Fonte (imagem): United States Geological Survey, 2017. Elaborado por Jordano de Brito com base na orientação do autor, 2017.

A economia baseada em commodities (ferro, aço, petróleo) atende às dinâmi cas do mercado internacional, desconectando-se das lógicas seculares de cada lugar. Esta realidade afeta o Brasil e o Estado do Espírito Santo, com a expansão dos empreendimentos da mineração e do petróleo, que interferem na paisagem com uma rede invasiva de infaestruturas: mineriodutos, oleodutos, gasodutos, vias, usinas, estaleiros e portos. A perda de referências mobiliza alguns grupos em defesa dos seus territórios, motivando instituições como a UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) e o IPHAN (Instituto do Parimônio Histórico e Artístico Nacional) na implementação de políticas pú blicas para preservar os lugares com valores históricos, sociais e espirituais.

Os espaços sagrados têm uma importância secular na organização do mundo. Nossos antepassados demonstram um esforço para viver em um mundo inteligí vel – planejado, também, para satisfazer às necessidades necessidades psíquicas e espirituais. Mas, em consequência do desenvolvimento econômico, uma incompreensão da paisagem sagrada leva a um planejamento territorial que con templa apenas as necessidades materiais. Surgem diversas ameaças, atribuídas à indiferença e ao abandono, especialmente nos lugares importantes para povos tradicionais e indígenas, frequentemente ignorados pelas autoridades e pela população (MALLARACH, PAPAYANNIS, 2007). A alienação territorial, ou a dessa cralização dos lugares sagrados, são estratégias de alguns modelos econômicos, na conversão de novas áreas para suas finalidades pragmáticas.

A motivação do estudo surge da apreensão diante do impacto do desenvolvimen to industrial, em uma paisagem de relevância religiosa: a cidade de Anchieta, loca lizada no Município de Anchieta, no Litoral Sul do Espírito Santo (Figura 03). Com uma tradição residencial, pesqueira e turística, esta região vem sofrendo grandes impactos dos empreendimentos da siderurgia e do petróleo. Propõe-se fazer um estudo de caso com diagnóstico dos valores espirituais, desvelando a herança das relíquias, memórias e lendas deixadas pela passagem de José de Anchieta1 e as diversas etnias formadoras desta sociedade.

O16reconhecimento

Com a expansão da siderurgia, somando-se aos investimentos em petróleo e gás natural, um novo surto de desenvolvimento deflagra intensas transforma ções territoriais na região. A Agenda Estratégica Regional Sul (IJSN, 2010) apon ta o fortalecimento dos setores de transporte, siderurgia e petróleo como uma tendência desejada para a região; e o Relatório de Investimentos anunciados e concluídos para o Espírito Santo (IJSN, 2016) destaca o Litoral Sul com as maiores expectativas de crescimento econômico no contexto do Estado.

A tradição agropecuária, iniciada pelos Jesuítas no século XVI, marca a história do Espírito Santo, traçando o perfil da atividade econômica e moldando a identida de cultural. Os fluxos migratórios do século XIX trazem novas tradições europeias que se estabelecem nas montanhas. Conforme o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), a microrregião Litoral Sul apresenta um baixo índice de desenvolvimento até o fim do século XX (IJSN, 2010). Por décadas, a Samarco Mineração, em Anchie ta, demarca um polo isolado de desenvolvimento industrial (Figura 05).

Figura 05 – Usina de Pelotização e Terminal Portuário da Samarco Mineração, no litoral do município de Anchieta. Fonte: Samarco Mineração, 2005.

19No18

O litoral sul capixaba é a região escolhida por Anchieta para viver seus últimos anos de vida, no aldeamento de Reritiba, que ele fundou e onde comandou a constru ção de igreja e residência. Segundo Rodrigues (1607), atuando na direção dos co légios, mesmo doente, ele costuma percorrer a pé uma distância de 14 léguas, até o Colégio de São Tiago, em Vitória, para cuidar dos assuntos da Companhia. Suas relíquias e memórias permanecem nesta região até os tempos atuais.

A transformação de áreas rurais em urbanas, com o surgimento de novos polos industriais, acarreta uma alteração dos modos tradicionais de vida, com supres são ou descaracterização de lugares com identidade visual, histórica e espiri tual. Barbosa (2010), Mendonça et al. (2012), Bitencourt (2013) e Corrêa (2013) abordam diversos ângulos desta questão, a partir das suas pesquisas sobre as transformações da paisagem no município de Anchieta. A região costeira, ocu pada por comunidades tradicionais (descendentes de caiçaras, quilombolas e indígenas), passa a ser visada para a implantação de projetos industriais. Essa proximidade pode gerar, ao lado de alternativas econômicas, interferências nos significados sociais, históricos e espirituais. Neste processo, o estudo dos signi ficados é fundamental para reconhecer áreas prioritárias a serem designadas à preservação. Sem uma identificação dos valores imateriais, as ocupações desor denadas podem avançar, com reflexos nos espaços livres e na paisagem.

ano de 1563, em uma tentativa de pacificação com os índios Tamoios, An chieta se oferece para ficar como refém na tribo, enquanto prosseguem as ne gociações (MINDLIN, 2000). Ameaçado pelos índios, o Padre começa a riscar o “Poema à Virgem” nas areias da praia de Iperoig, tecendo versos intermináveis para ganhar tempo e escapar da morte, até que se anuncia a resolução do ar mistício – em cena imaginada e representada pelo pintor Benedicto Calixto de Jesus (Figura 04).

Figura 04 – Pintura que representa Anchieta escrevendo o poema à Virgem Maria, nas areias da praia de Iperoig (atual Ubatuba). Fonte: Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, 2003.

O que, então, está em jogo quando se abordam as ameaças representadas pelo desenvolvimento urbano em Anchieta? Um exemplo pode ser evidenciado na Sede: o tombamento do Santuário de Anchieta restringe-se à edificação e não contempla o sítio (BORGES, 2012), deixando-o susceptível às interferências urba nas impactantes. O crescimento no entorno é marcado por gabaritos elevados que retiram a primazia da igreja e afetam os cenários de percepção do monu mento, seu poder simbólico, decorrente da sua original implantação. Na compa ração entre duas fotografias – a primeira, do século XIX, e a segunda, do século XXI –, a partir da ponta de Quitiba (Figura 07), é possível verificar estas signifi cativas alterações, devido à falta de controle dos índices construtivos e alturas edificatórias. A alteração da paisagem afeta os espaços livres que durante sécu los vêm inspirando a reverência das marcas tangíveis humanas, com atributos importantes para reforçar os valores históricos e religiosos deste lugar.

Anchieta, município limítrofe com a Região Metropolitana da Grande Vitória, caracteriza-se como uma “nova fronteira” na dinâmica metropolitana, com base na produção histórica do seu espaço urbano (MENDONÇA; FRANÇA; SARTOTI, 2012). A aproximação à cidade, no sentido Norte, é feita pela Rodovia ES 060 na ponte sobre o Rio Benevente, de onde quase não se pode mais reverenciar a herança religiosa, ocultada por edificações, postes e sinalizações (Figura 08). Esta situação revela uma falta de critérios na ocupação do entorno da Área Especial de Interesse Cultural, prevista no Plano Diretor (ANCHIETA [Município], 2006a), que não promove um controle urbanístico efetivo, devido ao desconhecimento do potencial religioso, simbólico e histórico dos espaços livres.

A20importância

Figura 06 – Peregrinação “Passos de Anchieta”. Fonte: Bianconi, 2007.

Figura 07 – Vistas comparativas de Anchieta: acima, fotografia datada do século XIX (Fonte: Dietze, 1869); abaixo, fotografia atual (Fonte: Anchieta-Benevente-Rerigtiba, 2014).

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religiosa da região tem sido celebrada nos “Passos de Anchieta”, peregrinação que reproduz o trajeto das caminhadas realizadas pelo padre, jun tamente com os índios catequizados, no século XVI. O percurso de 100 quilô metros é percorrido anualmente por religiosos, moradores e turistas – à seme lhança do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha –, demonstrando o inestimável valor imaterial (espiritual, religioso, histórico, social, afetivo) da orla litorânea situada entre Vitória e Anchieta (Figura 06).

Figura 08 – Interferências na percepção da Igreja de Nossa Senhora da Assunção na chegada à cidade, no acesso pela Rodovia ES 060, sentido Norte. Fonte: autor, 2016.

23A22relação

Desvelar os valores sensíveis que nos ligam às paisagens significa procurar o sentido mais profundo das interferências humanas no território. Acredita-se que o reconhecimento dos valores espirituais e religiosos pode ser um instrumento importante para localizar as práticas locais, de forma a fornecer subsídios para instituições governamentais e patrimoniais, na proteção dos espaços sagrados, com recomendações a serem considerados em estudos de impacto de vizinhan ça (EIV) e estudos de impacto ambiental (EIA) dos empreendimentos industriais e das expansões urbanas. A intenção é contribuir para uma lógica diferenciada, no sentido de reforçar as manifestações espirituais das populações locais, forta lecer as raízes históricas e preservar as singularidades da paisagem.

“O homem se torna consciente do sagrado porque este se manifesta, se mos tra como algo completamente diferente do profano”, afirma Eliade (1959, p. 11), propondo o termo “hierofania” como “[...] manifestação de uma ordem completamente diferente, uma realidade que não pertence ao nosso mundo, em objetos que são uma parte integrante do nosso mundo ‘profano’ natural”. Para o homem que vivencia uma experiência religiosa, o sagrado pode ser imanado em árvores frondosas, montanhas sublimes, tranquilas nascentes ou fenômenos climáticos.

da religiosidade cristã com a mitologia indígena marca a história da cidade de Anchieta, e afirma sua identidade como lugar escolhido pelo santo para viver seus útimos anos de vida. Em primeira instância, o lugar imana a memória coletiva de um momento histórico singular, materializa uma herança jesuítica única no solo capixaba, no início da formação étnica da sociedade brasileira. A alteração dos seus espaços sagrados pode significar uma desvirtu ação das crenças e dos costumes, bem como afetar o sentido de pertencimen to da população – o que evidencia a estreita relação entre os espaços livres e a religiosidade. É fundamental, portanto, preservar a paisagem local e seus espaços livres e lugares sagrados, juntamente com seus valores espirituais e religiosos, que possam estar ameaçados diante do atual modelo de desenvolvimento regional e nacional.

No Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, nos anos 1980, percebe-se a ne cessidade de contemplar os vínculos entre natureza e cultura, pessoas e lugares, patrimônio tangível e intangível (FOWLER, 2003). Iniciam-se intensos debates com a participação de especialistas de vários continentes, e os órgãos consul tivos IUCN (International Union for Conservation of Nature) e ICOMOS (Interna tional Council of Monuments and Sites) elaboram novos processos de avaliação, buscando inspiração nos trabalhos de Sauer (1925) e Lowenthal (1985), entre outros. Neste marco teórico, a geografia sagrada comporta o domínio de um ter ritório ancestral, como aponta Mallarach (2013): a custódia dos lugares santos.

O valor espiritual de um lugar emerge da espacialização da crença humana.

Entre os diversos valores intangíveis, optamos por adotar no estudo um foco nos valores espirituais e religiosos, que se revelam como protagonistas nesta paisagem. Esta escolha também se pauta por sua natureza de agregação, na me dida em que estes valores atuam como âncoras de outros valores intangíveis, tais como o sentido da história, a manifestação da cultura imaterial, a interação comunitária, a sensação de pertencimento e a noção da identidade cultural, ati vados na convivência humana em uma paisagem significante.

Imprimir uma visão do mundo em um território desconhecido é sempre uma consagração: “organizar um espaço é repetir o trabalho paradigmático dos deu ses” (ELIADE, 1959, p. 32). A experiência do espaço sagrado revela, assim, uma busca pela transcendência humana. O Cristianismo, ao realizar seus rituais, cria lugares sagrados com marcas perenes, e de forma similar ocorre com o Candom blé e outras religiões brasileiras nas suas manifestações de fé, criando lugares especiais com consagrações perenes ou temporárias (Figura 09).

A recuperação da lógica sagrada, a partir de ruínas, relíquias e santuários, ainda se mostra viva e atuante. Integrar essa lógica no urbanismo é uma maneira de tornar nosso território habitado mais inteligível e promover uma harmonia entre espaços livres e áreas construídas, valorizando crenças multiseculares.

Figura 10 – A religiosidade cristã expressa no Centro Histórico de Anchieta. Fonte: Andrade, 2014.

Figura 09 – Festa para Iemanjá realizada na Praia de Camburi, Vitória, ES. Fonte: autor, 2019.

O sentido de História é ativado com as marcas indeléveis na paisagem, como testemunhos das crenças passadas e presentes. Na afirmação da religiosidade, o homem consagra espaços que se tornam relíquias. O espaço é investido com envolvimentos passados que condicionam a presente expectativa, e sem essas evidências, não poderíamos funcionar (LOWENTHAL, 1975); assim, a História é cristalizada nas obras que construímos e nas paisagens que criamos. Uma relíquia espiritual ou religiosa, erguida em pedra, forja um lugar sagrado com a intenção de imprimir uma marca e um domínio permanente na História (Figura 10).

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As identidades culturais de uma sociedade relacionam-se diretamente com suas manifestações espirituais e religiosas. As diversas dimensões da identidade – ori gem, etnia, língua, religião, folclore – criam uma imagem local, regional ou na cional, fundamental para manifestar um discurso de comunidade (HALL, 1996). Dedicar atenção aos atributos espirituais e religiosos da paisagem pode, por tanto, revelar sua contribuição para a noção de pertencimento a algum espaço ou lugar. E este sentido de lugar é importante na construção de um ambiente humano saudável e permite reconhecer suas características particulares.

No plano das tradições populares, ressalta-se a relação da paisagem com as ma nifestações culturais imateriais: festas, feiras, danças, celebrações, cultos (UNES CO, 2003). Esta relação tem uma dimensão física, como território de manifes tações, e simbólica, como imagem divulgada pelas instituições. Desta forma, investigar os valores imateriais também implica em abordar as manifestações culturais imateriais – sejam estas registradas, ou não, pelos órgãos de proteção patrimonial. E, considerando que muitas celebrações se realizam unicamente nos espaços exteriores, preservar estes espaços livres é fundamental para man ter as tradições históricas e proteger os bens do patrimônio cultural imaterial com riscos de desvalorização, descaracterização ou desaparecimento.

Ao observar que muitos instrumentos de planejamento (gerenciamento costei ro, plano diretor, zoneamento ecológico-econômico, estudo de impacto de vi zinhança) não contam com levantamentos específicos sobre estas tradições in tangíveis, ou apresentam informações temáticas fragmentadas (ou territorial, ou infraestrutural, ou econômica, ou patrimonial), uma nova abordagem é necessá ria para identificar, caracterizar e mapear os significados espirituais e religiosos dos espaços livres, no sentido de preservar estes e outros significados que a eles estejam associados: identitários, históricos, festivos e folclóricos.

Estudar essa herança espiritual e religiosa adquire importância para revelar ou tros significados da paisagem, relacionados à afirmação das identidades cultu rais, ao sentido da história e às tradições folclóricas populares.

Interpretar a metapaisagem espiritual é como desvelar o grande desafio imposto pelo homem, a si mesmo, de ser como um deus: a concepção de um lugar sagrado não é outra coisa senão a reprodução do ato da criação (TUAN, 2013).

Para investigar como os valores espirituais e religiosos2 condicionam os espa ços livres e a paisagem – e como, em retorno, os espaços livres e a paisagem consolidam estes valores – nosso estudo tangencia as maneiras como as etnias locais interpretam os ambientes naturais (rios, alagados, florestas, morros...) e os transformam em lugares para celebrar suas crenças. Atenta à simbiose entre as duas realidades – objetiva e subjetiva – o livro procura relacionar fatores físicos e fenomenais, beneficiando-se de uma ótica delineada como “metapaisagem”, uma maneira de olhar que enfatiza a lógica dos valores sensíveis.

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Indo além, para escapar da recorrente polarização, não basta limitar-se à duali dade de processos naturais humanos e processos naturais não humanos; é ne cessário admitir a possibilidade de processos híbridos, e, sobretudo, considerar processos ainda desconhecidos. Não é o caso de restringir-se a uma dimensão dupla, dicotômica; trata-se de reconhecer uma dimensão múltipla, plural.

É importante reconhecer que a dimensão imaterial, apesar de superar a dimen são material, permanece interligada a ela, ou inspirada por ela. Ver a metapai sagem não significa, portanto, restringir-se a sua imaterialidade, porque isto significaria incorrer em abordagem polarizada. A imaterialidade está atrelada à materialidade em uma relação de simbiose: o intangível parece orbitar em torno do tangível em uma trajetória delicada, por vezes atrelando-se de forma dire ta, reafirmando sua materialidade, ou por vezes distanciando-se dela, de uma forma instigante e desafiadora, inspirando relações imprevisíveis entre histórias, lendas e mitos.

Desta forma, a investigação de histórias, lendas e mitos é um percurso revelador na missão de reconhecer uma face da metapaisagem, baseada nos valores da espi ritualidade e da religiosidade. O mundo se torna apreensível como mundo, como cosmos, na medida em que se revela como um mundo sagrado (ELIADE, 1959).

Ao adicionar o prefixo meta à paisagem, procuramos enfatizar um sentido fenomenal que lhe é inerente: o prefixo decorre do Grego meta-, que significa “no meio de”, “entre”, “com” (INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS, 2001). Não se restringe aos outros sentidos correntes, como “maior do que”, “transcenden te” ou “fundamental”, decorrentes de uma interpretação da Metafísica como “ciência que transcende o físico”, que se estendem a várias disciplinas, docu mentados em dicionários etimológicos da língua inglesa (HARPER, 2014). De outra forma, nossa ideia procura ressaltar as dimensões intangíveis que estão aliadas às estruturas biofísicas da paisagem, de modo íntimo, inseparável ou imperceptível. Ao desvelar a metapaisagem, podemos lançar uma luz em al guma dessas múltiplas dimensões, por exemplo: o lendário, a história ou a identidade. Nesta pesquisa, interessa-nos, especialmente, a espiritualidade e a Nasreligiosidade.palavrasdo geógrafo e filósofo francês Augustin Berque (2000b), isto só é possível com a conciliação de um aparente paradoxo: a justaposição da aborda gem física à aproximação fenomenológica, a adição do ponto de vista do cien tista (factual) ao ponto de vista do artista (sensível). Distanciando-se da segmen tação, autor lança o desafio de operar na mediação dos processos.

Organizando nossa expedição para desvelar o intangível

2 Valores espirituais e religiosos são conceitualmente diferenciados mais adiante, na página 54.

Ao compreender o homem como parte integrante da natureza, optamos por realinhar a complexidade da paisagem, que, ao invés de segmentada entre natu ral e cultural, pode ser interativa entre processos naturais humanos e processos naturais não-humanos; e, ao invés de sitiada entre observação e interpretação, pode ser enriquecida com uma oscilação entre objetividade e subjetividade. É precisamente na relação entre estes processos – naturais e culturais, observação e interpretação – que se fundamenta a ótica da metapaisagem.

• realizar um mapeamento dos valores espirituais da paisagem da área de estu do, enfocando os espaços livres que lhe conferem cenários ou ambientes sig nificantes;

espaços livres têm um papel importante por serem universos de percepção, contemplação e devoção, rotas de peregrinação e destinos de festividades. Como essas relações perpassam áreas urbanas, suburbanas ou naturais, é neces sário considerar os espaços livres na escala territorial, incluindo também espaços rurais, aquáticos e florestais (TARDIN, 2013). Estes são selecionados por sua rele vância para os significados espirituais e religiosos, na medida em que permitem a vivência das crenças e auxiliam na devoção às relíquias sagradas.

O objetivo deste estudo é, portanto, compreender a construção da paisagem a partir dos seus valores espirituais e religiosos, com foco nos espaços livres. O referencial teórico é rebatido no caso de estudo de Anchieta, com um recorte da porção litorânea do município, no sentido de representar as diversas identidades culturais ali presentes. Abrange os maciços costeiros que margeiam a planície do Rio Benevente, limitando-se, ao norte, pelo Monte Urubu; a oeste, pela Serra do Itaperoroma; e a leste, pela Lagoa Mãe-Bá (Figura 11). É possível estabelecer re lações com o território perceptível além deste recorte, no sentido de considerar os referenciais geográficos inerentes às amplitudes visuais da paisagem.

Figura 11 – Mapa com o recorte da área de estudo. Fonte: IJSN, 2013; IBGE, 1978, 2016. Elaborado por Jordano de Brito com base na orientação do autor, 2017.

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A partir deste objetivo central, estruturam-se os seguintes objetivos específicos:

• compreender o reconhecimento dos significados e valores espirituais na pai sagem, socialmente construídos pelas diferentes etnias formadoras dessa so ciedade;

• identificar as principais ameaças à preservação dos espaços livres de uso pú blico e dos seus valores espirituais e religiosos, e apontar os desafios a serem enfrentados nos planos locais.

O Capítulo 1 traça o percurso das disciplinas que procuram reconhecer os valores espirituais da paisagem, e descreve a contribuição das instituições patrimo niais. O Capítulo 2 apresenta o referencial teórico-metodológico do estudo e descreve as técnicas e fontes adotadas para revelar e mapear nossa metapaisa gem, baseada em três categorias de análise: a toponímia, a identidade e a pola ridade. O Capítulo 3 aplica estas categorias de análise para abordar a constru ção social dos valores espirituais, em uma perspectiva sincrônica, no processo histórico. Finalmente, o Capítulo 4 inicia com uma análise dos valores espirituais da paisagem de Anchieta, em uma perspectiva sincrônica, na contemporaneida de, e finaliza com uma reflexão sobre as ameaças e os desafios a serem assumi dos no planejamento territorial local. Nas considerações finais, são apontados novos caminhos para preservar a metapaisagem espiritual de Anchieta

O RECONHECIMENTO DOS SIGNIFICADOS DA PAISAGEM

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Na atitude piedosa de quem reza E como que num hábito embuçado Pôs naquele recanto a natureza A figura de um frade recurvado

Diz a lenda – uma lenda que espalharam Que aqui, dentre os antigos habitantes Houve um frade e uma freira que se amaram

E sob um negro manto de tristeza Vê-se uma freira tímida a seu lado Que vive ali rezando, com certeza Uma oração de amor e de pecado

O soneto de Silva (1938) relata a lenda do amor impossível entre um frade e uma freira, que nomeia uma formação rochosa no sul do Espírito Santo (Figura 12). Datada do século XVII, esta seria uma lenda duplamente imaginária, pois não há registros sobre a vinda de freiras no período colonial; assim, Novaes (1968), procurando evitar o anacronismo e contrariar a História, muda a versão da lenda e argumenta que o frade só poderia ter se apaixonado por uma índia.

1

Mas que Deus os perdoou lá do infinito E eternizou o amor dos dois amantes Nessas duas montanhas de granito Benjamim Silva (1938)

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Figura 12 – “O Frade e a Freira”, monumento natural localizado no sul do Espírito Santo, que inspira a lenda de um amor impossível. Fonte: Planeta Vertical, 2013.

Para compreender o reconhecimento contemporâneo dos valores espirituais e religiosos, fazemos um percurso em algumas disciplinas – Geografia, Urbanismo e Arquitetura da Paisagem – para identificar suas visões paradigmáticas. Ao final, descrevemos o reconhecimento do espaço sagrado como patrimônio, na desco berta do valor espiritual das áreas protegidas e dos espaços livres.

1.1 Abordagens da dimensão imaterial

Essa visão nos inspira a reconhecer que a paisagem só existe se estamos dis postos a ver, e a construção desse olhar implica em transcender sua dimensão material. O reconhecimento do que entendemos como valores imateriais – in cluindo os valores espirituais – apresenta um longo percurso a partir do início do século XX, marcado pelos debates e embates entre diferentes disciplinas, que se relacionam com o desenvolvimento do próprio conceito científico de paisagem.

A paisagem é uma entidade que aparece na China em torno do século IV dC, e na Europa durante o Renascimento. Se nós pensarmos que a paisa gem existe em toda parte e sempre, é simplesmente porque estamos pre sos na mundanidade do nosso tempo e do nosso meio, e que, por uma projeção subjetiva, confundimos a paisagem [...] com o ambiente (BERQUE, 1996, p. 87, tradução do autor).

A partir do século XIX, muitos geógrafos e naturalistas fazem reflexões sobre a paisagem, inspirados nas expedições que estudam as porções terrestres com ênfase nas características físicas, para identificar suas individualidades. O geobo tânico Alexander Von Humboldt (1849) destaca as feições climáticas, geológicas, hídricas e fitofisionômicas. Botânicos como Karl von Martius (1840) e Auguste de Saint-Hilaire (1833) lideram expedições ao Brasil, percorrendo o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, fazendo importantes registros do seu tempo, acompanhados por artistas que elaboram ilustrações reveladoras (Figura 13).

O reconhecimento da interferência antrópica na paisagem emerge no século XX na Alemanha, com Otto Schlüter (1920) e Siegfried Passarge (1925). Schlüter usa o termo kulturgeographie (Geografia Cultural), baseada na descrição morfologi ca das áreas alteradas pelas atividades humanas; e também cria o termo kultur-

Figura 13 – Ilustração da expedição de Karl von Martius, realizada no Brasil entre 1817 e 1820, retratando o desmatamento no século XIX no Rio de Janeiro. Fonte: Martius, 1840, Tab. XVI.

Mas como resistir a um fato inverossímil no imaginário da paisagem? E como se processa tal sublimação? A associação entre formas rochosas e lendas humanas reflete a sedução entre natureza e cultura: uma ligação da paisagem com a tradi ção, a História e os símbolos religiosos. Esta ressignificação resulta do “algo mais” que norteia a relação humana com a Terra, sinaliza Berque (1996, p. 11): “[...] so mente a humanidade possui um écoumène”, este complexo de fatores humanos que norteia a realidade do mundo habitado. Assim, a noção de paisagem não existe, nem em todos os tempos, nem em todos os meios humanos:

Lowenthal inova ao transformar subjetividade e contradição em virtudes, mos trando que a paisagem como fato per si é irrelevante; interessante é o que a contradição nos diz sobre a maneira como ambiente é compreendido como pai sagem, por sociedades e indivíduos, e as consequências para nossos compor tamentos em relação a esse ambiente. Assim, ele é um dos responsáveis pela mudança epistemológica no pensamento contemporâneo sobre a paisagem.

Nos Estados Unidos, Carl Sauer (1925, p. 343, tradução do autor) propõe uma de finição clássica: “a paisagem cultural é formada a partir de uma paisagem natural por um grupo cultural; a cultura é o agente, a área natural, o meio, e a paisagem cultural, o resultado”. Enquanto a paisagem natural reflete as formas da nature za, a paisagem cultural resulta da relação do homem com o meio – noção que influencia círculos científicos e patrimoniais. Mas, ainda que a morfologia confira ênfase à visão material, Schlüter e Sauer defendem que fenômenos sociais, in telectuais e sentimentais também devem ser consultados para compreender as causas da formação da paisagem humana (SEEMANN, 2004).

