MAIS SOBRE A CAPOEIRAGEM NO RIO DE JANEIRO

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ANDAMOS A LER: CAPOEIRAGEM

MAIS SOBRE A CAPOEIRAGEM NO RIO DE JANEIROO

Ao realizar uma breve busca sobre o que há para ler em termos de Capoeiragem, encontrei a biografia de Nestor Capoeira e, de lá, para uma página que me levou a várias biografias de Mestres Capoeiras do Rio de Janeiro. Observa-se que nem todos são cariocas de nascimento, a maioria, baianos, que se estabeleceram na cidade a partir da diáspora dos anos 1960.

Nestor Capoeira, um homem de grande humor e discernimento, é um mestre e professor de longa data de capoeira e autor de Capoeira: Raízes da Dança-Luta-Jogo e Uma Canção Inteligente de Rua: Capoeira Filosofia e Vida Interior. Ele foi iniciado por Mestre Leopoldina, uma lenda viva. Mais tarde, ele se juntou ao Grupo Senzala e, em 1969, recebeu a cobiçada "corda vermelha", a mais alta graduação de Senzala. Em 1990, ele deixou Sanzala e começou a ensinar sua abordagem pessoal do Jogo em sua própria escola. Foi pioneiro no ensino de capoeira na Europa, e seus livros foram publicados no Brasil, França, Dinamarca, Alemanha e Estados Unidos, entre outros países. Trabalhou em cinema, teatro e televisão, e atualmente leciona no Planetário da Gávea, no Rio de Janeiro, Brasil.

CAPOEIRA: ROOTS OF THE DANCE-FIGHT-GAME

Nestor Capoeira / North Atlantic Books, 4 de set. de 2012 - 376 páginas

0 Resenhas - Capoeira is simultaneously a dance, a fight, and a game. Created by the Africans brought to Brazil as slaves beginning in 1500, capoeira was forbidden by law but survived underground. When open practice was allowed in the 1930s it soon became very popular. Capoeira came to America around 1975, and has become widely recognized by dancers and martial artists. The author discusses capoeira's evolution from Brazilian street play into a way of life. The philosophy of capoeira, and the practical and spiritual benefits of this philosophy, are also discussed. Instructions and exercises in intermediate and advanced skills take up where the author's previous book left off. The book includes 100 black-and-white photos and illustrations.

O PEQUENO LIVRO DA CAPOEIRA, EDIÇÃO REVISADA

Nestor Capoeira Blue Snake Books, 26 de dez. de 2007 - 240 páginas

0 Resenhas Nestor Capoeira, um professor de capoeira de longa data e notável mestre (mestre), começa esta edição revisada de seu best-seller com uma história aprofundada da arte brasileira, dando as teorias mais populares para as origens e propósitos deste movimento que combina a graça da dança com técnicas letais de autodefesa em uma estrutura única de jogo-canção. Ele discute alguns dos capoeristas mais famosos e sua influência na arte. Além disso, ele descreve como surgiram os dois principais ramos da capoeira (Angola e Regional) e as diferenças entre eles. As descrições claras do jogo do Little Capoeira Book, ou jogo, explicam a aplicação real da capoeira, vagamente

O QUE

semelhante ao sparring, mas muito diferente em propósito e estilo. A música da capoeira, que é tocada durante todo o jogo, também é examinada, juntamente com seu principal instrumento, o berimbau. O autor inclui um guia de instruções com fotografias mostrando movimentos básicos para iniciantes, com aplicações ofensivas e defensivas para chutes simples, quedas, chutes e movimentos avançados, cabeçadas, golpes de mão e golpes de joelho e cotovelo. Cada técnica é vividamente retratada com desenhos que são fáceis de entender e aprender, e mestre capoeira inclui uma explicação de ambas as versões Angola e Regional.

UMA CANÇÃO INTELIGENTE DE RUA: FILOSOFIA DE CAPOEIRA E VIDA INTERIOR

Nestor Capoeira Blue Snake Books, 2 de jun. de 2006 - 344 páginas 2 Resenhas A Street-Smart Song mergulha nas profundezas filosóficas ilimitadas da capoeira, a fascinante síntese da dança brasileira e da autodefesa. Baseando-se em uma ampla gama de fontes – as ruas de Salvador e Rio de Janeiro, os ensinamentos dos antigos mestres Pastinha, Bimba e Leopoldina e as brutais realidades econômicas infligidas aos mais pobres do Brasil – Nestor Capoeira pinta um retrato indelével dessa arte viva, sua herança espiritual e seu lugar vital em um mundo hipnotizado pela mídia e esmagado pela pobreza. Os poemas e canções tradicionais da capoeira estão aqui, juntamente com as discussões animadas do autor sobre tudo, desde a era espacial e o impacto da televisão na cultura do terceiro mundo até as lições de mudança de vida do candomblé e da capoeira. Completando essa pesquisa cultural absorvente estão fotos históricas, esboços de armas e instrumentos e movimentos de luta totalmente ilustrados, ensinados passo a passo.

Nestor Sezefredo dos Passos Neto nasceu em 1946, em Belo Horizonte. Foi iniciado na Capoeira em 1965 por mestre Leopoldina (Demerval Lopes de Lacerda, 1933-2007). Em 1968, entrou para o Grupo Senzala de Capoeira do Rio de Janeiro, onde recebeu sua corda vermelha (graduação máxima) em 1969. Deu e continua a dar aulas no Brasil e estrangeiro há 12 anos. Em paralelo, formou-se Engenheiro (UFRJ, 1969), fez Mestrado (ECO-UFRJ, 1995) e Doutorado (ECO-UFRJ, 2001) em Comunicação e Cultura, e Pós-Doutorado na PUC/São Paulo. Escreveu 10 livros sobre Capoeira (Ground, Record, Amazon, etc.), sendo alguns publicados em 8 outros países, ultrapassando os 120.000 livros vendidos.

Mestre Nestor Capoeira – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Capoeira na sociedade e cultura – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com) Lugares de Memória – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Praça XV: a capoeira no Rio começou aqui? – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Largo do Paço (extrato). Gravura de Friedrich Salathé (1793-1858), do album Souvenirs de Rio de Janeiro (1834), baseada na aquarela de Johann Steinmann (1800-1844)

Rodas no Rio de Janeiro – CAPOEIRA

CONTEMPORÂNEA

(capoeirahistory.com)

Mestres no Rio de Janeiro – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com) Conheça os mestres que fazem a história da capoeira no Rio de Janeiro Nesse ABC, tentamos resgatar os nomes de capoeiristas atuantes no Rio de Janeiro, começando pelas décadas de 1950 e 1960 (e acrescentaremos, em seguida, as décadas de 70 e 80). Na ausência de uma historiografia muito consistente, garimpamos informações em entrevistas, em jornais da época e em alguns websites (como as biografias escritas por Jefferson Estanislau da Silva no site www.rodadecapoeira.com.br). Contamos também com a ajuda dos nossos consultores, como os mestres Bebeto, André Lacé, Paulão Muzenza, Polaco e Soldado, para redigir esses pequenos verbetes. São apenas minibiografias, mas, ainda assim, esperamos que sejam úteis para quem quer saber mais sobre os capoeiristas do passado no Rio de Janeiro, e sua impressionante história que tanto contribuiu para a capoeira dar a volta ao mundo. É um começo. Correções e adições são bem-vindas para o email capoeirahistory, adicionar arroba e gmail.com.

RIO DE JANEIRO

Mestres

2ª Geração, L

Professor Lamartine –

CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA

(capoeirahistory.com)

Professor Lamartine - Autor do primeiro bestseller sobre capoeira, na década de 1960, organizador do Atlas do Esporte no Brasil e do eEsporte, o professor Lamartine se dedica à disseminação de conhecimentos nas diversas áreas de educação física.

O professor Lamartine Pereira da Costa nasceu em 1935, no Rio de Janeiro, em uma família de açorianos espalhada por vários países. Aos 16 anos entrou no Colégio Naval e em seguida começou a estudar Engenharia Operacional, na Escola Naval da Marinha. Mais motivado pelo esporte do que pela engenharia, acabou se transferindo para a Escola de Educação Física do Exército. Começou também a praticar capoeira com Mestre Artur Emídio e seu discípulo Djalma Bandeira. O seu fascínio pela capoeira o levou a visitar os mestres na Bahia e também a divulgar a capoeira entre os soldados e fuzileiros navais.

A partir de março 1961, o então tenente Lamartine, da Escola de Educação Física, passou a administrar um “curso de metodologia do ensino da capoeira”, com a assistência de seu mestre Artur Emídio e de Djalma Bandeira. Segundo o Jornal do Brasil, em matéria de 9 abril 1961, Lamartine administrava aulas para 208 oficiais e praças no Centro de Esportes da Marinha. O objetivo era “formar monitores-capoeiras, que propagarão o exercício da capoeira em todos os estabelecimentos da Marinha, com vistas à aviação embarcada”.

Ao mesmo tempo, Lamartine tentou desenvolver um método de aprendizagem nos moldes da disciplina de Educação Física europeia. Baseado no seu aprendizado com Artur Emídio e em estreita colaboração com o mestre, elaborou um manual de capoeira que catalogava e explicava os principais golpes de maneira didática, usando imagens que ficaram icônicas.

Nota publicada na coluna Apito Final, da Revista do Esporte, n. 178, de1962. Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

A primeira edição, intitulada Capoeiragem. A arte de defesa pessoal brasileira, foi publicada em 1961 e de forma ainda bastante artesanal. Em 1962, a editora Tecnoprint bancou uma nova edição e decidiu mudar o título para Capoeira sem mestre, seguindo uma linha editorial comum na época, que popularizava manuais técnicos em publicações de bolso. O novo título e o conteúdo do livro não deixaram de levantar polêmicas. Muitos mestres de capoeira baianos, que defendiam o método tradicional de ensino, criticavam uma capoeira aprendida sem a presença física de um mestre que ensinasse pessoalmente os fundamentos da arte. No entanto, o livro vendeu milhares de exemplares e foi reeditado em 1964, 1968 e 1970. Dessa maneira teve um papel muito importante na disseminação da capoeira pelo Brasil inteiro durante as décadas de 1960 e 1970.

Assista o vídeo documentário "xxxxxx"!

E veja o professor Lamartine contar esses e outros episódios na entrevista que concedeu à equipe do projeto e o canal CapoeiraHistory em 27 de agosto de 2019:

Por Matthias Röhrig Assunção (07 de outubro de 2022)

Mestre Artur Emídio Mestre Artur Emídio – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Artur Emídio de Oliveira nasceu em 1930 e viveu toda sua juventude em Itabuna (Bahia), onde completou os estudos até o ginásio.

Conforme seu depoimento, aprendeu capoeira “na rua, no rés do chão”, aos 7 anos de idade, com “Paizinho” (Teodoro Ramos), seu mestre. Com a morte de Paizinho em 1945, Emídio assumiu a academia, ainda aos 15 anos de idade. Apesar da pouca idade passou a ensinar aos alunos de Paizinho e logo começou a ganhar notoriedade, recebendo até alunos de Salvador.

