ALL EM REVISTA 10.4- PRIMEIRA PARTE - OUTUBRO-DEZEMBRO 2023

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EM REVISTA EDITOR: LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - Prefixo Editorial 917536

ANO DE GONÇALVES DIAS

NÚMERO 10, VOLUME 4 – outubro-dezembro 2023 PRIMEIRO VOLUME – OUTUBRO 2023 SÃO LUÍS DO MARANHÃO


EM REVISTA EDITOR: LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - Prefixo Editorial 917536

NÚMERO 10, VOLUME 4 – outubro-dezembro 2023 SÃO LUÍS DO MARANHÃO


A presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE

ALL EM REVISTA Revista eletrônica EDITOR Leopoldo Gil Dulcio Vaz Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com

ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS Praça Gonçalves Dias, Centro – Palácio Cristo Rei 65020-060 – São Luis – Maranhão

ALL EM REVISTA Revista eletrônica da Academia Ludovicense de Letras Gestão 2022/2023 COMISSÃO EDITORIAL


EDITORIAL

Esta é uma Revista Eletrônica, dedicada à Literatura Ludovicense/Maranhense, posto ser o órgão de divulgação e disseminação dos escritos dos membros da Academia Ludovicense de Letras – ALL. Outros colaboradores também têm seus escritos aqui impressos, mormente aqueles que já apareceram em várias mídias e páginas literárias na nuvem. Outros, escritos especialmente para a Revista... Sua construção se dá no “copiar e colar” quando do envio e/ou captura desse material. Nesses 10 anos – 40 números -, já que a periodicidade é trimestral, tenho buscado várias formas de edição, ora privilegiando os ‘da casa’, ora os ‘sócios atletas’; buscamos também registrar os novos lançamentos de autores maranhenses e, quando o assunto é a Literatura Maranhense, de autores de outras plagas. Vou abrir uma nona sessão: Sobre Maria Firmina dos Reis. Título de livro publicado em parceria com a Dilercy, quando das comemorações dos 190 anos de seu nascimento – da Maria Firmina, não da Dilercy... – junto com os 190 Poemas para Maria Firmina... Elevada a Patrona da ALL, e objeto de estudos, agora que foi redescoberta, não há uma semana que não apareça alguma coisa a ela se referindo. A pretensão, é registrar aqui, neste espaço, o que se diz e escreve sobre essa maranhense. A seguir, a página do Jornal Pequeno, editada pelo Vinícius Bogéa, dedicada à ALL... E a partir desta edição, iremos colocando os artigos enviados a redação, ou publicados, na ordem em que chegaram, sem distinção se de membros, efetivos, honorários, correspondentes e ou/ colaboradores... Vamos dar uma nova forma de edição... a Revista voltou a crescer, ultrapassando o número de páginas permitidas pela ferramenta de publicação – ISSUU -; neste início de ano, passou a limitar as publicações livres de pagamento a 50 páginas... temos, através de pagamento de assinatura, agora, 300 páginas... e estávamos, já, ultrapassando esse limite. Como chamei atenção no início, apesar de uma ampla produção, esta está limitada a uns poucos autores; a grande maioria dos sócios, nada produzem... ou não divulgam seus escritos... Por fim, o que foi lançado no período... Boa leitura... divulguem... Huston, temos um problema!!! A presente edição já esgotou sua capacidade de inserções. O aplicativo não aceita mais modificações... então, este número estará com várias edições: a presente, primeira parte, uma segunda parte, relativoa a novembro e dezembro, e vários anexos – pelo menos quatro mais, sobre a poesia maranhense publicada nos jornais... é o que se pode fazer... LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ EDITOR


SUMÁRIO Expediente Diretoria Editorial Sumário 140 ANOS DE NASCIMENTO DO POETA CATULO DA PAIXÃO CEARENSE (08.10.1863 - 08.10.2023) UM DOS MAIORES ROM(cigano), ÍCONE MÚSICO, E POETA DO BRASIL!! POUCO HOMENAGEADO!! ARNALDO REISDEC ANTÔNIO CARLOS LIMA, MEMBRO DA ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS, MORRE AOS 66 ANOS MEU AMIGO PIPOCA JOAQUIM HAICKEL BILHETE EM LEMBRANÇA DE UM IRMÃO (em memória de Antônio Carlos Lima) VIRIATO GASPAR

SOBRE MARIA FIRMINA DOS REIS MARANHENSES CHARLES MARTIN ESTÓRIA E HISTÓRIA: MOMENTOS DE MARIA FIRMINA DOS REIS CHARLES MARTIN MARIA FIRMINA DOS REIS E NÉLIDA PIÑON: DOIS ÍCONES DA HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA FEMININA NO BRASILBREVE ENSAIO DILERCY ADLER MEMORIALDEMARIAFIRMINADOS REIS- BIBLIOGRAFIA FIRMINA

BIBLIOGRAFIA SOBRE FIRMINA

JORNAL PEQUENO – Editor: Vinícius Bogéa ACONTECEU... ARTIGOS & POESIAS & ALGO MAIS A LITERATURA MARANHENSE NO SÉCULO XXI: AINDA O MARASMO? DINO CAVALCANTE A LEI DE CERVANTES MHARIO LINCOLN HANDEBOL NO MARANHÃO: ALGUMAS NOTAS MAIS... LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ OBRA REUNIDA, DE ADAILTON MEDEIROS (CAXIAS 1938 – RJ, 2010) EDMILSON SANCHES SERIA A ESCRITA POÉTICA DE TEREZA BRAÚNA MOREIRA LIMA, UMA ESPÉCIE DE CATARSE PARA ESSE "EU LÍRICO"? MHARIO LINCOLN DISCURSO DE POSSE COMO ASSOCIADA CORRESPONDENTE DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS ANA LUIZA ALMEIDA FERRO A SITUAÇÃO POLÍTICO-RELIGIOSA DA FRANÇA QUINHENTISTA E SEISCENTISTA E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA POLÍTICA EXTERIOR DO REINO NO PERÍODO ANA LUIZA ALMEIDA FERRO DISCURSO DE RECEPÇÃO À BIBLIOTECÁRIA ALINE CARVALHO DO NASCIMENTO, COMO NOVA SÓCIA EFETIVA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO ANA LUIZA ALMEIDA FERO DIÁLOGOS COM DALTON TREVISAN: JOÃO MATIAS E JOSÉ NERES SÃO CONTISTAS COM TRAÇADOS PRÓPRIOS, MAS DIALOGAM COM O VAMPIRO DE CURITIBA RINALDO DE FERNANDES "DE MARIA FIRMINA A MARIA DA PENHA" CARLOS NINA LAURA ROSA, A VIOLETA DO CAMPO NICO BEZERRA


BRINCADEIRAS DE RODA CERES COSTA FERNANDES "O EROTISMO na obra de Eliane Morais Araújo" LINDA BARROS MARUSCHKA DE MELLO E SILVA – “TÁBUA ETRUSCA” ANTONIO AILTON TRISTANO MORRE – ANTONIO TABUCCHI ALEXANDRE MAIA LAGO HOMEM, NÃO BATA! HOMEM, NÃO MATE! OSMAR GOMES A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 35 ANOS DEPOIS JOAQUIM HAICKEL JOÃO BATISTA DO LAGO: UM MERGULHO NA ALQUÍMICA ÁGUA SURREALISTA DO ITAPECURU, EM BUSCA DA ESSÊNCIA DE GOETHE, BAUMAN E WERNER JAEGER MHARIO LINCOLN NO CHÃO DAS OLIMPÍADAS NAURO MACHADO ACREDITE (PREFÁCIO AO LIVRO “ACREDITE – SEJA PROTAGONISTA DA SUA HISTÓRIA”, DE LUIZA ROCHA QUEIROGA, IMPERATRIZ – MA, 2022) EDMILSON SANCHES ONTEM SONHEI COM MEU PAI JOAQUIM HAICKEL O PATÉTICO E O INSANO JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA VÃO-SE AS PESSOAS, FICAM SEUS LEGADOS OSMAR GOMES DOS SANTOS TEM TEMPO JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA A VISIBILIDADE PESSOAL E SOCIAL NA SOCIEDADE MODERNA POSTADO POR AYMORÉ ALVIM MESA DE BAR JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA 1612, OUTUBRO, 20: PRIMEIRA MISSA NO VINHAIS VELHO LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ "NOSSOS PROFESSORES ESTÃO ADOECENDO" JOSÉ NERES ALGUNS INSTANTES COM CELSO BORGES JOSÉ NERES

A INVASÃO DOS SAPOS Ceres Costa Fernandes

LANÇAMENTOS / ACONTECIMENTOS ACADÊMICO SANATIEL PEREIRA LANÇA LIVRO RAIMUNDA FORTES APRESENTA SEUS LIVROS INFANTIS JOSÉ NERES FALA DA OBRA DE JOSUÉ MONTELLO SOLENIDADE DO "JUBILEU DE OURO" (50 ANOS) DE FORMATURA DA 1A TURMA DE PSICOLOGIA DO CEUB (1973). CERIMÔNIA DE INAUGURAÇÃO DA ACADEMIA ROSARIENSE DE LETRA EDITAL - Eleição da diretoria executiva da Federação das Academias de Letras do Maranhão – FALMA, para o triênio 2024/2026.




140 ANOS DE NASCIMENTO DO POETA CATULO DA PAIXÃO CEARENSE (08.10.1863 08.10.2023) Catulo da Paixão Cearense nasceu em São Luís do Maranhão, em 8 de outubro de 1863, filho do cearense Amâncio José Paixão Cearense e da maranhense Maria Celestina Braga. Conhecido como "o Poeta do Sertão", foi um poeta, teatrólogo, músico e compositor brasileiro. É considerado um dos maiores compositores da história da canção popular brasileira. Em 1880 mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Conheceu vários chorões da época, como Anacleto de Medeiros e Viriato Figueira da Silva, quando se iniciou na música. Integrado nos meios boêmios da cidade, associou-se ao livreiro Pedro da Silva Quaresma, proprietário da Livraria do Povo, que passou a editar em folhetos tipo Cordel o repertório de modismos da época. Publicou, entre outros, "Meu Sertão - Poesias" (1918), "Chôros ao Violão" (1923), "Sertão em Flor" (1924), "O evangelho das aves" (1927), "O Sol e a Lua" (1939), "Fábulas e Alegorias" (1946) e "Luar do Sertão e Outros Poemas Escolhidos" (1965). Suas mais famosas composições são "Luar do Sertão", em parceria com João Pernambuco (1914) e a letra para "Flor Amorosa", que havia sido composta por Joaquim Calado em 1867. Catulo morreu aos 83 anos de idade, em 10 de maio de 1946, no Rio de Janeiro. Leia a edição especial do Jornal A Noite, de 19.07.1946, com 38 páginas em homenagem a Catulo, disponível na Hemeroteca Digital: https://memoria.bn.br/DocReader/DocReaderMobile.aspx... Visite a Casa da Leitura da Biblioteca Nacional! Informações: casadaleitura@bn.gov.br | (21) 3166-9900


ARNALDO REISDEC

UM DOS MAIORES ROM(cigano), ÍCONE MÚSICO, E POETA DO BRASIL!! POUCO HOMENAGEADO!! . O músico, Catulo da Paixão Cearense (8 de outubro de 1863, São Luís, MA, Império do Brasil-1946, 10 de maio de 1946, aos 83 anos, Rio de Janeiro) ERA UM ROM(vitsa-kalderash)- autor de, Luar do Sertão!!

. Um poeta e músico cigano de família kalderash nômade, nascido no Maranhão, é querendo ou não, um dos maiores na história da canção brasileira, compositor de "Luar do Sertão" e outros clássicos. Além de poeta natural, foi teatrólogo, músico e compositor, e um dos maiores compositores da história da canção popular brasileira. Como a maioria dos ciganos de natureza nômade, não sabia sua data de nascimento, que oficialmente por longo tempo foi do dia 31 de janeiro de 1866, e segundo a data original foi alterada, para que Catulo pudesse ser nomeado para o serviço público. E era prestigiado por intelectuais, pela beleza de suas escritas livres, leve e solta. O crítico Murilo Araújo, "nenhum dos nossos poetas foi a tal ponto o rumor inspirado da terra". De uma família rom(cigana) de natureza nômade, ele nasceu em São Luís em 8 de outubro de 1863, e era filho de Amâncio José Paixão Cearense, um rom funileiro, ourives, e relojoeiro natural do Ceará, e sua mãe a romni (cigana) Maria Celestina Braga, nascida no Maranhão. Em 1880 foi viver no Rio de Janeiro, e tinha só 17 anos, com sua família. Foi relojoeiro, uma profissão familiar, e aí conheceu musicalmente vários músicos, do estilo, chorões como, Anacleto de Medeiros e Viriato Figueira da Silva, em seu descobrimento musical. E passou a viver nos meios boêmios da cidade, e fez amizade com o livreiro Pedro da Silva Quaresma, dono da Livraria do Povo, que começou a editar em folhetos tipo Cordel, o repertório de modismos da época. Catulo, já aos 19 anos, interrompeu seus estudos apaixonado pela música e aprendeu tocar violão. E como todo cigano com dom natural, passou a escrever e cantar modinhas como "Talento e Formosura", "Canção do


africano" e "Invocação a uma estrela". Naturalmente do nada, foi nascendo coletâneas, entre elas O cantor fluminense e O cancioneiro popular, além de obras próprias. Como todo rom, era despreocupado com dinheiro, títulos, etc. E viveu e morreu sem riquezas, na simplicidade. Algumas de suas composições, teve parcerias: Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Francisco Braga e outros. Catulo chegou a se casar, aos 21 anos, com Hermelinda Aires da Silva, na Igreja Matriz de São João Batista da Lagoa, em 27 de setembro de 1885. Como todos os gênios ciganos da música, foi autodidata e dizia: "Aprendi música, como aprendi a fazer versos, naturalmente", dizia o Velho Marruêro. Suas primeiras letras foram ensinadas por sua mãe cigana, e sua grande cultura foi adquirida em livros que comprava, e na Biblioteca do Senado do Império, e foi professor dos filhos do Conselheiro Gaspar da Silveira. Em 1908, deu uma audição no Conservatório de Música. Suas mais famosas composições são: Luar do Sertão (em parceria com João Pernambuco), de 1914, que é o hino nacional do sertanejo brasileiro, e a letra para Flor Amorosa, que havia sido composta por Joaquim Calado em 1867. Também é o responsável pela reabilitação do violão nos salões da alta sociedade carioca, e pela reforma da "modinha". À medida que envelhecia mais se aprimorava. Catulo homem cigano, não se modificava, sempre fiel ao seu estilo. "Com gramática ou sem gramática, sou um grande Poeta...". Era um rom puro, morava em uma casinhola em Engenho de Dentro, afundada no meio do mato. Ali recebia seus admiradores, escritores estrangeiros, acadêmicos nacionais, sempre com banquetes de feijoada, e servia o parati, por mais ilustre que fosse o visitante. As paredes divisórias de sua casa, eram lençóis, e sempre que previa a presença de pessoas importantes, dizia para sua mulata dona de casa. "Cabocla, lave as paredes amanhã, domingo vem gente!" Sua primeira modinha famosa, "Ao Luar" foi composta em 1880. . O Grande Rom Brasileiro Faleceu!! Aos 83 anos, em 10 de maio de 1946, na rua Francisca Meyer nº 78, casa 2. Seu corpo foi embalsamado e exposto à visitação pública até 13 de maio, quando desceu a sepultura no cemitério São Francisco de Paula, no Largo do Catumbi, ao som de "Luar do Sertão".


ANTÔNIO CARLOS LIMA, MEMBRO DA ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS, MORRE AOS 66 ANOS Conhecido como 'Pipoca', Antônio morreu em Brasília e ficou marcado por sua atuação como escritor e jornalista. 08/10/2023 15h31

Antônio Carlos Gomes Lima era membro da Academia Maranhense de Letras e morreu aos 66 anos, em Brasília. — Foto: Arquivo pessoal Morreu, aos 66 anos, o escritor e jornalista Antônio Carlos Gomes Lima, que também era membro da Academia Maranhense de Letras (AML). Conhecido como 'pipoca' na imprensa, Antônio morreu em Brasília, após uma luta contra um câncer no estômago. O corpo deve ser transportado São Luís, onde o velório deve acontecer na sede da AML. Vida e obra Nascido em São Raimundo das Mangabeiras, Antônio viveu parte da infância em Floriano (PI) e a adolescência em Barra do Corda, onde estudou no Colégio Nossa Senhora de Fátima. Por lá, com um grupo de colegas do ginásio, fundou e editou, durante dois anos, o jornal mimeografado O Pássaro. Em São Luís, concluiu a graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Maranhão (1982) e passou a atuar como jornalista. Durante a carreira na imprensa, foi redator do jornal alternativo A Ilha, repórter e coordenador de jornalismo do O Estado do Maranhão, Jornal de Hoje, Rádio e TV Difusora, além de correspondente de veículos de outros estados. Pela publicação da reportagem 'Cuba, Dez Dias na ilha que Abalou as Américas', publicada no O Estado do Maranhão, em agosto de 1988, resultado de viagem àquele país, foi agraciado com o Prêmio Fenaj de Jornalismo, conferido pela Federação Nacional de Jornalismo. Antônio Carlos também atuou como secretário de Estado de Comunicação Social do Maranhão nos governos de Roseana Sarney e Edison Lobão. Entre 2004 e 2005 dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros (CEB), organismo da Embaixada do Brasil em Santiago do Chile. No campo editorial, promoveu edição especial de Los Estatutos del hombre, de Thiago de Mello, com tradução de Pablo Neruda, no marco das homenagens do CEB ao poeta amazonense, seu primeiro diretor, no início dos


anos 60. Organizou, escreveu o prólogo e promoveu, junto à Universidade de Santiago do Chile (Usach), a edição de Sousândrade; um canto brasileiro de amor a Chile. Tem ainda trabalhos publicados nos livros Cadernos de Jornalismo (1988), Maranhão Reportagem (2003), e publicou os livros Além da Ilha, seleta de artigos, reportagens e entrevistas (2004) e São Luís, azulejos e poesia, destinado ao público infanto-juvenil (2007). Foi agraciado com a medalhas do Mérito Mauá, do Ministério dos Transportes (1989). Do Governo do Maranhão recebeu (1984), a comenda da Ordem do Mérito Timbira, no grau de Grande Oficial, e, em dezembro de 2013, a medalha de Comendador do 4º Centenário da Fundação da Cidade de São Luís. Em outubro de 2009, foi o Homenageado Especial do 6º Congresso de Jornalistas e Radialistas do Maranhão, em reconhecimento à grande contribuição prestada na Comunicação para a sociedade maranhense do seu tempo. Também era Cidadão Honorário de Barra do Corda e membro da Academia Barracordense de Letras.



MEU AMIGO PIPOCA

JOAQUIM HAICKEL

Dentre tudo que se possa dizer de Antônio Carlos Lima, jornalista e escritor, membro da Academia Maranhense de Letras, falecido no domingo, 8 de outubro, uma coisa deve ser ressaltada: ele era um operário do texto. Curioso, buscava todas as informações possíveis sobre o assunto que o interessasse, estudava-o em detalhes, ficava senhor da matéria e discorria sobre ela com domínio, propriedade e energia, como um auriga fazia com seus cavalos e sua biga. Dono de grande refino e elegância literária, suas palavras pareciam ser assentadas como fazem os exímios pedreiros com os tijolos em uma parede. O reboco, o emassamento e a pintura ficavam por conta da sutileza e da ironia que ele cultivava, para disfarçar sua natural timidez pessoal. Cultivou e refinou essa capacidade arquitetônica literária ao se especializar em redigir discursos políticos, função que não é devidamente valorizada em nosso país. Posição na qual o escritor, se tiver capacidade, e ele tinha, consegue incluir na fala do potentado, sutil e delicadamente, suas ideias. Já estivemos de lados opostos, na política, mas isso não fez que desaparecesse o respeito e a consideração que sempre tivemos um pelo outro. Pelo contrário, ressaltou esses sentimentos entre nós. Coisa de sagitarianos! Apaixonado por cinema, às vezes ele me ligava para comentar um ou outro filme, sugerir um tema para uma pesquisa sobre um personagem que merecia ser registrado em documentário e até para me desafiar a transpor para o cinema algumas de suas histórias, dívida que pretendo pagar. Um dos maiores elogios que já recebi na vida, veio dele. Crítico severo, quase mordaz, certa vez ligou para mim, dizendo estar maravilhado com a visita que fez ao Museu da Memória Audiovisual do Maranhão, o MAVAM. Me disse ser somente possível valorizar, jamais valorar justa e adequadamente o trabalho que realizamos ali, até porque aquela era uma função que deveria ser realizada por governos e não pela iniciativa privada. Ele não gostava de ser chamado pelo apelido - Pipoca. Ultimamente eu fazia força para não o chamar assim, mas nunca fiz isso na intenção de diminuí-lo, pois os verdadeiros amigos nunca nos diminuem... A não ser quando nos deixam, como agora. Pipoca estará sempre conosco, pois é essa a imortalidade que se alcança nas academias de letras, o direito de ser lembrando e jamais esquecido.


BILHETE EM LEMBRANÇA DE UM IRMÃO (em memória de Antônio Carlos Lima) Viriato Gaspar

Vamos ficando cegos. Já não vemos essa cor de manhã que em nós ardia. Faltam-nos rumos para os nossos remos. Faltam-nos braços para erguer o dia. E somos, sempre mais, sempre tão poucos, sempre no aceso dessa coisa fria, dessa fauna de horrores e de ogros, esgrimindo manadas de agonias. E agora, meu irmão, que a treva aperta, que há como uma mordaça que congesta a força de avançar, rasgar em frente, que falta nos fará teu riso largo, mas estarás no afã do nosso passo, Antônio, amigo, irmão, em nós presente. Viriato Gaspar 08/10/2023




















A verdadeira história de Tudo e tudo mais , foi lançado na Felis , em noite que teve também participação na sessão de autógrafos dos escritores Ana Luiza Ferro e Geraldo Iensen. A verdadeira história de Tudo tem desde a história de Tudo à verdadeira história do NADA, da Calcinha ao Beijo, de Erasmo Carlos a Belchior, da fake-news ao demônio do Tempo ao infinito. Enfim, tem tudo e mais um pouco. Com humor e sem as partes chatas das histórias.




SOBRE MARIA FIRMINA DOS REIS


CHARLES MARTIN

Sócio Correspondente do IHGM -Nova York - EUA

MARANHENSES Úrsula, o romance de Maria Firmina dos Reis, publicado em 1859 no Maranhão sob o pseudônimo de "uma maranhense," figura entre coisas admiráveis que encontrei quando comecei a visitar o Brasil em 1982. Na introdução - "Uma Rara Visão de Liberdade" - que apareceu na 3ª edição do romance (Presença Edições, 1988), sublinhei o romance como um momento de destaque na literatura por se preocupar cedo com "os personagens negros mais do que como um tópico exótico." Embora o espaço atribuído a essa preocupação ocupe apenas uma parcela escassa do extenso da narrativa, Úrsula, afirma a totalidade do negro em um retrato único de sua época em apresentar esses personagens como indivíduos refinados, pensantes e observadores que, além disso, haviam sido arrancados da liberdade, cultura e história dos ancestrais. O livro detalha igualmente a opressão enfrentada pelas mulheres e, juntamente com sua apresentação temática visionária, é o primeiro do Brasil escrito por um afrodescendente, e é um dos primeiros por uma mulher. Úrsula é importante, é claro, em termos da escritura brasileira, mas igualmente na escala mundial e global. O meu encontro com Úrsula aconteceu por uma visita a São Luís do Maranhão. Aquela primeira viagem ao Brasil começou pelo Rio de Janeiro, de onde sabia que queria ir à Bahia e que terminaria minha temporada por alguns dias em São Paulo, onde houve a sorte minha de ser um representante e fazer uma apresentação do ensaio "Johnny Cakes e Alto-falantes que Zumbem," no III Congresso de Cultura Negra das Américas organizado por Abdias Nascimento. Fora isso, o Brasil era para mim um livro desconhecido, suas páginas ainda não folheadas. No primeiro ano de pós-graduação, estudei o português e tive uma professora, uma carioca, que era maravilhosamente exigente e extremamente insistente enquanto guiava a turma para a gramática do português. No final do primeiro ano dos estudos, tive a sorte de ganhar uma bolsa que me levaria ao Brasil. Fui ao Brasil, rumo a cultura negra, especialmente elementos de literatura, música e teatro. Já estava familiarizado com partes da presença e do impacto das culturas negras dos Estados Unidos, no Caribe e umas partes da África Ocidental - especialmente pela literatura na língua francesa, obras como contos de Birago Diop, do Senegal e queria conhecer os equivalentes - mesmo podendo ser bem diferentes - do Brasil, onde achava evidente a presença de afrodescendentes. Foi uma surpresa ouvir, antes de ir ao Brasil e às vezes repetido no país, mesmo, que era um assunto muito nas sombras, com algumas pessoas alegando que a cultura negra no Brasil podia ser medida apenas nas práticas religiosas como o candomblé ou o movimento ágil e fugaz da capoeira. Para alguns, existe a noção de que a cultura brasileira nasceu de uma mistura amalgamada sem costura, uma liga cujas veias haviam desaparecido. De qualquer jeito, queria explorar. Nas primeiras semanas, logo que cheguei, participei de uma conferência universitária no Rio e encontrei várias pessoas, entre elas duas de São Luís. Era um estudante de sociologia e um professor de educação física. Os


dois recomendaram São Luís e o estudante falou que se eu fosse lá, havia espaço onde poderia ficar na casa da tia dele, onde ele morava. Eu sabia pouco de São Luís do Maranhão além de ser um local do Bumba-MeuBoi, uma informação que ganhei de um professor do curso que eu segui nos Estados Unidos. Uma vez no Brasil, ao reconhecer que sou fã da música reggae, algumas pessoas me disseram que aquela música é muito querida em São Luís, que pode ser considerada um berço brasileiro dela. Ao viajar sempre aproveito das dicas de amigos e conhecidos. Como São Luís foi indicado várias vezes, decidi que iria visitar e, depois de algumas semanas e visitas a outros lugares, aproveitei do convite que recebi na conferência e fui para São Luís do Maranhão. Ao chegar, entrei em um pequeno hotel. Quando liguei para meu amigo, ele ampliou o convite e, no dia seguinte, me mudei. Dormiria numa rede organizada num corredor da casa. Durante a noite o cachorro da casa circulava passando de vez em quando em baixo da rede. De manhã, quando eu acordava e mexia as pernas um pouco, a rede balançava e uma nuvem de mosquitos começava a voar e procurar outro espaço para aguardar a volta da noite e as atividades picantes deles. Enquanto houvesse luz do dia, eu andaria pela cidade. Tirei fotos, provei a comida (incluindo os miúdos de porco que, no Brasil, eram tão nojentos para mim quanto aqueles que deleitavam o meu pai em casa na Pensilvânia) e descobri onde havia bumba-meu-boi. Um dia, estava em um café com José Nascimento Morais Filho, escritor maranhense, membro da Academia Maranhense - filho do escritor e acadêmico do mesmo nome - e muito envolvido com tradições e produções do Maranhão. Não me lembro se nós nos encontramos na rua ou no café, mas iniciamos uma conversa e Nascimento Morais Filho ficou fascinado por saber que eu era um estudante de pós-graduação e pesquisava a cultura negra. Ele estava especialmente interessado no meu interesse pela literatura e começou a conversar comigo sobre Úrsula e sobre a autora do romance, Maria Firmina dos Reis. Ele insistiu que eu conhecesse o livro, dizendo que sua autora não era apenas negra, mas que ele considerava o livro o primeiro verdadeiramente brasileiro, no sentido de tratar um assunto distintamente brasileiro, e não português. Com referências e tratamento de personagens negros que mostravam seres humanos completos, pessoas que discutiam suas origens e situações, o livro era original. As pessoas sabiam ou descobriram que havia uma continuidade iniciada antes do Brasil. Havia brasileiros escrevendo em português antes de Úrsula mas, ele disse: "Maria Firmina foi a primeira a olhar para uma das instituições fundamentais do Brasil, a escravidão, e descobrir a humanidade daqueles que foram forçados a ocupá-la." Nascimento Morais Filho e eu tivemos muitas conversas (umas sobre a preservação ambiental, uma paixão dele). Ele me convidou para fazer um discurso, que eu fiz, “Cultura: Negra e Branca,” na Benedito Leite Biblioteca Pública, em julho de 1982. E nessa biblioteca eu li uma cópia da edição fac-símile de Úrsula com que ele era tão envolvido, feito em 1975. Ao ler rapidamente o livro, vi que o Nascimento Morais Filho estava absolutamente correto sobre a humanidade que o livro via em seus personagens negros, e que o livro poderia ser importante para meus estudos de pós-graduação - não apenas sobre literatura no Brasil, mas sobre os usos de personagens negros na literatura no mundo. Em geral, a ideia de Úrsula ressoou para mim como quase fundamental, muito importante. Por alguma razão, eu não estava feliz com os serviços de fotocópias que pude encontrar, então trouxe uma cópia de Úrsula comigo para a universidade nos Estados Unidos, copiei, e enviei o emprestado de volta ao seu lugar na biblioteca, retornando muito após a data estipulada. Depois, li o livro devagar e com cuidado, ficando cada vez mais impressionado com as caracterizações no romance de seus personagens, entre outros, Túlio, a Preta Susana e Antero. São Luís me ofereceu muito. Eu ouvia reggae em praças, fui para a matança do boi de Bumba-Meu-Boi. Conheci uma senhora idosa de óculos que disse que ela era criança no momento da abolição. Ela disse que a memória dela como criança era de uma explosão de alegria e celebração desse momento. Eu me diverti muito e nunca teria encontrado Úrsula se não tivesse viajado a São Luís, onde topei com o José Nascimento Morais Filho. Com o tempo, Nascimento Morais Filho e eu perdemos o contato, mas nos vimos pela última vez, muitos anos depois. Voltei para o Maranhão e, por acidente, nos encontramos no aeroporto, onde ele esperava sua filha chegar dos EUA. Conversamos e relembramos um pouco, e foi nosso último encontro. Úrsula acabaria se tornando material de um capítulo inicial da minha dissertação de doutorado que desenvolvia a noção de "The Deminstrelization of Black Figures in Fiction (A Desminstrelização de Figuras Negras na Ficção)", uma consideração de personagens negros selecionados em ficção e poesia de partes do mundo, incluindo o Brasil, o Caribe de expressão francesa e partes da África lusófona. A desminstrelização ganhou seu título em resposta aos shows de menestréis nos Estados Unidos. Onde pessoas se apresentavam maquiadas de preto e ridiculizavam o negro como facilmente assustado, e especialmente aterrorizado por espíritos. Tocavam uma música desafinada e sem qualidade por personagens de caricatura de felicidade tolaz


- como: um palhaço degenerado, grosseiro, ignorante mas contente e sorridente. Esses shows surgiram após a Guerra Civil Americana, eram para entretenimento do público branco e, inicialmente, os artistas eram brancos. Eventualmente, artistas negros entraram nessa oportunidade humilhante de negócios e também foram obrigados a se maquiar de preto. Este era o menestrel, e eu estava procurando para o que chamei "Desminstrelização": a remoção da maquiagem aflitiva e a suavização do passo para levar a sério personagens negros. Eu estava procurando por literatura consciente das vidas emocionais e pensativas de todos os personagens, fazendo deles mais que símbolos desbotados e sim em personagens completos. Úrsula, com certeza, é uma parte importante dessa fila. Até em livros muito mais tarde, como Native Son, de Richard Wright, representavam em grande parte as dificuldades sociais para o negro, mas mostrando personagens que só conseguiam articular palavras e frases desconexas, e personagens desprovidos de quaisquer vestígios da complexidade encontrada em alguém como o próprio escritor. Eu estava considerando independentemente do histórico de seus autores, a qualidade de personagens. A cultura geralmente se reflete muito mais do que seja evidente, sem que tenhamos sido informados. Pode ter vários pontos de interesse que podem ou não ter sido pretendidos. Isso, por exemplo, achei ser o caso de aspetos do conto, "São Marcos", de Guimarães Rosa, que pode oferecer o ponto de vista de um personagem branco brasileiro que tem desdém para um personagem negro que ele casualmente encontra e ofende. É, todavia, cercado e influenciado pela cultura negra que ele não reconhece e nem respeita. Nesta história, vemos que as influências não admitidas, até negadas, podem ser fortes. A negação dessas ações não elimina o fato de sua influência. O caso de Maria Firmina, no entanto, é muito mais claro. Suas passagens e referências de complexidade e plenitude de perspetivas retratadas em personagens negros são entre os exemplos mais ricos para a época. As partes de Úrsula que brilham com a desminstrelização são, de fato, apenas alguns capítulos e outras referências ao longo da história principal do livro de amor frustrado entre a personagem Úrsula e o Tancredo, uma narrativa extremamente romântica, uma história de amor que fala diretamente a obstáculos e restrições impostas às mulheres, especialmente através do componente do romance da opressão de Úrsula por Fernando B., um suposto cavalheiro. Mas intercaladas nisso estão as passagens curtas e impressionantes que falam do trio, Túlio, a Preta Susana e Antero, incluindo lembranças do Antero da liberdade na África antes de ser levado ao cativeiro e à escravidão. Também notáveis para o romance é a linguagem complexa dada aos personagens, das camadas sociais exploradas, uma linguagem que um autor como o Machado de Assis teria dado apenas aos personagens de alto nível social. Machado, ele também de ascendência negra, era talentoso e educado de classe média, e criou personagens de dimensões deslumbrantes de psicologia, mas eram personagens que não pareciam como ele. Ele deixou nem um pouco da mentalidade diversa dele entrar em um personagem negro. Enfim, como o meu ensaio se tornou parte da edição de 1988 de Úrsula? Um amigo dramaturgo britânico na Escola de Teatro da Universidade de Yale, New Haven, Connecticut, ao saber que eu estava indo para o Brasil pela primeira vez, me deu um contato no Rio. O contato era com a escritora e professora Luiza Lobo. Ela e eu nos tornamos amigos e ainda somos. Mais tarde, Luiza visitou Yale para dar palestras e também fez uma apresentação para uma aula que eu estava dando. Ela ficou interessada no meu interesse por Úrsula e, enquanto eu escrevia sobre o livro para a minha dissertação, ela disse que seria uma boa ideia incluir o livro de Maria Firmina na coleção Resgate, da Biblioteca Nacional, pela editora Presença, onde ela teve o projeto de publicação de vários livros raros. A então nova edição, em 1988, coincidiria com os 100 anos da abolição da escravatura no Brasil (uma escravatura que se diz especialmente brutal nas regiões do Norte, como o Maranhão). A introdução do livro seria extraída do material que eu estava desenvolvendo. Minha introdução enfatizou a atitude que se destaca no romance da humanidade e na história dos personagens negros, Túlio, Susana e o velho Antero. Atualmente, pensando em Úrsula, parece importante ver o romance como um apelo a se livrar de preconceitos do que seja possível alcançar um ser humano. Não se limitando a mulheres ou a cor de uma pessoa, a preocupação deve ser com o que se pode imaginar: Machado não podia imaginar um personagem parecido à imagem dele. Mas, com o exemplo de Machado, vemos que é menos a pessoa e mais a educação, o ambiente. O que a educação incentiva e desencoraja? Como pode uma pessoa ser educada por trilhos tão estreitos que a levem para não se ver? Ou, vendo o eu, desmoronando com a ideia de que mostrar-se seria fatal? Isso, no entanto, não é um apelo à política de identidade, pois não há razão para acreditar que pessoas de qualquer tipo escapem facilmente da noção, oposta dela exemplificada por Machado mas igualmente particular, de se mergulhar em amplificação qualquer de si. Isso também pode resultar em estereótipos de uma maneira ou outra. A negação do eu por um lado, e egoísmo total, pelo outro, as limitações dos dois são severas.


Em Úrsula, Maria Firmina rompeu com os padrões de educação, de academias e da "cultura" ao redor, para confrontar uns limites do pensamento confortavelmente aceito ou tolerado por vários setores. Para ver toda pessoa como humana completa, a medida da humanidade não pode ser dividida em categorias. Devemos avaliar as pessoas e a produção humana quanto à expansão do conteúdo. Estilo e forma, por mais graciosos ou rudes que sejam, não devem nos seduzir mas, sim, o conteúdo de uma ideia por sua amplitude. A vida é um encontro com miríades de labirintos, alguns deles admirados por sua complexidade e elaboração cuidadosa. A forma labiríntica pode ser arquitetura física ou manifestações cerebrais - não menos pesadas como regras e regulamentos da educação, academias, costumes sociais e leis, muitas delas escritas, outras não. Os árbitros - oficiais e clandestinos - podem ter o ar e o status da dignidade e o apoio da autoridade ou, igualmente poderoso, o apoio vigoroso da multidão. Benefícios e recompensas institucionais e pessoais podem ser muitos para quem domina. Pode exigir grandes atos de sacrifício - ou, ao contrário, "small axes" ("machados pequenos") da letra do Bob Marley - para pensar de maneira diferente, por mais que seja, expor e opor-se aos subornos reconfortantes de poder, posição e status. Thomas More escreveu Utopia, mas a sociedade descrita lá, relatada com satisfação ofuscada por um visitante privilegiado, dependia da escravidão de vizinhos e visitantes. O narrador era um visitante excepcional que inexplicavelmente não estava sujeito à escravidão, mas extasiado pela ordem que testemunhou, relatou o bem, apoiou a elite coletiva - os utopianos - e justificou o mal. Thomas More, um personagem de seu próprio romance, encerra o livro dizendo que mais discussões devem ser feitas para resolver os méritos e fraquezas relativos do que o visitante excepcional relatou. Fica para os leitores completarem o livro. Umas pessoas vivem confortavelmente num labirinto. Alguns não podem. Alguns veem o labirinto, outros não. Alguns o discernem por acidente ou esforço. O labirinto, uma estrada frequentemente percorrida, aparentemente inescapável, pode ser um caminho muito batido, um local onde alguém pode ser espancado, forçado a se contorcer, a se autoapagar. E a acreditar que contorções sinuosas são uma bela e realizada dança de excelência, ganhando assim aplausos, cumprimentos e distinção, até reverência. Esta dança poderia ser outra versão do show de menestréis em um extenso palco elegantemente decorado, pintado para parecer ao ar livre. No meio da dança que aprendemos a fazer, pode ser difícil mudar os passos para desminstrelizar. Úrsula é um relato desse encontro com o labirinto cujos contornos moldavam - por vezes sutilmente, outras brutal - requisitos de comportamento e pensamento desprovido belamente de direitos. Nos caminhos entrelaçados dentro do labirinto, são necessários diferentes graus de ajuda ou confronto para que os personagens reconheçam suas situações e a possibilidade do melhor, de reformulação, de fuga. Machado construiu labirintos deslumbrantes em sua brilhante ficção e parece que, de muitas maneiras, os habitou. Machado construiu e ingressou na Academia e a carimbou com virtuosismo literário, uma conquista monumental que poderia ter sido ainda maior se ele conseguisse revelar um andar ou um lugar não apenas para si mesmo, como pessoa singular, mas por sua herança. Podemos pensar nele como uma inspiração para fazer ainda mais. Como leitores, precisamos ser ativos e avaliar não só os textos escritos mas também os da vida. Usá-lo para avaliar a nós mesmos e a sociedade que criamos. Temos que completar o texto, colocar-nos em trabalho, reconhecer o labirinto e não ser apenas espectadores, mas atores críticos que demonstram injustiça, exigem melhorias, "tentam" a humildade, buscam a justiça e a promovem. Bob Marley, em Redemption Song (1980), figura palavras anteriores de Marcus Garvey, e canta “Emancipate yourselves from mental slavery. None but ourselves can free our minds.” (“Emancipem-se da escravidão mental Ninguém senão nós próprios podemos libertar as nossas mentes.") Essa é a tarefa, e Úrsula faz parte. Marina Firmina e seus trabalhos caíram na obscuridade. Após a publicação de Úrsula, mais de 100 anos se passaram antes que o livro fosse literalmente puxado por Horácio de Almeida de um sebo no Rio de Janeiro, como parte de um lote, e depois chegou à republicação e ao José Nascimento Morais Filho, em São Luís do Maranhão (1975). Porém, o livro não caiu simplesmente na obscuridade, um risco sempre presente; ele foi originalmente assinado sem um nome: só por "Uma Maranhense". Quem sabe o motivo? Modéstia? Não querendo ser tão visivelmente apegado e responsável por uma posição, embora


expressa nesse romance, de acentuada diferença e condenação de instituições sociais e jurídicas então atuais? Mas há outra maneira de pensar sobre isso: "Maranhense" pode sugerir não apenas a escritora, mas o leitor que continuaria o trabalho e o edificaria respondendo atentamente, vendo as várias injustiças descritas pelo romance como uns trabalhos a serem remediados na vida. Ao respondermos a Maria Firmina, ampliamos a nossa visão humana. Não somos todos Maria Firmina. Mas todos podemos ser maranhenses. Nota: Este ensaio apareceu inicialmente em Revista Fir[minas]. Pensamento, Crítica e Escrita de Autoras Negras Brasileiras. (São Paulo), 2020. https://mariafirmina.org.br/maranhenses-charles-martin/


CHARLES MARTIN, Sócio Correspondente do IHGM -Nova York - EUA

ESTÓRIA E HISTÓRIA: MOMENTOS DE MARIA FIRMINA DOS REIS Contar ou registrar? Em certos casos “estória” é entendida a ver com ficção, configurar um conto. A “história” pode então ser tomada como fatos, como eventos reais. Na verdade: a história é apenas os fatos, os eventos, as pessoas envolvidas. A escrita desse material em relatos e livros é a historiografia: a escrita da história, assim como a biografia é a escrita de uma vida. A história acontece. Mas a forma escrita dela é feita. Agora, vamos considerar uns aspetos da estória e da história do romance Úrsula e a escritora dele, Maria Firmina dos Reis. Para mim, a importância de Maria Firmina não tenha a ver com ela ter sido uma das primeiras escritoras ou escritores negros do Brasil, mas sim pelo trabalho dela ser essencial. Não pelo que era, mas pelo que ela fez: ela contou uma grande estória. É uma estória de respeito. Respeito entre dois jovens homens, Túlio e Tancredo, o primeiro sendo um negro escravizado, o segundo um homem branco livre. Os dois ficam representados, cada um, de coração aberto e de mentes do mesmo nível alto de entendimento. Isso, na história, se encontra pouco nas estórias. Os dois entendem a importância, a essência da liberdade, e Tancredo faz que Túlio consiga alforria. Um outro aspeto de liberdade, igualmente forte no livro, é o desejo de ter igualdade num casal e nesta parte o Tancredo mais uma vez figura, esta vez pelo amor que se desenvolve entre ele e a heroína do romance, a Úrsula. Os dois do casal desejam simplesmente amar e ser amados: ser respeitados, o que o romance mostra ser dificultado pela sociedade e pela a desigualdade dela muitas vezes criada entre homem e mulher. O romance relata estórias disso indicando vítimas e auto-vítimas de tais atitudes. E, ao final da estória—coisa frequentemente vista na história de todos os tempos até agora – o desejo para amor sem tais obstáculos muitas vezes fica destruído. Úrsula notavelmente conta várias estórias dos escravizados-- pessoas que, na história, tinham culturas, passados e lembranças das terras natais, mas só raramente recebiam em estórias tratamentos tal detalhados e balançados como neste romance. Apesar da beleza e importância dessas estórias, a criadora delas, Maria Firmina, na história, foi geralmente negligenciada, esquecida. Hoje em dia a história reconhece ela muito mais. Há quem diz que um escritor como o Machado de Assis, também de ascendência negra ficou reconhecido mais facilmente por ele ser


homem. Certamente este é o caso, mas Machado foi promovido mais do que Maria Firmina por causa do conteúdo das estórias dele. Com certeza a escrita dele é lindamente feita, intrincadamente tramada, e cheia de ironia e insinuações. Muito mais sutil e elegante as estórias dele são para com a escrita de Maria Firmina. Porém, acho que a diferença que facilitou a elevação dele e atrasou a posição dela seria que ele não levantou as considerações difíceis de raça que são levantadas por Maria Firmina. Ou seja, ele foi um escritor mais fácil de digerir para a época, não só do Brasil escravizador, mas de toda a máquina de produção cultural do ocidente. Ela enfrentou as questões, ainda por encarar, que ele deixou ao lado. Machado não tinha personagens como ele mesmo: personagens negros pensativos, como se encontra em Úrsula. Ele escreveu estórias que seduzem. Ela fez estórias que analisam. Provavelmente ele nem entendeu que ele era negro, ou tinha sido treinado para esquecê-lo ou fugir o fato. Essa atitude não faz parte da obra de Marina Firmina, e aposto que tenha a ver com a relativa diferença do tratamento dela pela história: Ela contou estórias que a história não facilmente registrava. O que acontece quando a estória é diferente? Quando a estória vai contra a corrente? Quando a estória vai contra o típico? Quando a estória vai contra a história? Hoje em dia, há muita discussão de “inclusão” de pessoas variadas de raça, gênero, idade, origem, mas temos que lembrar que diferença de ponto de vista é importante de reconhecer e respeitar, e acho que o exemplo de Maria Firmina se ergue bem. Somos produtos de treinamento, não só de vontade. Precisa de muito valor para quebrar e abrir treinamento, educação. Nesse sentido, a história, em muitos aspetos, são as estórias usadas para explicar eventos e ocorrências. Pessoas como Maria Firmina mudam as estórias, e fazendo assim, abrem a história ou, mais precisamente, alteram e abrem a historiografia para melhor e mais amplamente contar história. A revisão, claro, é uma prerrogativa da história: revisar a maneira como a história é vista. Não necessariamente para mudar os fatos e eventos -- mas para interpretá-los de maneira diferente, para contar estórias dierentes sobre eles, de acordo com os tempos atuais, ou para mudar os tempos atuais. A história não muda, mas a historiografia sim: o modo de contar a história muda: a ênfase, as escolhas do que contar e o que deixar de fora. Ou seja, a forma como a estória é contada muda, e às vezes, os contadores e as contadoras mudam também. Maria Firmina dos Reis contou uma grande estória e sua própria história está sendo revisada. José Nascimento Morais Filho falava dela como a primeira escritora a escrever um tema genuinamente brasileiro. Vamos lembrar que ela foi esquecida em seu tempo. Quem é esquecido em nossos tempos? Mais uma estória: um pesquisador norte-americano encontra um brasileiro, o Nascimento Morais Filho, e este conta para o outro a história de Maria Firmina dos Reis. O pesquisador, procurando coisas de destaque da cultura negra no Brasil, presta atenção. E coloca a obra da Maria Firmina em contextos no campo mundial, vendo além do Brasil. De fato descobri informações sobre Úrsula por sorte. Pela sorte, em 1982 de visitar São Luís do Maranhão depois de algumas pessoas terem me indicado aquela região. Pela sorte de ter conhecido— provavelmente num café, não me lembro onde—o escritor e pesquisador José Nascimento Morais Filho. Ele, ao saber que eu estava procurando produções de cultura negra, especialmente em formas escritas, me fez conhecer o romance, Úrsula. Ele me levou à biblioteca Benedito Leite, pegamos uma cópia do livro, e comecei a lê-lo. Repito: tive muita sorte. E isso faz parte da história, agora. Mas a sorte não deve ocupar um papel tão importante em nossa aprendizagem. Vamos continuar repetindo a história de Maria Firmina dos Reis, contando mais e mais estórias variadas para, como esta escritora, abrir e estender o alcance da história. Espero que, nestas notas, tenha uma estória para lembrar e continuar, não pensando dos primeiros a contar, mas aos conteúdos. Vamos reconhecer estórias que mudam a história, como vários momentos de Maria Firmina dos Reis. Vamos ver os riachos abrindo em rios!


DILERCY ADLER MARIA FIRMINA DOS REIS E NÉLIDA PIÑON: DOIS ÍCONES DA HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA FEMININA NO BRASILBREVE ENSAIO 1 INTRODUÇÃO Primeiramente me proponho elucidar os termos que definem o formato do subtítulo do trabalho: historiografia e ícone. O primeiro diz respeito ao registro escrito da História, ou ainda como sendo a arte de escrever e registrar os eventos do passado. O termo historiografia também é utilizado para definir os estudos críticos feitos sobre aquilo que foi escrito sobre a História. Ícone, no sentido figurado, consiste em algo ou alguém que se distingue ou simboliza determinada época, cultura, área do conhecimento. No contexto popular, um ícone também pode ser uma pessoa muito importante e reconhecida na sua área de trabalho. Por exemplo, um ícone do mundo da música ou do esporte é uma pessoa cujo bom desempenho nessa área é reconhecido amplamente. No tocante ao título, registro o nome de duas encantadoras mulheres. Encantadoras no sentido mesmo de cativante, que encanta, seduz, atrai, configurando um ato mágico; beirando o significado de feitiço, a exemplo, de encantadores de cavalos, de serpentes. Foi assim que me senti ao entrar em contato com essas duas grandes escritoras. Convém localizar de onde sai esta breve, mas, pertinente homenagem à mulher, na figura desses dois ícones do espaço feminino no mundo das artes. Assim, esclareço que é das […] Ladeiras, Escadarias, Mirantes, Telhados, Platibandas, Pedras de Cantaria onde se enroscam serpentes, Manguda, Palácio das Lágrimas, nascentes de água encantada a se derramar copiosamente por toda a Praia Grande, Rua Grande, Madre de Deus, e desembocam em praias de firmes areias e lençóis de águas cinza-claras e mornas que adornam e aquecem toda a ilha. Assim é São Luís! Sempre fazendo ecoar, ininterruptamente, pelos repiques dos seus tambores e vários sotaques que soam e saem vorazes por todos os cantos da ilha numa espetacular manifestação de amor e louvor à poética arte latina com suas raízes indígenas, africanas, europeias e orientais, transformadas em genuína raça miscigenadamente pura de humanidade ímpar! (ADLER, 2000, p. 3).


Se, por um lado, o ponto de partida é a terra de Maria Firmina, a afrodisíaca Ilha do Amor, São Luís do Maranhão, de outro, fica evidenciada na assertiva anterior a miscigenada pureza da humanidade ímpar da raça humana. De fato, todo o Brasil se apresenta e se construiu a partir de vários povos e nações com histórias de inserção distintas em seu território, a partir das nações indígenas, as primeiras a habitarem estas terras. Maria Firmina e Nélida Piñon têm ascendências distintas: a primeira tem as suas raízes na Mãe África e a segunda, na Galícia, concelho de Cotobade, na Espanha. Algumas similitudes e especificidades dessas duas ilustres intelectuais, de caminhos construídos distintamente convergiram para que eu as elegesse como dois ícones da Historiografia Literária Feminina no Brasil, neste breve ensaio. 2. SOBRE MARIA FIRMINA DOS REIS Falar sobre Maria Firmina não é uma tarefa fácil, considerando as condições objetivas da época em que ela viveu. Tempo pródigo em escassez de fontes de registros. No entanto, um dado incontestável é que Maria Firmina dos Reis nasceu no bairro de São Pantaleão, em São Luís do Maranhão/Brasil, e viveu a maior parte da sua vida em Guimarães/Maranhão. O mesmo não acontece com a sua data de nascimento e com a origem étnica da sua mãe, as quais, nos meus primeiros trabalhos, com base nas fontes disponíveis à época, eu registrava a data de 11 de outubro de 1825, como a do seu nascimento e que a sua mãe, Leonor Fellipa dos Reis, era branca, de origem portuguesa. Mas, pesquisas recentes (ADLER, 2017) comprovam, com base em documentos da Câmara Eclesiástica/Episcopal, encontrados e disponíveis no Arquivo Público do Estado do Maranhão-APEM, que Maria Firmina dos Reis nasceu em 11 de março de 1822, foi batizada no dia 21 de dezembro de 1825, e a sua mãe era mulata forra, tendo sido escrava do Comendador Caetano José Teixeira. Quanto ao seu pai, em todos as fontes pesquisadas consta apenas o seu nome, João Pedro Esteves. A imagem de Maria Firmina é outra fonte de querela, tendo reproduções das mais variadas formas, com adereços da época atual e que não condizem muito com os traços, que eu acredito sejam da sua personalidade. Ao lado disso, a preocupação maior é com a imagem da escritora Maria Benedita Câmara Bormann (Délia), cronista, romancista, contista e jornalista gaúcha, atribuída a Maria Firmina. Porém, no atual momento, esse equívoco vem sendo desfeito. O Maranhão da época de Maria Firmina dos Reis apresentava peculiaridades, pois, como província, teve surgimento glorioso no cenário econômico da Colônia no século XVII, em plena vigência do Mercantilismo e encontrava-se inserido no mercado internacional, desde a expulsão dos franceses, em 1615 e em 1895, tendo chegado a ocupar o segundo lugar entre os estados industriais à frente da Capital Federal, Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo. Por outro lado, cabe ressaltar que, segundo Charles Martin (1988), o primeiro romance brasileiro, Úrsula, de autoria de Maria Firmina dos Reis, teve pouca influência sobre outras obras e escritores, por ter sido publicado no Maranhão, longe dos centros culturais brasileiros mais importantes, dentre os quais, a Corte do Rio de Janeiro. No caso de Maria Firmina, […] as barreiras a serem transpostas eram recrudescidas, pois, enquanto os homens brancos e ricos iam para a Europa estudar nas melhores faculdades, até meados do século XIX, poucas eram as mulheres educadas formalmente. A educação para mulheres, ainda de forma precária, foi iniciada no período imperial, com a chegada da família real ao Brasil (ADLER 2014, p. 9).