O trabalho de Sauer aponta para o papel da espiritualidade e da religiosidade na transformação de paisagens. Os primeiros pesquisadores passam a con siderar a religião como um dos fatores que influenciam a paisagem cultural (SOPHER, 1967), mas o foco permanece principalmente na morfologia, em sua extensão espacial: por exemplo, no impacto humano sobre a forma física do espaço, ilustrando a marca diferenciada que cada grupo social deixa na paisagem. A alternativa entre o físico ou o fenomenal, que remonta à dicoto mia cartesiana entre sujeito e objeto, é dominante na modernidade (BERQUE, 2000b), mas esta segmentação marca especialmente o pensamento ociden tal, na separação entre superfície e profundidade, apreciação sensorial e compreensão intelectual, com uma nítida polêmica em torno dos temas afeitos às interpretações subjetivas.

O autor afirma que as palavras nos inclinam em direção a uma visão particular do universo: “[...] Sem dúvida, a linguagem também se ajusta à visão de mundo, assim como o ambiente molda o vocabulário” (LOWENTHAL, 1961, p. 254, tra dução do autor). O nome de um lugar é composto por experiência, imaginação e memória, e a toponímia transforma-se, assim, em uma relevante categoria de análise. Lowenthal prevê a incerteza da contemporaneidade, onde a paisagem é moldada por lentes culturais e pessoais. Neste processo, a religião contribui para uma imposição – ostensiva ou dissimulada – dos princípios de percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do espaço social.

A prática do Urbanismo e do planejamento urbano, antes dominada por fatores morfológicos, aos poucos incorpora valores afetivos, como pode ser evidencia do nas obras de Gordon Cullen (1971) e Kevin Lynch (1972).

A percepção essencial do mundo, em suma, abraça todas as formas de olhar para ele: consciente e inconsciente, turva e diferenciada, objetiva e subjeti va, inadvertida e deliberada, literal e esquemática. A experiência mais sim ples é uma composição de percepção, memória, lógica e fé (LOWENTHAL, 1961, p. 251, tradução do autor).

A imaterialidade anima o debate teórico sobre o espaço e a paisagem, mas tor na-se controversa no meio científico, por causa da subjetividade. Uma das figu ras centrais que mantém a discussão é o geógrafo e historiador David Lowenthal, acompanhado por Gordon Cullen (1971), Kevin Lynch (1972) e Yi-Fu Tuan (1974).

Lowenthal (1961) interessa-se pela relação entre a visão geral e a visão pessoal do mundo: no plano geral, a percepção transcende a realidade meramente ob jetiva; e no plano pessoal, a experiência, o aprendizado e a imaginação estão na base de qualquer discurso. As esperanças e as crenças da humanidade animam suas interpretações do mundo, assinalando o caráter polivalente da percepção:

3534 landschaft (paisagem cultural), para designar a área transformada pelo homem, em oposição a naturlandschaft (paisagem natural), onde a ação do homem esta ria ausente (SEEMANN, 2004).

É um preenchimento da criação, empregando os valores subjetivos daqueles que vivem neste mundo criado. Sem desrespeito, isso pode ser comparado a Deus, enviando o seu Filho ao mundo para viver como um ser humano, descobrir como ele é e redimí-lo (CULLEN, 1971, p. 194, tradução do autor).

Ao tratar da relação entre tempo e lugar, Lynch (1972) faz uma observação inspi radora: simplesmente saber que as estruturas humanas são duráveis pode pro porcionar aos moradores uma sensação de estarem enraizados em um lugar, transmitindo noções de pertencimento, segurança e continuidade. Esta reflexão nos aponta para a importância da história na afirmação de uma comunidade, em que se destacam a espiritualidade, a religiosidade e a identidade.

Figura 14 – A força da apropriação humana na estruturação dos espaços livres urbanos. Fonte: Cullen, 1971, p. 122.

37Cullen36 (1971) demonstra como a cidade pode tornar-se perceptível em um sen tido mais profundo, evocando sensações como vitalidade, mistério, expectativa, nostalgia ou intimidade. O autor assinala que o ambiente pode ser concebido de duas maneiras: em primeiro lugar, planejado objetivamente, por meio da lógica, com base em princípios de conveniência, comodidade e privacidade, comparan do-se a Deus criando o mundo; e em segundo lugar, este mesmo ambiente pode ser planejado subjetivamente, com base em preocupações emocionais:

Cada objeto, cada agrupamento, cada vista é inteligível em parte porque já estamos familiarizados com eles, através do nosso próprio passado e através de contos conhecidos, livros lidos, imagens vistas. Nós vemos coisas ao mesmo tempo como elas são e como as vimos antes; a experi ência prévia permeia toda a percepção presente (LOWENTHAL, 1975, p. 5-6, tradução do autor).

Para o urbanista, não devemos priorizar os valores objetivos, que parecem prosperar, mas devemos estar preocupados “com a situação subjetiva, que é preocu pante” (CULLEN, 1971, p. 194, tradução do autor). Seu trabalho procura reconhe cer os aspectos imateriais, ao demonstrar como as praças devem dispor de áreas protegidas de veículos e planejadas para a apropriação das pessoas, acolhendo as atividades humanas nos espaços livres (Figura 14).

Lowenthal (2003) propõe a noção da paisagem como um “legado vivo”, trazendo uma síntese ao pensamento contemporâneo. Sua obra deixa uma consistente base teórico-metodológica para o entendimento dos recursos tangíveis e intan gíveis pelos quais adquirimos consciência do passado, contribuindo como uma inspiração para este estudo sobre a metapaisagem espiritual.

Discutindo a relação entre paisagem e memória, Lowenthal (1975) argumen ta que precisamos das evidências tangíveis do passado, não somente como testemunhos da história e da identidade, mas também para lidar com a pai sagem presente:

“The past is a foreign country” (LOWENTHAL, 1985) é uma obra seminal, na pers pectiva de que o passado é diferente do presente, e isto, de fato, é um de seus encantos. O livro aborda a maneira como nossas lembranças e nossos arredo res nos tornam conscientes do passado: é quando evocamos as lembranças que afirmamos nossa identidade. Lowenthal (1996) também faz uma relevante dis tinção entre História e patrimônio: enquanto a História é um registro do passa do, o patrimônio é uma celebração do passado. Nessa condição, o patrimônio utiliza nosso passado segundo nossos propósitos atuais.

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seio da abordagem cultural-humanista, o geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan faz um importante estudo destacando as formas de percepção ambiental do homem, em relação aos seus lugares de vivência. Em “Topophilia”, Tuan (1974) enfoca culturas de toda parte do planeta, de civilizações letradas ou iletradas, evidenciando as atitudes e os valores humanos ligados à natureza, expressos nas cosmologias e nas lendas de criação da humanidade. Segundo o autor, o elo das pessoas com o ambiente inclui os laços afetivos com o meio material, que diferem profundamente em intensidade, conforme as variantes que exercem in terferência nesta relação: idade, sexo, cultura e religião. Tuan (1975) assinala que o lugar é uma construção da experiência, sustentado não apenas por matéria, mas também pela qualidade da consciência humana. O autor ainda argumenta que o lugar tem uma história, encarna as experiências humanas e deve ser compreendido a partir das perspectivas das pessoas que lhe deram significado. Para Tuan (1978, p. 16, tradução do autor), um espaço indife renciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos e o dotamos de valor: “o espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e signifi cado”; assim, o lugar pode ser definido como um centro ao qual atribuímos valor, onde são satisfeitas as necessidades de comida, água, descanso e procriação: “quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar”.

O discurso contemporâneo sobre a paisagem aprofunda a questão da espiritu alidade, a partir das variantes da experiência religiosa (JAMES, 1902). Diversos estudos procuram reafirmar a importância negligenciada do espaço no pensamento religioso, abordando o impacto da religião na paisagem (ISAAC, 1960; SOPHER, 1967), o simbolismo ritual da cor e da orientação solar (FICKELER, 1962) e a tensão entre o local e o universal (LANE, 1988), entre outros aspectos. Algu mas pesquisas mapeiam o avanço do Cristianismo no mundo, para documentar quais religiões os missionários encontram, como as missões progridem e quan tos topônimos cristãos demarcam a posse sobre os novos territórios.

Em suma, 1) a paisagem é plurimodal (passiva-ativa-potencial, etc.), como é plurimodal o sujeito para o qual a paisagem existe; e 2) a paisagem e o sujeito são cointegrados em um todo unitário, que se auto produz e se auto reproduz (assim se transforma, porque sempre há interferências com o exterior) [...] (BERQUE, 1984, p. 33, tradução do autor).

Daí surge o poder da paisagem enquanto estrutura que interfere no processo de interpretação: se por um lado ela é vista por um olhar, por outro lado, ela também condiciona este olhar. Assim, paisagem, espaço e lugar podem ser autenticados como meios de evocar uma presença divina, nas manifestações religiosas da humanidade. Esta interatividade se expressa na reciclagem dos lugares sagrados. Embora o Cristianismo tenha lutado contra religiões prece dentes, acaba ocupando seus antigos locais sagrados (MALLARACH; COMAS; ARMAS, 2012), reconfigurando-os em igrejas, mosteiros, cruzes, poços ou ár vores sagradas, que passam a caracterizar como cristãos estes territórios urba nos, rurais ou naturais.

A ideia da paisagem como um legado vivo, como uma herança mutante, abarca uma síncope do tempo: encerra o que representou, como se apresenta e em que se deseja transformá-la. É algo que o homem recebe, modifica e deixa para a posteridade. Tal complexidade coloca um novo desafio para sua preservação, pois, se ela desempenha um papel importante na projeção espiritual, como afir ma Nogué (2010), as políticas de gestão devem incorporar esta premissa e ado tar um conceito baseado na integração dessas dimensões intangíveis:

A poética do sagrado fundamenta-se em um contexto maior, da relação onto lógica entre o homem e o espaço. Existe uma reciprocidade nesta relação, bem contextualizada por Berque (1984, p. 33, tradução do autor), segundo o qual “a paisagem é uma marca porque exprime uma civilização; mas também é uma matriz, pois participa dos esquemas de percepção, concepção e ação – isto é, da cultura – que, em certo sentido, canaliza a relação de uma sociedade ao espaço e à natureza”. Desta forma, supera-se uma atuação meramente passiva:

• a institucionalização religiosa como estratégia de controle do espaço, uma mo nopolização do simbólico conectado com o territorial, um poder intencional exercido nas sociedades.

Esta sinestesia revela a importância de considerar os eixos perceptuais que se disseminam dos espaços sagrados para as paisagens significantes do entor no. Em muitas regiões ainda é conservada uma verdadeira rede sagrada, com santuários de diversas épocas, pontos de apoio e rotas de peregrinação (local, regional ou mesmo internacional) que os conectam (MALLARACH; COMAS; AR MAS, 2012). Entretanto, nem sempre estes lugares sagrados e suas conexões são reconhecidos por instituições governamentais. Assim, as iniciativas lideradas pelas instituições patrimoniais podem demonstrar alguns princípios relevantes para a proteção destes espaços livres no planejamento territorial.

No processo de espacialização, a experiência religiosa cristã é “centrípeta” em sua tendência: o fiel é conduzido a um centro, onde céu e terra se intercep tam, onde Deus deve ser encontrado. No entanto, essa experiência também é “centrífuga” em seu impulso: o fiel é levado além do ponto de encontro inicial para “esperar Deus em todos os outros lugares” (LANE, 1988, p. 5). Na histó ria da religiosidade, persiste essa tensão contínua entre o local e o universal. Deus está aqui, neste lugar, mas ao mesmo tempo, não se limita exclusiva mente a este lugar.

Os atributos das montanhas ressaltam os valores “baixo” e “alto” abordados por Tuan (2013), observando a tendência humana de afastar-se do senso comum na interpretação das paisagens. Subjacentes às aspirações humanas, estão os “va lores polarizados”, que atraem as pessoas para os espaços sublimes, dominados pelos contrastes: escuridão e luz, caos e ordem, baixo e alto, natureza e cultura, matéria e espírito. Ocorre uma segmentação, pois um polo contém os “valores negativos” (escuridão, caos, baixo, natureza e matéria), e o outro, os “valores po sitivos” (luz, ordem, alto, cultura e espírito) – antítese que constitui um referen cial para este estudo, a ser aprofundada mais adiante.

• a identidade religiosa como uma construção histórico-cultural, relacionada a uma imagem institucional pela qual é reconhecida uma denominação;

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A paisagem é concebida como um produto social, a projeção cultural de uma sociedade em um dado lugar a partir de uma perspectiva material, espiritual e simbólica (NOGUÉ et al., 2010, p. 12, tradução do autor).

Figura 15 – Montanhas no litoral sul do Espírito Santo. Fonte: autor, 2016.

Bernbaum (1990) faz um mapeamento das montanhas sagradas. Segundo o au tor, como a montanha se liberta da terra para saltar a céu aberto, a experiência do sagrado pode enviar nossos espíritos a alturas de arrebatamento, elevando-nos com visões de beleza e bondade além dos nossos sonhos. A proximidade celeste proporciona serenidade, leva-nos a sentimentos de devoção tão intensos que pre cisamos permanecer na sua presença. As montanhas têm o poder de despertar a devoção – e é exatamente por imanar o senso do sagrado, que elas refletem valo res fundamentais das culturas e religiões em todo o mundo (Figura 15).

• o sagrado como uma categoria a priori, condição cultural intrínseca ao homem que coloniza um espaço, considerando o poder da religião em impor, de forma antecipada, uma estruturação do mundo;

Rosendahl e Corrêa (2001) abordam a geografia da religião, focando o Catolicismo no contexto político-religioso, para entender as dinâmicas da territorialidade, no contexto brasileiro. Propõem três pontos a serem considerados nesta temática:

• paisagem cultural associativa: marcada por associações religiosas, artísticas ou culturais com o elemento natural, sem necessariamente apresentar uma evi dência material, que pode ser insignificante, ou mesmo ausente.

Mas a questão tem um marco no ano de 1992, quando o Comitê do Patrimônio Mundial adota um conceito próprio de paisagem cultural, com critérios que vêm sendo atualizados nas “Diretrizes Operacionais”. Reconhecida pela expressão de conhecimento ou pela atribuição de significado, a paisagem cultural pode ser classificada em três categorias (UNESCO, 2015, p. 72):

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• paisagem claramente definida: desenhada intencionalmente pelo homem, como jardins ou parques, frequentemente (mas nem sempre) associados a edi fícios monumentais religiosos ou com outras funções;

O reconhecimento internacional dos valores espirituais avança no final do século XX, graças a um projeto do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que leva ao trabalho “Valores culturais e espirituais da biodiversidade”. Em 1998 é criado o Grupo Especialista em Valores Culturais e Espirituais de Áreas Protegidas, uma equipe de estudo que integra a IUCN e a Comissão Mundial de Áreas Protegidas, que tem produzido resoluções, normas e publicações sobre o assunto (IUCN, 2000; 2008). No V Congresso Mundial das Áreas Naturais Prote gidas, realizado em Durban em 2003, uma representação dos povos indígenas faz uma crítica contra a destruição dos seus espaços tradicionais (IUCN, 2008).

• paisagem organicamente evoluída: resultante de imperativo social, econômi co ou religioso, que desenvolveu sua forma em resposta ao ambiente natural;

1.2 O reconhecimento do valor espiritual como patrimônio Instituições culturais do mundo contemporâneo, lideradas pela UNESCO e seus órgãos consultivos IUCN e ICOMOS, defendem o valor da paisagem como um patrimônio da humanidade, inspirando-se no conceito científico de paisagem cultural, desenvolvido por Otto Schlüter e Carl Sauer. A proteção das obras con jugadas do homem e da natureza é primeiramente mencionada na “Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Natural e Cultural» (UNESCO, 1972).

Neste congresso aprovam-se recomendações para integrar os valores culturais e espirituais no planejamento e na gestão das áreas protegidas.

Nesta lista, as relações com a fé podem ser observadas como marcas recor rentes: todas as três categorias fazem referências aos valores religiosos, destacando-os por suas características materiais ou imateriais. A paisagem cul tural associativa pode ser exemplificada por uma montanha sagrada, à qual uma determinada sociedade atribui algum significado espiritual ou religioso (Figura 15), mesmo que nesta montanha não existam artefatos físicos como templos ou relíquias – o que evidencia o valor imaterial do espaço livre e da paisagem, em sua forma plena.

Entre outras manifestações imateriais, o valor espiritual é reconhecido na “Con venção do Patrimônio Cultural Imaterial”, que define o patrimônio imaterial como “[...] as práticas, representações, expressões, conhecimentos, habilidades – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhe estão associados – que as comunidades [...] reconhecem como parte do seu patrimô nio cultural”, que se manifestam em particular nos campos das “práticas sociais, rituais e atos festivos” e dos “conhecimentos [...] relacionados à natureza e ao universo” (UNESCO, 2003, Art. 2, tradução do autor).

Figura 16 – Parque Nacional Tongariro, na Nova Zelandia, primeiro lugar inscrito na Lista do Patrimônio Mundial como paisagem cultural, por causa do seu significado espiritual para os Maori. Fonte: UNESCO, 2015.

45Essa44 associação do ritual com o espaço físico institui um binômio que demonstra a estreita simbiose entre eles, ressaltando a importância de integrar as dimen sões materiais e imateriais, e inspirando-nos a considerar os espaços livres im portantes para os rituais temporariamente promovidos pelas religiões.

No Brasil, o interesse pela paisagem como um bem patrimonial já existe na insti tucionalização da preservação no patrimônio em 1937, manifesta na criação do Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico (BRASIL, 1937). No en tanto, só recentemente são adotadas medidas mais específicas e efetivas. O Ins tituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) ratifica a Convenção do Patrimônio Cultural Imaterial em 2006. E o Decreto nº 3.551 institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial (BRASIL, 2000).

A Portaria nº 127 cria a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira (IPHAN, 2009), instrumento para proteção patrimonial e gestão territorial, que visa destacar al guma porção peculiar do território nacional, representativa da interação do ho mem com o meio natural, à qual a vida humana atribui valores. A publicação da Carta Brasileira da Paisagem (ABAP, 2012) também pode deflagrar novas medi das protetoras. Mas, apesar do surgimento desses novos instrumentos, quando comparado a outros países, ainda são recentes no Brasil as políticas públicas vol tadas para a gestão e a preservação da paisagem que contemplem seus valores intangíveis. Podemos afirmar que estas iniciativas institucionais são incipientes no Espírito Santo, enquanto algumas iniciativas na Europa (na Inglaterra e na Catalunha) utilizam metodologias inovadoras, testadas em promissoras políticas públicas relacionadas aos valores integrais da paisagem.

Se é na conectividade homem-espaço que encontramos o significado da exis tência, questões relacionadas ao lugar e à paisagem também são questões afei tas à espiritualidade; portanto, não podemos ignorar o contexto material em que a alteridade de Deus é apreendida por nós (LANE, 1988).

O reconhecimento dos valores espirituais é, pois, uma iniciativa fundamental para proteger algumas paisagens e seus espaços livres. A resiliência da lógica sagrada é evidente: ao lado dos artefatos do desenvolvimento, surgidos em dé cadas recentes, as relíquias e as cerimônias do sagrado persistem bravamente, revisitadas por séculos incontáveis. Estes valores intangíveis, espirituais, são rele vantes a ponto de rivalizarem, em muitos casos, com os valores tangíveis, prag máticos, se forem convertidos em atrações turísticas de relevância cultural –muitas vezes, com maior relevância econômica, e financeiramente mais rentáveis.

A irara seguiu-lhe no encalço e chegou quase ao mesmo tempo que o beija-flor à água, que se achava na concavidade de um rochedo.

Neste mito indígena – relatado ao etnógrafo alemão Curt Nimuendajú (1986) por Raulino e Hamát, Botocudos do Espírito Santo e Minas gerais – o embate entre o beija-flor e a irara origina os rios e os córregos, revelando os mistérios da água. Esta interpretação fenomenal dos elementos físicos da natureza alinha-se com o ponto vista da médiance apresentado por Berque (2000b), que é uma ressignificação espacial: é em primeiro lugar no espaço, interpretado como paisagem, que se exprime a relação de uma sociedade ao seu ambiente.

Aresponderam-lhe.iraraofereceumel

Os outros também queriam ter água e encarregaram o mutum de seguir o beija-flor quando este fosse ao banho. O beija-flor, porém, era tão rápido que aquele logo o perdeu de vista. De uma feita, todos estavam reunidos e fazendo fogo. Por último, chegou a irara, que se demorou porque estava tirando mel. Pediu com voz baixa: “Dá-me água!” “Aqui não há água!”,

4746 2

TEÓRICO-METODOLÓGICOREFERENCIAL

A princípio o único ser que possuía água na Terra era o beija-flor (holokeyún); todos os outros só bebiam mel. O beija-flor banhava-se todos os dias.

ao beija-flor em troca de água, mas este não aceitou a proposta. Enquanto todos ainda estavam rodeando o fogo, o beija-flor disse: “Vou banhar-me!” e partiu.

O beija-flor saltou n’água, e a irara, imediatamente atrás dele, espalhou a água em todas as direções, formando, assim, os rios e os córregos. Curt Nimuendaju (1986)

Nossa abordagem baseia-se no ponto de vista da médiance3: complexo “ao mes mo tempo subjetivo e objetivo, físico e fenomenal, ecológico e simbólico” (BER QUE, 2000b, p. 32). O termo é inspirado no conceito fûdosei, do filósofo japonês Tetsurō Watsuji – por sua vez, baseado em “Ser e tempo”, de Heiddeger – explo rando a complexidade do “ser no mundo”. É na conectividade espacial da vida humana que se adquire mais profundamente a consciência do significado da existência. O conceito de Berque ultrapassa a ótica positivista, ao postular que fatos são impregnados de valores, e valores, de fatos. Assim, “[...] entrar numa mediação comporta uma parte de subjetividade, não somente na realidade ob servada, mas também, no próprio observador” (BERQUE, 2000b, p. 32). E este processo acaba subvertendo um delicado tabu que permeia toda pesquisa em ciências sociais aplicadas: o da imparcialidade científica.

O referencial teórico-metodológico desta pesquisa é apresentado em duas ver tentes: os estudos teóricos, que balizam nossas categorias de análise, e as técni cas de mapeamento de valores intangíveis, oriundas de políticas de gestão da paisagem. Finalizamos com a metodologia para revelar e mapear nossa meta paisagem espiritual, direcionando para a aplicação no caso de estudo.

49Desvelar48

Figura 17 – Garças se recolhem no manguezal do Benvente ao entardecer. Fonte: autor, 2016.

O ponto de vista da médiance procura integrar transformações subjetivas, feno menais (ressignificações, metáforas) com transformações objetivas, físicas (me tabolismos, ciclos ecológicos, etc.) que contribuem para dar ao meio um sentido unitário (BERQUE, 2000b). Isto significa rejeitar, tanto as interpretações que re duzem a natureza a uma representação do sujeito, como aquelas que reduzem o sujeito às determinações da natureza, pois nos interessam exatamente as rela ções e as fusões entre elas. Para caracterizar estas relações, Berque propõe o ter mo trajeção – outro neologismo, inspirado na fenomenologia de Gilbert Durant e na psicologia de Jean Piaget – considerando que as representações do sujeito são construídas pelas acomodações com o objeto.

[...] Ela só faz sentido em termos mesológicos, na medida em que a trajeção opera uma passagem incessante do sensível ao factual, e vice-versa (BER QUE, 2000b, p. 44, tradução do autor).

A história das culturas e das formações sociais é ininteligível, exceto em relação a uma história de orientações de valor, ideais de valor, respostas de valor e julgamentos de valor, e suas objetivações, interações e transfor mações. E não é exagero afirmar que os oceanos e continentes de valor, embora muito percorridos, permanecem quase inteiramente inexplorados, e de alguma maneira adequados às contingências dos itinerários pós-mo dernos (FEKETE, 1988, p. i, tradução do autor).

é o primeiro passo para preservar a metapaisagem.

A paisagem é a “dimensão sensível e simbólica de um meio” (BERQUE, 2000b, p. 48), plena de ressignificações. Para compreendê-la, é necessário racionali zar a sensibilidade, sensibilizar a razão. E, na construção desta realidade, ne nhum aspecto da vida humana escapa do valor, da valorização, da validação.

“As orientações de valor e as relações de valor saturam nossas experiências e práticas da vida”, observa Fekete (1988, p. i), e isso ocorre “desde as mais pequenas microestruturas estabelecidas de sentimento, pensamento e com portamento, até às maiores macroestruturas estabelecidas de organizações e instituições”:

3 O termo médiance é um neologismo proposto por Berque, compreendido aqui como mediação.

É neste sentido que a paisagem pode ser vista como uma matriz-impressa.

Em “Landscape and memory”, Schama (1996) nos lembra que, antes de ser um repouso para os sentidos, a paisagem é o trabalho da mente, e seu cenário é construído tanto por camadas de rocha como partir de estratos da memória – e estes, concluímos, são cruciais na constituição da espiritualidade. É a tradição herdada que faz da paisagem algo além de geologia e vegetação:

O passado tangível é alterado principalmente para fazer a história em con formidade com a memória. A memória não só conserva o passado, mas ajusta sua utilização para necessidades atuais (LOWENTHAL, 1975, p. 27, tradução do autor).

O autor propõe uma escavação abaixo do nível convencional para recuperar as expressões do mito. Como exemplo, menciona a aparição da Virgem em uma árvore antiga: atrás da lenda estão séculos de tradições preservadas por francis canos e jesuítas, em uma árvore cuja renovação da folhagem simboliza a Ressur reição; e atrás desta estão ainda antigos mitos pagãos, que descrevem árvores velhas como túmulos de deuses que aguardam um novo ciclo de vida. Assim, descobrir a aura etérea de uma paisagem é “tomar ciência dos mitos essenciais, ainda resistentes sob a cobertura superficial do contemporâneo” (SCHAMA, 1996, p. 14). Nessa busca, o autor se coloca como um prospector que tropeça em algo saliente, e seu percurso é seguir os passos dos historiadores, guardiões da memória da paisagem, curadores de uma tradição.

A história muitas vezes incorpora ideais nacionais, e a paisagem serve a tais pro pósitos com grande eficiência (LOWENTHAL, 1985) – por vezes, mais acessível do que o livro. A celebração do passado (patrimônio), pode alterar a noção do pas sado (história) com base no interesse atual (LOWENTHAL, 1996), por exemplo, na consolidação da identidade religiosa de um espaço livre.

Os cultos que somos levados a procurar em outras culturas nativas – da flo resta primitiva, do rio da vida, da montanha sagrada – estão de fato vivos, presentes, e bem ao nosso redor, se apenas soubermos onde procurar por eles (SCHAMA, 1996, p. 14, tradução do ator).

A construção da realidade pela trajeção entre o sensível e o factual tangencia o imaginário, entendido como o trajeto em que a representação do objeto se deixa assimilar e moldar pelos imperativos instintivos do sujeito. A con tribuição de Berque aponta para uma aproximação ao intangível, legitima o respeito, tanto ao relato histórico tanto quanto ao mito religioso ou ao lendário da espiritualidade; em suma, confirma a aliança entre história e lite ratura, que desempenham papéis especiais nos percursos de Farah (2008) e Pesavento (2002).