Saiu de Itabuna no início da década 1950, quando tinha pouco mais de 20 anos de idade. Roberto Pereira (2018, p. 78) sugeriu que teria sido motivado pela leitura numa revista sobre lutas entre capoeira e jiu-jitsu. Artur primeiro foi para São Paulo onde desafiou lutadores de diversas modalidades. Na capital paulista Artur Emídio residiu por mais ou menos um ano. Depois dessa pequena temporada em São Paulo, se estabeleceu no Rio de Janeiro a partir de 1953 (Lacé, 2002, p. 226).

O início da trajetória de Artur Emídio em São Paulo e no Rio de Janeiro é marcado pelas lutas de ringue. Na primeira luta de que temos notícia no Rio, em 29 de junho de 1953, enfrentou Rudolf Hermanny, aluno de Sinhozinho, e perdeu por nocaute. Talvez por isso tenha visitado a academia dos Gracie, onde deve ter apreendido algumas noções de jiujitsu.

Artur Emídio bem jovem, em foto de viagem. Foto: Acervo André Lacé. Acabou sendo praticante do que se chamava, na época, de luta livre. No entanto, fazia questão de afirmar a superioridade da capoeira sobre outras lutas. Uma das questões nessas lutas entre modalidades diferentes foi o uso do uniforme e outra foi a dos golpes permitidos. Artur Emídio recusava-se a usar quimono e exigia lutar de calção, calçado de tênis e empregar todos os golpes de capoeira.

Ele e Robson Gracie protagonizaram uma das lutas mais famosas no ringue. No fatídico dia 13 de abril de 1957, como relata o Diário Carioca, Emídio foi “derrubado logo no começo”, sofrendo “estrangulamento pelas costas”. A luta durou apenas quatro minutos. As derrotas levaram Emídio a procurar outros caminhos para a sua arte e sua carreira de capoeirista, no entanto, a experiência do ringue marcou o seu estilo – rápido e objetivo. Mestre Burguês, que conviveu com Artur Emídio na década de 70, caracteriza seu estilo assim: “Eu vi várias vezes ele dando aula. Ele tinha uma preocupação muito grande com a objetividade, a eficiência da capoeira. A capoeira é luta, mas o capoeirista sempre procurando descer, esquivar, não ter o confronto direto de o cara chutar e querer bloquear com o golpe.” As entradas e a velocidade passaram a caracterizar o estilo de Emídio, como lembra Mestre Silas: “O símbolo do Artur Emídio era o raio, porque ele era muito veloz”.

Começou a dar aula na academia de luta livre de Waldemar Santana, em Higienópolis. Essa academia era localizada em cima da farmácia Rio Novo, na Avenida dos Democráticos, 1313, lugar onde Artur também trabalhou como massagista. Algum tempo depois instalou sua própria academia na rua Manuel Fontenele, a rua detrás da farmácia. Nesse momento havia poucos lugares para se praticar capoeira no Rio de Janeiro e a “Academia de Capoeira Artur Emídio” foi uma das primeiras na cidade. A roda de domingo na academia de Artur teve um papel muito importante no desenvolvimento da capoeira contemporânea carioca, e mesmo brasileira, por ter sido um ponto de encontro importante entre capoeiristas de vários estilos. Conforme depoimento de Mestre Paulão: “Na roda do Mestre Artur Emídio vinham mestres de todo o Brasil, […] ali concentrava o subúrbio, a zona norte e a zona sul, era uma capoeira eclética.” A bateria da roda era formada por exímios tocadores de berimbau, como os mestres Paraná e Mucungê. A partir da década de 1960, Artur Emídio abandona o ringue e passa a se dedicar exclusivamente à capoeira, seja cuidando de sua academia, seja fazendo apresentações pela cidade, arbitrando em competições de capoeira (como o Berimbau de Ouro) ou se envolvendo na Federação Carioca de Pugilismo, que então começava a institucionalizar a capoeira, formalizando a prática e estabelecendo regras. Ele também trabalhava como massagista e, conforme

Artur Emídio destacou-se como um dos mestres que mais divulgava a capoeira em vários espaços e mídias, desde aulas a shows e programas de TV. Em entrevista concedida à Revista do Esporte, em 1959, ele já afirmava: “[se] as autoridades brasileiras me apoiarem, mostrarei que não existe esporte mais bonito ou exercício mais perfeito para o corpo humano do que a nossa capoeira”.

Com Djalma Bandeira (um de seus primeiros alunos), apresentava-se com um número de capoeira no espetáculo de variedades folclóricas “Skindô”. O empresário Abraão Medina os contratou para se apresentarem acompanhando o show do Nelson Gonçalves, em Nova York, Paris, Acapulco e Buenos Aires. É acertado dizer que Artur foi um dos pioneiros na internacionalização da capoeira.

Artur Emídio formou muitos mestres importantes como Djalma Bandeira, Paulo Gomes, Mendonça, Leopoldina e Roberval Serejo, transmitindo para a posteridade seu estilo e sua agilidade, características que marcaram a emergente capoeira contemporânea.

Artur Emídio de Oliveira, 1930-2011

Por Geisimara Matos & Matthias Röhrig Assunção (junho de 2019)

depoimento de M. Gegê, Artur orgulhava-se muito de ter tratado Martha Rocha, após ser consagrada Miss Brasil, em 1954. Batizado na Academia Artur Emídio, repleto de grandes nomes da capoeira. Acervo André Lacé. Mestre Artur Emídio, Pigmeu no atabaque e Mestre Gilberto cantando uma ladainha. Foto: Acervo M. Paulão da Muzenza. Leopoldina, André Lacé, Artur e Celso, no Largo da Apoteose, durante o Rio World Capoeira Meet, 1984. Foto: Acervo M. André Lacé.

Fontes:

Jornais da época consultados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; Entrevistas com M. Artur Emídio (2011), M. Burguês (2018), M. Paulão Muzenza (2016), M. Silas (2014). Para saber mais:

Ferreira, Izabel, A capoeira no Rio de Janeiro, 1890-1950. Rio de Janeiro: Novas idéias, 2007.

Lacé, André. A capoeiragem no Rio de Janeiro. Editora Europa. Rio de Janeiro, 2002.

Pereira, Roberto Augusto A., O mestre Artur Emídio de Oliveira e a defesa da capoeiraem enquanto “Luta Nacional”. Recorde, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 1-24, jul./dez. 2018.

Pires, Antonio Liberac Cardoso Simões, Culturas Circulares. A formação histórica da Capoeira Contemporânea no Rio de Janeiro. Curitiba: Editora Progressiva, 2010.

Mestre Mintirinha – CAPOEIRA

CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Mestre Mintirinha - Luiz Américo da Silva, mais conhecido como Mestre Mintirinha, nasceu no Rio de Janeiro em 1950. Criado no bairro de Bonsucesso, Zona Norte do Rio de Janeiro, começou a tre inar no famoso quintal de Mestre Paraná ainda criança.

Luiz Américo logo se destacou como um dos mais brilhantes alunos desse primeiro mestre baiano no Rio. Aprendeu a tocar berimbau, coisa rara entre os capoeiristas do Rio na década de 1960

Paraná dá aula para jovens, no famoso quintal de sua casa em Bonsucesso. Mintirinha é o penúltimo, nas palmas. Foto do acervo Paulão da Muzenza

o mural pintado na parede da academia do grupo Terra, de Mestre Mintirinha, a homenagem sempre presente ao Mestre Paraná. Foto do acervo Mestre Mintirinha

Começou a circular pelas rodas de bamba daquela época e ficou impressionado com o jogo rápido do Mestre Artur Emídio. Como admitiu em entrevista, se inspirou nele para criar seu próprio estilo de jogo super-rápido, assim como o correspondente toque, a que chamou de Barravento. Criou um grupo próprio, com M. Paraná ainda em vida, mas continuava participando das apresentações de seu mestre Na década de 1970, ganhou várias competições de capoeira, deu aula para os alunos de Mestre Mário Santos. Mestre Mintirinha virou inspiração para uma nova geração de capoeiristas. Ele continuou a ensinar no seu grupo Terra até o ano de sua morte, em 2022.

Na ilustração: dentre as muitas conquistas, o diploma da CBP – Confederação Brasileira de Pugilismo – concedendo a Luiz Américo da Silva (Mestre Mintirinha) o título de campeão por equipe no I Torneio Interestatual de Capoeira/Conjunto, de 1973. Foto do acervo de Mestre Mintirinha.

Assista o vídeo documentário "Conversa com Mestre Mintirinha"!

Veja aqui a entrevista que o mestre deu ao projeto CapoeiraHistory, na sua academia no bairro de Olaria, Rio de Janeiro, em 2019:

Por Matthias Röhrig Assunção (agosto de 2020)

Mestre Dentinho Mestre Dentinho - Capoeira Contemporânea (capoeirahistory.com)

Alcino Oliveira Bemvindo nasceu em 25 de junho de 1952, no Espírito Santo. Começou a praticar judô aos 2 anos de idade, passou pelo jiu-jítsu e, somente depois, chegou à capoeira, onde se consagrou com o nome de “Dentinho”.

Mestre Dentinho conquistou o Brasil e o mundo com a sua capoeira no estilo Angola da Penha – sendo a Penha o bairro onde ele morava, no Rio de Janeiro. Ele desenvolveu um estilo inigualável de jogar, apresentando uma capoeira destemida e jogada de forma alegre. Foi um autêntico e verdadeiro capoeirista, que não permitia ao adversário prever o seu próximo golpe.

Jogando em cima e embaixo, girava com rapidez quase imperceptível. Usava da malandragem, da malícia e do malabarismo para bater e se defender. Nunca parava num só lugar, nem dava muito espaço para seu opositor pensar. Só gingava quando necessário e usava o bailado para golpear e improvisar as sequências dentro dos fundamentos. Possuía um fôlego invejável e jogava sem parar, treinando até a exaustão.

Mestres Dentinho e Touro no jogo. Acervo André Lacé.

Mestres Touro e Dentinho no jogo. Acervo André Lacé

A "equipe imbatível" em ação com Dentinho na queda de rins.

Mestres Dentinho e Touro no jogo. Acervo André Lacé.

Mestres Touro e Dentinho no jogo. Acervo André Lacé

O capoeirista

Ainda nos anos 1960, Mestre Dentinho foi o primeiro capoeirista a dar um salto mortal em rodas de capoeira no Rio de Janeiro. A novidade aconteceu na Roda da Quinta da Boa Vista e causou um certo conflito com os outros capoeiristas, que tentavam pegá-lo em plena execução do salto!

Na década de 1970, Mestre Dentinho foi presença importante e assídua na famosa Roda de Zé Pedro, aos domingos, em Bonsucesso.

Em 1973, Mestre Dentinho fez parte da “equipe imbatível”.- a equipe da Guanabara , que conquistou o 1º Campeonato Brasileiro de Capoeira, vencendo a competição nas modalidades individual e por equipe. Em 1975, ficou em 3ª lugar no Festival de Toque e Chula do Rio de Janeiro.

Foi fundador dos grupos de capoeira Auê, com atuação no Rio de Janeiro e na Itália, e Cinamar, em São Paulo e nos Estados Unidos.