Maria Firmina, nunca saiu do Maranhão. Lobo, (2007, p. 363), na sua Conclusão do Autorretrato de uma pioneira abolicionista, expres


Apesar do recrudescimento das barreiras a serem transposta, Maria Firmina construiu um legado artísticocultural de inestimável valor, tal como a sua obra mais conhecida e marcante, ÚRSULA (romance, 1859), que a colocou no Brasil, como a primeira romancista brasileira, além dos contos: Gupeva (romance de temática indianista, 1861) e A Escrava (conto antiescravista,1887) e seu livro de poemas, “Cantos à beiramar" (poesia, 1871), dedicado à memória da sua mãe. Tem participação na Antologia Poética Parnaso Maranhense: coleção de poesias, editada por Flávio Reimar y Antonio Marques Rodrigues (1861). Publicações em jornais literários, tais como: Federalista; Pacotilha; Diário do Maranhão; A Revista Maranhense; O País; O Domingo; Porto Livre; O Jardim dos Maranhenses; Semanário Maranhense; Eco da Juventude; Almanaque de Lembranças Brasileiras; A Verdadeira Marmota; Publicador Maranhense; e A Imprensa. Dentre as composições musicais: Auto de bumba-meu-boi (letra e música); Valsa, obra Gonçalves Dias e melodia de Maria Firmina dos Reis (ou como afirmam alguns: letra e melodia de Maria Firmina); Hino à Mocidade (letra e música); Hino à Liibertação dos Escravos (letra e música); Rosinha, valsa (letra e música); Pastor Estrela do oriente (letra e música); Canto de recordação “à Praia de Cumã (letra e música) e Poemas avulsos: O meu Desejo; Uma tarde no Cuman; Ah! Não posso; No Álbum de uma Amiga; Ela! Seu nome; Confissão; Donzela, tu suspiras-esse pranto; Meditação; Nas praias do Cuman; Solidão e A uma amiga. Ainda, segundo Morais Filho (1975) apud Adler (2017, […] manuscritos, cadernos de romances e poemas, que não se sabe se inéditos foram perdidos […] com base no depoimento de Leude de Guimarães, filho de uma das suas filhas adotivas, que um baú contendo documentos de Maria Firmina foi roubado numa pensão onde vivia em São Luís, mas que salvou uma parte do diário de Maria Firmina.

Vale ressaltar o papel da imprensa como importante veículo de comunicação à época das produções de Maria Firmina, visto que, segundo Morais Filho (1975), a entrada oficial de Maria Firmina dos Reis na Literatura maranhense foi bem recepcionada pela imprensa maranhense com palavras de entusiasmo e estímulo à estreante. No entanto, Maria Firmina foi vítima, posteriormente, de uma amnésia coletiva, ficando totalmente esquecidos o seu nome e a sua obra, mas, como a Fênix, ressurgiu também das cinzas (Morais Filho apud Adler, 2014, p.12). Apesar desse lamentável episódio da nossa historiografia literária, após longo período de hibernação, Maria Firmina voltou ao cenário das letras, e as suas obras foram reveladas, (re)descobertas, trazidas à luz, pelas abençoadas mãos de Nascimento Morais Filho, maranhense, e Horácio de Almeida, paraibano (ADLER, 2014, p.6). Nascimento Morais Filho, como um Sankofa, pássaro africano de duas cabeças, uma cabeça voltada para o passado e outra para o futuro, que, segundo a filosofia africana, significa a volta ao passado para ressignificar o presente, dedicou-se, incansavelmente, para dar novo significado à Maria Firmina dos Reis como mulher e como escritora e professora, dando a ela o lugar que lhe é devido na literatura maranhense e brasileira. Considero ainda o ano de 1975 ano do verdejar de Maria Firmina, o marco que eu intitulei de o seu “Ano Rosa-de-Jericó”. Essa rosa é também chamada de flor-da-ressurreição por sua impressionante capacidade de “voltar à vida”. As Rosas de Jericó podem ser transportadas por muitos quilômetros pelos ventos, vivendo secas, sem água, mesmo durante muito tempo e, ao encontrarem um lugar úmido, elas afundam raízes na terra e se abrem, voltando a verdejar! (ADLER, 2017, p.65). Nesse ano, 1975, considerado então o do sesquicentenário do aniversário de nascimento de Maria Firmina, o governador Osvaldo da Costa Nunes Freire inaugurou o busto da escritora na Praça do Partheon, em São Luís; promoveu a publicação da edição fac-similar do romance Úrsula; também foi lançado o livro de


Nascimento Morais Filho: Maria Firmina dos Reis, fragmentos de uma vida; foi instituída a Medalha de Honra ao Mérito, pela Prefeitura Municipal de São Luís; foi criado um carimbo em sua homenagem, uma marca filatélica produzida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, com tempo determinado de utilização, destinada a difundir o trabalho de relevantes personalidades e instituições, destacando comumente o motivo, a legenda, a data e o local de sua emissão. Um detalhe digno de realce é que na parte inferior do carimbo consta um grilhão de ferro rompido, como marca significativa da Campanha Abolicionista que Maria Firmina empreendeu por meio da literatura, e eu acrescentaria, e por meio da música (compôs o Hino da Libertação dos Escravos (1988), além da própria postura que retratava a sua orientação político-ideológica. Outro dado digno de realce é que Maria Firmina viveu num século abundante em mudanças políticas estruturais da sociedade brasileira: nasceu no ano da Proclamação da Independência do Brasil, 7 de setembro de1822; testemunhou a Libertação dos Escravos, por meio da Lei Áurea, oficialmente Lei Imperial n.º 3.353, sancionada em 13 de maio de 1888 e a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Além disso, dos 95 anos que Maria Firmina viveu neste plano físico (11 de março de 1822 a 11 novembro de 1917), conviveu 66 anos com a escravidão. Isso torna pertinente brindar o leitor com o Hino, a letra e música, de autoria de Maria Firmina dos Reis, em louvor ao término da escravidão, pelo menos em termos legais: HINO À LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS Maria Firmina dos Reis Salve Pátria do Progresso! Salve! Salve Deus a Igualdade! Salve! Salve o Sol que raiou hoje, Difundindo a Liberdade! Quebrou-se enfim a cadeia Da nefanda Escravidão! Aqueles que antes oprimias, Hoje terás como irmãos! (1888). Maria Firmina também deixou grandes contribuições à educação. Em 1847, concorreu à cadeira de Instrução Primária, tendo sido a única candidata aprovada nesse Concurso Público. Foi então nomeada professora de primeiras lettras do sexo feminino da Villa de Guimarães e, ao se aposentar, no início da década de 1880, fundou a primeira escola mista gratuita do estado do Maranhão. O meu contato mais próximo com Maria Firmina deu-se em Guimarães, por ocasião da divulgação do projeto Mil poemas para Gonçalves Dias, na V Semana Literária Maria Firmina dos Reis, promovida pelo Centro de Ensino Médio Nossa Senhora da Assunção, no período de 26 a 30 de novembro de 2012. Nessa ocasião vi, ouvi e vivi Maria Firmina na voz e interpretação teatral dos alunos da escola e me encantei!!! Nesse evento, além de Maria Firmina, foram homenageados grandes nomes da Literatura Maranhense, como Gonçalves Dias, Sousândrade, Raimundo Correia, Artur Azevedo, Aluísio de Azevedo, José Loureiro, Ferreira Gular, Maria Firmina dos Reis, Josué Montello, Bandeira Tribuzi além de músicos maranhenses. Mas foi em Guimarães que nasceu a ideia de trazer Maria Firmina de volta a São Luís, de forma honrosa, para ocupar um nobre lugar na sua cidade natal; um lugar digno da primeira romancista brasileira, qual seja, o de Patrona da Academia de Letras de São Luís. O nome de Maria Firmina foi proposto por mim e por Ana


Luiza Almeida Ferro, tendo sido aprovado por unanimidade. Assim é que Maria Firmina dos Reis tornou-se a Patrona da Academia Ludovicense de Letras-ALL, Casa de Maria Firmina dos Reis.

3. SOBRE NÉLIDA PIÑON Sou taurina e meu ascendente é sagitário. Conjugação de terra e fogo. Será que me explica? Quanto aos sonhos, eles são discretos. Talvez quisesse aprender a viver, a morrer. A manter a dignidade, a seguir considerando a compaixão e a misericórdia sentimentos altaneiros, indispensáveis para o exercício da nossa humanidade Será que falei demais? Nélida Piñon (entrevista de Wagner Lemos:) (grifos meus), Nélida Cuinãs Piñon, Nélida Piñon, nasceu, no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro, no dia 03 de maio de 1937. Seu pai, Lino Piñon Muíños, comerciante, e sua mãe, Olívia Carmem Cuíñas Piñon. O nome Nélida é um anagrama do nome do avô Daniel. Nas palavras de Nélida Piñon, em seu Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras: Carrego comigo a sensação de haver, eu mesma, desembarcado na Praça Mauá, no início do século, no lugar dos meus avós, em busca da aventura brasileira, a única saga que ainda hoje estremece meu coração. Eles vieram da Galícia, do concelho de Cotobade, na Espanha. Desde criança foi estimulada a ler e já escrevia pequenas histórias. Com oito anos, diz Nélida, em entrevista a Wagner Lemos, proclamei-me escritora. Aos 10 anos fez a sua primeira viagem à terra de seus pais. Graduou-se em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Em 1961, aos 24 anos, estreou na literatura com o romance “Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo”. Em 1965, aos 28 anos, viajou para os Estados Unidos com a bolsa “Leader Grant”, concedida pelo Governo norte-americano. Em 1970, aos 43 anos, inaugurou e foi a primeira professora da cadeira de Criação Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre 1990 e 1996, foi catedrática da Universidade de Miami, onde ministrou cursos, realizou debates, encontros e conferências. Foi escritora-visitante da Universidade de Harvard, da Columbia, de Georgetown, de Johns Hopkins, entre outras. Sua obra está traduzida para diversos países, entre eles, Alemanha, Espanha, Itália, Estados Unidos, Cuba, União Soviética e Nicarágua. Foi agraciada com inúmeros prêmios literários nacionais e internacionais. Dentre os internacionais: Juan Rulfo, do México; Jorge Isaacs, da Colômbia; Rosalia de Castro, da Espanha; Gabriela Mistral, do Chile; Prêmio Puterbaugh, dos Estados Unidos; o Prêmio Menéndez Pelayo, da Espanha. Em 2005 recebeu o Príncipe de Astúrias, pelo Conjunto da Obra. Também foi contemplada com títulos de Doutora Honoris Causa das universidades: Poitiers, Santiago de Compostela, Florida Atlantic, Montreal, entre outros. Publicou: Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo (1961); Madeira Feita Cruz (1963); Tempos das Frutas: contos (1966); Fundador (1969); A Casa da Paixão (1972); Tebas do Meu Coração (1974); A Força do Destino (1977); O Calor das Coisas (1980); Sala das Armas (1983); A República dos Sonhos (1984); Canção de Caetana (1987); O Pão de Cada Dia (1994); Até Amanhã, Outra Vez (1999) A Roda do Vento (1998); Vozes do Deserto (2004); Aprendiz de Homero: ensaio (2008); Coração andarilho: memória (2009); Livro das Horas: memória (2012); A Camisa do Marido (2014); Filhos da América (2016) e, em 2018, aos 81 anos, Nélida Piñon lançou Uma Furtiva Lágrima, que teve como motivação a experiência de sentir-se próxima da finitude, mas que, segundo ela, terminou fazendo com que se posicionasse diante da vida. Quanta força demonstra nessa etapa difícil da vida.


Foi eleita para a Academia Brasileira de Letras-ABL, em 27 de julho de 1989, na sucessão de Aurélio Buarque de Holanda, e recebida pelo Acadêmico Lêdo Ivo, em 03 de maio de 1990 (dia do seu aniversário de 53 anos). É a quinta ocupante da Cadeira nº 30, patroneada por João Carlos de Medeiros Pardal Mallet, que teve como Membro fundador Pedro Carlos da Silva Rabelo, sendo antecedida por Heráclito de Alencastro Pereira da Graça, Antônio Austregésilo Rodrigues de Lima e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Foi a primeira mulher a se tornar Presidente da Academia Brasileira de Letras, no biênio 1996-1997, e o Primeiro Centenário da ABL foi comemorado durante a sua gestão, em 1997. Tive a grande honra de conhecer Nélida Piñon também por meio das palavras das suas publicações, de imagens e enredo cinematográfico e, além disso, pessoalmente em Salamanca, em novembro de 2018, por ocasião do I Congresso Internacional de Literatura Brasileira Nélida Piñon en la República de los Sueños, promovido pela Universidade de Salamanca na Espanha, de 12 a 14 de novembro de 2018, e em sua homenagem, conforme fica claro no subtítulo. Na ocasião a vi participando das atividades desse memorável evento de forma entusiasmadamente amável. Na clausura do evento testemunhei a figura de uma frágil mulher, que me surpreendeu com o vigor físico e melodiosidade de sua fala, elegantemente de pé, por aproximadamente uma hora. Constatei então uma fragilidade aparente, pois, de fato, no auge dos seus mais de 81 anos, aquela nobre escritora apresentava um viço no semblante e uma veemência delicadamente doce na sua voz. Convém esclarecer que o meu objetivo maior de participar desse I Congresso Internacional de Literatura Brasileira Nélida Piñon en la República de los Sueños foi exatamente levar Maria Firmina dos Reis nos livros, no coração e na fala para sugerir que ela fosse inserida no rol de estudos do importante Centro de Estudios Brasileños de Salamanca. E as duas, Maria Firmina e Nélida Pìñon, se encontraram em Salamanca, quando da minha comunicação sobre Maria Firmina dos Reis: seus Cantos à beira-mar e o conto indianista Gupeva, livro peoduzido pela Academia Ludovincse de Letras, em 2017, quando estava como Presidente da ALL Naquela ocasião senti a anuência de Nélida Piñon, no tocante à divulgação do nome e obra de Maria Firmina dos Reis. No momento desse encontro simbólico de Maria Firmina e Nélida, tive a certeza de que deveria escrever algo sobre as duas, também por ter visto que as semelhanças e as dessemelhanças entre diferentes pessoas resultam em formatos e respostas próximas com finalidades equivalentes.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: DAS SEMELHANÇAS E DESSEMELHANÇAS DE MARIA FIRMINA E NÉLIDA Maria Firmina nasceu no século XIX e viveu até o início do século XX. Nélida nasceu na primeira metade do século XX e permanece produtivamente vibrante neste século XXI. Há um século entre as duas, mas, apesar dos valores vigentes de cada época, das condições materiais de existência agudizadamente diferentes, ambas se pronunciaram/pronunciam no mundo de forma harmoniosamente atrelada à existência de um mundo axiologicamente humano. As famílias de ambas atravessaram o Atlântico, mas em condições e objetivos bem distintos: Maria Firmina relembra a diáspora africana, a vinda e chegada ao Brasil, por meio das memórias da preta Suzana: Tinha chegado o tempo da colheita e o milho e o inhame e o mendubim eram em abundância em nossas roças. Era um desses dias em que a natureza parece entregar-se toda a brandos folgares,


era uma manhã risonha, e bela, como o rosto de um infante, entretanto eu tinha um peso enorme no coração. Sim, eu estava triste, e não sabia a que atribuir minha tristeza. Era a primeira vez que me afligia tão incompreensível pesar. Minha filha sorria-se para mim, era ela gentilzinha, e em sua inocência semelhava um anjo. Desgraçada de mim! Deixei - a nos braços de minha mãe e fui-me à roça colher milho. Ah! nunca mais devia eu vê-la... […] Ainda não tinha vencido cem braças de caminho, quando um assobio, que repercutiu nas matas, me veio orientar acerca do perigo iminente, que aí me aguardava. E logo dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira - era uma escrava! Foi embalde que supliquei em nome da minha filha, que me restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se das minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. Julguei enlouquecer, julguei morrer, mas não me foi possível... a sorte me reservava ainda longos combates. Quando me arrancaram daqueles lugares, onde tudo me ficava - pátria, esposo, mãe e filha, e liberdade! meu Deus! o que se passou no fundo da minha alma só vós o pudestes avaliar!… […] Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca: vimos morrer ao nosso lado muitos companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos! (REIS,1988, pp. 82-83). (grifos meus).

Enquanto Nélida, em seu Discurso de Posse na ABL registra a escolha do Brasil e a vinda dos seus avós, dizendo: Trago, pois, na imaginação, vestígios de uma viagem que não fiz – com meu corpo – e o gosto do sal inerente à travessia atlântica. Trago, sim, comigo, junto à atração pelo novo, as hesitações típicas de quem penetra um país pela primeira vez e desconhece os costumes locais implantados há mais de quatrocentos anos. […] Não sei a que intriga e ardil do destino meus familiares obedeceram quando apontaram no mapa de suas aldeias o desenho febril e exaltado do Brasil. […] Afinal, cada homem viaja em busca de uma estrela que recebe o nome caro aos seus sentimentos. E traz às costas a sacola da ilusão e da intranquilidade. […] A caravela que navega no meu imaginário, como herança, insiste em que levantemos as velas. O vento que assopra conduz-nos pelas grotas de geografia indômita, vistoria palavras e sentimentos cravados no peito alheio. Espinhos de uma roseira que pende sob o fardo de juras e queixumes solitários. O Brasil, saído dessa fornalha, alimenta a fome verbal de seus filhos. A viagem dos seus avós é interpretada não somente como aventura, na busca da estrela, mesmo com a sacola da intranquilidade, mas também como ilusão, que sempre ajuda o ser humano a empreender novas descobertas, novo rumos.


Ambas têm uma vasta obra artístico-literária e trabalharam com pioneirismo na educação. Maria Firmina com a primeira escola mista; Nélida inaugurou e foi a primeira professora da cadeira de Criação Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As condições objetivas de vida das duas são bem distintas: Maria Firmina, no Nordeste, pertencente a um estrato social sem grandes recursos econômicos, longe do circuito da Corte, época em que a educação para mulheres se apresentava de forma precária. No Maranhão, os homens brancos e ricos iam estudar na Europa nas melhores Faculdades. Apesar dessa realidade, Maria Firmina foi capaz de produzir uma vasta obra. Eu a considero autodidata, a sua produção cultural demonstra erudição. Por outro lado, Nélida viveu num ambiente rico de estimulações, entre livros, teatros, viagens e boas escolas. Ambas ousadas e ambivalentemente serenas, contidas em algumas situações. Coincidentemente, ambas falam de seus trabalhos de forma tímida. No Prólogo do romance Úrsula: Maria Firmina o inicia declarando: [...] mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. Sei que passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume. E Nélida expressa, em entrevista a Wagner Lemos: A persistência em prosseguir, em jamais desistir de considerar meus textos imperfeitos. Sempre em busca do meu Graal que constituía simplesmente de uma página relativamente limpa, próxima à minha aspiração literária. Ambas utilizam a arte como instrumento de equalização social a exemplo da questão da liberdade relativa à escravidão, da questão indianista e de gênero, dentre outras. Dentro desse contexto, um episódio que demonstra a sensibilidade e consciência política de Maria Firmina dos Reis diz respeito ao dia em que foi receber o título de nomeação para exercer o cargo de professora na Vila de Guimarães: Seus familiares queriam que fosse de palanquim (espécie de liteira em que as pessoas mais ricas se faziam transportar, conduzidas por escravos) e ela recusou-se irrevogavelmente explicando: Negro não é animal para se andar montado nele. De forma inteligente e verdadeiramente cristã, afirmava que a escravidão contradizia os princípios do cristianismo, que ensinava o homem a amar o próximo como a si mesmo. No tocante a retratar o outro, tenho a clareza de que corro sérios riscos em deixar escapar algum viés imprescindível, assim como ainda o meu olhar traduzir, de modo não tão fiel, aquilo que vê. A própria Nélida confessa, ao falar de si mesma, em entrevista a Wagner Lemos: As aspirações humanas, afinal, se confundem entre tantos escombros. Sabemos tão pouco dos instantes que foram fazendo o nosso destino, a ponto de traçarmos uma biografia completa, que não colida com o tempo e o espaço interiores. [...]Não saberia inventariar o meu passado, dar-lhe credibilidade, apontar razões determinantes de um quotidiano ultrapassado e já entregue à minha mitologia pessoal. (http://www.wagnerlemos.com.br/nelidapinon.htm).

Espero não ter me distanciado da fidelidade neste traçado breve do perfil de cada uma dessas importantes musas, que inspiram outras tantas mulheres.Com certeza, existem muitas outras mulheres escritoras, intelectuais e artistas brasileiras que possuem perfis de ícones, mas escolhi Maria Firmina dos Reis e Nélida Piñon por motivos especiais e pessoais, já referidos. Cada uma dessas mulheres, no seu tempo, no seu espaço físico-geográfico e de forma peculiar, segundo a condições objetivas do seu contexto histórico-cultural (século XIX, século XX), se firmaram como ícones da Historiografia Literária Feminina no Brasil.


REFERÊNCIAS ADLER, Dilercy Aragão (Org.). II COLETÂNEA POÉTICA DA SOCIEDADE DE CULTURA LATINA DO ESTADO DO MARANHÃO: Latinidade. São Luís:2000. ADLER, Dilercy Aragão. MARIA FIRMINA DOS REIS: uma missão de amor, São Luís: ALL, 2017. ADLER, Dilercy Aragão..ELOGIO À PATRONA MARIA FIRMINA DOS REIS: ontem, uma maranhense; hoje, uma missão de amor. São Luís: ALL, 2014. MORAIS FILHO, José Nascimento. MARIA FIRMINA FRAGMENTOS DE UMA VIDA. São Luiz: COCSN, 1975. REIS, Maria Firmina dos. ÚRSULA. Organização e notas de Lobo; Introdução de Charles Martin. - 3ª ed. Rio de Janeiro: Presença Edições: Brasília INL, Coleção Resgate/INL, 1988. LEMOS, Wagner. Nélida Piñon http://www.wagnerlemos.com.br/nelidapinon.htm

entrevista

PIÑON, Nélida. Discurso de Posse Academia http://www.academia.org.br/academicos/nelida-pinon/discurso-de-posse

com

Wagner

Brasileira

de

Lemos Letras


MEMORIAL DE MARIA FIRMINA DOS REIS BIBLIOGRAFIA FIRMINA BIBLIOGRAFIA SOBRE FIRMINA




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Lançamentos • •

ADLER, Dilercy. Maria Firmina dos Reis: uma missão de amor. Academia Ludovicense de Letras, São Luís (MA), 2017 (Para adquirir, solicite por e-mail: amei.osfl@gmail.com). ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. (Ilustrações) Gabriela Pires. Editora Pólen, 2017.


Unindo passado e presente, espetáculo sobre Maria Firmina dos Reis, primeira mulher negra romancista do Brasil, estreia no Itaú Cultural Michael Fonseca 11 de outubro de 2023 0

Foto: Divulgação Entre o dia 12 e 22 de outubro, fica em cartaz no Itaú Cultural o espetáculo “Maria Firmina dos Reis, Presente!”, que conta a história da primeira mulher negra brasileira a publicar um romance. A peça tem direção e atuação de Lena Roque, com colaboração de Marcelo Ariel na dramaturgia da montagem. Maria Firmina dos Reis (1825-1917), foi uma mulher negra maranhense e filha de exescravizada. Considerada a primeira romancista negra do Brasil, ela escreveu o livro Úrsula, publicado em 1859 e conhecido como o primeiro romance abolicionista do país.


Editor: VINÍCIUS BOGÉA

JORNAL PEQUENO – AOS DOMINGOS





DINO CAVALCANTE

A LITERATURA MARANHENSE NO SÉCULO XXI: AINDA O MARASMO?

Desde o fim do século XIX, por volta de 1890, que no Maranhão, sobretudo na capital, ecoa, em seus jornais, em suas ruas, praças, becos, cafés, bibliotecas, salas de aulas etc., um triste fim de sua mais nobre arte: a literatura. Os arautos do passado, saudosistas dos grandes nomes de nosso “Pantheon”, como simbolizaria Antônio Henriques Leal, escreviam e gritavam aos quatro cantos a situação de extrema penúria a que estavam condenadas as letras maranhenses. Após a vinda de Coelho Neto, em 1899, os discursos mudaram e passaram a engrandecer o novo grupo que se destacava, batizado por Antonio Lobo de os Novos Atenienses. Houve uma produção relevante em São Luís, com grande destaque na poesia e nos contos. Mas, depois, da morte trágica de Antonio Lobo, o marasmo passou a impor sua marca. A própria Academia entrou numa espécie de hibernação por décadas, sem grandes projetos, produções literárias etc.


No fim dos Anos 40, dois movimentos deram um grande impulso à cultura do Estado. Primeiro: a chegada de Bandeira Tribuzi, vindo de Portugal. A sua presença do meio literário fez uma geração de escritores olhar para o horizonte e descobrir novos rumos para a poesia, ainda presa ao século XIX. Segundo: A ampliação das cadeiras da Academia Maranhense de Letras para 40, como havia sido previsto desde a sua fundação, em 1908, com a entrada das duas primeiras mulheres: Laura Rosa e Mariana Luz. No final dos anos de 1970, com a morte de Bandeira Tribuzi, novamente se acende uma luz amarela no meio intelectual. Nos jornais e nas salas de aula, sobretudo do Curso de Letras da ainda jovem Universidade Federal do Maranhão, muitas vozes se dirigem ao que se denomina de marasmo cultural. Alguns chegam até a afirmar, com muita dose de pessimismo que “era uma vez a Literatura Maranhense”. Quando os anos 80 surgem no horizonte, a Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão e o SIOGE, Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, que já faziam um bom trabalho de publicação de obras literárias desde a década anterior, passam a comandar todo esse processo de edição. Livros que estavam há décadas fora de circulação no meio cultural ganharam novas e modernas edições. Além disso, os concursos literários deram oportunidade a muitos jovens escritores e poetas para que se lançassem no seleto grupo dos autores maranhenses com livros na praça. Os anos 90 conhecem uma infinidade de novos poetas e prosadores, numa prova viva de que a literatura entre nós estava em franca evolução. Novos ritmos, novas formas poéticas e novos gêneros foram produzidos. No Século XXI, o acesso à edição e à divulgação dos livros publicados melhorou significativamente. As edições da FELIS, Feira do Livro de São Luís, do SALIMP, Salão do Livro de Imperatriz, do Festival GEIAM de Literatura, em São José de Ribamar, para citar apenas esses três eventos, deram um amplo espaço para os autores consagrados pelo público, como Josué Montello, Ferreira Gullar, Nauro Machado, entre outros, e para os novos escritores. Além disso, novos espaços foram criados e abertos a todos os públicos leitores, como o espaço AMEI, centro difusor da cultura literária maranhense. Mas, apesar de toda essa agitação cultural, ainda há vozes, inclusive no meio acadêmico, dando conta de uma possível falência da Literatura Maranhense ou ainda de uma crise na leitura dos nossos autores, diante dos bestsellers, responsáveis pelo quase completo desinteresse dos jovens leitores por textos nacionais e regionais. Esses arautos vaticinam, como se videntes fossem, que ninguém mais lê obras de autores, como Maria Firmina dos Reis, Aluísio Azevedo, Arthur Azevedo, Humberto de Campos, Viriato Corrêa e tantos mais. Com o intuito de refletir sobre o atual estágio dos estudos de Literatura Maranhense e sua importância, sobretudo no meio acadêmico, destacamos algumas pesquisas realizadas nas duas primeiras décadas deste século – mais precisamente entre 2001 e 2021 – sobre autores e autoras da terra de João Francisco Lisboa. Iniciemos pelas Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado. ATENIENSES E FLUMINENSES: A Invenção do Cânone Nacional –Ricardo André Ferreira Martins – Tese Unicamp. O POEMA O GUESA DE SOUSÂNDRADE, à Luz da Hermenêutica de Paul Ricoeur. Rita de Cássia Oliveira. Tese PUC/SP A ESCRAVIDÃO NO MARANHÃO: Maria Firmina dos Reis e as representações sobre escravidão e mulheres no Maranhão na segunda metade do século XIX. Régia Agostinho da Silva. Tese USP. NO ALINHAVO DO TEMPO: O tecer da memória no romance Por onde Deus não Andou, de Godofredo Viana– KerllenMiryan Portela De Paiva Norato. Dissertação UFMA. AS RELAÇÕES DE PODER EM UMA CIDADE EM RUÍNAS: O lugar dos excluídos no romance Vencidos e Degenerados – Paloma Veras Pereira. Dissertação UFMA AS RELAÇÕES RELIGIOSAS EM OS DEGRAUS DO PARAÍSO, DE JOSUÉ MONTELLO– Thiago Victor Araújo dos Santos Nogueira. Dissertação UFMA AS REPRESENTAÇÕES DA MORTE EM O MONSTRO E OUTROS CONTOS, HUMBERTO DE CAMPOS – Ivane Santos Diniz. Dissertação UFMA.


A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA ALCANTARENSE: Do Esplendor Econômico à Decadência Social em Noite sobre Alcântara, de Josué Montello–Railson Costa Santos. Dissertação UFMA O FANTÁSTICO EM ALUÍSIO AZEVEDO E COELHO NETO: Análise dos contos Demônios e A Bola – Lívia Fernanda Diniz Gomes. Dissertação UFMA. A ARQUEOLGIA DA PROTOFICÇÃO CIENTÍFICA E A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA MARANHENSE – Thalita Ruth Sousa. Dissertação UFMA. PORTUGAL E BRASIL EM DIÁLOGO: um estudo da poesia simbolista de Camilo Pessanha e Maranhão Sobrinho à luz da literatura comparada. Samara Santos Araújo. Dissertação UFMA. QUANDO A DOENÇA TORNA A VIDA UM FARDO: a trajetória de Humberto de Campos (1928-1934) – Giscard F. Agra. Tese UFPE. Citamos alguns livros publicados no mesmo período acerca do tema em questão. Lembrando que são apenas alguns exemplos. Foram publicadas centenas de obras literárias e sobre a arte de Maria de Firmina dos Reis. TÁBUA DE PAPEL: Estudos de Literatura Maranhense. José Neres (Org.). São Luís: Café & Lápis, 2010. A ATHENAS EQUINOPCIAL: A Literatura e a Fundação de um Maranhão no Império Brasileiro. Henrique Borralho. São Luís: FUNC, 2011. OS ATENIENSES: A Invenção do Cânone Nacional. Ricardo Leão. São Luís: Instituto Geia, 2013. UM LIVRO DE CRÍTICA – Frederico José Correa. Bruno Azevedo (Org.). São Luís: Frias, 1878 – São Luís: Pitomba, 2015. O SÉCULO XX E A LITERATURA MARANHENSE: Reflexões sobre a narrativa em prosa. José Neres e Dino Cavalcante (Orgs.). São Luís: EDUFMA, 2016. ENTRE A FACE E O DORSO: Diálogos com a Poética de Ferreira Gullar. Silvana Maria Pantoja dos Santos, José Dino Costa Cavalcante (Orgs.). São Luís: EDUEMA, 2017. “DA LITERATURA MARANHENSE: O ROMANCE DO SÉCULO XX”. Dinacy Mendonça Correa. São Luís: EDUEMA, 2017. JOSUÉ MONTELLO: entre Memória, Ficção e Cultura. Silvana Maria Pantoja dos Santos, José Dino Costa Cavalcante, Joseane Souza (Orgs.). São Luís: EDUFMA, 2018. OS CANHÕES DE TROIA – Ensaios sobre Nauro Machado e José Chagas. Rafael Campos Quevedoe Wandeilson Silva de Miranda (Orgs.). São Luís: Imprece, 2019. MARANHÃO SOBRINHO: O poeta maldito de Atenas. Kissyan Castro. Guaratinguetá: Penalux, 2019 A CASCA DA CANELEIRA: por uma boa Dúzia de “esperanças”. Carlos Augusto de Melo (Org.). São Paulo: Paco Editorial, 2019. EXPERIÊNCIAS DA MEMÓRIA E DO ESPAÇO EM JOSUÉ MONTELLO: Leituras da Geograficidade. Márcia Manir Miguel Feitosa (Org.) São Luís: Café & Lápis/EDUFMA, 2021. MARIANA LUZ: Murmúrios e Outros Poemas. Gabriela Santana (Estabelecimento de texto e introdução). São Luís: AML, 2021. Some-me a toda essa pesquisa e produção, mais uma centena de artigos em periódicos, em anais de eventos acadêmicos e capítulos de livros sobre a Literatura Maranhense no período em questão. Mais ainda: uma centena de monografias versando sobre o tema referido, orientadas e concluídas nos Cursos de Letras da Universidade Federal do Maranhão, da Universidade Estadual do Maranhão, da Faculdade Atenas Maranhense, do Pitágoras, Facam, entre outras. E ainda: mais de uma centena de blogs e sites voltados exclusivamente para a produção literária maranhense, a exemplo do site da Universidade Federal de Santa Catarina – Biblioteca Digital da Literatura Maranhense –, com um bom acervo de obras digitalizadas, disponíveis ao público. Nos últimos vinte anos,


dezenas de Academias de Letras foram criadas em cidades do Estado que, aparentemente, tinham pouca produção literária. O que vemos é um tema cada vez mais atrativo para as pesquisas. Longe de uma crise, temos um objeto que atrai cada vez mais pesquisadores do Maranhão, de outros Estados e até de outros países, da África, da Europa e da América. Por exemplo: só em 2021, dois livros do poeta Salgado Maranhão foram traduzidos e lançados nos Estados Unidos, com grande aceitação por parte da crítica. Para um bom observador, a Literatura Maranhense ao contrário de um marasmo ou de uma crise, está despontando, nos últimos vinte anos, com um vigor jamais experimentado ao longo de seus quase dois séculos de história (se considerarmos o início em 1832, com publicação do poema Hino à Tarde, de Odorico Mendes). Por fim, precisamos de uma política não só acadêmica, mas sobretudo governamental (tanto do Governo Estadual como das prefeituras municipais) para que possamos valorizar ainda mais nossa literatura. É inconcebível que alunos de uma cidade como Codó passem três anos no Ensino Médio e sequer ouçam falar do seu conterrâneo Godofredo Viana, autor do romance por Onde Deus não Andou, ambientado nessa cidade. Como disse Castro Alves, em seu poema O Livro e a América: “Oh! Bendito o que semeia/ Livros… livros à mão cheia…/E manda o povo pensar!”, a literatura precisa chegar a todos os cantos do Estado, seja através de concursos literários promovidos pelos órgãos institucionais, seja nas salas de aula, com professores e alunos lendo e discutindo os nossos autores. A Literatura Maranhense é um dos nossos maiores patrimônios culturais, mas cabe à sociedade, às universidades e aos governos, valorizar e torná-la viva para que continue dando muito orgulho não só ao Maranhão, mas a todo o Brasil.


MHARIO LINCOLN A LEI DE CERVANTES Delírios insanos num dia de frio frágil. Lençóis à mostra, desejos incessantes, corações uivantes. Veja: acabamos de sancionar a Lei de Cervantes. Eu e tu somos amantes Quixotes e Dulcinéias, animais de ferozes alcateias, na luta contra moinhos de vento. Lança em riste! Matamos a paixão triste e revigoramos o meio. A sanidade, trôpega, resiste, entre o grito e o seio. Meus dedos inflamo, então, unge-me com o teu sumo no prazer de abrir a alma para dizer: eu te amo! Vem! Dá-me tuas mãos. vamos sonhar, vamos sentir. Mesmo que tudo seja sem juízo. Afinal, os rocinantes pastam ao largo do outrora, enquanto nós, ah, nós, aproveitamos o paraíso.


LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

HANDEBOL NO MARANHÃO: ALGUMAS NOTAS MAIS...

E Laércio liga, perguntando quando a Federação de Handebol foi regularizada... Lembrando, que ela foi fundada em 1974, pelo próprio Laércio, porém não foi registrada em cartório a ata de fundação, tampouco junto ao então CRD. Informa que a Heloisa – da UNICAMP – está preparando um livro sobre o Handebol no Brasil, e pede algumas informações – bibliografia – sobre o esporte no Maranhão... Revi minhas notas sobre o assunto, e elaborei, para eles, a seguinte memória... Em depoimento, Laércio afirma que era mais fácil, à época, estar junto da FMD – por onde as Federações de então, e os esportes em geral, participavam de eventos nacionais e regionais. Não houve preocupação em ‘criar/fundar’ a federação especializada, pois funcionava, então, como um departamento da FMD. Laércio já trabalhava no antigo DEFER, junto a Cláudio Vaz e depois, Carlos Alberto Pinheiro. Em 1979 foi criada a SEDEL, ao mesmo tempo em que a FMD se transformou de eclética em especializada, cuidando apenas do futebol – FMF; então, iniciou-se um processo de regularização das Federações existentes – Basquetebol e Handebol, e a criação das demais. Fui encarregado dessa tarefa, como assessor da Coordenação de Esportes. Participei da fundação de onze – ou mais – federações especializadas... e da regularização da de Handebol, adaptando os estatutos à nova legislação...


Logo depois, me pede uma bibliografia sobre o Handebol no Maranhão, para a Eloísa, que está escrevendo uma História do Handebol no Brasil... Daí que...

Não se sabe, exatamente, quando começou a prática do Handebol; depoimentos de alunos/atletas da então ETFM, e mesmo dos Maristas, afirmam que foi introduzida ainda na década de 1960 pelo prof. Braga.

ATLAS DO ESPORTE NO BRASIL – 2006 – WWW.ATLASESPORTEBRASIL.ORG.BR

Depois, houve alguns cursos de proficiência e eficiência em educação física – os alunos mais tarde foram equiparados à licenciados, assim como os egressos dos cursos de monitores de sargento do exército e oficiais de educação física. Na década de 1950, eram organizadas duas competições esportivas escolares; os jogos promovidos pelo médico Carlos Vasconcelos – delegado do MEC no Maranhão -, e os Jogos Intermunicipais, que era voltado para o interior, promovidos pelo Estado, com Mary Santos à frente, participando deles as escolas da Capital e de algumas cidades do interior: A Mary Santos era do Estado, da Secretaria de Educação e Cultura, onde tinha uma Secretaria de Esporte, Secretaria de Educação Física do Estado, era Serviço de Educação Física do Estado [fundado em 42 pelo médico Alfredo Duailibe]. Alfredo é meu cunhado até hoje, [...] ele era médico, ele foi o único médico em Educação Física no Maranhão era o Alfredo Duailibe, é o doutor Carlos Vasconcelos. A Mary estava no Estado, a Ildenê, no Município. A Ildenê era Secretaria de Educação e a Mary era de Educação Física. Era diretora do Serviço de Educação Física. (VAZ DOS SANTOS, ENTREVISTA).


MARY SANTOS Em meados da década de 1950 - 1956, o Dr. Carlos Vasconcelos, então delegado do MEC no Maranhão, especializado em Educação Física, começa a promover os “Jogos Intercolegiais”.

Sá Vale, Inesio, Carlos Vasconcelos, Luiz Vieira, Para (irmão de Canhotinho) Reinaldo Lira, Silvino Goulart, Jaime Santana e Aziz Tajra

Fala-se muito que a introdução do Handebol no Maranhão foi do Dimas. Há indícios de que antes Darcimires do Rego Barros, veio dar um curso de Educação Física, e teve uma parte do curso dedicada ao Handebol. Isso, em 1958. Em “O Combate” de 19 de abril é confirmado o Curso de Educação Física, ministrado por Ingrid Woolkben e Darcimires do Rego Barros, através de um convenio com a Divisão de Educação Física do MEC. O curso iniciaria a 20 de abril, na sede do Litero Português, e seria o II Curso de Educação Física para rapazes e moças.


A Profa. Ingrid já estivera no Maranhão, no ano anterior (1957) ministrando cum Curso de Educação Física para moças. Em 23 de maio de 1957, o Dr. Carlos Vasconcelos anunciava que o SESC estaria oferendo um CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA MODERNA para moças. O dr. Carlos Vasconcelos era, então, Diretor de Educação Física do Estado, e vice-presidente do CRD. O curso seria ministrado pela profa. Ingrid, especializada em educação física feminina moderna, e de daria no período de 31 de maio a 05 de junho.

Em 1956, o Dr. Carlos Vasconcelos, então delegado do MEC no Maranhão, especializado em Educação Física, começa a promover os “Jogos Intercolegiais”. O certo, que há registros – memórias - de que o handebol fosse praticado durante os jogos estudantis criados pela profa. Mary Santos, ainda nos anos 1960... Alguns, falam que nos anos 1950. Mary Santos, carioca, jornalista e formada em Educação Física, pela Escola Nacional de Educação Física, veio para o Maranhão para ser Diretora do Departamento de Educação Física da Secretaria de Educação do Estado, cujo objetivo era divulgar a Iniciação Esportiva em nosso Estado, tendo apoio de José Sarney que era o Governador do Estado naquela época.


Embora na biografia de Mary Santos haja a informação de ser carioca e tenha vindo para o Maranhão a convite de Sarney, vamos encontrar que, em 1942, o Governo Federal distribui bolsas para a recém-criada Escola Nacional de Educação Física e o então prefeito de São Luís, Pedro Neiva de Santana, convidou o jovem médico Alfredo Duailibe para cursar especialização em Medicina Desportiva, juntamente com Rubem Goulart, Mary Santos, Maria Dourado e Lenir Ferreira, estes, para cursarem Educação Física. Um ano antes, o hoje Coronel PM reformado, Eurípedes Bernardino Bezerra fora para a Escola de Educação Física do Exército fazer o Curso de Sargento Monitor de Educação Física. Ao regressar de seu curso de especialização (1943), o Interventor Paulo Ramos nomeou o Dr. Alfredo Duailibe para trabalhar no Departamento Geral de Instrução Pública, propondo ao Prof. Luiz Rêgo, então seu Diretor, a criação do "Serviço de Educação Física". Em abril, dava início a uma nova fase da Educação Física no Maranhão: os alunos da rede pública e privada seriam submetidos a exames periódicos de saúde e a adoção da prática da educação física nas escolas... Alguns falam que nos anos 50 o Handebol já era praticado. Recorremos a Aymoré de Castro Alvim1 para esclarecer esse ponto: Era uma quarta-feira, dia de sueto ou folga no Seminário. Pela manhã, após o café, havia jogos de futebol, voleibol e handebol. À tarde, após a merenda, podíamos receber visitas de parentes (de amigos não, pois poderiam vir namoradas no pacote) ou, então, sair para fazer compras do que se precisasse ou mesmo visitar parentes que não podiam ir ao seminário. Mas, sempre acompanhado por um colega mais velho e de confiança. Sozinho, nem pensar. Numa dessas quartas-feiras, eu já me encontrava no pátio com Osmar, Viana, Sarenga, Biné Curau, Salamargo, Quiba e outros aguardando o padre Aloísio escalar as duas equipes de futebol. […]. [Ao que perguntei, em seu Face: Leopoldo Gil Dulcio Vaz] “Confrade, lindo!!! Que ano foi isso? Como eram as práticas esportivas no Seminário? Você fala em handebol; mas só foi introduzido no Maranhão na década de 60, na ETFM, em jogo de exibição, depois no final dos anos 60, início dos anos 70; seria o mesmo esporte? Ou seria o espirobol?”. Pois bem, hoje recebo a resposta: Aymoré Alvim “Meu caro confrade, o jogo que chamávamos handebol era mesmo com a mão, mas havia um mastro com uma corda na ponta e na outra ponta da corda uma bola. O mastro ficava no cruzamento de 2 duas retas que delimitavam 4 espaços onde ficava 1 jogador em cada um, distribuídos alternadamente. Dois companheiros quando pegavam a bola faziam de tudo para os outros dois adversários não pegar. Se ocorresse invasão do campo adversário perdia a bola e ponto. Era mais ou menos isso que chamávamos handebol. Quando vi muito depois aqui fora até como esporte olímpico achei esquisito”. Era mesmo espirobol… conforme Moema de Castro Alvim, irmã do Aymoré, as meninas também o jogavam, já, em Pinheiro lá pelo final dos anos 50… O que é confirmado por Cláudio Vaz dos Santos:

1Aymoré Alvim – VERGONHA DAS VERGONHAS. (Do livro: Memórias de um seminarista. A publicar). VAZ, Leopoldo Gil Dulcio.

BLOG DO LEOPOLDO VAZ. HANDEBOL NO MARANHÃO – já se jogava na década de 50 (??)… disponível em

http://www.blogsoestado.com/leopoldovaz/2013/08/15/handebol-no-maranhao-ja-se-jogava-na-decada-de-50/


Nós não tínhamos professor de Educação Física, nem leigo; nós tínhamos apenas os irmãos Maristas, que nos colocavam para praticar esporte, era: o futebol de campo e o espiribol; o Basquete, o vôlei não existia também; nossa prática maior era o futebol de campo, onde é hoje o [Hotel] Vila Rica, ali era o nosso campinho de futebol, pagávamos 500 réis para o Colégio Marista para participar; depois do almoço arregaçávamos as calças antes de começar as aulas, nós praticávamos esporte de 12h30min até às 13h30minh. Nós saíamos suados, eu me lembro desse detalhe... Passávamos todo dia, nós praticávamos e pagávamos 500 réis, nesse tempo era réis. (VAZ DOS SANTOS, ENTREVISTA).

Espirobol - Espirobol, às vezes grafado como espiribol, é um esporte em que um poste possui uma bola envolta por uma rede e esta por sua vez amarrada ao topo do poste por uma corda, em que jogadores adversários ou duas duplas adversárias devem enrolar a bola no seu próprio sentido antes que a dupla ou jogador adversário o faça. Wikipédia A 26 de março de 1960, é anunciado pelo representante da Divisão de Educação do MEC, o dr. Carlos Vasconcelos, que moças e rapazes de São Luís poderiam se candidatar a uma vaga – bolsa – para cursas educação física no Recife, escola equiparada à Faculdade Nacional de Educação Física.

No final dos anos 60, o setor de educação física está reorganizado; a profa. Mary Santos dirigia o Departamento de Educação Física no Estado, e havia um outro no Município, dirigido pela Profa. Dinorá. Foi a época da implantação da Educação Física voltada parta o esporte; toda a Educação Física era voltada para esportes. As escolas começam a montar seus departamentos especializados em esportes, em função dos Jogos que eram promovidos pelo Carlos Vasconcelos. São montadas as escolinhas, depois oferta bolsas para atletas que se destacavam nas competições. Esses jogos eram promovidos pela Mary Santos – uns jogos promovidos


pelo Departamento de Educação Física do Estado, e os do Carlos Vasconcelos, delegado do MEC. Depois, vieram os Festival Esportivo da Juventude primeiro, e JEM’s em seguida. Cláudio Vaz, criador dos JEM’s, nos esclarece como eram aqueles jogos organizados pelo Dr. Carlos Vasconcelos, delegado do MEC no Maranhão: "... eu conheci Carlos Vasconcelos me convidado para apitar os jogos dele, do MEC; mas eram jogos na quadra do Cassino Maranhense, o nível técnico limitadíssimo voleibol, o basquetebol por incrível que pareça o basquetebol era um muito fraco. As mulheres jogavam de saia, não existia praticamente nada, o voleibol era um pouquinho mais desenvolvido, mas em termos de jogos era mais uma participação, quase uma obrigação em participar, não tinha aquela dedicação espontânea dos colégios em praticar, não praticavam, não podiam participar nos jogos, então quem não praticava o ano todo, não tinha nada para mostrar. Não tinha Educação Física, não tinha desporto, era muito limitado esse trabalho, eu me lembro como se fosse hoje...". (VAZ DOS SANTOS, Cláudio. Entrevista). J. Alves se refere aos esportes na década de 60, onde já havia “Olimpíada Estudantil”, promovidas por Carlos Vasconcelos e Mary Santos: Inclusive, com o Carlos Vasconcelos, dirigindo essa competição, nós tivemos a honra de ser vicecampeão olímpico, pelo Liceu, na modalidade de Futebol, disputando como sempre com a Escola Técnica Federal; hoje CEFET... a competição para sua época era, o que é a competição que hoje se realiza, que são os Jogos Escolares Maranhenses, ela tinha a mesma importância que o JEM’s tem agora, agora o número de participantes era muito menor, também não poderia deixar de ser, não poderia ser diferente, é hoje a coisa cresceu se modificou, principalmente quando o Cláudio Vaz assumiu a Coordenadoria de Esporte de Prefeitura, foi que começou a mudar, porque ele tirou essa história de olimpíadas e colocou Jogos Esportivos da Juventude, realizou dois e a partir do segundo apareceu, um moço chamado professor Dimas, que já vivia no meio à muito tempo e graças a uma viagem que ele fez a Belo Horizonte se não me falha a memória, para assistir aos Jogos Brasileiros foi, viu, trouxe a informação possível dessa competição Nacional, que era promovida pelo Ministério da Educação e a partir da sua volta no ano seguinte, já foram realizados não os terceiros jogos esportivos da juventude, mas sim os primeiros Jogos Escolares Maranhenses, em cima da sigla da competição Nacional que é JEB’s, então eles só tiraram o B de Brasil e botaram M de Maranhão, nos Jogos Escolares Maranhenses, aliás Jogos Estudantis Maranhenses, que era Jogos Estudantis Brasileiros, depois Jogos Escolares Brasileiros (risos) passou para Jogos Esportivos da Juventude e hoje já tem um monte de confusão, cada ano eles mudam. Hoje tem Olimpíada, tem jogos da Juventude, tem mais não sei o que. Como se observa, não há referência ao Handebol..., mas, paralelamente, havia os “Jogos Escolares das Escolas Públicas”, promovidos pelo Departamento de Educação Física do Estado, chefiado pela Profa. Mary Santos. Em 1967, o Professor Nelson Gomes da Silva, contratado através de um convenio entre os Estados de São Paulo e do Maranhão, ministrou o primeiro curso de Handebol, em 120 dias, com uma turma de 25 candidatos; após o término de curso foi realizado o primeiro jogo de Handebol entre os participantes dele. Relação dos Participantes: Ana Rosa de Sousa Silva; Benedita Duailibe; Clarice Barros Rocha; Dinorah Pacheco Muniz; Elena da Conceição Pereira; Florileia Tomasia de Araujo; Felicidade Mendes de S. Nascimento; Ivete D´Aquino Castro; Ivone da Costa Reis; Julio Elias Pereira; Maria José Reis Maciel; Maria das Graças R. Pereira; Maria da Conceição Sá Melo; Maria da Gloria Castro Fernandes; Maria de Jesus Carvalho de Brito; Maria do Rosário Silva Maia; Maria do Rosário Silva; Maria da Conceição Santos Sousa; Neide Moreira da Silva; Odineia Trompa Falcão; Pedro Ribeiro Sobrinho; Reginaldo Heluy; Sebastiana de Carvalho Pires; Sonia Maria dos Santos Rezende.



