34ª Edição do Jornal Contramão

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UNA - Ano 9 - Belo Horizonte - Dezembro de 2015/Março de 2016 Jornal Laboratório do Curso de Jormalismo Multimídia Instituto de Comunicação e Artes

PAIXÕES, CONFLITOS, PRESENÇAS, DIREITOS, TESTEMUNHAS E NOSTALGIA

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editorial

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editorial 12 de agosto de 2015. Um protesto contra o aumento das tarifas de ônibus na capital mineira termina com dezenas de pessoas (entre manifestantes e pedestres) confinadas em um hotel, fugindo da ação policia. O CONTRAMÃO acompanhou o protesto e, no dia seguinte, repercutiu o caso ouvindo testemunhas e coletando depoimentos de manifestantes, policiais, cientistas políticos e representantes dos direitos humanos. Nesta edição, a repórter Bruna Dias resgata, em reportagem, a cronologia dos eventos arrolando novos personagens dessa história e elementos relacionados à uma das mais criticadas ações da polícia, desde junho de 2013. O cuidado em correlacionar eventos simultâneos, por diferentes perspectivas, é fruto de um trabalho que ainda não terminou cujo produto será um documentário a ser lançado ainda no primeiro semestre de 2016. O esporte ganha destaque com o trabalho dos repórteres Douglas Rodrigues, Maycon Santos, Sandra de Castro e Sarah Santos que a partir do depoimento de profissionais do jornalismo esportivo de BH, tentam traçar o possível perfil da cobertura jornalística dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em agosto de 2016. Os Jogos Paralímpicos e a rotina de treinos dos atletas, muitas vezes sem recursos mínimos, é o tema dos repórteres João Alves e Oliver Bredariol. Ainda sobre esportes o repórter Victor Barboza escreve sobre as conquistas dos times mineiros de futebol americano, em competições nacionais e internacionais. A nostalgia inspira o repórter Raphael Duarte que, durante dias, dedilhou os Lps de um sebo do edifício Maletta. O vinil retorna com força na obra de artistas como Gal Costa, Pitty, Sandy, Skank e Criolo e, cada vez mais, conquista a geração do Spotify. Os repórteres Gael Benitez e Júlia Guimarães aproveitaram a circunstância da cobertura da Mostra de Cinema de Tiradentes e produziram uma reportagem em enfatiza a busca por espaço e reconhecimento da mulher na cinematografia mundial e brasileira.

Jornal laboratório do curso de Jornalismo Multimídia do - Instituto de Comunicação e Artes - Centro Universitário UNA Reitor: Átila Simões Diretor do ICA/ UNA: Prof. Lélio Fabiano dos Santos. Coordenadora do curso de Jornalismo Multimídia: Tatiana Carvalho Costa (2015) - Carla Maia (2016). Contramão. Coordenação: Reinaldo Maximiano (MTb 06489). Téc. de Laboratório: Ana Sandim (MTb 18727). Revisores: Ana Sandim e Reinaldo Maximiano. Foto de capa: Yuran Khan Estagiários: Ana Paula Tinoco, Amanda Aparecida, Bruna Dias, Gael Benitez, Julia Guimarães, Raphael Duarte, Victor Barboza e Yuran Khan. Diagramação: Alexandre Milagres, Ana Sandim e Victor Barboza Tiragem: 2.000 exemplares. Impressão: Sempre Editora.

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CRÍTICA

crítica O livro-reportagem Rota 66: a história da polícia que mata, começa narrando uma perseguição pelas ruas dos Jardins, em São Paulo. A veraneio cinza da unidade 66 das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) parte no encalço de um fusca azul onde estão três rapazes suspeitos de serem ladrões de tocafitas. Num ritmo frenético, furando sinais e invadindo faixas de trânsito a perseguição termina com o fuzilamento dos rapazes. A versão da Rota atestava: perseguição e confronto a tiros. O que se confirmou, mais tarde, é que os jovens estavam desarmados e eram de família de classe média alta de São Paulo. Um ponto fora da curva. Caco Barcellos investe nos detalhes, começa narrando essa perseguição, descreve mudanças de marchas, reações e amarra esse relato a outros que destacam o modo como agem um certo grupo de policiais militares. O livro conta com uma estrutura bem elaborada e vai se construindo a partir de dados aferidos pelo autor-repórter e que alimentam um banco de dados. O resultado nos leva a questionar sobre a real intenção por trás da conduta policial. Fica nítido, ao longo da leitura, que há recorte étnico na ação da Rota, especificamente, uma divisão de elite da polícia, voltada inclusive para a perseguição a guerrilheiros nos Anos de Chumbo. Os dados são claros. A maioria das pessoas que morreu pelas mãos da polícia, segundo Barcellos, no período de pesquisa para o livro (entre 1980 e 1990), é do sexo masculino, parda ou negra, 51%(sendo que naquele período a população negra e parda consistia em apenas 22% da população do Estado de São Paulo), de classe baixa, moradora de bairros de periferia, com idade entre 18 e 25 e sem passagem pela polícia. Os corpos dessas vítimas ostentavam marcas de fuzilamento e foram atingidas, como os rapazes do fusca azul, em áreas vitais como coração e cabeça.

Texto: ANA PAULA TINOCO Foto: ACERVO ESTADÃO/ROTA66

Os dados também mostram que a maioria dos encarcerados, naquele período, eram brancos e haviam cometido crimes hediondos como: latrocínio(65%), estupro(68%) e assaltos(60%). O número de pessoas brancas mortas, 1.932, é excessivamente menor diante do número total de vítimas que é de 4.179, segundo Barcellos. Então, nos vem à mente a pergunta: O que motivou tais mortes? Não é difícil escutarmos ou lermos comentários como: “depois de morto todo mundo é santo”