Arte e luta

Mestre Dentinho foi um homem que sobreviveu à repressão contra a capoeira, conquistou o reconhecimento de seu talento, mas não conseguia tirar seu sustento exclusivamente da capoeira. Nos anos 1970, por exemplo, trabalhou no cais do porto no Rio de Janeiro como estivador, conforme ele mesmo explicou, “porque era difícil para um capoeirista arrumar um emprego de carteira assinada. Quando ele arrumava e a empresa descobria que era praticante de capoeira, mandavam embora.”

Ele também participou de várias modalidades de espetáculos. Mesmo sem muito conhecimento de acrobacias, o Mestre se destacava por sua destreza corporal, por exemplo, ele fazia questão de mostrar seu talento em apresentações, onde executava o salto mortal a partir da posição sentada ou mesmo amarrado por cordas.

Mestre Dentinho e Macaco Preto em apresentação na Churrascaria La Brasa. Anos 1970. Foto do acervo M. Alcino Auê.

Mestre Dentinho fazia do seu bailado a sua ginga. Com seu estilo único de malícia, malandragem e muita expressão, conquistou todos que o viram em ação. Uma pessoa de grande educação e simplicidade. Foto do acervo Alcino Capoeira. Foto do acervo M. Alcino Auê.

Mestre Dentinho, nos anos 1970, participa de apresentação com a cantora Elza Soares. Foto do acervo M. Alcino Auê.

Dentinho, descalço, participa da Maratona Eco-Rio 92. Chegada no Estádio Célio de Barros, Complexo Esportivo do Maracanã, Rio de Janeiro. 1992. André Lacé Collection

"Mestre Dentinho: da capoeira à maratona". Foto do acervo M. Alcino Auê.

Matéria do jornal O Dia em 25/06/89 sobre a participação de Dentinho na Maratona da Cidade. Foto do acervo M. Alcino Auê.

As corridas

Nos anos 1960, Dentinho começou a praticar corrida rústica. Durante a sua vida, contou com mais de cinco mil participações em competições, como a Corrida Internacional de São Silvestre, nos anos 70, e a Maratona que integrou a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento, realizada em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, a Eco-92.

Correndo sempre descalço e com seu conhecido traje esfarrapado, a presença de Dentinho nas corridas chamava a atenção de jornalistas que fizeram dele o personagem de diversas matérias.

O reconhecimento

O jogo marcado pela espontaneidade, pela expressividade e por muita malandragem, não impediram Mestre Dentinho de receber o reconhecimento institucional de seu talento:

Em 15 de maio de 1976, a Federação Carioca de Pugilismo formalizou, através de diploma, seu título de Mestre de Capoeira, cordel verde e branco.

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1988, lhe ofereceu moção “por relevantes serviços prestados à capoeira do Rio de Janeiro”.

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro homenageou-o com o Diploma Zumbi dos Palmares, em 2009. Profundo conhecedor da história e da arte da capoeira, Mestre Dentinho foi convidado a ministrar palestras em diversas universidades, como UFRJ, UERJ e Estácio.

O bairro da Penha recebeu, em 30 de outubro de 2021, o monumento Homens de Fibra, em homenagem aos irmãos, “gigantes da capoeira carioca”, Mestres Touro e Dentinho.

Diploma Zumbi dos Palmares, de 2009.

Monumento Homens de Fibra. Foto do acervo M. Alcino Auê.

Diploma da Federação Carioca de Pugilismo. Foto do acervo M. Alcino Auê.

Moção da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Foto do acervo M. Alcino Auê.

Reproduzir Vídeo Sobre Dentinho_capa vídeo O jogo

O vídeo ao lado nos dá uma rápida amostra do jogo dos Mestres Dentinho e Hulk, na Roda da Penha, em 1998. E ainda, nos berimbaus, os Mestres Nacional e Medeiros.

Disponível no canal Sidney Freitas, do YouTube, Alcino Vieira Bemvindo – Mestre Alcino Auê – é “de uma tradicional família de capoeiristas que tem seu nome cravado na história – os Bemvindo. Assim como seu tio, Touro, e seu pai, Dentinho.

Por Mestre Alcino Auê.

Mestre Zuma Mestre Zuma – CAPOEIRA

CONTEMPORÂNEA

(capoeirahistory.com) Anníbal Burlamaqui, agente aduaneiro e poeta; Zuma, capoeira e boxeador (1898-1965)

No dia 18 de agosto de 1965 o Jornal do Brasil publicou uma nota na qual a Senhora Burlamaqui e sua família agradeciam as manifestações de pesar recebidas. Anníbal Z. M. Burlamaqui, autor do influente manual de capoeira de 1928 Gymnástica Nacional (capoeiragem) methodisada e regrada, havia morrido aos sessenta e sete anos.1 Burlamaqui, cujo folheto galvanizou os esforços para passar a capoeiragem das páginas policiais às páginas esportivas dos jornais cariocas com o propósito de legitimar e reabilitar esse jogo de combate afro-brasileiro fazia parte do número crescente de entusiastas da gymnástica nacional, uma prática rebatizada estrategicamente por ter sido proibida por lei como capoeiragem.2 Não sabemos com quem Burlamaqui aprendeu a capoeiragem e por quanto tempo, o que é certo é que na década de 1920 no Rio de Janeiro não faltavam oportunidades para estudar a ginástica nacional. Burlamaqui poderia ter estudado em espaços de aprendizado formais como o Ginástico Português, onde o professor de educação física Mario Aleixo ensinava a ginástica nacional desde 1920, ou pode ter se juntado aos homens que praticavam “exercícios de capoeiragem” em espaços públicos como as praças e os largos da cidade.3 Com o apelido de Zuma ele participou de competições durante o final da década de 1910 e o início da década de 1920, fazendo uso de suas habilidades de capoeira e de boxeador.4

Apesar de não sabermos muito sobre Zuma – o sportsman, o capoeira e o boxeador – além de seu influente livro de 1928, sabemos alguma coisa sobre a vida de Burlamaqui fora da capoeiragem: ele trabalhou como guarda da polícia aduaneira e foi um membro da sociedade literária Cenáculo Fluminense de História e Letras, baseada em Niterói,5 na qual ingressou no dia 8 de março 1930 ocupando a cadeira número 33.6 Durante os anos 1950, fazia parte da diretoria, foi membro da comissão de redação e parecer e foi eleito duas vezes presidente da sociedade.

O Cenáculo organizava leituras de poesia e recitais de música, e patrocinava publicações de livros escritos por seus membros, como o livro de poesia erótica de Burlamaqui intitulado O meu delírio: poêma do instinto (1939), que revela o autor como um homem apaixonado que ousava expressar sua libido e seu desejo na escrita.7 A vida de Burlamaqui foi guiada pela curiosidade; sua capacidade de ver mais além das normas aceitas na sua época fizeram dele “um homem além do seu tempo”, ao mesmo tempo que tenha sido exatamente do seu tempo – um intelectual carioca e um sportsman profundamente imerso na modernidade brasileira.

Como Zuma, o esportista, e como Burlamaqui, o escritor, Anníbal parecia ser a pessoa perfeita para publicar um livro que apoiaria os esforços contínuos de reabilitar a capoeiragem, esforços liderados por vários outros entusiastas de capoeira brancos, instruídos e de classe média, como o jornalista e cartunista Raul Pederneiras.

Em um artigo de duas colunas para o Jornal do Brasil, no mesmo ano em que o livro de Zuma foi publicado, Pederneiras, assinando apenas como Raul, lembra os malogrados esforços anteriores de organizar e criar um

método para a ginástica brasileira, e louva a Gymnástica Nacional como uma metodização muito esperada de sua prática: um trabalho de grande utilidade e que deve contribuir para a adopção do desporto nacional nos gymnasios, com todas as probabilidades de exito. A prova segura desse exito está na grande procura do livro do Zuma que assim veio trazer optima contribuição para que cultivemos e apreciemos, com resultado efficaz, o que é nosso, o que é bem brasileiro.”8

É claro que o objetivo principal da Gymnástica Nacional era legitimar a prática e remover o estigma que pesava sobre a capoeiragem.9 Dr. Mario Santos, que escreveu o prefácio do livro e também posou como o oponente de Zuma nas vinte fotografias que ilustraram o livro, cita a legitimação do boxe inglês, da savate francesa e do jiu-jitsu japonês como precedente e pergunta: “Porque […] a capoeiragem, no Brasil, haveria de escapar à marcha evolucional de suas congeneres? […] Porque não haveremos de regularizar e regenerar a capoeiragem?”10

Zuma faz exatamente isso ao longo do livro. Inspirado por dois esportes populares importados, o boxe e o futebol. Zuma prescreve o diâmetro do campo circular do jogo, as posições iniciais dos jogadores, a duração de cada round (três minutos, com uma pausa de dois minutos), e critérios para estabelecer o vencedor em cada partida: um lutador ganharia por incapacitar o seu oponente, ou, se assim estipulado antes da partida, por pontos contados por um juiz que proclamaria vencedor o jogador que mais vezes derrubasse o seu adversário.11 Com essas regras, Zuma esperava levar a capoeira para “a sociedade,” transformando-a numa “defesa própria, um sport como os demais”.12 Apesar de muitas regras propostas por Zuma – a presença de um juiz, um sistema de pontos, uma partida dividida em rounds cronometrados – obviamente representarem apropriações de esportes estrangeiros, Zuma rearticulou a capoeiragem de rua em termos hegemônicos através desses empréstimos estrangeiros. Muita atenção foi dada às suas regras para competições de capoeira –sua metodização– e à linguagem evolucionista de “melhorar” a capoeira que permeia o texto, enquanto as fotos demonstram amplamente que a prática de Zuma era fundada na capoeiragem de rua. Tanto as ricas descrições dos movimentos como as fotos que ilustram Gymnástica Nacional comprovam o conhecimento profundo que Zuma tinha da prática. É provável que ele tenha treinado pelo menos durante uma década antes de publicar o livro.

Zuma ensina ao leitor a postura própria da guarda: “Leva-se á riba o corpo, num aprumo natural, em attitude nobre e erecta, oitava-se á direita ou á esquerda.”13 No entanto, em mais da metade das fotos do livro os jogadores aparecem agachados, com suas mãos apoiando seu peso, contradizendo essa postura em pé, “nobre” e ereta. Zuma e Santos demonstram uma técnica que exigia uma movimentação perto do chão, quer agachando debaixo de um golpe, quer iniciando um chute de baixo. A postura ereta da guarda, que Zuma ainda descreve como “a primeira posição, nobre e leal”, permanece quase exclusivamente retórica, invocando a nobreza como parte do seu esforço de remover o estigma que prejudicava a prática da capoeira no início do século vinte.14

A maior parte dos ataques e das defesas de Zuma são baseados em rasteiras e golpes de pé ao invés de socos e golpes com as mãos, precisamente porque as mãos são usadas para sustentar o peso do corpo. Apoiando as palmas das mãos no chão e liberando os pés para o ataque, a capoeiragem de Zuma exige que os jogadores constantemente desloquem o peso dos pés para as mãos e das mãos para os pés. A técnica de Zuma tem sido interpretada como uma versão ereta e rígida da capoeiragem, onde os movimentos não fluem. Porém, uma pessoa seguindo as descrições e instruções de Zuma, teria que constantemente levantar, cair, mergulhar, agachar e pular.

