#16 trevlistão

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trevlistテ」o テ《ia Central: Quirguistテ」o e Tajiquistテ」o


Cazaquistão

Bisqueque, KG 0 1 2 5 0 km Yssik-kul

quirguistão (KG) Toktogul

Song-kul, KG 0 0 8 6 0 km Naryn

Kazarman

Irisu Jalal-abad

usbequistão

Osh, KG 0 0 0 0 0 km

Khujand, TJ 0 3 9 0 0 km

Tash-Rabat, KG 0 0 6 0 0 km

0 4 3 5 0 km

Batken

Sokh, UZ Sary-Tash

china

Kara-kul, TJ 0 2 2 5 0 km

tajiquistão (TJ) Qal’ai Khumb Dushanbe, TJ 0 3 5 5 0 km

Pamir highway

Bulun-kul, TJ 0 2 5 0 0 km

Khorog Afeganistão

Langar Yamg Ishkashim

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Wakhan Corridor

Murghab


A

sugestão surgira no ano anterior. Passeávamos na capital da Mongólia, imaginando como poderíamos superar aquele país. Decidimos repetir a fórmula — duas motos, dois casais. Já em casa — e porque esta coisa da internet, fóruns, blogs e afins ainda me fazem comichão — escolho folhear as páginas do Lonely Planet «Central Asia», imerso no cheiro do papel da livraria Palavra de Viajante. É assim como fechar os olhos nas ruas do Grand Bazaar em Istanbul e cheirar o cabedal e cardamomo. No guia agregaram-se cinco países, o que ilustra a orientação turística latente, mas pouco desenvolvida. É um bom início de conversa, pensei. Mas não demora muito a concluir que, com apenas duas semanas disponíveis, algo ficará de fora. Como as crianças que despejam o balde dos brinquedos no chão para agarrar os predilectos. A escolha é difícil, mas acabamos a deixar de fora vários acepipes — as cidades mágicas de Samarcanda e Bucara no Usbequistão por nos desviar mil quilómetros devido a fronteiras fechadas pelos desaguisados recentes com o Tajiquistão; o bizarro Turquemenistão governado por um dos líderes mais alucinados do Mundo, pela dificuldade em obter vistos e por ser periférico; o colossal Cazaquistão por

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ser o menos interessante. Agarrámo-nos com toda a força ao Quirguistão (KG) e Tajiquistão (TJ) e metemo-los na mochila. E as motos, onde arranjá-las? As opções são escassas, mas variadas — SilkOffRoad em Almaty, KZ com Suzuki DR650SE; TajMotowave em Dushanbe, TJ com “enduro bikes” (?) e a MuzToo em Osh, KG com Yamaha XT. No RentalMotorbike.com há propostas mais agressivas (KTMs 450 Rally, 690 Enduro, seguidas de «ou algo parecido», contudo, e por valores mais altos). Ao cruzarmos informações e relatos no AdvRider e Horizons Unlimited, o suíço Patrik da MuzToo a viver no Quirguistão é o mais conceituado e reputado, referência para o viajante de moto na Ásia Central. Estava decidido — voamos para Osh, ponto central nos dois países que escolheramos, com uma escala desde Lisboa. Os preços são altos — 850 euros — mesmo comprados quatro meses antes. Para os Portugueses, e outras 60 nacionalidades, não é preciso visto para o KG. Para o TJ já é outra história, apesar de estar para aprovar desde 2013 uma lei que dispensa de visto uma boa parte dos países ocidentais. Por ora, é preciso fazer chegar os passaportes a uma embaixada tajique e, só para tornar tudo mais interessante, não há muitas por aí. Decidimos enviar dois meses antes para Paris os nossos pedidos, sem garantias à partida (carta de motivação, formulários, fotos e passaportes). Na semana antes

de voarmos não havia sinal dos vistos, ou passaportes. Desculpam-se com o Ramadão que se meteu no caminho e não há vistos para ninguém a tempo. Pedimos os passaportes de volta e decidimos voar para o KG. Não faltam opções, como viajar apenas pelo KG ou passar pela capital Bisqueque para pedir na Embaixada o visto do TJ e o «GBAO permit» e assim visitar a Pamir. Acabámos por consegui-lo no próprio dia e mais barato. Uma das fontes de informações úteis para estes destinos é o site caravanistan.com. Se quiserem razões para NÃO ir, o portal das comunidades revela pérolas como — Desaconselha-se formalmente qualquer deslocação — ou, se ainda não estiverem assustados, — riscos de infiltração islamistas e perigo de explosão de minas anti-pessoal — ou mesmo — existência de riscos de atentados terroristas em locais públicos