ou “bandido bom é bandido morto”. Mas, à medida que vamos destrinchando as páginas do livro, vamos percebendo que nem todos que estão com a mão no bolso ou correndo tem algo a esconder. Um dos méritos da obra está em mostrar o desenvolvimento da investigação jornalística que desmonta o senso comum por estar amparada em dados (estatísticas, BOs, notícias de jornal, fichas de entrada em prontosocorro, etc.). Assim, é possível reconhecer aquela polícia que mata. Os críticos à obra de Barcellos o acusam de parcialidade e de generalizar toda uma corporação a partir de um determinado grupo que agia (e age) de modo ilegal. Mas frente ao corporativismo e à impunidade descritos por Barcellos, a impressão que fica é a de que a instituição abre o espaço de cena para esses atores. O programa Profissão Repórter, de 24 de fevereiro de 2015, mostrou a cerimônia de formatura de 921 sargentos da Polícia Militar de São Paulo e enfatizou que a formação dos policiais se pauta pela lógica da guerra. No discurso, o paraninfo, o coronel aposentado Paulo Telhada, ex-comandante da Rota, declara: “Os senhores retornarão às ruas para lutarem na guerra desleal contra o crime, onde, infelizmente, várias baixas têm ocorrido.”. Segundo o programa, 801 pessoas foram mortas por policiais, no estado de São Paulo, em 2014, 20% a mais que no ano anterior. No mesmo período e lugar, dez policiais foram mortos. O livro continua atual. Como cidadã observo que o livro cumpre o papel a que se propõe, que é o de informar a sociedade sobre os crimes cometidos por aqueles que, supostamente, deveriam nos proteger. Fato que cria um sentimento de revolta diante da impunidade perante esses crimes. Como estudante de jornalismo, observo que a obra cumpre um papel didático: nos ensinar a seguir os passos da apuração e da checagem contínua. O repórter, no livro-reportagem, partiu da pesquisa sobre crimes cometidos pela ROTA, a pesquisa o amparou a documentação na montagem do banco de dados que, por sua vez, sustentou as entrevistas com familiares das pessoas que foram mortas pela polícia. A conclusão que chego, ao término da leitura: Rota 66: a história da polícia que mata é leitura obrigatória e revela que na história de mocinhos e bandidos, há bandidos entre os mocinhos.

ROTA 66

A Cor da Violência policial no Brasil


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esporte

Rumo às Olimpíadas Texto: DOUGLAS RODRIGUES, MAYCON SANTOS, SANDRA DE CASTRO E SARAH SANTOS Reportagem produzida para a matéria de Redação em Jornalismo sob orientação do professor Evaldo Magalhães


esporte

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Força paralímpica Texto: JOÃO ALVES FOTO: AFP PHOTO / GLYN KIRK Na foto Terezinha Guilhermina e seu guia na Paraolimpíada de Londres

Globo, Bandeirantes e Record entre a disputa de audiência e a busca por uma cobertura mais democrática dos jogos A cobertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, no Brasil, é intensamente planejada e aguardada pela imprensa mineira e nacional. O país será o centro das notícias mundiais de 5 a 21 de agosto e de 7 a 18 de setembro de 2016, respectivamente. Negociações entre o COI (Comitê Olímpico Internacional), o grupo Bandeirantes de Comunicação, a TV Globo e a Rede Record ampliam as opções na TV aberta e acirra a disputa entre as emissoras. Segundo o site oficial do evento (www. rio2016.com), o acordo com os três grandes grupos de comunicação renderá um contrato de US$ 210 milhões (US$ 170 milhões em direitos de transmissão e pelo menos US$ 40 milhões de comissão em pacotes promocionais de mídia). O site revela também que esses valores marcam um novo referencial de direitos de imagem e confirmam a solidez e diversificação da economia brasileira, além de fazer do Brasil o terceiro maior mercado em direitos televisivos para o COI. Durante a gravação da 4ª edição do programa Café Contramão, em 27 de outubro de 2015, profissionais do jornalismo esportivo, estudantes e professores debateram desafios da cobertura midiática as Olimpíadas de 2016. O assessor de comunicação do Minas Tênis Clube (MTC), Rodrigo Fuscaldi, destacou que não é mais interessante para uma única emissora adquirir os direitos exclusivos de transmissão. “As emissoras entenderam que é mais vantajoso pagar menos sem exclusividade e, depois, disputar a audiência pela qualidade da cobertura”, assegurou. O produtor de esportes da TV Record Minas, Luigi Reis, endossa a perspectiva de que é salutar ter mais veículos na cobertura do evento: “´É mais campo de trabalho para os profissionais da comunicação”. Já o diretor de esportes da Rádio Inconfidência, José Augusto Toscano,

avaliou que os altos custos de transmissão do evento inviabilizam a entrada de órgãos públicos na concorrência. "O esporte é importante, mas o estado tem outras prioridades. Não podemos pagar milhões de dólares pela cobertura”.

Concorrência com o futebol é desafio Os profissionais do jornalismo esportivo, destacaram ainda a dificuldade de despertar a atenção do público para os jogos olímpicos no chamado “país do futebol”. Para o assessor de comunicação do MTC, Rodrigo Fuscaldi, vencer o futebol na mídia é uma batalha diária. “O Minas Tênis possui atletas de referência como o Thiago Pereira e o César Cielo. Isso ajuda. No entanto, tenho que trabalhar bastante para divulgar um jogo da superliga de vôlei e tenho que ter fotos interessantes e entregar o material mais completo possível para as redações dos veículos de comunicação”. O assessor disse também que, apesar de sua ampla trajetória no jornalismo esportivo, ainda se surpreende com a grande diferença de audiência entre o futebol e outros esportes.

Os problemas que os paratletas precisam vencer

Após as competições oficiais olímpicas, o país abre espaço para receber os Jogos Paralímpicos de 2016, que serão sediados no Rio de Janeiro. O Brasil é considerado uma potência nos esportes especializados para pessoas com deficiência. Na última edição do evento esportivo, em 2012, a equipe brasileira se classificou em 7º lugar e, durante os Jogos do Pan em Toronto, os atletas brasileiros conquistaram o terceiro lugar, com 141 medalhas. As classificações e o número de medalhas não são suficientes para que a Paralímpiada tenha o mesmo engajamento mídiatico que o seu evento vizinho, as Olimpíadas. Quando questionado sobre essa diferença, durante a gravação do programa Café Contramão, o produtor da equipe de esportes da TV Record, Luigi Reis, afirmou: “Os atletas são tratados de formas diferentes por conta do contexto de superação que eles representam. Enquanto os atletas olímpicos são vangloriados como mitos, os esportistas paraolímpicos são tratados como personagens de superação”, comparou. Já o coordenador de jornalismo do Minas Tênis Clube, Rodirgo Fuscaldi, comentou que o clube está se preparando melhor para receber os paratletas da seleção da Grã-Bretanha. O clube será o QG de treinamentos até o início das competições. “Estamos investindo na área, já que a nossa estrutura não apresenta as condições necessárias para esses atletas. A meta é estruturar o centro de treinamento para ambos os tipos de atletas”.

O jornalista José Augusto Toscano destacou a cobertura que a rádio Inconfidência tem dedicado à transmissão de outros esportes, principalmente, o vôlei. “Recentemente, transmitimos jogos de vôlei pelo rádio e foi um sucesso. Mas, infelizmente, não há muitas rádios que tenham coragem de fazer o que fizemos”.