O texto fornece ampla evidência de interação constante e, de fato, Zuma instrui seus leitores para iniciar um ataque a partir de um movimento de defesa, da mesma maneira que ataques e manobras evasivas fluem de um ao outro na capoeira de hoje em dia. Um movimento que Zuma chama de “pentear” ou “peneirar” reforça a evidência da fluidez de seu jogo, mas também incorpora a “tapeação”, o elemento central da malícia na capoeira e capoeiragem. Zuma ensina: “Joga-se os braços e o corpo em todos os sentidos em ginga, de modo a perturbar a atenção do adversário e preparar melhor o golpe decisivo.”15

Em contraste ao entendimento atual da ginga na prática da capoeira como um passo básico de conexão, o “peneirar” de Zuma tem a intenção explícita de confundir e enganar, uma manobra tática para preparar um ataque. Enganação, malandragem e imprevisibilidade, as mesmas táticas consideradas fundamentos da capoeira hoje, permeiam a Gymnástica Nacional de Zuma.

As descrições de capoeiragem que precedem a publicação da Gymnástica Nacional revelam várias continuidades entre a ginástica nacional de Zuma e a capoeiragem oitocentista. Numa das descrições detalhadas mais antigas de capoeiragem, incluída nas Festas e tradições populares do Brasil, de 1893, do folclorista brasileiro Alexandre Mello Moraes Filho, encontramos descrições de vários movimentos quase idênticos aos incluídos na Gymnástica Nacional de Zuma. Mais da metade dos golpes mencionados por Mello Moraes também se encontram no livro de Zuma: o rabo de arraia, a cabeçada, a rasteira, o escorão e o tombo da ladeira.16

Da mesma maneira, as descrições de Plácido de Abreu (1886), Raul Pederneiras (1921;1926) e Henrique Coelho Neto (1928) apontam para uma capoeiragem muito parecida à ginástica nacional de Zuma. Ele reivindica haver inventado três movimentos novos especificados no livro: a queixada, o passo da cegonha e a espada.17 Ainda que Zuma, sem dúvida, tenha tentado “melhorar” a capoeiragem através da codificação, ele também advogou seu valor intrínseco: a capoeiragem “encerra, embora ainda um pouco confusa e mal definida, todos os elementos para uma cultura física perfeita”.18

De fato, ele propunha que a capoeiragem fosse um instrumento de aperfeiçoamento pessoal para jovens “de família”. Cultivando o corpo através da capoeiragem, o homem brasileiro se tornaria “forte, temido, corajoso e audacioso”.19 Se todos os jovens aprendessem capoeiragem, assim Zuma prognosticava, os cidadãos brasileiros do futuro seriam “respeitados, temidos [e] fortes”.20 Ainda que propusesse “melhorar” a capoeiragem, Zuma imaginou um “cidadão do futuro” brasileiro, melhorado através de uma prática afrodiaspórica que já continha todos os elementos para uma cultura física perfeita. Cultivar ambos corpo e corpo político através de um jogo afro-diaspórico virava o pensamento eugenista de cabeça para baixo, permitindo que a africanidade fosse vista como uma fonte para a “regeneração”, ao invés de uma degeneração, uma fonte de força e de orgulho nacional.

1 André Luis Lacé Lopes relata a data de nascimento de Burlamaqui’ como 25 de novembro de 1898. A capoeiragem no Rio de Janeiro: primeiro ensaio, Sinhozinho e Rudolf Hermanny. Rio de Janeiro: Editora Europa, 2002, 88.

2 Em meados da década de 1910, algumas reportagens de competições de capoeiragem começaram a aparecer nas páginas de esportes do Jornal do Brasil, mesmo que nesse momento as notícias sobre capoeiragem ainda aparecessem principalmente nas colunas de “queixas” e nas notícias policiais, onde era associado com esfaqueamentos e homicídios.

3 Jornais da época noticiavam a prática diária de capoeiragem em espaços públicos nos anos 1910 e 1920 no Rio de Janeiro, muitas vezes em colunas de queixas do público (tal como a coluna do Jornal do Brasil “Queixas do povo”). “Exercícios de capoeiragem” aconteciam em várias praças da cidade, tais como a Praça Quinze de Novembro e a Praça Onze de Junho, como também em estações de trem, esquinas de bairros residenciais, de vários locais nos subúrbios (Engenho de Dentro, Cascadura, e Rocha).

4 Em uma nota nas páginas esportivas do Correio da Manhã, de 20 de Aabril 1920, e uma nota em O Jornal de 19 de Abril de 1920, Zuma é referido como “capoeira e boxeur.” No seu livro, Zuma explica que seu apelido é derivado do seu segundo nome de batismo; seu nome completo era Anníbal Zumalacaraguhy de Menck Burlamaqui. Anníbal Burlamaqui, Gymnastica Nacional (capoeiragem) methodizada e regrada (Rio de Janeiro: s.p., 1928), 15; Ulysses Burlamaqui, comunicação pessoal.

5 Ele é referido como “guarda da polícia aduaneira” em um artigo de jornal onde os oficiais tentavam encontrar uma solução criativa para poderem revistar uma mulher suspeita de carregar contrabando debaixo de sua saia. “Um contrabando complicado e engraçado,” Correio da Manhã, 15 de junho de 1924; ele foi promovido até chegar na posição de inspetor de impostos da Receita Federal. Ulysses Burlamaqui, comunicação pessoal.

6 “Posse do novo acadêmico,” Jornal do Brasil, 2 de março de 1930.

7 O livro recebeu uma resenha ambivalente no Jornal do Brasil, e uma resenha devastadora no Correio da Manhã. “Registro Literário,” Jornal do Brasil, 14 de abril de 1939; Álvaro Lins, “Critica Literária Poesia,” Correio da Manhã, 16 de novembro de 1940. Ele também publicou um segundo livro de poesia, e intitulado Babel de Emoções. Ulysses Burlamaqui, comunicação pessoal.

8 Raul Pederneiras, “A Gymnastica Nacional,” Jornal do Brasil, 22 de Abril 1928.

9 Para uma leitura detalhada da Gymnástica nacional de Zuma, ver Ana Paula Höfling, Staging Brazil: choreographies of capoeira Middletown, CT: Wesleyan University Press, 2019.

10 Burlamaqui, Gymnastica nacional, 4.

11 Burlamaqui, Gymnastica nacional, 18-19.

12 Ibid., 15.

13 Ibid., 23.

14 Ibid.

15 Burlamaqui, Gymnastica nacional, 42.

16 Alexandre José de Mello Moraes Filho, Festas e tradições populares do Brasil. (Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1946 [1893]), 448.

17 Ibid., 21.

18 Ibid, 13.

19 Ibid.

20 Ibid., 15.

Bibliografia citada: Jornais do Rio de Janeiro consultados na Hemeroteca da Biblioteca Nacional: Jornal do Brasil Correio da Manhã

O Jornal

Abreu, Plácido de. Os capoeiras. Rio de Janeiro: Typ. da Escola de Serafim José Alves, 1886. Burlamaqui, Anníbal. Gymnastica nacional (capoeiragem) methodisada e regrada. Rio de Janeiro: n.p., 1928. __________. O meu delírio: poêma do instinto. N.p.: Cenáculo Fluminese de História e Letras, 1939.

Burlamaqui, Ulysses Petronio. Comunicação pessoal. Junho 19, 2020. Coelho Netto, Henrique. “Nosso jogo.” In Bazar. Rio de Janeiro: Livraria Chardron, de Lello e Irmão, Ltda Editores, 1928. Höfling, Ana Paula. Staging Brazil: choreographies of capoeira. Middletown, CT: Wesleyan University Press, 2019. Lopes, André Luiz Lacé. A capoeiragem no Rio de Janeiro: primeiro ensaio, Sinhozinho e Rudolf Hermanny. Rio de Janeiro: Editora Europa, 2002.

Mello Moraes Filho, Alexandre José de. Festas e tradições populares do Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1946 [1893]. Silva, Elton e Eduardo Corrêa, Muito antes do MMA: O legado dos precursores do Vale Tudo no Brasil e no mundo. Kindle edition, 2020.

Para uma leitura detalhada da Gymnástica Nacional, de Zuma, veja o livro de Ana Paula Höfling, Staging Brazil: choreographies of capoeira. Middletown (2019). ttps://www.hfsbooks.com/books/staging-brazil-hofling/ Ana Paula Höfling é da Universidae da Carolina do Norte, Greensboro.

(capoeirahistory.com)

Por Por Ana Paula Mestre Travassos Mestre Travassos – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA

Antes de conhecer a capoeira Mestre Travassos conheceu o samba duro, o samba de pernada, que impressionou bastante o então adolescente Victor.

Todos os amantes da capoeira já devem ter ouvido falar sobre respeito aos mestres, ancestralidade e tradições que acompanham nossa arte. A principal via de comunicação entre as tradições dos mais antigos e os novos praticantes é a cultura oral, que transmite ensinamentos e mostra diversificadas formas de fazer, ser e entender a capoeira, porque traduz aquilo que não se ensina diretamente – mas se aprende. A cultura oral depende necessariamente da memória, vivência, experiência e sentimento, transmitidos a cada nova geração. Convidamos os leitores a conhecerem a história de Mestre Travassos, o precursor do ensino da capoeira nos municípios de Niterói e São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro.

Nascido na Cidade Alta, Salvador, Bahia, em 07 de setembro de 1942, Mestre Travassos é um dos muitos nordestinos que migraram para a região sudeste em busca de novas oportunidades. Sua família chegou ao Rio de Janeiro por volta de 1945, onde o menino Victor Widawski teve uma infância pobre e modesta.

Foi no bairro do Flamengo que Travassos deu os primeiros passos na capoeiragem com um rapaz conhecido como Baianinho. Tempos depois, em 1960, passa a treinar com o capoeira Antônio Nascimento de Morais, que tinha sido aluno de Mestre Pastinha.

Ainda na sua mocidade, Mestre Travassos frequentou a Escola de Samba São Clemente, em Botafogo, onde participou do auge da combinação entre samba e capoeira. O mestre era o responsável por uma ala exclusiva para o samba duro, modalidade em que dois sambistas, que também eram capoeiras, se enfrentavam em um duelo de samba, palmas, improvisos, rasteiras e pernadas.

Como, naquela época, a profissionalização, ou apenas sobreviver financeiramente da capoeira, era algo distante da realidade, Mestre Travassos seguiu outros caminhos que o levaram a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro –PMERJ. Com o ingresso na corporação, mudou-se para a vizinha cidade de Niterói e novos horizontes se abriram, inclusive, com a oportunidade de ministrar aulas de capoeira em seu Batalhão. Assim, o mestre passou a dedicar-se às aulas na polícia e também em outros dois locais, em Niterói e em São Gonçalo.