Uma edição Esta viagem foi publicada na edição de Outono-Inverno 2015 da revista «TREVL - de moto pelo mundo»


trevlistão 2015 Na fronteira entre os dois países da Ásia Central desta viagem: Quirguistão e Tajiquistão.

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José Bragança Pinheiro

P

atrik havia reunido a nossa preferência para encontrar o apoio e as motos certas para a viagem na Ásia Central. Suíço de origem, localizado na segunda maior cidade do Quirguistão, Osh, reúne consenso e tornou-se a referência incontornável na região para os viajantes de moto. Granjeou-lhe esse estatuto o conhecimento das pistas e estradas, uma excelente articulação local na forma como promove as comunidades, um mecânico eficaz e uma disponibilidade permanente para ajudar. Ao longo de mais de quatro mil quilómetros cruzamo-nos com viajantes de moto e todos conhecem a MuzToo, muitos trazem motos de lá ou repararam aí as suas, alguns compraram lá a moto com que agora viajam —KLR, GS650, Africa Twin, DRZ...

Trabalhando por opção com as Yamaha XT, e sabendo que optámos por viajar com pendura, propõe-nos uma XT 660Z Téneré e uma XT 660R. Do alto dos meus 170 cm de altura, olho para as fotos que nos envia das motos com alguma ansiedade. O que faz da XTZ um bom conjunto para viajar, a solo ou com pendura, também a torna intimidante pela altura ao solo — 895 mm. Verdade que a que nos estava destinada tinha o banco mais baixo e a biela da suspensão traseira na posição inferior, mas ainda assim... Decidi arriscar. Confesso que este modelo é um dos que mais me entusiasma para viajar de moto e a oportunidade era demasiado boa para desperdiçar.

O bouquet

Equipada com as três malas de alumínio da Trax não tivemos dificuldade alguma em levar a nossa bagagem, incluindo tenda, sacos-camas e demais parafernália

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de campismo. O «empratamento» ficava completo com o saco de depósito, com o imprescindível porta-mapas no topo. Com duas abraçadeiras prendo o suporte do mini-GPS Garmin Dakota 10 que levámos. O guarda-lamas dianteiro alto equipado faz todo o sentido nesta moto, mesmo não adivinhando troços de lama nesta altura do ano. O sistema de lubrificação da corrente instalado promete algum descanso, num percurso com muito pó. Dou um passo atrás para contemplar a obra: perfeito. As protecções do motor e dos punhos prometem resistência a eventuais quedas. Os pneus mistos com pendor off-road da Heidenau atrás e da Shinko — Yokohama para motos, menos conhecida em Portugal — prometiam aguentar a dureza do percurso.


Ténéré 660 Este foi o modelo usado pelo Zé e a Nélia.

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Yamaha XT660Z Ténéré


Autonomia O depósito de 23 L conjugado com o consumo na ronda dos 4,5 L/100 km atira a autonomia para lá dos 400 km — impressionante.

Carga Muitas opções e pontos de amarração. Um «rack» adicional para carga sobre a frente seria o ideal.

Primeiro contacto

Dou à chave e arrancamos ao caminho. A frente havia desaparecido, apesar de jurar que estava lá quando olhei de fora. A distribuição de peso atrás desequilibra o conjunto e preciso de algum tempo para me habituar. Acaba por ser vantajoso nos pisos mais soltos, mas desconfortável nas subidas íngremes de alguma dificuldade técnica. Mas não vamos apanhar disso, certo? — Errado. — No primeiro dia damos por nós em caminhos de cabras, a negociar regos e pedra solta. Na realidade a moto portou-se muito bem, mesmo com um motor que não deixa muito binário disponível nas baixas rotações.

Conforto A vibração penaliza o conforto, apesar dos 205 kg do conjunto. O banco mais baixo encaixa-nos no assento, tornando-se entorpecedor em ligações mais longas.