Segundo Dimas, em 1970, atuam como professor de Educação Física, em São Luís: no Batista: Rubem Goulart tinha morrido, e Dimas assume seu cargo; no Marista: Eurípedes, Nego Júlio e Furtado; no Ateneu não tinha mais ninguém: Nego Júlio é íntimo nosso, era Major Júlio. Júlio que inclusive participou daquela primeira demonstração que eu dei, eram os professores de lá, ele e Eurípedes, tanto que ele já me conhecia daí, tanto que depois eu vou fazer um comentário disso, e Furtadinho - Furtado já estava trabalhando aqui nessa época. (DIMAS, entrevistas). Havia outros professores, trabalhando nessa época: Era Odinéia; Clarice; tinham muitas; Maria José;... Antes dessas tem outras, Ildenê Menezes, na época foi Secretaria de Educação; Dinorah - e eram duas irmãs - Dinorah... - e a primeira academia que hoje é essa Academia [São Francisco] vou falar sobre isso -, Clarice Lemos; Dinorah e Celeste Pachec, elas eram irmãs - Pacheco; Graça Helluy, Ah!, tinha muita gente ... Luiz Aranha; nessa época eu acho que já dava aula o Rui [Guterres], marido de Cecília [Moreira]; o Batista que era da Polícia; acho que Cavagnac, tem mais gente..." Aldemir Mesquita lembra-se dos professores que atuavam na antiga Escola Técnica Federal do Maranhão hoje, IF-MA:


Aqui na época na Escola, eu fiquei assistente do Jafe [Mendes Nunes], de futebol de salão... Jafe, radialista, um dos maiores cronistas do Maranhão. Jafe na parte de futebol de salão, eu ficava dando assistência a ele no futebol de salão, e ficava com o handebol, depois quando ele pouco só vinha em época de seleção para treinar, eu passei a assumir definitivamente o futebol de salão. Tinha o França no vôlei que é engenheiro que também é professor de matemática; Celso Cavagnac, natação; Eldir [Campos Carvalho], a parte de educação física; Juarez [Alves de Sousa], que também ficava com educação física, depois no ano seguinte assumiu o handebol e também dirigiu um pouco o futebol de salão; Prof. Furtado! Excelente professor Furtado pioneiro atletismo no Maranhão, professor Furtado e deixa-me ver quem mais, aqui por enquanto é só; Tenente Jeremias na natação, futsal, basquete, vôlei, Handebol... Atletismo e tinha... Vôlei, handebol, basquete, futsal, atletismo, natação, só né? E ganhamos tudo, nós éramos a decisão era 1º, 2º e 3° lugar... (MESQUITA, Aldemir Carvalho de. Entrevistas). Cláudio lembra que, em 1971, ele estava na Coordenação de Esporte na Prefeitura de São Luís – Serviço de Educação Física – quando realizou o primeiro Festival Esportivo da Juventude – FEJ: Aí teve o segundo FEJ, foi quando o Jaime criou o Departamento de Educação Física e Desportos e Pedro Neiva me nomeou no lugar da Mary Santos. Já foi no governo de Pedro Neiva, com Haroldo Tavares - que agora é que tu vais entender -, eu entrei primeiro na Prefeitura, Haroldo Tavares era cunhado de Pedro Neiva, irmão da mulher de Pedro Neiva, que é a mãe de Jaime Santana; então para que eu pudesse assumir o Estado, nesse tempo podia acumular; então criaram o Departamento de Educação Física e Deporto do Estado; saiu o Serviço [de Educação Física] para Departamento. Nesse tempo, na Secretaria de Cultura, o nível do Departamento era mais acima de Serviço, então para que eu fosse para o Estado foi criado o Departamento de Desporto do Estado, para que eu pudesse assumir, acabar o Serviço; então era novo o cargo e aí que eu fui para o Estado, eu acumulei Coordenador de Esporte da Prefeitura e Diretor do Departamento de Educação Física e Desporto do Estado, ligado à Secretaria de Educação, do professor Luís Rego; era o Secretario na época, professor Luís Rego, primeiro Secretário que eu trabalhei. Depois, eu trabalhei com o Magno Bacelar, que foi Secretário; e depois, com o Pedro Rocha Dantas Neto, que também foi Secretário. Já em 72, fui nomeado Diretor do Departamento, onde foi que ficou o Departamento? Lá no Costa Rodrigues; aí eu transferi a Coordenação, acumulei no Costa Rodrigues, eu levei tudo para lá. Eu era Coordenador Diretor do Departamento de Educação Física do Estado e Presidente do Conselho Regional de Desportos. Isso em 72, como era cargo de quem era diretor [do departamento de Educação Física], era o Presidente do C.R.D, automático; não tinha vínculo político nisso, era uma tradição de desporto ligado ao C.N.D (Conselho Nacional de Desporto), onde era [presidente] o Brigadeiro Jerônimo Bastos... Aí foi que eu fiz a minha equipe, aí foi que o Dimas entra com a parte principal, quando nós estávamos para fazer o segundo FEJ em 72; seria em setembro. Dimas foi a Belo Horizonte, trouxe toda a informação, e o Maranhão podia participar do JEB's em 72; ele trouxe em 71, ele foi no JEB's em julho e trouxe.... Dimas me trouxe, eu organizei a primeira equipe com o Dimas, era do Handebol, primeira equipe que nós viajamos para o JEB's; Ginástica Olímpica e Handebol, o Dimas; Coronel Alves, Basquete; Voleibol, Graça Hiluy; Coronel Alves antes era Major, foi isso para dar coletivo que eu levei foram 52 pessoas que eu levei, não levamos atletismo, natação, não levamos nada. Muito bem, com o que Dimas me trouxe, me presenciei muito ao DED. Aí eu já tinha uma parte ativa comigo, porque eu precisava do Dimas, não só como técnico, mas também como conselheiro, porque como eu te falei, eu não sou formado; eu sempre procurava olhar uma pessoa que tivesse um conhecimento acadêmico para poder me orientar, é uma de nossas iniciativas foi justamente essa de criar esses jogos escolares, foi o primeiro e o segundo e depois nós o transformaremos em JEM's, o primeiro JEM's foi em 73, sempre tenho essa dúvida; o pessoal não guarda isso, mas o primeiro FEJ foi em71, o segundo FEJ em 72, e o primeiro JEM's em 73. Por


quê? Nós participamos do JEB's e a sigla pesava, mas por bem achamos melhor mudar para JEM's. Jogos Estudantis Maranhenses foi que viemos, nós já tínhamos passado o primeiro e o segundo FEJ com sucesso, com a mudança, com a formação das escolas, a conscientização, que e a primeira coisa a nascer numa escola era a força da Educação Física através dos esportes, foi a maneira que nós encontramos de valorizar o Professor de Educação Física, ele que era praticamente um esquecido dentro da área educacional, achava – se que era desnecessária a Educação Física onde não se praticava nem a Educação Física, nem os esportes, nós criamos esses jogos para provocar nos colégios essa necessidade de se formar atletas, assim como também transmitir Educação Física e valorizar o professor, porque nós não tínhamos campo de trabalho para eles, e passou a ter; esse foi o ponto marcante do nosso trabalho, que realmente hoje, o que tem, começou ai, onde nós provocamos. Nós íamos fazer uma Escola de Educação Física particular, já tinha toda a documentação, o professor Salgado deu para mim. Como eu sentia a necessidade de ter professores formados e o que eu trazia eram poucos em relação à necessidade que nós tínhamos, nós achamos um início para formar a Escola de Educação Física particular... (VAZ DOS SANTOS, ENTREVISTA). No ano de 1971, o Maranhão já tinha um Basquetebol de nível, na classe juvenil masculina; naquele ano, foi disputado o Campeonato Brasileiro de Juvenil, em Brasília; os jogadores, eram aqueles meninos que jogavam tudo: vôlei, futebol, basquetebol: Gafanhoto, Paulão, Carlos, Phil, os Ninas. Nessa mesma época, estavam acontecendo os III Jogos Escolares Brasileiros - JEB's - em Belo Horizonte. Dimas, que fora como técnico daquela seleção de Basquete, após a competição, dirige-se a Belo Horizonte para ver o que eram aqueles “JEB’s”, que tanto Mary Santos falava e cobrava a participação do Maranhão. Lá, encontra o maranhense Ari Façanha de Sá, coordenador geral dos Jogos, que lhe dá todo o apoio. Dimas volta entusiasmado com o que vira. O Maranhão precisava participar dos JEB’s ! Cláudio Vaz dos Santos, por essa época, já assumira o cargo de chefe do DEFER, no lugar de Mary Santos. É a ele que Dimas apresenta seu relatório, sobre os JEB's. Cláudio Alemão já tinha ideia de fazer uma espécie de jogos estudantis, então com o relatório de Dimas, fez os FEJ. Segundo Dimas, quando Cláudio assumiu o DEFER, não encontrou nenhuma estrutura montada. O Maranhão não tinha participado ainda dos JEB's, e já se estava realizando os III Jogos e o Maranhão já os perdidos, sem condições de participar. Naquele mesmo ano aconteceu o I FEJ - Festival Esportivo da Juventude. Eu vim realmente ver Handebol mesmo nos JEB's, quando tive contato com a Ginástica Olímpica, tanto que quando eu vim de lá, dos III JEB's, eu vim na minha cabeça, Handebol e Ginástica Olímpica, agora tem que dizer que anteriormente o professor Darcimyres [do Rego Barros] esteve aqui no Maranhão, e deu um curso de Handebol. Ele deu um curso de Handebol, antes de tudo isso, antes de tudo isso, antes mesmo de voltar do Rio [de Janeiro], na época de Carlos Vasconcelos, de Mary Santos, ele deu um curso aqui de Handebol - 51 ou 52 (sic), por ai, não tenho ideia do ano não, mas deve ter sido pouco antes de eu vir para cá, tanto que eu cheguei aqui ninguém nem falava em nada, não existia nada sobre Handebol. Quem fez esse curso com ele, não aproveitou nada, nem levou porque também não existia Handebol no Brasil, não tinha divulgação... O Handebol veio despontar mesmo do JEBS para cá, então ai a história é brava, daí tem muita coisa, daí para frente tem muita coisa boa... Nesse ano de 69, ai é importante, estava acontecendo os primeiros JEBS em Niterói, foi exatamente na época em que eu cheguei aqui, voltei do Pindaré, Mary Santos, já me conhecia de nome, inclusive ela sabia que em Pindaré Mirim tinha um professor de Educação Física formado, e aqui em São Luís não tinha nenhum... Não tinha nenhum, na época, trabalhando com ela, por isso que ela fez este comentário, -Em Pindaré tem um professor, e eu não tenho nenhum aqui...


Porque nessa época ela era diretora de alguma coisa. Mas nessa época tinha... Nessa época Rubem Goulart já tinha morrido, eu cheguei aqui na época que Rubem Goulart morreu, tanto que eu assumi no Batista no lugar dele, e José Rosa não era professor de Educação Física, já era da Escola Técnica, também acho que não estava mais trabalhando com Educação Física. Devia ser isso. O [Professor Luis Gonzaga] Braga trabalhou até a morte dele, até 74, ele morreu como professor, mas era só Escola Técnica e a Mary Santos era no nível de Estado, Município. Eu sei que ela fez esse comentário. (DIMAS, entrevistas). Dimas, 71, 72, quando começa a trabalhar como professor de educação física, quando de seu retorno do Pindaré, introduz o Handebol no Batista e no Marista que eram os Colégios onde dava aulas: Deve ter sido um curso de 30h [esse curso ministrado pelo Major Leitão, para ingresso no CEMA], umas duas semanas. Tanto que nessa época ele falou sobre Handebol, mas nem chegou a dar aula de Handebol, andou dando alguma coisa sobre Handebol. Lino Castellani Filho, outro do grupo de paulistas que aqui chegou lembra - em artigo publicado no Blog Universidade do Futebol - daquele momento: Pois é… estávamos no ano de 1976 em São Luís do Maranhão… Nós – um grupo de professores de Educação Física repleto de utopias — e ele Djalma Santos, então contratado como técnico do Sampaio Corrêa Futebol Clube, um dos grandes do futebol maranhense, ao lado do Moto Clube e do MAC (Maranhão Atlético Clube). Boa parte de nosso grupo trabalhava vinculado ao Departamento de Esporte do governo daquele Estado, basicamente envolvido com os afazeres de duas modalidades esportivas, o handebol e o voleibol. O contrato de trabalho era de 40 horas… não deu outra: montamos um time de futebol e demos a ele o nome de… Handvô-40, homenagem ao handebol, ao voleibol e às 40 horas de trabalho – qualquer semelhança com outra expressão…

Pois foi nesse time que Djalma Santos foi convidado a jogar e… jogou! Se nossas conversas o assustavam às vezes (chegamos perto de comprar uma ilha, embalados pelas ideias de A.S. Neill, fundador da escola de Summerhill), a de participar do time foi recebida com o mesmo sorriso que ele estampa hoje em seu rosto…


Duvidam? Pois aí vai a prova! O primeiro da fila é o diretor – presidente do CEV, Centro Esportivo Virtual… O último, este ponta-esquerda que vos escreve! No meio dela, Djalma Santos, junto com Viché, Sidney (ambos professores da UFMA), Gil, “Zé Pipa”, Marcão – o “véio” – e outros cuja lembrança surge enevoada em minha cabeça… Para Dimas Quando o Cláudio Vaz começou a trazer esse pessoal de fora, em 74 ou 76, Laércio, Marcão, Biguá, Vitché, então nessa época eu passei o Handebol praticamente para eles; então eu já vinha trabalhando em Ginástica Olímpica e passei a me dedicar mais à Ginástica Olímpica; trabalhava como professor de Educação Física - nessa época eu trabalhava muito com Natação também, principalmente em aulas particulares, em piscinas particulares - e o Laércio praticamente continuou o meu trabalho no Handebol no Maranhão, e aí eu passei a me dedicar mais à Ginástica Olímpica, à natação e às outras coisas... (DIMAS. Entrevistas). Tanto que temos uma relação de professores do estado que participaram de um deles. Depois, o Prof. Jamil, do Piauí, veio organizar uma competição estudantil, e acabou se fixando por aqui. É o próprio Prof. Maranhão quem diz que o Handebol foi introduzido no Maranhão pelo Prof. Luiz Gonzaga Braga e o professor José Rosa, ambos da ETFM, hoje IF-MA, ainda na década de 60. Após participarem dos Jogos Estudantis Brasileiros do Ensino Industrial – JEBEI – como técnicos, e como a modalidade seria introduzida nos Jogos seguintes, fizeram um curso no Rio de Janeiro e, ao retornarem, preparam um grupo de alunos. O jogo-exibição foi realizado no aniversário da ETFM, a 23 de setembro, na quadra interna. O Prof. José Geraldo de Mendonça participou dessa apresentação: [...] A primeira exibição de Handebol no Maranhão foi realizada na quadra da Escola Técnica em 1960, por dois grupos de atletas que o prof. Braga treinou, no dia 23 de setembro. Prof. Braga foi participar de um treinamento de professores das Escolas Técnicas fora do estado e, quando veio, trouxe uma bola de handebol, selecionou dois grupos de atletas alunos dele de educação física. Marcou na quadra interna aqui onde hoje é o prédio grande, com esparadrapo no chão as áreas de gol do handebol e fez no dia 23 de setembro uma exibição; até então era desconhecido no Maranhão, mas só ficou nisso; ele trouxe a ideia, treinou dois grupos de educação física, e no dia 23 de setembro... eu estava nesse grupo; lembro, Edil (Edir Muniz, sobrinho do Prof. Braga); Edir (Carvalho) estava, é de Codó, Braga é de Codó está entendendo; deixa eu me lembrar... não sei se Abdoram participou, mais Abdoram era do grupo, Abdoram, Frazão, deixa eu me lembrar quem mais era do nosso grupo aqui, parece que Walmir também estava, Walmir, da Mecânica, não... Valderez, não era metido a esportista, Valderez não gostava; metido a esportista aqui nessa época era eu e Eldir nós éramos quem vibrávamos com esse tipo de coisa... Me parece que o Macário (da Costa) também era deste grupo” (in ENTREVISTAS). Em Imperatriz, quem introduziu o Handebol foram os Professores e Acadêmicos da Universidade Federal do Paraná, especificamente da Equipe 49, do Projeto Rondon, da qual participei. Depois, voltando para Imperatriz, junto com a Profa. Marilene Mazzaro, demos alguns cursos e treinamentos, para sua introdução na OCOI, especificamente a de 1976... A Escola Santa Teresinha, onde lecionávamos, foi a pioneira, seguida da Escola Fortaleza (João Pires) e do Complexo Mourão Rangel (Giovani Pinho). Dimas e Laércio, por essa época, e a partir de 1973/4 começam a atuar em São Luís, com o Handebol, tanto no DEFER/SEDUC quanto no Colégio Batista e nos Maristas (Dimas). Sobre a repercussão do Handebol no Maranhão, vamos ao fato narrado de que, nos intervalos dos jogos, no Estádio Nhozinho Santos se realizavam partidas de handebol de campo: [...] na tarde do dia 08 de dezembro de 1974, no Municipal. As duas equipes [Moto e Sampaio Correa] também empataram no jogo de demonstração de handebol, realizado antes da partida pelo campeonato de futebol. O jogo, que serviu apenas para apresentação ao público e marcou a fundação da Federação Maranhense de Handebol do Maranhão, terminou com o placar de 8x8, chegando a agradar e movimentou as torcidas dos dois clubes, que vibraram a cada gol. O Sampaio começou ganhando e esteve sempre à frente do marcador com o Moto empatando nos instantes finais, para maior alegria da torcida rubro-negra. O jogo foi dirigido pelo próprio Presidente da Federação, o professor Laércio Elias Pereira, e o público que compareceu ao


Municipal foi de exatos 10.027 pagantes. Sobre a instituição de handebol, um destaque: naquele ano, 1974, foi fundada a Federação Maranhense de Handebol (FMAH), não legalizada, tendo o professor Laércio como o seu primeiro Presidente.

Sampaio Corrêa e Moto Club empataram em jogo de Handebol do Nhozinho Santos Blog Futebol Maranhense Antigo: Sampaio Corrêa e Moto Club empataram em jogo de Handebol do Nhozinho Santos


Em 72, Luís Fernando Figueiredo, Phil, Alberto Carlos, Vieira era o goleiro, Chocolate, Chico praticamente a base do Batista e Marista. Aí o time tem um destaque muito grande no JEB's, em compensação no JEM's nesse mesmo ano, eles perdem para a Escola Técnica; A Escola Técnica tinha um timaço... O Handebol no Maranhão evoluiu tanto que jogo de futebol era obrigado no intervalo, ter handebol em campo, alguém já te falou disso? Pois Elias fazia, Elias Pereira, dentro do Nhozinho Santos, botava as traves e fazia Handebol. Foi do Dimas para cá que realmente passou a ser um esporte competitivo, um esporte escolar mesmo e de alto. Foi nessa época o esporte número um no Maranhão... O Handebol tomou conta, o basquete, o vôlei, tudo era secundário, o futebol; o handebol era o esporte mais assistido no Maranhão. Era a maior loucura. Era uma festa mesmo de alto nível [...] aí entra essa fase da importação de técnicos e atletas; eu fui muito criticado porque disseram que eu estava trazendo todos de São Paulo para cá e não prestigiava o pessoal do Maranhão, que não tinha professores no Maranhão... Eram uns quatro professores, dois na ativa e dois já não praticavam mais. Um era meu assessor de gabinete, não tinha força mais para comandar; tinha aquele professor que era da FESM e que depois foi trabalhar no Banco do Brasil, sempre esqueço o nome dele [Prof. Iran]. Na ativa só tinham dois, aí veio o Laércio, veio Búzio para o Basquete, então eu fiz um curso de reciclagem aqui. Trouxe o Domingos Salgado e aí logo depois veio o Marcos. A minha arbitragem do JEB's veio toda de Belém, toda aquela equipe veio para cá, e de Recife; Expedito, para a natação [de Belém]; Iran Junqueira, handebol de Brasília... Desde a participação de pessoas de fora; os árbitros ficavam esperando a hora de serem convidados, era hospedagem, dinheiro na hora, eu não sei como eu conseguia, eu não tinha um tostão no meu orçamento. [Aa causa de tudo isso é a ‘Geração de 53’], foi Jaime, Haroldo, todos tinham altas funções no estado. Aí o Jaime telefonava para o Duailibe que era diretor do D.E.R, e disse: - o Alemão tá com um problema aí, ele tá precisando de 300 agasalhos: manda ele vir falar comigo; Comprava pelo D.E.R (Dep. de Estradas e Rodagens), não tinha nada a ver com o Dep. de Ed. Física porque tínhamos a facilidades de amizades. O Jaime era Secretário da Fazenda, então o que Jaime falava era uma ordem: - Zé Carlos, Alemão tá precisando de 30 bolas; Zé Reinaldo, o Ginásio tem de reformar, o Zé Reinaldo Secretário de Viação e Obras; uma semana o estádio ia reformar... [...] o que eu precisasse eu não tinha dinheiro em espécie, mas eu tinha todo o apoio logístico, tudo o que eu queria eles me davam; vamos viajar, passagem aérea, o Maranhão passou quatro anos viajando por esse Brasil inteiro, não tinha um campeonato brasileiro que o Maranhão não praticasse. Por quê? Material à vontade, técnicos à vontade, uma constância de trabalhos, o Costa Rodrigues não tinha porta fechada, começava 4 horas, 4, 5 horas da manhã, ia até meia noite ou uma hora e continuava de novo e era uma hora e continuava de novo e era numa dedicação dos professores... Teve um lance gozadíssimo, eu tinha uma equipe na Coordenação, eu trabalhava na coordenação e no departamento de Ed. Física. O Bordalo que era o Secretario resolveu resumir nossa folha nesse tempo era 100 mil reais passou para 50. Eu reuni meu pessoal todinho e nesse tempo não tinha esse negócio de leis trabalhistas: - vocês são meus professores eu não quero perder nenhum, reduziram o meu custeio de 100 mil para 50, eu não quero perder nenhum de vocês; eu não sei se vocês vão aceitar mas a única maneira que eu posso fazer eu quero todos vocês aqui, eu vou reduzir 50% o salário de todo mundo aqui,


Não saiu nenhum, ficou todo mundo ganhando a metade do salário. Gafanhoto vai te contar essa história e ele morre de rir. É que na equipe houve uma irmandade, todos tinham o prazer e brigar; para você pegar uma hora no Costa Rodrigues, era uma guerra, todo mundo querendo trabalhar. Foi assim uma motivação maior que fez esse trabalho aparecer, eu tive uma equipe muito boa, meu professor era meu árbitro, meu professor era meu conselheiro; então tinham um trabalho coletivo e todo mundo querendo essa grandeza de educação física e do desporto e surgiram os colégios, se empolgaram, o colégio que não tivesse participação no JEMS, não tinha aluno, a vibração dos colégios que aguardavam o ano todinho se preparando... O Prof. José Maranhão Penha, um dos maiores especialista em Handebol no Maranhão ao me fazer uma visita trouxe-me valiosos documentos que contam a introdução do Handebol no Maranhão: "HANDEBOL”. De uma rápida leitura, vi que continha a confirmação de dados já coletados, e publicados nos Atlas ... Mais algumas informações novas, e a confirmação de outras. Publiquei, então, “Handebol no Maranhão: novos achados” : Em 1970 foi realizado outro curso de handebol, ministrado pelo professor Wilson Carlos dos Santos. Em 1971 chega ao Maranhão o professor piauiense Jamil de Miranda Gedeon Filho, que veio ministrar um curso de atualização em handebol, tendo como consequência deste curso difundido o handebol no nosso Estado, sendo também coordenador de Handebol e organizador dos IV Jogos Intercolegiais, tendo como participantes onze colégios da capital (Liceu Maranhense, Normal, Santa Teresa, Conceição de Maria, Cardoso Amorim, Nina Rodrigues, São Luis, Luis Viana, CEMA, SENAC) e 82 municípios, tais como: Imperatriz, Balsas, Barra do Corda, Passagem Franca, Timon, Coroatá, Pedreiras, Bacabal, Santa Inês, Chapadinha, Itapecuru-Mirim, Humberto de Campos, Rosário, Ribamar, Viana, Pinheiro, Carutapera, e Guimarães, sendo vencedor no Handebol feminino este último município . Em 1972 no Governo Pedro Neiva de Santana os Jogos Intercolegiais foram substituídos pelos FEJ – Festival Esportivo da Juventude, criado por Cláudio Vaz dos Santos, que substituíra Mary Santos na direção dos esportes tanto no Município quanto no Estado; Cláudio Alemão contou com a colaboração de Antonio Maria Zacharias Bezerra de Araújo – o Prof. Dimas. Uma das primeiras providências foi fazerem convênios, sendo então ministrado curso pelo MEC - antigo Curso de Suficiência, para formação de professores; o maranhense Ary Façanha de Sá era o Coordenador. Diversos professores e técnicos participaram desses cursos e foram dadas aulas das mais variadas modalidades esportivas. Em 1973, o Ministério de Educação e Cultura - MEC ministrou um curso de suficiência para formação de professores no Maranhão, em São Luís, tendo Ary Façanha de Sá – atleta olímpico do Maranhão em atletismo e funcionário do MEC - como coordenador. Diversos professores e técnicos participaram; as aulas que versaram sobre diversas modalidades esportivas. Por conta da falta de um dos professores, um antigo jogador de basquetebol da ex-seleção brasileira ministrou as aulas de handebol. Em um outro curso, durante o Governo Nunes Freire e estando como Coordenador de Esportes Cláudio Vaz dos Santos, houve a participação de uma equipe do Rio de Janeiro com três professores, com o objetivo de ensinar basquete tendo à frente o prof. Rui; no atletismo, o José Teles da Conceição; e no handebol, o professor Wilson. Nesta mesma época chega ao Maranhão os professores Laércio Elias Pereira e Antonio Maria Zacharias Bezerra de Araújo (Dimas) que vão dar continuidade ao trabalho da professora Mary Santos. Claudio Vaz dos Santos foi convidado pelo Governador Pedro Neiva de Santana, para fazer parte da sua equipe de governo no setor da Educação especificamente na área de Educação Física, ficando responsável pela divisão das modalidades e pela organização dos jogos. Em 1973, os professores Edivaldo Pereira da Silva e Horácio Pires coordenam o 1º. JEM´S. Neste mesmo ano a equipe do Maranhão participa do 1º. Campeonato Brasileiro de Handebol Juvenil, masculino, ficando em 3º. Lugar.


Aldemir Mesquita, professor de educação física da antiga ETFM, onde dava aulas de futebol de salão e handebol, fala da importância desses professores "estrangeiros" para o desenvolvimento do esporte em Maranhão: Chegava uma pessoa aqui em São Luís, que praticava esporte, que treinava, chegava - eu sou professor de Basquete - começava a trabalhar ... [Prof. Ronald] dava oportunidade nessa época para ele aqui no CEFET, na Escola Técnica; arranjava um contrato provisório de dois meses, três meses ele vinha treinava e nós tínhamos professor de basquete, às vezes nós tínhamos treinador de vôlei, mas ele convidava, como se fosse em vez do professor sair daqui para fazer uma especialização lá fora, seria mais difícil ele tirar uma pessoa daqui para fazer uma especialização lá fora. Chegava um professor, um professor desse aqui em São Luís, na hora que ele chegava ele via a qualidade do rapaz ele fazia um contrato de prestação de serviço com a escola... Aconteceu com vários professores que eu conheci, inclusive era colega nosso, mas eu sempre dizia assim - nós vamos aprender com esse pessoal, nós não temos oportunidade de sair daqui, eles estão trazendo conhecimento para nós. Então achava como a pessoa chegava aqui era estrangeiro, era aquilo, aquilo outro, havia aquela critica muita das pessoas desinformadas às vezes falava isso, mas fui o único que defendi isso, era o conhecimento para ter uma visão melhor do esporte. O professor [Ronald] fez muito isso, deu oportunidade dentro da Escola Técnica, nem uma vez para tomar o lugar de ninguém. (MESQUITA, Aldemir Carvalho de. Entrevistas). Marcão fala sobre sua vinda para o Maranhão, de como foi o trabalho inicial, de implantar as escolinhas de esportes, trazer as pessoas para assumir os diversos cargos e funções e os primeiros jogos: Eu, já cansado de São Paulo, e tendo trabalhado com Laércio do SESI de São Caetano e Santo André - a mesma equipe que fazia os esportes do SESI -, eu decidi sair de São Paulo, quando de um JEB's que a gente apitou em Brasília, acho que handebol; em Brasília, e o Laércio estando por aqui em São Luís, nos convidaram para visitar; eu como já tinha intenção de sair de São Paulo não aguentava mais aquela cidade danada, acabei vindo visitar São Luís e em duas semanas como diz outro, fechei a conta e vim embora... Como eu me encontrei com o Laércio, que já estava aqui no Maranhão, em Brasília com a delegação do Maranhão. Ele nos fez esse convite para vir para conhecer São Luís foi à época de julho, eu vim; inclusive na época eu vim com Júlio, Júlio do Gás, Julinho, não sei se tu já fizeste algum detalhe sobre o Júlio também, foi a primeira vez que nós viemos para cá; viemos de ônibus de Brasília para São Luís e aqui nós ficamos duas semanas passeando e quando eu voltei para São Paulo, já voltei com alguma coisa acertado, na época com Carlos Alberto Pinheiro Barros i; então, eu não vim para apitar o JEM's, vim já para trabalhar no antigo Departamento de Educação Física (DEFER, de São Luís-Maranhão) juntamente com o diretor na época o Carlos Alberto Pinheiro de Barros ... Cláudio Vaz tinha saído para entrada de Carlos Alberto Pinheiro Barros e o governo de Nunes Freire e o Carlos Alberto; encontrei a assessoria, vamos dizer, assim de trazer elementos, que foi tendo a incumbência, vamos dizer assim, de trazer elementos que pudessem reforçar toda a equipe de trabalho e o trabalho em si... Quem estava aqui, efetivamente, era o Laércio, era Viché, Biguá, Horácio, o Júlio veio, mas volta, não veio, não ficou junto comigo; ele veio para passear junto comigo, mas voltou porque ele ainda era estudante em São Paulo, voltou para concluir o curso, também nunca concluiu, igual a Biné, seria bom detalhar isso na minha biografia, porque já diz que eu não sou formado, mas eu concluo, conclui não, fui até o último ano da escola e por ter vindo praça, eu optei por não concluir porque o trabalho aqui é muito mais importante. Então eram somente elementos que estavam aqui, depois é que, através de Laércio, e de vir é que nós fomos trazendo todo esse pessoal, que foi Zartú, que foi Levy, que foi Júlio, que foi José Carlos Fontes, Sidney, toda a equipe se formou aqui, Demóstenes já estava. Demóstenes estava chegando à mesma época que eu... Domingos Fraga, já estava aqui também. Só que não no Departamento de Educação Física do Estado.


Aquele período eu que foi vice-campeão brasileiro, que só perdia para São Paulo, porque São Paulo dificilmente se ganha, então o Maranhão, foi vice-campeão e ninguém, quando a gente comenta isso em outros lugares, ninguém acredita, acha que isso é um sonho e o basquete feminino surgiu, o voleibol cresceu demais, todos os esportes de uma forma geral, atletismo também, ofereceu vários atletas á nível nacional, então todos os esportes cresceram de uma forma conjunta, não foi um trabalho direcionado para uma modalidade, ou para dizermos assim, enfatizar algo que a gente gostava, foi realmente é multiplicado. Eu lembro que na época não se trabalhou muito o futsal, infelizmente agora não está nesse mesmo nível que estava na época... Na verdade, a proposta que me fizeram para vim ao Maranhão, não tinha direcionamento nenhum. O que Laércio me propôs na oportunidade era que viesse para São Luís do Maranhão, onde já conheciam meu perfil, já conheciam o meu trabalho da época que nós estivemos juntos no SESI, conforme eu já disse - SESI São Caetano e Santo André, e lá ele era coordenador do SESI São Caetano e eu do Santo André; Nós já nos conhecíamos e ele sabia que ele podia contar comigo em qualquer frente de trabalho. Então, é como eu administrativa essa parte esportiva em Santo André e ele acreditava que eu pudesse me assenhorear dessa função aqui em São Luís do Maranhão, ele me convidou; mas lembro bem que a gente deixou claro que a gente teria que fazer um pouco de tudo, como nós acabamos fazendo realmente e assim os outros também, assim os outros foram convidados por mim, Sidney, Zartú, Lino, eles não vieram direcionados para algum emprego, vamos dizer assim, para algum setor, eles vieram e aqui nós fomos procurando como encaixá-los em algum lugar; então apareceu como, por exemplo, o Lino, apareceu alguma coisa no Maranhão [Atlético Clube], ele foi lá como preparador físico, recém-formado, como preparador físico do MAC, mas também trabalho em outros setores, na parte administrativa do JEM's, que a gente passava noites e noites, hoje a gente vê aí, todos os avanços que houve, no JEM's até o boletim é feito a nível de computador, etc. e tal. Na época a gente fazia era com mimeógrafo a álcool e dormindo debaixo da mesa, para poder o boletim ficar pronto no dia seguinte; então o Lino, nos ajudou em todos os sentidos; o Sidney também veio, a principio ficou conosco no Costa Rodrigues, com a escolinha de futebol e assim fomos todos, vindo sem um direcionamento efetivo. A gente veio para trabalhar, aonde, não sabia, onde tivesse lugar a gente ia se colocando e auxiliando e dinamizando de todas as formas, o esporte no Maranhão. (GONÇALVES, Marcos Antônio. Entrevistas). Biguá foi um dos pioneiros, junto com o Laércio, e comenta como se deu a sua vinda para o Maranhão, e em que circunstâncias: Laércio Elias Pereira, em 1973, dez de... Para ser preciso ele contatou comigo no dia 08 de setembro de 1973, foi contato maluco... Eu queria era aventura, eu queria conhecer, eu tinha assim paixão, loucura para conhecer, viajar, eu sempre tive. Aí Laércio virou - dia 08 de setembro, virou para mim e disse: - "Quer ir para o Maranhão?” - Virei, "como?" –

Edivaldo “Biguá” Pereira


- "Vai ter os Jogos - primeiros JEM’s 73 -, e eu preciso levar uns caras para apitar, ai tu vai apitando Handebol, tu queres ir?" Aí eu disse, "quando?" ele disse: - "Depois de amanhã nós teremos que estar lá, não dá nem tempo de tu pensares!" Ai eu disse: "tô nessa". Eu nunca tinha andado de avião, nunca! Eu disse: "como é que nós vamos?" "não, o cara vai mandar passagem, tudo de avião." "De avião!?" Porra, eu não queria nem saber quanto eu ia ganhar, se eu não ia! eu queria era andar de avião, né. Eu digo "tô no clima", aí que é interessante... foi que eu cheguei em casa, ai eu disse para minha mãe, para minha mãe e meu pai. - "Olha eu vou embora, vou passar 15 dias no Maranhão, lá, 15 dias". Eu sei que no dia 10, eu estava aqui com o Laércio, desceu eu, Laércio... Eu, Laércio, o rapaz, o professorzinho de... Milton usava uns óculos pequeninho - o nome completo dele, eu não lembro. Milton, Laércio, eu, Milton, Laércio... Uns três, nós três, ai descemos; o primeiro cara que manteve contato comigo, foi o J. Alves (José Faustino Alves, jornalista esportivo, aposentado ver entrevistas), chegamos e lá estava J. Alves com um fusquinha da Difusora, fazendo reportagem, já dando em primeira mão, que nós tínhamos chegado, ai chegamos aqui, coincidentemente eu fazia aniversário no dia 25 de setembro e o JEM’s estavam rolando, foi a primeira demonstração de carinho do Cláudio Vaz, comigo, aí o Ginásio Costa Rodrigues lotado, lotado, lotado, ai ele parou o jogo e me deu um agasalho completo do Maranhão, me fez de presente, o ginásio inteiro cantando parabéns à você e eu, eu comecei a me agradar desde o começo, porque eu vim apitar handebol, mas de tanto eu me envolver com esporte, os caras chegavam aqui, pôr tem que colocar o Biguá, porque eu estava, eu impunha respeito, mas respeito não era imposição, eu apitava independente, eu não sabia o que falavam A ou B ou C, para mim eu estava lá apitando, colaborando com todo mundo, eu acabei apitando as 3 finais de handebol, final de basquete e final de voleibol. Eu não vim para jogar Handebol, eu vim para arbitrar o JEM’s em setembro; ai aconteceu o fato interessante, no último dia de JEM’s... nós tomamos conhecimento que iria ter o primeiro Campeonato Brasileiro de Juvenil de Handebol, até então - presta atenção -, em julho deste mesmo ano que eu cheguei. Ai é que quando o Laércio disse assim: - vai ter o primeiro Campeonato Brasileiro de Handebol Juvenil, vai ser em Niterói, vai ser final de novembro, em Niterói. Nós estávamos em setembro. - Aí, por, tu queres ficar para jogar?... Ai o Laércio disse, "você não topa ficar? - "Não, Laércio, eu trouxe pouca roupa, eu não trouxe nada para ficar aqui, eu não tenho nada para ficar aqui". Ai Alemão - Cláudio Vaz -, disse, "não seja por isso, eu te dou toda roupa, te dou tudo, vamos te dar tanto por mês, te damos comida, tudo o que quiser a gente te da". Só que nós temos que trazer mais, só você não vai dar para segurar essa barra, porque o seguinte, em julho no JEB's em Brasília, a Seleção Paulista foi campeão Brasileira e o Maranhão foi 18 o com todos os gatos que você possa imaginar, com os Rubinhos da vida (Rubem Teixeira Goulart Filho), Gafanhoto (José de Ribamar Silva Miranda), Paulão (Paulo Roberto Tinoco da Silva), Carlos (Carlos Roberto Tinoco da Silva, irmão de Paulo) e Ermílio (Nina), todos os gatos que você possa imaginar, nós conseguimos 18o lugar. Ai Laércio disse: "Como é que a gente faz?”- Eu disse: "Faz o seguinte, me arruma passagem e vou até São Paulo, eu vou conversar com meus pais e eu trago o Turco e Dugo - que eram meus companheiros na General Motors. Laércio disse: " bem pensado". O Viché (Vicente Calderoni, professor de handebol da UFMA, hoje), nessa época jogava no Juvêncio, não jogava com a gente não. Ai Laércio disse: "Legal, legal". Ai, eu fui para São Paulo, contei a história para meu pai e minha mãe - eu vou voltar para o Maranhão -, convenci o Turco e Dugo. Ai o que acontece, o seguinte, eu vim na frente e eles ficariam de vir depois, eles estavam estudando - nós estudávamos no mesmo colégio, era no Colégio Barcelona, já nessa fase-, aí eles vieram; aí, nos fomos para o Brasileiro. Laércio, técnico; quando nós chegamos lá, para nossa belíssima surpresa, nós


conseguimos o 3º lugar do Brasil. Você sai do 18º em julho, em novembro você em 3º lugar no Brasil; ficou São Paulo, Minas e Maranhão, daí que começou a força do Handebol no Maranhão; ai onde entra o Laércio, com o Viché, eu fui para ... Eu sai daqui, antes de ir para o Campeonato Brasileiro, para encontrar com os caras em Niterói, eu fui para São Paulo: "Pô precisamos arrumar um cara para trabalhar para gente, como técnico", porque o Laércio sempre foi uma pessoa de idéias, sempre foi uma pessoa de execução, então ele nunca gostou de ser técnico de handebol, ele sempre em todo lugar que ele passou, o seguinte, ele monta uma equipe de handebol, ele vê quem é o liderzinho, quem é o cara que pode botar para frente, ele larga e vai embora; ele sempre foi de projetos; ai eu estava conversando com ele, ele disse: "P..., a gente podia trazer Viché para cá, aquele cara do Juvêncio, aquele cara sabe, conhece as coisas"; "Quando eu for agora a São Paulo, eu convido ele". E quando eu fui para São Paulo, para me encontrar com a Seleção lá em Niterói, ai eu falei com Viché, falei olha: "É assim, assim,... nós vamos disputar um campeonato, agora, você esta a fim de ir para o Maranhão?"; Viché vinha passando por uma serie de problemas, lá na família dele e com ele próprio também, nessa época e foi interessante ele ter saído de São Paulo, ele estava envolvido em barras pesadíssimas em São Paulo, pesadíssimas a ponto de matar, de morrer; aí surgiu exatamente o lido, ele falou - "P... eu vou", aí ele veio comigo para Niterói; ele já começou a ajudar o Laércio na parte técnica, e de Niterói ele já veio com a delegação do Maranhão para cá e eu e Laércio fomos para São Paulo; fomos para não voltar mais, eu fui para não voltar mais, já conhecia a Tânia, com cinco dias que eu estava aqui, já eu estava namorando Tânia, mas eu tinha dito para ela... - "Olhe, não sou daqui, não pretendo ficar aqui".

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Os Biguás – Tânia, o neto, e Biguá

mas eu deixei bem claro - eu acho que por isso ate que ela gostou da minha sinceridade... acredito...” não pretendo ficar aqui, agora, se você quiser que a gente fique namorando, a gente vai namorar, agora não tem, não posso de dar esperança nenhuma, ai, quando chegou nessa época que eu fui para São Paulo. Ai já não era mais a minha praia. Ai não era, não era, nem eu tinha telefone na época na minha casa, nem Tânia tinha. Quando começamos a trocar, é... dezembro inteiro, ai veio janeiro cara não dá é mais isso para mim, ai eu já achava. Já não tinha nada haver comigo. Eu saia para conversar com meus colegas e eu achava que o papo era muito vazio, eu já não era mais aquele negocio para mim. Ai de repente Cláudio Vaz me liga, ele ligou, ele ligou, eu tinha desse meu tio que era vereador que ficava uns 400 metros da minha casa, então a pessoa ligava para lá e dizia - "Olha, fala para ele estar ai dentro de uns 10 minuto que eu ligo de novo", né, eu lembro ate o numero do telefone ate hoje 442-6778, hoje não existe mais esse numero, ai foram me avisar e eu fui lá, esperar o telefonema dele. Ele disse, "Olha, nós estamos com um projeto aqui de trabalhar firme no Handebol, estamos querendo que você venha, você vai trabalhar com as escolinhas" - e era tudo que eu queria, só que eu, eu não sei to passando por dificuldade, e ele de novo abriu, me favoreceu tudo. (In ENTREVISTA).


Em setembro de 1974 inicia-se o aprendizado do handebol com o Prof. Laércio Elias Pereira transferido de São Paulo-SP para São Luís para atuar na Escola Técnica, e, a seguir, chegam outros professores e alguns atletas do mesmo Estado como Edivaldo Pereira – Biguá e Vicente Calderoni Filho – Viché. Com a chegada dos “paulistas” Laércio, Biguá, e Viché, o professor Dimas, compreendendo suas limitações técnicas, afastase do handebol, considerando sua missão cumprida, nessa modalidade. Data desta época a grande rivalidade do handebol maranhense entre o Colégio Batista e a Escola Técnica-CEFET, nascida da competição do Batista - base da seleção maranhense que foi aos JEBs - com a Escola Técnica, mais orientada para os JEMs. O primeiro técnico da Escola Técnica foi Aldemir Carvalho de Mesquita, posto assumido depois pelo Prof. Juarez Alves de Sousa e a seguir, pelo Laércio Elias Pereira. Esta função foi assumida então pelo Prof. José Maranhão Penha, na qual permanece até a presente data. Laércio considera que foi uma espécie de catalisador, ajudando a desenvolver, a princípio, o Handebol e, depois, batalhando a vinda de muitos professores, com o apoio do Cláudio Vaz -"a gente chamava para apitar os JEM's e, quando o professor chegava, já tinha alguma coisa”. Entrou e saiu da Escola Técnica mais de uma vez, para abrir vagas nesse processo. Na UEMA também. "Procurei colocar o Maranhão no Mapa...". Para ele, o que garantiu o apoio - e as refregas que levaram a algum progresso - foi a grande dedicação e o sucesso das equipes de Handebol, com participação decisiva do Viché e Biguá, alem dos “professores” que ajudávamos a treinar: Lister [Carvalho Branco Leão], Álvaro [Perdigão], Mangueirão [?]... (PEREIRA, Laércio Elias, Entrevistas). Em 1974, a equipe maranhense participa do 1º. Campeonato Adulto Masculino, realizado em Fortaleza – Ceará, ficando também com a 3ª. Colocação. A delegação era formada por Álvaro Perdigão, Luiz Fernando, Luis Philip Camarão (Phil), Sebastião Sobrinho Pereira (Tião), Rubem Goulart (Rubinho) Vicente Calderone Filho, Edivaldo L. da Silva (Biguá), Manoel de Jesus Moraes, Antonio Luis Amaral Pereira, Joel Gomes Costa, José Maria e Raimundo Nonato Vieira. Em 1974, pela Lei no. 3.489, de 10 de abril 14, o Governo do Estado cria a Escola Superior de Educação Física do Estado do Maranhão, com o objetivo (art. 1º) de formar professores e técnicos de Educação Física e Desportos, bem como desenvolver estudos e pesquisas relacionados com a sua área específica de atuação. Em 1976 realizou-se o 2º Campeonato Brasileiro de Handebol, no Rio de Janeiro, sendo a equipe do Maranhão a Campeã, que tinha como técnico o professor Laércio, que só podendo comparecer nos últimos jogos, sendo substituído pelo professor Maranhão. A delegação era formada por: Luis Fernando, Mangueirão, Álvaro, Gilson, Rubinho, Ricardo, Joel, Moraes, Tião, Vicente Calderone e Ivan. Em 1979, foi realizado o 2º Campeonato Brasileiro Juvenil Masculino de Handebol, em São Luis, sendo campeão a equipe maranhense, que tinha como técnico Vicente Calderone. A versão corrente é que se credita a Antonio Maria Zacharias Bezerra de Araújo, o Prof. Dimas, a introdução do Handebol no Maranhão, após assistir a modalidade nos JEB´s de Belo Horizonte, em 1971. Ao retornar a São Luís, começa a ensinar a modalidade e a introduz a partir dos II FEJ, idealizados por Cláudio Vaz dos Santos, o Cláudio Alemão. A segunda escola a praticar o Handebol, segundo essa versão, foi o Colégio Batista “Daniel De LaTouche”, do qual Dimas era professor, muito embora o Prof. Rubem Goulart (também professor da ETFM, nessa época) já houve feito uma apresentação da modalidade naquela escola. Logo a seguir, o Colégio Maranhense, dos irmãos Maristas (Dimas também era professor), e foi organizada uma Escolinha no Ginásio Costa Rodrigues. Dimas é, na realidade, o grande responsável pelo desenvolvimento do Handebol do Maranhão, junto com Laércio Elias Pereira.No ano de 1973, o Prof. Laércio faz sua primeira visita ao Maranhão; tendo voltado da Olimpíada com vários cursos de Handebol e sendo treinador da General Motors EC, da Seleção Paulista Feminina que iria para os JEBs, e da Escola Superior de Educação Física de São Caetano; convidado a dar cursos pelo Brasil pela ODEFE, houve um circuito de cursos que incluía Maceió, São Luís e Manaus. Em São Luis, enquanto dava o curso, ajudava o Prof. Jamil Gedeon a treinar o time de Handebol que ia para os JEBs. Deu problema no curso de Manaus e o Cláudio Vaz pediu que ficasse treinando no tempo que estaria em Manaus – com essa demora em retorna a São Paulo, o seu auxiliar como técnico da seleção paulista foi efetivado... Depois, pediu para que acompanhasse a equipe nos JEBs em Brasília. Acertou a ida para Brasília – pois o seu substituto o fez permanentemente -, conseguindo classificar a equipe para as quartas de finais;


mas no dia que ia começar essa fase, o Basquete levou todos os atletas para jogar o Campeonato Brasileiro em Fortaleza; o Maranhão ficou em oitavo. Quando da realização dos – agora - JEM´s, Laércio veio para arbitrar os jogos, tendo apitado uma memorável partida entre Batista e Marista, ambos treinadas pelo Prof. Dimas; Laércio trouxe um seu atleta da GM para auxilia-lo na arbitragem: Edivaldo Pereira, o Biguá,; além do Handebol, Biguá apitou várias outras modalidades. Terminado os JEM´s, Biguá se estabelece no Maranhão – primeiro, como atleta, a seguir como técnico, depois como jornalista e dirigente esportivo; acabou virando cidadão maranhense. Em janeiro de 1974, o Prof. Laércio Elias Pereira volta para morar no Maranhão; é estabelecida a “Missão” do Handebol, com a chegada posterior de Horácio e Viché (Vicente Calderoni Neto); o Projeto Handebol – a “Missão do Laércio” - foi estabelecida pelo Cláudio Vaz e apoiada pelo Secretário de Educação Magno Bacelar. Dimas, compreendendo suas limitações na modalidade, se afasta, passando a dar todo o apoio aos “paulistas” que estavam chegando, e se dedicando a sua outra paixão, a Ginástica Olímpica. É dessa época a grande rivalidade do Handebol Maranhense, entre o Batista e a Escola Técnica (IF-MA), nascida de um jogo entre o Batista - base da seleção maranhense que foi aos JEB's - e a Escola Técnica - no final dos JEM's. O primeiro técnico da ETFM foi Aldemir Carvalho de Mesquita, posto assumido depois pelo Laércio Elias Pereira, e depois Prof. Juarez Alves de Sousa; assumiu a equipe o Prof. José Maranhão Penha. Então foi aí que surgiu... (VAZ DOS SANTOS, ENTREVISTA). Cabe lembrar, aqui, que em 1952, no dia 24 de abril, em O Combate, era anunciado a abertura do CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA para o dia 1º de maio: seria no Aero Clube do Maranhão, e iniciativa de Rubem Teixeira Goulart.

Centro Esportivo Virtual | CEV | Jogos Escolares no Maranhão - Memórias de Velhos Fonte: Blog do Olivar: HANDEBOL MARANHENSE : RESGATANDO UM POUCO DO PASSADO. (blogolivar.blogspot.com)




- final do JEBS 1988 , no ginásio Castelinho, hoje ginásio Giorgiana Fluguer, Maranhão x Alagoas , Castelinho lotado com pessoas tentando entrar , governador na época , Cafeteira , estava assistindo o jogo , em determinado momento do jogo , por volta das 16h ou 17 h , o ginásio tinha uma abertura no teto nas laterais ao qual quando o sol baixava, entrava a luz solar na quadra . Eu estava no jogo e estava 1 gol pró time adversário , e o sol começou a bater exatamente nós meus olhos impedindo que eu como goleiro enxergasse a bola arremessada pelo adversário , nesse momento chamei o meu técnico e comuniquei , ele se dirigiu aos mesários e avisou que o goleiro dele estava impossibilitado de de enxergar por conta do sol , e pediu que parasse o jogo , os árbitros disseram que não iriam parar o jogo. Nesse momento desceu a comitiva inteira do governador cafeteira juntamente com os seguranças dele e entrou na quadra e pediu pra falar com o árbitro , o árbitro foi em sua direção e disse que quem mandava no jogo era ele. Cafeteira não se fez de rogado e falou que quem mandava no estado era ele e ele estava mandando parar o jogo até o que o sol não impedisse mais o goleiro da seleção dele enxergasse , o árbitro muito contrariado sacudiu a cabeça e cafeteira retrucou , e disse; - “ meu amigo , faz o que eu to mandando , e aprende logo uma coisa … BOI NA TERRA DOS OUTROS , É VACA …” E assim o árbitro interrompeu a partida até que o sol baixasse . Ganhamos de 2 gols de diferença a final




(7) Facebook É com bastante pesar que a Federação Maranhense de Handebol, lamenta profundamente o falecimento do ex-presidente José Pinheiro Silva, nesta segunda-feira (2). Pinheirinho era um grande incentivador do handebol no estado, sendo um dos nomes mais expressivos da modalidade no Maranhão, por vezes, a história do handebol maranhense se confunde com a sua própria história esportiva. Amplamente reconhecido por sua dedicação ao esporte, não somente na função de técnico, mas também na condição de presidente da FMaH, representando de forma primorosa, o esforço imensurável e a contribuição positiva ao handebol maranhense e brasileiro. Neste momento, fazemos o reconhecimento do seu legado como notável esportista, amigo sincero de conduta ilibada e referência para sua família. Manifestamos nosso sinceros sentimentos a todos os amigos e familiares. Vai o homem, fica a saudade, memória e exemplo para todos nós.


Handebol do Maranhão conquista medalhas na Copa Nordeste Cadete em Maceió-AL Igor Leonardo03/09/2017 As equipes masculina e feminina de Handebol do estado do Maranhão, conquistaram bons resultados nas disputas da Copa Nordeste Cadete de Seleções, realizado no Ginásio Presidente Fernando Collor de Mello (SESI), em Maceió (AL). No masculino, a equipe Maranhense conquistou a medalha prata. Na decisão da competição, os Maranhenses enfrentaram a Seleção Paraibana e perderam pelo placar de 20×18. Já no feminino, o Maranhão ganhou a medalha de bronze, com uma vitória diante da Paraíba por 24×17.


O Governo do Estado do Maranhão apoia o Campeonato Maranhense de Handebol 2017! O secretário Márcio Jardim oficializou o apoio ao lado da vice da Federação, Leila Martins. Com o certificado em mãos, vamos captar os recursos, em busca do patrocinador por meio da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte.