Enquanto as instituições privadas criam maneiras de melhorar a sua estrutura interna, ha paratletas que treinam sem nenhuma condição. Este é caso da lançadora de dardos, Luciana de Jesus Dias, 33, cega, e de Alan Patryck Claudino, 24, cego, que pratica salto à distância. Luciana é número um no ranking Brasileiro e Alan está no Top 10. A dupla, além de não ter um espaço adequado para treinar, sofre com falta de material para treino, transporte para as competições e com ação do tempo, já que os treinamentos são feitos ao ar livre, durante a tarde, entre as 13h e 15h30.

Em julho de 2015, o responsável da TV Globo pela cobertura da Rio 2016, Renato Ribeiro, revelou em uma palestra na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) que a cobertura de outras modalidades esportivas é um naufrágio para a audiência da emissora e que não seria papel da TV aberta transmitir outros esportes que não o futebol.

“Nós não temos uma pista adequada, o próprio material que a gente tem, nós tiramos do nosso próprio bolso, ou seja, falta incentivo”, explica o técnico e guia dos atletas, Pedro Henrique Vasconcelos de Queiroz, 26. “Luciana é, atualmente, a melhor atleta do Brasil em dardos, e treina no pior lugar do país, isso você pode ter certeza”.


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esporte

Belo Horizonte entre jardas Texto: VICTOR BARBOZA Foto: JAYSON BRAGA

Futebol Americano cresce e faz sucesso na capital.


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esporte

“Um jogador entra na área ao fundo do campo adversário com a posse da bola”, nesse momento, a emoção de um “gol” pode ser substituída pelo touchdown. Quando se ouve falar de Esporte em Belo Horizonte, é difícil não pensar em Futebol. Embora esta seja uma das paixões dos Mineiros, é uma outra modalidade, o Futebol Americano, que vem crescendo consideravelmente nos últimos anos. O Futebol Americano, conhecido nos Estados Unidos simplesmente como football, começou a ser praticado em BH no ano de 2005, após encontros e conversas de admiradores do esporte. As reuniões que aconteciam no Parque Ecológico da Pampulha atraíram mais fãs e assim, foi fundado o primeiro time da capital mineira: o BH Goldminers. Tentando fugir do estigma de que o esporte é de estrangeiros, em 2006, surgiu o atual nome da equipe, Minas Locomotiva. A ideia de ter um nome em português foi para dar maior visibilidade a associação. Hoje, Minas Gerais ainda conta outras equipes, uma delas é o GET Eagles, a primeira equipe de orientação cristã a praticar o esporte na cidade. O jovem time, fundado em 2014, é uma grande promessa para 2016, já que no início do mês de fevereiro, venceu a Copa América de Futebol Americano no México. O clube conquistou grandes avanços e hoje conta com um plantel de aproximadamente 100 atletas, que atuam completamente equipados com comissão técnica e administrativa, além da rotina de treinos e patrocínios.

“Sempre tem alguma barreira para ser quebrada, seja ela física, técnica ou tática.”

Segundo Felipe Roberto, fã do esporte, a modalidade possui grande torcida. “Torço e simpatizo pelos três times de BH, Eagles, Locomotiva e Piratas da Serra. Torcer por um time da cidade é ter como vivenciar uma das maiores paixões de perto, posso saber tudo sobre eles. Espero um crescimento ainda mais rápido para a prática. Vejo Belo Horizonte e Minas aparecendo cada vez mais no cenário do football no Brasil”, completou Roberto.

No fim do ano de 2015, os times de BH receberam centenas de candidatos nas seletivas realizadas. De acordo com o atleta Ítalo Mingoni, as seletivas cheias de participantes mostram que a procura por oportunidades no esporte aumentou. ”O futebol americano é um esporte democrático e atrai atletas de todos os tipos. A prática está sendo cada vez mais apreciada pelos amantes de esportes. A NFL (National Football League) é hoje, o carro chefe de um dos principais canais de transmissão esportiva do país, com bastante audiência. Esse crescimento nacional é refletido em nosso estado, e temos muitas pessoas querendo praticar e assistir aos jogos”, completou o jogador do Minas Locomotiva. Com pouco apoio de investidores e patrocinadores, as instituições e os jogadores buscam superar as barreiras que existem no esporte. Para o jogador Guilherme Aleixo, superar os limites é o que mais o motiva. “Sempre tem alguma barreira para ser quebrada, seja ela física, técnica ou tática. Você nunca vai saber tudo sobre o futebol americano. Todos os dias uma nova estratégia esta sendo usada em algum lugar do mundo ou uma nova técnica de jogo está sendo desenvolvida. Essa busca por melhoras é algo que football te impõe”, completou o esportista.

Campeonato Mineiro Em janeiro, a Federação Mineira de Futebol Americano divulgou a tabela inicial da 3ª edição do campeonato mineiro da modalidade. A disputa conta com 6 equipes participantes. Minas Locomotiva e Get Eagles de BH concorrem com Uberlândia Lobos e Uberaba Zebus do Triângulo Mineiro, Timóteo Titans do Vale do Aço e Pouso Alegre Gladiadores. O torneio teve início no dia 12 de março e vai até o dia 28 de maio.


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Belo Horizonte, 03 de janeiro de 2016 A Prefeitura de Belo Horizonte anunciou o reajuste das tarifas de ônibus em 30 centavos. As passagens da maioria das linhas subiu de R$ 3,40 para 3,70, totalizando o segundo reajuste em um período inferior a seis meses. O aumento anterior, foi em julho de 2015, quando as passagens foram de R$ 3,10 para R$ 3,40. Na ocasião, a Defensoria Pública contestou o reajuste na justiça e os movimentos sociais exerceram forte pressão contra a prefeitura e empresas de ônibus, por meio de manifestações constantes nas ruas do centro da capital. A reportagem que segue trata da manifestação organizada pelos movimentos Passe Livre BH (MPLBH) e Tarifa Zero (TZ-BH), em 12 de agosto de 2015. Em menos de duas horas, a avenida Afonso Pena, na região central da capital mineira, se converteu de espaço de protesto para campo de guerra, quando a Polícia Militar tentou liberar uma das faixas para o trânsito de veículos. Nas próximas páginas, testemunhas descrevem o que viram e viveram naquela noite em que manifestantes e pedestres ficaram confinados dentro de um hotel.