120/dia

$

Pendura Com as malas rígidas, não sobra muito espaço para as pernas, não fora esse espaço permitir uma posição ergonomicamente válida.

O longo curso da suspensão dianteira não é o ideal em situação de travagem forte, mergulhando de forma preocupante, mas é o preço a pagar por nos ter safado lá atrás nos caminhos difíceis.

Corredora de fundo

Dentro das motos com atributos para condução fora-de-estrada, a XTZ é algo pesada, mesmo não estando na divisão dos «mamutes». Ainda assim, essa massa não é suficiente para anular as vibrações que o motor de um único cilindro propaga para todo o conjunto. Chega para dar algum conforto nas ligações mais longas,

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mas o cansaço nas mãos é evidente depois de 400 km de pistas e alcatrão esquizofrénico. Os pés sobrevivem mas deve-se mais ao bom isolamento das botas Drenaline Atlas do que à horda de cinoblocos espalhados pela moto. O banco mais baixo, uma vantagem para a minha estatura, acarreta contudo um senão — ficamos encaixados numa posição e essa é a única disponível... para toda a viagem, nem um centímetro para trás ou para a frente. Dou por mim a abençoar as estradas piores para ter a oportunidade de me levantar e esperar que o meu arrière volta à forma que o Criador concebeu.


Não há descanso

A maior dor de cabeça foi o descanso lateral, não que o central fosse melhor. A minha moto vinha equipada com uma «pata-de-camelo» o que agravou o problema, tendo melhorado quando esta se soltou. Quando carregamos a moto e a afinamos para ficar mais baixa, a geometria que no início fazia sentido para aquele descanso lateral desaparece. O resultado é que, em cada paragem, é preciso uma combinação raríssima de inclinição que funcione: ou não se consegue armá-lo ou fica tombada e a moto dá uma de ginasta, executando um fliqueflaque lateral com saída de maca. Mas, verdade seja dita, quando se altera o original sujeitamo-nos às desvantagens.

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Boa boca

Nos países da Ásia Central — especialmente nas ligações de montanha e no vale do Wakhan Corridor — encontrar gasolina é um exercício que deve ser feito com cautela. Porque não existem muitos pontos para abastecimento e as opções variam entre 80 e 95 octanas. A XTZ não é esquisita e alimenta-se do que lhe põem à frente, tendo usado as variantes 80, 92 e 95, servidos a balde, copo ou funil. Mesmo em altitude — acima dos 4000 m —) não houve nenhuma falha ou engasganço, cortesia do sistema de injecção electrónica que a equipa.

Dual-sport

Se fosse hoje, voltaria a escolher esta moto, conhecendo os terrenos que apanhámos e as distâncias percorridas. Genericamente, neste território as motos na classe das dual-sport são as ideais, com preferência pelas mais leves. São aliás as únicas que vimos, excepção feita aos dois viajantes da China equipados com YB 125 de malas rígidas e protecções. A XT 660Z com pendura e carga, por estradas e pistas de má e péssima qualidade, é uma das melhores opções, mecanicamente irrepreensível


João Rodrigues

E

m comum, têm duas rodas e são feitas para chegar a todo o lado. Isso coloca-as no topo da exigente lista dos viajantes pelo mundo fora, versáteis para os destinos que os desafiem. As semelhanças terminam aí, transmitindo sensações opostas a quem as conduz, como a mim. Inicio-me no exercício dos comparativos, procurando descrever as duas montadas que utilizei no Quirguistão e no Tajiquistão, por estradas más — muito más — em deslumbrantes montanhas, planícies e uma mão-cheia de alcatrão.

Escolha forçada

Os defeitos da Yamaha XT 660R levaram à minha experiência das inevitáveis falhas e virtudes da BMW F650 GS. Desde os primeiros metros que notei uma ausência da direcção na XT. Atribuí esta ao excesso de peso e carga que nos propuséramos a carregar, e não um problema com ela. O motor — tudo ou nada — lembrava uma KTM. Quando lhe dávamos tudo, impressionava a leveza da frente. Alta e esbelta, com duas grandes malas rígidas atrás, inapropriadas para filtrar o trânsito. A suspensão permitia uma boa travagem, conciliando com uma agradável passagem das lombas e buracos.