EDMILSON SANCHES

OBRA REUNIDA, DE ADAILTON MEDEIROS (CAXIAS 1938 – RJ, 2010)

O caxiense Adailton Medeiros, jornalista, professor universitário, teólogo e escritor, e sua Obra Reunida (Rio de Janeiro: Imprimatur, 2022. Revisão e apresentação: Edmilson Sanches). (Imagens: acervo de Edmilson Sanches/Família Medeiros) Apresentação Esta Obra Reunida de Adailton Medeiros (1938—2010) há muito deveria ter chegado às mãos dos leitores. E não foi por falta de esforço dos irmãos Medeiros e da Editora, que tanto fizeram para o livro estar em circulação. Coincidentemente, sem nada premeditado, Obra Reunida sai exatamente no ano — 2022 — em que no Brasil se registram três datas “redondas” relacionadas a movimentos culturais, literários e poéticos aos quais, podese dizer, vincula-se o fazer poético-literário de Adailton Medeiros: o centenário do Modernismo (com a Semana de Arte Moderna, 1922), os 70 anos do Concretismo (com os poetas da revista Noigrandes, 1952) e os 60 anos da Poesia Práxis (com o livro Lavra Lavra, de 1962, do paulista Mário Chamie, amigo de Adailton). E entre essas efemérides, uma outra, cara à bibliografia de Adailton Medeiros: em 2022 também completamse os 50 anos de publicação de seu primeiro livro, O Sol Fala aos Sete Reis das Leis das Aves, de 1972. Nascido em 16 de julho de 1938 no povoado Angical, em Caxias, Maranhão, onde também surgiu literária/mente, Adailton Medeiros faleceu em 9 de fevereiro de 2010, no Rio de Janeiro (RJ). Viveu 71 anos, 6 meses e 24 dias, mais de oitenta por cento desse tempo na capital fluminense, cidade de protagonismos e


coadjuvações e de convergências e dispersões de fluxos e influxos culturais, (r)evoluções artísticas e feitos literários e seus efeitos co-literais. Mas, se habitava numa capital, Adailton, em si e em sua obra, nunca se desabitou de seu interior — porque não desabilitou o rememorar, não desativou o revivescer. Infância, juventude e adultidade compõem a santíssima trindade que o faz ser ele o mestre de obras que se replica nelas, suas obras de mestre. Nesse processo, a “Princesa do Sertão” (Caxias) se une à “Cidade Maravilhosa”, com a geografia literária adailtoniana, com seu próprio tópos, mostrando que o Riacho Praquê deságua no Rio de Janeiro. O Praquê, riacho onde diziam ter ouro enterrado, era lindo e o caminho para ele, limpo. Caminho de árvores, flores. Caminho de pedras. (E me vem à memória “Caminho de pedra”, música de Tom Jobim e Vinicius de Morais, gravada em 1958 por Elizeth Cardoso: “Velho caminho por onde passou / O meu carinho chamando por mim, ô, ô / Caminho perdido na serra / Caminho de pedra / Onde não vai ninguém / Só sei que hoje tenho em mim / Um caminho de pedra / No peito também”. Escrevendo sobre o homem – Foi no povoado Angical, nas proximidades do Riacho Praquê, em Caxias, que Adailton Medeiros expatriou-se do ventre máter, depois de evoluir de “espermatozoide feio e raquítico” (1), com cauda, para um “lagarto sem rabo” (2). Nasceu numa “casa de palha” (3), onde havia quintal com “folhas das trepadeiras que se escancham na cerca” (4). Nasceu sobre um “jirau, […] nobre catre” (5), numa “bela manhã” (6) daquele sábado, 16 de julho de 1938. (Neste mesmo dia e mês, cinquenta anos depois, apesar dos pesares e pensares, da vida ascética, anacorética, à inflexão para a lida literária, poética, Adailton, “criança cinquentenária” (7), reconhecia: “— como deve ser bom / nascer crescer envelhecer e morrer” (8). Adailton foi o primeiro de dez irmãos, filhos do casal maranhense Dª Raimunda Borges de Lemos e Sr. Nadir Medeiros, proprietário de uma terra onde marido e mulher trabalhavam e de onde tiravam o sustento e tocavam a existência. Sobre o irmão, Maria Hilma, professora, escreveu: “Adailton Medeiros — ‘Dudu’, como era chamado pela família –, um grande exemplo de dedicação e bondade, o esteio da família na formação de seus irmãos no Rio de Janeiro. // Foi Irmão Cirilo Alexandrino no Mosteiro de São Bento por 4 anos, no Rio de Janeiro. Renunciou à vida religiosa para dedicar-se à vida de escritor, pois seu maior objetivo era deixar seu nome nas páginas dos livros, ser imortal. // Como irmã caçula, minha dedicação ao meu inesquecível ‘Dudu’: Um sonho que se foi — a vida. / O silêncio calou sua voz — a morte. / Um cérebro que não morre — a Sabedoria. / A saudade que fica para sempre — o adeus” (9). Mas antes de sair do Angical para a cidade grande, Adailton foi para uma grande cidade — a dele, Caxias, terra e rima de Gonçalves Dias, de Teófilo Dias e de Celso Menezes, precursores, respectivamente, do Indianismo e do Parnasianismo na poesia e do Modernismo nas Artes Plásticas brasileiras; terra de Coelho Netto, indicado ao Prêmio Nobel de Literatura, introdutor do cinema seriado no Brasil, o escritor mais lido do Brasil e Portugal em sua época; terra de Ubirajara Fidalgo, criador do Teatro Profissional do Negro no país; de Liene de Jesus Teixeira, engenheira agrônoma e doutora em Botânica, primeira mulher a se formar em Agronomia na Universidade Federal de Viçosa (MG); de Raimundo Teixeira Mendes, criador da Bandeira do Brasil, redator de leis que, pioneiramente, no Brasil, levaram à separação Estado/Igreja, à proteção do doente mental e da mulher e do menor trabalhadores; terra de João Mendes de Almeida, que em São Paulo foi advogado e jurista, jornalista, presidente da Assembleia e principal redator da Lei do Ventre Livre; Aderson Ferro, pioneiro da Odontologia no Brasil e primeiro brasileiro a escrever e publicar livro sobre essa especialidade paramédica; e de tantos outros caxienses que, mercê de seus talentos, coragem e trabalho, legaram ontem um Brasil melhor hoje. Com a família, Adailton mudou-se do Angical e foi para a zona urbana de Caxias, para o bairro Cangalheiro, Rua do Fio (10) — que, nos anos 1950, antes de ser a via por onde também passava a fiação do telégrafo (daí o nome), era chamada de Rua dos Velhacos, denominação que Adailton recupera e data em poema onde acopla uma cópula entre flor e folha, pendão e concha de plantas quiçá hermafroditas do novurbano quintal (11). A literatura adailtoniana rima — inclusive em versos brancos — poesia com (auto)biografia. Nada de egocentrismo, mas, sim, muito humanismo. No mundo citadino caxiense, novas situações e emoções, peripécias e personagens se foram adentrando na vida e no imaginário de Adailton. A família mudou-se para a Rua do Cotovelo, onde a casa até hoje é dos Medeiros. Entre os personagens (de)cantados em poemas, o “grande” Ilário da Costa Veloso, o Seu Ilário, da Rua do Angelim, homem peiudo, de genitália acavalada, motivo de gozação da meninada e de gozo da mulherada (segundo Adailton alinhavou em trinta e quatro versos igualmente… desmedidos…[12]). O velho


Ilário se inscreveria na memória menina e na poesia madura de Adailton Medeiros, espaços onde já pulsava, por exemplo, o cantador e rabequista Zé Baú (13), preto velho do povoado caxiense de mesmo nome — Baú –, amigo da família Medeiros. Zé Baú cantava bem, “tirava” Reis, isto é, executava música, canto ou oração no Dia de Reis, que a tradição cristã “calendarizou” como 6 de janeiro. Maria Hilma (re)lembra uma quadra do reisado: “Senhora dona de casa, / saia à porta da rua, / venha ver o Santo Reis, / que vem à procura tua”. No início da adolescência, aos 13 anos de idade, o talentoso Adailton, aluno do Ginásio Caxiense, por seu desempenho nos estudos (1º lugar), ganha bolsa do Governo do Maranhão (à época, administrado por Eugênio Barros, nascido politicamente em Caxias, onde foi prefeito). O garoto vai para o Rio de Janeiro, matricula-se no famoso Colégio Pedro II e, motivado e preparado, volta a cursar o restante do hoje Ensino Fundamental. Mas, como se diz pelos desvãos da hinterlândia brasileira, às vezes, quando Deus dá com uma das mãos, o Capeta vem e sorrateiramente tira com a outra… Eis que o garoto Adailton é contagiado por um vírus e desenvolve parotidite, que não é outra senão a caxumba, a papeira. Fica 15 dias fora das aulas. A doença passa, Adailton volta para a escola, a doença passa… para o outro lado — porque, em pobre lutador, desgraça pouca é bobagem. Mais 15 dias sem ir ao colégio. Total: um mês — e o rigoroso e quase bicentenário estabelecimento de ensino federal não teve misericórdia com quem tanto merecera estar matriculado nele… O menino Adailton voltou para a terra natal. Perde um ano. Reinicia outra vez os estudos. Torna-se líder e referência estudantil em Caxias. Vai crescendo e se desenvolvendo. Na Escola Técnica de Comércio, criada pelo amigo Monsenhor Clóvis Vidigal (falecido), presidiu o grêmio e, com a irmã Adailma, formou-se em Contabilidade. Estreia literariamente em jornal (o Cidade de Caxias), onde tinha seu nome no expediente. Assim nascia em letra de fôrma o jornalista e literato que anos mais tarde, em 1961, de volta ao Rio de Janeiro, trabalharia em Contabilidade com a irmã Adailma e depois sairia desse mundo de números para voltar-se para o universo das Letras, formando-se na última turma de Jornalismo (Comunicação Social) da antiga Universidade do Brasil, depois Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, onde também fez mestrado em Literatura. Como se diz, Deus escreve certo até por linhas incertas. O retorno de Adailton ao Rio, sabe-se, é protagonizada pela irmã Adailma, que, tendo se mudado para a Cidade Maravilhosa, para lá levou de volta o primeiro irmão. Mais velha das irmãs, Adailma fora para o Rio trabalhar (inicialmente, com Contabilidade, numa editora e nos Correios), ser professora e fazer novos estudos. Formouse em Administração e em Direito, tornou-se advogada e aposentou-se em cargo de destaque na área jurídica de uma das Forças Armadas do Brasil. Adailma é personagem e referência em poesias do irmão; leia-se, por exemplo, em “No divã amarelo”, poema do livro Lição do Mundo: “Ah – minha irmã (a que se encontra mais próximo) me liga / sempre e assim relemos antigos palimpsestos – Ocorre que / (apesar das nossas variáveis psíquicas) somos unidos e mais: / depositários e cúmplices de alguns segredos de família / […]”. No poema “O casmurro”, no livro Bandeira Vermelha, o Poeta lembra-se da irmã quando conta/canta sobre Zé Aleixo, homem caboclo vindo de Loreto (MA), onde protagonizara um terrível drama familiar, e que era “pau pra toda obra”, de semear grãos a enterrar defuntos: “Mana – a minha irmã Adailma / – ele [Zé Aleixo] a chamava com saudade / da sua pobre menina morta / O velho Zé-Aleixo era casmurro: / “homem calado e metido consigo”. Em muitos textos, nos diversos livros, em títulos, citações e dedicatórias, Adailton traz para perto de si a família — pais, irmãos, sobrinhos e outros, ascendentes, colaterais e descendentes. De 1990 a 1994 Adailton Medeiros viveu no multissecular Mosteiro de São Bento, localizado no morro de mesmo nome, no Rio de Janeiro. Ali era o Irmão Cirilo Alexandrino — certamente uma referência ao grego Cirilo, grande nome da Igreja, o Patriarca de Alexandria, que viveu nos séculos 4 e 5 e foi homem de elevada erudição e grande fecundidade na produção escrita. Entretanto, o espírito beneditino do Verbo parecia menos intenso que o espírito bendito das Letras. Aquele exigia desapego, abandono, rejeição; estas, serviam (para) busca, encontro, subversão. Onde o espírito beneditino do Verbo impõe renúncia e cala, o espírito bendito das Letras põe denúncia e fala. Em um caso o escritor é interdito; no outro, é internúncio. E Adailton queria voltar a se dedicar à vida de escritor… Desde o início da carreira literária a até seu período monástico, já escrevera oito obras e publicara sete: Oculto Piano (a primeira obra; inédita); O Sol Fala aos Sete Reis das Leis das Aves (1972); Cristóvão Cristo : Imitações (1976); Revoltoso Ribamar Palmeira (1978); Braçada de Palmas (1981); Poema Ser Poética e Mais Oito Pré-textos (1981); Floração de Minas (1982); e Lição do Mundo, que saiu em 1992, no meio do período da vivência monacal. Toda esse vigor literário, toda essa força literal trouxeram um bilhete azul para o monge beneditino e uma Bandeira


Vermelha para o escritor bendito. Adailton saiu do mosteiro secular para continuar testamenteiro do século. E voltou a publicar. Com duas edições em 2001, a primeira com o título As Mulheres & As Coisas (cuja edição, do Governo do Rio de Janeiro, Adailton classificou como de “péssima qualidade” [14]), o livro Bandeira Vermelha é, na primeira parte, uma tertúlia, um agrupamento de familiares, amigos e personalidades de A de Adélia a Z de Zuleide. Em outros livros (por exemplo, CristóVÃO Cristo : Imitações), seja com poemas, em epígrafes ou dedicatórias, Adailton também exibe uma saudável destimidez ao tornar público seu apreço e carinho em relação àqueles que lhe são cara referência e para os nomes a quem dispensa rara reverência. Sobre o homem que escreve – A obra de Adailton Medeiros junta-se às tantas obras dos tantos autores a merecerem estudo mais acurado. Aspectos literários e linguísticos, históricos e geográficos, políticos e sociais, pessoais e que tais, entre outros, ululam e pululam, passam e perpassam nos/pelos textos adailtonianos. Um exemplo de pessoalidade, entre tantos, lê-se em “Objeto torturante”, do livro Lição do Mundo: “Quando eu era menino desejava ter – algum dia – um relógio de parede pra bater como um sino de hora em hora (bam bam bam) contando o tempo Mais tarde percebi que esse objeto torturante não consegue contar o tempo que é unitário agorúnico Ele vai contando – isto sim – nossos passos para a morte” A gênese desses versos vem, como dito no poema, do tempo do Adailton menino, que, ao visitar residências de pessoas “de condições”, via dentro delas o relógio, o que fazia germinar nele a vontade de ter um objeto igual em parede de sua casa. Os aspectos pessoais — como os já referidos aqui – compreendem desde as mais ancestrais lembranças da infância na zona rural, as referências à primeira professora, Rosa Martins (“Recordações” e “Minha Mestra”, por exemplo, em Oculto Piano), às mais comuns ou improváveis ocorrências da maturidade na urbanizada metrópole carioca. Desencoberto pela irmã Adailma no Rio de Janeiro, pós-morte do Autor, Oculto Piano era o primeiro livro que Adailton Medeiros pretendia publicar; fora escrito em Caxias, concluído provavelmente em 1958/1959, quando o Autor, com pouco mais de 20 anos, trabalhava na prefeitura local. Mas, pelas razões que nossa desrazão sequer atina, os originais — bem organizados, como organizado era o Autor (15) – foram ficando… ficaram esperando. Até familiares próximos desconheciam a existência desse Piano realmente, sem fazer blague, oculto. Adailton, os irmãos reconhecem, era de “temperamento fechado” em relação a certos assuntos (e quem não?). A pretendida obra inaugural (Oculto Piano), quando se lê nela logo se vê: o Poeta (diletantemente?) se desafia, ousa, experimenta e experiencia — comete um soneto assonante hexassílabo em “A”, isto é, com todas as 40 palavras iniciadas por essa letra, da monossilábica interjeição “ah!” ao polissilábico adjetivo “arcangenal” (16). As referências a Caxias e ao Maranhão, ao tempo passado e às lembranças presentes, sejam lugares, pessoas, fatos, reflexões etc., iniciam-se com esse livro e, como um cambo ou fieira, vão elas transpassar praticamente toda a obra adailtoniana. Um trabalho de Onomasiologia, Onomatologia ou Onomástica e um Glossário, para esse e para todos os livros, poderiam destacar, explicitar e enriquecer mais ainda os termos ou expressões que, em muitos casos, jazem ou subjazem apenas como nomes próprios ou vocábulos ou acepções regionais ou unidades lexicais destinadas a “iniciados”. Em 1972, logo no primeiro mês, como se abrindo as homenagens pelos dez anos da Poesia Práxis (17), Adailton Medeiros publica O Sol Fala aos Sete Reis das Leis das Aves, dedicado aos pais, Dª Raimunda e Sr. Nadir. Adailton parece estar à vontade: inicia o livro com um poema (“Concubinato dele & dela”) formado de oito estrofes (sete septilhas e uma oitava), somando 57 versos eneassílabos perfeitamente metrificados (observadas as sinalefas próprias). Em seguida, adentra a obra com a variada configuração multicênica e polissêmica que o Modernismo, em especial a Poesia Práxis, adota ou rejeita, em termos de forma e conteúdo. Nesse encontro de contrários (tradição da escansão X introdução da inovação), o leitor vê e revê aliterações


(como “jorro brotado no brejo do busto”); neologismos (“agorúnico”, “brasilindo”, “senxual”, “sisifuriosamente”, “textória” etc.); internetês, ou a linguagem abreviada da Internet (como o “q” [que] no verso “ante boca q engole […]” (18); e um caudal de paronomásias (“de porto e parto”, “nave de neva de limo e lume”, “de sinos cimos”, “das misérias eternas / e ternas do tempo”, “tu âmago […] / ou ômega […]”, “barro berro”, “porto perto”, “plano / salão / pleno”, “asfalto bom creme / assalto com crime”, “terra torre”, “Aída // a ida”, “pela pele / velar levar”, “prolíferas — proles e feras […]”, “meninos sem rugas nem rusgas”, “poeta — o poema independe de formas / de firmas […]”). Em 1976 Adailton Medeiros publica no Maranhão (São Luís) seu terceiro livro: CristóVÃO Cristo : Imitações. À contenção formal da primeira parte, com 60 poemas de estrofe única com cinco versos (quintilhas), o Autor ajuntou sete “pré-textos”, com as características da Poesia Práxis, oferecidos para quatro grandes nomes da Literatura brasílica — Cassiano Ricardo, João Guimarães Rosa, Mário Chamie e Mário de Andrade –, além de um para o pai, outro para a mãe e o último para o filho (ele mesmo). É claro que, sendo um dos principais nomes da Práxis no Brasil, o caxiense diversificou na forma e, no conteúdo, referenciou e referendou obras daquele fantástico quarteto literário, “praxizando” os textos com a disposição das palavras e/ou versos, o aproveitamento, realce ou exploração das possibilidades visuais e semânticas dos vocábulos e linhas, a construção de neologismos e a desconstrução de termos etc. O ano de 1978 marca a estreia de Adailton Medeiros em prosa de médio (per)curso, uma novela, um pequeno romance — que o Autor, em curta nota prévia, antecipa ser texto mal estruturado (“narrativas descosidas, flácidas”), com língua sem maior coesão (“não muito consistente”) e linguagem claudicante (“amparada por muletas quebradiças”). Essa advertência preambular parece exagerada e, sempre ali presente, parece cilício cingido à vista ao corpo da obra, sujeitando-a ao voluntário sacrifício de uma imprópria, indevida (des)consideração. É assim que Adailton Medeiros “apresenta” Revoltoso Ribamar Palmeira, obra de “maranhensidade”, indicada para os que sabem e para os que querem saber de alguns recortes acerca de coisas e causas, de conflitos e conflagrações e peculiares contornos de características históricas, político-sociais e regionais do estado. É um ótimo livro, gostoso de ler, com o Maranhão presente na linguagem e nos ambientes e com boas “surpresas” linguísticas/literárias, como rimas internas e aliterações (“sangue de lama, de limo e lodo”, “cachorros bebem, bala berrando, metralha malha”) e assonâncias (“um véu de urubus escurece teu tempo” — neste caso, o som /u/ presente em todas as palavras, exceto a preposição). Em 1982 Adailton Medeiros torna público um “corpo estranho”, como foi classificado em texto prefacial (19). Trata-se do livro Poema Ser Poética e Mais Oito Pré-textos. A “estranheza” da obra é que se trata de uma dissertação de mestrado apresentada em… versos — o que era inusual naqueles idos e, creio, ainda hoje incomum. O Autor explica que o trabalho acadêmico recebeu o conceito “excelente”, com o que conquistou o título de mestre em Ciência da Literatura. Poema Ser Poético apresenta-se sem os penduricalhos (“detalhes”) metodológicos da dissertação, mas “compensa” com os “pré-textos” incluídos no título, oito poemas “praxísticos”, seis deles já constantes de livros anteriores e dois em homenagem ao baiano Adonias Filho e ao maranhense Josué Montello. Em Poema Ser Poética, o Autor exclama e, didático e incisivo, ensina: “[…] dura porém verdadeira distinção aclaradora: artista versus homem comum. Pois no primeiro a imaginação é produtiva ao passo que reprodutiva no segundo no homem comum: na gente domada.” Uma década depois, em 1992, Adailton Medeiros tem lançado seu livro Lição do Mundo, obra demarcadora na vida do Autor — que, em um de nossos raros encontros em Caxias, em maio de 1998, pessoalmente ma ofereceu, com singela dedicatória: “Para o Escritor e Acadêmico Edmilson Sanches, caxiense de sempre, com a admiração, estima e o abraço do Confrade e Conterrâneo Adailton”). Lição do Mundo, dedicado a Honorato Medeiros, avô paterno (portanto, homem de muitas “lições do mundo”), reúne poemas do período de 1978 a 1990, este exatamente o ano de ingresso de Adailton na ordem beneditina. O próprio Poeta caracteriza essa obra como linha divisória de sua biografia. Ele escreve sobre o livro, em pequena nota antes do primeiro poema: “[…] encontrarás nele [no livro] as alegrias e as tristezas de um viver que se finda, e os gestos iniciais de um novo existir, pleno em busca da Justiça e da Graça”. Parece que o Poeta estava se despedindo, ou, como aqui e acolá se diz acerca dos que optam pela vida religiosa de


renúncias e clausura, parece que estava “morrendo” para a existência secular e “renascendo” para a essência espiritual. Lição do Mundo é quase uma autobiografia, repleto de autorreferências, de lembranças da infância, de tempos idos e vividos na terra natal. Tem até poemas com a data completa de nascimento e de aniversário de Adailton Medeiros, além de referências a seu cinquentenário (20), sua solidão, a religião/espiritualidade, a política, as citações citadinas, a sensualidade e o erotismo, a metapoesia, a Poesia Práxis, personagens e personalidades, as dedicatórias para familiares, amigos e colegas escritores dali e d’além Mar/anhão. E a exclamação visceral: “ – Caxias! / — Caxias! / — Caxias! / — ó Pátria […]” (21). Esta particular heptalogia — Obra Reunida – de Adailton Medeiros se encerra em 2001 com Bandeira Vermelha, redenominação e reedição revista e aumentada do livro As Mulheres & As Coisas, lançado no mesmo ano. Na nova edição, o Poeta manteve “as coisas” no lugar e ampliou com mais dois poemas a seleta de mulheres, todas homenageadas com o nome como título do respectivo poema. Na segunda parte (“Sentido de Coisas”), o Autor traz de volta mais memórias de criança e escreve sobre o povoado caxiense onde nasceu — Angical: “[…] as terras de meu avô / são apenas / palavras vazias / mapas rasgados / lugares mortos […]” (22). Pareceu-me ouvir semelhante – e anterior — lamento de Carlos Drummond de Andrade: “Alguns anos vivi em Itabira. / Principalmente nasci em Itabira. / […] / Tive ouro, tive gado, tive fazendas. / Hoje sou funcionário público. / Itabira é apenas uma fotografia na parede. / Mas como dói!” (“Confidência do itabirano”, in Sentimento do Mundo, 1940) Vanguarda poética – Adailton Medeiros é referência na vanguarda poética brasileira. Tem seu nome como verbete em enciclopédia e texto seu como exemplo em antologia — e aqui se tratam de obras de referência e excelência como a Enciclopédia de Literatura Brasileira (2001), dos respeitados Afrânio Coutinho e José Galante de Sousa, edição conjunta da Biblioteca Nacional e Academia Brasileira de Letras, e a igualmente (re)conhecida Antologia dos Poetas Brasileiros: Fase Moderna (volume 2, 1967), organizada por uma dupla de peso da grande Literatura Brasileira: o pernambucano Manuel Bandeira e o gaúcho Walmir Ayala. Os livros de Adailton Medeiros mereceram a apreciação escrita de nomes entre os maiores e melhores da literatura, no Brasil e além — professores, escritores e críticos, conhecidos na Academia e reconhecidos no País e no Exterior. Entre estes nomes, Affonso Romano de Sant’Anna, mestre e doutor em Literatura, poeta, professor universitário e crítico literário mineiro; Afrânio Coutinho (1911—2000), bacharel em Medicina e doutor em Letras, professor de Literatura, ensaísta e crítico literário baiano; Antonio Olinto (1919—2009), contista, dicionarista, ensaísta, historiador da Literatura, novelista, poeta e romancista mineiro; Assis Brasil (1929—2021), crítico literário, cronista, ensaísta, jornalista e romancista piauiense; Carlos Drummond de Andrade (1902—1987), poeta, contista, cronista e farmacêutico mineiro; Cassiano Ricardo (1894—1974), jornalista, ensaísta e poeta paulista; Cunha e Silva Filho, piauiense, doutor em Letras e pós-doutor em Literatura, professor, crítico literário, escritor, amigo e biógrafo de Adailton Medeiros; Fausto Cunha (1924— 2004), crítico literário, biógrafo, contista, novelista e romancista pernambucano; Foed Castro Chamma (1927—2010), ensaísta, poeta e tradutor paranaense; Francisco Venceslau dos Santos, doutor em Literatura, escritor, crítico literário, ensaísta, professor (Universidades estadual e federal do Rio de Janeiro), membro da Academia Brasileira de Filologia; Laís Corrêa de Araújo Ávila (1928—2006), bacharel em Línguas Neolatinas, poeta, editora literária e ensaísta mineira; Leodegário A. de Azevedo Filho (1927—2011), professor titular e emérito das Universidades estadual e federal do Rio de Janeiro, ensaísta e filólogo pernambucano; Luciana Stegagno Picchio (1920—2008), filóloga, historiadora da cultura e crítica literária italiana, especialista em Literatura Brasileira, entre outras áreas, com mais de 500 publicações sobre as literaturas e culturas de língua portuguesa, considerada a mais importante pessoa da Europa em estudos lusobrasileiros; Mário Chamie (1933-2011), fundador da Poesia Práxis, doutor em Literatura, poeta e crítico paulista; Nauro Machado (1935—2015), escritor maranhense, de reconhecimento nacional e internacional; Nelly Novaes Coelho (1922—2017), professora, crítica literária, ensaísta e pianista paulista; Sílvio Castro, escritor fluminense (poeta, romancista, ensaísta e crítico literário), graduado em Filosofia, doutor em Letras, livre-docente e professor de Literatura Brasileira na Universidade de Pádua, Itália; Telênia Hill, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-doutora em Letras, escritora e crítica literária. Especificamente quando se fala sobre Praxismo/Poesia Práxis, o nome de Adailton Medeiros logo aparece ali entre os primeiros, com Mário Chamie. Trabalhos vários confirmam essa importância histórico-literária do poeta caxiense, inda que só em 1965 ele tenha aderido à Práxis, iniciada, como dito, em 1962, um ano depois do retorno definitivo de Adailton para o Rio). Alguns registros:


— o texto “Decisão – Poemas Dialéticos”, de Assis Brasil, publicado no número 15 da Revista de Letras (Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1993) historia: “E temos, enfim, a linhagem dos poetas construtivistas, reunindo-se aqui as Vanguardas: Concretismo, Praxismo, Processo, em destaque Augusto e Haroldo de Campos, Wlademir Dias Pino e, a esta altura, os menos ortodoxos Mauro Gama, Armando Freitas Filho, Adailton Medeiros”. O texto é sobre o livro de mesmo nome (Decisão – Poemas Dialéticos, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983; 2ª edição em 1985), de Pedro Lyra (1945—2017), professor, poeta, ensaísta e crítico cearense); — Nielson Ribeiro Modro, em sua dissertação A Obra Poética de Arnaldo Antunes (Universidade Federal do Paraná, 1996), relaciona: “Mário Chamie foi não apenas o criador da poesia Práxis como também o principal poeta desta manifestação literária. Entretanto, podem ser citados ainda Cassiano Ricardo, Armando Freitas Filho, Adailton Medeiros, Camargo Meyer, Antônio Carlos Cabral, Mauro Gama, Ione Gianetti e mesmo Chico Buarque de Holanda que, em composições como ‘Construção’, utilizou o ‘espaço em preto’”. Nielson Modro é professor universitário em Joinville (SC), com mestrado em Literatura, Ciências Jurídicas e Direito; — o artigo “Uma Odisseia no Centro Histórico de São Luís”, de Dinacy Mendonça Corrêa, publicado na Revista Garrafa, nº 22 (setembro/dezembro 2010), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, historiografa: “Os anos [19]70/80, aqui (no Maranhão) convencionados Geração Luís Augusto Cassas, abremse com o poeta Jorge Nascimento (1931), continuando com Arlete Nogueira (1936), Eloy Coelho Neto (1924), Cunha Santos Filho (1952), João Alexandre Júnior (1948), Chagas Val (1943), Francisco Tribuzi (1953), Alex Brasil (1954), Adailton Medeiros (1938)… Este último, tendo participação confirmada na vanguarda Práxis, no eixo Rio/São Paulo, sob a liderança de Mário Chamie”. Dinacy Corrêa é mestre e doutora em Letras e professora da Universidade Estadual do Maranhão; — em texto inominado, publicado em blog na Internet (23), Francisco Miguel de Moura escreve sobre o poeta pernambucano Jamerson Moreira de Lemos e a certa altura destaca: “[Jamerson Lemos] Deixou muitos inéditos, entre os quais “Istmo Soledad”, ao qual dei um prefácio já publicado aqui e alhures, situando sua poesia e seu fazer poético entre os melhores cultores da poesia-práxis, uma corrente derivada do concretismo, cujos poetas brasileiros mais conhecidos são Mário Chamie, Armando Freitas Filho, Mauro Gama e Adailton Medeiros (este natural de Caxias – MA)”. Francisco Miguel de Moura é crítico e cronista, poeta e romancista, membro da Academia Piauiense de Letras; — o livro Música Popular e Moderna Poesia Brasileira (São Paulo: Nova Alexandria, 2013), de Affonso Romano de Sant’Anna registra sobre a Poesia Práxis, nesta ordem: “Poetas: Mário Chamie, Armando Freitas Filho, Mauro Gama, Adailton Medeiros, Ione Gianetti, Camargo Meyer, O. C. Lousada Filho, Antônio Carlos Cabral, Cassiano Ricardo e o crítico José Guilherme Merquior”; — e, mais recentemente, o livro Pedro Geraldo Escosteguy: A Poética que Ultrapassa Fronteiras (Porto Alegre: ediPUCRS, 2021), de Soraya Patrícia Rossi Bragança, que anota: “Participam do movimento Práxis, além de Mário Chamie, os poetas Armando Freitas Filho, Mauro Gama, Adailton Medeiros, […]”. Soraya Patrícia é graduada em Letras e em Ciências Jurídicas e Sociais e mestre e doutora em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Adailton Medeiros foi membro de diversas instituições: Academia Brasileira de Literatura, Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro, Academia Internacional de Ciências Humanísticas (Uruguaiana – RS), Academia Uruguaianense de Letras (Uruguaiana), Associação Brasileira de Imprensa, Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana, International Writers and Artists Association (Toledo, Ohio, Estados Unidos), Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro e Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. É claro, Adailton era membro efetivo da Academia Caxiense de Letras (ACL), em sua terra natal. Éramos confrades na ACL — e lembro-me das boas conversas nas poucas vezes em que nos encontramos. Saíamos da Academia rumo ao tradicional Excelsior Hotel, onde sentávamos a uma das mesas postas na larga calçada. Notas editoriais – I) Nesta Obra Reunida promoveu-se atualização ortográfica mas, em respeito ao próprio processo do fazer poético na Poesia Práxis, preservou-se o uso do hífen do jeito que o Autor originalmente grafou — por aglutinação ou contração ou justaposição — diversas palavras compostas, inclusive antropônimos e neologismos. Evidentemente, em raríssimos casos, quando o texto e seu contexto não davam pretexto para uma hifenização “artística”, justificada pelo processo criador e criativo e pela liberdade poéticoliterária, decidiu-se, na forma das Bases XV, XVI e XVII do Acordo Ortográfico de 1990, pela atualização


ortográfica da palavra até então composta — como é o caso, por exemplo, de “sub-povo”, tornada “subpovo”, a exemplo de “subpor”, “subprefeito”, “subproduto”. II) Por outro lado, note-se e anote-se a eliminação do hífen como um recurso da Práxis de Adailton Medeiros: “ajudarme”, “sonharte”, “apertarme”, “descobrirme”, “roemte”, “consolate”. III) Havia também duplo modo de grafar palavras e expressões estrangeiras, ora utilizando-se a tipologia normal, ora aplicando-se itálico, este que se preferiu, igualmente respeitada a permanência em normal para casos de nomes próprios e em situações que a razão do Autor preferiu não grifar. IV) Os títulos de poemas, de livros e publicações periódicas também acomodavam grafias distintas, embora a tendência de o Autor ser majoritariamente pelo uso da grafia em caixa alta (para títulos de poemas) e, na forma da Base XIX, 1º, “c”, do Acordo Ortográfico, com maiúscula inicial no primeiro e nos demais vocábulos, à exceção de alguns elementos específicos, como preposições, conjunções etc., desde que no interior do bibliônimo, título ou intitulativo. * Contam os irmãos Adailma, Amaury e Maria Hilma — e o confirma Cunha e Silva Filho (24), amigo: era desejo recorrente de Adailton Medeiros reunir seus livros em volume único. Foi feita sua vontade. No futuro, estou torcendo, a produção de Adailton Medeiros ganhará sua “Obra Completa”, com fixação de textos e com: 1) elementos pré-textuais – textos laudatícios de irmãos e outros familiares, apresentação, introdução, nota editorial, perfil biográfico, cronologia / linha do tempo; 2) elementos textuais – a) todas as dez obras publicadas — as sete aqui reunidas mais os discursos Braçadas de Palmas (de 1981) e Floração de Minas (1982) e os “Quatro Ensaios” (1985); b) os textos esparsos (poesia e prosa de antologias e outras obras coletivas, de revistas, jornais e outras publicações); c) os textos inéditos (manuscritos, datilografados, digitados e, havendo, os textos gravados em áudio e/ou áudio e vídeo); d) as entrevistas; e) a correspondência expedida (ativa) e recebida (passiva); e 3) elementos pós-textuais – a) comentários e textos críticos e acadêmicos (fortuna crítica) sobre o Autor e sua obra; b) dedicatórias para Adailton Medeiros; c) iconografia (fotografias, documentos, imagens de objetos e outros itens); d) Imprensa / Internet (clipping: recortes – de jornais, revistas e outras publicações, impressos; print screen de textos e imagens em portais, sites, blogs e outros espaços da rede mundial de computadores e grupos sociais em telefones celulares); e) glossário (lista de palavras específicas da obra de Adailton Medeiros — termos regionais, neologismos, palavras menos usuais etc., para maior compreensão do universo literário e pessoal do Autor); f) referências (relação de livros, revistas, jornais etc. consultados; arquivos particulares, públicos e institucionais visitados e utilizados); e g) índices cronológico, onomásticoenciclopédico e geral do volume. Portanto, acima, nesta Apresentação, e mais adiante, nas obras reunidas, está o que, por enquanto, se deseja e o que, por enquanto, se oferece em termos da produção literária de Adailton Medeiros. Acerca dele, duas constatações finais, fraternas e eternas: — do Adailton ser humano ficam nos irmãos as recordações do germano mais velho, que, como se fosse obrigação de primogênito, como se fosse dever de pairmão, acolheu, estimulou e protegeu os demais o quanto pôde. São lembranças fra/ternas; — e do Adailton intelectual, acadêmico, escritor, poeta, novelista, ensaísta, orador, professor (breve período nas Universidades Gama Filho, privada, e Federal do Rio de Janeiro) fica uma obra farta, forte, fértil, em livros autorais e antologias (inclusive no Exterior) e textos em publicações dispersas em revistas e jornais e mesmo inéditos — toda uma rica obra carregada de intensidade, técnica, criatividade, ousadia, emoção e muita referência e reverência à terra natal: a cidade de Caxias e sua caxiensidade. Lembranças e/ternas. E falando em “caxiensidade”: Angical, onde nasceu Adailton Medeiros… Boa Vista, onde nasceu Gonçalves Dias… Canabrava, onde nasceu Salgado Maranhão, amigo e, talqualmente Adailton, residente no Rio… Na História e na Geografia de Caxias, esse lugares – Angical, Boa Vista e Canabrava, todos na zona rural, ou ontem ou ainda hoje — coincidentemente formam um ABC simbólico da Grande Poesia brasileira, maranhense e caxiense que


está varando séculos, por sua qualidade e identidade. Esse imprevisto ABC diz-nos que talento, Poesia, Literatura, Cultura são tanto necess/cidade capital quanto revel/ação interior. Nesse diapasão, estendo ao que já escrevi e indaguei: “[…] haveria no solo caxiense, no seu ar, na água, no ambiente, alguma etérea substância, uma intangível matéria, um invisível elemento ou uma especial propriedade que, por razões que a razão desconhece, se introduzisse, se infiltrasse em um ser e nele se impregnasse, hibernasse e homeopaticamente liberasse um poder, uma energia ou uma força que estimulasse a pessoa a esculpir caráter, a ter comportamentos e fazer brotar talentos e trabalhos diferenciados em relação ao comum da população? Enfim, pode a terra em que se nasce ter ou conter algo que influencie positivamente a inteligência e o desempenho de um filho dela? // A resposta parece ser sim. / […] // Há quem defenda a influência direta dos fatores geográficos e climáticos na formação de pessoas e sociedades” (25). * As cinzas do corpo de Adailton Medeiros estão depositadas no Mosteiro de São Bento, na cripta de Nossa Senhora do Pilar (título espanhol e o mais antigo da Virgem Maria; outro título é Nossa Senhora do Carmo, cuja data litúrgica, 16 de julho, é o dia em que nasceu Adailton Medeiros. Não se sabe de um santo de devoção de Adailton, mas ele era um grande admirador de Santo Agostinho [354—430], o bispo de Hipona, filósofo e teólogo baluarte do Cristianismo). A morte do talentoso maranhense de Caxias, após cirurgia para tratar de problemas no estômago, na madrugada de 9 de fevereiro de 2010, desapossou a Literatura brasileira de um dedicado escritor e dos mais consistentes cultores e representantes da Poesia Práxis. Tendo nascido numa manhã e falecido de madrugada, pode-se dizer que Adailton Medeiros saiu mais cedo do que chegou. Cedo demais… Antes de mudar de vida, ainda havia muito a escrever e muito escrito para publicar. * Eis assim, aqui, um tanto do Adailton Medeiros. Com sua emoção, seu telurismo, sua humanidade, suas utopias. Como, no ser humano, é de praxe. Eis assim, aqui, um tanto do Adailton Medeiros. Com seu talento, sua inventividade, sua polifonia e polissemia. Como, em Poesia, é da Práxis. NOTAS 01 “Autorretrato”, in Lição do Mundo. 02 “Autorretrato”, in Lição do Mundo. 03 “Quartinha Bordada”, in Lição do Mundo). 04 “Meu Amor”, in Lição do Mundo. 05 “Autorretrato”, in Lição do Mundo. 06 “Questão Ontológica”, in Lição do Mundo. 07 “Homenagem”, in Lição de Mundo 08 (idem) 09 Fotocópia de texto manuscrito entregue para Edmilson Sanches. 10 Redenominada como Rua Dirceu Baima, nome que ainda não “pegou”. 11 “Meu amor”, in Lição do Mundo. 12 “Retrato n.º 3 – o desmarcado (Ilário da Costa Veloso)”, in Lição do Mundo. 13 “Rabequinha de mandacaru”, in Lição do Mundo. 14 “Quanto ao livro que ele relançou mudando o nome — Bandeira Vermelha –, que foi patrocinado pelo Governo do Rio de Janeiro com a Academia Brasileira de Letras, ele [Adailton Medeiros] o achou de péssima qualidade. O caso foi isso.” (Mensagem em áudio da advogada e administradora Adailma Medeiros, irmã do Autor, em 11/01/2022). 15 “Adailton era metódico” (declaração de Maria Hilma Medeiros, professora, irmã do Autor, em 14/12/2021). 16 “Aurora”, in Oculto Piano. 17 Adailton Medeiros escreve “praxis”, sem acento, seguindo a opção gráfica do iniciador desse movimento, Mário Chamie, em 1962. 18 No poema “Pré-texto para Pobrícia/Lavadeira”. 19 “Teoria & Prática”, de Francisco Venceslau dos Santos, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


20 “Questão ontológica” e “Autorretrato”. 21 “Caxias recordada”. 22 “Fazendas”. 23 Link do texto: http://krudu.blogspot.com/2012/01/jamerson-lemos-nos-suburbios-do-ocio.html. 24 Blog “As Ideias no Tempo – Cunha e Silva Filho”. Link: https://asideiasnotempo.blogspot.com/2010/02/adailton-medeiros-perda-de-um-poetae_5988.html 25 Veja-se Teixeira Mendes – Esse Nome é Uma Bandeira (2ª edição, 2019), de Edmilson Sanches.


MHARIO LINCOLN SERIA A ESCRITA POÉTICA DE TEREZA BRAÚNA MOREIRA LIMA, UMA ESPÉCIE DE CATARSE PARA ESSE "EU LÍRICO"? " (...) a paisagem poética não é apenas um pano de fundo passivo, mas algo que está ativamente envolvido nossos existenciais de agosto". MHL MHARIO LINCOLN

Poeta Tereza Braúna ML Nota do Editor: neste DOMINGO POÉTICO, a presença sempre bem-vinda de uma poeta e psicanalista de altíssimo nível nacional: trata-se de Tereza Braúna Moreira Lima. Ela carinhosamente atendeu ao pedido da equipe do Facetubes para fornecer três obras líricas, publicadas, abaixo. O importante nisso tudo é saber como se dá essas construções tão incríveis. Destarte, me arvorei a analisar a poesia de Tereza Braúna Moreira Lima em suas minúcias porque em suas líricas, há, sim, uma abordagem rica e interessante para compreender a profundidade e os elementos psicológicos presentes em seus versos, que parecem emergir de uma autorreflexão e representar uma forma de catarse lírica. Claro que já li vários livros da autora e resenhei um deles, “Digitais da Essência“, (Poesia), cuja obra é um marco inicial na carreira poética de Tereza. Quanto aos poemas recebidos, e abaixo publicados, me fixei, mormente, em dois versos de cada poema; e no último, em todo momento do verso três, completo, pois me foi necessário introspectar e explorar comparativamente a linhagem da psicologia humana, alinhavando-a liricamente à poética da autora, a fim de que também pudesse mergulhar nas profundezas da concepção êxoda e nas emoções sudorizadas dos póros virando poesia. Tudo isso para analisar a linguagem, as metáforas e os símbolos usados; elementos que apoiam a construção da atmosfera emocional e psicológica de seus poemas. Desta forma, acredito ser estrutura poemática de Tereza Braúna Moreira Lima, uma jornada emocional e psicológica do seu "eu lírico". Posso até mesmo ampliar essas minhas concepções acerca da poética de Tereza sugerindo que sua escrita poética também pode funcionar como uma espécie de catarse para esse "eu lírico". Agora eu pergunto: e se


esse elemento catártico representasse desejos inconscientes, conflitos internos ou aspectos da psicologia do "eu lírico" e servisse de combustível para essa esplêndida produção poética dessa vate, ao longo dos anos? Só a autora mesmo pode responder a esse questionamento. Contudo, ao começar a analisar os poemas enviados, logo nesses dois primeiros versos de "PAÍSES IMOLADOS" - "Entre libras de carne e o murmúrio da linguagem/ Transita o mundo em seu embate." - a poeta parece explorar a dualidade entre a materialidade do corpo humano e o poder da linguagem na representação e compreensão do mundo. Já em "Rasgo, costurando no corpo que se esgarça e se cerze/ regenera-se e sobrevive ao espasmo dos acontecimentos." - do poema "SOBREVIVENTE", Tereza parece evocar a ideia de transformação e resiliência do corpo humano diante dos desafios e existenciais da vida. A metáfora do corpo como uma superfície que rasga e se costura sugere a capacidade de cicatrização e recuperação do ser humano. Aliás, será que se pode incluir aqui o que pensou Michel Foucault, acerva de ser, "(...) o corpo visto como um lugar primário, mas fundamental na existência humana"? E, por último, destaquei os seguintes versos do poema "EXPURGO", que diz assim: "...à deriva voavam recordações/ que irmanando-se às nuvens,/ sombreavam tréguas, desabrochando sementes,/ chovendo paisagem." Seriam, com conseguinte, esses versos, uma conexão entre memórias, natureza sofística e emoções? Porque neste meu olhar hermenêutico, a ideia de memórias “à deriva” e “voando” a mim me parece relacionar-se à teoria psicanalítica de Sigmund Freud sobre o inconsciente. Freud acreditava que nossas memórias e experiências passadas, muitas das quais estão escondidas em nosso inconsciente, têm um grande impacto em nosso comportamento e emoções subsequentes. Mas, parei para refletir sobre essa imagem lírica: “sombrear tréguas”. Seria um período de calma ou paz que é temporariamente obscurecido ou interrompido, fato que comparo a máxima de Friedrich Nietzsche quando se refere ao “eterno retorno”, onde alegria e sofrimento são vistos como partes inerentes da existência humana? Aqui, me coça os dedos para escrever rapidamente sobre meu entendimento de "eterno retorno". Antes, uma pergunta matreira: será mesmo se Nietzsche acreditava na verdade literal do "eterno retorno" ou, se não, o que ele pretendia demonstrar com isso? Ao ver pela primeira vez essa premissa em “A Gaia Ciência”, depois fortemente explorada em “Assim Falou Zaratustra”, entendi, aparentemente, tal citação como uma proposta de que cada dor e cada alegria, cada pensamento e suspiro, e tudo inexprimivelmente pequeno ou grande em sua vida, terá que retornar para você, tudo na mesma sucessão e sequência. Enfim, aplaudo a poeta Tereza Braúna Moreira Lima por criar imagens tão significativas nesse mesmo poema, como “desabrochar sementes, chovendo paisagem”. Mas nem tudo é o que se lê. Basta atentar um pouquinho mais para sentir um impacto: claro, partimos do pressuposto que é uma metáfora poética. Todavia, é rica se a diluirmos nas águas da fonte de Martin Heidegger. Esse filósofo alemão falou sobre a ideia de “desvelamento” ou “revelação” em sua obra. Ele acreditava que a verdade se revela através do processo de desvelamento. A frase “desabrochar sementes”, então, poderia ser vista como uma metáfora para esse processo de desvelamento - as sementes desabrochando representam a revelação da verdade ou do conhecimento. Além disso, Heidegger também explorou a ideia de “habitar” e a relação entre os seres humanos e o mundo natural. A frase “chovendo paisagem” eu particularmente (cada um tem suas interpretações) interpretaria como uma representação dessa relação - a paisagem poética não é apenas um pano de fundo passivo, mas algo que está ativamente envolvido nossos existenciais de agosto ou do ano inteiro, enquanto somos demasiadamente humanos. Não sei se consegui, mas tentei enxergar a alma desses três poemas me enxertando na consciência do "eu lírico" de Tereza, em minha análise. Meu íntimo é muito buliçoso - até conversei com o filófoso Rogerio Rocha sobre isso e nos descobrimos com certas atitudes que beiram os altos índices de TDAH literário, com uma espécie inquietação e impulsivida para ler e escrever. E isso me dá uma vontade imensa de dissecar sabores e sussurros, quando diante de uma peça lírica. Na prática, aprendi isso lendo Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes: “Não há nada mais enganoso do que um fato óbvio”. Além disso, Walt Whitman também foi nessa linha: “a contenção, a certeza, mas não a excessiva certeza...". Desta forma, ler e entender Tereza Moreira Lima, obrigatoriamente se tem que atentar aos princípios ensinador por Holmes (Doyle) e por Whitman. Destarte, minha querida poeta e amiga. Seja sempre bem-vinda ao DOMINGO POÉTICO do Facetubes. Abaixo, os poemas:


PAÍSES IMOLADOS Entre libras de carne e o murmúrio da linguagem Transita o mundo em seu embate Espaço nem sempre almejado desse mal entendido causado entre humanos acossados Herança de batalhas em guerras passadas Futuro do pretérito que não se quer mais presente Cavalos de fogo em céu ardente Terrível visão em olhos de riacho Afogam sonhos e se veem Perseguidos , refugiados Interesses vis Moeda amaldiçoada Desfazem a suposta ilusão Que homens entre si sejam irmãos Tereza Braúna ************ Sobrevivente Luta lida com o luto obrigatório das coisas vivas Liame do real em torno do fio da faca corte afiado fazendo talho e entalho no tempo Rasgo, costura no corpo que se esgarça e se cerze regenera -se e sobrevive ao espasmo dos acontecimentos Tereza Braúna ************ EXPURGO O trem da memória voltava aos trilhos após décadas de exílio vomitando o passado nublava o momento num réquiem de fumaça enquanto lembranças amargas eram esmagadas na corrida sobre os trilhos nos vagões, o sacolejo de fatos ancestrais, abriam janelas para respirar à deriva voavam recordações que irmanando-se às nuvens, sombreavam tréguas, desabrochando sementes, chovendo paisagem ************ Tereza Braúna Moreira Lima recebeu a Comenda "Hugo Napoleon Robalino", considerado "O Poeta do Século XX", na América Latina.


Tereza Braúna é maranhense, escritora e psicanalista, autora de 6 livros publicados, dentre os quais destacamse “Desafio de Ser” e “Digitais da Essência“ (Poesia). Estudiosa da Psicanálise há aproximadamente 30 anos, integrou a Instituição Intersecção Psicanalítica do Brasil e desde 2005 é participante da Delegação-Ma / Escola Brasileira Psicanálise, atualmente Associação Psicanalítica do Maranhão. Seu mais recente livro de Poesias “Psicanálise e Artifício Poético”, conjuga a vertente da Psicanálise com a Poesia, suas duas paixões! Acerca do último livro, diz Tereza: - "(...) poemizo-me paralelamente à tessitura de minha experiência analítica, onde conceitos são vividos na própria pele. E com um estilete devassador desbrido vísceras, escavo refúgios, torcendo e retorcendo a lógica ao mostrar o nonsense do meu estranhamento". Sobre a Comenda Esta Comenda leva o nome do Vice-Presidente Internacional da Academia Poética Brasileira, membrofundador, considerado "O Poeta do Século XX", na América Latina. Humberto Napoleon mora em QuitoEquador e tem participação em muitos eventos literários no Brasil e na Europa.