A história é fundamental para revelar nosso passado e construir nossa identi dade. Segundo Lowenthal (1985), história, memória e relíquia são as três vias que lançam luz sobre o passado. As relíquias, sobrevivências tangíveis de outros tempos, fornecem um imediatismo vívido para nos garantir que realmente hou ve um passado. Entretanto, esses restos físicos também servem para a interpre tação ou a invenção de uma nova narrativa histórica e mnemônica:

A memória também tem importância neste processo. Halbwachs (1935) fala da importância da “memória coletiva”, que influencia a memória individual pelos quadros sociais que a determinam. Nora (1984, p. xxiv) trata especificamente dos “lugares de memória”, que são, antes de tudo, restos; e entre eles estão alguns de nosso interesse, na escala da paisagem: monumentos, santuários, cemitérios, “marcos testemunhais de uma outra era, das ilusões da eternidade”, aproximan do-se da noção de “relíquias” delineada por Lowenthal.

51Para50

desvelar o valor espiritual da paisagem, um caminho consiste em conside rar as pessoas e suas obras como compostas de realismo, crença e fantasia. A abordagem de Berque associa os fatos e a compreensão dos fatos. Esta ótica nos conduz à aproximação de registros (factuais) e relatos (fenomenais), que leva à opção metodológica de associar história e literatura.

53Farah52 (2008, p. 19) lembra que uma maior atenção tem sido dispensada aos sig nificados profundos da paisagem, que reforçam seus elos afetivos com os cida dãos: “os sentidos que contribuem para uma integradora criação do humano en volvem aspectos religiosos, emocionais, espirituais, simbólicos e afetivos”, que se revelam “de forma subjetiva, às vezes não claramente compreendida”. Seu per curso metodológico parte, então, da análise de documentos poéticos oriundos da literatura, poesia, fotografia e criação visual.

A partir desta interação sensível-factual, organizamos os referenciais teóricos desta pesquisa em três categorias de análise, que se revelam prementes no es tudo da metapaisagem:

“As palavras têm o poder geral de trazer à luz experiências que se encontram na sombra ou se refugiam nela, e o poder específico de chamar lugares à existência” (TUAN, 1991, p. 686, tradução do autor). A conversão do espaço indiferenciado em um lugar especial sempre ocorre desde o primeiro ato ritual de posse pelo homem, que inclui a Talveznomeação.atémaisimportante

• a identidade cultural, propulsora das manifestações espirituais e religiosas; e • os valores polarizados, essenciais na espacialização do sagrado.

Embora o ato de nomeação, pelo conquistador, seja feito para estabelecer uma posse política, oficial, este ato possui um “significado religioso-batismal”, como observa Tuan (1991) – o que é claramente evidenciado pela realização de uma cerimônia religiosa no lugar. Os exploradores também presumem o direito de nomear as características geográficas das terras que “descobrem”, fazendo ho menagens ou referências aos seus lugares de origem.

Pesavento (2002) utiliza as representações literárias como meios de acesso ao passado, percebendo, nas metáforas contidas nas suas profundezas, as sensibili dades de uma época. Para a autora, ao descrever o universo urbano, a Literatura condensa a experiência do vivido na expressão de uma sensibilidade feita texto. Essa estratégia de abordagem teórico-metodológica conduz a um aprofunda mento das relações entre história e literatura.

Nomear é tomar posse. Espanhóis e portugueses, ao conquistar novos territórios, tomam posse deles em nome de Jesus Cristo, afirma Eliade (1959, p. 32, tradução do autor): “a elevação da cruz equivale a consagrar o país, e consequen temente, de algum modo, a um novo nascimento”, pois por meio de Cristo as coisas antigas passam e todas as coisas se tornam novas; assim as terras recente mente descobertas são “renovadas” e “recriadas” pela cruz.

2.1.1 A toponímia como atribuição de valor ao espaço

Um aspecto relevante, no tocante ao poder da toponímia, refere-se à mudança do nome de um lugar, que equivale a um novo batismo: “[...] o novo nome em si tem o poder de eliminar o passado e chamar o novo. Nomear é poder – o poder criativo de fazer algo existir, traduzir o invisível, transmitir um certo caráter às coisas” (TUAN, 1991, p. 668, tradução do autor).

Este processo de reinterpretação evidencia o significado de um lugar, físico, real, como “[...] resultado de um processo histórico e social, construído ao longo do tempo por grandes e pequenos acontecimentos” (TUAN, 1991, p. 692, tradução do autor). E estes acontecimentos desaparecem rapidamente nas memórias co letivas se não forem recriados em palavras, de preferência palavras escritas, que persistem e têm uma certa visibilidade pública.

2.1 Categorias de análise

• a identificação toponímica, viés para desvendar o discurso sobre o lugar;

é o poder metafórico da linguagem – a forma como as palavras individuais e, mais ainda, as orações e as unidades maio res transmitem emoção e personalidade e, portanto, visibilidade, aos obje tos e aos lugares (TUAN, 1991, p. 685, tradução do autor).

Segundo García e Borobio (2013), o estudo da toponímia nos dá conta, não só do simples nome de um lugar, mas de outro fator muito mais importante: o valor social daquele espaço e a sua utilização. E, quando o topônimo faz referência à herança religiosa de uma sociedade, é relevante como este procura afirmar e divulgar explicitamente o valor religioso daquele lugar.

55A54nomeação

A nomeação também significa uma apropriação social; um topônimo é uma referência simbólica e nos traz uma imagem, como observa Lucia Costa (1997, p. 91): “[...] o ato de nomear lugares não é apenas uma forma de identificação, mas possui também um significado simbólico de apropriação sobre lugares públicos”. Assim, independentemente da intenção contida em uma nomea ção oficial, cabe analisar a concordância dos estratos sociais, na aceitação ou mesmo na resistência em pronunciar aquele nome, muitas vezes, adicionan do variações populares.

A identidade totalmente unificada, completa, segura e coerente é uma fan tasia. Em vez disso, como os sistemas de significação e representação cul tural se multiplicam, somos confrontados com uma desconcertante e fugaz multiplicidade de identidades possíveis, com as quais nós poderíamos nos identificar (HALL, 1996, p. 598, tradução do autor).

2.1.2 Atuação das identidades culturais

Em síntese, a análise da toponímia pode contribuir para desvelar os valores es pirituais e religiosos, na medida em que permite descobrir a intenção oficial, o discurso linguístico e a aceitação social que estão por trás da nomeação, bem como da renomeação, de um lugar norteado pelo sagrado – como ocorre em nosso caso de estudo – revelando a hegemonia de uma religião.

de espaços sagrados procura interligar céu e terra, instituindo uma “natureza binária” do topônimo. A função essencial dos espaços consagrados torna-se evidente nesta natureza binária, que, de tão comum, pode passar des percebida, como assinala Mallarach (2013): o nome compreende sempre uma parte que se refere ao polo terreno, e uma outra, ao polo celestial, como convém a sua vocação religiosa, no sentido etimológico da palavra, ou seja, “religar” dois mundos – por exemplo, Nossa Senhora de Fátima (da cidade) e Nossa Senhora da Penha (do penhasco). A religiosidade adquire um sentido de implorar uma intervenção divina, pois consagrar a um santo significa requisitar sua proteção.

A identidade cultural de uma sociedade se expressa também na espiritualidade, que influencia na construção de uma individualidade territorial. Essa questão requer, portanto, compreender a identidade, ou o conjunto de identidades cul turais e individualidades territoriais, que se imprimem nos espaços.

No que tange à identidade cultural, é necessário pontuar que os países ame ricanos são marcados por diáspora e dominação, que acarretam o hibridis mo (HALL, 1990), onde diferentes etnias (índio, europeu, africano) formam uma população heterogênea. Mas a força niveladora da dominação colonial desloca a cultura dos povos conquistados: a marginalização dos índios e a escravização dos africanos são fatores que contribuem para o processo de “obliteração cultural” (FANON, 1963), que institucionaliza uma religião e re pudia as Segundodemais.Hall(1996, p. 598, tradução do autor), na era moderna a identida de cultural preenche a lacuna entre os mundos pessoal e público, tornando o sujeito mais unificado, estável, previsível; mas este conceito entra em cri se no processo de globalização da contemporaneidade: o sujeito torna-se “fragmentado, composto de várias identidades, por vezes contraditórias ou Esteindefinidas”.processo produz um indivíduo sem nenhuma identidade fixa, essencial, permanente. Sua identidade cultural se transforma continuamente: “é definida historicamente, não biologicamente” (HALL, 1996, p. 598). Desta forma, o sujeito pode assumir identificações diferentes em momentos diferentes:

• valores e elementos espirituais agrupam lugares considerados mágicos que podem ou não ter elementos religiosos. Também incluem santuários ou tem plos de civilizações passadas, abandonados ou que não têm sua funcionalida de original, mas mantêm valores espirituais reconhecidos que possam ser recu perados ou revitalizados;

Segundo Eliade (1959, p. 14, tradução do autor) “[...] sagrado e profano são dois modos de ser no mundo, duas situações existenciais assumidas pelo ho mem no curso de sua história”. A consagração diferencia o sagrado do pro

57Com56

A religião não deve ser confundida com as instituições eclesiásticas que apenas incorporam; ela é, acima de tudo, um sistema de sentimentos e re presentações coletivas. Mas esses sentimentos e representações coletivas não constituem um mundo à parte; eles sofrem a influência da estrutura social, eles se transformam com ela (BASTIDE, 1945, p. 5, tradução do autor).

Assim, enquanto o valor espiritual é alinhado com a busca de significado para a existência por meios que transcendem o mundo material, o valor religioso é as sociado à conexão com uma ordem superior intermediado por alguma religião – no sentido etimológico, na intenção de “religar-se” ao mundo imaterial.

2.1.3 Os valores polarizados na consagração dos espaços livres Mencionando os primeiros versos do Gênesis, Tuan (2013) demonstra como luz e escuridão atuam na interpretação das paisagens norteadas pela espiritualida de cristã. O autor trata dos valores atribuídos aos ambientes da Terra (mares, florestas, montanhas) pelos tipos humanos produzidos pela civilização (esteta, herói e santo). Assim se ativam os significados espirituais, dotando alguns espa ços sagrados daquilo que consideramos como valores.

No processo de hibridismo cultural, surge uma diversidade de valores, que se traduzem em elementos espirituais ou religiosos. Mallarach, Comas e Armas (2012, p. 30) propõem uma diferenciação entre eles:

Para desvelar os valores espirituais, com a contribuição da análise das identi dades culturais, cabe reconhecer como os grupos sociais interferem nas con figurações dos espaços livres, eventualmente norteados pelas especificidades das religiões.

Uma importante questão diz respeito ao papel do espaço sagrado na constru ção de uma comunidade, com objetivos comuns, vidas compartilhadas e ações coletivas. Templos também são vistos como centros sociais onde os fiéis se re únem, não apenas para rezar, mas também para realizar atividades comunitá rias. Assim, o valor religioso adquire um sentido de pertencer a uma comuni dade (KONG, 2007), através dos rituais realizados nos espaços livres. E todas as atividades organizadas pela comunidade revelam outros sentidos importantes, como reafirmar a crença no sagrado, com peregrinações e romarias, e agradecer a fartura da terra, com festas e celebrações.

a diversidade de etnias, uma religião (Catolicismo, Candomblé) passa por processos de aceitação e interpretação pelos grupos sociais. Alguma instituição governamental pode recorrer a uma herança religiosa, e com ela, ao legado dos seus santos e figuras eminentes, para reconhecer os lugares sagrados. Neste processo, o discurso sobre um lugar sagrado ancora-se na realidade, mas pode reinventar esta realidade, no intento de construir uma memória nacional.

• valores e elementos religiosos abrangem elementos da religiosidade popular, ligados a santuários (com rituais, cerimônias e romarias), importantes para a identidade da comunidade e a estima pelo espaço. Também incluem elementos da herança religio sa institucional que permanecem funcionais, com toda a sua herança religiosa viva.

Etnias e identidades culturais, com suas distintas manifestações religiosas, tra zem contribuições para a paisagem, na configurações dos espaços sagrados. Mas, no Brasil, a hegemonia da religião católica por vezes impõe a perseguição das religiões afro-brasileiras. Diante da perseguição, uma alternativa é o sincre tismo, quando símbolos, relíquias e rituais se fundem indistintamente. Como observa Bastide, este é um processo nitidamente moldado pelos arranjos sociais:

no espaço e no tempo. O espaço sagrado imediatamente estabelece um entorno não sagrado, ou seja, profano; e da mesma forma ocorre com o tempo, com os eventos santos. Nesta delimitação atuam os valores binários, que reforçam os atributos espaciais interpretados como imanentes de uma Luzdivindade.eescuridão surgem como antitéticos no Gênesis, onde a luz é sinalizada como “boa” e escuridão permanece fora do domínio de Deus. “Deus é Luz ou, para dizer o contrário, Luz é Deus. No mundo humano, a luz é iluminação inte lectual ou iluminação espiritual. [...] no cristianismo a luz adquire um significado simbólico ricamente variado” (TUAN, 2013, p. 11, tradução do autor). Humanos preferem a luz contra a escuridão por serem primariamente “animais visuais”, pois, na escuridão, ficam desorientados, perdidos.

Alto e baixo também são fortemente carregados. “A cultura pode ser relacionada com as noções de ‘baixo’ e ‘alto’: ‘baixo’ é do corpo e da terra; ‘alto’ é da mente e do céu” (TUAN, 2013, p. 17, tradução do autor). A religiosidade adquire um senti do de reverenciar o sagrado, estando no entorno abaixo e olhando para o centro alto (força centrífuga), como também, perceber uma ordem superior, estando no centro alto e olhando para o entorno baixo (força centrípeta).

O mar tem significados ambíguos. No Cristianismo, o mar permanece fora do domínio de Deus: o oceano tem redemoinhos, que na imaginação humana, são transformados em monstros (TUAN, 2013). Surpreendentemente, a ima ginação perdura até o século XIX, quando o tamanho do oceano é melhor dimensionado, e ainda assim ele é mais assustador, em sua profundidade, escu ridão e frieza. Mas, além de monstros, o mar tem peixes, que proporcionam a subsistência do homem desde tempos primordiais, na luta pela sobrevivência, pelo alimento.

Sobre a montanha, o Novo Testamento deixa uma mensagem ambígua: por um lado, o diabo tenta Jesus levando-o às alturas de um monte; mas, por outro lado, é em uma montanha que Jesus revela sua natureza divina (TUAN, 2013). O Cris tianismo ocidental tem seus montes sagrados, correlacionando-os com a tradi ção, a história e a simbologia cristãs.

A floresta também motiva diferentes atitudes humanas. Por milhares de anos, os agricultores a vêem como ameaça; apesar de oferecer lenha, madeira e caça, é domínio de homens selvagens, animais perigosos e espíritos malignos. Se a floresta temperada é assustadora, para o europeu que aqui chega, a floresta tro pical lhe parece muito mais, com árvores atravessadas por cipós, bloqueando a visão em todas as direções (TUAN, 2013). Estes pontos de vista, com séculos de experiência, explicam porque as matas são vistas como obstáculos ao progresso. Somente a partir do século XIX – com as expedições dos geógrafos, botânicos e naturalistas –, os homens passam a ver as florestas como ambientes vitais ou paisagens belas, a serem pesquisadas, protegidas e restauradas.

59fano,58

Assim ocorre com caos e ordem: a ordem celeste é trazida à Terra pelos huma nos na forma das “cidades geométricas”, com muros e edifícios alinhados com os pontos cardeais, ou seja, em posições críticas no movimento do sol (TUAN, 2013). Como também desceve Campos (2014), os primeiros templos do Cristianismo são orientados de acordo com o Tabernáculo, um modelo utilizado pelo povo Hebreu durante sua peregrinação pelo Sinai em busca da Canaã, a terra prometida. A geometria do templo, dada diretamente por Deus a Moisés, preco niza o altar a Oeste, com a entrada a Leste – orientação comum na arquitetura sagrada cristã – assegurando que a estrutura do santuário esteja diretamente integrada aos fenômenos cósmicos: o nascer e o pôr do sol.

O valor religioso tem um sentido de encontrar Deus na sua criação, observa Tuan (1989, p. 236): uma beleza sensível nos leva a algo mais importante. A superfície pode esconder uma beleza subjacente de natureza espiritual ou religiosa, per mitindo entrar em contato com uma ordem superior, na experiência de vislum brar a criação divina – no mar, na floresta, na montanha.

A espiritualidade aparece com evidências sutis na pesquisa; muitas vezes pre sentida no contato com uma natureza sublime, que parecem estabelecer uma conexão com outra presença (Figura 18). Rochas gigantescas e altas montanhas, em diferentes culturas, parecem desafiar o tempo exíguo da existência humana, evidenciando nossa limitação diante de uma ordem superior.

Em “Reptes en la cartografia del paisatge” (NOGUÉ et al., 2013) vários autores abor dam os desafios da cartografia da paisagem no momento de capturar os valores intangíveis. Estas reflexões atraem nosso interesse, não somente por retratar a consciência pública sobre os valores intangíveis, mas também por aplicar os re sultados em inovadoras políticas para sua proteção. Entre os estudos, alguns se demonstram de especial relevância para nossa pesquisa, notadamente devido às configurações desta cartografia do invisível.

não deve ser entendido apenas em termos de ambientes, espaços e lugares, mas também em termos de rotas, compreendidas como confirma ções da crença. Alguns estudos ilustram isso, enfocando os significados das apropriações oficiais e espontâneas nas rotas de peregrinação (que trans cendem os lugares) tendo, como referência maior, o caminho de Santiago de

2.2 Técnicas de mapeamento do invisível

Fonte: Natural England, 2009, p. 34.

61O60sagrado

O estudo dos valores polarizados contribui para desvelar os significados espiri tuais e religiosos, ao destacar os atributos essenciais e universais que norteiam a consagração dos espaços livres, correlacionando nossas experiências com as tradições, histórias, relíquias e símbolos religiosos.

Na Inglaterra, o órgão executivo Natural England encomenda a pesquisa social qualitativa “Experiencing landscapes” (NATURAL ENGLAND, 2009) para fornecer evidências dos serviços culturais que as paisagens proporcionam. Oito serviços culturais são examinados: sentido de história; sentido de lugar (identidade), ins piração, tranquilidade, espiritualidade, aprendizado e escapismo. Como obser vado no relatório desta pesquisa, estes oito serviços fornecem um roteiro inicial para discussões, sem serem considerados definitivos.

Paradoxalmente,Compostela.

o lugar sagrado conduz à busca por um centro idealizado para o encontro divino, mas também pode aflorar a consciência de que Deus não se limita a um único local (LANE, 1988). Isso leva a duas orientações espaciais, loca tiva e utópica: a primeira é fixa e requer a manutenção do lugar em um esquema maior de espaços e ambientes; e a última é ilimitada e não ajustada a um local em particular. Assim como Lane (1988), Tuan e Strawn (2010) fazem uma reflexão desafiadora: a religião é uma busca perene por segurança, certeza e elevação espiritual, orientada no lugar, com práticas culturais particulares; mas, no seu alcance maior, a religião se move em direção ao universal. Essa “deslocalização” seria a marca definitiva da experiência religiosa.

Na Catalunha, algumas experiências no campo da proteção paisagística estão entre as mais inovadoras em âmbito mundial. Em 2000, o Parlamento da Catalu nha aprova a Lei de Proteção, Gestão e Planejamento da Paisagem e desenvolve diversos instrumentos para sua aplicação. Também cria o Observatório da Pai sagem, um órgão consultivo para a administração, cujo objetivo é sensibilizar a sociedade em relação à questão (NOGUÉ et al., 2010).

Figura 18 – Formações rochosas, que se apresentam como feitas por Deus, são associadas ao sentimento de espiritualidade pelos participantes da pesquisa. Foto: Charlie Hedley.

A cosmologia cristã consagra locais ou rotas de peregrinações, ligados às apa rições da Virgem, dos anjos ou dos santos, e relacionados à vida ou à morte de pessoas eminentes (MALLARACH, 2013). Neste sentido, uma rota de peregrina ção territorializa a religiosidade em lógica de rede, demonstrando como a cele bração no tempo ativa a consagração das trilhas, atingindo uma escala territorial.

e Borobio (2013) abordam a costa da Galícia, na Costa da Morte, onde os elementos espirituais e simbólicos são pesquisados e mapeados. Um aspecto relevante do trabalho é a valorização da geomorfologia, para elaborar os mapas dos valores intangíveis no complicado ambiente montanha-mar, que dá origem aos lugares mais singulares da região. Esta junção geográfica-poética nos inspira ao aliar os elementos materiais do ambiente aos valores imateriais.

2.3 Metodologia para revelar e mapear nossa metapaisagem Reconhecer o imaterial, interligado ao material, requer uma análise dos fluxos de trajeção, no sentido de compreender a oscilação de fatores factuais e sensíveis. A trajeção condiciona a construção social dos significados, em um contexto es pacial sob a ação temporal – significados que, reconhecidos, transformam-se em valores. Assim, nosso estudo da metapaisagem procura revelar fatores tangíveis e intangíveis e as relações entre eles em uma leitura integrada. Procuramos atin gir este objetivo com a adoção do ponto de vista da médiance (BERQUE, 2000b), um óculos multifocal que transita entre a ótica do cientista e a do poeta.

63García62

Segundo os autores, na Costa da Morte o mar permeia desde a economia até a etnografia, passando pela oração, a vida e a morte. Por esta razão, todos os anos encena-se a simbiose entre o mar e a terra, trazendo em procissão as imagens dos santos do lugar. No sentido de ancorar a relação mística e emocional, ela bora-se uma cartografia das paisagens espirituais mediante a demarcação dos itinerários e cenários das procissões. O objetivo é vincular os espaços à sublima ção, marcando as paisagens que são vislumbradas nas procissões (Figura 19), onde se reafirmam a crença no sagrado e o pertencimento à comunidade.

Mallarach (2013, p. 137) destaca como o patrimônio espiritual fornece inteligi bilidade na leitura de santuários, imprimindo significado na dimensão espacial. O calendário litúrgico tem uma função similar na dimensão temporal, pois “[...] assinala os dias qualitativamente diferenciados, santos ou sagrados, que pontu am o fluxo cíclico e amorfo do ciclo contínuo do tempo”. Em lugares marcados pela herança cristã, como é nosso caso de estudo, o valor religioso adquire um sentido maior nessa conjunção espacial-temporal:

A combinação do espaço e do tempo sagrados, através de rituais ou ceri mônias nos locais ou espaços santos, perpetua ou revigora a dimensão ou presença espiritual, e faz com que seja possível estabelecer, ou restabele cer, o contato com essa origem (transcendente ou imanente) que dá sen tido à existência. Da mesma forma, a dimensão eterna do tempo atravessa os ritmos cíclicos temporários como o fio atravessa as contas do rosário. As práticas de contemplação, oração, meditação, os cantos e as danças sagra das que foram repetidos nos locais consagrados, durante séculos, têm ati vado ou reforçado as propriedades espirituais destes locais (MALLARACH, 2013, p. 138, tradução do autor).

Figura 19 – Mapeamento dos cenários das romarias da área de Ponteceso (em manchas rosas), com o objetivo de vincular essas paisagens ao estudo de visibilidade, no sentido de delimitar o cenário das procissões. Fonte: García; Borobio, 2013, p. 116.

Essencialmente,64

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a mediação visa progredir “[...] na compreensão da relação das sociedades com o espaço e a natureza” (BERQUE, 2000b, p. 28). A traje ção, que opera uma incessante passagem do sensível ao factual, faz-se pre sente na ressignificação espiritual e religiosa, evidenciando-se nas cosmo gonias, nos mitos de origem do mundo e dos seres viventes, nas lendas das águas que brotam por obra divina, inundando as mitologias indígena, cristã e Comoafricana.viés

Cascudo valoriza a lenda como uma “explicação lírica” para fato histórico ou acidente natural: elas justificam aspectos curiosos de serras, estranhezas em pedras e tortuosidades de árvores centenárias, sugestivos à imaginação. Car tas entre Câmara Cascudo e Maria Stella de Novaes revelam um embate so bre a lenda do Frade e a Freira: enquanto Cascudo fala do romance com uma freira, Novaes descreve o amor a uma índia, para não incidir no anacronismo. Notabiliza-se a versão da freira, contada até os dias atuais: o duplo tabu é mais sedutor.

para integrar fatores factuais e sensíveis, associamos História e Litera tura, em consonância com Pesavento (2002) e Farah (2008), para desvelar ações e intenções humanas. Presumivelmente, enquanto fontes históricas trazem a re alidade factual, obras literárias aproximam a realidade fenomenal, o imaginário da paisagem; mas logo vemos que seus limites são fugidios. Esta visão nos leva a associar estas categorias – relatórios e romances, anuários e lendas – no sentido de aflorar a dupla realidade factual-fenomenal.

Na sua antologia, Novaes (1968) nos lembra como as lendas capixabas difundem poesia nas formações geológicas (O Frade e a Freira), relacionam-se às passa gens históricas (Sereia de Meaípe) ou religiosas (Poço de Anchieta), ao ciclo do ouro e ao martírio da escravidão. Assim ocorre com as obras literárias que rela tam os contatos entre etnias, como a poesia de Anchieta e o romance de Aranha, que permeiam os períodos estruturais da formação cultural.

O estudo da toponímia pretende descobrir os sentidos ocultos nos nomes, desvendar o reconhecimento dos valores espirituais a partir dos autores, fatos e relatos marcantes, nos três topônimos – Reritiba, Benevente e Anchieta –, que denotam uma ressignificação do lugar. Tem como referencial a força do topônimo como indício de valor, com base em Tuan (1989, 1991).

Revelada a importância da herança cristã, indígena e afro-braslieira na constru ção da identidade na área de estudo – conjunção singular no Espírito Santo – se lecionamos as categorias de análise em três eixos: a toponímia, a identidade e a polaridade, como indícios de uma espacialização da religiosidade.

“A linguagem é uma força que todos nós usamos, todos os dias, para construir, sustentar e destruir”, afirma Tuan (1991, p. 694), e essa força pode ser utilizada para ressignificar um lugar com seu nome, em camadas adicionais de história oral, história escrita, lendas, rumores, ensaios e poemas.

A lenda é uma fonte desafiadora, que transita nos fugidios limites histórico-lite rários, ao explicar os misteriosos detalhes da história e da geografia. Para Cascu do (1968), a lenda é uma “estória” que se localiza no tempo e no espaço, raramente original, plena de variações que lhe dão coloridos e nuances locais: No estudo das dispersões das lendas, nota-se justamente como elas procu ram a paisagem mais próxima da explicação sentimental que as criou. Um pesquisador sente a presença literária, a “invenção” intelectual, afastando da veracidade tipológica o verismo psicológico dos personagens (CASCU DO, 1968, p. 11).