Nos anos de 1970, a capoeira experimentava um processo de institucionalização e chegava às universidades, tendo como palco de suas transformações as discussões em caracterizá-la como luta e desporto. Desse modo, como luta brasileira, a capoeira estava vinculada à Confederação Brasileira de Pugilismo – CBP, à qual era afiliada a Federação de Pugilismo do Estado do Rio de Janeiro – FPERJ, instituição em que Mestre Travassos oficializou sua titulação de Mestre. Na FPERJ, Mestre Travassos foi Assessor de Capoeira da direção e dirigente, além de árbitro em competições estaduais e nacionais de capoeira.

Foto de Mestre Travassos, do Acervo Jorge Columá.

Em paralelo, Travassos escrevia sua própria história com a capoeira ministrando aulas, formando discípulos, organizando e participando de eventos como simpósios, palestras, batizados, shows e rodas de conversa. No final dos anos de 1970, funda a Associação de Capoeira Pequenos Mestres, onde priorizou sua técnica e seu estilo próprios, diferente da capoeira angola e também da capoeira regional. Com o trabalho na Associação Pequenos Mestres, existente até hoje, Mestre Travassos formou gerações de mestres, tais como Chita (in memorian), Bocka, Bailarino, Jacaré, Casquinha, Santana e Ricardo Feijão.

Nos anos de 1980, Mestre Travassos junto aos Mestres Bocka, Martins e Bogado, fundou a Federação de Capoeira do Estado do Rio de Janeiro – FCERJ. Na década de 1990, participou ativamente da fundação da Federação de Capoeira Desportiva do Estado do Rio de Janeiro – FDCRJ. Em 1998, após militar pela capoeira ativamente por mais de 30 anos, Mestre Travassos recebeu a máxima graduação de mestre, o cordel branco.

Atualmente, o Mestre Travassos, com 78 anos, mesmo não lecionando mais capoeira, é uma figura ativa em eventos, sempre que convidado. Seu pioneirismo e mérito por muitas conquistas para a capoeira são reconhecidos e seu trabalho segue vivo através de seus discípulos.

Jorge Felipe Columá é Dr. em Educação Física e Cultura. / Jaqueline Ribeiro é profissional de Educação Física. / Rômulo Reis é Dr. em Ciências do Exercício e Esporte.

Este texto foi publicado pela primeira vez na Revista Muzenza Grupo de Capoeira, nº 9, de março de 2021, com o título “Mestre Travassos, o pioneiro nas cidades de Niterói e São Gonçalo”

Por Jorge Columá, Jaqueline Ribeiro e Rômulo Reis / Tradições, cultura oral e capoeira

Rui Montanheiro é conhecido no mundo da capoeira como Mestre Rui Charuto. Nascido em 1º de abril de 1959, no bairro da Abolição, Rio de Janeiro, começou na capoeira em 1967, na linhagem da Capoeira Bonfim.

Esse primeiro contato com a capoeira aconteceu na atual Escola Municipal Alagoas, em Pilares, através de um professor de educação física chamado Márcio Monciolo. Em 1967, começou a treinar em uma academia de Cascadura com um capoeirista de Alagoas, Guere 22, aluno de Eraldo e Zé Grande. Por essa época, treinava com Lébio, também aluno de Guere 22, mas que também foi aluno de Celso Pepe. Ainda nestes primeiros passos, em 1969, frequentava o clube do Furgão, no bairro de Pilares, onde praticava com João Marcos e Adilson Vitor, alunos de Celso Carvalho do Nascimento, conhecido Mestre Celso da Engenho da Rainha.

No ano de 1972, junto a Mestre Bebeto (José Roberto Lima), organiza um grupo de capoeira para uma apresentação em escolas. Deste movimento inicia o ensino da capoeira na Rua Francisco Azieze, 227, endereço do centro de umbanda Tenda Espírita Caboclo Flecha Azul e Vovó Catarina, que pertencia à sua mãe de criação, Dona Valquíria. O pai de Rui Montanhês, Iran Gil, era músico violonista e tocava em diversas casas de show e boates. Os treinos de capoeira eram às terças e quintas de noite e aos sábados de manhã, dias que não coincidiam com as sessões da Tenda Espírita. Capoeiristas ilustres frequentaram esse espaço, como Toni Vargas, Márcio Kabula (aluno de Zé Maria), Altair, Arlindo Barrica, alguns alunos de Mestre Roni, outros de Mestre Touro.

Em 20 de abril de 1970, Rui cria o Grupo Capoeira São Bento, ainda hoje em atividade, com os mestres Chico, Massa e Bebeto. Mas em 20 de junho de 1974, Mestre Rui muda o nome para Grupo de Capoeira Sinhá, por sugestão de Djalma Bandeira pra não se confundir com o Grupo de Capoeira São Bento Pequeno, de Mestre Paraná. Dos alunos da década de 1970 , temos ainda em atividade Pilim, Lacraia, Claudinho, Maurinho Mau criado, Titinho, Delma, Caranguejo (irmão de Mestre Rui) e Apsur. Com pesar, lembramos dos falecidos Edmilson Cambraia, Amarelinho, Ivan, Ivan do Pandeiro, João Joca e Roberto (conhecido como Índio).

Mestre Rui Charuto Mestre Rui Charuto – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Em 1972, o grupo migrou para o Morro do Engenho da Rainha, na casa de Chico, futuro Mestre. Naquela época Mestre Rui era muito magro e usava cabelos black power. Luis Peidão, aluno com quem Rui costumava brincar dizendo parecer um cigarro por ser magro e comprido, certa vez o responde comentando que se ele era um cigarro, Rui seria um charuto, daí seu o apelido. Neste espaço circularam capoeiristas como Valteno (aluno de Zé Maria), Silvanei e Umbigão (alunos do Valdo Santana, irmão de Waldemar Santana, que dava aulas no colégio Visconde de Cairu, no Engenho Novo . Em 1974, foram para o Centro de Comércio e Indústria de Pilares, popularmente conhecido como CCIP. Mantendo os treinos no clube Sentinelas de Pilares, por onde circularam, dentre outros, Edson Paraná, os falecidos Joênio (da Cidade de Deus) e Alfredo e Paulinho Guaiamum (alunos de Zé Pedro). Ainda em 1975, houve um período de treinos na Escola de Samba Caprichosos de Pilares. Entre 1975 e 1979, Mestre Rui também deu aulas na Academia de Polícia do Rio de Janeiro.

Mestre Rui Charuto em apresentação com Mestre Bebeto, na boate Oba Oba, Rio de Janeiro. Cerca de 1979 ou 1980. Foto do Acervo de Mestre Bebeto.

Em 1977, em uma briga de bar, no Clube Maria da Graça, Mestre Rui deu uma banda em um notório bandido do Morro de Pilares, chamado Fia. A partir daí passou a ser perseguido chegando a ser atacado a tiros no Bloco Carnavalesco Panteras do Engenho da Rainha, onde também dava aulas. Foi então para São Paulo, onde já tinha a indicação de um espaço para dar aulas. Como já havia frequentado algumas rodas em São Paulo, como a de Mestre Suassuna, do Cordão de Ouro, sua permanência foi facilitada por um tempo, período em que Mestre Bebeto manteve os treinos e rodas do grupo no Rio de Janeiro.

Ao retornar de São Paulo, em 1978, retoma as aulas na Academia de Polícia, onde fica até 1979. À convite do capoeirista Cledson Jesus Filho, que gerenciava uma casa chamada Berro d’Água, no Pavão Pavãozinho, montou com Mestre Bebeto um grupo para apresentações artísticas. Faziam exibições na boate e davam aulas no Pavão Pavãozinho. Logo depois, juntam-se a Mestre Massa para apresentações na boate Oba Oba, onde ficam de 1979 até 1982. Em 1983, o trio novamente se reúne para apresentações na boate Plataforma 1, onde Mestre Rui continua até 1989.

Na década de 1980, Mestre Rui manteve uma roda famosa no estacionamento do Norte Shopping, no bairro do Cachambi, reconhecida como uma roda dura, onde mestres como Mintirinha, Suelli Cota e Corvinho se faziam presentes. Neste período Rui Charuto cursou a faculdade de Direito, na antiga Faculdade SUESC, no Campo de Santana e fortaleceu sua amizade com o também mestre, hoje falecido, Pistola, Luizão, sobrinho de Mestre Celso. Foi nesta época que adquiriu a Síndrome de Guillain-Barré, doença que se tornou crônica e contra a qual Rui Montanhês, Mestre Rui Charuto, luta até os dias de hoje.

Por Gabriel Cid e Mestre Bebeto.

Fontes:

Mestre Rui Charuto foi entrevistado por Gabriel Cid e Mestre Bebeto em março de 2021. Para mais informação: https://youtu.be/TeWN0KgLW_0

Mestre Rui Charuto, nos anos 1990, na foto do Acervo de Mestre Bebeto. Mestre Bebeto é consultor do projeto CapoeiraHistory. / Gabriel Cid é sociólogo e Doutor em Sociologia pela UERJ.

Mestre Silas Mestre Silas – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Seu primeiro contato com a capoeira aconteceu em 1952, no Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Capela, localizado em Parada de Lucas, zona norte do Rio.

Silas Luís nasceu em 16 de setembro de 1944. Natural do Rio de Janeiro, cresceu no bairro de Cordovil, zona norte da cidade, mais exatamente na rua Antônio João. Após o falecimento do pai, aos 10 anos de idade, mudou-se para Brás de Pina, onde reside até hoje.

Impressionado com a apresentação de capoeira na quadra da escola, em um dos ensaios, ficou motivado e começou a se aproximar da capoeira e do samba duro. Iniciou-se na capoeira com Mestre Índio, aluno do Mestre Roque. Depois conheceu o Mestre Mintirinha e passou a treinar com ele. Através de Mintirinha conviveu com os mais famosos mestres daquela época no Rio: Paraná, Artur Emídio, Deraldo, Zé Grande da Bonfim, Mário Buscapé e o Garrinchinha (aluno de Mário). Participou da criação do grupo Kapoarte – Filhos de Abaluaê junto ao seu mestre, Paulão, Piriquito e Korvão no ano de 1965.

Assumiu a direção do grupo, em 1975, quando Mestre Paulão criou outro grupo, o Barravento. No mesmo ano, Mestre Silas participou da elaboração das regras para as competições organizadas na academia de Zé Pedro.

Muitos de seus alunos do grupo Kapoarte, como Jorge Roberto Siqueira, José Fernandes, Jorge Alvarenga Costa, Wladimir da Silva, Milton Bento Cabral e outros, se destacaram nas competições de capoeira que aconteceram, no Rio de Janeiro e outros estados, nos anos subsequentes.

O Kapoarte liderava repetidamente as rodadas dos “Torneios Interclubes” de 1975 e 1976.

Listagem oficial de mestres formados por M. Silas

Silas e Mintirinha. Acervo M. Paulão da Muzenza.

Exibição dos Mestres Mintirinha e SIlas. Acervo M. Paulão da Muzenza.

Silas e Mintirinha. Acervo M. Paulão da Muzenza. Mestre Silas fez apresentações cênicas de capoeira em festas dos clubes sociais muito frequentes, principalmente nos bairros da zona norte da cidade.

Também participou de vários shows em boates, como o Sambão e Sinhá, de Ivon Cury. Como militar da Aeronáutica foi convidado a dar aulas no Clube dos Taifeiros da Aeronáutica. Também deu aulas na Maré, lugar onde a Kapoart tem um de seus maiores redutos até hoje.