ANA LUIZA ALMEIDA FERRO

DISCURSO DE POSSE COMO ASSOCIADA CORRESPONDENTE DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS2 Ana Luiza Almeida Ferro3 É de Cícero uma das mais poéticas e precisas definições da História: testis temporum, lux veritatis, vita memoriæ, magistra vitæ, nuntia vetustatis. “Testemunha dos tempos”, a iluminar a verdade ou as verdades dos homens, a dar contínua vida à memória, a ensinar sobre a vida das gentes, a trazer sempre vívido o passado, como um baú inesgotável de lições para as novas gerações, assim é a História, a construir, macular, rever e de novo celebrar e destruir reputações, a edificar e varrer civilizações e cidades, a acompanhar a eterna odisseia de cada Ulisses em particular e da humanidade como um todo, seja em busca do ideal da perfeição do Santo Graal, seja em busca do Velo de Ouro da prosperidade e do poder, seja em busca das especiarias das Índias ou da riqueza florestal e mineral da Amazônia. O tempo, que é a sua bússola e devora fatos cotidianamente, à maneira de Cronos, costuma erodir os mais sóbrios e seculares monumentos e edificações, cujas ruínas refletem um passado de olvidados tesouros e anunciam um futuro de horizontes incertos. Mas, em meio a essas ruínas do tempo, ainda vicejam, em solo árido ou fértil, sob sol ou sombra, os ideais. São eles que movem o homem, como este move o mundo. E são esses ideais que fazem do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais o magnífico trem que conhecemos, de vagões e assentos exclusivos, sempre a percorrer os trilhos e a cortejar as estações da terra drummondiana, como incansável testemunha dos humores do tempo e fiel intérprete dos meandros da História. Neste dia de festa, assenhoreada pelo júbilo, tenho a honra de embarcar, como associada correspondente, nesse trem de homens e mulheres que viajam pelos trilhos da História e percorrem os vales Proferido na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG, em Belo Horizonte-MG, na data de 26 de novembro de 2022. 2

3 Promotora de Justiça, professora, escritora, historiógrafa, poeta e conferencista internacional. Doutora e Mestra em

Ciências Penais (UFMG). Pós-Doutora em Derechos Humanos (Universidad de Salamanca, Espanha). Professora da ESMPMA. Membro da European Society of International Law (ESIL), do PEN Clube do Brasil, da Academia Brasileira de Direito (ABD), da Academia Brasileira de Filosofia (ABF), da Academia Maranhense de Letras (AML), do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM) e de várias outras instituições culturais. Membro de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Associada correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (HGMG). Detentora de certificados pela University of Cambridge, Inglaterra, e de diplomas pela Université de Nancy II, França. Autora de 19 livros, sobretudo de Direito penal, História e poesia, entre os quais O Tribunal de Nuremberg, Quando, Crime organizado e organizações criminosas mundiais e 1612. Recebeu o Prêmio “Poesia, Prosa e Arti figurative” (Itália), a Menção Honrosa do prestigioso Prêmio Pedro Calmon 2014 (IHGB) e o tradicional Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2015. Venceu o Concurso “Monólogos históricos para o PEN Clube em tempos de confinamento e reclusão – 2020”. E-mail: alaferro@uol.com.br.


contíguos da Geografia, Antropologia, Paleontologia, Arqueologia, Genealogia, Heráldica, Medalhística, Paleontologia e Sociologia, “comendo lenha e soltando brasa”, como diria João do Vale, em prol do objetivo de preservação, produção e divulgação de registros históricos e estudos nas áreas afins, tendo como foco o Estado de Minas Gerais, mediante a publicação da Revista e do Boletim, o estabelecimento de parcerias nacionais e internacionais, a realização de palestras, cursos, seminários, ciclos de estudos, comemorações cívicas e excursões culturais, a exemplo dos ciclos de palestras sobre a histórica viagem do Imperador Dom Pedro II à província de Minas Gerais, a Inconfidência Mineira e os 50 anos de desenvolvimento da política pública estadual de proteção ao patrimônio cultural mineiro, o 5º Seminário Mineiro de Genealogia, com a palestra “Origens e horizontes: genealogia e direitos”, entre outros meios presenciais ou virtuais. Esse trem é produto de um grande sonho, que principiou a se materializar em 16 de junho de 1907, na ocasião em que membros do Clube Floriano Peixoto, presidido pelo Coronel Júlio César Pinto Coelho, se reuniram em Belo Horizonte e ouviram Antônio Augusto de Lima discursar “fazendo entrega da organização do Instituto a seus sócios fundadores”, o que foi levado a cabo com a instalação da entidade em agosto do mesmo ano, sob a presidência de João Pinheiro, escolhido por aclamação para tal missão, então presidente do Estado. Aí tomou corpo e alma o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG, a Augusta Casa de João Pinheiro, hoje sob as habilidosas mãos do professor José Carlos Serufo, egresso das tradicionais fileiras da Medicina. O exemplo maior veio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, fundado pelo Imperador D. Pedro II em 1838, com sede no Rio de Janeiro, por sua vez inspirado no Institut Historique, fundado em Paris, quatro anos antes. Também inspirado no IHGB, o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM, do qual sou sócia efetiva, nasceu em 20 de novembro de 1925, em reunião solene de um grupo de figuras não menos ilustres, sob a presidência de Justo Jansen Ferreira, secretariado por Antônio Lopes da Cunha, ocorrida em São Luís. De fato, eu venho do Ministério Público do Norte, da ilha que os indígenas chamaram de Upaonaçu (“Ilha Grande”), os lusitanos, da Trindade, e os franceses, do Maranhão, onde, a 8 de setembro de 1612, os nobres François de Razilly e Daniel de la Touche, o primeiro católico e o segundo huguenote, numa prova de superação da intolerância religiosa reinante no século imediatamente anterior, de posse de cartas patentes concedidas pelo infante Rei Luís XIII, por meio da rainha regente Maria de Médicis, fundaram a França Equinocial, erguendo e fixando a cruz da fé cristã no solo maranhense e estabelecendo o núcleo originário da cidade de São Luís, a partir do Forte Saint Louis, em aliança com os índios tupinambás. A conquista se fez pelo mar: nas naus Régent e Charlotte e no patacho Sainte Anne, da expedição colonizadora francesa, vieram gentis-homens, soldados, colonos, artífices, marinheiros e quatro capuchinhos, dois dos quais seriam os primeiros historiadores do Maranhão: Claude d’Abbeville, autor da fantástica Histoire de la mission des pères capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines (História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas), originalmente publicada em Paris, no princípio de 1614, e Yves d’Évreux, Superior da missão no Brasil setentrional, autor da também fascinante Suitte de l’histoire des choses plus memorables advenuës en Maragnan, és annees 1613 & 1614 (Seguimento da História das coisas mais memoráveis, ocorridas no Maranhão nos anos de 1613 e 1614), obra igualmente publicada naquela cidade no ano de 1615, edição destruída pelo tipógrafo François Huby – por ordens superiores, para evitar embaraço nas relações com a Espanha, alegada senhora do Brasil nos termos da União das Coroas Ibéricas –, de que sobraram pouquíssimos exemplares, nenhum completo, um dos quais salvo por oportuna interferência de Razilly. O Maranhão era então a porta para o vasto território amazônico, no qual se escondia, de acordo com a crença, o famoso Eldorado. A propósito, é grande a controvérsia sobre a origem e a significação de seu nome, sendo uma das principais hipóteses a defendida por Teodoro Sampaio, para quem o vocábulo, do tupi, indicaria o mar corrente. Não por acaso, o grande rio das Amazonas foi inicialmente conhecido como rio Maranhão nas bandas de cá e, ainda hoje, o Amazonas se chama Marañon nas bandas de lá, isto é, nos países andinos. E o Maranhão, não devemos esquecer, é o estado com o segundo maior litoral no Brasil. Já Minas, distante do mar mas perto do céu, coroado por serras, sempre teve o seu nome associado aos minérios aqui encontrados em abundância e que constituíram a primeira grande riqueza da região, em especial o ouro, como nota Aires do Casal. Mal sabiam os exploradores do Maranhão e do norte do Brasil dos séculos XVI e XVII que o Eldorado ficava aqui, nas Minas Gerais. E foram ditas “gerais”, provavelmente em oposição às minas particulares ou em atenção à grande quantidade e variedade dos minérios. Minas, como era inicialmente conhecida, tornou-se a Capitania de São Paulo e Minas de Ouro em 1709, vinculada ao Estado do Brasil, e, posteriormente, a Capitania de Minas Gerais em 12 de setembro de 1720, nascida da cisão da


anterior, com capital na antiga Vila Rica, dando origem a 300 anos de muitas lutas e conquistas, irrigadas de sangue e suor, em efeméride concretizada em 2020 e oportunamente celebrada pelo IHGMG, conquanto sob as restrições da pandemia. Desta capitania, originaram-se a província de Minas Gerais a partir de 1821, primeiramente sob o sinete do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, logo substituído pelo do Império, e, mais tarde, o estado homônimo, sob a forja da República, na qual gradativamente adquiriu um protagonismo político-econômico ainda maior nos rumos do país, de que são provas a época da Política do Café com Leite, conduzida a partir da presidência de Campos Sales (1898-1902), na República Velha, o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), conhecido pelo plano de ação desenvolvimentista dos “cinquenta anos em cinco”, e a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República em 1985, a qual seria assumida por seu vicepresidente, o maranhense José Sarney, nos albores da Nova República, em decorrência da morte do grande artífice da redemocratização. O Maranhão, por sua vez, teve nos séculos XVII, XVIII e XIX, em suas primeiras décadas, os períodos mais expressivos de protagonismo na história do Brasil, de que são exemplos a efêmera, mas significativa, experiência da França Equinocial (1612-1615), cuja queda fez naufragar o sonho de um império ultramarino gaulês na América do Sul e abriu aos lusitanos os caminhos para a conquista definitiva da parte norte do Brasil, a instituição e a instalação do Estado do Maranhão (depois transformado em Estado do Maranhão e Grão-Pará), com sede em São Luís e área abrangendo o território aproximado dos atuais estados do Acre ao Ceará, respectivamente em 1621 e 1626, autônomo em relação ao Estado do Brasil, e a época de grande progresso desencadeada pela criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão em 1755, por obra da visão do Marquês de Pombal, na qual São Luís chegou a ocupar, sob o ciclo do algodão, “à vista de sua população e riqueza, o quarto lugar entre as cidades brasileiras”, na avaliação dos naturalistas germânicos Johan Baptiste Von Spix e Carl Friedrich Phillip Von Martius. Em virtude de sua relação mais íntima com a Coroa lusa do que com o centro do poder no Brasil, o Maranhão apenas aderiu à Independência do Brasil em 28 de julho de 1823, quase um ano após a proclamação desta. Se abundam diferenças entre as formações política, econômica e cultural do Maranhão e de Minas Gerais, há, por outro lado, muitos trilhos compartilhados pelos dois estados na História do Brasil e muitas estações comuns ao IHGMG e ao IHGM na persecução de seus fins. De pronto, lembremos que ambos os institutos buscaram inspiração no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e nasceram sob a marca de um Antônio, seja o Augusto de Lima do IHGMG, seja o Lopes da Cunha do IHGM. Até a capital mineira guarda uma relação curiosa com a capital maranhense: Belo Horizonte, primeira cidade planejada do Brasil hodierno, inspirada em urbes como Paris e Washington, já foi Cidade de Minas, antigo Curral del Rei, enquanto São Luís se situa na ilha já conhecida como das Vacas. O Maranhão e Minas Gerais estão unidos pelos caminhos da literatura e da História. Possuem dois dos maiores poetas do Brasil: Gonçalves Dias, autor romântico de versos consagrados até no Hino Nacional e saudado, por José de Alencar, como “o poeta nacional por excelência”, pois “ninguém lhe disputa na opulência da imaginação, no fino lavor do verso, no conhecimento da natureza brasileira e dos seus costumes selvagens”, e Carlos Drummond de Andrade, expoente do Modernismo brasileiro, cuja data de nascimento é homenageada no Dia Nacional da Poesia. Uma das maiores escritoras maranhenses, Lucy Teixeira, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e se dedicou à vida literária ao lado de figuras do quilate de Otto Lara Resende, Murilo Rubião, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Mário Martins Meireles, um dos maiores historiadores maranhenses, nascido na Atenas Brasileira, de quem tenho a honra de ser parente, pela via de meu avô paterno, o ferroviário João Meireles Ferro, residiu e trabalhou, durante certo tempo, nesta terra de Tiradentes, onde, inclusive, nasceu uma de suas filhas. Muitos outros laços poderiam ser aqui evocados, mas o maior deles quiçá seja a vocação comum para a valorização da tradição, bem como para a aspiração e defesa da liberdade. Não por acaso ocorreram no Maranhão a Revolta de Beckman (1684) e a Balaiada (1835-1845) e em Minas a Revolta de Vila Rica, com Filipe dos Santos (1720), e a Conjuração Mineira de 1789, esta a mais emblemática tentativa de emancipação política do Brasil Colônia, abortada pela delação de Silvério dos Reis, que, para tristeza nossa, terminou seus dias no Maranhão e foi enterrado na Igreja de São João Batista, em São Luís. A bandeira estadual que hodiernamente tremula nos céus mineiros reverencia a bandeira projetada pelos inconfidentes, com um triângulo central e a reveladora expressão latina Libertas quæ sera tamen (“Liberdade ainda que tardia”), extraída de um dos versos do poeta Virgílio. Já a bandeira maranhense foi criação do poeta Sousândrade, inspirado no pavilhão nacional dos Estados Unidos, cuja independência (1776) igualmente influenciara os participantes da Inconfidência Mineira. Ainda sobre a defesa da liberdade, não podemos esquecer o famoso Manifesto dos Mineiros, datado de 24 de outubro de 1943, assinado por 92 vultos da intelectualidade mineira, a exemplo de Afonso Arinos de Melo Franco, Artur Bernardes, Milton Campos


e Pedro Aleixo, sob o signo do liberalismo, pugnando pelo fim do Estado Novo varguista e pela redemocratização do país, fundada em uma noção de democracia de caráter social, portanto, não somente político. Quanto à valorização da tradição, não por acaso os centros históricos de São Luís, Diamantina e Ouro Preto, o Conjunto Moderno da Pampulha e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas são patrimônios mundiais culturais reconhecidos pela UNESCO. Cá aproveito para render tributo ao legado lusitano em São Luís, a Cidade dos Azulejos, capital brasileira exibindo o maior número de casarões em estilo tradicional luso e o maior conjunto arquitetônico homogêneo no contexto latino-americano. O Maranhão e Minas olham para o futuro sem olvidarem o passado e ainda ostentam o glamour da província, oscilando entre um conservadorismo arraigado em princípios e valores temperados pela passagem do tempo e a preocupação com a busca do protagonismo diante das novas realidades e do avanço tecnológico. De 2000 a 2003 residi em Belo Horizonte. Minha vida então, entretanto, não era “subir Bahia e descer Floresta”, como diria Rômulo Paes, mas subir e descer a Álvares Cabral, a caminho e de volta da Vetusta Casa de Afonso Pena na João Pinheiro, onde tive o privilégio de cursar mestrado e doutorado em Ciências Penais na Universidade Federal de Minas Gerais. Foi também nesta cidade em cujas ruas moram o Brasil e o mundo que iniciei minha carreira como escritora: dos 19 livros que publiquei, sete levam o selo de editoras mineiras – Mandamentos e Del Rey. Hodiernamente vivemos uma época de crise, que transborda do rio da Ética e invade as margens da História. Na visão do psicanalista francês Charles Melman, o novo homem privilegia o prazer e a estética em desfavor, respectivamente, do saber e da ética, em um tempo de admirável liberdade, mas infecundo para o pensamento, no qual o excesso se tornou a norma. Esse excesso nem sempre foi adequadamente combatido, como atestam algumas decisões judiciais que cederam à tentação de uma temerária restrição à liberdade de expressão e, mais inquietante, da censura. Voltando no tempo, lembremos que, para Kant, o ser humano não é natural e espontaneamente ético, daí ter necessidade de imperativos morais e normas para dominar as resistências da sensibilidade. A vontade, determinada pela razão, é boa por definição e é regida pela lei moral, cuja forma de enunciação é o imperativo categórico, que prescreve tipos de conduta universalizáveis. Dieser Imperativ ist kategorisch... Dieser Imperativ mag der der Sittlichkeit heissen. “Este imperativo é categórico... Este imperativo pode ser chamado o da Moralidade”, prega o filósofo de Königsberg. Na ética kantiana, a vida política é presidida pelo Direito, que é orientado para a compatibilização do exercício externo da liberdade dos cidadãos. A lei universal do Direito encontra síntese na máxima: “age exteriormente (socialmente) de tal modo que o exercício de teu livre-arbítrio possa coexistir com a liberdade dos outros.” No Brasil de nossos dias, de cuja realidade não escapam Minas e o Maranhão, o que observamos, todavia, é o exercício abusivo da liberdade por uns em detrimento da liberdade de outros, desrespeitados em sua própria dignidade como pessoas, sujeitos de direitos, provocando a contínua deterioração de princípios éticos e dos costumes sociais e políticos. O relativismo levado às últimas consequências, por outro lado, chancela condutas antiéticas, em nome do “jeitinho brasileiro”, com uso de racionalizações dúbias, do tipo “ninguém é dono da verdade” ou “todo mundo faz”. O patrimonialismo, o clientelismo político, o assistencialismo sem porta de saída e a espécie de liderança alicerçada na figura do “salvador da pátria” estão impregnados nas práticas incrustadas no meio social. A luta anticorrupção, que parecia ter vingado por estas plagas por um tempo, na esteira de iniciativas louváveis como a Operação Lava-Jato, tem sofrido seguidos retrocessos, mormente nas searas legislativa e jurisprudencial, na contramão do Direito internacional. Talvez devêssemos indagar, como Carlos Drummond de Andrade: “E agora, José?” E agora, que a eleição passou, que o povo sumiu, que o país rachou? Não há como ignorarmos que, no meio do caminho, tem uma pedra. Ou várias. E talvez devêssemos responder, como Gonçalves Dias: “A vida é combate, / Que os fracos abate, / Que os fortes, os bravos, / Só pode exaltar.” Vale cá recorrermos às lições do icônico Manifesto dos Mineiros: “Tal qual se vê, desejamos retomar o bom combate em prol dos princípios, das idéias e das aspirações que, embora contidas ou contestadas, haveriam de nos dar a Federação e a República, não como criações artificiais de espíritos românticos e exaltados, mas sim como iniludíveis imposições de forças históricas profundas. [...] Em verdade, Minas não seria fiel a si mesma se abandonasse sua instintiva inclinação para sentir e realizar os interesses fundamentais de toda a nação.” E é nesse contexto que o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais concretiza ano a ano o sonho comum de Antônio Augusto de Lima e João Pinheiro e realiza a visão de Cícero sobre a História. Este


sodalício é legítima testemunha dos tempos, a iluminar a verdade ou as verdades dos homens e das mulheres das Minas Gerais, a dar contínua vida à memória, como guardião maior dos valores e dos princípios da gente mineira, em defesa da cultura deste estado. Pelo galardão deste dia especial, agradeço a Deus, Nosso Maquinista Maior, à minha família, especialmente à minha mãe e ao meu saudoso pai, eternos mestres e anjos da guarda, ao Venerando IHGMG e aos seus sócios, em particular à tríade carolina, isto é, ao Presidente José Carlos Serufo e ao Secretário-Geral Antonio Carlos de Albuquerque, que, com a cordialidade e galhardia que lhe são características, primeiro me abriu as portas da Casa de João Pinheiro, na companhia de um saudoso colega das briosas fileiras do Ministério Público, o Procurador de Justiça Luiz Carlos Abritta, que presidia este sodalício na ocasião de minha eleição. Por derradeiro, é mister recordarmos que são a força de um ideal e a magia de um sonho que movem o IHGMG. Embarcar nesse trem é percorrer o Caminho Novo das Minas Gerais e poder garimpar, pela janela do tempo, as pedras preciosas que enfeitam a história e a geografia desta terra abençoada pelo exemplo de Joaquim José da Silva Xavier e dos inconfidentes. Muito obrigada.


ANA LUIZA ALMEIDA FERRO A SITUAÇÃO POLÍTICO-RELIGIOSA DA FRANÇA QUINHENTISTA E SEISCENTISTA E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA POLÍTICA EXTERIOR DO REINO NO PERÍODO Ana Luiza Almeida Ferro* 1. Considerações iniciais Teve a Reforma Protestante terreno fértil na França, onde um problemático cenário socioeconômico, político e religioso, caracterizado pelo enriquecimento desmedido da burguesia, pelo empobrecimento exacerbado do povo, pelas dívidas contraídas pelos nobres, pela persistência das crises financeiras, pelo renovado choque entre ambições feudais e o poder real, pela rivalidade entre famílias nobres, pelo aumento do antissemitismo e pelos abusos de parte do clero, incluindo papais, favoreceram a formação de um clima de intolerância, radicalismo e confronto. De princípio, o movimento seduziu os intelectuais e, depois, os nobres e os homens das finanças, mas não angariou, em geral, a simpatia do povo. No período entre 1555 e 1560, parcela expressiva dos membros da alta nobreza gaulesa adotou a nova fé, entre os quais o Príncipe de Condé, movido por ódio ao monarca no poder, e Gaspard de Coligny, respeitado sobrinho do Condestável de Montmorency e dito almirante, título sem suporte na realidade, pois não possuía experiência prática no ofício, o mesmo que apoiou o empreendimento da França Antártica como principal ministro de Henrique II e passou de aliado a inimigo de Villegagnon, não devendo ser olvidado que teve sua filha Luísa casada com o protestante alemão Guilherme de Nassau (1533-1584), ou Guilherme I de Orange-Nassau ou, ainda, Willem van Oranje em neerlandês, Príncipe de Orange, líder maior do movimento de independência dos Países Baixos em relação à poderosa Espanha. Como efeito de todo esse caldeirão e da crescente divulgação das ideias protestantes, o número dos adeptos da doutrina de Calvino já montava a aproximadamente dois milhões em 1560, correspondendo a quase 10% da população francesa. O reformista, de sua praça-forte em Genebra, desde 1555, encarregara por volta de 200 pastores de pregarem em solo gaulês, os quais lá estabeleceriam 670 igrejas e 2.150 comunidades.4 * Promotora de Justiça, professora, escritora, historiógrafa, poeta e conferencista internacional. Doutora e Mestra em Ciências Penais (UFMG). Pós-Doutora em Derechos Humanos (Universidad de Salamanca, Espanha). Professora da ESMP-MA. Membro da European Society of International Law (ESIL), do PEN Clube do Brasil, da Academia Brasileira de Direito (ABD), da Academia Brasileira de Filosofia (ABF), da Academia Maranhense de Letras (AML), do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM)


A tradição aponta oito guerras de religião na França, sendo quatro durante o reinado de Carlos IX (1562-1563, 1567-1568, 1568-1570 e 1572-1573) e quatro nos governos de Henrique III e Henrique IV (15741576, 1576-1577, 1579-1580 e 1585-1598), consistindo em um conjunto de campanhas militares interrompidas por breves suspensões das hostilidades. 2. As guerras de religião na França De linha intransigente, o partido católico era liderado pela família Guise, 5 à qual pertenceram, entre outros, os irmãos Francisco – pai do célebre Henrique de Guise e de Luís, Cardeal de Guise –, Carlos, Cardeal de Lorena, e Cláudio, Duque de Aumale, tios de Maria Stuart, enquanto o partido huguenote, não menos extremado, era comandado pelos Bourbons, Condés e Colignys. O tio de Gaspard de Coligny, Anne de Montmorency, Condestável de França, porém, manteve-se na fé católica e fiel à Coroa. Ao regressar do Brasil à França, coerentemente, Villegagnon juntou-se ao primeiro partido, vindo a ser ferido em Rouen e bem-sucedido na defesa de Sens no ano de 1567, frustrando os interesses do Príncipe de Condé. Os principais líderes católicos e protestantes pereceriam todos violentamente, a exemplo de Francisco de Guise em 1563; Anne de Montmorency em 1567; Luís de Bourbon, fundador da Casa de Condé e primeiro Príncipe de Condé, em 1569; Gaspard de Coligny em 1572; Henrique de Guise e o Cardeal de Lorena em 1588. Durante o seu reinado, o católico Henrique II, protetor de Villegagnon, enfrentara, em meio a guerras, uma difícil situação econômica, aos poucos domada; ora tolerara, ora hostilizara os adeptos da Reforma; e tentara conter a difusão deste movimento no país, ao mesmo tempo em que, guardando um sentimento de desconfiança com respeito às posições do Sumo Pontífice, promovera, no exterior, uma política expansionista, marcada pela associação com os príncipes protestantes germânicos e com os turcos e por expedições enviadas ao Canadá, ao Brasil e à África, mais exatamente ao Marrocos. Sob influência do Condestável de Montmorency, chefe de suas forças armadas, e dos cardeais de Lorena e de Tournon, criara, logo no primeiro ano de seu governo, isto é, em outubro de 1547, no Parlamento de Paris, uma câmara especial dedicada aos processos de heresia, que seria conhecida como “Câmara Ardente”, pelo destino conferido aos condenados: a fogueira. Após a morte do soberano em 1559, a França adentrou um período de profunda instabilidade no campo dinástico e acentuação dos conflitos entre católicos e huguenotes. Eloquente evidência dessa conjuntura é que, no curto lapso temporal de 1559 a 1612, o país teve quatro reis, dois deles assassinados, talvez três, e duas regentes. Francisco II (1544-1560), primogênito de Henrique II com Catarina de Médicis, da dinastia dos Valois, esposo de Maria Stuart, foi o que reinou por menos tempo: apenas um ano, falecendo de uma otite purulenta, ou de tuberculose, ou, ainda, conforme uma hipótese, de envenenamento, sem descendentes. No ano de 1560, os protestantes, sob a liderança do Príncipe de Condé, promoveram uma malograda tentativa de sequestro do monarca e dos poderosos irmãos Francisco e Carlos de Guise, a chamada Conspiração de Amboise, daí decorrendo violentas represálias por parte dos católicos, como a execução dos rebeldes, as quais forçaram Condé a fugir na sequência imediata, propiciando aos Guises o aumento de sua influência. Carlos IX (1550-1574),6 irmão de Francisco II, terceiro filho varão de Henrique II com Catarina, era apenas uma criança quando ascendeu ao trono, de maneira que a sua mãe assumiu o governo como regente e de várias outras instituições culturais. Membro de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Associada correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (HGMG). Detentora de certificados pela University of Cambridge, Inglaterra, e de diplomas pela Université de Nancy II, França. Autora de 19 livros, sobretudo de Direito penal, História e poesia, entre os quais O Tribunal de Nuremberg, Quando, Crime organizado e organizações criminosas mundiais e 1612. Recebeu o Prêmio “Poesia, Prosa e Arti figurative” (Itália), a Menção Honrosa do prestigioso Prêmio Pedro Calmon 2014 (IHGB) e o tradicional Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2015. Venceu o Concurso “Monólogos históricos para o PEN Clube em tempos de confinamento e reclusão – 2020”. E-mail: alaferro@uol.com.br. 4 Ver, a propósito, Mariz e Provençal (2007, p. 32-33); e Provençal (2006, p. 46). 5 Sobre a família Guise, ver o artigo “The House of Guise”, extraído de Blackwood’s Magazine, em THE ECLECTIC MAGAZINE OF FOREIGN LITERATURE, SCIENCE, AND ART (1850, p. 118-134). 6 A título de curiosidade, o governo de Carlos IX está associado a uma das mais conhecidas versões do começo da tradição do dia da mentira, 1º de abril. Em 1564, foi ele quem, com a adoção do calendário gregoriano, instituiu o dia 1º de janeiro como marco


por vários anos, posição que já ocupara no passado por breve período quando da campanha de seu esposo na Lorena. A florentina Catarina de Médicis sempre tencionou a preservação dos direitos de seus filhos no atinente ao cetro gaulês. Com tal intento, sua política interna ora privilegiou os interesses dos católicos, ora favoreceu os interesses dos protestantes nos conflitos religiosos, ora optou por uma atitude tolerante em relação aos calvinistas, ora descambou para uma ação implacavelmente repressiva no respeitante a estes. Sua política externa agasalhou ambições expansionistas. Defensora das investidas francesas no Brasil desde a época do Rei Henrique II, opôs-se à União Ibérica, em que se deu a união das coroas portuguesa e espanhola, na figura de seu primo Felipe II de Espanha (Felipe I de Portugal), após o falecimento do Cardeal D. Henrique em janeiro de 1580, o qual, por seu turno, já quase septuagenário, sucedera ao lendário D. Sebastião I, desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir ou Batalha dos Três Reis no norte do Marrocos em 1578, enquanto guerreava contra o exército de um sultão local, aliado dos otomanos. A morte do soberano lusitano desencadeou uma crise sucessória, porque ele não deixou herdeiros, permitindo que pretendentes lusos e estrangeiros disputassem o trono, a exemplo de três netos de D. Manuel I de Portugal: a Infanta Catarina, Duquesa de Bragança; António, Prior do Crato; e Felipe II de Espanha, que venceria a queda de braço pela força das armas, invadindo o território português. Catarina de Médicis também se apresentou como candidata à sucessão,7 porém acabou firmando um acordo secreto com o prior, pelo qual ela o apoiaria na luta pelo poder e renunciaria ao seu alegado direito à Coroa lusitana em favor dele, ao passo que ele, uma vez à testa do governo luso, reconheceria as reivindicações francesas a respeito do Brasil, cujo Vice-Rei seria o primo da Rainha-Mãe, Filippo Strozzi. Revela Charles de la Roncière não somente o encontro e o acerto de natureza sigilosa entre o representante de Catarina de Médicis e D. António, mas igualmente os planos ambiciosos da rainha no tocante à ajuda militar ao aliado e ao assenhoreamento do Brasil: Don Antonio aprendeu, na sua chegada à França, como nós o queríamos: o irmão do rei, François d’Alençon, debateu com ele o preço de nossa cooperação. A renúncia de sua mãe ao trono de Portugal comportava certas compensações que foram estabelecidas entre os dois príncipes em 6 de outubro de 1581, por ocasião de um encontro secreto numa cidade de Eu. Lá somente assistiam como testemunhas Vimioso e Strozzi. De algumas confidências escapadas a este no curso de uma conversa com Brantôme, podia-se conjecturar que um grande papel lhe estava reservado nas combinações da rainha-mãe, um papel incompatível com o cargo de coronel general da infantaria. inicial do ano. Anteriormente, o Ano Novo era celebrado em 25 de março, princípio da primavera, estendendo-se as comemorações por uma semana, isto é, até 1º de abril. Os franceses mais conservadores não aderiram à alteração e mantiveram a celebração na data do passado, o que lhes tornou alvo de zombarias por parte dos aderentes à mudança, que passaram a lhes enviar presentes esdrúxulos ou convites referentes a festas inexistentes, em brincadeiras chamadas de plaisanteries, gerando dúvidas e confusão na mente das pessoas sobre a veracidade da data. Nasceu então a tradição do 1º de abril como o dia da mentira, que depois ganhou a Inglaterra e o mundo. 7 “O desaparecimento do rei Sebastião no campo de batalha de El-Ksar em 1578 deixava a coroa de Portugal a um ancião, ao cardeal Henrique. Preocupado com o futuro, Henrique I convidou os seus sucessores eventuais a fazerem valer, em sua vida, as suas pretensões. Foi então que a rainha Catarina de Médicis, sempre em busca de um trono para o último de seus filhos, descobriu direitos à coroa de Portugal como herdeira em linha colateral da Casa de Boulogne e não temeu entrar em competição com o rei da Espanha, um príncipe de Bragança e o neto ilegítimo do rei Manuel. Alguns meses depois, antes que fosse designado o herdeiro presuntivo, em 15 de janeiro de 1580, a sucessão se abria pela morte do rei Henrique I. [...] ‘Perseguir meu dito direito sobre Portugal não é prejudicar ninguém’, respondia a rainha-mãe às observações do embaixador da Espanha” (LA RONCIÈRE, 1910, v. 4, p. 167-168, tradução nossa). Este é o texto original: “La disparition du roi Sébastien sur le champ de bataille d’El-Ksar, en 1578, laissait la couronne de Portugal à un vieillard, au cardinal Henri. Soucieux de l’avenir, Henri I er convia ses successeurs éventuels à faire valoir, de son vivant, leurs prétentions. C’est alors que la reine Catherine de Médicis, toujours en quête d’un trône pour le dernier de ses fils, se découvrit des droits à la couronne de Portugal comme héritière en ligne collatérale de la Maison de Boulogne et ne craignit point d’entrer en compétition avec le roi d’Espagne, un prince de Bragance et le petit-fils illégitime du roi Emmanuel. A quelques mois de là, avant que fût désigné l’héritier présomptif, le 15 janvier 1580, la succession s’ouvrait par la mort du roi Henri Ier. [...] ‘Poursuivre mondict droit de Portugal, ce n’est faire tort à personne’, répondait la reine mère aux observations de l’ambassadeur d’Espagne.” A frase da rainha é extraída de uma de suas cartas, datada de 13 de setembro de 1581.


Convidado a se desfazer de seu ofício por cinquenta mil escudos, Philippe Strozzi obedeceu, não sem pesar. [...] O que ele compreendia por isso? Certas cartas de provisões misteriosas, que ele acabara de receber, estabeleciam-no como ‘tenente-general ou vice-rei, sem que fosse necessário especificá-lo mais particularmente, em certo lugar para onde o dito senhor de Strozzi se encaminhasse:’ ele devia ter, ‘ele sozinho, o total encargo, comando e intendência em nome de Sua Majestade no sítio e lugar acima referido’. Este lugar, a gente saberia por um envelope lacrado para ser aberto apenas no dia da partida. E de uma mão entorpecida pela idade, com uma ortografia demasiado fantasista para que eu a reproduza, mas com uma amplitude de visão espantosa, eis que magnífico plano de campanha traçava a velha rainha: Strozzi, após haver ocupado a Madeira, terminará de restabelecer os Açores sob o domínio português. Brissac, com suas tropas, se assegurará das ilhas do Cabo Verde. Com a chegada do mês de agosto, Strozzi, deixando nas ilhas forças suficientes para conservá-las, se encaminhará para o Brasil com o resto de seu exército. – Assim, era do Brasil que o primo da rainha fora nomeado vice-rei. António e Catarina haviam ‘ficado de acordo que, restabelecido ele nos seus Estados, ela teria para suas pretensões a região do Brasil’ (LA RONCIÈRE, 1910, v. 4, p. 173-175, tradução nossa).8 Volvendo ao período de Carlos IX, no plano interno, no início de 1562, o Parlamento de Paris negou-se a permitir aos huguenotes a prática de sua fé fora das cidades. Muito pior sucedeu no dia 1º do mesmo ano, quando ocorreu o Massacre de Vassy, episódio tido como desencadeador das guerras de religião, em que os homens de Francisco de Guise, ferido no rosto com uma pedrada por um protestante, perpetraram a matança de cerca de 60 calvinistas e feriram aproximadamente 200, os quais haviam se reunido em culto no interior de um celeiro, na localidade de Vassy, que abrigava uma expressiva congregação de fiéis da Reforma, próxima aos domínios dos Guise. O fatídico acontecimento, aparentemente uma retaliação a excessos anteriores cometidos pelos convertidos ao protestantismo, de qualquer forma injustificável, rendeu a Francisco de Guise a alcunha de “Açougueiro de Vassy”, dada por seus inimigos.9 A Primeira Guerra de Religião findou apenas com o Tratado de Amboise no ano subsequente. Foi ainda durante o reinado de Carlos IX, provavelmente por determinação da onipresente Catarina de Médicis, cuja influência sobre o filho jamais cessou, que se verificou o massacre da “Noite de São Bartolomeu”, sangrento e emblemático episódio das guerras de religião, em que houve uma sequência 8

A redação em francês é a seguinte: “Don Antonio apprit, à son arrivée en France, comment nous l’entendions: le frère du roi, François d’Alençon, débattit avec lui le prix de notre concours. La renonciation de sa mère au trône de Portugal comportait certaines compensations qui furent réglées entre les deux princes, le 6 octobre 1581, lors d’une entrevue secrète dans une ville d’Eu. N’y assistaient comme témoins que Vimioso et Strozzi. De quelques confidences échappées à celui-ci au cours d’une conversation avec Brantôme, on pouvait conjecturer qu’un grand rôle lui était réservé dans les combinaisons de la reine mère, un rôle incompatible avec la charge de colonel général de l’infanterie. Invité à se défaire de son office pour cinquante mille écus, Philippe Strozzi obéit, non sans regret. [...] Qu’entendait-il par là? Certaines lettres de provisions mystérieuses, qu’il venait de recevoir, l’établissaient ‘lieutenant-générale ou vice-roy, sans qu’il fût besoin de le spécifier plus particulièrement, en certain endroit où ledit sieur de Strozzi s’acheminait:’ il devait avoir, ‘lui seul, la totale charge, commandement et intendance de par sa Magesté en l’endroit et lieu dessusdit’. Ce lieu, on l’apprendrait par un pli cacheté à n’ouvrir que le jour du départ. Et d’une main alourdie par l’âge, avec une ortographe trop fantaisiste pour que je la reproduise, mais avec une largeur de vues étonnante, voici quel magnifique plan de campagne traçait la vieille reine: Strozzi, après avoir occupé Madère, achèvera de remettre les Açores sous la domination portugaise. Brissac, avec ses troupes, s’assurera des îles du Cap Vert. Le mois d’août venu, Strozzi, laissant dans les îles des forces suffisantes pour les conserver, s’acheminera vers le Brésil avec le reste de son armée. – Ainsi, c’était du Brésil que le cousin de la reine était nommé vice-roi. Antoine et Catherine étaient ‘demeurés d’accord que, luy restabli dans ses Estats, elle auroit pour ses prétentions la région du Brésil’.” O plano em causa, informa ainda Roncière em nota de rodapé, foi submetido ao monarca da época, in casu, Henrique III, que o aprovou em 3 de maio de 1582, repousando o original em São Petersburgo, na Biblioteca do Hermitage. Ibidem, p. 175. 9 Ver, sobre o Massacre de Vassy, “The French Wars of Religion”, extraído de Blackwood’s Magazine, em THE ECLECTIC MAGAZINE OF FOREIGN LITERATURE, SCIENCE, AND ART (1850, p. 461). O artigo tem por referência o segundo volume da obra Histoire des Ducs de Guise, de autoria de René de Bouillé, publicada em 1849.


coordenada, patrocinada pela Coroa, de ataques e homicídios em larga escala perpetrados contra protestantes, por católicos, integrantes de todas as classes sociais, desencadeados em 24 de agosto de 1572, dia de São Bartolomeu, em Paris, quando das celebrações pelo casamento entre o nobre huguenote Henrique de Navarra e a princesa católica Margarida de Valois, irmã do monarca – união essa, ironicamente, idealizada para apaziguar as disputas de caráter religioso –, com desdobramentos em várias outras cidades gaulesas pelos dias que se sucederam, resultando no assassinato de mais de 30.000 partidários da Reforma, 3.000 destes somente em Paris, onde o Sena teria se coberto de vermelho do sangue das vítimas. Destacava-se, entre os mortos, Gaspard de Coligny, o qual foi arrastado de sua cama, em que se recuperava de um atentado anterior à sua vida, golpeado mortalmente, jogado pela janela, decapitado e lançado desnudo no famoso rio. O popular líder católico Henrique de Guise ou Henrique de Lorena (1550-1588) teria ordenado a sua eliminação e até desferido um pontapé em seu cadáver, por culpá-lo pelo assassínio de seu pai Francisco de Guise, anterior Duque de Guise, proeminente chefe militar, anos antes, pela ação de um protestante, na oportunidade em que ele se preparava para tomar Orléans aos seguidores de Condé, conhecido fato da Primeira Guerra de Religião. Embora Coligny jamais haja admitido o desempenho do papel de mandante, ele comemorara publicamente tal morte na época. Apenas dois anos após a formalização da Paz de Saint-Germain, que estabelecera uma trégua, encerrando a Terceira Guerra de Religião, teve lugar o massacre da “Noite de São Bartolomeu”, do qual Henrique de Guise foi um dos beneficiários em termos políticos. A propósito, este Duque de Guise teve atuação marcante em várias das guerras em questão: por exemplo, na mesma Terceira Guerra de Religião, sobressaiu-se nas batalhas de Jarnac e Moncontour, ambas em 1569; e na Oitava Guerra de Religião, liderando os católicos, triunfou sobre os huguenotes nas batalhas de Vimory e d’Auneau, as duas em 1587. Ele alcançou o posto de Prefeito de Paris e chegou a ser nomeado Chefe Geral dos Exércitos do Reino. Henrique III (1551-1589), também filho de Henrique II e Catarina, tornou-se o soberano da França com a morte de Carlos IX no ano de 1574. Reinou em tempo de grande turbulência político-social, motivada, sobretudo, pela continuidade das guerras de religião, permitindo, além disso, o mergulho da França em nova crise financeira. Lutou contra o enfraquecimento do poder real e foi um dos protagonistas da Guerra dos Três Henriques, juntamente com o protestante Henrique de Navarra, posteriormente Rei Henrique IV, marido de sua irmã Margarida de Valois, e Henrique de Guise, Príncipe de Joinville e Duque de Guise, chefe da Liga Católica – apoiada pela Espanha, inclusive financeiramente –, antigo aliado, depois rival, a quem mandou assassinar em dezembro de 1588, para extirpar a ameaça que ele representava à sua autoridade e ao seu trono, pela sua popularidade, influência e aliança com o monarca hispânico Felipe II. Em consequência, Henrique III igualmente sucumbiria alguns meses adiante, mais precisamente em agosto de 1589, apunhalado pelas mãos de um fanático, o frade jacobino Jacques Clément. Assim findou a dinastia dos Valois. Foi no curso de seu governo que ocorreram as missões de Strozzi no Brasil, a partir de 1576, sob ordens de Catarina de Médicis, e a União das Coroas Ibéricas (1580-1640), pela qual Portugal e, consequentemente, o Brasil, passaram ao domínio da Espanha, primeiramente de Felipe II (1527-1598). Enquanto a Rainha-Mãe lutava pelos interesses franceses no Brasil, contestando oficialmente e nos bastidores com o Prior do Crato os direitos alegados pelo soberano espanhol, entre outras providências, a radical Liga Católica, dirigida por Henrique de Guise, negligenciou as possibilidades gaulesas na América lusitana, favorecendo os objetivos do também católico Felipe II, seu aliado no conflito com os calvinistas, ao deixar a terra brasileira aos hispânicos em 1584. Não se desenrolaram as coisas em harmonia com o planejado e desejado por Catarina, porque o seu primo Strozzi, no comando de uma expedição luso-francesa, a serviço sigiloso da Coroa gaulesa, em prol da causa de D. António, morreu após a derrota na Batalha naval de Vila Franca, travada em 26 de julho de 1582 nos Açores, contra uma armada luso-castelhana, chefiada pelo Marquês de Santa Cruz de Mudela, D. Álvaro de Bazán, defendendo os interesses de Felipe II. Como a expedição não ostentava cunho oficial reconhecido, porquanto Catarina não a assumiu como uma iniciativa sancionada pela Coroa, os numerosos prisioneiros franceses, oitenta fidalgos e trezentos e treze soldados e marinheiros, pagaram o insucesso militar com a vida, condenados à morte que foram como piratas e perturbadores da paz pública. Tão somente foram poupados os pilotos e os jovens abaixo de dezessete anos. Os fidalgos foram supliciados por meio do garrote em um cadafalso erguido em Vila Franca, ao passo que os demais foram enforcados. Filippo Strozzi teve seu corpo lançado ao mar de um galeão ibérico sem


honras militares.10 A sua morte e o triunfo das pretensões de Felipe II sobre as do Prior do Crato enfraqueceram os esforços reivindicatórios franceses em relação ao Brasil por um tempo. Henrique IV (1553-1610), cognominado o Grande, antes Henrique de Navarra, chefe huguenote sobrevivente do massacre da “Noite de São Bartolomeu”, inaugurou a dinastia dos Bourbons, tornando-se rei quando foi assassinado Henrique III, seu primo e cunhado, em 1589. Mas teve de conquistar o seu reino pelas armas. Venceu o Duque de Mayenne, novo líder da Liga Católica, após o assassínio de Henrique de Guise, em Arques em setembro de 1589 e, novamente, em Ivry em março do ano seguinte. Percebendo que somente seria aceito por seus súditos, majoritariamente católicos, se adotasse a religião dominante, abjurou a fé protestante em Saint-Denis no dia 25 de julho de 1593 e foi coroado em Chartres em 26 de fevereiro de 1594, entrando em Paris no mês subsequente. Obteve a absolvição do Papa Clemente VIII. É dele a espirituosa observação de que Paris bem valia uma missa, dita em 1593, para “justificar” a sua adesão ao catolicismo. Derrotou o espanhol Felipe II, católico fervoroso, que invadira o território gaulês em apoio à Liga, o mesmo personagem real da poderosa esquadra conhecida como “Invencível Armada”, peça principal da fracassada tentativa de subjugar a Inglaterra de Elizabeth I em 1588. Firmou o Tratado de Vervins com a Espanha em 2 de maio de 1598, pelo qual foram restabelecidas as cláusulas da Paz de Cateau-Cambrésis, de 1559. Monarca de notável visão política e administrativa, sábio, pragmático, preocupado com o bemestar de seu povo e decidido a combater as paixões religiosas que haviam ensanguentado o seu país por quase meio século, não foi chamado de o Grande ao acaso. Na esfera religiosa, pacificou a França, por meio do Édito de Nantes (1598), que garantiu aos huguenotes a livre manifestação de seu credo nas cidades em que o culto era anterior a 1597, o direito de reunião em assembleias particulares e o livre acesso aos empregos e instituiu 151 lugares de refúgio, dos quais 51 eram places de sûreté, espécies de praças fortificadas, sob o controle dos calvinistas. Na seara econômica, recuperou as combalidas finanças do reino e o recolocou em um caminho de prosperidade, revertendo a difícil situação econômica causada pelos anos de instabilidade político-social e guerra civil. Para tal, contou com a valiosa atuação de seu principal ministro, o despótico, mas competente, Maximilien de Béthune, Duque de Sully. Oliveira Lima frisa exatamente esse aspecto de reconstrução nacional: Henrique IV recebia um país devastado, sem recursos e sem ordem, pilhado a um tempo pelos governadores e pelos salteadores; seu mérito foi levantá-lo, restabelecendo as finanças, desembaraçando a agricultura, disciplinando os grandes, protegendo as reservas do país. A França conheceu de novo dias felizes sob o seu govêrno e do seu ministro, o duque de Sully (1560-1641). O rei interessava-se diretamente pelo bem-estar dos seus súditos, querendo, na sua frase se não autêntica, pelo menos expressiva da sua personalidade, que cada francês tivesse ao domingo a sua canja de galinha (LIMA, [1960?], p. 284). Sob o reinado de Henrique IV e a administração do Duque de Sully, influenciado pelas ideias mercantilistas, caracterizadas pela criação de um mercado interno, associada ao protecionismo contra a concorrência estrangeira, foram incentivados a produção agrícola, a pecuária, a indústria e o comércio, com uma estratégia de limitação da importação e fomento à exportação, ancorada em uma eficiente reforma fiscal, dedicada à persecução dos objetivos de equilíbrio e robustecimento do Tesouro Real, organização da arrecadação e formação das condições econômico-financeiras para o desenvolvimento. Isto levou a uma melhoria do padrão de vida do povo, o que valeu ao rei o respeito e a estima da maioria de seus súditos e das gerações futuras, retratado como déspota esclarecido por Voltaire, em um poema épico de 1715, intitulado “Henríada”, e como encarnação das concepções de liberdade individual e senso democrático pelo alemão Heinrich Mann, em um romance histórico sobre a sua vida, dividido em duas partes, respectivamente publicadas em 1935 e 1938. 10

Ver La Roncière (1910, v.4, p. 188-190).


Concomitantemente, o soberano fortaleceu bastante o poder real perante a nobreza, sempre saudosa dos tempos feudais, utilizando-se de suborno ou da força. Edward Burns assim sintetiza as realizações, nesse campo, de Henrique IV e de seu mais importante colaborador: Nessa tarefa teve a assistência eficiente de seu primeiro ministro o duque de Sully. Rabujento, despótico e avarento, Sully foi o perfeito predecessor de Colbert, no século XVII. Durante anos o rei e seu fiel servo trabalharam para restaurar as finanças abaladas de França; Sully dedicou seus esforços principalmente à reforma fiscal, visando eliminar a corrupção e o desperdício e trazer maiores rendas para o tesouro real. Empenhou-se também no incremento da prosperidade agrícola dragando pântanos, cultivando terras devastadas, subsidiando a criação de gado e abrindo mercados estrangeiros para os produtos da terra. O rei dedicou grande parte de sua atenção ao incremento da indústria e do comércio. Introduziu em França a manufatura da sêda, e graças aos subsídios e monopólios encorajou outras indústrias, firmando tratados comerciais favoráveis com a Inglaterra e a Espanha. Henrique, porém, não se limitou a fazer reformas econômicas. Interessou-se também profundamente pelo aniquilamento do poder renascente da nobreza e seus esforços nesse sentido foram tão bem sucedidos, que repôs a monarquia na posição superior que conhecera no fim da Guerra dos Cem Anos. Seu govêrno foi inteligente e benévolo, mas não menos despótico (BURNS, 1957, v. 2, p. 528). Na política externa, o monarca procurou inserir a França em uma posição de destaque no cenário internacional, em relação, por exemplo, a uma participação significativa no disputado comércio do Mediterrâneo e das Índias Orientais, à retomada da meta de conquista do Novo Mundo, incluindo o intento de estabelecimento de colônia no Brasil setentrional, e, principalmente, à implementação de uma política de oposição aos interesses da Espanha e dos Habsburgos e de aproximação e até aliança com soberanos protestantes. Com tal propósito, revigorou as forças armadas e estimulou a muitas vezes interrompida ou adiada expansão ultramarina do país. Esposo da famosa Margarida de Valois, a Rainha Margot, rompeu definitivamente os seus laços matrimoniais com a irmã de Henrique III em 1599, com as bênçãos da Santa Sé, e, no ano seguinte, casou-se com Maria de Médicis, descendente dos Habsburgos, filha de Francisco I de Médicis, Grão-Duque da Toscana, e sobrinha de Catarina de Médicis. Foi um matrimônio motivado, sobretudo, por razões financeiras, ligadas a interesses políticos, posto que a noiva, apelidada de “Grande Banqueira”, pertencia a uma família credora da Coroa francesa, os influentes Médicis. Do mesmo modo que o seu antecessor, o já deveras popular Henrique IV também sofreu morte violenta em 14 de maio de 1610 dentro de seu coche em Paris, na Rua de la Ferronnerie, pela adaga de outro fanático católico, o monge François Ravaillac. Não fora o seu desaparecimento precoce, talvez a colônia da França Equinocial, que seria fundada em 1612 no Maranhão, houvesse tido vida longa. Seu assassino, possivelmente um doente mental, que viera à cidade a pé, envenenado por panfletos louvando a figura de outro regicida, Jacques Clément, ouvira dizer que Henrique IV tencionava entrar em guerra contra o papa e planejava um massacre, ao estilo da “Noite de São Bartolomeu”, contra os católicos. Na verdade, o marido de Maria de Médicis, que escapara de atentados anteriores contra a sua vida, pretendia apoiar os príncipes protestantes em uma guerra contra a Casa d’Áustria e a Espanha de credo católico. Não teve chance. Ravaillac foi preso logo em sequência, torturado e executado, tendo o seu corpo sido esquartejado e queimado. O seu nome passou a ser vedado para designar qualquer pessoa do reino. Aproximadamente duas horas e meia após a ação criminosa, o Parlamento de Paris declarou regente a esposa florentina de Henrique IV, em face da menoridade do delfim, que seria conhecido como Luís XIII (1601-1643), então com quase 9 anos de idade. 3. As figuras de Maria de Médicis e Richelieu


Para a maioria dos historiadores, a regência de Maria de Médicis foi deletéria para os esforços de reconstrução do país promovidos por Henrique IV. Pierre Deyon decreta que a menoridade de Luís XIII deixaria o reino à mercê de “perigos temíveis”, que a rainha regente “não possuía talento algum político” e que, de 1610 a 1634, “a orientação da política exterior da França, oposta àquela que o rei imaginara, deixou o campo livre aos empreendimentos de Madri e de Viena” (DEYON, 1999, p. 415, tradução nossa)11. Para Edward Burns, os anos subsequentes à morte de Henrique IV “foram cheios de incertezas e de confusão até 1624, quando Luiz XIII [...] confiou a direção de seu reino ao cardeal Richelieu” (BURNS, 1957, v. 2, p. 528). Maria de Médicis (1575-1642), com efeito, não se imortalizou nos livros da História por suas virtudes políticas. Seu governo (1610-1617) foi marcado pela forte e danosa influência de um aventureiro italiano, Concino Concini, esposo de sua irmã de leite e camareira Leonora Galigaï, o qual chegou a ser alçado à posição de marechal. Dispensou os serviços de Sully, que tanto contribuíra para o êxito da administração anterior. Enquanto o seu marido fora habilidoso ao lidar com as ambições e maquinações dos nobres, em proveito da afirmação da autoridade real e da recuperação das finanças, Maria tentou conquistar-lhes o apoio à custa de pensões e favores, sacrificando o Tesouro Real. “Era um resto de feudalismo anárquico que se traduzia sobretudo pelo assalto ao tesouro, ajudando a confusão a situação criada aos reformados, de um Estado dentro do Estado, a ponto tal que pensaram em separar-se e formar república”, explica Lima ([1960?], p. 286). Em 1614, pressionada pelos nobres, a rainha regente convocou os Estados gerais, assembleia reunida em tempos de crise como órgão político de consulta e deliberação, constituída de representantes das três ordens sociais ou estados, isto é, o Primeiro Estado (o clero), o Segundo Estado (a nobreza) e o Terceiro Estado (o povo), os quais defenderam interesses antagônicos. O Terceiro Estado se insurgiu contra as pensões concedidas aos nobres, prejudiciais às finanças do reino, e propôs o reconhecimento da autoridade do monarca gaulês como superior à autoridade papal, o que foi recusado tanto pelo clero, quanto pela nobreza. Prevaleceram as manifestações destes últimos. Mas a ideia do absolutismo logo daria vigorosos frutos no solo francês. Permitiu Maria de Médicis o renascimento das tensões adormecidas entre os católicos e os huguenotes, estes temerosos de algum retrocesso quanto aos direitos políticos e de liberdade de consciência sacramentados no Édito de Nantes, em virtude da realidade do catolicismo como religião da maioria da população gaulesa e da regente, da grande influência do núncio apostólico sobre a rainha e dos planos de casamento das crianças reais Luís e Élisabeth, respectivamente com Ana de Habsburgo ou Ana d’Áustria, infanta da Espanha, e Felipe de Habsburgo, Príncipe das Astúrias, futuro Felipe IV de Espanha e Felipe III de Portugal, países integrantes da católica União Ibérica. Todavia, não foi da Rainha-Mãe a ideia de união por casamento das casas reais da França e da Espanha, mas do Papa Clemente VIII, padrinho do delfim, a qual fora estimulada pelo próprio Henrique IV pelo menos até 1609, quando a deterioração das relações com os hispânicos e os Habsburgos o fizera abandonar o projeto e considerar outras opções matrimoniais.12 Luís XIII contraiu núpcias com Ana d’Áustria em 21 de novembro de 1615 e Élisabeth de Bourbon ou de França casou-se com Felipe, herdeiro do cetro ibérico, em 25 do mesmo mês e ano, coroando a política hispanófila de Maria de Médicis. O término oficial da regência aconteceu em 2 de outubro de 1614, com a proclamação da maioridade do rei, porém a rainha, agora na qualidade de chefe do Conselho real, ainda se conservaria no poder até 1617, quando o jovem Luís XIII assumiria de fato o trono em um “golpe de Estado”, ao ordenar a detenção e talvez a morte de Concini, tido como uma espécie de usurpador – o qual foi efetivamente morto por Vitry, capitão dos guardas do rei, aparentemente em decorrência de um gesto interpretado como de resistência à ordem de prisão –, e autorizar o afastamento de sua mãe do governo, por intermédio da ação de

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As asserções do autor na língua original são as seguintes: “De 1610 à 1634, l’orientation de la politique extérieure de la France, opposée à celle que le roi avait imaginée, laissa le champ libre aux entreprises de Madrid et de Vienne. [...] La minorité de Louis XIII, qui avait à peine neuf ans, allait exposer la France à des dangers redoutables. Marie de Médicis ne possédait aucun talent politique, et l’influence qu’elle accorda à quelques membres de son entourage intime, en particulier à Leonora Galigaï et à son mari Concini, discrédita son gouvernement.” 12 Ver Dubost (2009, p. 395).


seu ministro, o Duque de Luynes, seu favorito desde 1614. Ela foi exilada no Castelo de Blois, mas de lá escapou em fevereiro de 1619 e promoveu guerras contra o seu filho, que acabou por perdoá-la. Maria de Médicis ainda voltou a exercer influência na Corte após 1620, sendo a principal responsável pela ascensão do célebre Richelieu na cena política francesa, o qual, graças à interferência da florentina, foi admitido no Conselho do Rei em abril de 1624 e tornou-se chefe do órgão em 13 de agosto do ano em questão. Enquanto esteve próxima ao soberano, armou intrigas contra o seu próprio filho e a esposa deste. Por derradeiro, no ano de 1630, descontente com o crescente antagonismo do seu antigo protegido Richelieu em relação aos Habsburgos, governantes católicos da Espanha e dos Estados austríacos, Maria esforçou-se para que Luís XIII o destituísse de suas funções como primeiro ministro, mas foi ele quem, surpreendentemente, sobrevivendo à journée des Dupes (dia dos Tolos, em 11 de novembro), conseguiu do monarca um novo – e, desta feita, definitivo – afastamento da rainha, a qual, nos anos que se seguiram, apoiou as pretensões de Gastão de Bourbon, Duque de Orléans, também seu filho, ao cetro gaulês, jamais concretizadas, e não cessou de buscar a queda de Richelieu, igualmente sem sucesso, até morrer em Colônia, Alemanha, em 1642. O Cardeal de Richelieu enfrentaria ainda outras conspirações contra si e permaneceria como o braço direito de Luís XIII, denominado o Justo, até o mesmo ano de 1642, quando faleceria, poucos meses depois de sua quase algoz. Entretanto, Jean-François Dubost, em alentada biografia da governante florentina, intitulada Marie de Médicis: la reine dévoilée (2009), insurge-se contra a historiografia que retrata de modo impiedosamente desfavorável a rainha. Doutor em História pela Universidade de Paris 1 (Sorbonne), o professor universitário, estribando-se em uma nova leitura de fontes tradicionais e na análise de novas fontes, e sem desconsiderar as contradições das políticas e estratégias abraçadas pela italiana, defende que ela demonstrou habilidades de inovação para buscar a superação dos problemas inerentes à sua carência de legitimidade para governar a França, que ela tinha um papel a desempenhar como católica devota nas rédeas de uma nação europeia de proa, em meio a um mundo conturbado pelas tensões político-religiosas e pelos interesses dinásticos, e, mormente, que ela buscou respeitar o legado de seu marido Henrique IV, pacificador do reino, e reforçar a visão do poder como algo de base aristocrática, acabando por concorrer para a afirmação das engrenagens do absolutismo, que viria a vitimá-la. Nessa esteira, Dubost, não sem alguma razão, argumenta que a Rainha-Mãe, apesar de tal realidade ser constantemente omitida na historiografia francesa, procurou dar continuação aos projetos marítimos e coloniais de seu esposo, tendo uma atuação significativa na meta de expansão marítima do país: Outro aspecto na ação de Maria de Médicis foi largamente ocultado pela tradição historiográfica: o encorajamento dado às expedições marítimas e coloniais. Lembramo-nos das tentativas que ela conduzira a título pessoal em 1603 e em 1609. Uma vez regente, ela se esforçou aí também para se aproveitar do ímpeto adquirido no reinado precedente, ao sustentar os empreendimentos de promoção do grande comércio marítimo e as expedições coloniais (DUBOST, 2009, p. 381, tradução nossa).13 Lembra o autor, ainda, que Maria não foi responsável pelo desaparecimento de companhias gaulesas de navegação criadas sob o governo de Henrique IV, no período de 1601 a 1604, que eram inspiradas no modelo das Companhias das Índias Orientais inglesa e holandesa, esta a mais famosa, e que, inclusive, ela injetou novo ânimo no projeto, no ano de 1611, ao colocar sob proteção real a companhia dirigida pelo francês Godefroy e pelo flamengo Girard Le Roy, a única a sobreviver à concorrência e hostilidade dos batavos, concedendo-lhe o aumento e a confirmação de seus privilégios por dois anos.