Cabe valorizar a narrativa imbuída nas fontes, nas palavras de Lowenthal (1985, p. 224): “as pérolas mais cristalinas da narrativa histórica são frequentemente en contradas na ficção, desde sempre um componente importante do entendimen to histórico”. Ao falar do contato entre etnias, o romance de Graça Aranha (1904) faz um retrato da imigração no Espírito Santo.

Estes binários [atuam] na previsão e na experiência de ambientes grandio sos, desafiadores, tais como o planeta Terra com suas subdivisões naturais de montanha, oceano, floresta tropical, deserto e geleiras, e sua contrapar tida humana – a cidade (TUAN, 2013, p. 10, tradução do autor).

O estudo da identidade enfoca a relação entre a formação cultural da sociedade com a sua paisagem de atuação. A abordagem parte da compreensão da consti tuição étnica dos povos (índios, portugueses, africanos, italianos) com base nos processos de hibridismo, adaptação e identificação de Hall (1990, 1996), e suas reverberações nas comunidades contemporâneas:

Com essa estrutura metodológica, nossa busca pela metapaisagem enfoca valo res espirituais e religiosos que tangenciam outros importantes valores imateriais (históricos, identitários, folclóricos) e, por sua complementariedade, com eles se confundem, ou a eles se associam. Com olhos e braços bem abertos, e mente curiosa, seguimos à leitura da metapaisagem de Anchieta.

O estudo da polaridade questiona como valores essenciais binários atuam na estruturação dos espaços livres sagrados. A abordagem é inspirada na teoria dos valores polarizados proposta por Tuan (2013), identificando os atores que dife renciam as paisagens de litoral – mar, montanha e floresta – com interpretações divergentes ao longo do tempo.

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Para compreender a espiritualidade indígena, são relevantes os estudos etno gráficos de Ehrenreich (1886) e Métraux (1928, 1946), e a espiritualidade afro -brasileira, os de Bastide (1945, 1960). Os valores cristãos transbordam nas cartas de Anchieta (1560, 1584, 1585) e nas suas biografias, feitas por Rodrigues (1607), Vasconcellos (1672) e Cardoso (2014). É interessante notar como os biógrafos de Anchieta, em geral padres da Companhia de Jesus, imprimem uma forte tonali dade de misticismo em torno da sua personalidade. E, para analisar as relíquias sagradas, recorremos a estudos feitos sobre os aspectos patrimoniais: Carvalho (1982), Abreu (1998), Coelho e Dias (1998) e Najjar (2001).

o caso de estudo, as fontes abrangem as obras que falam da nomeação do lugar. Destacam-se os registros históricos de Vasconcellos, J. M. (1858), Mar ques (1878), Daemon (1879) e Cunha (2015). Os dicionários de Sampaio (1901) e Stradelli (1929) contribuem na tradução do Tupi, marcante na toponímia local – exemplificado em Itapemirim, Quitiba, Ubu e Iriri.

No caso de estudo, recorremos às fontes que abordam as etnias formadoras da identidade capixaba: Daemon (1879), Oliveira (1975), Grosselli (1987) e Fran ceschetto (2014a). Para compreender as etnias excluídas da historiografia, re corremos aos trabalhos de Maciel (1994), sobre os negros, e de Mattos (2006, 2009), sobre os índios. Os relatos dos viajantes do século XIX – Wied-Neuwied (1820), Saint-Hilaire (1833), Biard (1862) e von Bayern (1897) – são importan tes porque trazem o olhar do estrangeiro, mesclando fatos e interpretações.

As identidades culturais vêm de algum lugar, têm histórias. Mas, como tudo o que é histórico, sofrem constantes transformações. Longe de serem eter namente fixadas em algum passado essencializado, estão sujeitas ao “jogo” contínuo da história, da cultura e do poder (HALL, 1990, p. 225, tradução do autor).

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Atrás da colina que acabei de mencionar, eleva-se uma montanha arredondada, quase perpendicular e formada de uma rocha acinzentada em que mal se podem ver algumas plantas

Enfim,esparsas.em direção às costas da pastagem, estão os bosques verdes embelezados pelas Lecythis [sapucaias] com flores vermelhas e com troncos esguios. Esta paisagem bem variada empresta qualquer coisa de solene ao som dos ventos e ao barulho monótono das ondas do mar. Saint-Hilaire (1833)

Tupi-Guarani: Temiminós e Tupiniquins ocupam a maior parte do litoral, e no interior encontram-se Aymorés ao norte, e Puri-Coroados ao sul (ANCHIETA, 1554). Na língua dos Puris, Aghá significa “lugar de se ver Deus”, evidenciando uma qualificação sublime do monte por parte dos seus primeiros habitantes, também percebida por viajantes como Saint-Hilaire (1833).

O Monte Aghá (Figura 20) destacase desde sempre como um marco geográfico no litoral sul do Espírito Santo. No tempo das navegações, essa região é povoada por tribos do tronco

3

GÊNESE DA PAISAGEM DE ANCHIETA

As civilizações nativas não deixam uma literatura escrita, tornando mais difícil para nós compreendermos suas visões sobre o mundo. Hoje sabemos da crença em Tupã, figura central na mitologia Tupi-Guarani, o mensageiro de Nhanderu que se manifesta no som do trovão (MÉTRAUX, 1946). Mas os escritores do sécu lo XVI – André Thevet (1558), Pero de Magalhães Gândavo (1576), Jean de Léry (1578) e Fernão Cardim (1581) – não descrevem fielmente a cosmologia nativa, porque suas descrições do Novo Mundo são norteadas pela teologia cristã ou cauvinista. Com a chegada da Companhia de Jesus, a percepção da natureza do Brasil passa a ser norteada pela teologia cristã, no contexto da Contrarreforma.

[...] abalou as casas, arrebatou os telhados e derrubou as matas; árvores de colossal altura arrancou pelas raízes [...], de tal maneira que ficaram obstru ídas as estradas, e nenhuma passagem havia pelos bosques [...], e, se o Se nhor não tivesse abreviado aquele tempo, nada poderia resistir a tamanha violência e tudo cairia por terra (ANCHIETA, 1560, p. 104-105).

O Rio Benevente, que divide nossa área de estudo, estabelece uma narrativa da ocupação humana: atrai, em diferentes épocas, os indígenas, os colonizadores europeus e os imigrantes italianos, sevindo como fonte de sobrevivência e via navegável para as terras do interior. Outras formações hídricas importantes são as lagoas Mãe-Bá, Ubu, Tanharu, de grande beleza cênica, antigamente utiliza das para criação de peixes e alimentação dos habitantes. Os rios, as lagoas e o mar acentuam uma condição humana de limite, de fronteira, na relação terra-á gua. Longínquas perspectivas, do rio e do mar, levam a imaginação em direção ao infinito – ativando uma percepção da obra divina (Figura 21).

20 – Monte Aghá visto da área de estudo, no horizonte do litoral sul. Fonte: autor, 2016.

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O irmão José de Anchieta, que aqui chega no ano de 1553, ainda com 19 anos (VASCONCELLOS, S., 1672), aos poucos torna-se um ator fundamental na inter pretação e na divulgação dos mistérios da terra, ao impregnar de religiosidade seu relato descritivo da natureza. Na célebre Carta ao Padre Geral, escrita em São Vicente no ano de 1560, Anchieta relata a fúria do clima local como mani festação da força divina, ao descrever uma tempestade que se aproxima com tal violência, que parece “ameaçar-nos o Senhor com a destruição”:

Um relevo de morros e colinas costeiras, entremeados com planícies arenosas, marca a estrutura geomorfológica desta fração do litoral. As maiores extensões das planícies arenosas encontram-se na porção central, na bacia do Rio Bene vente. Os morros e colinas litorâneos apresentam altitude de até 460m, consti tuindo pontos marcantes na paisagem. Entre estes, destacam-se a Serra do Ita peroroma (a Oeste) e o Monte Urubu (a Leste), referenciais de localização para os pescadores e mirantes naturais que descortinam as visuais do entorno. Como observado no referencial, é nesses territórios ao alto, nos topos desses morros, que adquirimos a noção de uma ordem superior, de uma criação divina.

Esta passagem demonstra uma interpretação espiritual da natureza nativa, que se estende às descrições das plantas, dos animais e dos homens. Neste capítulo fazemos uma leitura da área de estudo, descortinando as visões do ambiente e da paisagem do litoral sul do Espírito Santo. Fazemos uma análise da constru ção social dos valores espirituais da paisagem, a partir dos relatos dos viajan tes, habitantes e historiadores da região. Mas as qualidades inspiradoras para a transcendência espiritual são encontradas primariamente na natureza, levando à trajeção dos ambientes do mar, da montanha, da floresta. Portanto, inicialmen te procede-se à descrição dos ambientes em estudo, seguindo-se da localização destes no mapa de espaços livres territoriais, nas páginas 74-75 (Figura 25).

A mata atlântica de tabuleiro, nas formações argilosas costeiras, é afetada pela ocupação urbana e turística, especialmente na praia de Mãe-Bá (Figura 22). Ce nários das procissões, as falésias conferem identidade espacial ao litoral sul, ten do, no sensível relato de Saint-Hilaire, uma descrição da sua exuberância flores tal no século XIX, sensivelmente alterada na atualidade:

[...] a costa continua a elevar-se acima do nível do mar; quase por toda ela as águas arrebatam grandes porções do terreno; e o barro, cortado ver ticalmente, contrasta, por sua cor vermelha, com o verde exuberante das florestas que eles suportam (SAINT-HILAIRE, 1833, p. 195),

Os espaços livres territoriais são representados pelos corredores de circulação (estradas, vias, rodovias), pelas áreas protegidas (áreas de especial interesse am biental, cultural, sociocultural) e pelos principais espaços públicos das áreas ur banas (orlas, praças, áreas verdes), que desempenham diversas funções cruciais para a consolidação dos valores materiais e imateriais. As vias, além de atuarem nas dinâmicas econômicas, são eixos de sensibilização da paisagem, especial mente as rodovias estaduais: a ES 060, ao longo do litoral, e a ES 146, que conec ta o litoral com o interior. Eixo da peregrinação Passos de Anchieta, a Rodovia ES 060 segue o traçado da antiga Estrada Geral da Costa, retificada desde o século XVI com o trabalho de indígenas e colonos.

O manguezal do rio Benevente é um dos mais extensos do Espírito Santo. Uma pequena baía no estuário, ocupada por garças brancas e barcos coloridos, representa o modo de vida da comunidade tradicional, que tem na atividade pes queira sua principal fonte de renda. No Brasil, um dos primeiros informes sobre a existência dessas árvores tortuosas, com seus feixes de ramos recurvados que se equilibram na lama, cabe ao Padre José de Anchieta, na carta de 1560:

21 – Estuário do rio Benevente e Centro Histórico de Anchieta. Fonte: PCDrones, 2017.

Repletas de significados religiosos, as florestas abrigam cerimônias e provêem plantas com propriedades curativas e ritualísticas. Embora a cobertura vegetal tenha sido reduzida nas décadas recentes, Anchieta ainda reúne extensas áreas verdes – mata atlântica de tabuleiro e mata de restinga – se comparado com os outros municípios da microrregião Litoral Sul.

Ha também outras árvores que enchem por toda a parte os esteiros do mar, onde nascem, cujas raízes, algumas brotadas quase do meio do tronco, ou tras do ponto em que os ramos que rebentam se dirigem para cima, quase do comprimento de uma lança, se inclinam pouco a pouco para a terra, até que no fim de muitos dias chegam ao chão (ANCHIETA, 1560, p. 126).

Figura 22 – Falésias na praia de Mãe-Bá, cenário marcante da peregrinação Passos de Anchieta. Fonte: autor, 2016.

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Figura 23 – Praça da Matriz (Adro) em frente ao Santuário Nacional de Anchieta. Fonte: autor, 2016.

A Área de Interesse de Preservação Cultural do Rio Salinas (AEIC 2) é constituída pelas ruínas do Rio Salinas, localizadas na margem do rio: um conjunto com posto de vinte e duas colunas de uma antiga construção jesuítica e de sítios arqueológicos localizados nos arredores (ANCHIETA [Município], 2006a). Sua ori gem é desconhecida. Existem várias especulações em torno das razões da sua construção, mas nenhuma é cientificamente comprovada. Diversas histórias são contadas aos visitantes: seria um armazém clandestino de sal, ou um casarão de engenho, cujos moradores teriam sido expulsos pelos índios. Existem, inclusive, buracos no solo, feitos por pessoas em busca de tesouros abandonados, após a expulsão dos Jesuítas. Nos circuitos turísticos (ANCHIETA [Município], 2017c), es sas histórias contadas pelos guias aumentam o mistério e revivem as lendas dos tesouros perdidos – um interessante exemplo em que a fantasia torna-se mais importante que o fato histórico (Figura 24).

As áreas de especial interesse ambiental (AEIA) contêm ecossistemas de inte resse para preservação, conservação e desenvolvimento de atividades sustentá veis, definidas pelas necessidades de proteção integral ou de uso sustentável do ambiente (ANCHIETA [Município], 2006a, Art. 83 a 88). São classificadas em três categorias, de acordo com suas funções específicas: áreas de preservação (AEIA 1), áreas de conexão (AEIA 2) e áreas de proteção (AEIA 3).

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Estas áreas de interesse cultural e ambiental, juntamente com as áreas ocupa das, são repositórios de significados seculares, de natureza material e imaterial. No mapa de espaços livres territoriais (Figura 25) demonstra-se a relação entre os assentamentos urbanos, os ambientes significantes – manguezal, floresta, rio, mar – e os espaços livres, aos quais são atribuídos valores espirituais e religiosos.

Figura 24 – O valor histórico das Ruínas do rio Salinas. Fonte: Anchieta [Município], 2017b.

de Especial Interesse de Preservação Cultural do Centro Histórico (AEIC 1) congrega conjuntos urbanos e espaços livres de grande relevância religiosa. Tem morfologia de cidade colonial, com ruas estreitas, ladeiras íngremes e edifica ções históricas. Reúne ruas, praças e edificações que testemunham várias fases marcantes do município, além de abrigar o único conjunto histórico local tom bado em nível federal, o Santuário Nacional de São José de Anchieta (Figura 23).

Figura 25 – Mapa de espaços livres territoriais da área de estudo, e sua relação com os ambientes naturais e as áreas urbanizadas.

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Fontes: Anchieta [Município], 2006a; IJSN, 2013; IBGE, 2016; United Sates Geological Survey, 2017. Elaborado por Jordano de Brito, com base na orientação do autor, 2017.

Figura 26 – Litoral de Anchieta, sempre com muitas ostras e conchas. Fonte: autor, 2016.

1584). Uma Gramática de Tupi escrita por Anchieta (1595) serve para o ensino e a catequese nos colégios da Companhia. Ao manter o topônimo Tupi, o aldea mento cristão incorpora e recicla a identidade da aldeia indígena, pois o reco nhecimento das ostras traduz a secular apropriação cultural da natureza (na culi nária, no artesanato), que ainda hoje é um diferencial desta região (Figura 26).

O apóstolo descreve a natureza nativa, destacando-a de forma a agradecer a criação divina: o Brasil lhe parece um “jardim em frescura” com arvoredos que “se vão às nuvens” e grande variedade de espécies: “[...] há neles muitos passarinhos de grande formosura [...] e fazem uma harmonia quando um homem vai por este caminho, que é para louvar ao Senhor” (ANCHIETA, 1585, p. 431). Observa que no Espírito Santo é muito frequente um certo peixe que os missionários chamam de boi marinho e os índios o denominam iguaraguâ, que excede ao boi na corpu lência e dele se aproveita até a gordura: “[...] os peixes são muito saudáveis nesta terra e podem-se comer todo o ano sem prejudicar à saúde” (ANCHIETA, 1560, p. 111). Suas detalhadas descrições procuram enaltecer a fartura da terra.

A ocupação nômade da aldeia, em palha, aos poucos é substituída pela ocu pação fixa do aldeamento, em pedra. Em 1584 é demarcado o patrimônio dos índios aldeados de Reritiba, aos esforços de Anchieta (DAEMON, 1879), que se transfere definitivamente para lá em 1587 (CARDOSO, 2014).

3.1 Reritiba: a interação entre nativos e europeus Reritiba marca o início do aldeamento com a aprovação dos índios que vivem no local. Ainda que Anchieta tenha vindo à capitania do Espírito Santo em 1569, para visitar os aldeamentos (DAEMON, 1879), é durante o período do seu provincia lato que a Companhia de Jesus promove a instalação das novas missões de Reis Magos, Guaraparim e entre elas a de Reritiba, no ano de 1579 (CUNHA, 2015), na encosta de um morro à beira mar. Neste lugar já existe uma aldeia Tupiniquim, defronte a um rio que os índios chamam Iriritiba ou Reritigba (MARQUES, 1878), palavra Tupi formada pela junção dos termos rery (ostra) e tyba (abundância) que significa “ostreira” (SAMPAIO, 1901), designando um lugar com muitas ostras.

• o aldeamento de Reritiba, a despeito da violência do conquistador no século XVI, marca a tentativa de José de Anchieta em negociar com o nativo e transfor má-lo através da língua, do teatro e da catequese;

Os Jesuítas iniciam a construção de uma igreja e residência no dia 15 de agosto, consagrando-a à Nossa Senhora da Assunção. A escolha do lugar é estratégi ca, devido à abundância de recursos, à presença dos gentios e ao afastamento das crueldades dos portugueses, sempre criticadas pelos inacianos (ANCHIETA,

• a vila de Benevente, após a expulsão da Companhia de Jesus no século XVIII, assinala o apagamento da atuação dos Jesuítas e traz a noção de paisagem dos naturalistas;

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a toponímia traduz uma mentalidade sobre o lugar, atribuindo significado à paisagem – como argumentam Lowenthal (1961) e Tuan (1989, 1991) – inferimos que o topônimo pode representar a atuação de uma comunidade religiosa. Assim, a toponímia ganha maior vulto e estrutura o recorte temporal da análise, levando -nos ao reconhecimento dos valores espirituais da área de estudo a partir dos seus três topônimos oficiais, destacando atores, fatos e relatos de cada fase:

• e a cidade de Anchieta, a partir do século XIX, caracteriza a valorização do apóstolo na formação da identidade nacional e propaga o significado religioso do lugar.

Com tal resistência, a catequização opera nas tribos mais mansas e nas crianças abrigadas nos aldeamentos, as quais começam a recusar os costumes paternos, com o passar do tempo. O padre elogia um filho que, ao passar pela aldeia da sua mãe, “[...] não a saudou no entanto e passou além; assim, antepõem em tudo ao amor dos pais o nosso” (ANCHIETA, 1554, p. 42). Assim se opera a transmissão de valores religiosos: uma estratégia de transculturação através das gerações.

Assim como a floresta, o imaginário da água também é povoado por seres mis teriosos. Há nos rios outros fantasmas que chamam Igpupiára, que também atacam os índios. “Não longe de nós há um rio habitado por Cristãos, e que os índios atravessavam outrora em pequenas canoas, [...] onde eram muitas vezes afogados por eles, antes que os cristãos para lá fossem” (ANCHIETA, 1560, p. 128). Assim, a crença nos demônios alimenta seu combate através da fé católica. Igpu piára – de y (água) e pypiára (de dentro), traduzindo o que vive no fundo da água – é um animal misterioso que os índios comparam a um homem marinho, inimigo dos pescadores, mariscadores e lavadeiras, similar à lenda da sereia. É eternizado nos dramáticos relatos dos seus ataques às embarcações, feitos por Gândavo (1576), Léry (1578) e Cardim (1581).

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as entradas ao interior para atrair nativos, ali se aglomera o maior número de índios da capitania, fugindo dos maus-tratos dos colonos e atraídos pela fama do padre. Na era colonial, a manifestação da espiritualidade é noteada por um embate cultural, onde os costumes nativos são vistos pelos missionários como entraves ao plano de catequização. Anchieta (1554, p. 45) reprova os hábitos da queles que só têm em alguma conta aqueles que alguma façanha tenham feito, por isso comumente se revoltam e não há quem os obrigue a obedecer, pois: “[...] cada um é rei em sua casa e vive como quer; pelo que nenhum ou certamente muito pouco fruto se pode colher deles, se a força e o auxílio do braço secular não acudirem para domá-los e submetê-los ao jugo da obediência”.

Cabe a Anchieta um pioneirismo na descrição da natureza do Brasil, como em sua célebre Carta de 1560. O léxico, que entra na língua portuguesa atra vés desse fascinante relato, aparece com sua datação no Dicionário Houaiss (FOLCH, 2009) e muitos topônimos, citados pela primeira vez, ainda são ativos na geografia local (Itapemirim, Iriri, Guarapari). Ao final desta carta, emerge o relato de uma terra impregnada por mitos, denominados por ele como “demônios”.

O imaginário da floresta aparece impregnado por seres misteriosos. É “cousa sa bida” que há “certos demônios” chamados de Curupiras, que atacam os índios chegando a machucá-los. “Por isso, costumam os índios deixar em certo cami nho, [...], no cume da mais alta montanha, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras cousas semelhantes, como uma espécie de obla ção, rogando fervorosamente aos Curupiras que não lhes façam mal” (ANCHIETA, 1560, p. 128). Curupira – de curu, abreviatura de curumim (menino) e pira (corpo), significando corpo de menino – é a entidade que protege as florestas, figurando em uma infinidade de lendas nativas. Todo aquele que derruba árvores inutil mente é punido por ele com a pena de se perder nas florestas, sem encontrar o caminho de casa (STRADELLI, 1929).

Entre os costumes mais criticados estão as bebedeiras de caium, os bailes e cantares sem fim, a crença nos pajés, as guerras entre as tribos e o ritual de comer carne humana. Vistos como “feiticeiros”, os pajés são tidos pelos índios em grande estima “[...] porquanto chupam aos outros, quando são acometidos de alguma dor, e assim os livram das doenças e afirmam que têm a vida e a morte em seu poder” (ANCHIETA, 1554, p. 42). Não são compreendidos os ritu ais presentes na guerra (o orgulho do guerreiro vencedor, a honra do inimigo capturado e as alianças feitas com as vitórias), só compreendidos na etnografia dos séculos XIX e XX por Ehrenreich (1886), Métraux (1928) e Loukotka (1937). No século XVI, relatos dramatizados de Staden (1557), Gândavo (1576) e Léry (1578) são lidos na Europa. Para o europeu do século XVI, o Brasil é uma “terra sem fé, sem rei e sem lei” (THEVET, 1558), uma visão que perdura por séculos em terras americanas e europeias.

Segundo José Antônio Carvalho (1982), para asseverar o domínio religioso, os Jesuítas constroem as marcas da devoção nas proximidades daqueles a quem devem atingir. E estas edificações precisam estar inseridas no centro da ação catequizadora, para melhor exercer sua atividade religiosa.

As lendas procuram ditar os comportamentos humanos diante dos seres terríveis, nos ambientes terrestres e aquáticos. O discurso jesuítico justifica a catequese como arma contra esses demônios, e as terras capixabas são vistas como terre nos férteis para o trabalho apostólico. Anchieta (1585, p. 419) relata que “o Espírito Santo é a terra mais acomodada e aparelhada para a conversão, que há em toda a costa, por haver ainda muito gentio e não escandalizado dos Portugueses”.

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Figura 27 – Escultura da Sereia na Praia de Ubu. Fonte: Capixaba da Gema, 2012.

da água aparece impregnado por outros “demônios”, “que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados Baetatâ, que quer dizer “cousa de fogo”, designando “o que é todo fogo”; pois dizem que nas matas não se vê outra coisa senão um “facho cintilante correndo daqui para ali”, que ataca rapidamente os índios, mas o que é aquilo ainda não se sabe com cer teza (ANCHIETA, 1560, p. 129). Baetatá, maetatá ou boitatá, um ser da mitologia selvagem, é posteriormente associado ao fenômeno do fogo fátuo.

Protegendo-se das ameaças das águas, o espaço sagrado é orientado pelo valor polarizado do sítio ao “alto”. Os Jesuítas preferem os morros por motivos de sa lubridade e visibilidade, pois o sítio é considerado “não muito sadio nem aprazí vel” quando está em “lugar baixo” (ANCHIETA, 1585, p. 419), posicionando seus edifícios como marcos da devoção. Também é importante a posição elevada em frente ao mar, de forma a favorecer a defesa dos habitantes (CUNHA, 2015).

Novaes (1968, p. 91-93) nos conta que, sob ameaça do Igpupiára, naufraga na costa capixaba um navio holandês, do qual se salvam uns tripulantes, que pas sam a viver com os índios. Um deles apaixona-se por uma sereia que aparece em noite estrelada, mas é disputado por uma mãe-d›água, que o atrai para devorá-lo:

Ao pio de uma coruja, logo sucedeu o anúncio do bacurau: – Amanhã, eu vou! – Amanhã, eu vou!... Enleado, atônito, o flamengo sente arrastar-se, para as franjas da praia. Vai, vai, magnetizado, [...] enquanto a mãe-d’água, faminta, se enroscava ao seu corpo jovem e forte. Ignorava, porém, que já se lhe abrasara o coração, pela chama do amor. Não poderia ser devorado, porque se prendera à melodia da voz e à beleza helênica de uma sereia! Para vingar-se, então, da própria derrota, a mãe-d’água arrasta-o, até o meio do lago e invoca a Tupã que o transforme em pedra. Desde essa noite, quando as trevas descem à Terra, cintilam as estrelas e as aves noturnas emitem os seus lamentos, vem a Sereia de Meaípe cantar a melodia da sau dade, sobre o monumento do seu amor! (NOVAES, 1968, p. 91-93).

Na Praia de Ubu, entre barcos e banhistas, destaca-se a escultura de uma Sereia (Figura 27), de autoria do artista anchietense Ronaldo Moreira, que exprime, na escala da paisagem, um diferencial cultural relacionado aos mistérios do mar. A escultura materializa o imaginário da lenda da Sereia de Meaípe (balneário loca lizado nas proximidades da área de estudo).

O sincretismo entre lenda indígena (mãe-d’água) e europeia (sereia), onde par ticipam nativos (índios) e estrangeiros (holandeses), traduz muitos aspectos da diversidade das etnias, das culturas e das crenças relacionadas à paisagem.

Figura 28 – Adro da Igreja de Nossa Senhora da Assunção. Fonte: Guerra; Jablonsky, 1958a.