Praça Sete de Setembro, BH, 12 de agosto de 2015, 17h atendendo Aos poucos, as pessoas se reuniram a pelo nizad orga ao chamado para manifestação Tarifa Zero Movimento Passe Livre BH (MPL-BH) e pelo pelas redes a ulad (TZ-BH). Toda a manifestação foi artic contrário ao sociais e tratava-se de um posicionamento s de ônibus tarifa 2o reajuste, em menos de um ano, das de 19,3%, em BH (de R$ 3,10 para R$ 3,40), um aumento acima da inflação do período (6,4%). a pacífica. O protesto, em si, começou às 17h30, de form avenida Os manifestantes seguiram em passeata pela itura de Belo Afonso Pena, em direção ao prédio da Prefe de “pular Horizonte, onde seria realizado o ato simbólico o grupo a catraca”. Nas proximidades da Igreja São José, ores e 400 de 5 mil manifestantes, segundo os organizad ntraram o conforme contabilizou a Polícia Militar, enco liberação de bloqueio policial. O comando reclamava a de veículos. uma parte da via para normalizar o trânsito e, desde A repórter de O Tempo, Bárbara Ferreira, cobr de tarifas do 2013, as manifestações contra os aumentos nciado atos transporte coletivo e assegura nunca ter prese pequenos, de violência: “Normalmente, são protestos te, queimam com pouca gente, onde eles, tradicionalmen rter não uma catraca e dispersam”. Assim, a repó r que havia esperava por confrontos, mas começou a nota ato. uma propensão ao conflito, logo no início do a PMMG Naquele momento, manifestantes e ida Afonso negociavam a liberação de uma faixa da aven primeira Pena que corta o centro da capital mineira. “Na a São José, negociação, na Afonso Pena, próximo a Igrej a polícia, lembro de uma das meninas negociando com precisavam falando com o coronel Gianfranco que eles não estavam de um tempo, porque era muita gente e eles da via. Já, de conseguindo se organizar para liberar parte um tempo cara, eles foram muito duros e estipularam se via uma curto para que a via fosse liberada. Não rter. predisposição para negociação.”, avaliou a repó

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CENÁRIO DE GUERRA Ato contra o aumento de tarifas termina em bombas da PM e manifestantes confinados em hotel 4 estrelas, no centro de BH

Texto: BRUNA DIAS FOTOS: BRUNA DIAS, VICTOR BARBOZA, JOÃO ALVES E MAXWELL VILELA


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”Vi que eles não iam esperar, me virei para os manifestantes, eu os vi começando a se organizar e ouvi a primeira bomba!”.

Rua da Bahia, BH, 12 de agosto de 2015, aproximadamente 18h50

Ao seguir a Afonso Pena, próxim o a rua da Bahia, os manifestantes encontraram um cordão policia l que os impediu de chegar ao prédio da PBH. Os manifestantes, então, subiram a rua da Bahia até o quarteirão da rua Goiás. Em minutos, um forte contingente de policiais bloquearam a passagem. A repórter Bárbara Ferreira e o fotógrafo Denilton Dias estavam próximos ao cordão policial. Ferr eira sentiu o clima de tensão, apresentou o crachá de repórter e pediu para sair do local. Segundo ela, os policiais negaram sua saíd a. “O tenente-coronel Gianfranco dizia que eles [os manifestantes] teriam cinco minutos para liberar a via, as lideranças diziam que pre cisavam de mais tempo, devido a quantidade de pessoas. No calo r da negociação, os manifestantes concordaram e se viraram para tent ar atender a ordem.”, relatou. Próxima ao cordão da PMMG, a rep órter testemunhou o desenrolar dos fatos e a investida contra os manifestantes, por volta das 19h . “Nessa hora, eu estava ao lado do cordão da PM. Escutei o major Xavier, do choque, dizendo que não haveria acordo. Era para liberar a via imediatamente. Fiquei com medo. Vi que eles não iam esperar , me virei para os manifestantes, eu os vi começando a se organizar e ouvi a primeira bomba!”. Nes te momento, o fotógrafo Denilto n Dias é atingido na perna por uma bala de borracha. Vi o militar que atirou na gente, ele nos viu e atir ou contra nós dois. Perto dali, a historiadora Joyce Gar ófalo, alheia aos eventos, seguia para a manifestação quando viu a movimentação da Cavalaria e da Tropa de Choque. “Cheguei a obs ervar se as câmeras da BHTrans estavam ligadas, ao que pude not ar, não estavam. A cidade estava mais escura que o normal. Com isto, imaginei que pudesse vir a ter algum problema, mas nunca pensei que poderia ser tão rápido ! Assim que encontrei os manifestant es, foi o tempo de avistar meus companheiros e perguntar se esta va tudo bem para as bombas já começarem.”. A partir deste mom ento, o cenário mudou.

Garagem

do Hotel S

ol, BH, 12

de ag

osto de O artista Ed Mar te se ap uma foto 2015,19h1 roximou quando 3 d o o c u o corre pa viu o ba rdão po ra a gar r li u c lh ia o da pr l para ti agem do imeira b entramo rar hotel, co o s, acham m b a m . E d d e o z M s e n a q grade pa as de pe rte ue estáv ssoas. “Q ra a rua, amos se o gás en u g a u n r lá em ba o d s o , trou e co porém, ixo. Tod lá dentr mo é fec o mund o h pela esc ado, fico é o ficou d ada de s u horrív esespera erviço. C e l fi lugar se d c a o r e hegamo começam guro pa s no sag os a sub ra ir. En uão do h ir tão entr otel. Nã amos no o era um restaura nte do h otel”.


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Portaria do Hotel Sol, BH, 12 de agosto de 2015, 19h19

Restaurante do Hotel Sol, BH, 12 de agosto de 2015, 19h19

Hotel Sol, rua da Bahia, número 1040, BH, 12 de agosto de 2015, 19h13 De acordo com as testemunhas, por cerca de 20 minutos, bombas de gás de pimenta, gás lacrimogêneo e balas de borracha invadiram o asfalto. Encurralados e assustados, manifestantes e pedestres se refugiaram nos prédios próximos. Cerca de 60 dessas pessoas se abrigaram no Hotel Sol. Joyce Garófalo foi uma dessas pessoas. “Lá dentro, não sabíamos para onde ir, a intenção nunca foi invadir um estabelecimento privado e, sim, se proteger. De repente, uma moça, mais tarde descobrimos que era a gerente do hotel, abriu a porta do restaurante e falou para entrarmos.” O estudante de direito da UFMG, Igor Ferreira, estava presente no ato desde o início. Ele foi um dos que alcançaram o saguão do hotel 4 estrelas. “Eu vi várias bombas no ar e saí correndo para o local mais próximo que tinha, no caso, o Hotel Sol. Tentei, primeiro, ficar no saguão, mas o gás lacrimogêneo estava muito forte, não dava pra respirar!”. Assim, ele e outros manifestantes decidiram entrar no restaurante do hotel. “Chegando lá, alguém, possivelmente alguma liderança da manifestação, falou para não mexermos em nada, não quebrarmos nada. E, realmente, vimos que ninguém mexeu em nada”. “Cenário de guerra”, assim descreveu a assessora do Hotel Sol, Larissa Tonnich sobre o ocorrido. “Quando começaram as bombas muita gente correu para se proteger. Não tínhamos como controlar a entrada, que, inclusive, não era só de manifestantes. Tinham pessoas que não estavam no protesto, mas que entraram para se proteger. Vários andares foram invadidos. Alguns manifestantes chegaram a bater na porta dos hospedes.”, relatou. “A gente não solicitou a entrada da PM, eles entraram atrás dos manifestantes. A ação durou 4 horas e os manifestantes ficaram contidos na área do restaurante.”.

