Fotografe 211

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Fotografe Melhor #211


CULTURA

A bailarina Maria Clara Sussekind dan莽ou para as lentes de Paula Lobo na Capad贸cia, na Turquia

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Paula Lobo

O movimento

decisivo A colaboradora do The New York Times Paula Lobo conta como foi trocar a publicidade pela fotografia e a mudança para os Estados Unidos. Em março de 2014, ela lançou livro sobre dança para o qual visitou 11 países POR KARINA SÉRGIO GOMES

E

m 2011, com um portfólio solidificado com imagens das grandes companhias de dança de Nova York e uma história para contar da primeira sessão de fotos para o livro que queria fazer, a brasileira Paula Lobo resolveu entrar em contato com a editora de fotografia do jornal The New York

Times, Sara Bennett. Com um e-mail preciso de apenas três linhas, a fotógrafa conseguiu marcar a reunião com ela e levou seu material. Ela havia selecionado 40 imagens feitas entre companhias americanas para a qual trabalhava e de dançarinas que registrou na viagem para a Turquia. Mandou ampliá-las

no tamanho de 28 x 35 cm e as colocou em uma pasta de couro com o nome dela gravado. “Foi caro, mas foi o melhor investimento que fiz na vida”, afirma. Paula Lobo saiu da reunião com o contrato de fotógrafa freelancer assinado e colabora fotografando espetáculos para o jornal até hoje.

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Paula já fotografou grandes espetáculos para o jornal The New York Times, como Glass Pices, da Companhia de Balé de Nova York...

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Paralelo aos frilas para o The New York Times e registros de companhias de dança em Nova York, Paula tocou o projeto do livro, que acabou resultando também em uma série para o canal fechado Multishow, Mundo em Movimento. Somadas as viagens para a publicação e para a TV, a fotógrafa percorreu 11 países conhecendo bailarinos de Índia, Marrocos, Turquia, Porto Rico, México, Noruega, Japão, Espanha, Argentina, Brasil e Estados Unidos. Todos dançaram para sua lente, e o resultado é o livro Quando Eles Dançam (Editora Senac, 2014). Ali estão selecionadas cerca de 130 imagens, e para cada conjunto de fotos Paula escreveu um breve texto contando a história daquele momento. O projeto do livro começou após dois anos fotografando renomadas companhias de dança de Nova York. A ideia era documentar a dança em diferentes países. A primeira viagem foi para a Turquia. “Tinha vontade de conhecer o país e resolvi começar por lá. Quando voltei, fiquei muito

feliz com o material colhido e me senti, pela primeira vez, muito bem-sucedida em um projeto”, lembra.

CÂMERA NA MÃO Paula só usa tripé para fazer retrato de bailarinos em estúdio. Quando sai para fotografá-los em espetáculos ou executando coreografias em cenário (nesse caso, para o livro), gosta de segurar a Nikon D3s na mão. “Com a câmera junto a mim, sinto que fico mais alerta e tenho mais domínio e agilidade para acompanhar os passos dos bailarinos”, diz. A fotógrafa também dispensa flashes e outros equipamentos de iluminação. Prefere a luz ambiente ou a já pensada pelo cenógrafo para os espetáculos. Para lidar com as situações limites de luz, ela usa as Nikkor 80-200 mm f/2.8, 24-70 mm f/2.8 e 50 mm f/1.4. Como os bailarinos geralmente se movimentam rápido, nunca trabalha com velocidade menor do que 1/320s e sempre com o ISO alto. Nas fotos


Fotos: Paula Lobo

externas, regula o ISO entre 200 e 800 e, em internas, entre 1600 e 6400. Como ex-bailarina, Paula Lobo não gosta de atrapalhar quem está assistindo ao espetáculo, muito menos os profissionais de dança. Por isso, se concentra para fotografar apenas os melhores movimentos da coreografia que resumem bem a história contada pelos passos dos bailarinos e faz pouco barulho com os cliques da câmera. “Se a coreografia é curta, fotografo mais. Se ela for longa, prefiro esperar os momentos certos. A câmera é barulhenta e atrapalha a quem está assistindo. Não ia gostar de sentar na plateia e ficar ouvindo cliques”, explica. Paula ainda usa um Camera Muzzle, uma espécie de espuma para revestir todo o equipamento, que abafa o som dos cliques. É com discrição e sensibilidade que a fotógrafa brasileira registra diferentes companhias de dança de Nova York e do mundo, como Pina Bausch, New York City Ballet, American Ballet Theater, Ballet

Hispanico e Tokyo Nacional Ballet. Entre os planos para o futuro está continuar a fotografar dança para o The New York Times, para o projeto Quando Eles Dançam e para um novo livro. Ela começou a se dedicar em 2014 ao projeto que pretende documentar histórias de pacientes a espera por transplante de órgãos. “Estou aberta a todas as oportunidades de trabalho que aparecerem”, afirma.

... Como el musguito en la piedra, ay si, si, si, de Pina Bausch (acima); e Three Theories, de Cedar Lake (abaixo)


Ao lado, dançarina Collena Shakti, em Puskar na Índia, para o livro Quando Eles Dançam; abaixo, a fotógrafa Paula Lobo

câmera e revelar um filme”, conta. Depois do breve aprendizado, Paula ganhou uma Canon AE-1, que usava para fotografar amigos e viagens. A fotografia – como a dança se tornara – virou um hobby. Paula seguiu na publicidade por mais oito anos, até que ganhou uma Nikon D50 e resolveu fazer um curso básico com o fotógrafo paulistano Paulo Batelli. Foram apenas algumas aulas em que a publicitária aprendeu a manejar a câmera e fez algumas fotos. No último dia de curso, ao apresentar as imagens feitas ao professor, ele perguntou: “O que você vai fazer com esse trabalho?”. A pergunta agiu como uma fagulha na cabeça de Paula, já explodindo em questionamentos sobre a profissão que exercia.