São vários os relatos sobre as andanças de Anchieta, seu costume de andar a pé, descalço, com o bordão na mão (RODRIGUES, 1607). E logo surgem de poimentos dos seus milagres (VASCONCELLOS, S., 1672). Conta-se que, numa caminhada entre Vitória e Reritiba, acompanhado pelos índios que clamam por água, Anchieta toca o chão com seu bastão e faz brotar água cristalina, que mata a sede de todos. Assim surgem poços de água em Reritiba, Castelhanos e AnchietaGuarapari.falece no dia 9 de junho de 1597, no seu cubículo na residência de Reri tiba, aos 64 anos de idade (VASCONCELLOS, S., 1672). Como a igreja ainda não se encontra concluída (CARVALHO, 1982), tratam os padres de reunir os índios mais robustos para levar seu corpo em procissão funeral até a vila de Vitória, vestido em ornamentos sacerdotais, dentro de uma caixa de madeira. Mas era tão gran de a comoção da gente, que a procissão arrasta grande multidão:

Ao saber-se de sua morte, de toda a parte em redor vieram a vê-lo os mora dores, e estes mesmos, acompanhados dos padres da Companhia, forma ram uma grandiosa procissão a fim de o conduzirem a esta então vila da Vitória, onde chegaram no fim de dois dias. Trezentos e tantos indígenas que ele convertera e doutrinara, revezando carregaram seu corpo às costas até o depositarem na Capela de São Tiago ou dos Jesuítas nesta hoje capi tal, e depois de lhe serem feitas solenes exéquias, [...] foi seu corpo dado à sepultura (DAEMON, 1879, p. 158).

Figura 29 – Poço de Anchieta com Dom Helvécio Gomes de Oliveira, provavelmente no ano de 1928, quando a igreja é devolvida aos Jesuítas. Fonte: Marconcini, s|d.

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Seus ossos são distribuídos, mas um fragmento do osso da tíbia fica aqui no Espírito Santo (DAEMON, 1879), atualmente exposto na Igreja de Nossa Senho ra da Assunção. Diversas relíquias pontuam uma trilha sagrada. Com o tempo, os poços “de Anchieta” passam a ser visitados como legados que lembram seus milagres (Figura 29). Estas visitações adquirem um sentido de reafirmar a crença no sagrado. A trilha atualmente percorrida pelos peregrinos é inspirada nas ca minhadas do padre e no momento histórico do cortejo fúnebre.

igreja-residência chega ao século XX com volumetria similar à origi nal, com alterações nas aberturas. O eixo da nave da igreja não segue fielmente a orientação sagrada (entrada a leste, altar a oeste), mas apresenta uma rotação que mantém posição equivalente: entrada a sudeste e altar a noroeste. Sempre destacada ao alto, a igreja possibilita aos fiéis reverenciar a presença do sagrado, onde o espaço livre frontal preserva a força da contemplação (Figura 28).

Contribuindo na formação da identidade capixaba, novas etnias trazem outros costumes, com a vinda de africanos escravizados para a capitania no século XVII (DAEMON, 1879). Conforme Maciel (1994), há duas etnias predominantes: os Sudaneses e os Bantos, vindos de Angola e Gana; e documentos de 1710 já

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no oceano azul diante de nós, transformando sua superfície espe lhada em um mar de fogo. Os sinos tocam a Ave Maria, e todos que estão na vizinhança tiram os chapéus para as preces da tarde. O silêncio reina na vasta planície, e somente os pios estridentes dos macucos e os sons dos outros animais selvagens da mata interrompem o solene silêncio noturno (WIED-NEUWIED, 1820, p. 176, tradução do autor).

Este ato oficial de renomeação, compreendido como uma intenção de ressignificação do lugar, ocorre em consonância com a observação de Tuan (1991) sobre o poder metafórico da linguagem em eliminar o passado e criar o futuro. Se o topônimo transmite a personalidade de um lugar, uma estratégia para destituir uma visibilidade indesejada passa necessariamente pela renomeação deste lugar.

a existência de quilombos na região. Os africanos trazem suas visões espirituais da natureza, que servem como uma forma de resistência, na recons tituição de outras comunidades em um novo mundo.

Novaes (1963) observa que, fugindo dos maus-tratos nas fazendas, os escravos se refugiam nas matas em busca de conforto espiritual. Seus rituais ocorrem em duas mesas, no terreiro e na floresta (BASTIDE, 1960). A mesa de Santa Maria acontece sempre em uma clareira da floresta, à noite, com os praticantes for mando um círculo. Estes rituais ocorrem “debaixo de uma árvore frondosa” (NERI, 1963, p. 6), demonstrando o valor atribuído à árvore e à floresta.

Esta fase marca o temor da floresta como “domínio de homens selvagens” (TUAN, 2013) – uma visão do homem branco, em oposição aos indígenas e africanos que percorrem cada palmo desse chão. Expedições descobrem ouro na faixa de terra da capitania do Espírito Santo, mas o interior é apro priado como “minas gerais” pela Coroa, que impõe ao litoral o papel de bar reira à penetração às minas (DAEMON, 1879), declarando os sertões como “áreas proibidas” (OLIVEIRA, 1975). Sendo declaradas inacessíveis, sem ouro nem pedras, as florestas perfazem uma barreira verde e seguem preservadas até a metade do século XIX.

3.2 Vila de Benevente: o apagamento da atuação dos Jesuítas A expulsão da Companhia de Jesus é uma ruptura na história do Espírito Santo, pois interrompe sua atuação na colônia. Ao impor um topônimo português, a Coroa procura anular os referenciais culturais indígenas: em 1759 a aldeia é ele vada à vila com o nome de Vila Nova de Benavente, tendo como divisas a lagoa Mãe-Bá e o monte Aghá (DAEMON, 1879). O topônimo Benavente, retirado de uma vila portuguesa (OLIVEIRA, 1975), é posteriormente alterado para Beneven te por causa de uma variação linguística (abordada mais adiante).

Após a extinção da Companhia de Jesus, o mosteiro é usado para diferentes finalidades, entre as quais, um quarto para hospedar visitantes. A passagem de naturalistas pelo Espírito Santo – Maximilian zu Wied-Neuwied, Auguste de Saint-Hilaire e François-Auguste Biard – traz perspectivas dos estrangeiros pelo viés romântico, que marca uma visão sensível da paisagem. A persis tência de uma terra selvagem é observada pelo príncipe renano Maximilian zu Wied-Neuwied na sua visita em 1817. Sua comitiva fica hospedada na antiga residência dos Jesuítas, de cuja sacada o príncipe nos deixa a mais deliciosa descrição da paisagem:Osolcai

Na era Reritiba, as etnias que ocupam a terra lhe atribuem valores conforme suas culturas. Se no início o missionário respeita o topônimo Tupi, na atuação de José de Anchieta, logo o conquistador branco se impõe sobre o índio e o negro, que servem apenas como força braçal. A estratégia colonial de obliteração cultural, como assinalada por Fanon (1963), manifesta-se na catequese e na escravidão, marginalizando gerações de indígenas e africanos. Deus suplanta Tupã; a pe dra substitui a palha; e a identidade do homem branco impõe-se às identidades dos nativos e dos escravizados. Nos relatos estudados de Anchieta (1560, 1584, 1585), Rodrigues (1607) e Vasconcellos (1672) não se percebe nenhuma referên cia ao termo “paisagem”, nem um discurso sensível sobre ela.

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nos transmite um encantamento diante da natureza selvagem que envolve a civilização tropical no século XIX. O príncipe quase nos transporta no tempo, ao retratar o momento em que o homem manifesta sua fé, impregnando de religiosidade a paisagem de Benevente. Seu desenho da vista noroeste (Figu ra 30), que retrata o rio, o manguezal e a montanha, desvela o entorno a partir do lugar sagrado, demonstrando sua força centrífuga.

Figura 30 – Desenho da vista noroeste descortinada do alto do morro, em um ângulo provavelmente situado na janela Santuário. Fonte: Wied-Neuwied.

O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire também registra impressões da sua passagem em 1818, revelando sua visão romântica sobre as matas verdes, ilimitadas, onde as sapucaias se fazem notar pelas flores “vermelhas”. A expul são dos Jesuítas é vista como um “golpe fatal”, porque os índios passam a ser tratados como escravos, são dispersados ou aniquilados. Com o esgotamento das minas de ouro, o Espírito Santo tem a permissão para explorar suas terras (DAEMON, 1879), mas durante algum tempo as florestas “[...] se confundem com as de Minas Gerais e servem de asilo às tribos errantes dos Botocudos” (SAINT-HILAIRE, 1833, p. 182).

Segundo Lane (1988, p. 7), essas formas de imanência funcionam dentro de uma “teologia da transcendência” para conferir um valor sacramental ao mundo do comum, do ordinário; o mundo natural como um “theatrum gloriae Dei”, um tea tro repleto de maravilhas no qual a glória de Deus se torna aparente.

Depois que a comitiva supera os importúnios da chegada – a conturbada tra vessia do Rio Benevente em uma piroga carregada, conduzida por burros, quase arrastada pela maré –, o naturalista chega à vila e pode, enfim, passear nos arre dores e examinar suaDasposição:montanhas que se descortinam à distancia, do lado de noroeste, desce um riacho que logo depois de sua embocadura dirige-se brusca mente rumo a oeste. É no ângulo formado por essa curvatura que se er gue a cidade de Benevente, chamada também Villa Nova de Benevente. Compõe-se de cerca de 100 casas, cobertas, algumas de telhas e outras de palha, das quais, muitas têm um andar além do terreo [...] o terreno eleva-se, e lá no alto se acha o antigo convento dos Jesuítas e sua igre ja, cuja entrada defronta o Oceano [...] (SAINT-HILAIRE, 1833, p. 213-214, tradução do autor).

A fotografia de Albert Richard Dietze, feita 51 anos após a passagem de Saint -Hilaire, ilustra um cenário similar. Nota-se o valor bipolar em evidência: a igre ja, elevada em relação à cidade, tem uma implantação que permite reverenciar a presença do sagrado. Para os fiéis, é possível elevar-se ao alto e apreciar o lugar. Esta perspectiva a partir da ponta de Quitiba (Figura 31), na direção no roeste, também se torna uma imagem recorrente de Benevente – uma vista a partir do entorno que revela o lugar, evidenciando sua força centrípeta.

Figura 31 – Panorama de Benevente, meio século após a visita de Saint-Hilaire, ainda evidenciando a primazia do valor espiritual, representada pela igreja (ao centro) no alto do morro. Fonte: Dietze, 1869.

Figura 32 – A emoção da primeira incursão em uma floresta. Fonte: BIARD, 1862, p. 173.

Enfim eu via estas florestas virgens tão desejadas. Gostava de ver esta natu reza quase desconhecida onde nunca passara o machado. Os pés humanos não tinham pisado nesta terra. Parecia-me que uma vida nova se revelava para mim; minha tendência, de aproveitar o lado ridículo do que eu tinha visto antes, dava lugar a pensamentos sérios, a um recolhimento quase re ligioso (BIARD, 1862, p. 145, tradução do autor).

Esta fase marca a visão da floresta como espaço de vitalidade (TUAN, 2013), a ser valorizada pelos naturalistas como desafio para o conhecimento. A descrição de Biard se destaca ao vivenciar, na mata, uma ordem superior, norteada pelo viés do artista, relacionando a descoberta factual com a interpretação fenomenal.

Saint-Hilaire também descreve como a residência se encontra arruinada. Esta situação permanece no século XIX, “[...] para atestar às gerações por vir o esta do de inação, [...] e para mostrarmos aos vindouros, que não nos importamos de deixar-lhes sinais do interesse, [...] que nos legaram os nossos antepassados” (VASCONCELLOS, J. M., 1858, p. 202). Na desconstrução da obra jesuítica, o Brasil Imperial relega ao abandono físico suas maiores relíquias.

O encantamento com a natureza é a tônica dos desenhos do pintor francês Fran çois-Auguste Biard, que vem ao Espírito Santo no ano de 1858, e nesta província, tem sua primeira experiência de adentrar em uma floresta tropical (Figura 32). Abstraindo-se de reconhecer que os índios percorrem intensamente cada palmo desse chão, o pintor descreve assim sua emoção:

A residência dos Jesuítas também serve de pouso para a comitiva de Saint-Hilai re. Ali ele pode observar e descrever a paisagem: “A vista mais deliciosa se ofe rece aos olhos de quem se posiciona em qualquer uma das janelas do mosteiro; ele descobre ao mesmo tempo o rio, os bosques majestosos que o margeiam, sua desembocadura, o oceano, a vila de Benevente e os campos dos arredores” (SAINT-HILAIRE, 1833, p. 214, tradução do autor).

entre o lugar e o espaço permanece vigorosa no Catolicismo, segun do Lane (1988), na medida em que o homem procura um Deus que é grandio so, onipresente, mas se revela na particularidade de um local: uma “teologia da transcendência” nunca ficará totalmente confortável ou limitada ao lugar.

Em outro momento da viagem, o autor ouve um rumor confuso de um insistente tambor; e logo descobre o que seria uma Festa de São Benedito. “Eles fazem pre parativos para essa festa seis meses antes e guardam dela uma recordação pelos outros seis meses do ano. Desde o momento em que esse tambor começa a ser tocado, não para mais, nem de noite nem de dia” (BIARD, 1862, p. 197, tradução do autor). Movido pela curiosidade, atraído pelo ritmo do Congo, Biard presen cia a festa que se realiza em uma aldeia do Espírito Santo (Figura 33).

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Inicia-se uma fusão entre tradições africanas, europeias e indígenas, marcando um hibridismo cultural. Como ressalta Bastide (1945, p. 7), este é o fenômeno do “sincretismo católico-fetichista”, onde cada orixá corresponde a um santo católi co, e toda cerimônia mística tradicionalmente africana passa a ser precedida por uma missa católica, refletindo a evolução das estruturas sociais.

A alteração do nome original, Benavente (homônimo de uma vila portuguesa), ocorre quando a colônia passa a receber um grande afluxo de imigrantes italia nos (FRANCESCHETTO, 2014a). Segundo Maria José Cunha (2015), quando os imigrantes italianos começam a aprender o Português, ocorre a alteração do topônimo Benavente para Benevente, em uma hipótese de que a proximidade das línguas causaria o fenômeno da transferência linguística, pela memória da comuna italiana Benevento. Essa renomeação, a partir da segunda metade do século XIX, sugere uma influência da comunidade na formação cultural do lugar, evidenciando o que Lucia Costa observa sobre a apropriação social dos topônimos, construídos pelas experiências que as pessoas têm daqueles espaços:

[...] É um processo cultural que implica em reconhecimento, identificação com e apropriação dos lugares, e aonde a própria paisagem algumas ve zes sugere o nome na imaginação popular. Neste sentido, a denominação não pode ser artificialmente construída através de atos políticos arbitrá rios. Deve haver uma correspondência com aqueles que vivenciam o lugar (COSTA, 1997, p. 96).

A paisagem da floresta se transforma intensamente nos anos seguintes. Seguin do o incentivo do império para o povoamento e a imigração, estimula-se a pe quena propriedade rural (GROSSELLI, 1987) no início do ciclo do café, que se torna o principal produto capixaba a partir de 1850. Nossa região de estudo passa a ter sua paisagem alterada com a chegada, pelo porto de Benevente, de milhares de imigrantes europeus, especialmente os italianos, e também atraindo famí lias e grupos de diversas nacionalidades: suíços, alemães, franceses, holandeses, belgas e portugueses (FRANCESCHETTO, 2014a). Pelos rios Itapemirim, Piúma e Benevente, navegando em pequenas canoas, entra a maioria dos imigrantes.

Figura 33 – Festa de São Benedito em uma aldeia capixaba. Fonte: Biard, 1862, p. 199.

A colonização do interior capixaba também é marcada pela atribuição de outros significados religiosos. A região de montanhas é comparada à terra prometida, Canaã, uma representação da paisagem sagrada descrita no romance Chanaan, de Graça Aranha (1904), onde o imigrante alemão Milkau percorre as monta nhas, procurando entender os mistérios dessa terra e da sua paisagem:

Canaã é um exemplo de como a literatura pode chamar um lugar, ou uma re gião, à existência. Com a divisão do território, a atribuição da propriedade cria os

Raras vezes a paisagem transmitira a Milkau uma emoção maior do que naqueles terrenos altos. Estava ele todo possuído pelo Espírito da ascen são e sua alma escalara também as regiões silenciosas, plácidas e vastas do infinito. Sob a transparência cristalina do firmamento, a terra intumescida parecia, à hora do amanhecer, sair de si mesma, e querer se alevantar para o céu, para o espaço, num soberbo movimento de força e desespero (ARA NHA, 1904, p. 144).

A floresta abriga cerimônias de matrizes afro-brasileiras. Ao longo do tempo, os negros são incentivados a cultuar santos católicos, como Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Grupos negros se organizam em Irmandades e Confrarias, que dão espaço para as manifestações culturais e religiosas negras, mas camuflam a intenção de substituir os conteúdos africanos pelos católicos (MACIEL, 1994).

suas terras consideradas como devolutas e doadas como sesmarias, para assen tar colonos portugues, e depois, imigrantes de diversas procedências (MATTOS, S., 2009). Suas marcas na paisagem são apagadas ou transformadas.

dos imigrantes com a terra, na qual os nativos estabelecem novos sig nificados. Negros e índios continuam a ser perseguidos pelo governo imperial, e seus deslocamentos explicam a supressão das suas relíquias, acentuando a re siliência dos seus valores espirituais. Na primeira metade do século XIX ocorrem muitas rebeliões de escravizados (MACIEL, 1994): fugas acontecem, quilombos surgem e desaparecem, muitas vezes sem deixar vestígios superficiais.

Os Tupiniquins de Anchieta sofrem pressão sobre suas terras, ainda que estejam asseguradas como sua propriedade inalienável pelo Alvará Régio de 1680. Cons tantes invasões, trabalhos forçados e imposições religiosas motivam duas revol tas locais, em 1742 e 1795, mas as medidas adotadas pelo Marquês de Pombal facilitam as invasões. É assim que, em 1795, os índios denunciam suas expropria ções à Rainha de Portugal, D. Maria I; entretanto, sem resposta, os índios vêem

Bastide (1945, p. 6) descreve como a estrutura social separa as etnias: “o branco como mestre, o índio mais ou menos miscigenado como trabalhador livre, e o homem negro como escravo”. E, à medida que a escravidão acentua essa separa ção, forma-se uma religião de cor: o preto será considerado, além do verdadeiro Catolicismo, como um “pagão disfarçado”.

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[...] sempre construídas através de memória, fantasia, narrativa e mito. [...] são pontos de identificação, [...] que são feitos dentro dos discursos da his tória e da cultura. Não são uma essência, mas um posicionamento (HALL, 1990, p. 226, tradução do autor).

Um problema enfrentada pelo habitante original é a alienação da terra, a expul são do seu território, engendrado por séculos de relações espirituais, identitárias e históricas. Atualmente, existem no Espírito Santo nove aldeias indígenas, com duas etnias (Tupiniquim e Guarani), mas nenhuma delas se localiza na região sul. A foto dos índios Aymorés (Botocudos), feita por Walter Garbe (Figura 34), registra um momento histórico em que, visivelmente simulando poses para o fotógrafo, eles parecem esmorecer diante da recorrente expulsão.

Na era Benevente, ao impor o topônimo português, a Coroa tenta apagar a pre sença dos índios e a atuação dos Jesuítas, para construir uma nova identidade. A visão da paisagem pelos estrangeiros – Saint-Hilaire (1833), Wied-Neuwied (1820) e Biard (1862) – traz um viés de romantismo, o que equivale dizer, in cluindo o intangível por sua emoção e subjetividade, em relatos que mesclam descrições científicas, informações históricas e memórias pessoais. No proces so de hibridismo, como observado por Hall (1990), o homem branco mistura-se aos africanos e Tupiniquins; mas, com a diáspora dos europeus no século XIX, em que se destacam os imigrantes italianos, há uma crescente diversificação na construção da identidade capixaba. Terrae incognitae se transforma em terrae cognitae para o conquistador, com uma formação multicultural.

Com a expropriação territorial, marcada pelo caráter traumático da experiência colonial para o nativo, a identidade como “ser” adiciona-se à identidade como “tornar-se”, um processo que mostra descontinuidades, destaca Hall (1990). As sim, diante do processo de obliteração, as identidades culturais são

Figura 34 – Índios Botocudos fotografados em Santa Leopoldina, ES. Fonte: Garbe, 1909.

Em homenagem ao Jesuíta que ali escolhe viver no século XVI, a vila de Bene vente é elevada à categoria de cidade com a designação de Anchieta, no ano de 1887, sendo ratificada pela Lei Municipal 1307, de 1921 (IBGE, 2017). A terceira mudança do topônimo procura reconstruir novamente a identidade do lugar, agora, relacionando-a à herança jesuítica e à vida do religioso.

A terceira renomeação reflete um novo discurso. O significado de um lugar, ob serva Tuan (1991), é construído com camadas adicionais de história oral e escrita.

E um espaço sagrado é, acima de tudo, um espaço historicizado, como aponta Lane (1988), é reconhecido pelos fatos e lendas que se contam sobre ele.

No ano de 1888, em sua visita ao Brasil, a princesa Therese von Bayern passa pelo Espírito Santo e, percorrendo de barco o litoral sul, escreve as mais precisas observações sobre a paisagem. Ao sul de Anchieta, a atenção da princesa da Baviera é despertada para o sutil cortejo entre o litoral e a montanha (Figura 35), registrando de forma sensível a configuração da sua topografia:

Figura 35 – Desenho esquematizado pela autora e reproduzido por Wiegandt, representando a paisagem da foz do rio Itapemirim. Fonte: Bayern, 1897, p. 301.

O navio de Therese não entra no rio, e sua comitiva não percebe a transforma ção das montanhas pelos imigrantes. Para muitos que se fixam no interior, a ter ra prometida, Canaã, transforma-se em um inferno. Os relatos dramáticos dos colonos sobre a realidade vivenciada nas fazendas (febres, doenças e mortes, em regiões insalubres) levam ao encerramento da imigração em massa. Entre as nacionalidades que entram aqui nos séculos XIX e XX – árabes, turcos, libaneses e poloneses –, 68% deles são procedentes da Itália (FRANCESCHETTO, 2014a), imprimindo uma forte contribuição na identidade cultural e paisagística, expres sa nos assentamentos dos colonos, onde a igreja ocupa o terreno mais elevado (Figura 36), marcando uma primazia espacial da religião católica, ao alto.

3.3 Cidade de Anchieta: a ressignificação do valor religioso do apóstolo

Figura 36 – Um panorama que retrata os primeiros anos de uma típica colônia de imigrantes, no interior do Espírito Santo, no início do século XX.

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Fonte: FRANCESCHETTO, 2014b, p. 197.

Vencidas as adversidades, o significado do lugar adquire um sentido de vitória para os imigrantes. Em Anchieta, a identidade italiana está presente em topôni mos e tradições, que originam as localidades de Olivânia, Alto Joeba, Córrego da Prata, Baixo e Alto Pongal. Na reconstrução da nova comunidade, em uma terra estranha, a posse consolida-se mediante uma reminiscência familiar.

Para indígenas e negros, entretanto, o significado do lugar tem um sentido de resistência. Desde o fim da escravidão, grupos de negros se estabelecem nas ma tas, mas o governo passa a perseguir os quilombos, alegando que as terras de

Toda a extensão da província está na zona da floresta costeira e não há ne nhum tipo de campo. As porções mais belas da floresta costeira brasileira se situam dentro de seus limites, principalmente ao sul e ao norte, [...]. A ca racterística dessa terra é predominantemente montanhosa (BAYERN, 1897, p. 295, tradução do autor).

ser “vendidas” para os imigrantes (MACIEL, 1994). Negros, índios e mestiços são absorvidos como mão-de-obra rural, mas muitos sobrevivem nas regiões litorâneas, como pescadores e coletores de mariscos. Esta dispersão leva à ocu pação de áreas ainda não valorizadas e reforça a tradição dos pescadores. Assim surgem muitas das vilas caiçaras, como Iriri, Inhaúma, Ubu e Parati.

Nesse contexto de revalorização, o santuário imprime um sentido de memória da religiosidade, de afirmação do Catolicismo. Esta ressignificação entra em con sonância com a observação de Lowenthal sobre a eficiência da paisagem em consolidar um discurso de herança nacional:

Nessa época já é possível observar, ao centro do Adro, uma árvore chamada castanheira-da-praia (Terminalia catappa), ainda pequena, muito comum no litoral capixaba. Ao lado desta, encontra-se também uma palmeira real (Roystonea ole racea), seguindo uma tradição capixaba de plantar palmeiras à frente de igrejas jesuíticas e conventos franciscanos. Estas plantas esguias e altaneiras, quando vistas à distância, assim tão recorrentes, acabam configurando-se como anún cios naturais, ou prenúncios vegetais, impregnando a paisagem com o significa do religioso desses lugares sagrados cristãos.

Na década de 1950, sob a ótica rodoviarista, o trânsito de veículos é facilitado com a construção da ponte sobre o rio Benevente. E, a partir da década de 1960, a construção da rodovia estadual ES-060 contribui para o processo de urbaniza ção no litoral sul. Essas alterações no perfil populacional e na morfologia urbana deixam para trás o marcante bucolismo da paisagem de Anchieta (Figura 38).

Figura 38 – Aspecto da cidade de Anchieta, demonstrando o estágio bucólico anterior à valorização turística e imobiliária dos anos seguintes.

Fonte: Guerra; Jablonsky, 1958b.

Patriotismo é um estímulo importante para preservar e exibir o passado tangível. A História na paisagem muitas vezes significa ideais nacionais du ráveis. [...] Paisagens têm servido a tais propósitos melhor do que livros [...] (LOWENTHAL, 1975, p. 13).

A devolução da edificação à Companhia de Jesus em 1928 assinala a revalo rização do trabalho realizado no período colonial e um aumento da devoção por parte da comunidade religiosa. Em um “discurso republicano de identidade nacional”, a obra de Anchieta é revalorizada na “construção da memória da for mação da sociedade brasileira” (ABREU, 1998, p. 180). O tombamento em 1940, pela instituição de preservação do patrimônio cultural (atual IPHAN), consolida o status de relevância nacional e o significado espiritual do lugar (Figura 37).

Figura 37 – Conjunto arquitetônico da Igreja de Nossa Senhora da Assunção e da residência, na época do seu tombamento como patrimônio nacional. Fonte: IPHAN, 1940.

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Nos anos 1960, com o declínio da cafeicultura, o Espírito Santo atravessa uma grave crise econômica. Em 1961, o Governo Federal cria o GERCA (Grupo Execu tivo de Recuperação Econômica da Cafeicultura) junto ao IBC (Instituto Brasileiro do Café) visando diversificar a economia, para atenuar os problemas da erradica ção dos cafezais e conceder incentivos para a indústria (MEDEIROS, 1977).

A operação da Samarco contribui para o aumento na taxa de urbanização de Anchieta, que cresce de 19,9% em 1970 para 53,7% em 1980 (BARBOSA, 2010).

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A areia, como arena do turismo, incentiva ocupações de alta densidade em orlas e costões rochosos (Figura 41), muitas vezes expulsando as comunidades caiçaras tradicionais para os terrenos do interior, como em Iriri. Antes ressignificado como domínio do sagrado, o alto é convertido na esfera da exploração imobiliária.

Figura 40 – Unidade da Samarco em Ubu, Anchieta, destacando as usinas de pelotização e os pátios de estocagem a céu aberto, criticados pela dispersão de partículas. Fonte: Neme, 2008.