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Depois de começarmos a viagem num contacto patético — connosco num choradinho com a polícia local —, andámos às ordens de um GPS visivelmente perturbado. A XT seguia a Teneré — rimou —, primeiro por estrada, a qual se transformou num caminho e este num de cabras. Subíamos, sempre, inclusive na dificuldade — pedras e regos e, no final, pedras nos regos. A XT entra num rego com pedras e, entre aceleração descontrolada, desequilíbrio de peso atrás e alguma — pouca, quase nada — falta de perícia, tombamos. A mota ficou logo mais leve, cortesia das malas saltarem. Uma bateu de lado, antes da queda, e a outra partiu o fecho com o tombo para a esquerda. Apetece


XT660R

Este foi um dos modelos usados pelo João e Margarida, aqui sem a «top-case».

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Yamaha XT660R


Queres comprar-me umas? Para que não haja desculpas, aqui fica o link. São caras, mas não vamos pôr um preço na nossa amizade, pois não?

dizer — malas rígidas neste terreno, não, obrigado. — O carter cedeu à dureza de uma rocha. Foi apenas um ponto — nada de mais — algo que um pingo de solda resolveria na hora, não fora estarmos perto de nenhures. Olhamos o óleo evadir-se, enquanto concluímos que não dava para continuar. Dentro do azar, alguma sorte em podermos descer cinco quilómetros com o motor desligado até encontrarmos civilização na aldeia de Irisu. À cabeça da Margarida e da Nélia, seguem as malas. O teste em viagem à XT 660R estava suspenso.

A hora da troca, descarregada a BMW fluorescente e aviando a XT — rota — de volta para cuidados do Patrik.

Venha de lá essa BMW

Volvidos 80 km no Quirguistão trocara a XT por uma poltrona, personalizada pelo gosto duvidoso de um qualquer viajante oriundo do Alasca, anterior dono. O assento largo convidava a sentar, mas a roda de 19 polegadas obrigava a levantar para evitar os calafrios na espinha rolando na gravilha solta ou com areia. Uma carenagem frontal demasiado alta e um banco muito baixo impediam-me de ver os 20 metros à frente da roda. O efeito surpresa fora de estrada era mau, por contraste com um bom comportamento nos troços pavimentados e sinuosos. Com ela tive um dos mais saborosos momentos

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de mota, durante os magníficos 47 km na descida contínua de curvas e bom asfalto a caminho da capital Bisqueque, repetidos no regresso, agora em subida.

Can I keep it, can I?

Talvez o aspecto mais apaixonante para mim na BMW foi algo que não faz parte dela — as malas maleáveis da Mosko. São, por larga distância, o melhor que já vi — recomendo —, versáteis, práticas, com capacidade para tudo o que faz falta. O Patrik não se deixou convencer com a minha proposta de compra e não as trouxe comigo, naquele que seria o


Bagagem Excelente, o sistema da Mosko Backcountry de 35L. Versátil, resiliente a quedas, prático.

Conforto Um banco modificado tornava esta BMW uma poltrona. Perdeu-se uma posição de condução segura, impedido de ver o caminho imediato

F650

GS

Suspensão O «upgrade» favorece as estradas pavimentadas, tornando-se demasiado dura fora-de-estrada e com um curso insuficiente para os obstáculos.

Bagagem O sistema de bagagem KTM adaptada a esta mota — com volume adequado — revelou-se frágil e infeliz com uma base incapaz de lidar com os solavancos das pistas.

Motor A suavidade do motor — supreendente numa mono-cilíndrica — dota este modelo com uma previsibilidade a toda a prova, mas sem entusiasmos ou vontade de levantar a frente.

Conforto O banco, não sendo muito confortável, possibilita uma boa posição de condução, permitindo ver o caminho e aliviar as costas, distribuindo o peso com as pernas.

melhor souvenir material que poderia ter trazido. Ainda hoje recordo a qualidade e a robustez daquela solução de bagagem. O sistema da XT, malas rígidas e top-case adaptadas da KTM, falharam a vários níveis — fraca resistência a tombos, suporte da top-case partiu-se com a vibração e ressaltos — o que ainda acentua a vontade de levar para casa as Mosko.