“De repente, as luzes se apagaram e só pude ver os capacetes da tropa de choque entrando. Eles mandaram ficar com as mãos pro alto. Antes de mandarem, já tinham pessoas com as mãos pro alto, pra mostrar que estávamos pacíficos. Depois, [os policiais] mandaram deitar no chão, começaram a falar que agora éramos um bando de cordeirinhos, que nossa “macheza” tinha acabado. [A polícia] Começou a xingar mesmo, já entrou dando voz de prisão para todo mundo. Houve tortura psicológica muito pesada.”, denunciou a historiadora Joyce Garófalo. O circuito interno de segurança registrou a entrada da Tropa de Choque com escudos e armas empunhadas. “As armas estavam apontadas para todos nós, apesar de não estarmos armados. Fomos proibidos de ter acesso ao nosso celular, pessoas que gravaram tiveram as mídias apagadas.”, revelou a historiadora. As imagens não têm áudio, mas segundo o estudante Igor Ferreira o que se ouvia era o seguinte: “Ele [o policial não identificado] insistia muito em dizer que os policiais eram os mocinhos e que nós éramos baderneiros. Ele chegou até a falar da ditadura. Que ele não viveu nesta época, mas que nós éramos a verdadeira ditadura, o que é um absurdo!”, definiu. Segundo Igor Ferreira, após a entrada da tropa foi realizada uma triagem para decidir quem seria liberado e quem continuaria detido. “Nessa triagem, o policial perguntou quem dos presentes tinha carteira de trabalho. Quem estava com ela, ele liberava. O restante ele chamou de vagabundo, falou que não produzia nada para o país e a maioria era estudante! Depois ele perguntou quem não estava na manifestação e conseguia provar que não estava. Quem conseguia, ele liberava. Eu e meus amigos estávamos na manifestação e resolvemos ficar”. No dia seguinte, o advogado Pedro Munhoz avaliou essa triagem como abuso de poder. “Abuso de poder é crime! Primeiro, porque não havia motivo para eles estarem presos. Segundo, a exigência de carteira de trabalho para libertar, não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Parecia que eles estavam tentando dar uma lição de moral nos manifestantes. Sabendo que nem todo mundo que trabalha tem carteira de trabalho ou anda com ela, essa é uma exigência anacrônica, absurda e ilegal.”.

Um cordão de isolamento impedia que advogados, defensores públicos e imprensa entrassem no saguão do hotel. Dentre os advogados que tentavam negociar a soltura dos manifestantes estava Pedro Munhoz. “Nossos clientes estavam lá dentro e a PM não quis franquear nosso acesso para o interior do hotel. Cheguei a conversar primeiro com o major, que me respondeu simplesmente “não”, passando por cima de lei federal”. Após muita insistência por parte dos advogados, o major solicitou as carteiras da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e se dirigiu até o o comandante para avaliar a liberação da entrada. O advogado Munhoz qualificou essa ação como ilegal. “Nada disso é legal. Nós concordamos em entregar nossa carteira da Ordem porque ele demonstrou certa boa vontade, mas ele não poderia recolher nossos documentos. Era nosso direito estar lá dentro. É uma prerrogativa do advogado acompanhar a prisão.”. Cerca de 20 minutos após recolher os documentos, o major retornou, devolveu as carteiras e informou que não poderiam entrar. Os advogados persistiram e os ânimos começaram a se acirrar. Os Militares com escudos e cassetetes à mão começaram a empurrá-los. “A situação ficou muito tensa, levantei minha carteira da ordem e comecei a mostrar, foi a única coisa que consegui pensar em fazer na hora. E eles indo pra cima! De repente, pararam e disseram que podíamos entrar.”, recordou o advogado. Os defensores foram, então, encaminhados até o saguão. Na portaria do hotel, a PM lançou novas bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão. O gás invadiu o rol, dificultando a respiração dos que ali estavam. Nesse instante, os advogados negociavam o acesso ao restaurante. “Somente dois advogados puderam entrar, com tempo contado para dar um recado. Quando nós teríamos o direito de conversar com os presos, saber como foram tratados até ali. Ficamos no saguão do hotel, respirando gás lacrimogêneo.”, recordou Munhoz. A imprensa também não teve acesso aos manifestantes. A repórter Bárbara Ferreira estava no saguão, mas foi colocada para fora. “Resisti por uns 20 minutos, até que um militar começou a me puxar pela bolsa, e a puxar mesmo!”. De acordo com a repórter, no momento em que os manifestantes eram conduzidos para o ônibus da PMMG, uma nova ação truculenta se instaurou. “Os militares já saíram com escudo, empurrando todo mundo. No canto direito do saguão, tinham vários profissionais da imprensa, todos sendo empurrados. Jogaram spray de pimenta em nós!”.


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Denúncias

Repercussões Central de Flagrantes da PCMG, bairro Floresta, BH, 12 de agosto de 2015 Cerca de três horas depois da ação militar no Hotel Sol, os detidos foram encaminhados para a Central de Flagrantes da Polícia Civil (CEFLAN/PCMG), no bairro Floresta. O estudante Igor Ferreira estava entre os detidos. “Somente nesta hora, tivemos contato com os advogados pela janela do ônibus. Permanecemos assim, por mais duas ou três horas, na porta do CEFLAN. Até que apareceu o secretário dos direitos humanos [Nilmário Miranda] e falou que estávamos liberados, mas que responderíamos criminalmente pelo que aconteceu. Como se manifestar fosse crime!”. De acordo com Pedro Munhoz, a liberação dos manifestantes já era esperada, pois para o advogado as acusações da PMMG eram infundadas. “Primeiro, eles [manifestantes] foram acusados de desobediência porque não desobstruíram a via, quando a PM ordenou. Não houve tempo pra isto. A segunda acusação foi de invasão de propriedade privada, sendo que a gerente os acolheu. A terceira acusação foi dano, mas o dano provocado, ao que parece, foi feito pela própria Polícia Militar. Não se pode prender todo mundo no atacado, sem saber o que cada um fez de errado”.