A expansão ocorre ao longo do litoral e da Rodovia ES 060, nas restingas e nos tabuleiros, restringindo os espaços livres territoriais às áreas protegidas. Antigas vilas de pescadores – Iriri, Parati, Ubu – se transformam em movimentados bal neários turísticos. A valorização do litoral no século XX ameaça as comunidades caiçaras, sobreviventes da alienação territorial desde o século XIX.

A ocupação do litoral sul do Espírito Santo, e de Anchieta, passa por distintas fa ses tecnológicas, especialmente relacionadas aos minerais (areia, ferro, petróleo).

Na esteira dos “Grandes Projetos Industriais” da década de 1960, consolida-se uma política nacional voltada à exportação de produtos siderúrgicos. Grandes projetos instalam-se na Região Metropolitana da Grande Vitória e no litoral sul do Espírito Santo – e neste contexto ocorre a implantação da Samarco Minera ção em Ubu, em 1977, a leste do município. A produção da empresa compreen de a lavra, o transporte, a pelotização e a exportação de minério de ferro (SA MARCO MINERAÇÃO, 2017). A empresa faz a lavra na sua base de Germano, em Minas Gerais, transporta o minério em dutos subterrâneos entre os dois estados, e finalmente, processa a pelotização nas usinas, e a exportação no terminal por tuário, na sua base de Ubu, em Anchieta, Espírito Santo (Figura 40).

Figura 39 – Levantamento das regiões do Espírito Santo, demonstrando a disponibilidade de terra para uso industrial (a Leste do município, à esquerda). Fonte: IBC-GERCA, 1970.

fotográfico aéreo feito pelo IBC-GERCA (1970) identificam-se as áreas disponíveis para implantação de atividades industriais (Figura 39), em um estágio que prenuncia o início da era industrial a leste do município.

Esta transformação reflete o processo de trajeção analisado por Berque (2000b), segundo o qual a paisagem pode passar por fases tecnológicas, relacionadas aos seus elementos materiais ou imateriais. Quando essas “entidades trajetivas” adquirem outros significados, implicam em diferentes meios humanos, interli gados às estruturas mentais e comportamentais, alterando significativamente a relação do homem com a natureza e a paisagem.

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Figura 42 – Festa de Réveillon em Anchieta. Fonte: Anchieta [Município], 2014.

Na era Anchieta chegam imigrantes de diferentes etnias, trazendo novas visões da paisagem. Relatos de visitantes e historiadores – Bayern (1897), Maciel (1994), Franceschetto (2014a) – revelam a construção de uma identidade cultural cada vez mais plural. A nova narrativa cristã se expressa na revalorização e na preser vação patrimonial da herança jesuítica. Ainda assim, persistem as ameaças aos modos de vida e aos territórios de atuação e devoção das comunidades tradicio nais locais – caiçaras, quilombolas, indígenas – sempre perseguidas.

E tudo era silencio, e mistério... Corriam... corriam... E o mundo parecia sem fim, e a terra do amor mergulhada, sumida na névoa incomensurável... E Milkau, num sofrimento devorador, ia vendo que tudo era o mesmo; horas e horas, fatigados de voar, e nada variava, e nada lhe aparecia... Corriam... corriam... [...] Chanaan! Chanaan! pedia ele no coração, para fim do seu mar tírio... E nunca jamais lhe aparecia a terra desejada... Nunca jamais... Cor riam... corriam... (ARANHA, 1904, p. 308).

Na atualidade, esta paisagem é resultante das visões humanas ao longo das três fases – Reritiba, Benevente e Anchieta – sob interferência de ciclos econômicos, processos migratórios e forças externas. Existem, ainda hoje, territórios de paz e de conflitos. Mas a luta do homem por sua área de atuação, por sua paisagem, é como a busca de Milkau pela terra prometida, por sua Chanaan, que, na rudeza da sobrevivência, transforma-se em uma busca sem fim...

Em resposta à perseguição das religiões afro-brasileiras, acentua-se o sincretis mo de tradições africanas e indígenas (MACIEL, 1994), que trabalham com as forças da natureza onde elas se materializam: “na floresta confirma a sua fé, no rio se desembaraça de suas faltas, no mar reafirma sua crença, na montanha im plora ao ângelus, na pedra suplica resistência” (BASTIDE, 1960, p. 450). Assim, os rituais imprimem valores religiosos difusos aos ambientes da paisagem, não se limitando a lugares específicos. Alguns rituais são plenamente incorporados pela população, em algumas festividades, como as oferendas e os pedidos a Ye manjá, feitos nas praias, sob as ondas do mar, nas festas de Réveillon (Figura 42).

Figura 41 – Balneário de Iriri com seu alto índice construtivo. Fonte: autor, 2016.

aqui submisso, trago-te estes siris. São belos, come-os.

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Eu também como estes aqui. José de Anchieta (15--)

No poema “Nossa Senhora”, Anchieta descreve a vinda de representantes das aldeias que vêm homenagear a chegada da imagem de Nossa Senhora, trazendo dádivas da terra. É notável, na narrativa, a relação entre terra e fé, presente nos alimentos que trazem para a santa.

A caminho de uma missa na Igreja, vislumbrando a edificação ao alto, iluminada pelos holofotes (Figura 43), é possível fazer algumas reflexões sobre a complexidade dos valores atribuídos ao lugar.

A HERANÇA DOS VALORES ESPIRITUAIS

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EstouVês?

Eu venho de Guaraparim para ver a Rainha, Estou muito alegre pelo dia santo. Antigamente tu visitavas nossa terra, amando-a. Para assistir à missa, ali Tu ias nos dias de festa. Eu ficava, então, sempre junto de ti, no alto da colina, enquanto meus parentes desfilavam em homenagem a ti. Agora, eu venho celebrar o teu dia. Para festejar-te, meus parentes me enviaram. Eu sou apenas um pobre índio. Meu nome é Iporoceô. Um pouco de minha presa eu trouxe à Rainha.

O mapeamento dos valores espirituais (Figura 45) assinala as perspectivas e os eixos da paisagem que vislumbram espaços e ambientes espiritualmente signifi cantes: a Serra do Itaperoroma, o Monte Urubu, o Santuário de Anchieta e o mar. Algumas comunidades (em retângulos) podem ser ampliadas na sequência das análises, em maior escala. Neste mapa, e nos que se seguem, destacam-se espe cialmente: os espaços livres e ambientes de valor espiritual; as perspectivas de reverência do sagrado (força centrípeta) e de percepção da criação divina (força centrífuga); e os eixos de peregrinação, procissão ou caminhada.

Neste capítulo, faz-se uma análise dos valores espirituais da paisagem em pers pectiva sincrônica, na contemporaneidade, para desvelar as manifestações reli giosas das várias etnias. Identificam-se alguns lugares sagrados, especialmente os relacionados com as relíquias sagradas, juntamente com suas cerimônias reli giosas e culturais: iniciando com o Centro Histórico e expandindo para as outras áreas urbanas e rurais do entorno. Finalmente, detectam-se as ameaças e os de safios a serem enfrentados na preservação da metapaisagem

Com a recuperação do valor religioso, alguns espaços livres são preservados se guindo os eixos de acesso ao Santuário no alto do morro (Figura 44), suscitando uma reverência diante do sagrado. A ladeira do acesso segue o eixo da nave (su deste-noroeste), demonstrando como a relíquia religiosa do século XVI estrutura o desenho do entorno até a contemporaneidade.

Figura 44 – Acesso ao Santuário na década de 1950. Fonte: Cultura Maratimba, 2009a.

No Centro Histórico concentram-se as tradições religiosas cristãs. Entre os bens que integram o patrimônio histórico e cultural (ANCHIETA [Município], 2006a, Art. 76), alguns são de especial relevância: o Santuário Nacional de Anchieta, a Capela de Nossa Senhora da Penha e o Poço do Coimbra, localizados na Área de Especial Interesse Cultural (AEIC 1). Nas áreas urbanas e rurais do entorno, procuramos captar espaços e lugares relacionados às identidades culturais, em aproximação mais sensível aos descendentes de europeus, qui lombolas, indígenas e caiçaras. A Oeste, descendentes de italianos e quilom bolas são representados em Baixo Itaperoroma e São Mateus, no ambiente da montanha; a Leste, descendentes de Tupiniquins são representados na Chapada do Á, sob influência dos ambientes da mata e do manguezal do Rio Benevente; e no litoral, e descendentes de caiçaras estão representados em Ubu, sob domínio do cotidiano do mar.

43 – Santuário Nacional de Anchieta visto da escadaria de acesso. Fonte: autor, 2016.

Alguns significados ficam impregnados nas paredes feitas com pedras de recifes e cal de conchas. Mas, no decurso da história, diferentes valores são atribuídos à edificação: como centro educativo, sede administrativa e, finalmente, símbolo devocional. Assim, a construção social do valor ressignifica-se com o tempo, des de o apogeu colonial até a era contemporânea. Esta conjunção espacial-tempo ral reforça a ideia de Berque (2000a) que a paisagem não reside, nem no espaço, nem no sujeito, mas na interação entre ambos, em escalas de espaço e de tempo.

4.1 Rituais e celebrações nos espaços livres

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45 – Mapeamento dos valores espirituais da paisagem: abrangência geral, destacando as comunidades a serem estudadas.

Fontes: Anchieta [Município], 2006; IJSN, 2013; IBGE, 2016; United Sates Geological Survey, 2017. Elaborado por Jordano de Brito, com base na orientação do autor, 2017.

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livres do Centro Histórico têm seus valores relacionados às relíquias –o Santuário, a Capela, os sítios arqueológicos, o Poço do Coimbra –, relembrando os fatos católicos e as lendas que se contam sobre o santo. Destinos de todas as procissões, estes espaços são mapeados adiante na Figura 52 (páginas 116-117).

No meio do Adro, a castanheira-da-praia (existente no local desde 1940, vista ainda pequena na Figura 36) agora atinge uma escala frondosa. A árvore reina isolada, como um genius loci que revela a dimensão do tempo e a historicidade da paisagem. Cabe lembrar do rico simbolismo da árvore, que perpassa distin tas culturas, como aponta Farah (2008), destacando sua dimensão espiritual – e assim vemos distintas espécies presentes em muitas religiões. Este contraponto entre natureza humana e não-humana inspira emoções nos visitantes:

A praça defronte à igreja, em dias de pouco movimento, quando a casta nheira de copa gigantesca confronta a construção centenária e de onde se avista o mar... O silêncio e a solidez de ambas, frente a frente, sempre me emocionam4.

Figura 46 – Adro em frente a fachada do Santuário Nacional de Anchieta. Fonte: autor, 2016.

A devolução da edificação à Companhia de Jesus, em 1928, motiva uma busca pelo quarto onde o missionário teria vivido; ainda que não existam registros oficiais do cômodo que ele teria ocupado em Reritiba (COELHO; DIAS, 1998).

Mas a criação do mito leva à escolha de um cômodo, que passa a ser conhe cido como “cela de Anchieta”. Esta reinterpretação comprova a capacidade de alteração implacável dos objetos físicos pelas “erosões e acréscimos da me mória e da história”, como assinala Lowenthal (2000, p. 20), pois, a despeito da ausência de evidências, a materialidade do mito deve ser cultuada. Assim, o passado tangível pode ser alterado para moldar a história em conformidade com as necessidades atuais.

Seguindo o padrão da quadra, com quatro alas em torno do pátio interno (CAR VALHO, 1982), a edificação tem a sua frente o Adro, conhecido como Praça do Santuário. O pátio interno e o Adro conformam espaços livres marcados pela reflexão: enquanto o pátio interno é um espaço semifechado ligado à intros pecção, o Adro é um espaço aberto onde se vivenciam amplas visuais e fortes emoções – é o ápice da chegada dos peregrinos e fiéis (Figura 46).

4Trecho da entrevista com Viviane Pimentel, sobre os valores espirituais dos espaços livres de Anchieta.

O Santuário Nacional de São José de Anchieta

Um marco na valorização do espaço é o Programa de Restauração do Santuário, realizado de 1994 a 1997 pela 2ª Coordenação Regional do IPHAN. Como ressal ta Carol Abreu (1998, p. 183), o IV Centenário da morte de Anchieta estimula “o afloramento e a convergência das expectativas e interesses necessários ao proje to”. Após a restauração, consolida-se a centralidade do Santuário em uma escala regional e nacional, fortalecendo a devoção da comunidade local.

O Santuário de Anchieta é um dos mais significativos espaços imanentes de va lores para a religião católica. Implantado no morro com a orientação sudeste-no roeste, determina o alinhamento de duas vias: a ladeira que “sobe” em direção ao Adro, e uma outra ladeira que “desce” em direção ao rio. A continuidade do eixo deste percurso – do espaço livre à nave da igreja – permanece como construção histórica desde a era Reritiba, orientada do nascer ao pôr do sol.

Figura 47 – Representação teatral da Paixão de Cristo no Adro do Santuário. Fonte: Quitiba, 2015a.

O Sítio Arqueológico Nossa Senhora da Assunção

Figura 48 – Sítio Arqueológico da Igreja, no pátio interno da quadra, vendo-se ao fundo o acesso a “cela” (ou o cubículo) de Anchieta. Fonte: autor, 2016.

A exposição das ruínas deste sítio arqueológico procura suscitar, em mora dores e visitantes, a noção da historicidade do lugar. A construção da igreja sobre a aldeia comprova a reciclagem dos espaços sagrados, como observa Mallarach (2013), e sua reestruturação por uma nova ordem cósmica, con vertendo a organização circular pela axial, norteada pela orientação sagrada católica em eixo leste-oeste.

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No Programa de Restauração de 1994 reativam-se outros significados, com a identificação de dois sítios arqueológicos (NAJJAR, 1998): o morro, inicialmente habitado pelos indígenas, é o Sítio Arqueológico Reritiba; e o conjunto arqui tetônico igreja-residência, representativo da ocupação religiosa cristã, é o Sítio Arqueológico Igreja de Nossa Senhora da Assunção.

Os rituais reafirmam as crenças ao longo do tempo. Realizam-se ou convergem para o Adro as festas religiosas mais importantes da cidade. A Festa de Nossa Senhora da Assunção ocorre em 15 de agosto, dia da cidade, com representação do Auto de Nossa Senhora, escrito por Anchieta. A Festa Nacional de São José de Anchieta acontece no dia 9 de junho, dia da morte do santo, convergindo para o espaço diversas procissões, incluindo os Passos de Anchieta. Cresce em evidên cia a Encenação da Paixão de Cristo, realizada na Semana Santa (Figura 47).

da igreja, encontram-se as imagens dos santos de devoção de toda essa gente que habita a região. Nossa Senhora da Assunção, devoção portuguesa e venerada por Anchieta, é representada como a Virgem Maria alçando aos céus de corpo e alma; os santos inacianos vêm com a Companhia de Jesus; Nossa Senhora da Conceição, padroeira dos franciscanos, vem com a ordem atuante no Espírito Santo; Santa Rita de Cássia, devoção italiana, vem com os imigran tes (MATTOS, M., 1998). Distintas manifestações de fé evidenciam a diversidade étnica e consolidam os valores religiosos do lugar, no decorrer de seis séculos.

Na escavação do pátio, identificam-se os vestígios das alas residenciais sul e oes te, destruídas no século XIX para construção do cemitério (Figura 48). Encon tram-se, neste sítio, objetos utilitários e ossadas pertencentes a várias épocas. Em maior profundidade, identificam-se os vestígios da ocupação indígena, nos permitindo “[...] interpretar que os Jesuítas construíram sua igreja diretamente sobre parte da área ocupada pelos indígenas” (NAJJAR, 1998, p. 58).

O Sítio Arqueológico Reritiba

As prospecções confirmam a preexistência da aldeia, relatada pelos historiado res (CUNHA 2015), atestando que o morro é inicialmente ocupado pelos indíos. Mas a falta de identificação e exposição deste sítio dificulta seu conhecimento pela população, suscitando um equívoco recorrente, de que a fundação da cida de ocorre no aldeamento jesuítico. Deste sítio pouco se conhece:

O poço já tem na sua origem uma curiosa oscilação entre aspectos factuais e fenomenais. Segundo uma lenda, para abastecer a aldeia na época de uma seca, o poço de água é milagrosamente aberto com o cajado de José de Anchieta. Assim nos conta Novaes (1968) sobre a lenda do poço de Anchieta:

Localizada próxima ao Santuário, esta Capela é construída em 1873 como pro messa à Penha, para acabar com uma epidemia de varíola que aterroriza a popu lação (ANCHIETA [Município], 2017a). Devido ao motivo da sua construção, apre senta um grande valor espiritual e histórico para a população local. Localiza-se no cume do morro, mais elevada em relação ao Santuário (Figura 49).

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Figura 50 – Poço do Coimbra, no alto do morro. Fonte: Anchieta [Município], 2017b.

Trazida ao Espírito Santo no século XVI, a devoção espanhola surge quando Maria aparece ao monge Simão na serra Penha de França, e passa a chamar-se Nossa Senhora da Penha, por revelar-se na penha, no penhasco. Aqui ela se torna pa droeira do Estado, por isso a tradição é difundida em várias cidades, incluindo Anchieta. A capela é um exemplo de como a fé se manifesta através do pedido por uma intervenção divina, invocada em prol da saúde da população – mesmo motivo da interveniência original de Nossa Senhora da Penha, na Espanha, onde, sem explicação, uma peste também desaparece, iniciando a devoção e a tradição.

O Poço do Coimbra

Figura 49 – Capela de Nossa Senhora da Penha, em vista noturna. Fonte: autor, 2016.

Sofria a população de Iriritiba, ou Reritiba, e suas vizinhanças as conse quências de forte e prolongada estiagem. Em vão, perscrutava o céu, a fim de verificar a presença de alguma nuvem ou prenúncio de chuva. [...] Voltaram-se, então, os habitantes para o seu querido pai espiritual, o Padre José de Anchieta. Procuraram-no. Encontraram-no, rodeado de sedentos. – Água! Dai-nos água, pai! – Temos sede! Comovido, dian te daquele sofrimento, o Apóstolo do Brasil acena à multidão para que elevasse o pensamento, confiante, à Onipotência Divina. Ali mesmo, tão perto da praia, que percorria sempre, seguido pelos volteios graciosos das aves, Anchieta, de pé, concentra-se, no fervor da prece, fere a terra, com seu cajado, e faz brotar a linfa pura, que enche logo o poço, aberto milagrosamente (NOVAES, 1968, p. 33-34).

A Capela de Nossa Senhora da Penha

O Poço do Coimbra, localizado no alto do morro, por anos é utilizado como fon te natural de água potável para os moradores, antes de haver abastecimento a domicílio (ANCHIETA [Município], 2017b). Ao valor material, de subsistência, so ma-se o imaterial, do milagre. A espiritualidade se reafirma continuamente com a bênção da intervenção divina, ativada na lenda do poço (Figura 50).

Sabe-se que possui vestígios da ocupação humana de dois períodos, o pré -histórico e o de contato entre a população que ali existia e os europeus. O sítio é de grandes dimensões e, pelo menos em um ponto, possui quatro metros de profundidade. Estes dados levam a crer que a população que ali viveu era bem numerosa e ali se fixou por longo tempo, provavelmente séculos (NAJJAR, 1998, p. 58).

Com Nora, inferimos que, no mundo em transformação com aceleração da his tória, lugares de memória adquirem importância pois não temos como habi tar nossa memória. Manter estes referenciais requer preservar os espaços livres significantes. Os valores espirituais do Centro Histórico reafirmam sua imagem enquanto comunidade, enfatizada na escala do morro costeiro e na implanta ção do Santuário, ao alto. Mas algumas ocupações do entorno, devido à falta de controle de índices urbanísticos (altura de edificações e número de pavimentos) começam a desvirtuar essa noção histórica de centralidade (Figura 51).

[...] o espaço de maior significado religioso de Anchieta é o Santuário São José de Anchieta, já os de maior significado espiritual são o Rio Benevente e as praias, incluindo os poços jesuíticos que somam três em Anchieta [...].5

Estes valores também se fazem históricos, ao reativar a memória coletiva do pro cesso de ocupação da cidade. A complementariedade material-imaterial se re vela na interação dos caminhos apontados por Lowenthal (1985) e Nora (1984) – relíquia, história e memória – que ajudam a interpolar estratégias interativas para revelar e reverenciar o passado, na contemporaneidade:

livres do Centro Histórico têm valores religiosos vinculados às relí quias (Santuário de Anchieta, Capela da Penha, sítios arqueológicos, Poço do Coimbra), conectando-se com outras evidências cistãs tangíveis (Figura 52, pá ginas 116-117), perfazendo um conjunto percebido por moradores e visitantes.

5 Trecho da entrevista com Cristina Coelho, sobre os valores espirituais dos espaços livres de Anchieta.

A curiosidade pelos lugares onde se cristaliza e se refugia a memória é ligada a este momento particular de nossa história. Momento de transição, onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória fragmentada; [...]. O sentimento da continuidade torna-se residual aos lugares. Há lugares de memória porque não há mais meios de memória (NORA, 1984, p. xvii).

O valor desta paisagem, que vem sendo consolidado com os primeiros habi tantes e exaltado nas descrições e nos desenhos dos viajantes – Wied-Neuwied (1820) e Saint-Hilaire (1833) –, é afetado por novas dinâmicas urbanas a serem monitoradas. Ainda hoje é possível presenciar a alternância de forças centrípe tas, com o sentido de reverenciar a presença do sagrado, e forças centrífugas, com o sentido de perceber uma ordem superior. Estas relações devem ser observadas para a preservação da metapaisagem espiritual, em futuros estudos de delimitação de cones visuais, observando as perspectivas detectadas.

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Figura 51 – Centro Histórico demonstrando a ocupação urbana. Fonte: autor, 2016.

No mapeamento de valores do Centro Histórico (Figura 52), é possível verificar como o eixo do Santuário (era Retitiba) estrutura as vias de acesso até atualidade (era Anchieta), e também define diversas perspectivas de sensibilização. O Centro Histórico é a área mais consolidada de ocupação da área de estudo, onde uma sequência de espaços livres (Santuário Nacional de São José de Anchieta, Capela de Nossa Senhora da Penha, Poço do Coimbra, Praça de São Pedro) cria uma poligonal norteada pelos valores religiosos cristãos.

Fonte: Anchieta [Município], 2006a; IJSN, 2013; IBGE, 2016; United Sates Geological Survey, 2017. Elaborado por Jordano de Brito, com orientação do autor, 2017.

Figura 52 – Mapeamento dos valores espirituais da paisagem:

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Figura 53 – Porto de Cima e o rio Benevente, com o Monte Urubu ao fundo. Fonte: autor, 2016.

A pesca artesanal em Ubu, Parati e Inhaúma

do Centro Histórico, diversas manifestações espirituais se expandem aos espaços livres das demais áreas urbanas e rurais, costurando uma rede sagrada territorial. São resultantes das atividades cotidianas e das identidades culturais das comunidades locais, como a devoção a São Pedro, cultuado pelos pescado res, e a devoção a São Benedito, originada no sincretismo dos quilombolas.

Devido a sua importância como via navegável no século XIX – que permite o acesso dos imigrantes às terras férteis da região serrana e possibilita a expor tação de café no Porto de Cima (FRANCESCHETTO, 2014a) –, o Rio Benevente tem um singular protagonismo histórico, econômico e cultural na formação do litoral sul. É o caminho para o imigrante chegar à terra prometida, rumo a Canaã. A navegação cotidiana, a pesca artesanal, a procissão marítima e a apreciação do espetáculo da revoada das garças são atividades sócio-cultu rais que justificam futuros estudos para o tombamento do manguezal junto às margens ribeirinhas, que permanecem sob a eterna vigilância do Monte Urubu, ao fundo (Figura 53).

Ao contrário da coleta no manguezal, a pesca em Ubu, Parati e Inhaúma é feita em mar aberto, pelas tradicionais sociedades pesqueiras que ocupam este litoral há centenas de anos. Por viverem próximas da natureza, estabelecem um ethos carregado de práticas sociais com respeito ao ciclo vital dos recursos pesquei ros, como observam Knox e Trigueiro (2015, p. 24): a permanência dos traços artesanais se caracteriza pela transmissão do conhecimento, prático e direto, orientado pelos mestres experientes; e o mais relevante é que “esses saberes são adquiridos no meio ambiente, local do qual se depende para a sobrevivência imediata e o qual se pretende preservar para garantir permanentemente os re cursos naturais”. O saber do ambiente revela a simbiose entre o homem e seu território de atuação na atividade pesqueira, que também se faz na observância dos fenômenos naturais – estações, fases da Lua, marés – e dos referenciais da paisagem (Figura 54). Corrêa (2013) visita os locais de pesca das colônias de Ubu e Parati, percebendo a importância do Monte Aghá e do Monte Urubu:

É notório que a construção simbólica desses referenciais da paisagem, as sim como os seus usos, foram possibilitados não apenas pelas condições disponibilizadas pelo sentido da visão, mas a partir da integração com os demais órgãos dos sentidos acionados nas práticas de aprendizagem com o mar, na observação do clima, nos diálogos e troca com os companheiros, enfim tudo aquilo que está presente em seu meio socioambiental, e que, com maior ou menor intensidade, contribui para formação das relações to pofílicas construídas com o lugar (CORRÊA, 2013, p. 209).

A pesca artesanal no Rio Benevente

6 Trecho da entrevista com Cristina Coelho, sobre os valores espirituais dos espaços livres de Anchieta.

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A pesca no Rio Benevente é uma atividade tradicional viabilizada pela secular interação entre o habitante e o ambiente. Ressignificada pela fé católica, a pesca tem em São Pedro sua maior devoção: o apóstolo pescador, com uma simbo logia fundamental para a religião católica. Com o milagre da multiplicação dos peixes, Jesus provém o alimento, abençoa a fartura das águas. O rio e seu exuberante manguezal representam um espaço livre de valor inestimável:

[...] O Benevente é o leito por onde correu e continua correndo toda a histó ria de Anchieta; o elemento que conecta lugares, pessoas e tempos distin tos (passado, presente e futuro); é fonte de vida animal, vegetal e urbana; provê alimento dos mais típicos e subsistência de muitas famílias que da pesca vivem; emoldura e reflete a cidade; guarda e inspira estórias entre outras coisas.6

A paisagem é tudo! A gente pede licença para usar a natureza. O mar sim boliza a criação! O mar só acolhe as coisas boas. A gente tira o peixe e de volve o que o mar nos dá. Quando a gente faz uma oferenda, vê os peixes chegarem, pularem... Quando a gente faz uma oferenda, é como se estives se cuidando da terra, que é nosso corpo. [...]

Não é só neste momento que ocorre um ritual; a vida é um ritual.7

A Festa de São Pedro

Em Anchieta, uma tradicional Festa de São Pedro anima os espaços livres do Centro Histórico e da Praia Central. Uma procissão marítima ocorre no dia 29 de junho, com início no cais próximo à Colônia de Pescadores e retorno na Ponta de Castelhanos, contando com barcos ornamentados que fazem a travessia com a imagem do santo (Figura 55). Na sequência, realiza-se uma procissão terrestre até a Praça São Pedro, onde ocorre uma missa campal (CETTO, 2017).