Segundo Mestre Silas, a grafia do nome Kapoarte (mudado ulteriormente para Kapoart) foi inspirada na língua quimbundo, cuja ortografia não possui “c”, somente k. Assim, resolveram grafar o nome “Kapoarte” com “k” fazendo uma referência à língua africana. O que demonstra também sua preocupação em resgatar as raízes africanas através da capoeira.

Ativo no meio da capoeira, Silas participou de rodas importantes no Rio de Janeiro, como a famosa roda da Central do Brasil, realizada durante o carnaval; a roda da Quinta da Boa Vista e a roda da Penha, realizada nos quatro domingos do mês de outubro durante a Festa de Nossa Senhora da Penha. Envolveu-se ainda na formação da Federação de

Capoeira no Rio de Janeiro, onde foi atuante durante muitos anos. Silas formou muitos mestres e até hoje continua suas atividades em frente à sua casa em Brás de Pina, lugar que ele chama de Quilombo da Kapoart.

Por Geisimara Mattos e Matthias Röhrig Assunção (junho de 2021).

Assista o vídeo documentário "Conversa com Mestre Silas"!

Mestre Silas gentilmente recebeu a equipe do Capoeira History para essa conversa sobre a sua vida e a capoeira da sua geração.

Mestre Dengo Mestre Dengo – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Nascido em Macaé (RJ), em 14 de agosto de 1957, Manoel da Cruz Vieira, Mestre Dengo, é um dos protagonistas da disseminação e crescimento da capoeira na Região dos Lagos e no norte do estado do Rio de Janeiro.

Mestre Dengo na Sede da Associação de Capoeira Raízes de Aruanda em Macaé (RJ). Fevereiro de 2021. Acervo pessoal do mestre.

Seu longo período de atividade como capoeirista e mestre vem contribuindo para formar diversos/as mestres/as nessa região, que vai de Rio Bonito a Campos dos Goytacazes. E, sem dúvida alguma, a história da capoeira em Macaé passa pela vida e trajetória do M. Dengo.

M. Dengo começou a treinar capoeira no início da década de 1970 em Macaé, mas seu amor e reverência à capoeira começa com um antigo programa cultural de rádio chamado Projeto Minerva. Foi neste programa, nas sessões dedicadas ao folclore e à cultura brasileira que ele ouviu falar da luta dos escravizados pela liberdade, das fugas das senzalas para os quilombos, das façanhas dos negros capoeiras perseguidos. Foi também nesse programa de rádio onde escutou o ritmo dos berimbaus e os batuques dos atabaques pela primeira vez, assim como as cantigas de lamento (banzo) do/a negro/a escravizado/a. M. Dengo comenta que adorava escutar esse programa de rádio e que não perdia nem uma edição porque falava da capoeira, da cultura afro-brasileira, do folclore brasileiro: Quando dava a hora, corria para frente do rádio e ali ficava escutando a narração do locutor (…) me emocionava de uma forma que jamais me sentiria em minha vida. Um aperto no peito, como se estivesse vivenciando aquele momento” (Mestre Dengo, autobiografia não publicada).

Entre o Projeto Minerva e os encontros com seu primo Carlos Ribeiro, para irem ao campo de futebol próximo de casa, para “tocar o pé um no outro”, sua paixão pela capoeira foi crescendo, e ele passou a querer mais do que “brincar de chutes e pulos” (Autobiografia). Foi quando começou a treinar com Mestre Levi, nascido na cidade de Campos, mas crescido em Macaé, que foi um dos grandes seus amigos de infância Se encontravam no Ginásio Luiz Reid para jogar futebol, mas depois do jogo sempre ficavam jogando capoeira. Com Levi, Manuel Vieira começou de fato a treinar e aprender capoeira, como ele próprio afirma: “com ele comecei, de verdade, a aprender a arte de jogar capoeira. Ele teve a paciência de me ensinar a gingar e me mostrar os primeiros passos” (Autobiografia). Em 1974, neste contexto de capoeira nas ruas, praias, ginásios e morros de Macaé, Levi, ainda sem a titulação de mestre, Manuel e outros amigos criaram o primeiro grupo de capoeira de Macaé, o grupo Silêncio com a Fera, que se desfez pouco tempo depois com a ida de Levi para Duque de Caxias.

Para seguir os treinamentos com a capoeira, o grupo Silêncio com a Fera se ligou ao recém-formado professor Pavão (Paulo Ribeiro), de Campos, aluno do Mestre Cabrita (que não está mais na capoeira). Em 1979, Dengo foi formado professor de capoeira e começou a dar aulas de capoeira, primeiro, no espaço do barracão, no atual prédio da Prefeitura de Macaé. Em 1980, ele passa a dar aulas nos espaços do Sindicato dos Ferroviários.

Ainda no início dos anos de 1980, já consolidado como professor de capoeira, M. Dengo continua sua formação em um novo grupo, a Associação de Capoeira Angonal, criada pelo Mestre Bóca (Jorge Leite), nos anos 1970, em São Gonçalo (RJ). Dengo foi convidado pelo próprio presidente da associação a se integrar ao movimento, fazendo parte da Angonal por quase 20 anos, até sair em 1999. Foi formado contramestre e mestre, pelo M. Bóca ao longo desse período.

Ainda em 1999, M. Dengo inicia sua trajetória como coordenador do seu próprio grupo ao criar a Associação de Capoeira Raízes de Aruanda, em Macaé. O Raízes de Aruanda surgiu como forma de “renovação, naquilo que nós acreditávamos e acreditamos, até os dias de hoje, que é possível realizar um trabalho sério e coletivo através do respeito mútuo, responsabilidade e comprometimento” (Autobiografia).

Como mestre e presidente da Associação de Capoeira Raízes de Aruanda, Dengo desenvolve inúmeros projetos sociais com a capoeira em periferias e escolas na Aroeira, Botafogo, Barra, Barreto, Morro de São Jorge, Imbetiba e Sol y Mar, todos bairros de Macaé. Desta forma, o Raízes de Aruanda contribui com muitas crianças e adolescentes que vivem em áreas de risco e de vulnerabilidade social. Através da capoeira, do jongo e das demais manifestações afrobrasileiras, M. Dengo gera referências e parâmetros para a vida e a carreira profissional de muitos jovens. Alguns vieram a se tornar mestres, contramestres e professores de capoeira. Tais projetos e ações sociais têm como diretrizes principais a disseminação das tradições e manifestações populares afro-brasileiras; o trabalho em zonas periféricas e com populações em vulnerabilidade social; a formação do vínculo identitário e autoestima da população negra e pobre; o fortalecimentos dos traços comunitários coletivos.

Dois aspectos formadores da trajetória do M. Dengo surgem como alicerces da existência da capoeira em Macaé e região norte fluminense. O primeiro a ser destacado é a independência, em termos de formação e linhagem de capoeira, que o M. Dengo possui em relação aos grandes mestres e grupos de capoeira da cidade do Rio de Janeiro. Algo que se estende para outros mestres e grupos da região norte-fluminense, que apareceram a partir das décadas de 1970 e 1980, não descendendo diretamente das linhagens de capoeira herdadas dos quatro mestres que teriam contribuído profundamente para a formação da capoeira carioca, a saber, mestres Artur Emídio, Paraná, Roque, Mário Buscapé (cf. Os Mestres no Rio de Janeiro´, in https://capoeirahistory.com/pt-br/mestres-az/, 2020).

De modo geral, Dengo e seus contemporâneos foram aprendendo e se formando na capoeira de uma forma independente e quase autodidata, pois o início de suas trajetórias se dá nas ruas, praias e clubes de cidades como Macaé e Campos. Apesar da existência de grandes grupos como a Associação de Capoeira Angonal e o grupo Senzala (Cabo Frio), na região a partir dos anos 1980, muitos meninos e meninas se reuniam nas ruas, praças e praias com amigos/as que sabiam um pouco de capoeira e ali começavam a dar as primeiras pernadas, como aconteceu com M. Dengo na sua parceria e amizade com M. Levi. Com o passar das décadas, à medida que M. Dengo e outros mestres mais antigos da região, como Bóca e Machado (São Gonçalo) se consolidavam como mestres e expandiam seus grupos, crianças e jovens da região começaram a tê-los como referência e lugar para aprender capoeira. Desta forma, as gerações de capoeiras surgidas em Macaé, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Rio das Ostras, a partir da década de 1990 não necessitaram do/das grandes mestres/as da cidade do Rio de Janeiro e dos grandes grupos para treinarem ou para se aperfeiçoarem como capoeiristas.

Quando M. Dengo faz referências a lugares e mestres(as) que o teriam ajudado a se formar como capoeira, ou com quem mantém relações de amizade e parceria, ele menciona Duque de Caxias, Niterói (RJ) e Vitória da Conquista (BA), entre outras, através da presença de mestres como Levi, Formiga e Pantera, mas pouca ou nenhuma referência faz a grupos e mestres da cidade do Rio de Janeiro. De fato, M. Dengo faz uma capoeira do interior do Rio de Janeiro embora conectada a outras cidades do estado e do interior da Bahia, sem ter muito contato ou envolvimento com a capoeira praticada tanto na cidade do Rio, quanto em Salvador (Autobiografia).

O segundo aspecto formador da capoeira do M. Dengo e, de modo geral, da região norte fluminense é a profunda ligação com as culturas e tradições populares locais, especialmente às de matriz africana, presentes nas vivências cotidianas de muitos dos grupos de capoeira da região. Assim, o jongo, o samba de roda, o maneiro-pau, as cantigas e temas caros às comunidades de Macaé e cidades próximas, fazem parte do repertório formativo e de trabalho de muitos capoeiristas. O próprio M. Dengo possui uma ligação forte com a religiosidade de matriz africana, além de fazer e ensinar jongo e samba /samba de roda (rural). Ele costuma dizer que suas influências no samba de roda, por exemplo, estão ligadas à Bahia, especialmente, à cidade de Serrinha. Por sua vez, as influências recebidas do jongo chegam de localidades próximas a Macaé, como o Quilombo Machadinha, em Quissamã, ou dos grupos de jongo de Cabro Frio. A Associação das Raízes de Aruanda em Macaé realiza em sua sede diversas ações e eventos ligados às festas populares e datas importantes para a comunidade afro-brasileira, bem como celebrações de datas religiosas, sejam de origem católica ou de matriz africana. Após os treinos semanais, às terças e quintas, M. Dengo reúne alunos/as e visitantes para tocar e cantar os ritmos e cantigas de capoeira, além de pontos de jongo e cantigas de samba de roda, o que acaba por se tornar uma oficina de ritmos e percussão afro-brasileiros. Faz alguns anos, a sede do Raízes de Aruanda também abre seu espaço, nas noites de sexta, para rodas e oficinas de jongo e, nos sábados à noite, recebe importante roda de samba, reconhecida e frequentada pela comunidade de Macaé e cidades ao redor, isso até antes da epidemia de Covid 19. Esse relacionamento e convivência com manifestações culturais afro-brasileiras cultuadas e sua transformação em ações pedagógicas para o ensino da capoeira, por parte do M. Dengo (e outros mestres e capoeiras), promove a formação de uma geração de capoeiristas com ótimo conhecimento rítmico-musical e com os pés fincados nas raízes afro-fluminenses e afro-brasileiras.