Reencontros

Uma semana mais tarde, o destino ditou uma reconciliação e uma despedida. A matrícula do

Durou pouco tempo, a reparação feita em Vamg no suporte da «top-case».

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Alasca na BMW dificultava a saída do país, tornando a XT a única opção para percorrer o Tajiquistão. Nela, atravessamos a fronteira e percorremos este belo país, feito de passagens de montanha a roçar os 4700 m de altitude. Os buracos eram outros, mas não faltaram à chamada. O efeito interruptor do motor da XT desvaneceu, apesar da ameaça à saída de Osh. Uma gasolina diferente, pobre em octanas, chegou para ter o vigor necessário a ultrapassar os obstáculos.

Suspensão De longe a melhor das duas, com sensibilidade e boa a lidar com os obstáculos e pisos desafiantes. Talvez a mola traseira precisasse de maior pré-carga.

XT660R

Motor Algo imprevisível, oscilou entre o hesitante e o competente. Nas baixas rotações torna-se difícil negociar os obstáculos mais técnicos das pistas.

Veredicto

Feitas as contas, a F650 cumpriu cerca de 2/5 da viagem (1900 km), deixando para a XT os demais 2500 km. Tornavam-se claras as razões que levaram o Patrik, da MuzToo, a compor uma frota de Yamaha XT. O meu veredicto favorece esta, capaz de me transmitir melhores sensações fora da estrada, ao longo dos percursos mais emblemáticos, duros e característicos destes dois países da Ásia Central


À

distância continua a ser difícil perceber se os planos feitos se ajustam bem aos ritmos que as motos conseguem, que as estradas permitem. Fazem-se médias e olha-se para 300 km por dia como normal, ou até mesmo um dia calmo. Depois chega-se lá e percebe-se que as estradas não existem ou são duras de fazer, ou que páras a toda a hora para deixar cair o queixo com as paisagens. Propormo-nos a fazer quase cinco mil quilómetros em apenas quinze dias foi o ponto menos bem conseguido da viagem TREVListão, apesar de termos decidido com base na melhor informação disponível. Por isso ocorreu-nos que seria útil partilhar como são as estradas que fizemos, percorrendo ambos os países. Um primeira distinção que procurámos transmitir é se são pavimentadas ou em terra.

Depois juntámos a nossa classificação sobre o estado do piso e a qualidade da envolvência e da paisagem, apreciação mais subjectiva. Sempre que determinado ponto ou secção merece um destaque, colocamos uma anotação comentada. Naturalmente que existem zonas mais técnicas, com areia, pedra solta, saibro ou corrugações. Não existe nenhum ponto que não se faça com calma e cabeça fria. Importa ter presente que as mesmas estradas e percursos feitos numa dada altura do ano podem ser dramaticamente diferentes quando feitas noutra época, ainda mais nestas altitudes onde não são estranhos os aluimentos de terra, regimes torrenciais dos rios e degelos das montanhas. A Pamir Highway (M41) esteve fechada dois meses devido a um sismo que causou um aluimento, encaminhando todo o trânsito (que não é muito, convenhamos) pela alternativa sul ao longo dos rios Wakhan e Pamir, deteriorando muito o estado das vias. Em Anzob, mais acima de Dushanbe, existe um túnel chamado

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da Morte, construído em conjunto com o Irão para evitar atravessar o Usbequistão na ligação entre a capital e Khujand, no Norte, e não sujeitar as rotas comerciais aos caprichos do Inverno. Oficialmente está fechado mas alguém conhece sempre alguém para poder passar, apenas para o lamentar mais tarde

Há duas maneiras de levar os melhores mapas disponíveis para destinos extravagantes: 1. Falar com a Espaços Sonoros; 2. Descarregar os mapas em http://garmin.openstreetmap. nl/ e instalar (aviso à navegação: Vai dar luta). Esta edição “Zentralasien” da Freytag&Berndt (1:1.500.000) não é perfeita: algumas das estradas que nos indicou não existem e não tem uma indicação coerente dos perfis de estrada, tornando-se inútil o código de côres e traço utilizados. É, ainda assim, o que andava “debaixo do braço” da maioria dos viajantes com que nos cruzámos.


as estradas Das estradas de montanha, ou seguindo pelo vale de rios feitos de história, os caminhos da Ásia Central lembram uma sinfonia com diferentes andamentos e batidas.