Figura 55 – Procissão marítima de São Pedro, no rio Benevente. Fonte: Cetto, 2017.

O peixe, por inqualificável desdém, procurou imitar a voz do Salvador e, fazendo um trejeito, como quem torce o queixo para um lado, reproduziu a pergunta, sem lhe dar resposta. Então, Jesus, assim falou: – De hoje em diante, como pena à zombaria e afronta que fizeste ao teu Criador, te arras tarás, na lama, como uma folha que o vento arrasta ao lodo, [...], e a tua boca será torta, a fim de que todos os teus irmãos te evitem e contigo jamais se confundam (NOVAES, 1968, p. 61-62).

Jesus, ouvindo-o, passeou os olhos pelo mar e, vendo um linguado ou ma raçapeba à superfície, indagou: – Maraçapeba, a maré enche ou vaza?

está presente em toda a natureza. Sobre a relação do homem com a paisagem e a água, Mãe Néia observa que deve haver um respeito, um equilíbrio, pois tam bém existe uma intervenção divina na fartura proporcionada pelo mar:

7 Trecho da entrevista com Mãe Edinéia Cabral da Silva, sobre os valores espirituais da paisagem segundo o Candomblé.

Na espiritualidade do Candomblé, o mar está presente com a proteção de Ye manjá, como parte do culto aos quatro elementos (ar, fogo, terra e água). Deus

Quando Cristo andou pelo mundo, certa vez, no mar, em companhia de São Pedro, desejou saber que horas seriam, porque a maré parecia não en cher nem vazar. São Pedro, vendo-o assim preocupado, lhe disse: – Senhor, qualquer peixe lhe dirá que horas serão, porque todos eles têm as horas de suas refeições marcadas.

54 – Monte Urubu (Anchieta) visto do mar de Meaípe (Guarapari), demonstrando sua abrangência visual como um guia para os pescadores. Fonte: Sarti, 2015.

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A fé em São Pedro permeia a tradição do pescador. O santo participa da lenda do maraçapeba, exemplificando a interveniência divina sobre a criação, respon sável pela morfologia do peixe (também chamado de linguado): pois este, fino como uma folha, com a boca torta e tendo ambos os olhos de um lado, só conse gue andar deitado, arrastando-se no fundo do mar. A lenda fala do poder sagra do sobre a natureza, impondo a força de um criador sobre os elementos vitais:

os rituais, o valor religioso adquire um sentido de agradecer a fartu ra proporcionada pela água, em consonância com a observação de Mallarach (2013) sobre o poder da celebração em religar dois mundos, o físico e o fenome nal. Também evidencia uma simbiose terra-mar, pela natureza dual da procissão, feita em duas etapas, no mar e na terra. Em terra, a Praça de São Pedro é o espaço livre que centraliza a parte profana da festividade, com feiras e comidas típicas.

Figura 57 – Caminhada Passos dos Imigrantes na área rural de Anchieta. Fonte: Máximo, 2015.

A Festa da Imigração Italiana Anualmente, as comunidades rurais revivem uma fase importante da sua história, quando a vinda dos imigrantes é relembrada na Festa da Imigração Italiana. A festa compreende dois dias de comemorações que se estendem em várias co munidades do interior. A programação começa na noite de sábado, com a realização de uma missa campal, remetendo aos primórdios da imigração – como por exemplo, a chegada do padre ao local da missa, a cavalo, abençoando os agri cultores e agradecendo a Deus pelas boas colheitas obtidas naquele ano. Após a missa ocorre a abertura oficial da festa (MÁXIMO, 2015). Durante a festividade, integrantes da comunidade vestidos a caráter distribuem vinho, queijo e salame (ANCHIETA [Município], 2014b), celebrando a fartura da terra. O saber dos antigos camponeses costuma ser encenado e celebrado, com algumas demonstrações das técnicas e vestimentas utilizadas nos primeiros cultivos (Figura 56).

A caminhada Passos dos Imigrantes e o “Mochilaço”

Este evento acontece anualmente na Festa da Imigração Italiana, com a fina lidade de resgatar a história e reviver o caminho percorrido pelos imigrantes. Envolve dois dias de caminhada, contando com centenas de participantes, en tre visitantes e moradores. No primeiro dia, a caminhada parte do Centro de Anchieta e segue por Arerá, Emboacica e Simpatia. No segundo dia, a concen tração começa em Serra das Graças, e após um café da manhã, os andarilhos rei niciam a caminhada em direção à comunidade de Dois Irmãos, onde são rece bidos com música e caminham até a próxima parada, em Alto Joeba (ANCHIETA [Município], 2014c).

O valor religioso é reativado em um evento paralelo: o Polo dos Jesuítas do Espí rito Santo promove o Mochilaço, atraindo participantes de vários estados (LUPPI, 2015). Em quatro dias, eles percorrem as montanhas de Anchieta e encerram a caminhada no Santuário de Anchieta. Os participantes compartilham experiências de valor religioso e social, em uma escala territorial, na caminhada que

O trajeto atravessa uma paisagem típica da imigração, formada por montanhas, nascentes e plantações. Ao chegar no último destino, em Alto Pongal, a recep ção ocorre em clima de festa. A comunidade recebe milhares de visitantes e an darilhos com um típico almoço italiano, acentuando seu valor identitário, histó rico e social, que, por sua abrangência, entre as áreas rurais e as comunidades tradicionais, alcança uma escala territorial (Figura 57).

Figura 56 – Cena do plantio na Festa da Imigração Italiana, em Alto Pongal. Fonte: Máximo, 2015.

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A Via Sacra na Serra do Itaperoroma

aos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola, segundo o qual Deus está presente em nós, sustenta nossa história e toda a criação. Nos espaços livres ru rais os fiéis podem reafirmar a crença no sagrado (Figura 58).

Figura 59 – Participantes da Via Sacra na Serra do Itaperoroma. Fonte: Miranda, 2015.

O Cristianismo mudou radicalmente a experiência e o conceito de tempo li túrgico, e isso se deve ao fato de que o Cristianismo afirma a historicidade da pessoa de Cristo. A liturgia cristã desdobra-se num tempo histórico santifica do pela encarnação do Filho de Deus (ELIADE, 1959, p. 72, tradução do autor).

Figura 60 – Folia de Reis no adro do Santuário. Fonte: Anchieta [Município], 2014b.

A Folia de Reis Este festejo tem origem portuguesa, ligado às comemorações do culto católico do Natal, trazido para o Brasil ainda nos primórdios do período colonial. A tradi ção é tão forte no interior do Espírito Santo, que no município de Muniz Freire ocorre anualmente um Encontro Nacional, com participantes de todo o país. Re alizada entre 24 de dezembro e 6 de janeiro de cada ano (ANCHIETA [Município], 2014b), a Folia de Reis apresenta um caráter sagrado-profano, fechando o ciclo do Natal. Durante esse período, os foliões visitam as casas da região, cantando e abençoando os moradores, tendo ainda, como costume, coletar uma contribui ção financeira para realizar uma festa para os Santos Reis (Figura 60).

Figura 58 – “Mochilaço”, evento cultural religioso realizado no ano de 2015. Fonte: Luppi, 2015.

Os moradores da comunidade de Itaperoroma Baixa realizam uma Via Sacra subindo as trilhas da Serra do Itaperoroma. A subida representa uma forma de penitência, celebrando a Sexta Feira Santa, dia em que Jesus é crucificado. Os participantes percorrem 15 estações que retratam o sofrimento de Jesus (Figura 59), encerrando a caminhada na estação da ressurreição, junto à réplica de uma estátua do Cristo Redentor (MIRANDA, 2015). Este é o mesmo lugar em que os primeiros fazendeiros da região instalam uma torradeira para fazer farinha, em estruturas de pedra ainda existentes no local, reativando a memória da ocupação.

Como observa Eliade (1959), de um lado, há os intervalos de um tempo sagrado, o tempo dos festivais geralmente periódicos; e do outro, uma duração temporal ordinária, em que os atos sem significado religioso têm sua configuração. Estas festividades apresentam momentos e estágios significantes, escolhendo deter minados lugares como estações de uma via sacra:

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A Festa de São Benedito

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Os moradores da comunidade negra de São Mateus guardam as manifestações culturais das tradicionais danças do congo e do jongo (LUPPI, 2015). O congo é um ritmo musical marcante no Espírito Santo, que usa o tambor de congo, a casaca, a cuíca e o bumbo. Este é o barulho confuso descrito pelo pintor Biard (1862) em sua visita no século XIX. Com origem indígena, as bandas de congo são incorporadas nas comunidades negras e mescladas com elementos euro peus (LINS, 2009; NEVES, G., 2008), em um instigante amálgama cultural.

ritual sagrado, ocasionalmente vem um humor profano, com a leveza das crianças que vão atrás, correndo e brincando na procissão:

A festa é realizada pela primeira vez como pagamento de uma promessa dos escravos que se salvam de um navio que naufraga na costa do Espírito Santo: durante o naufrágio, os escravos pedem ajuda a São Benedito e conseguem sobreviver agarrando-se ao mastro do navio. Esta história é convertida em ritual (uma tradição trazida de Portugal), pois na festa representa-se simbolicamente a puxada do barco em terra, com o mastro, em um cortejo envol vendo toda a comunidade. Após a procissão, o barco é deixado no lugar até o dia seguinte, quando se dá a fincada do mastro junto à igreja do santo (USINA DE IMAGEM, 2009), integrando significados da história, da identidade e da Aliando-sereligiosidade.ao

Muitas atividades culturais negras são marcadas pelo sincretismo até a atuali dade. Nesse caso, estão as procissões de São Benedito (santo descendente de escravos etíopes, protetor dos negros), cerimônias que crescem e ganham am plitude no século XX, principalmente nas regiões já conhecidas pela expressiva presença da população negra (ELTON, 1988; MACIEL, 1994).

As cantorias das bandas de congo e jongo

Por sua importância cultural, o congo é reconhecido como patrimônio imaterial capixaba (ESPÍRITO SANTO, 2014). Em Anchieta, destacam-se o Grupo de Jongo Tambores de São Mateus, de São Mateus; a Banda de Jongo de São Benedito Sol

O mastro do santo é a “recordação” da festa guardada por meses, de que fala Biard (1862), porque este, após a cerimônia da Cortada, permanece aguardando a cerimônia da Fincada, convergindo espaços e tempos sagrados. Segundo Lins (2009), o mastro pode ser enfeitado com guirlandas de flores e folhas, tendo ao alto a imagem ou o estandarte do santo; é carregado aos ombros, arrastado ao chão ou conduzido em navio ou barco sobre rodas, enfeitado de bandeiras.

Em Anchieta, a festa consiste nas etapas da Retirada e da Fincada do mastro, e normalmente inclui missas e procissões, com participação ativa das bandas de congo. Com público estimado de 2.000 pessoas, ocorre no dia 27 de janeiro (USINA DE IMAGEM, 2009). Uma caminhada parte de São Mateus em direção a Itapeúna, onde acontece a tradicional derrubada do mastro de São Benedito (ANCHIETA [Município], 2014d), ritual no qual a árvore e exerce um papel funda mental (Figura 61), evidenciando o valor religioso das florestas locais.

Figura 61 – Festa do mastro realizada em São Mateus em 1981. Fonte: Cultura Maratimba, 2009b.

Oi que santo é aquele | que vem lá fora | é São Benedito | na sua charola Oi que santo é aquele | que vem na charola | é São Benedito | co’a bunda de fora (LINS, 2009, p. 75-76).

As apresentações das bandas de congo revelam um significado impregnado pelo amálgama das identidades culturais: representam as lutas e os reinados africanos; geralmente, o cortejo real circula pelas ruas da comunidade e dança na frente da igreja e das casas mais importantes (MACIEL, 1994). Com temáticas variadas, as músicas e toadas falam muito do trabalho, dos santos, das festas e da paisagem:

A herança indígena na Chapada do Á

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do Centro (SILVA, L., 2014); e a Banda de Congo Mestre Pedro Camilo, do Porto de Cima (USINA DE IMAGEM, 2009). Seus saberes são revividos em diversas festividades, como o Encontro das Bandas de Congo (Figura 62).

Bebi água de palmeira Para o meu “cante” muda... êêêêi... Meu “cante” ficou no mesmo, Ai meu Deus o que será? êêêêêi... (NEVES, G., 2008b, p. 68).

A comunidade da Chapada do Á preserva a herança dos Tupiniquins. Testemu nho das revoltas dos índios em razão dos maus-tratos em Reritiba, o lugar tem seu valor reativado através da memória dos moradores antigos (MATTOS, S., 2009, 2016). A espiritualidade indígena se expressa na sintonia com a nature za, nos mitos dos seres da água e da terra (NIMUENDAJU, 1986), no plantio, no extrativismo, na coleta de plantas, sementes e resinas. Um exemplo é a almesca (Protium heptaphyllum), árvore comum nas restingas capixabas, que excreta no tronco uma resina branca empregada para fazer incenso, usada pelos índios em rituais de purificação, sendo também adotada pelos Jesuítas:

Figura 62 – Cartaz do Encontro de Bandas de Congo em 2009. Fonte: Anchieta [Município], 2009.

Estas apresentações fazem parte do Dia Nacional da Consciência Negra, come morado no dia 20 de novembro (ANCHIETA [Município], 2014d). As bandas de congo inundam de ritmo a paisagem da sede e das áreas rurais, nas comunida des de origem quilombola, especialmente São Mateus, atuando como repositó rios de valores religiosos, históricos e identitários.

Ha muitas árvores de cedro, aquila, sândalos e outros paus de bom odor e várias cores e tantas diferenças de folhas e flores que para a vista é grande recreação e pela variedade não se cansa de ver (ANCHIETA, 1585, p. 431).

Figura 63 – Casas na Chapada do Á. Fonte: autor, 2016.

A comunidade tem consciência do valor da terra, que deve ser preservada. As atividades realizadas para fins econômicos são a extração de embira, pimenta -rosa (aroeira) e taboa, a cata do caranguejo e a pesca do pitu, segundo Roquette (2015), que percorre os locais dos antigos quitungos, e os espaços vivenciados na Folia de Reis, nas cantigas de roda, bem como os cemitérios e os sítios arque ológicos, muitos não sinalizados. Composta por cerca de 70 famílias, a comuni dade se organiza em uma propriedade comunal (Figura 63).

O Jaraguá é uma das mais interessantes manifestações folclóricas de origem re ligiosa, que nas terras capixabas só acontece em Anchieta e Alfredo Chaves (no interior). Alguns afirmam que sua origem remonta aos tempos da catequese, quando os Jesuítas ameaçam os índios fujões com a lenda de um cavalo que aparece do lodo do mangue para pegar os revoltos. Nas entrevistas, as lembran ças do Jaraguá são constantes nas memória dos moradores:

O Poço Abaré e o Poço de Castelhanos – creditados aos milagres de Anchieta, abertos com seu cajado – pontuam as peregrinações como estações de uma via sacra. O Poço Abaré, localizado na Praia Central, encontra-se sinalizado e possibi lita a visitação. O Poço de Castelhanos (Figura 65), cercado em uma propriedade privada na praia de mesmo nome, não tem sinalização que evidencie a impor tância religiosa (D’ASSUMPÇÃO, 2014), mas durante a passagem dos Passos de Anchieta, abre-se a cerca para permitir a visitação pelos peregrinos.

A lembrança da catequese no Bloco do Jaraguá

8 Trecho da entrevista com Camila Silva e Jonas Henrique Fernandes e Silva, sobre suas vivências em Anchieta.

Quando a gente era criança, sempre acompanhava a saída do Jaraguá... mas a gente corria... era uma brincadeira, mas a gente morria de medo do Jaraguá! 8

Figura 64 – Jaraguá no Carnaval de 2015 no centro de Anchieta. Fonte: Anchieta [Município], 2016.

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O Jaraguá surge como personagem da cultura popular, representado por um homem vestido com caveira de cavalo e manto feito com musgo de mangue, evidenciando sua origem. Segundo seu representante oficial, José Luíz Doellin ger, novos enredos são adicionados, incorporando o boi, a burrinha e o jipinica (um urubu): a burrinha puxa o boi, o Jaraguá morde o boi até cair morto, aí vem o jipinica e pica o boi, devorando seus restos (PRESTES, 2011). Com postura tra vessa e aparência sinistra, o bicho diverte os adultos e assusta as crianças, ao ser anunciado pelos tambores e cantorias nos versos tradicionais:

Lá vem, lá vem, lá vem a Jaraguá Corpo de homem e cabeça de animá (PRESTES, 2011, p. 34).

Saindo da beira do manguezal, o Jaraguá exibe-se pelas ruas do Centro, dan çando, saltando e investindo contra o público, batendo a queixada com estalos estridentes (USINA DE IMAGEM, 2009). Em 2000, o grupo participa do Auto de Nossa Senhora da Assunção, no Santuário.

Guilherme Santos Neves (2008, p. 42), poeticamente, define os Jaraguás como “figuras desgarradas de um Bumba capixaba”. Prestes (2011, p. 6) reconhece nes ta manifestação um “elemento identitário da cultura popular”, um “patrimônio imaterial de Anchieta”. Atualmente, o Bloco do Jaraguá desfila nas ruas de An chieta durante o Carnaval (Figura 64).

Os valores espirituais transcendem as áreas urbanas e rurais, expandindo-se, in clusive, além do território municipal, atingindo uma escala microrregional, na forma de festas e peregrinações. Esta expansão territorial, intensa no século XXI, decorre da crescente devoção a São José de Anchieta.

O Poço Abaré e o Poço de Castelhanos

As peregrinações na orla de Ubu

Como em toda festa religiosa, coexistem pacificamente os dois lados, o sagrado e o profano, imprimindo ao evento uma dimensão superior à espiritual, que se mescla com manifestações ambientais, educativas, esportivas, turísticas e gas tronômicas. A festa reúne eventos paralelos, advindos de diversas localidades, como a Caminhada Luminosa, de Ubu ao Santuário (Anchieta); a peregrinação Passos de Anchieta, da Catedral de Vitória (Vitória) até o Santuário (Anchieta); entre outros. Encerra com uma missa campal (Figura 67) na Praia Central.

O roteiro “Passos de Anchieta” resgata a peregrinação de Anchieta na companhia dos Temiminós, saindo de Reritiba e caminhando a pé pelo litoral, até chegar em Vitória, para cuidar do Colégio de São Tiago (ABAPA, 2017), hoje transformado no Palácio do Governo do Estado do Espírito Santo. É também o caminho per corrido pelos índios que o carregam em seu cortejo fúnebre (VASCONCELOS, S., 1672). Alguém mais atento à biografia do santo pode perguntar se seria possível que ele caminhasse por tão longe, pelas fortes dores que sentiria na coluna: uma tuberculose ósteo-articular, que lhe haveria encurvado as costas, não lhe per mitiria caminhadas tão longas; e não há documento, carta ou informação anual que ateste a realização do trajeto a cada 15 dias, enfrentando nativos hostis que resistiriam à catequese e seriam inimigos quase naturais.

A comunidade de Ubu origina-se de uma vila caiçara. Conta-se que, quando ali passa o cortejo fúnebre com o corpo de Anchieta, carregado pelos índios, o es quife tomba, fazendo os índios exclamarem “Aba Ubu” (o padre caiu); assim, de ve-se ao cortejo a origem deste topônimo. Além dos Passos de Anchieta, o local é ponto inicial da Caminhada Luminosa, que segue à noite pela estrada de chão que margeia o litoral, até o Santuário Nacional de Anchieta (Figura 66).

A Festa Nacional de São José de Anchieta

Realizada em parceria da Prefeitura Municipal com o Santuário Nacional, a Festa de Anchieta ocorre no início de junho, incluindo o 9 de junho, dia do falecimento do santo. Ao qualificar-se como nacional, procura captar uma posse da memória, remetendo ao benefício que Lowenthal define como ancestralidade.

Figura 67 – Missa de São José de Anchieta na Praia Central. Fonte: Quitiba, 2015b.

A peregrinação Passos de Anchieta

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Figura 65 – Poço de Castelhanos. Fonte: Tanharu Praia Hotel, 2015.

Fonte: Santuário Nacional de São José de Anchieta, 2016.

Figura 66 – Caminhada Luminosa em 2016.

Nunca andava a cavallo por ser quebrado das costas, mas sempre caminha va a pé, e tanto que saia de povoado metia os sapatos debaixo do braço, continuava seu caminho descalço, com seu bordão na mão, e até os índios se espantavam de seu caminhar, que parecia que voava por praias, serras e vales (RODRIGUES, 1607, p. 13).

[...] A paisagem e seu movimento não só distraem o caminhante, mas insti gam a procurar novos detalhes, descobrir novos fatos, a caminhar para ver mais, porque então você também já vira parte da paisagem.9

Além da gratificação pessoal e do fervor religioso, e o enriquecimento cultural sobre a obra jesuítica na paisagem capixaba, o que se sobressai é uma singular experiência de introspecção, que constitui a principal motivação da caminhada.

Peregrinos atravessando as falésias de Mãe-Bá, em Anchieta. Fonte: Rocio, 2017.

[...] todo o caminho foi um apelo à reflexão espiritual. Mas, alguns momen tos foram marcantes nesse sentido: a partida, no adro da Catedral de Vitória e no Convento da Penha. Esses lugares são, por natureza, sempre um convi te a essa reflexão, assim como a igreja Velha de Guarapari e a de Anchieta.10

territorial.Figura68–

As festividades que marcam o tempo sagrado – São Pedro, Folia de Reis, São Benedito, São José de Anchieta e Passos de Anchieta – são caracterizadas pelo 10Entrevista realizada com Cristina Coelho, sobre a experiência da caminhada Passos de Anchieta.

[...] ficava atrás dos companheiros caminhando e depois o viam diante de si, sem darem fé quando passava por eles (RODRIGUES, 1607, p. 38).

Então, é certo que andaria sem se cansar, por sua santidade. E a revalidação do trajeto vale-se do conhecimento de que os Jesuítas se notabilizam como an darilhos em longas distâncias, como demonstração de fé, parte integrante dos exercícios espirituais de Inácio de Loyola, que descobre Jesus atuante de diver sas maneiras em todas as pessoas, também na natureza, também na sua criação.

esse mistério reside justamente nos propalados feitos da sua santidade, pois, entre suas capacidades fenomenais – de estar em dois lugares ao mesmo tempo, falar com animais ferozes e atrair pássaros a sua volta (VASCONCELLOS, S., 1672) – estaria também a habilidade de se deslocar magicamente:

A caminhada anual, promovida pela ABAPA (Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta), mobiliza uma população que ultrapassa a 3.000 pes soas (ABAPA, 2017), revelando a importância do evento, realizado no feriado de Corpus Christi, com percurso realizado em quatro dias. A todo momento existem experiências de interação com a paisagem, que aliviam o desafio físico do per curso e fazem o peregrino sentir-se também como uma parte da criação divina:

A caminhada proporciona conhecimento de vários sítios históricos, na sequ ência de paisagens que se oferecem ao andarilho. Esta multiplicidade de sig nificados consegue atrair participantes dos mais diversos lugares do país, que 9Entrevista realizada com Viviane Pimentel, sobre a experiência da caminhada Passos de Anchieta.

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se ajudam nos momentos difíceis, evidenciando para muitos um sentido de enriquecimento pessoal e interação social. No limite entre Guarapari e Anchie ta, os peregrinos seguem pela ES 060 entre as falésias e a lagoa Mãe-Bá (Figura 68). Na praia de Ubu, no local onde tomba o esquife de Anchieta, existe uma cruz de madeira onde os andarilhos viram-se de costas e atiram conchas, fa zendo pedidos para serem atendidos pelo santo (ABAPA, 2017). Os peregrinos passam pelos outros poços (Poço de Castelhanos e Poço Abaré) e atravessam a Praia Central até chegar ao Santuário, vivenciando uma rede de valores, como uma via sacra

Se, de um lado, segmentos sociais têm dedicado atenção aos bens imateriais, de outro lado, muitas relíquias com significados intangíveis encontram-se em mal estado de conservação, evidenciando o que Sônia Mattos (2006) chama de apagamento da memória coletiva. E, como observa Abreu (1998), nem todos os estratos da sociedade atribuem valor ao bem cultural, nem tampouco, quando o fazem, reconhecem sua importância pelos mesmos motivos:

As terras tradicionais onde vivem, de forma comunal, os descendentes dos Tu piniquins, correspondem ao mesmo local denunciado pela invasão dos colonos, no século XVIII (MATTOS, S., 2009; 2016). Estamos, portanto, de volta ao começo: a comunidade da Chapada do Á continua a ser um dos locais mais ameaçados pela alienação territorial em Anchieta (Figura 69).

4.2 Ameaças e desafios na preservação da metapaisagem Desde sempre esta paisagem é afetada por forças externas: nas eras Reritiba, Benevente e Anchieta. A Companhia de Jesus atua como instituição transnacio nal, de forma que não se pode falar na construção do Brasil sem considerar a interação entre estrangeiro e nativo. Costuma-se creditar aos colonizadores a

Figura 69 – Comunidade da Chapada do Á, demonstrando a área adquirida para o projeto industrial, à esquerda, e a comunidade descendente dos Tupiniquins, à direita. Fonte: autor, 2016.

visão da terra como fonte de recursos, mas até os Jesuítas saem em busca de ouro e esmeraldas (OLIVEIRA, 1975). Naturalistas se extasiam com a natureza, mas Maximilian (1820) caça e coleciona animais; Saint-Hilaire (1833) coleta plan tas e lamenta o desconhecimento dos recursos disponíveis no Brasil: metais, dia mantes, terras férteis... Assim, o colonizador do século XVI pode equiparar-se ao naturalista do século XIX e ao industrial do século XX; não há romantismo aqui, há interesse pelo recurso rentável. Assim, a dinâmica da globalização não difere do processo vivenciado na era colonial, provincial ou moderna, em sua contun dência – diferencia-se, então, na magnitude da sua aceleração.

Mallarach (2013), as romarias contemporâneas se dirigem aos lugares santos de origem remota e repetem, de maneira mais ou menos frag mentada ou turva, rituais ancestrais, cujo sentido profundo frequentemente es capa à maioria de seus participantes. Assim, essa dimensão social, identitária, vi gorosa, festiva e popular, vem ressignificando a dimensão espiritual que muitos têm na sua origem, imbuindo-se de uma festividade profana.

de tradições europeias, indígenas e africanas, reafirmando me mórias coletivas de uma identidade plural. Este valor religioso multifacetado explica porque o evento se conecta com outros significados sociais, culturais e Comoturísticos.noslembra

[...] em contraposição às razões históricas e artísticas, tão distantes e tão desconhecidas da imensa maioria da população, temos razões devocionais, íntimas e afetivas que são as que de fato explicam e condicionam as distin tas formas de apropriação de um determinado bem e o que o transformam em patrimônio (ABREU, 1998, p. 179-180).

Diante da herança espiritual, é importante conhecer sobre as ameaças da ótica desenvolvimentista, que impede a dimensão da paisagem como sublimação.