Após tomar conhecimento dos fatos, entidades de classe, como o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e o governo do estado publicaram notas oficiais. A do Sindicato cobrava respostas do governo de Minas sobre o atentado contra a imprensa livre. O governo do estado, por sua vez, classificou o evento como “lamentável” e determinou a apuração rigorosa dos fatos. As duas notas oficiais, na íntegra, podem ser lidas no CONTRAMÃO ONLINE (contramão.una.br). Em declaração ao jornal O Tempo, em 14 de agosto, o comandante do Batalhão de Choque da PMMG, tenente-coronel Gianfranco Caiafa, explicou que no momento em que os manifestantes desviaram a rota para a rua da Bahia, uma quarta negociação teve início e foi estipulado cinco minutos para a liberação da via. A ordem de dispersão teria sido dada após o tenente-coronel ser apedrejado. “Essa situação mais do que legitima a ação da polícia. Aliás, eu não precisava nem ser agredido para usar a força, não. Eu dei uma ordem legal. Se não for cumprida, eu tenho o poder constitucional de usar a força proporcional. Eles estavam impedindo a população de ir e vir.”. A repórter Bárbara Ferreira contesta a versão: “Posso estar redondamente enganada, mas ao que constou pra mim, não houve nenhum tipo de agressão por parte dos manifestantes. Se alguém tivesse tacado uma pedra ou alguma coisa do tipo, eu teria visto e meu fotógrafo até teria tirado uma foto.”.

Nos dias que se seguiram, as pessoas que foram detidas naquele 12 de agosto, recorreram à Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania para denunciar violações de direito por parte da PMMG. De acordo com a promotora de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Belo Horizonte, Cláudia Amaral, a conduta militar na manifestação gerou um procedimento investigatório criminal. “É uma investigação muito minuciosa e extensa. O que é fácil de identificar é a atuação do comando. Pressupõe-se que os policiais agem de acordo com sua ordem e instrução. Então, a responsabilidade que fica muito clara, é a do comando”. A promotora qualificou a tendência de criminalizar movimentos sociais como equivocada. “Num estado democrático de direito, onde você pode se manifestar, é muito complicado ter uma ordem militar reprimindo o que é legítimo!”. O porta voz da PMMG, capitão Flávio Santiago, informou que a Polícia Militar Mineira é uma das que mais produz cadernos doutrinários. “Exatamente para que nosso uso diferenciado da força observe uma série de questões. São várias etapas de avaliação de ameaças para a garantia de que não haja o uso excessivo dessa força”, explicou. Em relação às críticas em torno da ação policial, o capitão frisou que há um elenco de questões que precisam ser levadas em conta. “Muitas das manifestações em que as pessoas falam que a polícia agiu de forma truculenta ou violenta, elas precisam, primeiro, analisar Como foi a ação? Ela foi dentro do uso diferenciado da força? Ela foi numa situação de ruptura da ordem pública?”. Para o militar toda manifestação é importante para o estado democrático: “A PM é uma defensora das manifestações, o que não pode é as pessoas levarem para o cunho anárquico.”.


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Presença feminina Apesar do desequilíbrio, dados da Ancine mostram que há mais mulheres na direção de filmes

Texto: GAEL BENITEZ E JULIA GUIMARÃES ARTE: GAEL BENITEZ Foto: REILLY LIEVERS (Film Projector)

Na história do cinema, o curta-metragem La fée aux choux é considerado um dos primeiros filmes narrativos. Dirigido por Alice Guy-Blanché, em 1896, um ano após a invenção do cinematógrafo, a obra a consagrou como primeira diretora de cinema. Alice Guy trabalhava na fábrica de câmeras Gaumont, que ainda na primeira década do século 20 se tornaria uma produtora de filmes. Em 1905, Alice Guy foi promovida a diretora de produção da empresa, passando a supervisionar e dirigir outros projetos. Seu primeiro longa metragem, La vie du Chris, se tornou blockbuster do cinema mudo. Nos Estados Unidos, Alice Guy foi gerente de produção na filial da Gaumont. No ano de 1910, ela e o marido Herbert Blanché, em parceria com George A. Magie, abriram o Estúdio Solax, considerado o maior estúdio antes da migração do cinema de Nova York para Hollywood. Após o divórcio, Alice Guy trabalhou na International Service Film’s, de William Randolph Hearst, o magnata da imprensa que inspirou Orson Welles, no filme Cidadão Kane. Em 1922, ela retornou à França, mas nunca mais produziu filmes. Sobreviveu seus últimos 30 anos dando palestras sobre a sétima e escrevendo romances de roteiros de cinema.

Diretoras e diretores Alice Guy construiu sua história dentro das telas e abriu as portas para que mulheres pudessem estar inseridas na industria cinematográfica. Mas o que pode ser visto, é que desde muito tempo, o número de mulheres próximo ao de homens atrás das câmeras continua escasso. Uma prova é que durante o período dentre 1961 à 1970, mulheres dirigiram apenas 0,68% de todos os filmes brasileiros, segundo a pesquisa realizada por Paula Alves, diretora do Festival Internacional de Cinema Feminino. Crescente, mas, ainda assim, pequeno. Em 2015, uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudo das Mulheres na Televisão e no Cinema da San Diego State University, apontou que as mulheres dirigiram apenas 7% dos 250 maiores filmes de Hollywood, no ano de 2014. Já enquanto os homens somaram o total de 85% de todos os filmes norte-americanos lançados, sendo