Fotos: Paula Lobo

O RECOMEÇO

Max Ocampo

DE SAPATILHA

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Paula Lobo, 35 anos, começou a estudar balé aos três anos de idade. Os movimentos da dança a guiaram até os 20 anos, quando trocou as sapatilhas pelo teclado do computador de uma agência de publicidade. Além de dançar, Paula gostava de escrever. E achou que comunicação por meio da escrita tinha mais a ver com o que ela queria profissionalmente do que a dança. Foi no primeiro ano da faculdade de Publicidade que Paula descobriu o mundo da fotografia. “Era uma aula básica em que foram ensinadas algumas noções de como operar uma

Aos 28 anos, descontente com o ofício de redatora publicitária, Paula refez, a si mesma, a pergunta feita por Batelli revendo imagens que tinha produzido. E a resposta que lhe veio de imediato foi: vou trabalhar com fotografia. Um dia, tomou coragem e ligou para a fotógrafa Nana Moraes, cujo trabalho admirava. Ao telefone, explicou sua história e disse que estava afim de mudar de área e perguntou se poderia ser estagiária no estúdio dela. Nana lhe ofereceu estágio de um mês. Paula pediu demissão do emprego na agência e agarrou a oportunidade. “Queria mesmo só aprender, conhecer o dia a dia de um fotógrafo e ver como funcionava as relações de trabalho desses profissionais”, lembra. Depois do primeiro mês, foi contratada como assistente de Nana, com quem trabalhou por mais dois anos. Durante esses 24 meses, Paula


leu muito sobre fotografia, pegou vários livros emprestados de Nana para recolher referências, aprendeu a montar luz no estúdio e perguntou muito sobre todo esse universo em que estava entrando. “Sou muito curiosa e perguntava sobre tudo. Adorava conversar com ela. E tive a sorte de ter uma pessoa interessada em dividir seus conhecimentos comigo”, diz.

mildade, a brasileira bateu na porta das companhias que queria fotografar e se apresentava nessa ordem: “Sou brasileira, fotógrafa, estou montando meu portfólio e gostaria de fotografar a companhia de vocês”. Paula diz que raramente recebeu um não. E que o fato de ser brasileira lhe ajudou, pois sentia que as pessoas tinham uma simpatia pelo País.

Acima, 20 bailarinas posam para a brasileira em um carrossel no Dumbo Park, em Nova York; abaixo, o making of de Paula fotografando na Índia para o programa Mundo em Movimento

Assim que percebeu que já tinha o domínio do ofício da fotografia, Paula começou a se perguntar em que iria se especializar. Ao mesmo tempo, ela sentiu a necessidade de se reconectar com a dança. E ficou claro que unir os dois universos era o caminho a seguir. Outras questões, então, se formaram na cabeça da fotógrafa: onde estão as companhias de dança que quero fotografar? Onde quero trabalhar? Em busca dessas respostas, Paula tirou dois meses de férias do estúdio de Nana Moraes e foi para Nova York a fim de montar um portfólio com fotos de dança. Com hu-

Arquivo Pessoal

PRIMEIROS PASSOS

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Paula Lobo

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Acima, bailarina Kanako Ihara dançando em uma rua de Tóquio, no Japão; abaixo, capa do livro Quando Eles Dançam, lançado pela editora Senac

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A primeira companhia que fotografou foi a da bailarina Carolyn Dorfman, voltada para dança contemporânea e fundada há 30 anos. Assim que terminaram os dois meses, Paula entregou as fotos a Carolyn, que pediu para que ela ficasse mais um mês e registrasse outros espetáculos. “Nova York é uma cidade onde as pessoas fazem tudo muito bem-feito. Aqui, eles têm um ditado que diz que você deve ser o melhor no que faz. Você tem de surpreender o cliente, se não você vai ser apenas mais um”, analisa. A fim de vencer na Big Apple, Paula pesquisou profissionais que trabalhavam na área e se tornaram referência para descobrir o diferencial deles. Desse modo chegou ao nome da norte-americana Lois Greenfield. “Ela trabalha mais com estúdio. Mas me conecto com ela porque ela é inovadora nessa área. Inventou um espaço para ela. Assim como tive de encontrar o meu lugar. Ela é minha inspiração”, explica. O que Paula trazia de diferente na bagagem era a experiência de 17 anos de balé. “Ouvia dos bailarinos que estava fo-

tografando a intimidade da dança, além do movimento. Consigo, mesmo sem nunca ter visto o espetáculo, pegar rapidamente a história e registrar o movimento que representa aquela coreografia. Às vezes, está todo mundo esperando pelo grande salto. Mas procuro entender qual é o passo que demonstra mais emoção, que nem sempre é o mais acrobático”, explica. Essa vivência lhe ajudava a registrar os melhores momentos das coreografias com facilidade. De acordo com a profissional, o trabalho do fotógrafo é como se fosse o de um curador: ele tem que entender quais movimentos contam aquela história e registrá-los. Três meses depois, quando voltou para o Brasil, Paula tinha certeza do que queria fazer como fotógrafa. Pediu demissão a Nana Moraes, se organizou e voltou para Nova York para mais uma temporada. Isso foi no fim de 2009, e a fotógrafa só voltou à terra natal para passar férias, rever amigos e a família. “Fotografia não é só a minha profissão. Mudei de cidade, de língua e de vida em nome desse sonho”, resume.


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