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O governo estadual cria o Polo Industrial e de Serviços (ESPÍRITO SANTO, 2007) na porção leste do município, para segmentos de siderurgia, metal-mecânica, petróleo e gás, e infraestrutura portuária e ferroviária. Apresentado por uma Avaliação Ambiental Estratégica (ESPÍRITO SANTO EM AÇÃO; CEPEMAR CON

Esses conflitos com a atividade petrolífera e portuária já são verificados desde 2007: a pesca é afetada pela construção, expansão e dragagem de portos e esta leiros, pelos estudos sísmicos para instalações de dutos de petróleo e gás, e pela movimentação de navios (KNOX; TRIGUEIRO, 2015). As atividades portuárias são as principais causas do desaparecimento de peixes na região próxima à costa, que vem afetando Ubu, Parati e Inhaúma, comunidades bem tradicionais e mar cadas por demandas muito direcionadas à atividade pesqueira.11

[...] perda dos espaços de praia, alteração na paisagem, ocupação de ter ritórios informais, formação de bolsões de pobreza, extinção de ecossis temas importantes para a zona costeira. Por mais que os estudos ame nizem essa condição propondo medidas mitigadoras e compensatórias [...], muitas vezes não têm real efetividade (BITENCOURT, 2013, p. 277278, negrito do autor).

EM MEIO AMBIENTE, 2008), o Polo, com extensão de 2,5 mil hectares, vem gerando conflitos com a sociedade civil, porque se aproxima de unidades de conservação, ambientes sensíveis e comunidades tradicionais, prenunciando uma nova onda de expansão industrial e alienação territorial.

Essa oscilação de valores posiciona as estruturas significantes do ambiente e da paisagem (areia, litoral, minério, petróleo) como as “entidades trajetivas” de Ber que (2000b), que traduzem a oscilação factual-fenomenal dos meios humanos, e se expressam em quatro grandes dimensões:

Barbosa (2010) analisa especificamente os prováveis impactos do Polo Industrial e de Serviços de Anchieta nos ambientes do entorno, caso seja efetivamente implantado. Observa que “o transcurso do tempo, embora traga o desgaste da obra humana” não é capaz de apagar o poder evocativo da importância histórica original de Anchieta: “a presença jesuítica no solo espírito-santense nos primór dios da civilização brasileira” (BARBOSA, 2010, p. 214).

11Entrevista com Mariângela de Lorenzo, sobre os valores identitários das comunidades.

Corrêa (2013) ressalta que os prejuízos sociais são mais complexos, pois reme tem à interdependência entre o trabalho da pesca e o modo de vida, valores ainda presentes nas comunidades tradicionais. Os pescadores descrevem a importância do lugar na sua história, que se confunde com a história do lugar, atribuindo-lhe um valor inestimável. A autora ressalta a importância do Mon te Urubu e do Monte Aghá, vistos do mar, como referenciais de localização para os pescadores.

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Bitencourt (2013), em seu estudo sobre os impactos dos projetos sobre as comu nidades tradicionais do litoral sul, faz uma sobreposição em mapa, confirmando a incidência de empreendimentos em áreas de interesse ambiental, unidades de conservação e pesqueiros conhecidos. Torna-se possível prever, em Anchieta, um cenário com perspectivas de muitas alterações, sendo algumas delas de con sequências relevantes, tais como:

Adilson Neves (2009), presidente da Associação de Pescadores de Ubu e Parati, descreve a degradação ambiental causada pelas empresas, nas obras de infraes trutura, que vem afetando os pontos pesqueiros e os espaços livres.

As demandas que se apresentam para Anchieta possuem não apenas um sentido propriamente econômico do território, [...] mas também um senti do simbólico – o território como universo sensorial, como força de resistên cia a ser submetida pela ação humana, constituindo ele o cenário da expe riência dos indivíduos, da memória social para si mesmo e para o mundo (BARBOSA, 2010, p. 289).

A criação do Polo é posterior à aprovação do Plano Diretor (ANCHIETA [Muni cípio], 2006a), motivando sua alteração por lei complementar, para viabilizar o distrito industrial. Ainda que o Plano Diretor estabeleça instrumentos para a pre servação do patrimônio, estes dispositivos vêm sendo alterados para viabilizar novos empreendimentos. Esta flexibilidade legal viabiliza a estratégia recorrente de ocupação industrial, que afeta paisagens espiritualmente significantes.

Estes fatores destituem a paisagem como instância de devoção, na dominância da ótica material. A magnitude destas ameaças valida a investigação dos valores espirituais, que vêm sendo sistematicamente invisibilizados:

Que a paisagem é uma entidade trajetiva significa que não existe se não es tamos dispostos a ver; caso contrário, não é bem a paisagem o que vemos, mas outra coisa, ou seja, de outras entidades trajetivas, próprias à mediân cia e à epoca do mundo a que pertencemos (BERQUE, 1996, p. 88).

Nas últimas décadas, a erosão vem afetando seriamente o litoral capixaba. Em Anchieta o problema é mais grave na Praia Central, que necessita de obras de contenção do calçadão, destruído em 2017 após vigoroso avanço do mar. Esta degradação ambiental pode impedir as ilações espirituais da orla como espaço físico e cenário significante das peregrinações (Figura 70).

• ocupação industrial em paisagem espiritualmente significante: mineroduto no Rio Beneven te e no manguezal, UGT Sul Petrobrás na área de interesse ambiental, Usinas da Samarco no entorno da Lagoa Mãe-Bá, Terminal Portuário da Samarco no litoral;

Um meio se manifesta pelos recursos, restrições, riscos, amenidades, etc., em suma, pelas qualidades mediais, pelas quais o ambiente tem um certo sentido para a sociedade. Estas qualidades mediais acendem à existência pela trajeção recíproca de realidades fatuais e realidades sensíveis. Sem tal trajeção, nem recursos nem riscos (etc.) existem (BERQUE, 2000b, p. 95, tradução do autor).

A invisibilidade de algumas manifestações religiosas, suas espacialidades e tem poralidades sagradas, demanda que se façam reflexões sobre a necessidade de evitar a implantação de empreendimentos de grande magnitude junto aos es paços livres de relevância espiritual. Nesse contexto, cabe verificar como os pla nos existentes não contemplam estes valores, bem como apontar os desafios a serem enfrentados na preservação da metapaisagem espiritual de Anchieta.

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O autor cita o petróleo, que, sem a tecnologia, não é um recurso, é “[...] uma rea lidade geológica relevante somente do mundo factual, e, portanto, além de ma nifestações menores, não existe para o homem” (BERQUE, 2000b, p. 95, tradução do autor). Com a tecnologia, o petróleo é convertido em recurso, algo que não se releva somente da natureza, nem somente da sociedade, mas de um meio.

No caso da política de desenvolvimento dependente das commodities, o proble ma se agrava quando há um desequilibrio entre benefícios e riscos. Este desequi líbrio se verifica na área prevista para o Polo Industrial, a leste do município, onde estão concluídos os seguintes empreendimentos: a 4ª Usina de Pelotização da Samarco (SAMARCO MINERAÇÃO; CEPEMAR CONSULTORIA EM MEIO AMBIENTE, 2009); a Unidade de Tratamento de Gás Sul Capixaba (PETROBRÁS, 2009); e o Ga soduto Sul Norte Capixaba da Petrobrás (CEPEMAR CONSULTORIA EM MEIO AM BIENTE, 2011). Estes projetos provocam reações dos movimentos sociais de An chieta e do Espírito Santo, e representam as maiores ameaças à metapaisagem:

• deterioração ambiental em espaço livre de valor espiritual: erosão na Praia Central, no Centro de Anchieta, perda das condições de pesca na enseada de Ubú e Parati, poluição na Lagoa de Ubú, poluição na Lagoa Mãe-Bá;

• adensamento urbano em entorno de espaço sagrado: ocupação de vazios e adensamento construtivo no Centro Histórico, nos terrenos mais baixos, que conturbam as perspectivas de reverência do sagrado e de percepção da obra divina.

A tese de doutorado (FIOROTTI, 2017) contém um mapeamento destas ameaças aos valores imateriais da metapaisagem espiritual, com contribuições de Bar bosa (2010), Bitencourt (2013), Corrêa (2013), Roquete (2015) e Zanotelli (2014).

• alienação territorial de comunidade tradicional: pressão pela aquisição de terras declaradas de interesse de desapropriação para o Polo Industrial, nas comunidades no entorno do Monte Urubu: Monteiro, Chapada do Á e Belo Horizonte;

Se usinas siderúrgicas e terminais portuários são apresentados como símbolos de progresso, no espaço de comunidades tradicionais, é porque o desenvolvimento baseado em commodities procura atender aos mercados mundiais, com lógicas desconectadas da vocação social, cultural e ecológica da terra. Ainda que este embate seja danoso ao patrimônio ambiental, ele têm efeito igualmente danoso ao patrimônio imaterial paisagístico, com a destruição dos espaços livres.

No Plano Anchieta 2030 (ANCHIETA [Município], 2015) apresenta-se a intenção de tornar o município um centro de referência para o turismo, mediante os cir cuitos turísticos de cultura e fé, e de imigração italiana, entre outros. Entre os pro gramas, estão previstas: a revitalização urbanística e a alavancagem do turismo.

Certo dia um indiozinho adoeceu e Bá tentou curá-lo com ervas e raízes, enfim todos os recursos naturais de que dispunha, sem resultado.

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No Plano de Turismo do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO [Estado], 2015), An chieta têm seu patrimônio histórico ligado à Companhia de Jesus. Os Passos de Anchieta são as prioridades de divulgação, para atrair turistas. Mas não existem medidas efetivas para melhorar a infraestrutura e a sinalização do circuito.

Apelou então para uma oferenda aos deuses da natureza na lagoa. Pegou uma canoa e foi remando até o meio, mas algo estranho aconteceu. Era como se os espíritos estivessem contra ela, por tê-los desafiado. Bá gritou aterrorizada, os índios foram até a lagoa e viram a canoa virada, com mar cas de sangue.

(GUARAPARI VIRTUAL, 2017, com adaptação do autor).

O Plano Diretor, instrumento de planejamento territorial do município, delineia uma política de preservação do patrimônio histórico, cultural e paisagístico, que visa “preservar e valorizar o patrimônio cultural de Anchieta, protegendo suas expressões material e imaterial”, que são referências à identidade, à ação ou à memória dos diferentes grupos da sociedade (ANCHIETA [Município], 2006a, Art. 9º). Esta intenção poderia ser efetivada nas iniciativas de planejamento, mas o plano vem sendo alterado para possibilitar a implantação do Polo de Serviços.

Dias depois o corpo de Bá apareceu. Os índios pegaram o corpo, cremaram e jogaram as cinzas na lagoa. Eis que, depois desse fato, houve uma grande abundância de peixes na lagoa!... Assim, em sua homenagem, os índios de ram à lagoa o nome Mãe-Bá.

Figura 70 – Governantes e técnicos visitam a orla destruída na Praia Central. Fonte: Loureiro, 2017.

A recorrente omissão da herança indígena aponta para a necessidade de incluir a diversidade do patrimônio imaterial na proteção da metapaisagem. Espaços livres são repositórios de distintas experiências espirituais, religiosas e sociais; sua preservação tangível contribui para a preservação intangível dos seus va lores. A paisagem é um registro material que porta significados imateriais cru ciais, a partir dos quais construímos imagens, ideias e sentidos a respeito de um espaço ou lugar. Sendo passível de inexoráveis mudanças – como legado de uma geração para outra – faz-se necessário apontar, para os herdeiros, as referências que, até o momento, têm sido importantes para apoiar nossas me mórias individuais e coletivas.

o valor histórico e espiritual, ou quando o reconhecem, permanecem limitados à religião católica, sem considerar as preciosas heranças negra, indígena ou cai çara. Um exemplo é a toponímia Mãe-Bá, por vezes alterada para Maimbá, que acaba por desconstruir sua origem indígena. Uma lenda nos lembra dos índios que habitam originalmente o entorno da lagoa, chefiados por Bá, considerada “mãe” de todos, por ser protetora, conselheira e curandeira da tribo:

A análise dos planos permite verificar a existência de dispositivos e diretrizes im portantes. Mas, em geral, os planos não contemplam a paisagem como área de atuação das comunidades tradicionais. Raramente reconhecem de forma efetiva

Se[...]amas a criatura por se parecer formosa, ama a visão graciosa desta mesma formosura por sobre todas as coisas. Dessa divina lindeza deves ser enamorado. Seja tua alma presa daquela suma beleza homem, de Deus muito amado! Este[...] abismo de fartura, que nunca será esgotado; esta fonte viva e pura, este rio de doçura, ama com todo cuidado José de Anchieta (1586)

No Auto de São Lourenço, Anchieta (1586) descreve a luta entre os diabos, que tentam “perverter” a aldeia com costumes indígenas, e os santos, que procuram “defender” a aldeia com costumes cristãos. Ao desconstruir a espiritualidade nativa, o missionário propõe o amor às coisas do Criador, a apreciação da fartura proporcionada pela terra. Procura-se, assim, encontrar Deus na natureza e no próprio homem, para entrar na essência do valor religioso católico.

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ARECOMENDAÇÕESPROTEÇÃODAMETAPAISAGEM ESPIRITUAL

Ama a Deus, que te criou, homem, de Deus muito amado! Ama com todo cuidado, a quem primeiro te amou. Todas[...] as coisas criadas conhecem seu Criador. Todas lhe guardam amor, pois nele são conservadas, cada qual em seu vigor.

(LOWENTHAL, 2003; AB’SÁBER, 2003) onde o que nos importa é a configuração do espaço sagrado, o que é essencial é a atmosfera mágica que ele secreta, o que nos interessa é a fé que ele inspira.

Adotamos a ótica delineada como metapaisagem, uma forma integrada de com preender as ilações sensíveis. Recorremos ao ponto de vista da médiance (BER QUE, 2000b), em busca de desvendar a complexa realidade, ao mesmo tempo subjetiva e objetiva, física e fenomenal, ecológica e simbólica. É neste contexto material, físico, espacial, que uma ordem superior é apreendida por nós: com preendemos mais profundamente o significado da existência quando nos conectamos com nosso mundo (LANE, 1988). Para desvelar os valores espirituais, o caminho adotado consiste em considerar os espaços sagrados como compostos de realismo e fantasia, sobrevivência e transcendência, demônio e divindade.

As tradições seculares constroem paisagens resilientes, como o turismo religioso defendido por Sônia Mattos (2006). Nessa vertente, eventos como os Passos de Anchieta devem superar a limitação da data oficial, prevendo melhor infraestru tura e sinalização. Novas políticas públicas podem incentivar novos mercados turísticos – agrícola, indígena, arqueológico, quilombola e caiçara. A revisão da economia é um requisito crucial para destituir a vigente concepção equivocada de desenvolvimento, fundamentada na ideia que as atividades tradicionais são incapazes de gerar riquezas. A resiliência da herança cultural, desde os tempos remotos, é um sinal da sua tenacidade. Mesmo que muitas dunas, restingas e tabuleiros tenham sido devastados, as atividades tradicionais ainda resistem no trabalho atuante dos pescadores, coletores e artesãos.

Nossa contribuição parte do reconhecimento de uma paisagem sagrada, vigoro sa, rica em significados, orientada por valores espirituais e religiosos. Esta lógica entra em consonância com o conceito de legado vivo, de herança comunitária

Figura 71 – Pôr do sol no manguezal do rio Benevente. Fonte: autor, 2016.

Ao considerar os espaços livres como loci de manifestações espirituais, reconhe cemos neles a estreita simbiose entre terra e fé, ressaltando a importância de integrar as dimensões materiais e imateriais (na esfera espacial); e afirmando, sobretudo, a relevância de considerar as crenças, as festas e as atividades relacio nadas às religiões (na esfera temporal). O cotidiano da sobrevivência, da pesca (Figura 72), ampara-se na crença em uma intervenção divina, que pode manter a fartura e reverter uma temporada com escassez.

Figura 72 – A atuação humana representada pela pesca artesanal. Fonte: autor, 2016.

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A atenção à criação divina ainda permeia as manifestações contemporâneas de Anchieta, ainda que enfrentem ameaças de serem desvirtuadas pela ótica ma terial do desenvolvimento local e existam indícios de degradação ou destruição ambiental dos espaços livres de relevância espiritual ou religiosa. A dependência de royalties e impostos evidencia a fragilidade do modelo de commodities e co loca a urgência de delinear uma forma alternativa de desenvolvimento.

ótica demonstra-se reveladora no caso de estudo. Os fluxos entre o factu al e o sensível estão presentes nas várias dimensões espaciais e temporais: nos mitos nativos sobre a paisagem da água, da floresta e do manguezal, nos relatos dramatizados dos primeiros habitantes, nos milagres trazidos pelo Catolicismo, nos relatos místicos das caminhadas de Anchieta, nas descrições extasiadas dos naturalistas – que tangenciam, em grande parte, as tradições religiosas. Estes exemplos confirmam a tese Berquiana de que a realidade da paisagem é cons truída, no curso da história, pela trajeção entre o sensível e o factual.

um processo apagamento da herança indígena e afro-brasileira, no sentido de afirmar a primazia do Catolicismo, em uma ressignificação que afeta des cendentes de quilombolas, indígenas e caiçaras. O topônimo é resultado de um processo histórico e social (TUAN, 1991), resultado da experiência e da consciência humana. E, ainda, evidencia o poder da religião, consoante à es tratégia de territorialização (CORRÊA, ROSENDHAL, 2001), em que as comuni dades perseguidas ou expulsas procuram novos lugares que atendam as suas necessidades materiais e espirituais.

Abordamos os significados ao longo do tempo (em análise diacrônica), fazen do um reconhecimento dos significados espirituais atribuídos aos ambien tes e lugares pelas etnias, sob influência dos valores essenciais. Concluímos que os três registros toponímicos (Reritiba, Benevente e Anchieta) revelam

Cada espaço livre apresenta uma diferente relação com relíquias construídas, vinculando-se a atributos ambientais (floresta, mar, montanha) reafirmados pelas celebrações ao longo dos séculos. Os espaços livres são fundamentais na construção social dos valores espirituais, ao mesmo tempo em que os valores espirituais são importantes na consolidação destes espaços livres, nas perspecti vas de percepção do lugar sagrado e da noção da obra divina.

Na busca do imaginário da espiritualidade, combinamos fontes variadas – his tória e literatura, poesia e fotografia, relatos e opiniões – para entender uma pequena face do importante papel que o lugar e o espaço desempenham no fenômeno da imaginação religiosa e da espacialização do sagrado (Figura 73).

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Figura 73 – Encenação da Paixão de Cristo no Adro do Santuário. Fonte: Quitiba, 2015a.

Na investigação e no mapeamento dos valores espirituais, abordamos espaços significantes na contemporaneidade (em análise sincrônica), com suas manifes tações religiosas diferenciadas, herança das tradições de índios, portugueses, italianos, negros e caiçaras. Um ponto comum detectado é o duplo impulso do espaço sagrado, a alternância entre localização e universalização, constrição e sublimação: em força centrífuga, o fiel é conduzido para um lugar sagrado; e em força centrípeta, ele é orientado a esperar Deus em todos os lugares (LANE, 1988). Em uma tensão contínua, entre o local e o universal, reafirma-se a onipre sença de Deus, que está neste lugar mas também pode ser encontrado em todos os lugares (TUAN, STRAWN, 2010).

No lugar sagrado (espaço livre com valor espiritual ou religioso) atuam, portan to, dinâmicas de forças centrípetas e centrífugas. As forças centrípetas (localizan tes) reforçam a percepção da centralidade. A vinculação dos valores aos lugares traduz a relação simbiótica entre matéria (espaço, relíquia) e imatéria (crença).

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• o mar e os rios são abundantes e misteriosos, desde os relatos de Anchieta (1560). A tradição caiçara procura uma relação com mar, os rios e os manguezais. Atualmente, o mar continua sendo o protagonista da atividade econômica e da procissão marítima de São Pedro, que preserva a cultura do pescador.

• o morro e a montanha são fundamentais desde o romantismo de Graça Aranha (1904). O Catolicismo se fixa no alto do Centro Histórico e ali permanece em pedra, demarcan do seu poder no território. Descendentes de imigrantes mantêm vínculos com monta nhas que repetem o precurso de incursão em busca da terra prometida. Ainda hoje, a montanha é venerada na Via Sacra da Serra do Itaperoroma.

A geografia romântica se concentra nos valores bipolares mais extremos e em ambientes desafiadores. O mérito de fazer isso é que os extremos reve lam – como valores medianos e ambientes familiares não conseguem – o que os seres humanos realmente temem ou desejam (TUAN, 2013, p. 173, tradução e negrito do autor).

Figura 74 – Perspectiva da janela do Santuário, que durante séculos enquadra os ambientes significantes do manguezal e do Rio Benevente. Fonte: autor, 2016.

• a floresta, o manguezal e a árvore são importantes desde a descrição de Biard (1862), evidentes nas retirada e fincada do mastro, em São Mateus e Itapeúna, e na relação homem-terra na comunidade da Chapada do Á, com extrativismo de sementes, ervas e resinas. Descendentes indígenas se fixam nos tabuleiros costeiros, ainda procurando um acesso ao manguezal, alternando plantios e extrações junto às matas.

Estes significados revivem o culto à floresta primitiva, ao rio da vida e à monta nha sagrada, que permanece vivo sob a superfície do contemporâneo, como lembra Schama (1996), alinhando-se também com os desafios existenciais im postos por esses ambientes significantes da paisagem, como arremata Tuan:

forças centrípetas são exemplificadas na foto de Guerra e Jablonsky (1958a), dos fiéis em frente à Igreja de Nossa Senhora da Assunção (página 85), e no rela to de Saint-Hilaire (1833), sobre o convento que se acha “lá no alto” (página 89). A falta de relíquias das identidades negadas (quilombola, indígena, caiçara) com prova como seus lugares sagrados são invisibilizados pela alienação territorial, no processo de apagamento das suas memórias.

As forças centrífugas (universalizantes) reforçam a percepção da totalidade: a apreciação da criação divina e a noção de uma ordem superior. É possível ver como os valores espirituais se interligam aos atributos físicos da paisagem, tra duzindo, igualmente, a relação simbiótica entre imatéria (crença) e matéria (am biente). Estas forças são exemplificadas no desenho de Wied-Neuwied (1820) da vista noroeste com o manguezal do Rio Benevente, e no relato de Biard (1862) sobre o “recolhimento quase religioso” vivenciado na floresta. Nestes “ambientes desafiadores” (TUAN, 2013), o sagrado se manifesta em sua plenitude:

Valores espirituais e religiosos são reativados em duas esferas de projeções: in terespacial e intertemporal. Em projeção interespacial, não se limitam às peque nas escalas de relíquias, monumentos e edificações, mas ampliam-se às grandes escalas de áreas urbanas e extensões territoriais, estendendo-se ao horizonte do mar, à cumeada das montanhas, ao curso do rio e ao verde do manguezal (Figura 74). Em projeção intertemporal, não somente interpõem-se no presente, mas remetem aos ciclos passados e futuros: às variações sazonais; às temporadas de pesca; às estações da colheita, da coleta e do veraneio; aos períodos sagrados da Quaresma, do Corpus Christi, do Natal, dos Santos Reis...

Enfim, Chanaan ia revelar-se!... A nova luz sem mistério chegou, e esclare ceu a várzea. Milkau viu que tudo era vazio, que tudo era deserto, que os novos homens ainda ali não tinham surgido. Com as suas mãos desespe rançadas, tocou a visão que o arrastara. Ao contato humano ela parou, e Maria voltou outra vez para Milkau a primitiva face moribunda, os mesmos olhos pisados, a mesma boca murcha, a mesma figura de mártir. Vendo-a assim, na miseranda realidade, Ele disse: — Não te canses em vão... Não corras... É inútil... A terra da Promissão, que eu te ia mostrar e que também ansioso buscava, não a vejo mais... Ainda não despontou à vida. Paremos aqui e esperemos que ela venha vindo no sangue das gerações redimidas. Não desesperes. Sejamos fieis à doce ilu são da miragem. Aquele que vive o ideal contrai um empréstimo com a eternidade... (ARANHA, 1904, p. 359).

Investigar e cartografar o invisível torna-se, portanto, uma ferramenta crucial, não somente para identificar, mas também para transmitir novas oportunidades para os planos locais. Se os espaços livres são repositórios de memórias indivi duais e coletivas, sua preservação física contribui para a preservação intangível da história do lugar, dos seus valores, das suas crenças. Valorizar os espaços livres sagrados, integrando-os como protagonistas no planejamento territorial, é uma estratégia para promover a harmonia entre experiências factuais e fenomenais, tornar nossas paisagens mais significantes e valorizar nossos conhecimentos an cestrais... e assim, quem sabe, fazer nosso “cante” mudar...

A autoconfiança pode mover montanhas; a prudência mostra como movê -las no caminho certo, para o lugar certo, em harmonia protetora. Nenhum aporte de cuidado garante o resgate da nossa herança, astral ou terrestre (LOWENTHAL, 2000, p. 24, tradução do autor).

A desilusão de Milkau logo aponta um caminho inteligente, uma saída astuciosa: nossa eternidade reside na persistência das novas gerações. Assim, evidenciar os universos da metapaisagem, esses laços de ligação entre o homem e a terra, pode nos ajudar a compreender as lógicas seculares dos assentamentos huma nos, capazes de gerar ambientes mais resilientes e sustentáveis.

O cuidado envolve uma criação contínua: o legado que recebemos não é sim plesmente original, mas inclui adições dos nossos antecessores, afirma Lowen thal (2000, p. 22-23), porque “a herança nunca é meramente conservada ou protegida; ela é modificada – tanto melhorada como degradada – por cada nova geração”. Assim, uma diretriz para cultuar e revitalizar nossa herança é aliar um sentimento de confiança com uma boa dosagem de prudência:

155A154tese de doutorado (FIOROTTI, 2017) contém um mapeamento de recomen dações para preservar a metapaisagem espiritual de Anchieta. Neste estudo, propõe-se reconhecer os valores diversos, não somente aqueles vinculados à religião católica, mas sobretudo os que sustentam as tradições indígenas, negras e caiçaras. O mapeamento é um instrumento para suscitar discussões, sempre receptivo a revisões. A política de preservação deve aceitar o hibridismo cultural e transmitir orgulho na diversidade, como marca de uma sociedade saudável. A metapaisagem espiritual será sempre ecumênica, diversa, plural, sincretizada.

Esse debate não tem uma reposta, e nunca terá total consenso como legado de nossaa geração, porque nossos valores sempre serão reinterpretados e ressigni ficados pelas próximas gerações. Nossa busca pelo ideal é uma busca sem fim, como a interminável busca de Milkau pela terra prometida, por sua “Chanaan”, na fuga desatinada para salvar Maria da injusta prisão:

Desta forma, é importante reconhecer que este mapeamento dos valores es pirituais da paisagem faz um recorte contemporâneo para futuras discussões, colaborações e interferências. Isto implica em considerá-lo como um processo, nunca como um resultado definitivo; portanto, é adequado descartar o equívo co de um mapa finalizado, em favor de um mapeamento em construção.

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