os outros 8% dos filmes com direção compartilhada entre homens e mulheres. Essa discrepância pode ser observada, por exemplo, quando se faz uma busca no Google por “mulheres no cinema”. É possível nos depararmos com inúmeras páginas que, geralmente, citam atrizes, poucas vezes encontramos algum artigo que possamos compreender as diretoras ou roteiristas que, também, são importantes para a história. Quando a busca se concentra em “diretores consagrados do cinema mundial”, a resposta apresenta sites com diretores homens, e se houver sorte será possível encontrar entre 30 diretores pelo menos uma mulher, a premiada Sofia Coppola, filha do também cineasta consagrado Francis Ford Coppola. Sofia dirigiu os filmes As virgens suicidas (1999), Maria Antonieta (2006), Um lugar qualquer (2010) e o longa que lhe garantiu a estatueta do Oscar de melhor roteiro original foi Encontros e desencontros (2003). O resultado não é muito diferente quando se busca por “diretoras consagradas do cinema mundial”. A indústria americana ainda é muito fechada em reconhecimentos femininos que não sejam os prêmios de melhores atrizes e figurinos por exemplo. Mesmo com Sofia Coppola ganhando uma estatueta de melhor roteiro original, até o ano de 2016 só uma mulher teve seu reconhecimento como diretora e foi indicada após 82ª edições da premiação, no ano de 2010, Kathryn Ann Bigelow se tornou a primeira e única mulher a levar uma estatueta na história do cinema - Oscar de Melhor Filme e Direção, com o consagrado Guerra ao Terror (The Hurt Locker). Naquele mesmo ano, Bigelow concorria contra seu ex-marido, James Cameron, e o blockbuster Avatar. O cinema comercial, monopolizado por homens que decidem o que pode ser produzido ou não, não abriu tanto espaço para as mulheres quanto o cinema independente, onde o número de mulheres diretoras e em outros cargos diversos é, significantemente, maior. “Quando há muito dinheiro em jogo, os investidores não querem correr riscos e se sentem mais seguros em contratar alguém indubitavelmente apto para a tarefa, em geral, um semelhante (logo, outro homem).” afirmou a diretora Jodie Foster em entrevista para a Dargis.

especial


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especial

“É uma disputa por

espaços, já que existe um desequilíbrio muito grande por um processo histórico e heteronormativo”. Alice Riff Cinema nacional

No Brasil, de acordo com a ANCINE, entre 1970 e 2013, dos 466 filmes que tiveram mais de 500 mil espectadores, 13 são de diretoras ou codiretoras, os outros 97,3 % dos filmes foram dirigidos por homens. No entanto, a estatística mostra que há mais mulheres dirigindo filmes no circuito nacional que em Hollywood, já que de 128 filmes, 19 foram mulheres que dirigiram. Uma diferença de 71% de filmes dirigidos por homens e 7% de filmes com direção mista para 22% de direção feminina. O ano de 2015 fechou com uma porcentagem de 5,2% a mais de mulheres na direção do que em 2014, que contava apenas com 9,6% de mulheres na direção dos 114 filmes lançados, somando uma quantia de 11 filmes. A presença da mulher no cinema, por mais crescente que seja em alguns países, como no Brasil e nos Estados Unidos, ainda é pequena em proporção com o número de homens na indústria mundial. De acordo com dados divulgados em pesquisa realizada por Geena Davis do Instituto de Gênero e Mídia, com apoio da ONU Mulheres e Rockefeller Foundation, nos mais de 120 filmes populares dos países considerados os mais lucrativos do mundo no Cinema, o Reino Unido sai na frente com 27,3% de mulheres na direção, seguido por China com 16.7%. Os países que não possuíam diretoras dentre os 120 filmes escolhidos eram os Estados Unidos, França e Rússia. Dentro da indústria cinematográfica brasileira, a professora de cinema Guiomar Ramos, afrima que tradicionalmente, as mulheres cumprem funções preestabelecidas. “Eu dei aula muitos anos na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), que tem um curso muito conhecido de cinema em São Paulo. No primeiro dia de aula, eu conversava com os alunos sobre o que eles queriam ser, a maioria dos meninos já falavam: ‘Diretor!’, e as meninas, assim meio tímidas, falavam: ‘Produção’ ou ‘Ah, eu acho que vou ser roteirista’.”, recorda a professora. Para a cineasta Alice Riff, no cinema há, hoje, uma disputa de espaços entre profissionais homens e mulheres. “Estudei cinema e me lembro que a gente aprendia que mulher não podia ser fotógrafa porque não ia aguentar carregar câmera, por exemplo. Mas acho que é uma disputa por espaços, já que existe um desequilíbrio muito grande por um processo histórico e heteronormativo.”, explica.

Mudanças A ascensão do espaço ocupado pela mulher dentro do cinema reflete e acompanha um campo mais macro que se abre, cada vez mais, por conta do movimento feminista. A atriz e cineasta Helena Ignez, 73, é considerada um ícone do cinema marginal brasileiro, dos anos 60. Ela esteve na Mostra de Cinema de Tiradentes 2016, para a exibição de seu filme “Ralé” e frisou que a trajetória das mulheres na vida e na arte é uma luta. “As dificuldades de uma mulher se afirmar, ter uma profissão, ser livre, eram imensas. Foi realmente desbravador, uma luta mesmo corporal, para a mulher se impôr na vida pública e no cinema. Apesar de todas essas vitórias que temos conseguido ainda não é totalmente fácil ser mulher.”, avalia Helena Ignez. Os filmes de Helena são caracterizados pela representação das minorias, ou, como ela mesma denomina, a “ralé”; são mulheres, gays, pessoas trans e uma parte da sociedade que não tem muito espaço para falar de suas realidades. Alice Riff, também diretora,

endossa a perspectiva de Helena Ignez e pontua a presença de machismos enraizados. Uma primeira característica marcante desse movimento de equilíbrio de gênero no mundo do cinema é uma abrangência maior de temas retratados. As mulheres começaram a ter espaço para falar o que elas sentem na pele todos os dias, uma realidade que é impossível para um homem entender. E esse lugar de fala está sendo ocupado por quem devidamente pode falar. “É muito importante para contrabalancear essa visão masculina que foi hegemônica durante muito tempo. Eu sinto que as mulheres tem tido cada vez mais coragem para trabalhar temas como aborto, estupro, violência contra a mulher e maternidade como imposição social.”, explica Pedro Maciel Guimarães, curador das Mostras de Cinema de Tiradentes, CineOP e CineBH. Essas mudanças atingem também as formas de divisão de trabalho dentro do set, de acordo com a professora Carla Maia, que fez um estudo sobre o tema Mulheres no Cinema, quando uma mulher está a frente das gravações há uma maior horizontalidade dos cargos e um maior equilíbrio entre os gêneros.


O retorno dos bolachões

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Mesmo sendo considerado um nicho caro da indústria fonográfica, o disco de vinil cresce em vendas

Texto: RAPHAEL DUARTE Foto: YURAN KHAN

cultura


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cultura

O Disco de Vinil

remasterizadas de 180 gramas, de Jorge Ben, Banda Black Rio, Moacir Santos, Novos

Uma paixão que não tem fim

Muito consumido até os anos 1980, os discos

Baianos, Secos e Molhados e Tom Zé.