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Este é o texto na língua original: “Un autre aspect dans l’action de Marie de Médicis a été largement occulté par la tradition historiographique: l’encouragement donné aux expéditions maritimes et coloniales. On se souvient des essais qu’elle avait tentés à titre personnel en 1603 et en 1609. Devenue régente, elle s’est efforcée là aussi de poursuivre sur la lancée du règne précédent en soutenant des entreprises promouvant le grand commerce maritime et les expéditions coloniales.”


Dubost até especula se não foi precisamente a demissão do Duque de Sully, refratário aos planos marítimos e coloniais do monarca Henrique IV, que possibilitou o revigoramento desses planos de companhias comerciais. Ademais, o historiador enfatiza que as cartas patentes de 1611 que puseram a indigitada companhia sob salvaguarda real ostentam os traços do mercantilismo clássico14 e que a rainha resolveu pessoalmente promover explorações gaulesas nas costas da África negra e, mais importante para o Brasil, confiou a François de Razilly a expedição da própria França Equinocial, desencadeada em 1612.15 Por seu turno, Charles de la Roncière atesta que o protestante Sully realmente não era um defensor do projeto colonial francês, conquanto feroz adversário da Espanha, tomando como parâmetro uma carta de 1608 redigida pelo ministro: Inimigo encarniçado do rei católico, o huguenote aconselhava atingir a Espanha no coração e nas entranhas, ‘que eu estimo, pelo presente, residirem nas Índias Ocidentais,’ escrevia ele em 26 de fevereiro de 1608 ao presidente Jeannin: nosso papel é de subverter a rude dominação espanhola, sem pretender nada edificar sobre as suas ruínas. Nós não poderíamos ‘conservar tais conquistas, por serem demasiado distanciadas de nós e, por conseguinte, desproporcionadas em relação à natureza e ao cérebro dos franceses, que eu reconheço, para meu grande desgosto, não terem nem a perseverança nem a previdência requeridas para tais coisas, mas que ordinariamente só usam o seu vigor, o seu espírito e a sua coragem para a conservação daquilo que lhes toca bem de perto. As coisas que permanecem separadas de nosso corpo por terras ou mares estrangeiros somente nos serão uma grande carga e de pouca utilidade’ (LA RONCIÈRE, 1910, v. 4, p. 277, tradução nossa).16 Sob outro prisma, é irrefragável que a política da regente de aproximação e valorização dos laços com a Espanha católica, então alegada senhora do Brasil, como resultado da União Ibérica, seria fatal para as pretensões de colonização gaulesa no norte do Brasil, começando pelo Maranhão. 14

“As cartas patentes de 1611 que colocam a companhia sob proteção real contêm todos os aspectos do mercantilismo francês clássico: evitar as saídas de numerário do reino construindo uma frota de comércio francesa, recrutando marujos estrangeiros de experiência comprovada, reunindo os capitais necessários graças aos associados constituintes da companhia comercial. O nãodesenobrecimento, ou possibilidade de não perder a sua qualidade, é garantida aos nobres que investiriam na empresa. O projeto é sustentado pelo almirante da França, Charles de Montmorency-Damville, irmão do condestável. Que, no final das contas, estes apoios tenham sido insuficientes e que os círculos de mercadores franceses não tenham acreditado nessas iniciativas, é incontestável: retomando estes projetos em 1664, Colbert se bate contra o mesmo tipo de resistência. Mas é coisa completamente diferente que afirmar, frequentemente com base nos protestos indignados de um Montchrestien, que a rainha e o seu governo manifestaram um total desinteresse pelos negócios marítimos e coloniais... Totalmente ao contrário, o interesse da rainha por estas questões parece dos mais vivos.” Ibidem, p. 382. (Tradução nossa). Este é o comentário no original: “Les lettres patentes de 1611 qui mettent la compagnie sous protection royale contiennent tous les aspects du mercantilisme français classique: éviter les sorties de numéraire du royaume en construisant une flotte de commerce française, en recrutant des marins étrangers à l’expérience éprouvée, en réunissant les capitaux nécessaires par l’intermédiaire des associés constituant la compagnie commerciale. La non-dérogeance, ou possibilité de ne pas perdre leur qualité, est garantie aux nobles qui investiraient dans l’entreprise. Le projet est soutenu par l’amiral de France, Charles de Montmorency-Damville, frère du connétable. Qu’au bout du compte ces soutiens aient été insuffisants et que les milieux marchands français n’aient pas cru à ces initiatives, c’est incontestable: reprenant ces projets en 1664, Colbert se heurte au même type de résistances. Mais c’est tout autre chose que d’affirmer, souvent sur la foi des protestations indignées d’un Montchrestien, que la reine et son gouvernement ont manifesté un désintérêt total pour les affaires maritimes et coloniales... Tout au contraire, l’intérêt de la reine pour ces questions paraît des plus vifs.” 15 Ibidem, p. 381-383. A expedição, na verdade, também foi liderada por Daniel de la Touche. 16 LA RONCIÈRE. Histoire de la marine française, p. 277. (Tradução nossa). Este é o texto na língua original: “Ennemi acharné du roi catholique, le huguenot conseillait de frapper l’Espagne au cœur et dans les entrailles, ‘que j’estime, pour le présent, résider aux Indes Occidentales,’ écrivait-il le 26 février 1608 au président Jeannin: notre rôle est de bouleverser la rude domination espagnole, sans prétendre rien édifier sur ses ruines. Nous ne pourrions ‘conserver de telles conquestes, comme trop éloignées de nous et, par conséquent, disproportionnées au naturel et à la cervelle des François, que je reconnois, à mon grand regret, n’avoir ni la persévérance ni la prévoyance requises pour telles choses, mais qui ne portent ordinairement leur vigueur, leur esprit et leur courage qu’à la conservation de ce qui leur touche de proche en proche. Les choses qui demeurent séparées de notre corps par des terres ou des mers étrangères, ne nous seront jamais qu’à grande charge et à peu d’utilité.’”


Já Armand-Jean du Plessis, o Cardeal de Richelieu, não obstante os seus métodos nem sempre escrupulosos e não raras vezes cruéis, conduziu a França a um novo patamar no contexto internacional. “Coube-lhe, como ministro onipotente, realizar os principais objetivos da política de Henrique IV”, salienta Lima ([1960?], p. 286). Conforme resume Burns, sua conduta era guiada por dois fins básicos: “primeiro, destruir tôdas as limitações à autoridade de seu senhor; e, segundo, elevar a França à posição de nação mais poderosa da Europa” (BURNS, 1957, v. 2, p. 529). No âmbito interno, a primeira meta o levou a submeter os nobres franceses em geral e a eliminar qualquer perigo maior de insurreição dos protestantes, mediante o emprego de espiões, execuções em massa e ações militares. No plano externo, o segundo escopo o direcionou para a luta contra o poder dos Habsburgos e da Espanha, levada a cabo em guerras onerosas. Por outro lado, fomentou reformas proveitosas nas finanças e na legislação, valorizou o exército e estimulou a educação e a literatura, sendo o fundador da Academia Francesa, modelo de nossa Academia Brasileira de Letras e de tantas outras instituições do gênero. Se os calvinistas se sentiram ameaçados em seus direitos e em sua liberdade de consciência sob a regência de Maria de Médicis, foi sob o governo de Luís XIII que eles vieram a perder, não sem muita luta, a maioria dos direitos e privilégios conquistados durante o reinado de Henrique IV, que lhes possibilitavam praticamente viver em um Estado à parte dentro do Estado gaulês, o que, em última análise, como compreenderia Richelieu, punha em perigo a própria unidade política do reino. Mesmo antes da assunção do cardeal ao posto de primeiro ministro, Luís XIII, via Duque de Luynes, então seu homem forte, reimplantou a religião católica no Béarn em 1620, que foi reunido à Coroa. Os huguenotes, aliados aos ingleses, tiveram proibidas as suas assembleias e perderam as suas praças fortificadas em geral, excluindo-se duas. Ulteriormente, restou aos protestantes a cidade de La Rochelle, sua derradeira place de sûreté (praça de segurança). Mas não por muito tempo: em 1627, Richelieu, o novo ministro todo-poderoso, empreendeu o cerco de La Rochelle, isolando-a por uma linha de fortificações de vários quilômetros e pelo bloqueio de seu acesso por mar, dando-se a sua capitulação incondicional um ano depois. Pelos termos da Paz d’Alès (1629), nome de uma cidade rendida em sequência pelo exército de Luís XIII, os huguenotes puderam preservar as suas garantias civis e religiosas, ou seja, a sua liberdade de credo, contudo deixaram de possuir qualquer praça forte ou fortificação, o que lhes tolheu a capacidade militar, e tiveram suprimido o privilégio das assembleias políticas. Aliás, comenta Oliveira Lima que o cardeal estadista destruiu a importância política do elemento protestante, “pôsto que lhe deixando a franquia do culto: êle próprio conquistou o baluarte de La Rochelle, após um sítio que durou um ano e custou 15.000 vidas, e dominou os huguenotes do Sul, onde era grande sua fôrça” (LIMA, [1960], p. 286). As guerras de religião e as suas marcas e cicatrizes na sociedade gaulesa ao longo da segunda metade do século XVI e do começo do século XVII, refletidas no duradouro antagonismo entre católicos e protestantes, prejudicaram sobremaneira as duas grandes experiências colonizadoras da França no Brasil, desde os acalorados embates teológicos e os fortes desentendimentos entre Villegagnon e os pastores calvinistas na Guanabara, que ressoariam pelos anos avante, até a situação, no mínimo desconfortável, do huguenote Daniel de la Touche como um dos líderes da expedição no Maranhão, majoritariamente, como a anterior, composta por católicos. É o que sustentam Mariz e Provençal (2007, p. 36-38): Por muito tempo, nas regiões leste e sul da França, uma feroz oposição sobreviveu entre as duas facções religiosas, assim como um terrível rancor pelas atrocidades cometidas. Hoje, os cristãos estão reunidos no ecumenismo e é muito difícil imaginar a volta dos perigos ocorridos, dos quais foram vítimas a França Antártica e, mais tarde, embora um pouco menos, a França Equinocial, duas tentativas de colonização que tiveram tudo para consolidar-se. Em 1555, quase todos os emigrantes que chegaram à Guanabara com Villegagnon eram católicos. O único protestante conhecido era Nicolas Barré, homem honesto e fiel secretário de Villegagnon, testemunho imparcial da vida na França Antártica. Entretanto, os poucos anabatistas que se integraram na expedição causaram distúrbios


na colônia; foram os primeiros a desertar e tentaram impor a sua violência no núcleo social. Em 1557, desembarcou na Guanabara um grupo de protestantes, núcleo – segundo Calvino e Coligny – de uma futura emigração de perseguidos religiosos na França. Entre eles, se encontravam 14 pastores, representantes de sete facções de sua religião, cinco donzelas para fins matrimoniais e o depois famoso Jean de Léry; todos chefiados por Pierre Dupont de Corguilleray e Pierre Richer. Eles se opuseram a Villegagnon numa disputa dogmática que provocou o fracasso da França Antártica. Já a iniciativa para a implantação de uma França Equinocial no Maranhão pertenceu aos protestantes Daniel de La Touche de La Ravardière e Charles des Vaux de Sainte Maure, apoiados pelo rei Henrique IV. O financiamento foi obtido graças aos católicos, aos irmãos Razilly e ao banqueiro Harlay de Sancy, que participaram da viagem com quatro capuchinhos. No entanto, em carta particular da rainha Maria de Médicis a La Ravardière antes da partida da expedição, a viúva de Henrique IV impôs a predominância dos católicos e ordenou a volta dos protestantes. [...] La Ravardière era o único dos chefes da expedição francesa de 1612 que adotava a religião reformada e esse fato foi sempre motivo de desconfiança e hostilidade da parte dos católicos e da rainha-regente, contribuindo para o fracasso do empreendimento colonial. Como acontecera no século anterior na Guanabara, embora de uma maneira mais amena, as discussões religiosas motivaram, em parte, a volta à França de François de Razilly e o desinteresse da regente Marie de Médicis e do novo rei, Louis XIII, pelo empreendimento no Maranhão. Não houvesse tantas paixões religiosas, é provável que ambas as implantações coloniais tivessem tido sucesso.17 Em tom afim, La Roncière (1910, v.4, p. 2, tradução nossa) deplora, com ardor poético, os conflitos que tumultuariam a França e afetariam negativamente os seus empreendimentos coloniais: É então que a bela campanha dos armadores normandos em favor da liberdade dos mares deu seus frutos, triunfando ao mesmo tempo sobre a apatia oficial e o ostracismo português. Nossos mapas se enriqueceram com uma França Antártica, uma França Equinocial, uma Nova França, enquanto o Eldorado abria risonhas perspectivas às imaginações em busca de aventuras. Ai! as enganadoras miragens! Nós ainda não havíamos compreendido que marinha de guerra e colônia estão em função uma da outra, que uma nação sem naus é um pássaro sem asas. E nossas colônias caíam sucessivamente por falta de socorro da mãe-pátria. Que digo eu! Elas caíam vítimas de suas dissensões intestinas, que arrancavam de Dominique de Gourgues este grito de desespero: ‘A décima parte dos homens que morreram na menor de nossas guerras civis teria sido bem mais do que suficiente para conquistar a extensão de vários reinos!’ 18

17

Ver também Provençal (2006, p. 49). Tal é o texto no original: “C’est alors que la belle campagne des armateurs normands en faveur de la liberté des mers porta ses fruits, en triomphant à la fois de l’apathie officielle et de l’ostracisme portugais. Nos cartes s’enrichirent d’une France Antarctique, d’une France Équinoxiale, d’une Nouvelle-France, cependant que l’Eldorado ouvrait aux imaginations en quête d’aventures, de riantes perspectives. Hélas! les décevants mirages! Nous n’avions point encore compris que marine de guerre et colonie sont fonction l’une de l’autre, qu’une nation sans vaisseaux est un oiseau sans ailes. Et nos colonies tombaient tour à tour faute d’être secourues par la mère-patrie. Que dis-je! Elles tombaient victimes de ses dissensions intestines, qui arrachaient à Dominique de Gourgues ce cri de désespoir: ‘La dixiesme partie des hommes qui sont mort en la moindre de nos guerres civiles, eust esté trop plus que suffisante pour conquester l’estendue de plusieurs royaumes!’” O teor do presente artigo se baseia no capítulo intitulado “A situação político-religiosa e a política exterior da França no crepúsculo do século XVI e no alvorecer do século XVII”, incluído em Ferro (2014a, p. 159-180); e Ferro (2014b, p. 159-180). 18


4. Últimas considerações Diversos foram os motivos que determinaram o malogro da expansão do protestantismo na França, entre os quais a não adesão dos monarcas gauleses à fé reformada, diferentemente dos soberanos ingleses e dos príncipes alemães; o posicionamento contrário do Parlamento de Paris, detentor da autoridade jurídica, ao movimento da Reforma; a firme e robusta resistência oferecida pelo partido católico; o profundo golpe na causa protestante representado pelo massacre da “Noite de São Bartolomeu”, ceifando a vida de importantes líderes e defensores, assim destruindo a força do movimento, que viu o número de adeptos cair de cinco milhões para somente um milhão no ano de 1598; a não conversão do povo francês e, em especial, do parisiense, à doutrina de Calvino; o fato de que o partido huguenote não se preocupou com a conquista da simpatia do povo às novas ideias, restringindo-se ao esforço de sedução dos nobres, dos intelectuais e dos homens de negócios; e o recurso dos protestantes ao apoio de príncipes estrangeiros, em afronta ao patriotismo do povo.19 As guerras de religião ocorridas na França quinhentista, maior símbolo do persistente antagonismo entre católicos e protestantes, deixaram fundas marcas na sociedade do crepúsculo do século XVI e do alvorecer do século XVII, vindo a prejudicar significativamente as duas grandes experiências colonizadoras dos gauleses no Brasil, ou seja, a França Antártica, no Rio de Janeiro, e a França Equinocial, no Maranhão. REFERÊNCIAS BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. Tradução de Lourival Gomes Machado e Lourdes Santos Machado. 4. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1957. v. 2. Título do original norte-americano: Western Civilizations. DEYON, Pierre. La France baroque, 1589-1661. In: DUBY, Georges Henrique (org.). Histoire de la France des origines à nos jours. Paris: Larousse, 1999. (Collection In Extenso). DUBOST, Jean-François. Marie de Médicis: la reine dévoilée. Paris: Payot & Rivages, 2009. FERRO, Ana Luiza Almeida. 1612: os franceses na Ilha do Maranhão e a fundação de São Luís. Lisboa: Editorial Juruá, 2014a. FERRO, Ana Luiza Almeida. 1612: os papagaios amarelos na Ilha do Maranhão e a fundação de São Luís. Curitiba: Juruá, 2014b. LA RONCIÈRE, Charles de. Histoire de la marine française: en quète d’un empire colonial: Richelieu. Paris: Plon-Nourrit, 1910. v. 4. LIMA, Oliveira. História da civilização. 10. ed. São Paulo: Melhoramentos, [1960?]. MARIZ, Vasco; PROVENÇAL, Lucien. La Ravardière e a França Equinocial: os franceses no Maranhão (1612-1615). Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. PROVENÇAL, Lucien. As guerras de religião da França no século XVI. In: MARIZ, Vasco (Org.). BrasilFrança: relações históricas no período colonial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2006. p. 45-49. (Biblioteca do Exército; Coleção General Benício, 425). THE ECLECTIC MAGAZINE OF FOREIGN LITERATURE, SCIENCE, AND ART. New York: W. H. Bidwell, v. 21, set./dez. 1850.

19

Ver Mariz e Provençal (2007, p. 36); e Provençal (2006, p. 48-49).


ANA LUIZA ALMEIDA FERRO DISCURSO DE RECEPÇÃO À BIBLIOTECÁRIA ALINE CARVALHO DO NASCIMENTO, COMO NOVA SÓCIA EFETIVA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO20 Ana Luiza Almeida Ferro21 Exmo. Sra. Presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, Deputada Iracema Vale, na pessoa de quem saúdo os demais membros dessa Casa do Povo, Exma. Sra. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), Professora Dilercy Aragão Adler, na pessoa de quem saúdo todos os confrades, sócios da Casa de Antônio Lopes, Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Segurança Pública, Senador Flávio Dino, confrade da Academia Maranhense de Letras, Exmo. Sr. Vice-Governador do Estado do Maranhão, Confrade Felipe Costa Camarão, Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça do meu Ministério Público do Estado do Maranhão, Eduardo Jorge Hiluy Nicolau, Exmo. Sr. Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Desembargador Ricardo Duailibe, Ilma. Sra. Aline Carvalho do Nascimento, empossanda na Cadeira nº 43 do IHGM, patroneada por Tasso Fragoso, Exmo. Sr. Sálvio Dino de Castro e Costa Junior, empossando na Cadeira nº 11 do IHGM, patroneada por Sebastião Gomes da Silva Belfort, 20

Proferido no Plenário Nagib Haickel do Palácio Manuel Beckman (Assembleia Legislativa), em São Luís-MA, na data de 23.06.2023. 21 Promotora de Justiça, professora, escritora premiada, historiógrafa, poeta, conferencista internacional, oradora e declamadora, nascida em São Luís-MA. Doutora e mestra em Ciências Penais (UFMG) e pós-doutora em Derechos Humanos (Universidad de Salamanca, Espanha), é Membro de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica, membro da European Society of International Law, do PEN Clube do Brasil, da Academia Brasileira de Filosofia, da Academia Brasileira de Direito, da Academia Maranhense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, entre outras entidades. Detém certificados de proficiência da University of Cambridge (Inglaterra) e diplomas pela Université de Nancy II (França), como o Diplôme supérieur d’études françaises. É docente e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação da ESMP-MA. Escreveu mais de 15 livros, sobretudo jurídicos, historiográficos, de poesia e crônicas, além de numerosos artigos. Tem poemas publicados em inglês e italiano. Foi entrevistada no Programa do Jô, da Rede Globo (2010). Recebeu o Prêmio “Poesia, Prosa e Arti figurative” (Itália, 2014 e 2019), o Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2015 (Ensaio) e a Menção Honrosa do Prêmio Pedro Calmon 2014 (IHGB). É autora do verbete “Anticorrupção” no Dicionário dos Antis, bem como um dos vencedores do concurso “Monólogos históricos para o PEN Clube em tempos de confinamento e reclusão – 2020”.


Exmos. Deputados Júlio Mendonça e Roberto Costa, Estimados professores Nicolau Dino de Castro e Costa Neto e Helena Heluy, na pessoa de quem saúdo todas as mulheres aqui presentes, Digníssimas autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e das diversas carreiras jurídicas, Prezados familiares dos empossandos, Senhoras e senhores, Em Dom Quixote, Miguel de Cervantes se refere à História como émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir, isto é, “êmula do tempo, repositório das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro”. Ela alumia as sombras do passado, move as areias do presente e sopra os ventos do porvir. Ela acompanha o caminhar da humanidade, celebra e varre civilizações e cidades, costumes e tradições, ideias e concepções. Ela devora continuamente fatos e personagens, à maneira de um Cronos mitológico. Nesse cenário, o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM, fundado em 20 de novembro de 1925 por iniciativa de Antônio Lopes da Cunha, primeira instituição de pesquisa por estas plagas, assume, como as instituições congêneres do Brasil e do mundo, o papel de um Zeus moderno, ao provocar o “regurgitamento” desses mesmos fatos e personagens, devolvendo-os à luz do Sol e tirando-os do Tártaro do esquecimento. E é essa Casa de Antônio Lopes, dirigida, com mãos seguras e competentes, pela Profa. Dilercy Aragão Adler, que se aproxima, sob a marcha, ora galopante, ora vagarosa, do tempo, de seu centenário, fato em boa hora lembrado por esta quase bicentenária Casa do Povo, presidida, pela primeira vez, por uma mulher, a Deputada Iracema Vale. Com perspicácia, sustenta o saudoso poeta José Chagas, que o “maior patrimônio é o da memória,/o que fica na mente coletiva,/o que não mais é coisa transitória,/porque o inconsciente faz que viva/e se eternize e seja mais que história”. Sendo assim, nada mais natural do que honrar o maior guardião da memória do Maranhão: o IHGM. Mas esta tarde memorável tem outras razões. Hoje comemoramos o ingresso de dois novos sócios efetivos: a bibliotecária e professora Aline Carvalho do Nascimento e o advogado e professor Sálvio Dino de Castro e Costa Junior, respectivamente na Cadeira nº 43, patroneada por Augusto Tasso Fragoso, e na Cadeira nº 11, patroneada por Sebastião Gomes da Silva Belfort. Se não fora por outro motivo, já seria auspiciosa a circunstância de que hoje falamos de livros e leis, de uma bibliotecária e um advogado. Parodiando a afirmação de Monteiro Lobato de que um “país se faz com homens e livros”, pensamos que um país se faz com leis e livros. Leis, quando emanadas de fonte legítima, sob as bênçãos da Casa do Povo, produzidas em forja democrática, promovem a justiça. “Não há democracia sem Parlamento livre”, aponta o sempre parlamentar José Sarney. Livros, e mais livros, sempre livros, literários ou científicos, breves ou volumosos, físicos ou digitais, testemunhas da saga humana, são bastiões da cultura e do conhecimento humano e instrumentos indispensáveis para a educação solidária e libertadora de que nos fala o saudoso Prof. José Maria Ramos Martins em sua obra Retalhos de uma vida. O IHGM é uma confluência de saberes, reunindo em seus quadros, do passado e do presente, os mais diversos profissionais. Coube-me a honrosa missão, pela qual agradeço desde já, de saudar uma bibliotecária. E por que tal é significativo? Ora, se a igreja é o templo da religião, a biblioteca é o templo do saber. As bibliotecas antecedem os próprios livros e sua história se confunde com o domínio da escrita. Já abrigaram tabletes de argila, rolos de papiros e pergaminhos, até chegarem ao livro propriamente dito. Da mais antiga, a biblioteca do rei Assurbanipal, da Assíria do séc. VII a.C., à mais famosa, a de Alexandria, criada pela dinastia ptolomaica do Egito, a qual, no seu auge, contava com 700 mil volumes de papiros, elas são monumentos ao conhecimento humano. E quem é essa legítima herdeira dos monges copistas da Idade Média? Não bastasse ser Aline, palavra de origem celta, significando “de linhagem nobre, graciosa, atraente”, o que é visível aos olhos, ela também é Carvalho e do Nascimento. Do Carvalho, árvore sagrada para muitos, por sua robustez e grandiosidade, extrai a força com que dirige, com competência e zelo, a Biblioteca Pública Estadual Benedito Leite. Do nascimento em Barras, Piauí, rincão da família da genitora, traz os princípios e valores que lhe foram incutidos, com amor e dedicação, pela mãe Durvalina Carvalho do Nascimento e pelo pai Edmundo Soares do Nascimento, ambos já desaparecidos, do contrário certamente os veríamos na primeira fila deste plenário.


É a caçula da família, pois lhe antecederam na viagem da cegonha Mônica Carvalho do Nascimento e Edmundo Soares do Nascimento Filho, além de Maurélio Carvalho do Nascimento, desafortunadamente falecido em 2017. Entretanto, a cidade maranhense de Codó a viu ser gerada e criada. E São Luís a recebeu aos 14 anos de idade. Principiou seus estudos na Escola Santa Filomena, das Irmãs Missionárias Capuchinhas. A Irmã Anunciata, como boa anunciadora, em suas aulas de redação, estimulou-lhe o amor pela escrita. A iniciação se completou no Colégio Dom Bosco, aquele da rua do Passeio, onde cursou o ensino médio, culminando com o ingresso na Universidade Federal do Maranhão – UFMA pela porta do Curso de Biblioteconomia. Ao estagiar no SESC, foi atraída para a biblioteconomia social e compreendeu que a sua vocação residia na biblioteca pública. Não resistiu ao chamado do magistério. Foi como professora pró-labore da UFMA que conheceu o seu primeiro trabalho, ministrando aulas em diversos cursos sobre métodos e técnicas de pesquisa e estudo bibliográfico. Em sequência, por seis anos, foi professora substituta do Departamento de Biblioteconomia da UFMA, tendo sob sua regência as disciplinas de Materiais Especiais em Bibliotecas e Gestão em Bibliotecas Públicas. Pela via do concurso público, conquistou o seu espaço nos domínios estaduais, passando a integrar o quadro de efetivos da Secretaria de Estado da Cultura, com lotação na Biblioteca Pública Benedito Leite. Foi amor à primeira, à segunda e a perder de vista. Nem a aprovação, pouco tempo depois, em concurso público para bibliotecário da UFMA, que a inseriu na equipe do Núcleo de Bibliotecas da UFMA, com a função de Bibliotecária Chefe do Serviço de Informação Bibliográfica, teve o condão de afastá-la da Biblioteca Pública Benedito Leite. Recorreu à demissão, e a UFMA perdeu uma profissional de escol. Igualmente foi aprovada em concursos para bibliotecário no TRF e no TRT e para escriturário do Banco do Brasil. Além de Diretora da Biblioteca Pública Estadual Benedito Leite, é Coordenadora da Rede de Bibliotecas Faróis do Saber, do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Maranhão. Já lá se vão 30 anos de amor pela Benedito Leite, onde também já desempenhou os cargos de Diretora da Biblioteca Infantil e Juvenil Viriato Corrêa, Diretora Técnica e Coordenadora do Escritório de Direitos Autorais. Na verdade, nenhum setor ou serviço da Benedito Leite lhe é estranho: atendimento, trabalho técnico, difusão cultural e gestão. Ademais, é membra e Instrutora do Comitê Estadual do Programa Nacional de Incentivo à Leitura – PROLER, desde a sua implantação no solo maranhense em 1997, e Representante do Estado do Maranhão no programa de Visitas Internacionais, promovido pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, com o tema “Bibliotecas Públicas Brasileiras e Norte-Americanas”. Aline coordena a Biblioteca Pública Benedito Leite, no programa de Acessibilidade em Bibliotecas Públicas. É membro do Comitê Gestor da Pessoa com Deficiência no Estado do Maranhão. É membro titular do Fórum Permanente do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Estado do Maranhão, bem como organizadora do Catálogo de Jornais Maranhenses do Acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite, publicado em 2007. Foi Conselheira Titular do Conselho Estadual da Mulher, líder dos Sistemas Estaduais de Bibliotecas Públicas da Região Nordeste e membro do Comitê Nacional para Sustentabilidade das Bibliotecas – COALISÃO. Idealizou ou coordenou vários projetos. Já realizou trabalhos de incentivo à leitura em comunidades carentes: Coroadinho, Jaracaty, Quebra Pote, Desterro, Maracujá, Vila Embratel, Coqueiro, Maracanã, Muruaí, Fialho e Igaraú. A intensa atividade como bibliotecária não lhe fez renunciar ao magistério, exercendo o mister em cursos e oficinas de incentivo à leitura e formação de mediadores e leitores, com temas variados: dinâmicas de leitura na escola e na biblioteca, ação cultural na biblioteca, leitura e pesquisa, leitura pela ludicidade, a magia da leitura, organização e dinamização de bibliotecas, ler e brincar com a literatura infantil, leitura e cidadania, acessibilidade em bibliotecas públicas, incentivo à leitura na prática em bibliotecas públicas, entre outros. No campo da pós-graduação, é Especialista em Leitura e Formação de Leitores e em Elaboração de Programas e Projetos. Possui MBA em Gestão Pública. Na seara acadêmica, é membro correspondente da Academia Vargem-Grandense de Letras, da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes e da Academia João Lisboense de Letras. Possui diversos artigos publicados em anais de congresso e na Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, além de crônicas e poemas autorais, ainda não publicados. A escrita é um de seus hobbies, a reclamar a concretude da publicação.


Aline herdou do pai, grande leitor e incentivador da leitura, o amor pelos livros. Já a mãe, sua figura feminina de proa, lhe legou o gosto pela escrita e oratória e a paixão pela música e pela dança. Para um bibliotecário não deve ser fácil escolher um autor referencial. Mas ela me confidenciou que figuram, na sua seleta lista, Bartolomeu Campos de Queirós, Jorge Luís Borges, Cora Coralina, Antonio Cândido e Gonçalves Dias. Inspiram-na ainda as vidas de Maria Aragão e Maria Firmina dos Reis. Mas o grande amor de sua vida tem 24 anos de idade: seu filho Vinícius Nascimento de Azevedo, concludente de Engenharia Mecatrônica na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, torrão de sua família paterna. Se ele houvesse de ter um irmão, seria Edmundo Soares do Nascimento Neto, outro que usufrui de lugar especial no coração de Aline, onde igualmente habitam os irmãos Edmundo Filho e Mônica, os sobrinhos-netos e outros familiares... Contou-me um passarinho que Aline tem lugares secretos para determinados livros, cujo paradeiro nem a família sabe; que ela costuma presentear os sobrinhos-netos com livros, às vezes autografados; que ela já amanhece pensando na Biblioteca Pública Benedito Leite; e que ela pouco sai de casa e que, quando o faz, é geralmente para a Biblioteca, onde passa o dia. O mesmo passarinho contou-me que ela adora maratonar filmes e séries, talvez buscando repetir as emoções proporcionadas pelos livros. Todavia, não a convidem para assistir a filmes de ação ou de terror... Confreira Aline, sois uma guardiã da história das ideias e das gentes, com suas aventuras e desventuras e seus êxitos e insucessos, especialmente os produzidos em solo maranhense. Por isso, sois necessária ao IHGM. O Brasil não pode prescindir de livros, de livrarias, de bibliotecas, do hábito da leitura, de leitores, para a formação de verdadeiros cidadãos. Hoje vivemos uma época de crise, que transborda do rio da Ética e invade as margens da História. Segundo o psicanalista francês Charles Melman, o novo homem privilegia o prazer e a estética em desfavor, respectivamente, do saber e da ética, em um tempo de admirável liberdade, mas infecundo para o pensamento, no qual o excesso se tornou a norma. Esse excesso nem sempre foi adequadamente combatido, como atestam algumas decisões judiciais que cederam à tentação de uma temerária restrição à liberdade de expressão e, mais inquietante, da censura. Na ética kantiana, a vida política é presidida pelo Direito, que é orientado para a compatibilização do exercício externo da liberdade dos cidadãos. A lei universal do Direito encontra síntese na máxima: “age exteriormente (socialmente) de tal modo que o exercício de teu livre-arbítrio possa coexistir com a liberdade dos outros.” No Brasil hodierno, de cuja realidade não escapa o Maranhão, o que percebemos, contudo, é o exercício abusivo da liberdade por uns em detrimento da liberdade de outros, desrespeitados em sua própria dignidade como pessoas, sujeitos de direitos, provocando a contínua deterioração de princípios éticos e dos costumes sociais e políticos. O relativismo levado às últimas consequências, por outro lado, chancela condutas antiéticas, em nome do “jeitinho brasileiro”. O patrimonialismo, o clientelismo político, o assistencialismo sem porta de saída e a espécie de liderança alicerçada na figura do “salvador da pátria” estão impregnados nas práticas incrustadas no meio social. A luta anticorrupção, que parecia ter vingado por estas plagas por um tempo, tem sofrido seguidos retrocessos, na contramão do Direito internacional. Talvez devêssemos indagar, como Carlos Drummond de Andrade: “E agora, José?” E agora, que a eleição passou, que o povo sumiu, que o país rachou? Não há como ignorarmos que, no meio do caminho, tem uma pedra. Ou várias. E talvez devêssemos responder, como Gonçalves Dias: “A vida é combate, / Que os fracos abate, / Que os fortes, os bravos, / Só pode exaltar.” Por isso, Senhoras e Senhores, o Brasil precisa de livros, mais livros, mais leitores, mais educação, mais reflexão. Por isso, Confreira Aline, precisamos de vós. Onde está o fogo que Prometeu roubou aos deuses? No mesmo lugar onde crepita a fogueira ao redor da qual se senta o sábio timbira para cantar os feitos do moço tupi, sob a advertência: “Meninos, eu vi!” Professora e Confreira Aline Carvalho do Nascimento, em nome do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, sede bem-vinda. Vosso pai e vossa mãe vos aplaudem dos planos superiores. Transpondes hoje os umbrais de uma das mais antigas e relevantes instituições do Maranhão, aquela responsável pelo estudo e divulgação da História, da Geografia e das ciências afins relativas ao Brasil e, notadamente, ao Maranhão, assim como pela defesa do patrimônio histórico deste estado. Tomais assento em uma cadeira que tem como patrono um militar, magistrado e escritor, Augusto Tasso Fragoso. Uma confluência de muitos saberes,


portanto. Novos campos esperam a vossa semeadura. Uma vez mais parodiando a frase de Monteiro Lobato, acreditamos que um país também se faz com mulheres e livros. Muito obrigada.


RINALDO DE FERNANDES DIÁLOGOS COM DALTON TREVISAN: JOÃO MATIAS E JOSÉ NERES SÃO CONTISTAS COM TRAÇADOS PRÓPRIOS, MAS DIALOGAM COM O VAMPIRO DE CURITIBA •

RINALDO DE FERNANDES JOÃO PESSOA – PB # EDIÇÃO 282, OUTUBRO DE 2023

Dalton Trevisan, que tem seus melhores contos reunidos em “Antologia Pessoal” O cearense João Matias, no livro Os santos do chão bravo, traz contos substantivos, com temáticas bastante atuais. Eu sou a última, por exemplo, é cirúrgico na abordagem da violência urbana. João Matias elege Cidade Grande como uma mitologia pessoal — é ela o ambiente em que as figuras ficcionais transitam, se confrontam. O regionalismo do autor se desdobra — traz imagens já cristalizadas pelo conto e pelo romance regionalistas tradicionais somadas a situações que são do nosso tempo, de nossas cidades grandes, médias e, mesmo, pequenas, neste mundo globalizado que tende a equiparar os espaços. Em cada conto há essa simbiose de tempos, há essa mescla do arcaico e o contemporâneo. Questões como o mando e sua violência, a condição do trabalhador, os impasses nas relações familiares. Miséria, seca, violência no campo — e tudo tratado com uma ironia que lembra o velho e bom Dalton Trevisan, de quem o autor cearense é um confesso admirador. João Matias é um Dalton voltado para a vida no Nordeste. É impiedoso, como cabe aos bons contistas. Percebo, em relação ao seu livro anterior, que houve um crescimento considerável — no domínio do estilo (mais solidificado), na construção dos personagens, na invenção de enredos, na poeticidade de certas descrições. No primoroso conto Os santos do chão bravo há uma mistura feliz do violento e do profano na ligação entre os padres — e o detalhe, bastante significativo, do raio de sol nos santos é um verdadeiro achado poético e, dentro da trama, um recurso semântico extraordinário. Por sua vez, O gosto ácido da vida, do maranhense José Neres, traz textos compactos ao extremo, com aquilo que está na base do mini e do microconto: flagrar uma situação não raro cruel de conflito humano e deixar que os significados do texto sejam preenchidos pelo leitor. Às vezes ainda há a presença de um instantâneo poético desconcertante, o que dilui a fronteira do miniconto com o poema. E é essa a tônica de boa parte dos


textos de José Neres. Destaco, do conjunto, Consulta (o tema, tão recorrente nos textos do autor, da guerra conjugal, explorada com maestria por Dalton Trevisan), Desconfianças (a ambiguidade do desfecho mexe com a imaginação do leitor), Obediência (novamente o tema trevisaniano do conflito conjugal), Viva (primoroso microconto que insere Eros no centro da vida), Prazer (texto de um hiper-realismo impiedoso), Pensão (que flagra uma infidelidade, mas deixa no subtexto uma sugestão de atroz vingança) e Único (em que o autor sintetiza todo o enredo de um romance num microconto). João Matias e José Neres são contistas com traçados próprios, mas que dialogam em uns tantos pontos com o mestre de muitos Dalton Trevisan.


CARLOS NINA "DE MARIA FIRMINA A MARIA DA PENHA" "No que tange à violência contra a mulher, a Casa da Mulher Brasileira também não surgiu do nada. No Maranhão, movimentos de mulheres que atuavam com destaque nos anos 80, dentre os quais o SOS Violência, contribuíram para a criação da primeira Delegacia Especializada de Defesa da Mulher em São Luís". A defesa da efetiva igualdade de direitos das mulheres tem-se intensificado e ampliado. Diz-se efetiva porque teoricamente já existe há algum tempo, proclamada em declarações, tratados, constituições e outras normas. Antes, não existia nem teoricamente. O direito de votar é um exemplo. No Brasil foi reconhecido às mulheres somente a partir de 1932, pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro: “Art. 2º É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código.” Um dos fatores que estimulou o incremento da luta das mulheres contra a discriminação histórica de que são vítimas no mundo inteiro foi a violência física, decorrente de terem, de um modo geral, compleição mais frágil. A reação a essa circunstância que persiste implacável aqui e alhures é simultânea ao avanço feminino em outras áreas, dentre as quais a do trabalho, ocupando espaços profissionais nos quais o desempenho da mulher, não raro, supera o dos homens. Essas conquistas, vistas por muitos como uma espécie de libertação, têm aberto caminhos para novas gerações, que passaram a usufruir das oportunidades por elas criadas. Alguns dos movimentos feministas têm um discurso agressivo contra os homens, como se travassem uma verdadeira guerra de sexos. Outros, não. Estes, até proclamam a importância dos homens, em relação aos quais reivindicam igualdade de direitos, sem discriminações nem privilégios em razão do sexo de cada um. Recentemente foi lançado no Tribunal de Justiça do Maranhão (28/8/2023), liderado pela desembargadora Sônia Amaral, o Grupo Maria Firmina, composto por magistradas (em atividade e na inatividade na função), visando a viabilizar a participação de mais mulheres no Tribunal. Na trilha dessa reivindicação, o Conselho Nacional de Justiça, mais recentemente (26/9/2023), aprovou a alteração da Resolução CNJ n. 106/2010, à qual foi acrescido o artigo 1º-A, cuja redação prevê: “No acesso aos tribunais de 2º grau que não alcançaram, no tangente aos cargos destinados a pessoas oriundas da carreira da magistratura, a proporção de 40% a 60% por gênero, as vagas pelo critério de merecimento serão preenchidas por intermédio de editais abertos de forma alternada para o recebimento de inscrições mistas, para homens e mulheres, ou exclusivas de mulheres, observadas as políticas de cotas instituídas por este Conselho, até o atingimento de paridade de gênero no respectivo tribunal.” Se o termo paridade não ganhou novo conceito, fica difícil entender como consegui-la, na proporção proposta na norma. Igualmente curioso é constatar, lendo os considerandos da Resolução, que a regra se aplica aos tribunais do 2º grau, mas não se aplica nem mesmo ao próprio CNJ.


Entrando no tema, o magistrado Osmar Gomes, em artigo publicado em O Imparcial (São Luís, 23/24 de setembro de 2023), convida, no título: “Vamos falar de igualdade”. E opina: “Sem pretender qualquer tipo de carona na pauta da paridade de gênero, é preciso discutir, também, como tornar as Cortes de Justiça mais acessíveis para negros, indígenas e portadores de deficiência, por exemplo. Em um país em que as cotas raciais, confirmadas pelo próprio STF, ganharam status de norma, por que as mesmas não podem valer para o âmbito do próprio Judiciário? Penso que as instituições precisam ser reflexos da sociedade e, ainda que exista o ingresso meritório via concurso, sendo assim, é possível equilibrar as representações.” À medida em que as conquistas vão se consolidando, vai-se esquecendo a contribuição de quem fez parte dessa trajetória. A desembargadora Sônia Amaral, no TJMA, foi buscar alguém importante na luta contra as desigualdades e homenageou, no nome do Grupo – Maria Firmina -, uma personagem emblemática, mulher, negra, filha de ex-escrava. Maria Firmina dos Reis, maranhense nascida em São Luís (1825), foi “a primeira romancista brasileira”, em cuja obra, “o homem negro escravizado e, especialmente, a mulher negra quebram a narrativa de subalternidade cultuada pela sociedade escravista e assumem o seu próprio discurso”, verbalizando, através de seus personagens, “as palavras ‘livre’ e ‘liberdade’, quase 30 anos antes da Abolição”, como informa Agenor Gomes em seu livro Maria Firmina dos Reis e o cotidiano da escravidão no Brasil (São Luís, AML, 2022). No que tange à violência contra a mulher, a Casa da Mulher Brasileira também não surgiu do nada. No Maranhão, movimentos de mulheres que atuavam com destaque nos anos 80, dentre os quais o SOS Violência, contribuíram para a criação da primeira Delegacia Especializada de Defesa da Mulher em São Luís. A hoje desembargadora Nelma Sarney, então integrante do Conselho Seccional da OAB-MA e o representando, teve atuante participação nas primeiras discussões sobre a necessidade da criação da Delegacia da Mulher, das quais resultou um documento dirigido ao Secretário de Segurança, com recomendações para o melhor funcionamento da Especializada. O desempenho inicial da Delegacia foi fundamental para sua consolidação, graças à atuação exemplar da primeira Delegada, dra. Daisy Aparecida Gomes Ferreira, e sua adjunta, dra. Rosane Sena e Silva. Para Daisy Aparecida, a Delegacia Especializada cumpria “a função de diminuir o constrangimento que a mulher sofre ao ter que registrar queixa numa delegacia comum para um homem que pode naquele mesmo dia ter cometido um tipo de violência contra sua esposa. Quando isto acontece a mulher de vítima passa a algoz e normalmente é obrigada a conviver com todo tipo de comentário maldoso que lhe intimida numa denúncia posterior.” (Jornal A Ordem, outubro de 1987) Em entrevista ao jornal A Ordem (edição de março/abril de 1988), quando esteve à frente da Delegacia da Mulher, a Delegada Rosane Sena informou que fora “criado também um albergue com alojamento e alimentação para abrigar as mulheres que, sofrendo violências em casa, ficam impossibilitadas de retornar. Elas permanecem no albergue até resolverem o problema ou encontrarem um local para morar.” A Delegada não ficava só na Delegacia. Levava “o trabalho da delegacia até às comunidades, atendendo convites de entidades de bairros para esclarecer qual o papel da delegacia e orientando as mulheres com relação à violência.” Foi, para tanto, decisiva a iniciativa do então deputado estadual Dorian Menezes, ao propor na Assembleia Legislativa do Maranhão projeto para a criação de Delegacias de Defesa da Mulher em São Luís e nas maiores cidades do Estado, como Imperatriz, Bacabal e Caxias. Dorian enfatizou à época que as estatísticas não revelavam a realidade, “porque a maioria dos casos escapa à verificação pela falta de um órgão especializado, conduzido por mulheres, no qual a mulher, livre de constrangimento, possa relatar sua queixa ou apresentar sua denúncia.” (Parlamentar quer uma delegacia da mulher. Notícia no jornal O Estado do Maranhão, 22 de agosto de 1985). De acordo com a notícia, Dorian afirmava que a violência urbana tinha “alcançado insuportáveis níveis e que nessa escalada a mulher, segundo ele, tem sido a mais atingida.” Na legislatura seguinte, à vista de óbices à instalação das Delegacias Especializadas de Defesa da Mulher, aprovadas no Parlamento Estadual, por proposta de Dorian Menezes, a deputada estadual Conceição Andrade apresentou projeto para funcionamento da Delegacia, que, enfim, foi instalada em São Luís, em prédio localizado no início da Rua do Egito, próximo à Avenida Beira-Mar. Hoje se tem a Lei Maria da Penha, surgida exatamente pelo incremento da violência contra a mulher. Essa lei visa a acelerar o atendimento de proteção às mulheres. Para esse fim, é relevante a atuação do Ministério Público, em especial no uso das medidas protetivas de urgência, para a aplicação em defesa de quem realmente


precisa de proteção, bem como a preservação da norma para que não seja usada como meio de vingança por pessoas inescrupulosas, insatisfeitas com seus relacionamentos afetivos. O desvirtuamento no uso da Lei Maria da Penha não é raro. Fenômeno ao qual um eminente magistrado chamou de efeito colateral, expressão que usei para nomear um conto, inspirado em fatos, distinguido pelo TJMA com o 1º lugar no I Concurso Literário Maria Firmina dos Reis, lançado pelo desembargador Lourival Serejo, então presidente da Corte maranhense e atualmente presidente da Academia Maranhense de Letras. O conto integra a Antologia de Textos Premiados – Poemas - Contos – Crônicas daquele concurso, publicada pelo TJMA (http://www.tjma.jus.br/bibliotecas/esmam/obras/303), bem como na Revista da Academia Maranhense de Letras Jurídicas, Ano VIII, edição nº 5, 2020-2022.


NICO BEZERRA LAURA ROSA, A VIOLETA DO CAMPO

Hoje, 1° de outubro, aniversário de 139 anos da professora e poetisa LAURA ROSA. Uma incansável agente cultural do seu tempo, muito atuante na sociedade ludovicense e que mesmo diante das restrições à produção literária feminina, não deixava de publicar seus poemas nos jornais maranhenses, mesmo que usando o codinome VIOLETA DO CAMPO. Sua determinação e ousadia acabou por levá-la a ser a primeira mulher a fazer parte da ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS. Viva Laura Rosa! Que ela seja inspiração para todos nós! Para mim é uma honra fazer parte da Biblioteca Laura Rosa do IEMA Pleno São Luís.


CERES COSTA FERNANDES BRINCADEIRAS DE RODA As brincadeiras de roda, boca de forno, pegador, peixinho de moquém ou passa anel, passa, passa gavião, davam-se à noite na porta de casa. A rua iluminada apenas com a luz que vinha das casas ou pela claridade do luar, quando a lua vinha ajudar, era espaço para as danças de roda e palco para histórias de reis, princesas, condessas, cavaleiros, jovens apaixonados ou de historinhas ingênuas tendo como personagens flores ou animais. Eram horas de tão superior magia que, quando soava a ordem das nossas mães chamando para entrar e dormir, a doce voz materna assemelhava-se quase tão perversa ou maléfica quanto às das bruxas e feiticeiras que povoavam nosso imaginário. Que requinte de maldade era esse que nos tirava o supremo êxtase e nos mandava dormir sem sono? Bom mesmo era quando os adultos faziam roda de cadeiras na calçada, as mães conversando e os pais jogando gamão, assim esqueciam um pouco do nosso horário de recolher. Nas brincadeiras noturnas, ficávamos próximos às portas das casas, aproveitando a luz. Éramos corajosos de mãos dadas, cantando e dançando, quando nos afastávamos um tanto a penumbra era povoada de vultos estranhos e vinham à memória as histórias de assombrações. Eu tinha mais medo do porco gigante, pavoroso agressor das pessoas solitárias nas cercanias da cidade, que de assombrações e bruxas, estes me pareciam seres distantes. Diziam que um barrão comeu uma velhinha que tomava seu banho de cuia em um daqueles precários banheiros de palha fora da casa. Esse porco tornou-se o meu terror. E, diziam, ele atacava de dia, também. Muitas vezes, nas minhas fugidas de casa, pensava no porco. Mas logo afastava o pensamento, não me travava as aventuras. Falava-se, também em curupira, mas isso era ao meio-dia na mata, quando se ouvia o assovio dele; eu não andava na mata. Nem em cemitérios, para ter medo de fantasmas. O negócio era mesmo o porco e, mais tarde, o diabo. O diabo ainda não tinha entrado em cena no universo dos meus medos infantis. Do diabo só tive medo depois que entrei para o colégio de freiras. Em minha casa, ele não tinha realce. Depois, já na adolescência, soube que o porco gigante tinha sido inventado para me segurar em casa. Não gostei nem um pouquinho. Além das cantigas de roda e das brincadeiras muito variadas, tínhamos o que se poderia chamar de pequenas dramatizações. Eu gostava muito de uma tão bela que me fazia triste e que falava de uma condessa e suas filhas, requisitadas pelo rei e levadas por um cavaleiro contra a vontade de sua mãe. Depois, descobri que essa canção faz parte das chamadas Cantigas de Além Mar, canções que vieram da França e da Península


Ibérica e aqui tiveram várias versões. Uma dessas versões chegou até o interior do Maranhão, sendo cantada por crianças que nunca souberam de histórias de cavalaria. Era assim, a Condessa sentava na calçada ao lado das três filhas, e defronte, de pé, o Cavaleiro que as vinha resgatar. Começam a cantar um defronte do outro Cavaleiro dançando – Eu vim aqui que seu rei me manda, falar com vossemecê, das três filhas da condessa, mandai uma pra ele ver (bis) Condessa – Eu não mando minhas filhas, no estado que elas estão, nem por ouro nem por prata, nem pelo sangue do alazão (bis) Cavaleiro dando as costas para a Condessa – Tão alegre que eu vinha, tão triste que me tornei, das três filhas da condessa nenhuma eu levarei. (bis) A Condessa – Volte, volte, Cavaleiro por ser homem de bem, entrai neste convento e escolha qual lhe convém. O Cavaleiro vira-se e entra no “convento”, põe a mão na cabeça de cada uma das três donzelas – Esta me cheira a rosa, esta a manjericão, estáa me dá o cheiro do sangue do alazão. E sai levando a terceira donzela. A litania se repete até a última donzela ser levada Eu ficava a pensar, por que o rei levaria as filhas da Condessa sem a mãe querer? O que teriam as filhas da Condessa pra ficar “no estado que elas estão”, catapora, sarampo, dor de dente? O sangue do alazão valia mais que ouro e prata e podia cheirar melhor que rosa e manjericão? Era uma canção bonita, sim, mas muito estranha. E tinha a da viuvinha que sentava no alto do coqueiro (!) para chorar, “Dizei senhora viúva, com quem quereis se casar, se é com o filho do conde ou com o senhor general, general, general... “Não é com nenhum destes homens, eles não são para mim, eu sou uma pobre viúva, triste, coitada de mim,” Essa tinha outra versão, “Eu sou a viuvinha que veio de Belém, eu quero me casar, mas não acho com quem.” Ora, case comigo que sou seu bem (bis). “ Não é com você, não é com ninguém, é com o menino que eu quero mais bem.” Canção apaixonada era a da Juraci: “ Você gosta de mim, Juraci?/ Eu também de você ,Juraci/ Vou pedir a seu pai, Juraci,/ para casar com você, Juraci./ Se ele disser que sim, Juraci,/ eu vou cuidar dos papéis, Juraci, /se ele disser que não, Juraci,/ eu vou morrer de paixão, Juraci.” Quem seria Juraci? Não tenho a intenção de ir mais fundo, buscar tudo, canções de roda e brincadeiras de minha infância, há trabalhos e pesquisas sobre isto. Mas eu vivi esse tempo mágico e o guardo comigo como um tesouro. Tenho procurado, entre as pessoas na faixa dos cinquenta ou mais, até entre as que passaram a infância nas cidades pequenas, as que se lembram das canções. Quase ninguém as sabe cantar, outros sequer as ouviram. As canções mais lembradas são as cantadas em programas de televisão para crianças do tempo em que os programas infantis não eram somente jogos e desenhos ferozes. E, claro, o conhecidíssimo Pau no Gato, agora no índex dos politicamente incorretos.