O trabalho do M. Dengo se estendeu para além das fronteiras de Macaé através dos professores(as) e mestres (as) formados por ele nesses vinte e dois anos de existência da Associação Raízes de Aruanda, levando a capoeira, o jongo e o samba rural a outras cidades e localidades da região, como Cabo Frio, Campos, Rio das Ostras e Rio Bonito, onde há um núcleo do Raízes de Aruanda, coordenado pelo Mestre Coelho. Alguns capoeiristas foram formados mestres dentro do Raízes de Aruanda, como Mestre Ivo (já falecido), Mestre Grande e Mestre Marcelo (Macaé), Mestre Coelho (Rio Bonito), Mestre Pingo (Cabo Frio). Em Rio das Ostras, o Mestre Mistério está ligado há muitos anos ao M. Dengo, apesar de não ter sido formado por ele.

Hoje, aos 64 anos, Mestre Dengo, com seu jeito acolhedor e afetuoso, e com enorme disposição para treinar e dar aulas, continua a transmitir os saberes da capoeira e das tradições afro-brasileiras a crianças, jovens e adultos olhando para as comunidades e povos tradicionais ao seu redor, valorizando uma capoeiragem fora dos grandes centros urbanos e capitais, profundamente enraizada a uma identidade negra fluminense, que tem no batuque, no atabaque e na ginga a força de uma herança afro-diaspórica.

de 2021)

Integrante da escola de capoeira Angola Laborarte (São Luís – MA), onde é formado professor de capoeira, Salvio é frequentador dos treinos e eventos da Associação Raízes de Aruanda (Macaé-RJ). Professor Adjunto da Instituto de Humanidades da Universidade Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB (CE), onde leciona matérias sobre capoeira e samba nos cursos de Pedagogia e Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades (BHU).

Referências:

IBGE | Cidades@ | Bahia | Serrinha | História & Fotos. https://cidades.ibge.gov.br › ba › serrinha › histórico, 2017. Acesso em 11 de abril de 2021.

Salvio Fernandes de Melo (26 de maio

Mário dos Santos, mais conhecido como Mestre Mário Buscapé, nasceu em 1934 num povoado perto de São Francisco do Conde, no Recôncavo baiano.

Segundo ele mesmo conta, sua mãe era mariscadeira e seu pai era caranguejeiro. Seu pai, José Bidel, e seu tio, de apelido Dendê, praticavam capoeira e conheciam capoeiras famosos do Recôncavo como Siri de Mangue, Canário Pardo e Besouro, de Santo Amaro. Segundo Mário, Besouro até frequentava sua casa, mas isso deve ter sido antes de ele nascer, pois Besouro foi morto em 1924.

Mário começou a se familiarizar com a capoeira desde criança, nas rodas improvisadas no terreiro de sua casa, sendo seu tio Dendê seu primeiro professor. Quando adolescente foi empregado (e praticamente escravizado, segundo seu testemunho) em uma fazenda da vizinhança. Em busca de uma vida melhor, veio para o Rio de Janeiro com uma tia, no início da década de 1950. Foi morar no Jacarezinho e seu primeiro trabalho era colocar placas de sinalização e tampas na via férrea para evitar acidentes. Depois trabalhou muitos anos na empresa de postes Cavan.

Ali conheceu Irineu dos Santos, e Mário começou a ensinar-lhe os primeiros passos da capoeira. Logo conquistou outros adeptos para praticar capoeira, entre eles os irmãos de Irineu, Zé Grande e Deraldo, curiosamente eram todos da família dos Santos, também baianos do Recôncavo, mas sem parentesco com Mário Buscapé.

Os mestres do Rio de Janeiro. capoeirahistory.com/pt-br/mestres-az/, 2020. Acesso em 10 de abril de 2021. VIEIRA, Manoel da Cruz (mestre Dengo). Autobiografia não publicada. S/D. Mestre Mário Buscapé Mestre Mário Buscapé – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com) Waltinho e Mário Buscapé na foto do Acervo de M. Luizão

M. Mário ao berimbau, na apresentação do Grupo Bonfim. Foto Acervo M. Luizão.

Árvore genealógica da capoeira de M. Mário Buscapé. Acervo M. André Lacé.

Em 1953 fundaram o grupo de capoeira Bonfim, depois também conhecido como “Capoeiras do Bonfim”. O grupo, inicialmente, ocupou um pequeno espaço no bairro de São Cristóvão. Como escreveu André Lacé:

Lá não permaneceram por muito tempo, pois o espaço tornou-se pequeno devido ao grande número de alunos. Muda a academia para o bairro de Olaria, um local espaçoso e agradável, e aí não parou mais, formou grandes capoeiristas, como o saudoso mestre Zé Grande, que se destacou como o melhor discípulo.”

Mário Buscapé também frequentava a roda do Artur Emídio, uma das poucas rodas que aconteciam com regularidade no Rio na década de 1950. Dizem os capoeiristas que viveram essa época que Mário ficou muito impressionado com a rapidez do jogo de Artur Emídio e começou a levantar o seu jogo também.

O grupo Bonfim, liderado pelo Mestre Mário Buscapé, ficou famoso no Rio de Janeiro porque formou muitos capoeiristas de alto nível, ganhando com frequência as competições que começaram a ser organizadas na cidade a partir de meados da década de 1960. Em 1969, M. Mário voltou para Bahia e seus alunos, Zé Grande e Deraldo, assumiram a liderança do grupo Bonfim no Rio. Somente muitos anos depois, em 1994, os alunos da Bonfim trouxeram o mestre de volta para o Rio de Janeiro. Desde então Mário Buscapé vem tentando resgatar a herança do grupo Bonfim, que desempenhou um papel tão central no desenvolvimento da capoeira no Rio de Janeiro nas décadas de 1950 a 1970.

Mário Santos, em 2017. Acervo André Lacé.

Mestre Mário na foto do acervo de M. Ziza, cedida por André Lacé. Assista o vídeo documentário "Mestre Buscapé"!

O Mestre conta a sua infância, seu aprendizado na linhagem de Besouro e sua vinda para o Rio de Janeiro. Outros mestres que o conheceram comentam sua atuação no Rio e a criação, nos anos 1960, do grupo Capoeiras do Bonfim

Por Matthias Röhrig Assunção (20 de abril de 2020)

Fontes e para saber mais: Lacé, André Luis Lopes. Texto da capa do disco Bonfim, gravado em 1968, no Rio de Janeiro, por M. André Lace e remasterizado por Nilson Rossi, do RJ Studio, em 1994.

Santos, Mário dos. A saga de uma lenda viva. Mário dos Santos. Editado por Paulinho Salmon. Rio de Janeiro: Azougue, 2016.

Entrevista de Mário Buscapé ao projeto Capoeira Contemporânea no Rio de Janeiro, em 21 de agosto de 2018.

Paraná Mestre Paraná – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Mestre

M. Paraná numa cena da peça O Pagador de Promessas. Foto: Cedoc Funarte

Batizado Oswaldo Lisboa dos Santos, Mestre Paraná nasceu em 1922, em Salvador.

De acordo com os depoimentos de seus antigos alunos foi nas terras baianas que ele aprendeu capoeira com Antônio Corró. Paraná mudou-se para o Rio de Janeiro em 1944, quando tinha apenas 22 anos de idade, sendo, entre os capoeiristas de sua geração, um dos primeiros baianos a chegar e se estabelecer na cidade. No Rio de Janeiro, conseguiu trabalho no Instituto de Pensões e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE). Residiu no bairro de Bonsucesso, zona norte da cidade, e foi lá, nos fundos do quintal de sua casa, que na década de 1950, começou a ensinar capoeira. Mestre Paraná recebia muitas crianças, sendo fundamental o papel de sua companheira Maura Bastos, conhecida como “Tia Maura”, que recebia e acolhia os alunos.

Dentro da capoeira, Paraná ficou conhecido principalmente por ser um exímio tocador de berimbau. Carpinteiro de formação, ele mesmo produzia cuidadosamente seus berimbaus com cordas encapadas e madeira sempre envernizada. Sua reconhecida habilidade como músico levou-o a gravar no ano de 1963, pela gravadora CBS, um compacto chamado “Capoeira – Mestre Paraná” e ainda a ser chamado para tocar berimbau e atabaque em academias, como a do Mestre Artur Emídio

De acordo com Mestre Polaco, em 1956 Mestre Paraná fundou o Conjunto Folclórico de Capoeira São Bento Pequeno. O grupo se exibiu em várias modalidades de espetáculos divulgando a cultura afro-brasileira em “noites baianas” organizadas em clubes sociais, nos desfiles carnavalescos de blocos e Escolas de Samba e em espetáculos teatrais como a montagem da peça de Dias Gomes O Pagador de Promessas, no Rio de Janeiro, em 1962, em companhia do capoeirista Joel Lourenço do Espírito Santo. Aproveite e leia aqui o texto de Juan Diego Díaz sobre a herança musical de M. Paraná!

Mestre Paraná também teve uma parceria artística com a bailarina Mercedes Baptista, se apresentando com ela em espetáculos e festivais como o “IV Festival Folclórico do Distrito Federal”.

Paraná faleceu em 1972, aos 49 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco. Sua habilidade e talento com o berimbau sempre são elogiados pelos mestres que tiveram a oportunidade de conhecê-lo. Sua passagem, mesmo que breve deixou uma herança importante na história da capoeira contemporânea e hoje vários mestres e grupos reivindicam sua herança.

M. Paraná dá aulas de capoeira para jovens. Foto: acervo M. Polaco. Neste vídeo você pode ver mais sobre Paraná e seu berimbau: Por Juliana Pereira (abril de 2020)

Fontes: Entrevistas com os Mestres Cabide, Polaco, Genaro e Mintirinha. Jornais Hemeroteca Digital da Biblioteca Digital. Cedoc Funarte.

Damionor Ribeiro de Mendonça nasceu em 16 de julho de 1931. Sergipano de Aracaju, ele veio para o Rio de Janeiro na década de 1950.

Filho de general de Exército, ele estabeleceu residência no bairro do Grajaú, zona norte da cidade. O interesse pela capoeira se deu a partir do ano de 1964, momento em que começou a trabalhar no serviço de segurança no Banco do Brasil. Naquela ocasião, decidiu, com alguns companheiros de trabalho, que a capoeira seria uma ótima atividade complementar à sua profissão.

A partir desse momento começou a praticar a capoeira com Artur Emídio, que escolheu como seu mestre. Entretanto, segundo Mestre Bebeto, também aprendeu capoeira com o grupo Bonfim, que se ramificava nessa época pela Zona Norte do Rio de Janeiro. Na década de 1970 Mestre Mendonça dava aulas de capoeira no Satélite Clube do Banco do Brasil.

O interesse de M. Mendonça pela capoeira passou a abranger as políticas públicas direcionadas para o que ele entendia como esporte.