Os

Para o ator e colecionador Ricardo Righi

de vinil tiveram um declínio nas vendas em

preços são altos e variam, em sua maioria, de

Filho, a sensação de ouvir discos de vinil é

1990, com a popularização de novas mídias,

R$60,00 a R$80,00, alguns títulos podem chegar

única. “O som do disco é, absolutamente,

como os CDs (Compact Disc), no final dos

a R$400,00, como por exemplo, o box que reúne

diferenciado, não há comparação possível

anos 1980; o DVD, no começo de 2000; e o Blu-

quatro disco de Chico Buarque, produzidos

com

Ray, em 2010, além do consumo de músicas

entre 1966 e 1968. A justificativa são os altos

comprovado, não há discussão”, explica. De

no formato MP3. Os chamados bolachões

impostos e altos gastos com matéria-prima.

acordo com Filho, quando os CDs começaram

outros

formatos.

É,

fisicamente,

começaram a ressurgir em 2000. Em 2014, a

a ser comercializados, no Brasil, o ato de ele

Polysom, única fabricante de discos de vinil

continuar ouvindo e colecionando LPs não

da América Latina, prensou 78.324 unidades, no Brasil. O crescimento na produção total de discos de vinil (compactos e LPs), no país, foi de 63,23% em relação ao ano de 2013. Os LPs tiveram

Lojas vendem LPs usados para a alegria de colecionadores

mudou. “Quando o CD dominou o mercado, os LPs eram muito baratos, muito mais do que os preços de hoje. Então, o movimento de começar a colecionar registros fonográficos apenas em vinil, foi bastante natural”, complementa Filho.

um aumento de 93,20%, com 78.324 unidades fabricadas em 2014, no Brasil, pela Polysom. A

Um edifício cheio de histórias, tradicional

“Aqui em casa, em Samambaia, no Distrito

produção dos compactos aumentou em 2,31%,

em Belo Horizonte, o conhecido Arcângelo

Federal, sempre tivemos o costume de ouvir

com 18.207 fabricados. Além do crescimento

Malleta é ponto de encontro e também o

bolachões. Meu pai e minha mãe tinham

da venda do vinil, o percentual do formato

lugar onde é possível encontrar discos raros.

muitos discos de Luiz Gonzaga, de lambada

sobre todas as vendas físicas pulou de 8,76%

Ao subir a escada rolante, é possível avistar

e de forró.”, diz o ator e colecionador Josuel

para 14,13%, em 2014.

os primeiros sebos que comercializam LPs

Junior. “Porém, eu divido meus aniversários

antigos de diferentes gêneros musicais, além

da infância pelos discos da Xuxa que eu

de toca-discos, novos e usados.

ganhei.”, revela. “Obviamente, eu não tinha

Segundo dados da Recording Industry Association of America, somente no primeiro

a noção de questões técnicas vocais ou da

semestre de 2015, nos Estados Unidos, houve

Nos últimos 20 anos, muito se falou sobre o

crescimento das receitas de serviços de

fim dos bolachões, mas no Maletta é possível

streaming, em face do declínio em downloads

constatar que eles nunca saíram de cena. No

digitais.

atacado

prédio, há quatro lojas e sebos especializados

aumentaram 0,8%, para US$ 2,3 bilhões em

em discos de vinil, dos singles aos LPs. “Ainda

uma base de ano sobre ano. No varejo, o valor

vendo bastante discos, mas para um público

Josuel Junior tem predileção, também, por

global diminuiu 0,5%, para US $ 3,2 bilhões.

específico de pessoas, principalmente, os

trilhas sonoras de novelas, principalmente as

ouvintes de MPB clássica, Rock e Jazz”, explica

tiragens especiais que são difíceis de encontrar

Sebastião do Nascimento, o Tião, proprietário

e demandam pesquisa. “Um disco que

do Sebo Vila Rica, no segundo andar do

demorei a encontrar foi um da novela Tieta.

Edifício Malleta.

Em 1989 foram lançados o Tieta volume 1 e 2,

As

receitas

totais

no

O retorno Em 2008, os proprietários da DeckDisc, informados do crescimento na venda de vinis nos Estados Unidos e na Europa, se depararam com a possibilidade de adquirir o maquinário da antiga fábrica e reativá-la. Em setembro do mesmo ano, começaram as pesquisas e os estudos que resultaram na aquisição oficial da Polysom, em abril de 2009. A sede fica em Belford Roxo, no Rio de Janeiro. “A princípio, parecia fácil e rápido. Quando a gente viu como eram vastos os requisitos para se fabricar discos de qualidade, vimos que precisaríamos fazer muita coisa para brigar de igual para igual com os gringos. Teríamos que fazer melhorias em todos os setores”, esclarece João Augusto, um dos atuais proprietários da fábrica da Polysom.

Tião Nascimento trabalha, há 15 anos, no mercado musical e é o primeiro dono de sebo especializado em discos de vinil do Edifício Maletta. Nascimento explica que a paixão por discos de vinil se explica por um aspecto táctil. “O avanço da tecnologia é bom, facilita bastante a nossa vida, apesar de maquinizar

o passar dos anos”, complementa Junior.

Na reprise da novela, em 1994, a Som Livre lançou o Tieta Especial - Vale a Pena Ouvir de Novo, com a compilação das melhores músicas dos discos anteriores. Esses relançamentos fazem o disco sair da categoria normal pra categoria especial, ou rara, como queiram dizer”, relata Junior.

tocar o encarte e ouvir a música com o ruído

de um longo trabalho de busca na internet.

que só o disco de vinil proporciona.”.

“Eu adquiri o disco por R$45,00, em 2010.

Terêncio de Oliveira, proprietário da loja Usados com Arte, também no Maletta, esclarece que as vendas são maiores nos sábados, embora não arrisque estimar um número. Segundo ele, o público é de ambos os sexos com faixa etária do público dessa loja

a investir no formato LP, seguindo a tendência

é o lugar ideal para quem quer comprar ou

dos

Polysom,

vender discos de vinil, temos um público bem

hoje, comercializa obras de O Rappa, Nação

fidelizado, tem pessoas que frequentam o

Zumbi, Tulipa Ruiz, Los Hermanos, Vanguart

prédio apenas para vender e comprar discos”,

e Pitty. Entre os clássicos estão reedições

esclarece.

A

todos. Alguns eu fui comprando de novo com

O colecionador encontrou o disco depois

varia entre 20 a 50 anos de idade. “O Maletta

internacionais.

afetiva musical com os Lps da Xuxa. Tenho

muito as coisas. O importante é pegar o vinil,

Diversos artistas brasileiros passaram, então, artistas

qualidade musical, mas cresci com a memória

Atualmente, esse disco pode ser encontrado em sites como o Mercado Livre, por mais de 100 reais”, estima.

“O importante é pegar o vinil, tocar o encarte e ouvir a música com o ruído que só o disco de vinil proporciona.”


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