LINDA BARROS

O EROTISMO NA OBRA DE ELIANE MORAIS ARAÚJO"

“Não há um ponto dentro de nós, exclusivos, que nos faz ser únicos no mundo da vida”. Eliane Morais A vida escorre pelos dedos com uma velocidade quase imperceptível e é difícil de acompanha-la. E, nessa velocidade, ocorrem também as transformações ou alterações na nossa sociedade, fazendo com que tenhamos (forçosamente) que andar lado a lado com tais mudanças. Mas, o que acontece quando se já está a quilômetros de distância dos chamamos “costumes rotineiros”? E o que acontece também quando rompemos as barreiras do “normal” ou do “ideal”? Possivelmente agregamos à sociedade riquezas e valores culturais que ganhamos de nossos pais ou de outros antepassados e, visivelmente, somos reconhecidos por esses valores culturais que passam de geração a geração. Vamos para a literatura. Sobre quais temas devemos escrever em nossos textos literários? Que linguagem ou vocabulário devemos usar? A quem devemos “agradar”? Bom, escrevemos para “agradar a alguém”. A quem? Temos leitores (ou públicos) específicos? E quando o assunto é tabu? Será que esse mesmo público continuará lendo nossos textos? E em meio a essas escolhas, temos o erotismo, encontrado nas obras Comensais e Rol das Faces, da escritora Eliane Morais Araújo, que aparentemente parece polêmico, no entanto, a autora traz nas referidas obras, essa temática, com muita sutileza, leveza e harmonia, que acaba acolhendo leitores das mais diversas faixas etárias. E em se falando em leitores diversos, temos a seguir a opinião de duas adolescentes, leitoras vorazes, que se dispuseram a opinar sobre o erotismo na literatura: A.C. 15 anos, -“ O erotismo é tido como tabu na literatura desde sua aparição, particularmente, não gosto muito de ler. No entanto, acredito que leria algo mais suave, uma obra em que trouxesse uma linguagem não tão vulgar e nem demasiadamente apelativa. Acredito que essa temática não deveria ser um tabu, pois


tratar essa vertente, dessa forma, só nos leva a mais exageros, entretanto, se fosse assim, onde estaria a literatura com linguagem mais exótica e adulta?” A.R. 15 anos, “O erotismo é bem famoso na literatura desde sua aparição. É, sim, um tema que chama a atenção, principalmente dos jovens de hoje em dia, que mesmo se negando a dizer que não consomem, mas leem, sim, um exemplo clássico disso é a obra “50 Tons de cinza” que fez muito sucesso também entre os jovens. Digo que erotismo depende muito da categoria do livro, pois devido a isso, ele pode ser exagerado e desnecessário dentro do enredo, que às vezes é utilizado somente para prender a atenção do leitor. Particularmente, não gosto e não leio esse tipo de conteúdo, pois não é de meu agrado, mas se, por ventura, eu viesse a ler um livro com esta temática ou sobre esse assunto, seria algo mais subjetivo, com a escrita discreta. Porém, tudo com equilíbrio certo faria de toda a escrita um ótimo livro”. Quando se pensa em tabu, automaticamente o que vem à nossa mente é “o proibido”, de difícil acesso, impraticável pelos bons costumes, algo que fere a moral de uma sociedade. O significado de tabu geralmente se refere a uma “proibição da prática de qualquer atividade social que seja moral, religiosa ou culturalmente reprovável”, mas também pode significar algo que agrida de uma certa forma os padrões sociais. No entanto, isso depende muito da visão e comportamento de cada um, pois, como se sabe, o “imundo ou impuro” muitas vezes está na cabeça de cada um. Eliane Morais Araújo traz esse tema à tona quando estreia na ficção com o romance “Comensais”, em 2014. A autora se debruça sobre o erotismo em sua obra, mas com uma singularidade peculiar, com muita suavidade e leveza, deixando o leitor mais tímido, muito à vontade com o enredo da obra. O amor ardente entre os personagens Fernando e Ly é principal tema do referido romance. Com prefácio do escritor Arquimedes Vale, “Comensais” chega com força às prateleiras não só maranhenses, mas no resto do país e até fora do Brasil. A obra tem enredo narrado em São Luís e em Alcântara e leva o leitor a também conhecer o colorido das paisagens de Portugal. Cultura, gastronomia e costumes são temas que a autora traz fazendo uma espécie de intercâmbio entre Portugal e Brasil. Em uma análise, o escritor José Neres fala que “Comensais é um daqueles livros que levam o leitor a sair de sua realidade e viver em um mundo paralelo espelhado em parte de nossa realidade, mas onde as fantasias, o amor, as dúvidas, as viagens e a realização de sonhos fazem parte da existência de todos, tanto das personagens, quanto dos leitores” “A busca com sucesso, na sua escrita, encontrar as forças essenciais para além dos sentidos que podem mover um homem e uma mulher na busca da felicidade”, disse Sanatiel Pereira ao prefaciar o segundo livro de Elaine Morais Araújo, “Rol das Faces” (2019). Pode-se dizer que sensualidade é a palavra que mais define essa segunda obra da autora. Trazendo também o erótico, mas também com uma leveza estonteante e envolvente. Outra obra de Elaine Morais é “Rol das Faces” que traz a angústia, o desejo e prenúncios de uma personagem (Júlia), atormentada e fascinada por um mundo, um lugar que ainda não conhece, mas sonha desesperadamente em encontrar e se encontrar como pessoa. O país dessa vez é a Itália, lugar que permeia os sonhos da personagem principal. Lá, Júlia vai conhecer Enrico, com quem tem tórridas noites de amor. O leitor mais atento à história e às paisagens talvez nem se dê conta das cenas mais quentes entre os personagens, já que Eliane Morais descreve com muito cuidado e carinho esses momentos e de uma certa forma acaba envolvendo o leitor também. Rol das Faces já recebe o leitor com poesia em suas páginas iniciais: “...Feliz é quem ama sem medo de amar/As lágrimas que falam de amores da alma/carícias do vento quem do Vesúvio, falando em sussurros de tempos antigos/século após século até se encontrar... para verem o amor milenar”. Eliane Morais Araújo é maranhense nascida em Santa Inês. Viveu um bom tempo no Pará, onde teve inspirações nos rios amazônicos. Eliane é escritora, poetisa e romancista. Faz parte da SOBRAMES – Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, é acadêmica imortal correspondente da Academia de Artes de Cabo Frio, Rio de Janeiro. Em 2018 2018 tomou posse na AJEB – Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil - RJ. A autora é participante ativa em congressos nacionais e internacionais e em várias antologias. Sua


primeira obra, “Comensais”, foi lançada internacionalmente em Lisboa e em Viana do Castelo, obra que também se estendeu a outros países de Língua Portuguesa. Com temática tão polêmica como o erotismo, Eliane Morais Araújo alcançou vários prêmios, como o Troféu Categoria Literatura, em Blumenau Santa Catarina. Rendeu-lhe também a Medalha Personalidades 2015, em Cabo Frio/RJ, foi homenageada em Itabira/MG com o Troféu Cecília Meireles – Mulheres Notáveis. Em 2016 recebeu o grau de Oficial, da Ordem do Mérito Coninter Artes – Conselho Internacional dos Acadêmicos de Ciências, Letras e Artes, onde tornou-se imortal por sua grande expressão literária no país. Ainda em 2016, recebeu da ALB a Medalha de Mérito Lítero-Cultural Euclides da Cunha. Entre tantas honrarias recebidas merecidamente, em 2017, a autora de Rol das Faces tomou posse no Núcleo de Artes e Letras de Lisboa. E assim, trazendo à tona essa célebre autora, com tema que pode ou não ser considerado polêmico, só deixa a certeza de que literatura é arte, nas palavras, nos enredos e nas ações dos personagens que nada mais são do que um espelho da realidade, e cabe a cada sociedade fazer discussões para desmistificar tabus e tratálos como temas corriqueiros e muito visíveis em todas as vertentes artísticas, seja nos livros, seja na televisão, seja no cinema; pois cada ser humano possui os seus próprios padrões morais e, por fim, dizer que os tabus existentes em uma cultura podem também não existir em outras. E como ela bem diz, Não gosto de falso puritanismo Minha alma milenar abomina os monstros de roupas quase angelicais Prefiro a nudez dos loucos que desnuda os corpos Deixando a alma com a Com a leveza da paixão E a pureza do amor no Coração. Então, “viva la vida” e solte sua liberdade interior e leia, leia todos os gêneros, para então, poder fazer suas críticas, e sabendo que nem sempre suas escolhas irão dizer quem você é.


ANTONIO AILTON MARUSCHKA DE MELLO E SILVA – “TÁBUA ETRUSCA”

Mostra da poesia intimista do Tábua Etrusca, de Maruschka de Mello e Silva. A poeta, com sua voz sensível, sutil e despretensiosa – sem facilidades – pertence à mesma família melódica e evocativa de uma Cecília Meireles, da angústia e do despedaçamento íntimo de uma Florbela Espanca, e da solenidade semântico-simbólica de uma Emily Dickinson, mas se inscreve em sua voz própria e particular, a qual se deixa reconhecer, quer se leia um poema ou vários, desse livro. E isso é o mais importante num(a) poeta: sua consciência criativa, sua autonomia, sua presença única no poema. Na poesia de Maruschka também paira um traço simbólico-religioso de uma intertextualidade com o universo hebraico/judaico/cristão, mas de evocação quase salmúdica, num Áleph vital que rejeita as errâncias para afirmar a segurança do mundo no qual habita e ao qual constrói. É para a descoberta desses pergaminhos de uma escrita afirmativa, ou dessa tessitura prismática íntima, por vezes dolorosamente construída, que nos sentimos convidados. [Antonio Aílton] NADA TENHO DE ERRANTE quando palavras são repetidas entornam-se todo entendimento nada tenho de errante quero laços minha ferida não mais reclama devoro tua sagrada piedade desejo que tuas palavras se evaporem


PROCURO POR TUDO Em cada secular castigo rejeito sonhos em arredia vigília O azul da lua rouba a noite sem complacência procuro meu quinhão em tuas dádivas procuro por tudo que nunca tive

ÁRVORE Consumida e expulsa eu estava lá afastada de glórias e retardos entreguei o esplendor que mais temo sou árvore em amparo e sementes

QUEM SÃO ESSES? Quem são esses que carregam esperanças nas árvores?

ACEITO O QUE ME FOI DADO Com todas as coisas que existem desejei-te exaltando e entoando poemas a chuva vem a seu tempo para mim haverá lembrança e inquietude do que não tivemos aceito o que me foi dado voltei a mim fui medida e pesada compadecida no desejo vivo e pleno fecho os olhos e abro o silêncio


Maruschka de Mello e Silva mora e trabalha em São Luís (Maranhão). Promotora de Justiça da Capital, escreve desde adolescência, tendo recebido prêmios em Concursos Literários nacionais. Está presente em várias Antologias e tem dois livros publicados: Pedras em Izkhor (editora Scortecci, 2010) e Tábua Etrusca (Viegas Editora, 2022).


ALEXANDRE MAIA LAGO


OSMAR GOMES

HOMEM, NÃO BATA! HOMEM, NÃO MATE! Continuamos a assistir estupefatos os casos de violência contra a mulher e feminicídios, os quais crescem de forma astronômica. Não se trata de demanda reprimida, de melhor investigação ou de um melhor aparato da rede de proteção hoje existente. Trata-se, de fato, da ainda predominante cultura machista arraigada em nosso âmago, de todos nós, homens. Grite, denuncie, disque, converse, peça ajuda, procure uma delegacia. Isso também não basta, sabemos, e, na minha modesta visão, as mulheres estão bem conscientes de seus direitos. Entretanto, muitas vezes por situações diversas e adversas não têm atitudes, coragem de denunciar, por medo, dependência financeira e ameaças, muitas vezes cumpridas por seus algozes. Nesse sentido, não adianta tão somente as campanhas que têm como foco apenas as mulheres. Faz-se necessário colocar na pauta do debate, das campanhas os homens também. Por isso, a pretensão deste breve ensaio semanal não é direcionada às mulheres, mas aos homens. Especialmente aqueles que se autodefinem como “machos”, porém suas atitudes cotidianas não passam de covardes, escondidos sob a casca do patriarcado cultural. Dados do 17° Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que foram registrados aumentos nos indicadores de violência contra a mulher no ano de 2022. Os homicídios alcançaram a marca de 1.437 ocorrências policiais com registros oficiais. Nunca se matou tanto pelo simples fato da vítima ser mulher. E esses números poderiam ser ainda maiores, dado a elevação de 17%, em relação a 2021, nas tentativas de assassinato. Também cresceu o assédio sexual (49,7%) e importunação sexual (37%), crimes vinculados a uma cultura de objetificação da mulher. Além do aumento no registro de agressões e de ameaças. Na linha de frente do cometimento desses crimes estão quem? A resposta é uma, apenas: o homem. Daí porque as campanhas e ações preventivas precisam ter seu foco redirecionado. Lembro-me de uma campanha do Tribunal de Justiça, realizada na Expoema 2011, que dizia: Sou Homem, digo não à violência contra a mulher. Exatamente nesses termos e que me despertou atenção pela forma que foi realizada. A campanha foi direcionada ao Homem, agora com “H” maiúsculo, visando alcançar toda virilidade do sexo masculino, para despertar a consciência de que Homem que é Homem não violenta a mulher, mas a respeita como igual. Precisamos de mais iniciativas como estas. A sociedade precisa discutir na perspectiva também do agressor, entender as razões das agressões, por mais fúteis que sejam, e falar diretamente aos seus ouvidos. Mulheres não são vítimas de feminicídio por uma fatalidade, um raio que corta o céu ou um acidente de carro. São vítimas da arrogância, do preconceito, da misoginia, da pequenez, da covardia. Tudo isso em um ser chamado homem. Assim sendo, é importante que se diga, em alto e bom som: homem, não ofenda; não bata; não violente; não maltrate; não mate. Se és tu um Homem, respeite todas as mulheres. Ame-as e cuide!


JOAQUIM HAICKEL A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 35 ANOS DEPOIS Joaquim Haickel • sábado, 07 de outubro de 2023

Depois de 20 meses de trabalho intenso de deputados e senadores constituintes, na tarde do dia 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil. Em um discurso empolgante, Ulisses Guimarães conclamava toda a nação a honrar e defender a nossa constituição e os princípios humanitários, sociais e democráticos que ela trazia como base. Aqueles foram meses de muito trabalho. Eu era o quarto mais jovem constituinte brasileiro. Mais jovens que eu, Aécio Neves, Rita Camata e Cássio Cunha Lima. Depois da Constituinte, o primeiro e o terceiro, citados


acima, tiveram extensas carreiras políticas, chegando aos governos de seus estados e ao senado federal. A segunda foi candidata a vice-presidente em uma dessas eleições. Quanto a mim, voltei para o Maranhão, comandei algumas secretarias de Estado e novamente deputado estadual, até resolver que a política formal, com mandato eletivo não fazia mais sentido para mim. Tenho orgulho de ter participado daquele momento importante da história de nosso país, mesmo sendo eu apenas um mero figurante, que na época tinha pouco em idade (26 anos) e menos ainda em experiência, mas hoje, passados 35 anos, vejo melhor, tanto os acertos quanto os equívocos que cometemos e confesso que me preocupo muito com a forma com que nossa Carta Magna está sendo usada. Muitos de nossos acertos estão nos artigos 5º e 6º de CF, pois ali estão os direitos e garantias institucionais e sociais das pessoas. Ali estão também parte dos nossos equívocos ou esquecimentos, pois não estabelecemos de forma proporcional os deveres que deveriam advir e respaldar os direitos que estavam sendo garantidos. Apenas como curiosidade, sobre um de nossos equívocos mais gritantes, lembro que no preâmbulo da CF, não há alusão a nenhuma espécie de dever que os cidadãos submetidos a ela devam ter, apenas estabelecemos direitos. Estávamos cegos! Cegados pelo medo do retrocesso democrático, que nos rondava. Parecido com o que estamos vivendo agora. Lembro a quem possa não ligar bem as coisas, que estávamos saindo de 21 anos de estado de exceção, aquilo que uns chamavam de Revolução e outros de Ditadura Militar, o certo é que era um regime onde as liberdades e os direitos não eram plenamente respeitados, por isso o medo que todos tínhamos de um retrocesso institucional. Lembro também que um ano depois de promulgarmos nossa Constituição, a derrubada de um muro mudou toda a configuração geopolítica do mundo. Nós, de certa forma nos antecipamos a essa mudança, e por isso agimos de forma precipitada em alguns aspectos. Por outro lado, é sempre importante que se diga e não deixemos que ninguém se esqueça, que uma constituição não é uma carta POLÍTICA, naquilo que essa palavra tem de mais pejorativo! Ela é súmula jurídica que deve reger o funcionamento de todos os mecanismos e instituições de um país. Olhando em retrospecto, vejo que passados 35 anos, constatamos que o trabalho que realizamos foi quase que completamente desfigurado, em parte por culpa nossa mesmo, em parte pelo uso errado e pela má interpretação dos dispositivos contidos nesta lei que deveria nortear a vida de nosso país. Algo urgente precisa ser feito para remediar isso, pois o medo é um campo fértil para a tirania!


MHARIO LINCOLN JOÃO BATISTA DO LAGO: UM MERGULHO NA ALQUÍMICA ÁGUA SURREALISTA DO ITAPECURU, EM BUSCA DA ESSÊNCIA DE GOETHE, BAUMAN E WERNER JAEGER Esse cara, no meu bestunto, é uma das mais ricas vozes vivas da poesia brasileira. Porque João Batista do Lago é um poeta maranhense com solstícios constantes de Brasil. Ele emerge da sua caverna platônica em busca do ontem renovado, agregando, de forma esplendidamente moderna, as experiências das sombras de sua vida. Ele não morre. Mas mata a angústia e a solidão, com a frieza de uma caneta que escreve com o suor de sua imaginação, enquanto usa a linguagem jâmbica. Há dentro dele uma coleção de Dante's, há Infernos e Céus que se confundem com o Olimpo, cheio de confusos deuses; quem sabe, com zunidos gravídicos para além do Deus de Spinoza. João Batista, enquanto poeta, é; a sua poesia, é! E em sendo, vira mito, Touro Encantado nos Lençóis Maranhenses. Desta forma, corro um risco imenso tentando penetrar nas entranhas desse João - um Muro de Jericó, quase intransponível - com os portões da alma muito bem fechados, a fim de que hipócritas não consigam entrar. Porém, em meu auto niilismo, vou usar as trombetas da coragem e enfrentarei (mesmo sendo o último mensageiro inorgânico), esse desafio. Destarte, enfileiro os poemas enviados por ele em ordem aleatória e vou mergulhar nesse infinitório agregado de Goethe, Heidegger, Leo Strauss, Habermas, Ludwig Wittgenstein, Hannah Arendt, Maurice Blondel, Emmanuel Levinas, Zygmunt Bauman, Edmund Husserl, Henri Bergson... Nem necessário falar que quando se trata de João Batista Gomes do Lago, "o gozo é mais embaixo", como me disse certa vez o poeta Manoel Serrão da Silveira Lacerda um amigo comum, ao se referir que a gente precisa mergulhar mais fundo na poética de JB do Lago, para entendê-la, como também, por osmose, tentei fazer com Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Pitágoras de Samos, Xenófanes de Cólofon, Parmênides de Eleia, James Lovelock... Com tanta bagagem, Serrão me confidenciou sobre o poeta dos Itapecurus: "Feito dor./ Feito verbo./ Feito carne./ Feito nós infestos de agruras abstêmias,/ Idem inglórios epítetos insultuosos". Então lancei minha rede ao mar e recorri aos salvadores citados acima, tateando com a vara bussólica, a fim de iluminar meu caminho de linotipista, para interpretar os versos de João Batista. Com "Paideia: A formação do homem grego", do imortalíssimo Werner Jaeger, senti-me suficientemente preparado para vociferar: "Eu posso, eu vou fazer!". Não sei se acertei nessa minha tentativa. Assim, fiz-me polígrafo para entender as entranhas imaginárias do poeta João Batista do Lago, batizado que foi nas águas surrealistas do rio Itapecuru.


EXCERTOS POEMÁTICOS SER De João Batista do Lago “Não! Eu não nasci dos meus pais.” ― Sou filho do complexo nada; do Caos mais que perfeito. O poema “SER” de João Batista do Lago é uma exploração profunda da identidade e existência humanas. Ele desafia a noção convencional de nascimento e ancestralidade, proclamando-se como “filho do complexo nada; do Caos mais que perfeito”. Corajosamente indo aonde poucos poemas e pensadores do século XX foram, JB desafia a noção convencional de nascimento e existência, propondo que somos filhos do “complexo nada; do Caos mais que perfeito”. Imediatamente chamei à mesa o filósofo Jean-Paul Sartre, para compactuar essa 'matrix batista' com o que o francês afirmou: “a existência precede a essência”. Segundo Sartre, primeiro existimos e só então definimos quem somos, através de nossas ações e escolhas. Desta forma, Lago parece sugerir que não somos meramente produtos de nossos pais biológicos, mas sim seres complexos moldados pelo caos existencial, fato que me levou a considerar a possibilidade de que nossa verdadeira origem esteja além da biologia: no reino metafísico do “nada” e do “caos”. Aterrorizante? Nem tanto para quem estudou Theodore Adorno, sociólogo alemão, que abordou o conceito de 'Caos' de diferentes maneiras. Em uma delas, "(...) as palavras são pequenas formas no maravilhoso caos que é o mundo; formas que focalizam e prendem ideias, que afiam os pensamentos, que conseguem pintar aquarelas de percepção". As ideias de Lago e Adorno parecem xifópagos quando há sensibilidade única de entender o ‘caos’ como algo comum ao Mundo e a quaisquer que sejam as experiências humanas. ****** ESPELHO FRAGMENTADO De João Batista do Lago Quem sou eu!? Que lugar é este!? (...) Eu não consigo lembrar… Tudo está muito fragmentado… Meus pensamentos estão todos quebrados...” Passei algumas boas horas tentando escrever algo que me parecesse coerente ao todo (fragmentado aqui) desse poema entranhesco - “Espelho Fragmentado”, de João Batista do Lago. Ao princípio se fez dúvida se eu escrevia o que estava sentindo. Depois se fez verbo quando chamei para a mesma mesa Albert Camus - o conceito do absurdo. Sim, seria absurdo a ideia de que a vida é inerentemente sem sentido e que qualquer tentativa de encontrar ordem ou propósito é em vão? A confusão se apossou de minha pena, da mesma forma que o ‘eu poético’ construiu esse poema, especialmente quando li: “Não, eu não tenho esses rostos; esses rostos que estou vendo não são meus!”. Seria uma forma lírica de expressar, o autor, sensações de desconexão e confusão? Ou o 'eu lírico' passou a questionar, durante a feitura da escrita, a (frágil) identidade do autor (“Quem sou eu!?”) e do seu ambiente real (“Que lugar é este!?”)? A imagem do “espelho fragmentado” pode ser um símbolo da identidade fragmentada do 'eu lírico' de João Batista, que não consegue reconhecer a si mesmo ou entender seu lugar no mundo? No fundo, um excepcional uso da liberdade poética. ****** SONETO DO FIM De João Batista do Lago De tudo que há na vida A morte sempre será


Única certeza vívida Que por certo findará (...) No útero da terra mãe Finalmente retornados Ao eterno peito das mães Entre certezas e incertezas, “Soneto do Fim” de João Batista do Lago me força a trazer à mesa o existencialista Martin Heidegger, um dos grandes pensadores do século XX. Foi exatamente ele que argumentou se a consciência da morte é fundamental para a compreensão da existência humana. E respondeu: "(...) ao nos confrontarmos com a morte, somos levados a questionar o significado e o propósito de nossas vidas (...)". Então, se todos nós sustentamos que somos radicalmente livres e responsáveis por dar sentido as nossas vidas, por que nos deixamos influenciar pela certeza da morte? A resposta do próprio João Batista é intrigante, mas maravilhosa: “útero da terra mãe”, sugerindo um retorno à natureza após a morte, uma ideia que tem paralelos com muitas crenças espirituais e filosóficas. Entra aqui, de forma genial, o inglês James Lovelock, o primeiro a propor uma forma científica da palavra 'Gaia', cuja máxima seria o conceito de homeostase biológica, onde os seres vivos são 'sistemas reguladores do Planeta' e assim, estão sempre vivos, mesmo que em constantes mudanças e transformação. Daí, minha ideia do 'pós-mortem-húmus', nas subliminares do poema. ***** VELÓRIO De João Batista do Lago No meio da sala velo minh’alma Que me olha com dentes escancarados Abrigada nos quatro cantos do mundo Donde sorri das minhas dores E qual punhal que sangra ventos Rasga o meu profundo nada (...) No meio da sala velo minh’alma que aos poucos se afasta… E de mim voa. Confesso meu bestunto ao revelar aqui que foi nesse poema de JB que pela primeira vez consegui visualizar, efetivamente, o desencarne de um 'eu lírico', do corpo físico do poeta. Isso acontece em “Velório”. Mais uma vez, o autor se vê em encruzilhadas existenciais quando tenta lidar com temas de morte, perda e a natureza efêmera. Aí, como disse acima, vi o 'eu lírico' pairando sobre o corpo e velando sua própria representação física. Há claríssima desconexão entre o corpo e o 'sujeito lírico'. Na doutrina espírita, Alan Kardec diria: "o cordão fluídico, que liga o corpo físico ao perispírito, estaria rompido". Zygmunt Bauman, a quem convido agora para a mesa, também falou extensivamente sobre a modernidade líquida ou, "um tempo caracterizado pela transitoriedade e pela incerteza". Destarte, ouso-me afirmar, no contexto dos versos batistas, serem esses, expressões de máxima ansiedade e incerteza. Fato também não tão desastroso, pois acompanham nossas vidas neste Mundo em constantes mudanças. Finalmente, peço a opinião de Arthur Schopenhauer, aqui do meu lado, sobre o seguinte verso: “No meio da sala velo minh’alma que aos poucos se afasta…”. E ele, imediatamente responde: "(...) pode ser visto como um momento de percepção aguda da natureza dolorosa da vontade. A alma, ou a vontade individual, está se afastando, talvez sugerindo um desejo de escapar do sofrimento inerente à existência". Em tempo: Schopenhauer também foi influenciado pelas filosofias orientais e acreditava na possibilidade de negação ou renúncia à vontade como um caminho para a libertação do sofrimento. Assim, na carona, e conhecendo muito bem meu amigo João Batista como o conheço, acredito que esses versos (metáfora) estejam ligados diretamente à crescente desigualdade e alienação na sociedade moderna.


DA MORTE DE DEUS De João Batista do Lago “Deus está morto” gritou o poeta. Verberou o louco. Assim falou Zaratustra. (...) Contudo, ninguém lhes emprestaram ouvidos; todos imersos estavam em seus afazeres. E todos zombaram do velho filósofo: uns sorriram; outros, pilhérias disseram; uns meneavam a cabeça em plena gozação, outros acreditavam que ouviam um louco, que teimava em insistir no seu axioma: “Deus está morto!”. Meu caro amigo João Batista do Lago. Até agora não havia lhe respondido essa correspondência porque mergulhei em dias constantes, a fim de tentar entender o que está aí escrito. Óbvio que eu começaria com 'Zaratustra'. Mas não! Quis ir um pouco além da margem cálida do rio Itapecuru. Por isso me aventurei mergulhar nas profundezas da mente de quem ora leio e sempre admirei. Para isso, tive que convidar para se sentar ao meu lado o magnífico Slavoj Žižek, esse filósofo esloveno que se envolveu muito com as ideias de Nietzsche. Ou seja, alguém que - com certeza - segue a mesma linha de pensamento expresso por JB, nesse poema: a proclamação de Friedrich Nietzsche “Deus está morto”! Slavoj Žižek, em um ensaio, publicado na internet, por sua vez, falava sobre as críticas feitas ao proclamo de Nietzsche - "Deus está morto" - com indiferenças e zombarias. Žižek respondeu a essas críticas argumentando que “(...) vivemos em uma era pós-ideológica, onde as grandes narrativas ou sistemas de crenças (como a ideia de Deus) não têm mais o poder que costumavam ter”. E complementa: "(...) essa indiferença, invés de nos libertar, nos aprisiona mais do que nunca aos sistemas de poder e controle que são ainda mais difíceis de perceber e resistir porque eles são apresentados como ‘naturais’ (...)”. Consciente, JB alerta através desses belos versos acima, algumas vezes incompreendidos. Contudo, mesmo que grite no deserto, seus versos sempre serão como as pedras sonoras, assentadas nas grandes e solitárias paredes das igrejas antigas, onde qualquer ruído, produz reverberação constante, servindo de trilha sonora para o ato de expulsar demônios ou anjos, dependendo da linguagem almática de cada privilegiado leitor. A mim, caro poeta, esses versos me fizeram um bem danado!


NAURO MACHADO NO CHÃO DAS OLIMPÍADAS – Texto de Nauro Machado sobre Antonio Aílton *Este texto, que fala por si, foi escrito pelo poeta Nauro Machado em janeiro de 2009, por ocasião de divulgação do livro Os dias perambulados & outros tOrtos girassóis, de Antonio Aílton, lançado em São Luís naquele ano. Talvez haja algumas notas inquietantes no texto, que podem suscitar considerações interessantes. No final, trata-se de um diálogo entre poetas que se respeitam, e de um privilégio que é receber a atenção de um poeta da estatura do autor de O Parto. NO CHÃO DAS OLIMPÍADAS

Antonio Aílton, nome pertencente à mais jovem e forte geração de poetas maranhenses, surgida após a do “movimento antroponáutico”, cuja bandeira foi tirada de um poema tribuziano, vem de lançar em Recife seu premiado livro Os dias perambulados & outros tOrtos girassóis.


Dono de um incontestável talento e de uma atilada visão crítica, indispensável à feitura de um verso sustentado pela inteligência, através daquela sensibilidade que, de acordo com Pessoa, está “pensando”, ou sendo receptivamente “pensada”, como no caso quase único e específico do autor de Tabacaria, Antonio Aílton usa, nos seus melhores momentos, dos pressupostos verbais utilizados pela austeridade que domina quase universalmente os poetas de hoje. Sem usar contudo do baixo estilo, na prosa por ele buscada, Aílton consegue, em momentos privilegiados, alcançar inteligentemente a transferência da emoção para o seu correlato-objetivo, conforme feito superiormente por Eliot. Sob outro aspecto, ele é também um leitor atento, e não pastichoso, do Ponge a tomar o “partido das coisas”, embora fazendo nelas incutir a quase socialização do seu olhar humano. Não é à-toa que no melhor poema do livro, Imagine se ponge vem beber na Praia Grande – uma pequena obraprima que haverá de repetir-se em muitos outros – e no poema Casa das Tulhas, Aílton que, antes, em Pequena carta ao poeta trágico, já dissera: “os que vão morrer/ te saúdam”, refere-se a “ícones”, hoje quase levados pelo vento que varre tudo, vendo-se corroborado pelo poeta e ensaísta Ricardo Leão, no prefácio deste seu livro: “Depois do quarteto formado por Nauro, Gullar, Tribuzi e Chagas (…) tornou-se intolerável prosseguir sendo apenas um mero versejador sem grandes pendores”, finalizando o prefácio com uma saudação a Aílton: “Os que serão esquecidos te saúdam”. Espero, sinceramente, que os novos poetas maranhenses, sobretudo os de alto valor como Antonio Aílton e o próprio Ricardo, se distanciem, rumando para mais longe, para além daqueles quatro citados por Ricardo Leão. *Segue também um bilhete de Arlete Nogueira, escrito e entregue naquele mesmo momento: São Luís, 5 de janeiro de 2009 “Meu caro poeta Antonio Aílton: É evidente a qualidade poética deste seu Os dias perambulado & outros tOrtos girassóis, pelo qual você se firma como poeta de forma inquestionável na atual fase da poesia maranhense. Poemas que se conformam dentro de certo rigor estilístico, mantendo-se fiéis à proposta crítica, aos cenários e coisas que perturbam seu olhar atento. (…)

Detalhe da capa de Os dias perambulados… Palmas para você, que se revela um observador inteligente, exercendo através de um tipo de flânerie, como bem lembrou Ricardo Leão, uma crítica causticante e certeira ao que lhe machuca e também fere a bendita e necessária sensibilidade. Parabéns, você é um grande poeta!” Arlete Nogueira da Cruz [Autora de Compasso Binário e A litania da Velha]


EDMILSON SANCHES ACREDITE (PREFÁCIO AO LIVRO “ACREDITE – SEJA PROTAGONISTA DA SUA HISTÓRIA”, DE LUIZA ROCHA QUEIROGA, IMPERATRIZ – MA, 2022)

O livro “Acredite”, de Luiza Rocha Queiroga.. Imagem: Edmilson Sanches. Não há coisa mais excelente, nem mais bela, do que marido e mulher governarem a casa em perfeita concordância de intenções; os inimigos roem-se de inveja, os amigos exultam de prazer, e, mais que tudo, indizível é a satisfação que os esposos sentem!” (Odisseia, VI. Homero, século 9 antes de Cristo.) Se ainda não se tem certeza da existência real, histórica, de um poeta chamado Homero, se ele nasceu grego ou babilônio, ítaco ou jônio, das obras em seu nome – como a Ilíada e a Odisseia — tem-se-nas como muito bem estabelecidas. Por exemplo, as palavras da Odisseia, acima, decorridos quase três mil anos, ainda mantêm seu verdor, viço, vigor. Devem ter se referido a situações de há trinta séculos da mesma forma como parece está servindo para algumas passagens marcantes deste livro de Luiza Rocha Queiroga – Acredite!. Leiam-se, logo no capítulo 2, os trechos abaixo, e, se retirássemos o nome de Homero do excerto acima, pareceria que o comentário se refere a estas passagens descritas por Luiza: “Na casa dos meus pais, desde a divisão de tarefas, do cuidado com os filhos, do respeito um pelo outro e, acima de tudo, a cumplicidade e a comunicação prevaleciam a todo momento. Bastava um olhar, ou, ao menor sinal, meu pai já estava pronto para manter o bem-estar da minha mãe.” […]


“É difícil encontrar um homem nascido em 1905 que colabora em todas as tarefas da casa, e quando eram convidados para alguma festa, se não tinham com quem deixar os filhos, se revezavam. Uma vez ele ia, outra vez ficava. Meu pai entendia que minha mãe tinha o mesmo espaço e direitos que ele.” Acredite: Homero encontrou, consoante e escritinho, um exemplo para seu escrito. A empoderada Dª Moça e o ponderado Seu Chico Rocha, pais de Luiza Queiroga, nasceram um para o outro e ambos, com sua oikonomía, a administração da casa, “nasceram” para uma Odisseia. Aliás, como se diz, abaixo de Deus, é para os pais que Luiza devota e demonstra imensa gratidão: “O que acontece quando você nasce de um casal que viveu por cinquenta e dois anos – mais de meio século – o amor ágape, aquele que se doa, que é incondicional e que se entrega?” (Capítulo 2); “[…] quero agradecer, mil vezes, aos meus pais […]” (Capítulo 4); “Quanta gratidão aos meus pais eu carrego comigo […]” (Capítulo 6); “Nossos pais serão eternamente a nossa referência de vida” (Capítulo 8) * Histórias de vida sempre despertaram interesse, a partir do natural e humano desejo de saber algo sobre a existência alheia. Assim, vidas de santos e bandidos, de heróis e traidores, artistas e doutores e uma infinidade de gentes mais encheram cinemas, lotaram teatros e esgotaram tiragens de livros. Mas, embora não haja estatísticas recentes (desconheço mesmo números anteriores), imagino ser óbvio que livros têm sido dedicados muito mais a contar histórias de homens do que de mulheres. Tenho a impressão de ser muito desigual, desproporcional, a quantidade de livros de/sobre homens em relação aos livros de/sobre mulheres. (Pesquisadores bibliográficos ficam devendo a confirmação desta certeza impressionista). Se já são em número inferior os livros biográficos sobre mulheres, menos ainda são os livros autobiográficos. Com efeito, no geral, em termos de preferência pelo masculino, ocorre na indústria livreira o que corre na sabedoria popular: as mulheres, mesmo as grandes, eram para ficar antes, por detrás dos (grandes) homens — “atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher” (não é o que repetem por aí?). Mas, ora, ora, toda vida importa… E a mulher, que dá vida ao homem, parecia estar por este ofuscada — senão deliberadamente excluída — em seu papel maternal, laboral, social, cultural e coisa e tal. Ter sua história passada a limpo em papel, nem pensar! Escrever a própria história, pior! Então chegou – há muito — a vez de a mulher contar ou escrever sua própria história. Pois como as mulheres, portadoras e nutridoras de homens, poderiam ficar invisíveis para uma História que não existiria sem elas? Como já escrevi: Uma coisa é você ter história; outra, é a História ter você. Desse modo, dando depoimento, fazendo relato, relatando testemunho(s), ou escrevendo e organizando do seu jeito o que lhe vem ou vier à mente, a mulher não se sujeita às histórias e, na expressão marxista, torna-se ela própria sujeito da História, e da sua história – sujeito e predicado, substantivo e numeral, artigo e adjetivo, verbo e advérbio, conjunção e interjeição, e também pronome e prenome, preposição e proposição… Com seus livros autorais, a mulher sai da “sombra” e (se) declara e aclara, aclara e enriquece o registro dos tempos. Escrevendo e descrevendo(-se), a mulher traz vivência, testemunho, e, que nem seus iguais masculinos, também agrega ao texto autoridade e alteridade, pessoalidade e proximidade, vitalidade e verossimilidade. Assim, no Brasil e em todo o mundo, um novo alfabeto editorial, um grande e consistente ABC literário e histórico veio se formando e vem-se firmando, entre biografias e autobiografias: o “A” traz, por exemplo, Agatha Christie, Angela Davis, Anita Malfatti e Anne Frank e seu diário; o “B”, Björk, a cantora e compositora islandesa, e Brigitte Bardot; o “C”, Carmen Miranda, Carolina Maria de Jesus e Clarice Lispector; o “D”, Diana, a princesa inglesa; o “E”, Eliane Brum; o “F”, Frida Kahlo; o “G”, Gisele Bündchen; o “H”, Helen Keller e Hillary Clinton; o “I”, Isabel Allende; o “J”, Janis Joplin; o “K”, Katharine Graham; o “L”, Leila Diniz, Lena Dunham, Liv Ullmann e Lina Bo Bardi;


o “M”, Malala, Marie Curie, Marilyn Monroe, Marjane Satrapi e Michelle Obama; o “N”, Nujeen, uma síria em fuga em cadeira de rodas; o “O”, Oprah Winfrey; o “P”, Patti Smith; o “Q”, Quitéria, a santa e mártir portuguesa; o “R”, Rita Lee; o “S”, Simone de Beauvoir e Sophia Loren; o “T”, Tina Fey; o “U”, Ursula Andress; o “V”, Verônica Giuliani, a santa; o “X”, Xuxa Meneghel; o “Z”, Zélia Gattai. Essa lista, é claro, não é a mais representativa, tampouco — nem de longe… — a mais completa; é a lista de uns poucos livros que estão assim ao alcance dos olhos e das mãos, nas prateleiras de algumas estantes de uma biblioteca pessoal… E ao lado dessas histórias de e sobre mulheres — histórias de suportação e superação –, perfilam-se as personagens femininas de vidas e mundos menos conhecidos, mas de, mutatis mutandis, semelhantes interesse, importância e repercussão nos ambientes humanos a que se vincularam e dos quais são também agentes e usuárias. São mulheres “comuns” na especial arte de ser mulher. Entre essas mulheres especialmente comuns e comumente especiais, singularmente plurais e pluralmente singulares, a “paraibense” (paraibana e imperatrizense, com muito orgulho) Luiza Rocha Queiroga. Conheci Luiza, farmacêutica-bioquímica, e Miguel Queiroga, empresário, quando eles chegaram a Imperatriz (MA) na primeira metade da década de 1980. Eu já estava lá anos antes. Simples, educados, alegres, eram também workaholics, muito trabalhadores, ocupando-se em várias frentes, ela no laboratório de análises clínicas, ele em negócios empresariais e ambos no envolvimento com causas cidadãs, comunitárias, religiosas, solidárias — Luiza conhece “a alegria de se sentir feliz com a felicidade do outro” (Capítulo 10). Miguel sempre mais contido; Luiza, irradiando, transmitindo, propagando — espiritualidade, prestação de serviços, mãos à obra. Em seu nome, os três reinos da Natureza: Luiza, humana (animal); Rocha, agregado lítico (mineral); Queiroga (ou queiró), uma espécie de planta lenhosa, de até seis metros de altura (vegetal). E do — ou para o — reino celestial, a fé, virtude teologal, com obras, esforço/reforço temporal, a que a “menina loirinha” de ontem se entrega, incansável. (Embora a própria Luiza admita: “Hoje reconheço que sou companhia, mas posso ser solidão; sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, preguiça e sono”). É a Luiza Rocha Queiroga desempenhando seus múltiplos papeis neste imenso e complexo teatro da Vida: uma hora ela é a filha devotada; outra, é a mãe preocupada; aquela outra, a amiga interessada; uma outra, a profissional empenhada; a fiel piamente submetida aos desígnios de Deus, a quem não se cansa de agradecer, pedir e esperar (“Pedi, e dar-se-vos-á […]” (Mateus 7:7)); e, entre “otras cositas más”, Luiza é a cidadã sadiamente indignada, consciente de que o conceito de família estende-se da célula-máter inicial constituída de mãe, pai e filhos e estende-se à cidade, ao país, ao planeta, ao Cosmos… Este livro é fé e é família. É pessoal e é casal (“O casamento feliz não pode ser medido pelo tamanho do brilho da festa” – Capítulo 15). É confessional e intimista, é natural e realista. É espontâneo, acessível. É espiritual e é crível. É aconselhamento e aprendizado. É motivação e ação. É obituário para a perfeição, mas é receituário de esperança(s). “Com asas dos anjos, voei alto”. É Luiza quem diz. Está escrito. * Parabéns, Amiga.


JOAQUIM HAICKEL ONTEM SONHEI COM MEU PAI Ontem sonhei com meu pai, falecido já há 30 anos. No sonho ele me perguntava, como é que uma pessoa, minimamente inteligente, pode supor que alguém que acredita que a terra é plana, vai conseguir, sem a mínima organização, dar um golpe de estado, e ainda por cima, sem que para isso use uma única arma de fogo? Nesse sonho, meu pai, dando uma daquelas de suas sonoras gargalhadas características, me perguntou, quem são essas pessoas que acreditam que um golpe de estado, pode ser dado por um grupo de vândalos, sem nenhum apoio de uma braço armado, sem ações e objetivos claramente definidos para isso? E continua: “Onde e quando já foi dado um golpe de estado em o emprego de força bélica organizada?” Em meu sonho, meu pai, de forma jocosa, como costumava fazer, indagou, como é que pode alguém imaginar que um golpe de estado pode ser dado, por pessoas que depredam e vandalizam os prédios onde funcionam os poderes constituídos? Irritado, meu pai me perguntou, qual poderia ser o motivo que levou as forças institucionais a não coibirem imediata e energicamente a tentativa de golpe de estado, uma vez que uma de suas funções é manter a lei e a ordem e resguardar o estado de direito? Fico imaginando porque só agora, meu pai resolveu me aparecer em sonho e perguntar essas coisas, tão sem propósito, uma vez que tudo foi controlado rápido e facilmente, os golpistas foram presos e estão sendo julgados e condenados. Passados 30 anos meu pai continua um piadista!


JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA O PATÉTICO E O INSANO O mundo foi surpreendido pela invasão e ataque terrorista do Hamas contra Israel. Uma violação a todas as regras mínimas de direito internacional e humanitário (sim, separo) de que se tem conhecimento. Quando se poderia supor que um Estado, reconhecidamente bem armado, com um aparato tecnológico de fazer inveja, pudesse estar vulnerável a um acontecimento desses? Bom, a resposta pode ser a mesma buscada no episódio das torres gêmeas em que a América foi surpreendida. Guardadas as devidas proporções, o que não exige muito esforço, o 8 de outubro dos israelenses corresponde ao 11 de setembro dos americanos. Imagine um país que tem aproximadamente 470 quilômetros do norte ao sul e cerca de 135 quilômetros de leste a oeste. Cercado por países bem armados contra os quais lutou durante seis dias (e foi vitorioso) e tendo encravado no território a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Essa limitação territorial fez de Israel um dos mais bem equipados países em termos de instrumentos militares e civis, com tecnologia de ponta em tudo: da agricultura à medicina; da cibernética às máquinas de proteção, como, por exemplo, o sistema antimísseis hoje copiado pelo mundo. Não da para esperar o ataque; é preciso agir por antecipação às ameaças de invasões que se apresentam como situações potencialmente factíveis. Certamente, no futuro, saberemos como e quem auxiliou esses terroristas, embora haja desconfiança especulada. Toda guerra, todo ataque terrorista, todo conflito sempre produzem aprendizados. Mas essa guerra já declarada, como reação ao ataque sofrido, trouxe a certeza de que, mais do que nunca, a liberdade de informação é fundamental para todos nós. A demonstração de que as redes sociais devem permanecer livres ratifica a resistência contra os que pretendem controlá-la no Brasil, em nome de um discurso democrático que não passa de uma falácia. Já imaginaram se dependêssemos só da mídia maniqueísta neste momento da história? Enquanto a mídia tradicional subverte fatos, pretendendo nos fazer ver o que eles não conseguem enxergar (ou não querem), as redes sociais veiculam imagens que vão desde assassinatos à esmo em comemorações, imagens de idosos indefesos, e destratados como nos campos de concentração, até crianças enjauladas em pânico, diante da risada de sádicos. Nesta manhã, como demonstração da crueldade e bestialidade, foi veiculado pelas redes sociais que corpos de crianças foram encontrados degolados. A velha imprensa do Brasil (constituída por jovens – (alguns nem tanto) alienados – viu nos acontecimentos do 8 de janeiro atos de terrorismo. O STF, de forma arbitrária, ilegal e inconstitucional segue condenando pessoas ao arrepio de todas as garantias processuais alcançadas pela civilização, retomando práticas reprovadas pelo tribunal de Nuremberg. A mesma mídia, agora, chega ao desplante de falar em grupo armado, exército, combatentes, grupo de direita (vejam só!) faltando pouco para atribuir, como de hábito, a responsabilidade ao ex-presidente do Brasil. Sejamos claros. É patético, um insulto ao bom senso, a falta de coragem para admitir que o Hamas não passa de um grupo terrorista que subjuga a população da Faixa de Gaza que é usada como escudo.


Felizmente alguns entrevistados já puseram em saias justas e calças apertadas alguns entrevistadores. É preciso que fique claro, de uma vez por todas, que o povo palestino não se reduz (e sequer se identifica) com esses psicopatas desse grupo terrorista. E a prova está exatamente na Cisjordânia onde os palestinos conseguem conversar como gente civilizada, apesar de todas as eventuais reservas que se possa fazer sobre os excessos eventualmente cometidos por Israel. Terrorista é terrorista e não possui a menor sensibilidade humana. Matar ou morrer são as opções. Não há clemência. No Brasil a coisa é de tal ordem confusa que o ministro dos direitos humanos, incapaz para o cargo, sumiu do cenário. Os assessores internacionais fazem um exercício imenso para falar em causa palestina. Enquanto isso feministas e gays de Nova Yorke desfilam com suas bandeiras, obtusos que são, defendendo esses insanos como se tivessem espaço e voz no cenário dessa gente. Não passam de insanos. Falta-lhes a sensibilidade para compreender que a questão não é ideológica, é civilizatória e humanitária, portanto, não pode ser tratada como causa partidária, mas de relações internacionais. Esse conflito sinaliza muito sofrimento, porque há fortes indícios de que por traz está um dos inimigos declarados de Israel mais contundentes: o Iran, sim, onde o apedrejamento de mulheres é previsto e o enforcamento também. Há famílias destroçadas pela covardia cometida pelos insanos armados. Num cenário em que muitas mortes ainda ocorrerão é necessário orar pelo povo de Israel como pelo povo palestino. Mas é preciso separar o joio do trigo. Espero que o Hamas seja riscado definitivamente do mapa sem piedade. Mas também espero que os palestinos consigam encontrar uma solução para sua causa que não é terrorista e, por isso é mesmo, legítima. Deixem que os patéticos e insanos por aqui torçam como se estivessem em uma partida de futebol. De louco (diz-se) todo mundo tem um pouco. No Brasil estamos cheios deles a dizer que pessoas comuns e desarmadas são terroristas. Mas pessoas armadas, que cometem atrocidades, são só pessoas que possuem uma causa: não passam de insanos, acostumados a sublimar o crime organizado daqui, querendo transformar o terror em normalidade. Quem sabe, agora, essa gente insana compreenda que uma organização que fala nos seus estatutos em eliminar o Estado de Israel e seu povo traduza autenticamente o que significa genocídio, tão indevida, abusiva e erroneamente utilizado no Brasil ultimamente. Que não falte pólvora a Israel, porque inteligência, bom senso e humanismo está faltando aqui, em uma imprensa que perdeu a honra porque possui preço. Deus tenha piedade de nós.


OSMAR GOMES DOS SANTOS VÃO-SE AS PESSOAS, FICAM SEUS LEGADOS Na semana que passou o Maranhão ficou um pouco mais órfão, ao perder uma mente privilegiada em criação e um ser humano de fino trato com seus comuns e mesmo com aqueles ditos não conhecer. Natural de São Raimundo das Mangabeiras, região sul maranhense, Antônio Carlos Lima teve uma trajetória marcada pelo sucesso desde tenra idade. Ainda na adolescência, a paixão pelas letras o levou a produzir o jornal O Pássaro, no município de Barra do Corda. Já em São Luís, ingressou nas fileiras do curso de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão, sendo um de seus egressos mais ilustres. Trilhou uma carreira sólida no campo do Jornalismo, mas também enveredou pelas letras, deixando sua marca em importantes obras. Foi um homem à frente do seu tempo, atuando com vanguarda em tudo que se propunha a fazer. Inovou na forma de contar as histórias cotidianas, quando foi coordenador de Jornalismo no jornal o Estado do Maranhão. Ensinamentos até hoje lembrados. Dono de um texto primoroso, deu importante contribuição à literatura maranhense e brasileira, com alguns ensaios também no país vizinho, Chile. Sua trajetória lhe rendeu a merecida indicação e ocupação da cadeira de número 07 na Academia Maranhense de Letras. Atuou na administração pública, onde também imprimiu um estilo próprio de fazer comunicação nos governos Edson Lobão e Roseana Sarney, sendo secretário por três gestões. Sua presença era respeitada em todos os veículos de comunicação da Ilha, muitos dos quais trabalhou. Sua história, seu nome não somente foi, como seguirá sendo uma referência para a posteridade. Nome, inclusive, que ganhou um codinome deveras peculiar: Pipoca, como carinhosamente era chamado pelos amigos. Confesso, de fato, não saber o motivo para tal, mas ouso dizer que lhe caiu muito bem, diante de uma mente cheia de ideias que pipocavam e borbulhavam inquietas, levando-o a uma ativa produção. Uma mente lúcida e equilibrada, ou como se manifestou a ex-governadora Roseana: privilegiada. Como membro da Academia Ludovicense de Letras, solidarizo-me com os familiares, amigos e, com o perdão da licença poética, com os confrades e confreiras da AML, nossa referência maior. Antônio Carlos Lima segue imortal, para sempre entre nós. Esvaiu-se em matéria, para se eternizar em essência.


JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA TEM TEMPO Não lhes falo de Eclesiastes apenas, lição que cedo aprendi. Falo-lhes, sim, de Seu Dico. Sapateiro e sábio. Conto-lhes, porque quem tem história para contar vive uma vez mais a cada contar, sem contar um conto acrescentando um ponto. A avenida João Pessoa, 58, era o endereço. Lá nasci, lá tive meu tempo de menino, irrequieto e contestador, sempre. Lá amei intensamente. Naquele tempo minha pele não era um lençol com dobras e eu corria pela rua, jogava bola na Astolfo Marques (transversal da João Pessoa), frequentava a igreja São Vicente de Paulo, estudava no Colégio Batista, onde encontrei o primeiro amor. Lá, Fernando, Flávio “bacalhau”, Álvaro, Danúzio, Pablo, Fábio, Paulo Sérgio, Oliveirinha, Henrique, Fernando, Dominguinhos, Juvencio, Gregório e tantos outros, cujos nomes o tempo desbotou, mas não apagou da memória, todos convivemos com a paz da simplicidade e amizade. Não havia ricos e pobres. Não importava o sobrenome, apenas vivíamos e convivíamos com outros que por lá apareceram, como Jorge, depois transformado em “filósofo da São Pantaleão”- mas isto é uma outra estória – Geraldo e Ricardo Max. Ali, entre as bebedeiras dominicais de seu Agostinho, que nos punha em pânico, ao impedir o tráfego dos poucos ônibus que ali trafegavam em concorrência com os bondes, até a chegada da polícia, quando ouvíamos os gritos de: Dr Vera-Cruz, me ajude! Ali vivi meus melhores dias sem saber. Posso dizer que vivi no paraíso, só não sabia que uma das maiores lições da vida ali eu teria. Acostumei-me, com meus irmãos, José Sérgio e José Reinaldo, à figura de Seu Dico, o sapateiro do bairro, instalado em uma meia portinha do “lado dos pobres”, como se falava então. Com ele conversávamos sempre, porque nos parecia ser fruto de um milagre. Um homem que conseguiu sobreviver, depois de ter caído em um tacho de óleo na Carioca – a fábrica. As marcas no corpo eram a prova. Era uma espécie de herói. Sobrevivente, apesar da fervura do óleo. Continuava a desempenhar seu ofício, distribuindo risos, conselhos e piadas e a indefectível sentença: Tem tempo! Era comum a todos nós, já adolescentes, frequentar o bar de seu Zequinha, no canto do Posto Sabbá, pegado ao barraco de dona Elvira, lavadeira caprichosa no ofício e voz destacada no coral da igreja. Ali, também, era ponto de encontro com os ídolos do futebol. Gimico, Célio Rodrigues e tantos outros. O Apeadouro sempre foi celeiro de bons jogadores de futebol. Ali as cervejas mais geladas eram servidas pelo dono do estabelecimento, seu Zequinha.


Mas é preciso registrar, por dever de fidelidade aos fatos e gratidão a elas, alguns de nós frequentou o Sacavém, se é que vocês me entendem. Pois bem, era hábito de meu pai beber com os filhos. Isto é singular. Era um gesto de amor, mas, também, uma escola em que o dever sempre era cobrado pelo exemplo dado. Isto deve ser resgatado entre os homens porque é entre os seus que as memórias se constroem. E é preciso tê-las para poder compartilhar. Felizmente nós tivemos isso. Quando estávamos juntos lá estava seu Dico, presença indispensável. Na ausência também. A companhia preferida de meu pai era seu Dico. Papai passava na portinha do estabelecimento do sapateiro e dizia: Seu Dico, vamos tomar uma? Era a senha. Ele fechava seu negócio e sentava, sem camisa, à mesa. Bebiam, com moderação, conversavam e, reiteradamente, eram interrompidos pelos frequentadores admirados como o Dr. Vera-Cruz, simples em si, mas celebridade do bairro, se sentava à mesa com o sapateiro. Às tantas, antes da hora do do almoço, que era lembrado pela emissária de minha mãe, meu pai falava na saideira, ao que Seu Dico era taxativo: Tem tempo. Um dia resolvi perguntar a meu pai, por que seu Dico. Por que, sendo um advogado, professor, membro da AML ele escolhera seu Dico como companhia. Uma das maiores lições de minha vida aprendi naquele dia. Disse-me: Meu filho, esse homem, em sua simplicidade, rudez e pobreza me ensina mais do que eu lhe possa ensinar: a espontaneidade, a naturalidade, a sinceridade e a honestidade. E não pede nada em troca. Eu aprendo mais, estou no lucro. Sabe, meu pai tinha razão. Ele aprendeu com Eclesiastes mas também com seu Dico: Tem tempo! Às vezes não temos tempo que não seja de passar pelo tempo e quando nos damos conta o tempo somos nós, dobrados em rugas, rusgas, dores e amores. Mas sempre há tempo. Tem tempo de lembrar. Tem tempo de amar. Tem tempo de sofrer. Tem tempo de plantar. Tem tempo de colher. Mas para mim, e, certamente, para meus irmãos, tem um tempo de lembrar Seu Dico, o sapateiro e sábio que dizia sempre: Tem tempo. Hoje tenho tempo, porque guardo na memória seu Dico, o sapateiro e sábio, com quem meu pai aprendeu, com quem eu e meus irmãos aprendemos, com quem o Apeadouro todo aprendeu que não importa quem você seja, basta você compreender o compasso da vida. Dê tempo ao seu tempo.


A VISIBILIDADE PESSOAL E SOCIAL NA SOCIEDADE MODERNA

POSTADO POR AYMORÉ ALVIM Na sociedade atual, tem-se a nítida sensação e impressão de que todos, independentemente, do que são ou realizam, fazem de tudo para serem vistos socialmente. É como se, através desta corrida pela visibilidade estivessem, se esquivando de uma vida anônima e desconhecida. Esta constatação se consolida a partir do desenvolvimento das famigeradas redes sociais. Estima-se que atualmente haja pelo menos 46 redes sociais ao redor do mundo distribuídas pela internet, e estas nada mais são que sites e aplicativos verificados em ambiente online que operam em níveis diversos — como profissional, de relacionamento, dentre outros — mas sempre permitindo o compartilhamento de informações entre pessoas e/ou empresas. Há uma enorme diversidade de redes sociais (de filmes, músicas, vídeos, conversas, notícias, profissionais, de especialidades, etc.) A necessidade de se ser visto, notado e reconhecido na sociedade não é algo novo, ocorre ao longo do desenvolvimento da humanidade. Com isso ele assegura sua importância social, seu reconhecimento, sua identidade e o seu valor. Enfim, muitas coisas estão imbuídas nessas aspirações. Mas, como dissemos acima, nas últimas décadas, com a ascensão das redes sociais e a cultura da celebridade, essa necessidade parece ter se intensificado. A cultura emergente ora implantada das redes sociais e a cultura da imagem, através de importantes Plataformas como Instagram, Facebook, TikTok, entre outras, incentivam a partilha de momentos, conquistas e até mesmo pensamentos, desejos e aspirações pessoais. Com likes, comentários e compartilhamentos, as pessoas muitas vezes sentem uma validação instantânea. A visibilidade nas redes sociais pode levar a comparações constantes. Muitas vezes, as pessoas querem ser vistas de uma certa maneira para se sentirem no mesmo nível (ou acima) dos seus pares e muitas destas pessoas fazem de tudo para alcançarem seus objetivos expressando seus desejos e anseios subjetivos no compartilhamento das redes. Em inúmeros casos as pessoas perdem o senso de adequação e do bom senso para corresponderem a estas expectativas impostas nas relações sociais online. Em um mundo com tanta informação e tantas vozes, ser visível pode ser uma maneira de afirmar a própria identidade, como vimos acima e garantir que suas opiniões e perspectivas sejam ouvidas. Todos têm uma necessidade inata de reconhecimento, isso faz parte do “endos humanus”. Ser visível na sociedade muitas vezes é equiparado a ser valorizado ou reconhecido, por isso, fazem o que podem e devem e o que não podem ou não devem para atender essa demanda. A utilização das redes sociais de um campo de entretenimento e distração, vem se transformando em uma ferramenta de grandes negócios na modernidade. Tem muitas empresas e pessoas que vivem exclusivamente de explorarem, profissionalmente, esses dispositivos de negócios. Isto ocorre até mesmo em academia, ser visível pode levar a oportunidades profissionais e pessoais. Criou-se até uma outra profissão denominada de “digital influencer”, alguém capaz de influenciar e se comunicar de forma estreita com o seu público, utilizando os recursos da internet. Ao se tornarem visíveis, as pessoas podem encontrar outras com interesses e opiniões semelhantes, formando comunidades de apoio e pertencimento. Existem no mundo muitas comunidades que foram formadas inspiradas nestes encontros ou relações virtuais No entanto, é importante lembrar que a busca constante pela visibilidade pode ter desvantagens, incluindo estresse, ansiedade e uma sensação de nunca ser "suficiente". Além disso, a representação nas redes sociais muitas vezes não é uma imagem completa ou precisa da realidade. Por isso, enquanto a visibilidade pode trazer reconhecimento e oportunidades, também é vital para a saúde mental e bem-estar reconhecer o próprio valor intrínseco, independentemente do reconhecimento externo. Observe, que do ponto de vista psicológico, a utilização de mídias sociais trouxe inúmeras mudanças na forma como as pessoas se relacionam, se comunicam e se veem a si mesmas. Essas mudanças têm


implicações emocionais, afetivas e psicológicas significativas, algumas positivas e outras potencialmente negativas e prejudiciais. A busca por "likes", comentários e compartilhamentos podem tornar-se uma fonte primária de validação. Uma resposta positiva pode aumentar a autoestima, enquanto a falta dela pode diminuir a autovalia. Especialmente porque as mídias sociais oferecem uma janela constante para a vida dos outros, muitas vezes idealizada. Isso pode levar a comparações, onde as pessoas avaliam sua própria vida em relação ao que veem, podendo gerar sentimentos de sofrimento e inadequação. FOMO (Fear of Missing Out) que traduzidno é o medo de perder algo é o nome da síndrome que tem a ansiedade como um dos principais sintomas. A F.O.M.O pode ser definida como o medo de não conseguir acompanhar as atualizações e eventos, compelindo a pessoa a manter-se conectada às redes sociais. A sensação de que se está perdendo algo ou não fazendo parte de um evento ou tendência pode levar a ansiedade e a sensação de exclusão. Embora as redes sociais conectem as pessoas digitalmente, elas podem, paradoxalmente, também aumentar sentimentos de isolamento e solidão, especialmente quando substituem interações cara a cara. E cada vez mais nota-se que a sociedade contemporânea se afasta desse paradigma indispensável que é o de convivermos fisicamente uns com os outros. A utilização inadequada ou disfuncional destas mídias sociais pode induzir a quadros de dependência, da mesma forma como drogas psicoativas podem induzir pessoas a se viciem nelas. Inclusive esta possibilidade já é largamente estudada pela Psiquiatria contemporânea, isto é, os dependentes de internet. Muitas destas pessoas podem criar uma versão idealizada de si mesmas nas redes sociais, o que pode levar a uma dissonância entre a identidade online e a identidade real, gerando, por conseguinte, graves conflitos de identidade. Esse é o marco histórico onde você pode desfrutar dessas ferramentas, como as redes sociais ou pode adoecer psicossocialmente.


JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA MESA DE BAR O massacre sofrido por Israel, produzido pelas mãos assassinas do Hamas, revela um crescente recrudescimento do antissemitismo. É Lamentável que assim seja, porque a história contemporânea deixou a triste e indelével marca contra o povo judeu. Só um fanático pode negar o que ocorreu. E o mundo está cheio deles, sem excluir o nosso país. O fanatismo e a subversão religiosa, reunidos em seres com delírios estimulados pelo ódio, são os ingredientes para sedução de jovens incautos, incultos muitas vezes, que são convencidos de que há legitimidade e aprovação divina para os atos de fuzilamento e degola vistos através da redes sociais, os mesmos que as mídias sociais, pela imprensa tradicional, desejam atenuar com seu perfil ideológico atrasado. Não há meio termo. Israel foi invadido e atacado. Mais do que direito natural, tem o dever de defender seu povo. Não há termos médios, o Hamas é um grupo terrorista e tem sido estimulado, sobremodo, pelo Irã, inimigo declarado de Israel. O mesmo Irã a quem foi não apenas dada autorização para navios aportarem por aqui como, ainda, com direito a festa à bordo com a presença de autoridades brasileiras. É lamentável como assunto tão sério e grave tem sido tratado pela imprensa e pelas autoridades do Brasil, com uma consciente, deliberada e covarde postura de admitir o óbvio: terroristas atacaram um Estado de Direito. O Brasil, que teve na figura de Oswaldo Aranha papel decisivo para a criação do Estado de Israel, tem a oportunidade ímpar de presidir o Conselho de Segurança da ONU, mas seu nanismo diplomático e sua covardia confessa sinalizam apenas que estamos à deriva. Ao invés disso (denunciou um veículo da mídia) tentou inserir cláusula atenuante em favor do grupo terrorista em nota oficial daquele Conselho. Uma lástima! Há uma guerra lá fora que tem que ter como fim o extermínio do Hamas, o que não se confunde com o povo palestino que também deseja e precisa que isto aconteça. Por mais que uns celerados desejem confundir as coisas, o povo palestino nada tem a ver com essa organização criminosa. Isto, aliás, foi dito pela Autoridade Palestina, uma espécie de presidente da nação. Mas o discurso de vitimização, tão frequentemente difundido por aqui pela imprensa tradicional sugere – quando não, afirma – que o vilão da história é Israel, porque pretende invadir Gaza desatento ao povo palestino que ali reside. Há os que falam em falta de proporcionalidade. O que seria proporcional no episódio? Israel teria o direito a estuprar o mesmo números de mulheres vítimas da barbárie? Ou teria o direito de degolar quarenta bebês? Ou teria o direito de fuzilar quantas famílias? Não é proporcionalidade o argumento? Claro que não pode haver proporcionalidade ou reciprocidade quando o assunto é retirar a vida humana. Isto seria vingança. Mas também não se pode esperar que haja indiferença de Israel ao não reagir, porque aí não estaria legitimado e apto a cuidar do seu povo, pois terá sido incompetente de preservar sua própria integridade.


O direito de estar vivo não pertence só ao povo palestino, povo, aliás, que é refém do próprio Hamas, como demonstram todos os acontecimentos até hoje ocorridos naquela região nos últimos dezesseis anos. Só mesmo no Brasil se pode elucubrar que o discurso de vitimização seja um passaporte a legitimar a prática de crimes contra a humanidade. Não pode haver perdão para a barbárie e é preciso que isto seja dito com todas as letras para uma gente sem qualquer viés ético mínimo. Só mesmo no Brasil se assiste, na contramão do que estão fazendo Inglaterra e França, um partido político, declaradamente simpático à organização terrorista chamada Hamas, confessar, contraditoriamente, o que nega: ao acusar Israel de genocídio se alinha ao argumento do Hamas que, conforme a própria autoridade palestina declarou, não representa o povo palestino. O Partido dos Trabalhadores, que dá sustentação ao atual governo, recebe recursos públicos e se manifesta com esse tipo de sinalização, acusando um Estado de Direito da prática de crimes contra a humanidade, como se estivesse à mesa de um bar. O Ministério Público Federal não acha estranho que essa organização continue com registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral? A OAB não acha estranho? A magistratura não se incomoda? É fundamento da nossa Constituição a dignidade da pessoa humana. Mas também é um dos princípios a ser observado nas suas relações internacionais o repúdio ao terrorismo e ao racismo. O Brasil permanece silente, como um anão diplomático e indiferente à civilização, escondendo do mundo o seu envolvimento com a escória latino-americana, que persegue religiosos, condena sem devido processo legal quem se oponha ao sistema, subjuga os povos desarmando-os e os humilha com a alternativa do refúgio, enquanto glamoriza o crime organizado. Todo órgão ou entidade que se alinhe a uma organização internacional criminosa, dando-lhe toques de afeições e apreço, não está disposta a oferecer qualquer contribuição ao regime democrático, já tão combalido no Brasil, por isso mesmo devendo ser proscrita da sociedade política. Vivemos uma quadra neste país em que tudo era sinônimo de fascismo, autoritarismo, nazismo e tantos outros adjetivos impropriamente utilizados. Não faltou oportunidade para que instituições, poderes e até autoridades, pessoalmente, lançassem notas ou emitissem declarações, sobre tudo e em apoio a tudo. Hoje o silêncio impera com o gravame de contar com a cumplicidade de uma imprensa corrompida em valores e seduzida por favores. Como eu disse o nanismo diplomático e governamental do Brasil é gritante, contraditoriamente gigantesco, com pitadas de patologias graves. Talvez por isso agora se possa compreender o delírio de um dia de que uma guerra poderia ser resolvida em uma mesa de bar tomando umas cervejinhas.


1612, OUTUBRO, 20: PRIMEIRA MISSA NO VINHAIS VELHO LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS ACADEMIA POÉTICA BRASILEIRA CENTRO ESPORTIVO VIRTUAL PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA – IF-MA (aposentado)

Há 411 anos, neste dia 20 de outubro de 1612, era rezada a primeira missa na capelinha erguida na Aldeia de Uçaguaba pelos missionários franciscanos vindos na armada de Daniel De LaTouche, Senhor de Lavardiére: . “(...) levaram-nos os índios, de canoa, até Eussauap, aonde chegamos no sábado seguinte ao meio-dia. O sr. de Pizieux e os franceses que com ele aí residiam receberam-nos com grande carinho (...)". (D'ABBEVILLE, 1975, p. 114). EUSS-OUAP (EUSSAUAP) – Onçaquaba; Oçaguapi; Uçagoaba; UÇAGUABA - composto de uça, nome genérico do caranguejo, e guaba, participio de u comer: o que, ou onde se come caranguejos". ( apud D' ABEVILLE, 1975, p.107).

Joseh Carlos Araújo nos traz à página 65-71 o capítulo “O duro desabafo de Mamboré-uaçu” onde os moradores da também espaçosa aldeia de Eussauap, com a presença do honrado católico senhor de Pézieux como hospede do principal Tatuaçu pensavam ter um dos padres capuchinhos ali residindo: “ [...] era implorada a permanência de um religioso na igrejinha, construída com esse fim. A comissão pastoral, por sua vez, lamentava a impossibilidade de atendê-los de imediato, pois um dos quatro missionários retornaria em breve para a França. Com a perda irreparável ocasionada pela morte recente do padre Ambrósio de Amiens, restavam dois: um servindo Juniparã e o outro assistia a francesada, ao lado do Forte. “À tarde, após a rotineira fincada da cruz, seguida de uma concorrida missa dominguiera ainda pela manhã, se achegaram d´Razilly com o intérprete Des Vaux e d´Abeville, acompanhados pelos principais e comunitários locais e da redondeza, para uma reunião na casa Grande. [...]”(p. 65-66). Cesar Marques (1970), em seu Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, publicado em 1870, informa sobre Vinhais - freguesia e ribeiro, que os jesuítas Manoel Gomes e Diogo Nunes, que vieram junto com a armada de Alexandre de Moura, principiaram a estabelecer residências - ou missões de índios -, sendo a primeira que fundaram: “... foi a que deram o nome de Uçaguaba, onde com os da ilha da capital aldearam os índios, que tinham trazido de Pernambuco, e como esta se houvesse de ser a norma das mais aldeias, diz o Padre José de Morais, nela estabelecessem todos os costumes , que pudessem servir de exemplo aos vizinhos e de edificações aos estranhos. Cremos que por este fim especial foi chamada aldeia da Doutrina. “Fundada pelos jesuítas, parece-nos haver depois passado ao poder do Senado da Câmara, porque ele tinha uma aldeia ‘cujo sítio era bem perto da cidade’. Compunha-se de 25 a 30 índios entre homens e mulheres ‘para poderem acudir às obras públicas pagando-se-lhes o seu


jornal’.[...] “Em 12 de maio de 1698 a Câmara pediu ao soberano um missionário para educálos. Em 22 desse mesmo mês representou à Sua Majestade queixando-se por ter sido privada desta aldeia ‘por algumas informações más e apaixonadas’. ... foi no dia 1o. de agosto de 1757 elevada à categoria de vila com a denominação de Vinhais”. (p. 632-633). A residência dos jesuitas em Uçagoaba é ocupada com a chegada da segunda turma de jesuitas ao Maranhão, os padres Luís de Figueira e Benedito Amodei. De acordo com Cavalcanti Filho (1990) a missão jesuítica no Maranhão inicia-se com a chegada dos padres Figueira e Amodei: " ... Ao que tudo indica, a aldeia de Uçaguaba, situada a margem esquerda do igarapé do mesmo nome, teria sido o ponto de partida dessa missão ... desta primeira, denominada 'Aldeia da Doutrina'".(p. 31). Não há referência à Eussauap, Uçagoaba, Uçaguaba ou Aldeia da Doutrina na relação dos templos existentes na Ilha por ocasião da elevação de São Luís à sede de Bispado em 1677, pela Bula "Super Universas Orbis Ecclesias", muito embora em 1740 conste da relação das freguesias do Maranhão: "Na ilha de São Luis. Além da freguesia de N. S. da Vitória que abrangia toda a capital do Estado com suas muitas igrejas, capelas e conventos, havia três outros núcleos com a presença permanente de religiosos e que também naquele ano seriam erigidos em paróquia - Anindiba (Paço do Lumiar), São José dos Poções, antiga aldeia da Doutrina ...". (MEIRELES, 1977, p.127). Coelho (1990) em seu "Política indigenista no Maranhão Provincial", ao analisar "o lugar do índio na legislação: a questão da terra", afirma que " a situação das terras dos indígenas é caracterizada por um acúmulo de esbulhos e usurpações" e o processo oficial do sequestro dessas terras se dá pela ação de Pombal, que prescreveu, em 1757, a "[...] elevação das aldeias indígenas, onde havia missões, à categoria de vila ou lugar, de acordo com o número de habitantes". Cita, dentre outros exemplos, que " a aldeia da Doutrina, em 1º de agosto de 1757, foi elevada à categoria de vila, com o nome de Vinhais". D. Felipe Condurú Pacheco (1968) informa que em 1751, os jesuítas e os franciscanos tinham no Estado do Maranhão e Grão-Pará 80 missões e grande número de “doutrinas”, e que em oposição às numerosas propriedades dos demais religiosos, “[...] os franciscanos possuíam então no Maranhão apenas o convento de Santo Antonio, com 25 escravos, e a ‘missão’ de S. José dos Poções, em 1757 vila de Vinhais, de onde, com as esmolas dos fiéis, se mantinham com seus alunos de filosofia e de teologia [...]”. (p. 50). Ao listar as paróquias da Ilha do Maranhão, “[...] no meado do século XVIII, conta de 1758,... distante da cidade ... Vila Nova de Vinhais, a que foi elevada a 1o. de agôsto de 1757, (antes, S. João dos Poções) dos franciscanos[...]”. (p. 61). De acordo com Barbosa de Godois (1904), o colégio dos jesuítas no Maranhão, “segundo os Annaes Litterarios, contava estas residências: Conceição da Virgem Maria, em Pinheiros; S. José, na aldeia de S. José de Riba-Mar; S. João Baptista, em Vinhais; S. Miguel, no Rosário”. Meireles (1964), conta-nos que o bem-aventurado Gabriel Malagrida - a quem César Marques chamou de “o desgraçado apóstolo do Maranhão” - costumava logo pela manhã percorrer as ruas da pequenina cidade de não mais de uma meia dúzia de milhares de habitantes, a convocá-los, com a campainha que ia fazendo tilintar, para a Santa Missa e o exercício do catecismo. E lá voltava ele, cheio de alegre beatitude, acompanhado de um bando irrequieto de meninos que o seguia até o Colégio. Depois, o confessionário e a visita aos enfermos e aos presos, consumia-lhe o resto do dia, pela tarde afora; à noite, retornava à aldeia da doutrina, como comumente então a povoação de São João dos Poções, antiga Uçagoiaba e hoje Vinhais, sede da primeira missão dos inacianos na Ilha-Grande fora conhecida...


Buscamos uma vez mais em Cesar Marques (1970) outras informações, agora sobre a Igreja do Vinhais: “Pertenceu então a outro donatário porque descobrimos termos da junta das missões de 13 de abril de 1757, que passou para o domínio dos frades da Ordem de Santo Antonio, sem podermos contudo dizer como se efetuou esta mudança, e então se chamou aldeia de São João dos Poções.[...] [1o. de agosto de 1757 em que a Aldeia da Doutrina foi elevada à categoria de vila com a denominação de Vinhais] foi criada a freguesia em virtude de Resolução Régia de 13 de junho de 1757, sendo o seu primeiro pároco encomendado o beneficiado Antôno Felipe Ribeiro”. [...] “Em 5 de maio de 1829 a Câmara ‘pediu ao Presidente a construção de uma igreja, por ter desabado a que havia, de uma cadeia, que era um quarto por baixo da casa da Câmara, porque tendo caído o templo de que o quarto fazia parte, ficou ele arreuinadíssimo, e de uma casa da Câmara porque a existente estava com os sobrados despregados e com faltas’. “. (p. 632-633). Ainda às páginas 632 do referido Dicionário ..., César Marques informa que no referido termo – ao passar a freguesia para a Ordem de Santo Antônio, com o nome de São João dos Poções, em 13 de abril de 1757 -, achavam-se em palácio, reunidos, o Governador da Capitania, Gonçalo Pereira Lobato e Sousa, o Governador do Bispado, Dr. João Rodrigues Covete, e o Desembargador Ouvidor-Geral Diogo da Costa e Silva, o Desembargador Juiz-de-Fora Gaspar Gonçalves dos Reis, e os reverendos prelados das regiões, mandava o Governador ler o termo da junta, feito na cidade de Belém do Grão-Pará em 10 de fevereiro de 1757. Gaioso (1970), ao identificar as cidades, lugares, vilas, freguesias por toda a capitania, afirma que na ilha de São Luís do Maranhão - em 1818 -, tem a cidade deste nome e: "A villa de Vinhaes he uma pequena povoação de Indios, que goza de privilégio de ter seu governo municipal, de que são membros os mesmos Indios. Tem sua igreja particular que lhes serve de freguezia, com a invocação de S. João Batista. A congrua dos vigários destas povoações he de 50,000 r. pagos pela fazenda real, que cobra os dizimos, e devem apresentar certidão dos respectivos diretores, em como compriro com os officios pastoraes." (p. 110) Sobre a igreja existente em Vinhais, Moraes (1989) lembra que a capela de São João de Vinhais, construída no século XIX (sic), substituiu templo muito anterior, que ruíra, e que fora matriz da freguesia, criada pela Resolução Régia de 18 de junho de 1757. A reconstrução da igrejinha do Vinhais foi feita pelo 15o. Bispo do Maranhão, D. Marcos Antonio de Souza. Em carta a seus auxiliares, datada de 30 de dezembro de 1838, “julgando aproximado o tempo de descer aos silêncios da sepultura”, pede para ser enterrado na Matriz de São João Batista de Vinhais, que mandara reedificar: “Se não fôr possível ter o último jazigo nesta Cathedral de Nsa. Sra, da Vitória, junto às cinzas dos meus Predecessores, como sesejava um santo Bispo de Milão, se não me fôr permitido descançar junto al Altar, em que poe muitas vêzes tenho celebrado os augustos mysterios da Religião Santa, que professo, hé de minha última vontade, que o meu enterramento, se fallecer


nesta Cidade, ou suas vizinhanças seja na Matriz de S. João Baptista de Vinhaes, reedificada com algum trabalho meo”. (CONDURÚ PACHECO, 1968, p. 164).

D. Manoel Joaquim da Silveira, 17o. Bispo do Maranhão, inicia, a 27 de dezembro de 1854, uma visitação às paróquias. Sobe o “São Francisco” - “braço de mar em que deságua o rio Anil”, em dois escaleres do brigue “Andorinha: “... Pitoresco o promontório dos remédios, com a alvura deslumbrante e devota da Ermida de Nsa. Senhora. Com pouco mais de 3 quartos de hora de viagem, estão no pôrto de “Vinhaes, outrora Villa, e muito mais povoada que actualmente’. Foguêtes, recepção, bençãos. ‘Hospedagem ecellente em casa de propriedade do Vigário Geral. Visita dos ingênuos habitadores dêste pacífico lugar’. [...[ “Na manhã seguinte começam os trabalhos. Pouca frequência. Não há confissões: 75 crismas. ‘Pequena a Matriz de pedra e cal; airosa, porém e mui bem ornada’. Construída por D. Marcos, já está arruinada. Ajudado com 4:000$000 da Província e com o produto de loteria, D. Manoel fez os reparos desta... [...]“... a 3 de janeiro, por Vinhais, retorna S. Excia. à Capital”. (CONDURÚ PACHECO, 1968, p. 234-235). Ana Jansen, em meados do século XIX, monopolizava o abastecimento de água de São Luís, utilizando-se de aguadeiros, seus escravos, que se abasteciam nas fontes do Apicum e Vinhais, transportando suas pipas para o centro da cidade, vendendo o caneco por vinte réis, de acordo com Viveiros.

Catarina Mina – Catharina Rosa Ferreira de Jesus – uma escrava que amealhou grande fortuna com o comércio de seu corpo, e comprou sua alforria – no dizer de Graça Guerreiro, tornara-se uma Xica da Silva do Maranhão – achando-se adoentada – em 19 de fevereiro de 1886 - e sendo solteira e sem herdeiros, abriu mão de seus bens em testamento, deixando-os para seus escravos –sim, os possuía, e muitos ! – além da alforria dos mesmos. Entre as exigências que fez, pediu aos herdeiros que “enquanto lhes permitissem os seus recursos, não deixassem de fazer a festa de São Pedro em Vinhaes, como de costume”. (BARBOSA, 2002; 2002b). (Grifos nossos).


Em 1985, os moradores da Vila velha do Vinhais pedem ajuda aos moradores do Conjunto Recanto dos Vinhais para a reconstrução da Igrejinha ... o telhado estava no chão, mais uma vez ... A primeira pessoa que, nessa época estendeu a mão, foi uma médica, que mandou reconstruir o telhado. Depois, alguns moradores reuniram-se e resolveram ajudar, criando uma comissão – informal – pró-reconstrução da Igreja...

Muito embora conste do “Inventário Nacional de Bens Móveis e Integrados”, do Ministério da Cultura, que em 1995 tenha sido restaurada pela Secretaria de Cultura do Estado, através do Departamento de Patrimônio Histório e Paisagístico (MinC, 1997) – recurso de R$ 8.000,00 (oito mil reais) – isso nunca se deu; desde 1985, todas as intervenções físicas se deram com recursos arrecadados junto à comunidade, sem qualquer interferência de qualquer poder público – seja nacional, estadual, ou municipal...

Onde hoje é localizado o bairro Vila Velha de Vinhais – ou Vinhais Velho – ficava antiga aldeia indígena, onde um certo David Migan habitava com os índios. Uçaguaba era a segunda maior aldeia de Upaon-Açú. Com a chegada da armada de Daniel de La Touche, veio a recebeu seus alguns habitantes brancos, em 1612, quando o sr. de Pizieux e alguns franceses ali fixam residência e edificam uma capela - a segunda da ilha, “batizada” por D'Abbeville a 20 de outubro do mesmo ano. Em 1615, de acordo com Moraes (1987) ou 1622, no entender de Cavalcanti Filho (1990) os jesuitas ali estabelecem sua primeira residência, ou missão, em terras maranhenses. A Eussauap de D' Abbeville (1612) é chamada de Uçagoaba pelos padres Manoel Gomes e Diogo Nunes (1615) e, a partir de 1622, recebe o nome de Aldeia da Doutrina dos padres Luís Figueira e Benedito Amodei. Em 1º de agosto de 1757 recebe a atual denominação - Vila de Vinhais. Extinta em 1835...


Desde o ano de 1985, os moradores do "Vinhaes Velho" - hoje compreendendo os bairros da Vila Velha do Vinhais, Recanto dos Vinhais, Portal do Vinhais, Alameda dos Sonhos, Conjunto dos Ipês (Vale), Residencial Vinhais III, Conjunto dos Colibris - a estão reconstruindo - pela quinta vez, nesses mais de 411 anos. Por muitos anos abandonada, tendo deixado de cumprir sua função de unir pela fé católica seus moradores, estava novamente em ruínas. Desde que o conjunto Recanto dos Vinhais foi construído, seus moradores tentam, junto com os residentes da Vila Velha de Vinhais, ter um Padre rezando missa. Estamos em campanha permanente para a recuperar fisicamente ... A histórica igrejinha precisa de sua ajuda.

A Igrejinha do Vinhais completa 411 anos, 20 de outubro. BIBLIOGRAFIA ABBEVILLE, Claude d’. HISTÓRIA DA MISSÃO DOS PADRES CAPUCHINHOS NA ILHA DO MARANHÃO E TERRAS CIRCUNVIZINHAS. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1975 ARAUJO, Joseh Carlos. CRONICAS DE SÃO LUIS – 1612: a fundação da cidade sob o olhar tupinambá. Imperatriz: Ética, 2012 BARBOSA DE GODOIS. Antonio Baptista. HISTÓRIA DO MARANHÃO – para uso dos alumnos da Escola Normal. Maranhão: Typ. Ramos d´ Almeida & Suc., 1904, tomo I e II BARBOSA, Helena. História Do Maranhão No Arquivo Do Judiciário. In REVISTA TJ MARANHÃO, São Luís, setembro/outubro 2002. CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL. São Luís: SIOGE, 1990.D’ÉVREUX, Yves de. VIAGEM AO NORTE DO BRASIL – feita nos anos de 1613 a 1614.São Paulo: Siciliano, 2002. COSTA, Yuri; GALVES, Marcelo Cheche (org.). MARANHÃO – ENSAIOS DE BIOGRAFIA E HISTÓRIA. São Luis: Café & Lápis; Editora UEMA, 2011, p. 65 COELHO, Elizabeth Maria Beserra. A POLÍTICA INDIGENISTA NO MARANHÃO PROVINCIAL. São Luís: SIOGE, 1990PIANZOLA, Maurice. OS PAPAGAIOS AMERELOS – os franceses na conquista do Brasil. São Luis: SECMA; Rio de janeiro: Alhambra, 1968. GAIOSO, Raimundo José de Sousa. COMPÊNDIO HISTÓRICO-POLÍTICO DOS PRINCÍPIOS DA LAVOURA DO MARANHÃO.Rio de Janeiro : Livros do Mundo Inteiro, 1970MARQUES, César Augusto. DICIONÁRIO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO. São Luís: Tip. do Frias, 1870. (Reedição de 1970). MEIRELES, Mario M. HISTÓRIA DA ARQUIDIOCESE DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO. São Luís: UFMA / SIOGE, 1977. MEIRELES, Mário M. SÃO LUÍS, CIDADE DOS AZULEJOS. São Luís: Departamento de Cultura do Estado do Maranhão, 1964 MORAES, José de. HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NA EXTINTA PROVÍNCIA DO MARANHÃO E Grão-PARÁ. Rio de Janeiro: Alhambra, 1987. PACHECO, D. Felipe Condurú. HISTÓRIA ECLESIÁSTICA DO MARANHÃO. São Luís: Departamento de Cultura do Estado do Maranhão, 1968


JOSÉ NERES "NOSSOS PROFESSORES ESTÃO ADOECENDO" Diante de um quadro que vem emoldurado pela consciência da desilusão, muitos profissionais do magistério não conseguem suportar a pressão e desenvolvem enfermidades que os colocam em risco(...)". 15 de outubro é o dia de lembrar que os professores existem! Centenas de mensagens são postadas em redes sociais e aplicativos de comunicação instantânea, em algumas escolas são colocados cartazes de agradecimento, frases “motivadoras”. Em outras, a data passa despercebida ou, em alguns casos, o único lamento externado é pelo fato de que haverá aula. De qualquer modo – com ou sem festividades – no dia seguinte, o mundo do magistério voltará à normalidade, às queixas, às reclamações, às desvalorizações cotidianas, à falta de uma escuta ativa que ajude a resolver alguns problemas que se repetem ao longo dos tempos e que talvez conquistem o grau de eternidade... No dia a dia, longe da glamourização apregoada pelos defensores da santificação do Dia dos Professores, os docentes enfrentam inúmeros problemas e são quase sempre vistos como pessoas fadadas a um sacerdócio, não como profissionais que estudaram e se formaram para entrar em uma sala de aula e exercerem com dignidade a árdua e louvável tarefa de formar intelectualmente as atuais e futuras gerações. Não deveria ser assim, mas os professores costumam ser pessoas insatisfeitas. Contudo essa insatisfação não está ligada apenas às questões pecuniárias. Há muito mais. Geralmente os docentes mais comprometidos com a Educação acreditam que poderiam fazer bem mais do que já fazem. Creem que o alunado poderia chegar mais longe a partir daquilo que é ensinado em sala de aula. Porém, quando abrem os olhos para a realidade circundante, percebem que boa parte dos esforços empreendidos se esvai em uma rede subterrânea formada pela falta de incentivo material, pela ausência de recursos pedagógicos específicos para aquela comunidade escolar e pela falta de colaboração por parte dos demais atores educacionais. Diante disso, o professor e a professora chegam a uma terrível conclusão: quase todos os esforços empreendidos em uma semana, um mês, um semestre ou até mesmo em um ano não renderam o que seria o esperado. Além disso, percebem que existe uma irritante persistência em não haver um diálogo verdadeiro entre as diferentes esferas do poder constituído. Muitos reclamam, com razão, dos baixos salários, da gigantesca e extenuante carga de trabalho, da falta de reconhecimento, das turmas lotadas, da desatenção, da desvalorização profissional etc. Caso um professor ou uma professora queira aprofundar seus estudos em um curso de pós-graduação, provavelmente terá de conviver com uma nova jornada de atividades e de arcar com custos que raramente serão revertidos em aumento de salário. Se tiver que depender de ajuda de custos ou de tempo disponível para estudar, descobrirá na pele os efeitos da burocracia do setor público e da má vontade do setor privado. Mas, caso decida não participar das “formações”, poderá ser considerado desatualizado e até mesmo relapso para com seus deveres. Em sala de aula e nos entornos das escolas e faculdades, os professores têm que conviver com as diversas formas de violência, desde a física até a psicológica, passando por outras de difícil classificação. Não são raros os casos em que são os professores que devem explicar o porquê de os alunos não conseguirem atingir as metas estatísticas impostas por seus superiores hierárquicos – muitas vezes compostos por pessoas que jamais vivenciaram a experiência de ficar diante de uma turma lotada, sem estímulo e cujo objetivo maior é ouvir a sirene anunciando o final do período de aula. Mas os projetos que chegam às escolas são bonitos e vislumbram


uma turma ideal. Porém, quem elabora tais projetos, por algum motivo, se esquece dos anseios e das necessidades dos professores, que são tratados como meros executores de tarefas e não como seres pensantes. Diante de um quadro que vem emoldurado pela consciência da desilusão, muitos profissionais do magistério não conseguem suportar a pressão e desenvolvem enfermidades que colocam em risco não somente sua vida profissional, mas também os relacionamentos interpessoais, com grandes possibilidades de terem o corpo e a mente prejudicados. Em todas as escolas é possível encontrar professores e professoras com crises de ansiedade, depressão, esgotamento físico e mental, burnout e outros problemas que dificultam a convivência da pessoa até com ela mesma. Isso sem contar casos como afonia, problemas de vista, dores na coluna, cansaço nas pernas, lesões por esforços repetitivos, obesidade e até mesmo alcoolismo e uso de drogas ilícitas. Problemas que, se não forem tratados em tempo hábil, poderão deixar severas sequelas na vida de um profissional que, além de tudo, pode se tornar alvo de piadinhas, chacotas e memes nas redes sociais. É preciso cuidar de nossos professores. É preciso permitir que os próprios professores tenham condições de cuidar de si próprios. É preciso fazer algo para que esse profissional possa continuar ajudando no progresso do país sem pôr em risco sua integridade física e mental. Nos próximos 15 de outubro, as mensagens carinhosas e os parabéns são bem-vindos, mas não podem servir para mascarar um problema que vai além da sala de aula e da secretaria de uma instituição de ensino. Elas devem ser recebidas com brilho nos olhos e alívio no coração.


ALGUNS INSTANTES COM CELSO BORGES JOSÉ NERES

Recentemente, no dia 23 de abril deste ano corrente, portanto há apenas seis meses, a música, o jornalismo e a literatura maranhenses se despediam da presença física de Antônio Celso Borges Araújo – mais conhecido como Celso Borges, um artista que transitava por diversas searas e que por onde passava deixava seus rastros de criatividade e de cuidado com as palavras, fossem elas para serem degustadas pelos olhos, a partir da leitura de seus poemas eternizados em livros, fossem elas transmitidas pelas ondas sonoras, pela audição de suas canções que continuam ecoando na interpretação de diversos artistas. Autor de diversos livros, Celso Borges era o tipo de poeta que se preocupava com cada mínimo detalhe de seus livros, desde o permanente cuidado com as escolhas lexicais até a preocupação com os aspectos gráficos de cada trabalho que publicava. Em suas mãos, as palavras ganhavam vida, mesclavam-se e se multiplicavam nas diversas possibilidades oferecidas pela relação existente entre vocábulos, imagens, vazios e silêncios. Seus poemas eram planejados minuciosamente e podem esconder dentro de si muito mais do que aquilo que é captado pelos sentidos nos contatos iniciais. Sabedor de que “a palavra é tudo ou nada” (Nenhuma das Respostas anteriores, 1996, pág. 11), o poeta equilibrava-se entre as inovações estéticas e uma percepção de que às vezes é preciso curvar-se às tradições sem nelas sentir-se eternamente preso. Logo no início do livro Vinte e Um: Poemas (2000, pág. 19), ele escreveu: tua bênção, poesia em nome do pai do filho e do espírito canto Irônico e observador, Celso Borges era especialista em provocar o leitor e levá-lo a uma reflexão acerca de tudo aquilo que nos cerca ontem, hoje e sempre, já que, embora seus textos estejam ambientados em um determinado tempo e espaço, ele tinha consciência da inefabilidade da poesia e de que as singularidades locais não deveriam sucumbir diante das universalidades pontuais. Talvez por isso, situar a poesia de CB dentro de um determinado estilo literário seja uma tarefa árdua para quem se preocupa mais com os escaninhos da literatura do que com a leitura aprofundada dos textos. Essa indefinição quanto a alguma filiação estética chega a transparecer no irônico poema “Mefisto” (Nenhuma das Respostas anteriores, 1996, pág. 77), onde está escrito que: nem eterno nem moderno


desejo por desejo prefiro o inferno Outra característica bastante marcante na poética de Celso Borges é a recorrência intertextual aos escritores que marcaram sua trajetória, tanto de consumidor quanto de produtor de poemas. É possível perceber em seus textos a presença de autores de diferentes linhagens literárias, como Haroldo de Campos, Maiakóvski, José Chagas, Ferreira Gullar, Vinícius de Moraes, E. E Cummings, Shakespeare, Caetano Veloso, Ezra Pound, Edgar Allan Poe, Nelson Rodrigues, Mary Shelley, John Fante, Bukowski, Jack Kerouac e Cecília Meireles, entre outros tantos que aparentemente contribuíram para a construção de seu estro poético e de sua sólida formação leitora. Não era do feitio de Celso Borges fugir dos conflitos ideológicos e colocar-se sobre um muro. Ele preferia um justo combate no qual as palavras eram as armas utilizadas para enfrentar as adversidades sociais e políticas detectadas por seu arguto olhar. Ele escolheu um lado para lutar e muitas vezes abandonava as trincheiras para enfrentar os problemas de peito aberto, como ocorre no poema abaixo, intitulado “Fascista” (Belle Époque). PORQUE A VIDA É BREVE E A ARTE RARA FODA-SE A MASSA IGNARA Em seu livro No Instante da Cidade, publicado em 1983, o poeta fragmentou sua cidade natal em quatro partes, ou em quadrantes, intitulados 1. Antes da Cidade; 2. A carne da cidade; 3. A cidade e o tempo dentro da vida e 4. O ciclo das cidades. Em cada um desses quadrantes, o poeta demonstrou a seus leitores que há múltiplas possibilidade de leitura da cidade, de acordo com o viés do olhar, como o momento ou com o ângulo adotado, afinal: num primeiro instante – mesmo antes – a cidade é uma pedra só desguiada do meu propósito no momento seguinte é um monumento uma fotografia de álbum estática irreversível do tamanho – por exemplo – de meu coração no instante do homem é um bloco infértil um robot do tamanho dela mesma no instante da máquina é um túmulo ou se você quiser um campo de concentração Cada parte do livro, então, se multiplica em breves poemas que podem ser vistos como independentes, mas que também podem formar um grande mosaico, um grande painel que precisa ser completado a partir de uma ideia de plena incompletude. O eu lírico do livro flana não apenas pelos pontos físicos ou (a)temporais da Cidade, mas também pela busca de algo que faça com que ele mesmo se compreenda como parte integrante e ativa da cidade, afinal de contas: (…) já não tardo se sou terno – padeço se sou verbo – esqueço se sou carne – apodreço (pág. 63)


Celso Borges foi um poeta de grandes recursos literários. Em seus livros e em suas canções o poder das palavras emana não apenas da fixação definitiva das letras no papel, mas sim das dúvidas que dali emanarão. Habilidoso com os versos, ele elevou à segunda potência poética a seguinte “Dúvida”: “Luto: verbo ou substantivo?”. As possíveis repostas parecem não interessar, pois em pleno século XXI, quando “o futuro tem o coração antigo” e o mundo está “pelo avesso” e repleto de “persona non grata”, talvez o mais correto seja esquecer a tal da “belle époque”, aproveitar cada “instante da cidade” e marca “nenhuma das respostas anteriores”. Celso Borges não é um Poeta de (in)definições. É um Poeta que apenas defendeu a ideia de que “há simplesmente poesia em tudo de mim”. A poesia habita o poeta e faz dele uma cidade repleta de infinitos instantes… todos repletos de Poesia.


A INVASÃO DOS SAPOS Ceres Costa Fernandes Sapos são fascinantes criaturas de Deus. Parecem nascer com o DNA de modelo fotográfico: observem a enorme plasticidade de sapos agachados, sapos em meio a um pulo olímpico, sapos de perfil, sapos, em close, de olhos esbugalhados e reflexivos. É algo de se ver e reparar. Nunca tive medo de nenhum deles, nem na infância. Só curiosidade e atração. Todos me agradam: o sapinho de beira de estrada, que canta (ou assovia) feliz em meio à grama molhada em dia de chuva, as gordas rãs que gorgolejam no brejo ou o cururu de voz de baixo que faz o contraponto do coro,. Mais chegada a silêncios e sons moderados, esse coral de rãs, sapos, sapinhos, sapões é um dos poucos barulhos que não me incomodam. Prefiro, mil vezes, uma orquestra de batráquios a um show do tal sertanejo moderninho. Vai que essa simpatia tem a ver com a forma como os sapos e rãs comparecem na literatura infantil. É o sapo da festa no céu, aquele que viaja dentro do violão do urubu e, sacudido dele, se esborracha no chão, adquirindo desde então a sua forma achatada; é o sapo que vira príncipe depois do beijo da princesa orgulhosa, em suas várias versões; é a rã da fábula que, na sua ânsia de crescer, querendo ser do tamanho do boi que se dessedenta em sua lagoa, vai se enchendo de água até explodir. Ora, dá-se que neste mundinho de Deus as coisas não permanecem sempre as mesmas. Ao amor pode se suceder o abuso do objeto amado pelo excesso de presença – não falo desse abuso badalado de hoje, que, de tão nocivo, dá até processo – o abuso, aqui, é sinônimo de enfado, desagrado. Pois é o que se deu comigo após a invasão de sapos na minha casa, desde que chegou o tempo seco. Sapo em meus modestos domínios não é novidade, sempre convivemos com os velhos e conhecidos sapos residentes, inquilinos de longas datas, detentores de usucapião e tudo o mais a que têm direito os posseiros, invasores e tipos folgados. São os moradores dos canos de águas pluviais, os ocupantes do pequeno depósito de paus do fogão a lenha, que sempre saem a passeio pelo jardim ou varanda, inclusive o famoso cururu “nem aí” que senta sobre a tigela da ração do cachorro, e de lá não sai nem a pau, forçando o cão a esperar a boa vontade dele para poder comer. Esses são os fixos. Mas, neste inverno, a saparia está demais. A ponto de eles entrarem casa a dentro e até tropeçarmos neles. Daí, abusei. Não há vassoura que dê jeito. Mesmo irritada com a falta de respeito, proibi o uso do sal nas costas, sugerido pelo caseiro como santo remédio. Maldade, não. E, então, é um tal de botar sapo no saco e jogar fora que não tem conta nem fim. E eles voltam! Penso na praga das rãs, no Egito. Lá foi castigo divino. Aqui, o que será? Além da seca, talvez o êxodo do espaço externo para o espaço das gentes seja agravado pelo asfaltamento das ruas do Olho d’ Água. Em suma, a saparia está fugindo do asfalto. Mas o ser humano nunca está satisfeito. É que o asfalto, tão certinho, lisinho, encobre ruas sem esgoto (Num bairro – dizem - de classe A!). Sucede algo assim como uma mulher vestida com requinte e com a roupa de baixo toda esfarrapada – não vou dizer sem roupa de baixo, pois algum engraçadinho pode achar que é mais interessante assim. Voltando aos sapos invasores, peço aos meus amigos vizinhos que estejam sofrendo com as visitas indevidas: não se zanguem com os bichinhos. Acho que o lugar certo para defenestrá-los é o imenso charco poluído que é hoje o antigo Rio Pimenta, o riacho de águas límpidas e de areias brancas da minha infância. Lá, eles podem se dar bem (ou não, que droga, tem a poluição...). Em todo caso, é sempre melhor do que lhes colocar sal nas costas.



ACONTECEU AGE







C

onvite do Professor Manoel Martins, idealizador do projeto "Baixada do Maranhão - trajetórias e perspectivas",

estarei dia 5 de outubro, das 14 às 17h30, na nossa UFMA, para discutir com alunos do curso de História o meu próximo romance "A menina e o Sol poente", com lançamento previsto para setembro de 2024. O livro, ambientado no rio Maracu, narra a história de um velho e de uma menina, unidos pelos laços de afeto e de espiritualidade, que em determinado momento da vida se veem sós e dependentes um do outro, por razões de cunho existencial.

ACADÊMICO SANATIEL PEREIRA LANÇA LIVRO HOJE O auditório do Palácio Cristo Rei recebe hoje professores, acadêmicos e amigos do Escritor Sanatiel Pereira, membro da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes (AMCLAM) e outros sodalícios, lança “Severiano Marinheiro - A História Completa”. Nesta sua nova obra, conta com detalhes o que realmente aconteceu com Severiano marinheiro, em sua viagem onírica, embarcado em sua igarité, sobre as águas do oceano Atlântico que circundam a ilha de Upaon-Açu.


No último dia 12, Sanatiel realizou Elogio ao Patrono da cadeira nº 09 que ocupa na AMCLAM, evento prestigiado por um bom público que inclusive assistiram o Acadêmico ser condecorado com o Colar de Mérito Acadêmico da entidade. #AMCLAM #academiasdeletrasmilitares






Chegou a nova edição com revisão histórica do Livro Resgate histórico da cidade de Viana com 178 páginas com história e memória da cidade. Os vianenses que não conseguiram comprar seu exemplar do livro Resgate histórico da cidade de Viana e tem interesse em conhecer a história e memória da cidade, já tem outra oportunidade. Em virtude da enorme procura dos leitores, chegaram a reimpressão do livro, com revisão histórica. Já disponível somente com o autor via pix pelo watsap (98) 983002722.


SOLENIDADE DO "JUBILEU DE OURO" (50 ANOS) DE FORMATURA DA 1A TURMA DE PSICOLOGIA DO CEUB (1973). Na ocasião, doei um exemplar do meu livro "Esfinge: decifra-me ou te devoro" para a Biblioteca Central do CEUB e para os componentes da mesa.




Nossa imortal Jucey Santana representou a AICLA na cerimônia de inauguração da Academia Rosariense de Letras. Ficamos felizes com mais um sodalício sendo criado no Maranhão e desejamos muito sucesso na defesa e promoção da cultura de tão querida cidade.


Federação das Academias de Letras do Maranhão - FALMA

EDITAL DE CONVOCAÇÃO A Presidente da Federação das Academias de Letras do Maranhão, Jucey Santos de Santana, convoca as Academias de Letras e Institutos Históricos associados FALMA para a Assembleia Geral Extraordinária (dois delegados por instituição afiliada), a realizar-se no dia vinte e dois de outubro de 2023, a partir das 16 horas, no espaço da 16ª Feira de Livros de São Luís, na Praça Maria Aragão, em São Luís, capital do Estado do Maranhão, para a seguinte ordem do dia: a) Eleição da diretoria executiva da Federação das Academias de Letras do Maranhão – FALMA, para o triênio 2024/2026. São Luís (MA) 21 de setembro de 2023, Jucey Santos de Santana Presidente da FALMA


FUNDAÇÃO DA ACADEMIA PENALVENSE DE LETRAS E ARTES


No último Sábado, dia 14 de outubro, aconteceu a solenidade de posse e fundação da APLA ( Academia Penalvense de Letras e Artes ). A sessão de posse dos membros fundadores e diretoria executiva, aconteceu no SindSempe ( Sindicato dos Servidores de Penalva ). Na oportunidade, aproximadamente 26 membros ligados à Literatura e às Artes tomaram posse, mas ainda há 14 vagas disponíveis.

As vagas serão preenchidas, através de editais que serão divulgados pela fundação. Qual o objetivo da APLA ? A APLA, com seus membros e patronos talentosos, representa uma nova era de criatividade e expressão cultural na comunidade. Além de preservar a rica herança literária e artística da região, esta academia promete ser um ponto focal para o florescimento de novos talentos.

APLA planejará atividades como lançamentos de livros, exposições de arte, palestras e eventos culturais com o propósito de compartilhar e celebrar o vasto tesouro de conhecimento que seus membros representam. Essa instituição será fundamental para inspirar as futuras gerações a explorar o mundo da literatura e das artes, perpetuando assim o legado cultural de Penalva.



Biblioteca Pública Benedito Leite realizará na próxima terça-feira, 24 de outubro, o Recital Poético Mundinha Araújo! O Recital faz parte da programação realizada pela BPBL em alusão à Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, que é celebrada no período de 23 a 29 de outubro. O Recital, além de contar com a presença da grande homenageada, Mundinha Araújo, contará com as participações especiais de Francilene Cardoso, Goreth Pereira, Jô Conde, Josy Cantanhede e Raimunda Frazão. O evento é aberto ao público, sem agendamento e acontecerá às 16h, no Salão de Referência da BPBL, junto à exposição Estante afro Mundinha Araújo.



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