Mestre Mendonça Mestre Mendonça – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com) Homenagem da Federação Sergipana de Capoeira a Damionor Mendonça. Acervo André Lacé. Mestres Mendonça e Artur Emídio, Encontro Nacional de Capoeira Engenho. Acervo André Lacé.

A partir de 1967 começou a lutar pela regulamentação da capoeira. Durante o Segundo Simpósio de Capoeira, em 1969, foram escolhidos representantes de cada estado para a redação do de um pré-projeto de regulamentação da capoeira, que seria enviado ao Departamento de Capoeira da Confederação Brasileira de Pugilismo. Damionor Mendonça foi escolhido para representar o então estado da Guanabara.

Como responsável pelo projeto, que passou a vigorar como “Regulamento Técnico da Capoeira” a partir de 1973, é creditado a ele a criação do sistema de graduação em cordéis na capoeira nas cores: verde, amarelo, azul e branco com o objetivo de criar uma hierarquia entre os praticantes da capoeira. Baseados nas cores da bandeira do Brasil, os estágios vão desde o cordel verde até o cordel branco de mestre. Como não existia, na época, uma roupa padrão para os capoeiristas, foi instituído o uniforme branco – inspirado na roupa branca tradicional dos antigos capoeiras na Bahia - como o uniforme oficial de seus praticantes.

M. Mendonça foi muito ativo na comissão de mestres de capoeira na Federação Carioca de Pugilismo e, depois também, na Confederação Brasileira de Capoeira, até uma idade avançada. Além disso, era um estudioso da capoeira e compositor de várias músicas tocadas em rodas de capoeira. Pela sua dedicação à capoeira desportiva recebeu várias homenagens como o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. M. Mendonça faleceu em 2017.

Saiba mais:

Aproveite para ouvir aqui a entrevista que André Lacé fez com Damionor Mendonça e Samuel Taets, em 1975, para seu programa Roda de Capoeira, na Rádio Roquette Pinto

Por Geisimara Matos & Matthias Röhrig Assunção (abril de 2020)

Fontes:

Entrevista Mestre Bebeto Entrevista André Lacé (2018) Entrevista Mestre Silas (2018) https://www.rabodearraia.com/capoeira/news/nota-de-falecimento-mestre-mendonca.html http://www.rodadecapoeira.com.br/artigo/O-Legado-de-Mestre-Mendonca-para-a-Capoeira/

Sandra Eugênia Feitosa nasceu em 1959 e cresceu na favela do morro do Pavãozinho, no final de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro.

A única coisa que conseguimos apurar de sua infância é que cursou o primário na escola São Pedro, do Pavãozinho. Aos oito anos, foi recrutada ali pelas “candocas” do movimento conservador cristão CAMDE (Campanha da Mulher pela Democracia), que buscavam construir apoios nas classes populares, inicialmente para a derrubada do governo Goulart, e depois do golpe, para o sustento do regime militar. Assim, Sandra recebeu do “Banco do Sapato” da CAMDE um par de sapatos fabricados pelo exército por preço simbólico, se comprometendo a “não vendê-los, trocá-los ou jogá-los fora”, para combater as verminoses e “incutir na criança um sentido de responsabilidade”.

Aos dez anos de idade começou a treinar capoeira no grupo do Mestre Roque. Sandrinha dava aulas para o Grupo Bantus de Capoeira, no próprio morro, na década de 1970. Morava em um pequeno quarto, com a mãe e um sobrinho,

Mestra Sandrinha Mestra Sandrinha – CAPOEIRA CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

quando foi visitada pelo mestre de taekwon-do, Woo-Jae Lee, em 1979. O mestre se impressionou com suas habilidades, ao ponto que sua visita resultou numa reportagem para a Revista Dô.

Sandrinha declarou para a revista: “Na época em que comecei a praticar a Capoeira, eu era a única mulher na academia e isso me inibia um pouco. Hoje, ela significa tudo para mim. Esporte, luta, dança folclórica e show.” Sandrinha também falou da “memória muscular” e como o corpo, com a capoeira, pode se tornar “um instrumento de morte”. Nessa época ela já fazia shows no Rio. Começou com o grupo Sabata, na rua do Riachuelo, e participou do espetáculo “Uma noite na Bahia”. Participou também de apresentações em Salvador, na Bahia, com o grupo Filhos de Obá, no Maré Cheia. Conforme a Revista Dô, teria sido graduada também por Mestre Caiçara.

Seu professor, o mestre Roque, orgulhoso de ter ensinado capoeira para ela, nós deu o seguinte depoimento sobre Sandrinha:

Criança, menina, eu sempre tive sorte com menina. Eu formei a primeira Mestre de capoeira do Brasil. Dói eu, tá ali no retrato, ali (mostra a foto na sua academia). A Sandrinha. Ela tava lá também. Era dessa tamanho, loirinha dos olhos azuis, bonita, ela. Ela entrou, e ela tomou conta dos meninos. […] Era agente federal, ela. Tá em Brasília”.

Fotos da Revista Dô. Mestra Sandrinha

Mestre Lapinha, aluno de Roque que também conheceu Sandrinha, a descreveu assim:

Essa Sandrinha… jogava muito. Ninguém encarava ela, não. Ninguém era ruim de aturar ela. Entendeu? […] Ele [M Roque] adorava. Ele tratava ela como se fosse filha dele. E ele incorporou a capoeira nessa mulher. Tanto é que ela é guarda civil. E ela dava instruções na guarda civil. As pessoas conheciam ela, sabiam que ela era boa de bater, defesa pessoal, essa Sandrinha. A capoeira ajudou muito ela, na profissão dela, que ela sempre foi guarda civil, essa Sandrinha. Mas era um cão. Ela jogava muito. Entendeu? Era muito boa de capoeira. Era muito difícil ver alguém pegar ela. Era tipo uma mulher que tinha na Bahia. Esqueci o nome… [Maria] Doze Homens”.

É que chegando à idade adulta, Sandra cursou a Escola de Serviço Público no Rio de Janeiro e foi aprovada, em 1977, para a função de agente penitenciário. Trabalhava no Presídio Frei Caneca, no Centro do Rio, até se mudar, segundo depoimentos de outros mestres, para Brasília, em data desconhecida, e continuar sua carreira por lá. Em 1991, foi promovida a Agente de Segurança Penitenciária “Classe C”, por antiguidade e por merecimento.

Com a sua ida para Brasília, a capoeira carioca perdeu sua primeira mestra. Também não temos mais notícia dela. Se alguém puder dar mais informações ou tiver o contato dela, por favor, entre em contato com o capoeirahistory.com. Achamos muito importante resgatar a história da primeira mestra de capoeira do Rio de Janeiro!

Por Matthias Röhrig Assunção (maio de 2020)

Fontes:

Jornais da Hemeroteca Digital da BN, pesquisa de Juliana Pereira.

Entrevista com Mestre Roque, 2016 (com Mestres Cobra Mansa, Penninha e Cosme).

Entrevista com Mestre Lapinha (Djalma Antônio Souza Nascimento), 2019.

“Mestra Sandrinha. A mulher na roda de capoeira”. Dô. Revista de Artes Marciais, no. 10 (1979), p. 22-25. Agradecemos ao Mestre Paulão Kikongo e o grupo Almanaque CapoeiraGens o compartilhamento do artigo dessa revista.

Mestre Roque Mestre Roque – CAPOEIRA

CONTEMPORÂNEA (capoeirahistory.com)

Roque Mendes dos Santos nasceu em 1938, em Salvador, filho de um capoeirista de renome, Liberato Francisco Xavier, o Chico Preto, que tinha uma tenda de peixe no Mercado Modelo.

Ele começou a aprender capoeira ainda menino, em 1948, com o compadre do pai, um alfaiate que morava no do Alto do Peru, perto do Largo do Tanque. Conforme seu testemunho, ainda adolescente, conviveu com muitos capoeiristas famosos da antiga, como Gajé, Índio, Tatu Bola, Bom Cabrito, Boca de Fumaça, Traíra e Canjiquinha. Conta também que aprendeu muito com Cobrinha Verde.

Roque se alistou na Marinha e veio para o Rio de Janeiro em 1956. Quando deu baixa da Marinha, ficou na cidade, residindo em vários morros, principalmente o Pavão Pavãozinho, na Zona Sul, entre Ipanema e Copacabana. Começou a ensinar capoeira, inicialmente no Catumbi e logo na Associação dos Moradores do Pavão Pavãozinho. Em 1960 fundou o grupo de capoeira Filhos de Angola. Desta maneira, Roque foi pioneiro no ensino da capoeira na Zona Sul. Seu grupo participou de torneios e competições que ajudaram a divulgar a capoeira, como o Berimbau de Ouro (1967).

Aula na academia de M. Roque, no Pavão Pavãozinho. Foto: Acervo M. Paulo Siqueira

Mestres Artur Emídio, Mendonça, Roque e Lapinha (agachado). Acervo M. Lapinha.

Aniversário de Roque no IPCN, Rio de Janeiro. Na roda, mestres Roque e Levi. Acervo M. Paulo Siqueira.

Mestres Lapinha, Acordeon e Roque. Acervo M. Lapinha. Roque afirma que aprendeu a tocar berimbau com Mucungê, outro migrante baiano no Rio, com fama de exímio tocador. Tocou berimbau no Pagador de Promessas, de Dias Gomes, quando essa peça foi encenada no Rio de Janeiro. O seu grupo de capoeira Filhos de Angola participava de apresentações folclóricas com o espetáculo Uma Noite na Bahia, que se inspirava nas festas de largo em Salvador. Apresentava-se em clubes, quadras de escolas de samba e no bloco carnavalesco Império do Pavão, na Rua Saint Roman. Mestre Roque também participou do grupo folclórico Capoeiras do Bonfim, do Mestre Mário Santos, conhecido com Mário Buscapé.

Depois de 12 anos no Pavão Pavãozinho, deu aulas na Praia do Pinto, na praça Mauá, em Jacarepaguá e em vários outros lugares pela cidade. Quando trabalhava como segurança na Refinaria da Petrobras, em Caxias, deu aulas na Associação dos Empregados da empresa, na rua da Conceição, no Centro. Passou a residir em São João de Meriti, onde sua esposa mantinha um terreiro.

Roque formou uma série de mestres, como Adilson, Poeira, Derli, Lapinha, Paulo Siqueira e Sandrinha. Sandrinha foi uma das primeiras mulheres formadas na capoeira, no Rio e no Brasil. Angoleiro na origem, Roque insiste que a sua capoeira e a de seus mestres era da linha de São Bento, mais rápida. De fato, teve contato com alunos de Bimba, como o Vermelho 27, e reivindica ter sido um dos primeiros a ter introduzido o cordel na sua academia. Por isso, Mestre Roque representa uma das linhagens fundadoras da capoeira contemporânea no Rio de Janeiro.

Veja aqui o clip “Conversa com Mestre Roque”, gravado na sua casa em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em 2016:

Por Matthias Röhrig Assunção (julho de 2019)

Fontes:

Jornais da época e entrevistas com M. Roque (2016), M. Lapinha (2019) e M. Paulo Siqueira (2019). Fotos do Acervo de M. Lapinha e M. Paulo Siqueira.

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