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1

Tash-Rabat Kazarman

3400 m

Song-kul

3000 m

3300 m

Bisqueque

Toktogul

Osh

480 m

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5

Terra

Pavimentada

BIsqueque

Os ganchos em bom piso desde o cimo de Tuz-Ashu Pass no alto dos seus 3586 m são um regressar à infância, onde se conduz pelo puro prazer.

4 5

A descida para a mina de carvão de Karakeche faz-se em solo negro. A subida para Moldu-Ashu Pass recorda porque esta é a Suiça da Ásia Central.

3 Excepcional Boa Razoável Indiferente Paisagem

Estado do piso Péssimo Mau Bom Excelente 0

4

Uma das estradas mais duras do Quirguistão apenas recompensada com as vistas do alto das cumeadas.

100km

50

1

Toktogul

1

Song-kul 3

Naryn

Kazarman

Irisu 2

Jalal-abad

Provavelmente a envolvente mais impressionante de todo o País. Tash-Rabat

2

Osh

Quirguistão

Tajiquistão

População: Área: Religião: HDI: Moeda: Hora:

Batken Sokh, UZ Sary-Tash

5.9 milhões 199.950km2 (2x Portugal) Islão 125º mundial (Portugal: 41º) Som (KGS) 1€ ~ 66 som GMT+5

Distância total percorrida: 0 2 5 0 0 km Tajiquistão

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2

4

5

3

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4


1

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1

Fronteira

Akbaital pass (4658 m) Anzob pass (3383 m) Shachristan pass (2734 m)

Bibi Fatima Kara-kul

Kulob (1985 m)

Khorog

Bulun-kul

Qal’ai Khumb Yamg Dushambe

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Khujand (340 m)


Khujand

Quirguistão

9

9

O Túnel de Anzob, ou “da Morte”, está fechado, infame pelos ferros salientes das paredes interiores e da água que corre livremente com 30 a 100 cm de profundidade no escuro. E ainda bem. A alternativa é uma estrada de montanha lamacenta com picos nevados.

Dushanbe

1

8

É difícil dizer se esta estrada está pavimentada. Os buracos não estão e eles dominam a estrada.

Entra-se no Tajiquistão por um pista lamacenta. Olhando em volta ver-se-ia o Lenin Peak não fora o tempo estar farrusco.

7

Distância total percorrida: 0 1 9 0 0 km A M41 “Pamir Highway” está fechada por deslizamento de terra sísmico que soterrou a estrada com 35 m de solo Pamir highway 3

Pavimentada Excepcional Boa Razoável Indiferente Paisagem

Estado do piso Péssimo Mau Bom Excelente 0

50

2

Após Murghab, o pavimento ondulante exige a máxima concentração ou velocidades Murghab controladas. 2

Bulun-kul 4

Os camionistas são os verdadeiros bravos da estrada, enfrentando estradas onde não cabe um moto e um camião, onde o precipício ameaça e as derrocadas são frequentes. 6

8.6 milhões 143.100km2 (1.5x Portugal) Islão 133º mundial (Portugal: 41º) Somoni (TJS) 1€ ~ 7 somoni GMT+4

Kalaikum

8

Terra

População: Área: Religião: HDI: Moeda: Hora:

1

Kara-kul

3

7

Tajiquistão

Quirguistão

Khorog 4

A pista melhora após Langar, com a ocasional extensão de areia. As aldeias sucedem-se debaixo das sombras da vegetação viçosa que vive dos riachos que correm desde a montanha. Afeganistão

100km

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5 Langar Ishkashim

Yamg 6

Wakhan Corridor

A primeira vez que se avista o Hindu Kush no virar da curva com todo o vale de Wakhan à nossa frente é, para mim, o momento alto de toda a viagem. 5

Começam a surgir os primeiros troços de areia na pista, alguns em ganchos na descida para o vale. Mas as vistas... Do lado de lá do rio Pamir, os trabalhadores afegãos vibram com os ésses desenhados e aplaudem as nossas palhaças.


4

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as dormidas Depois de passearmos a tenda e sacos-cama por todo o Quirguistão, seguimos o conselho do Patrik e deixamos o material de campismo em Osh, confiando na oferta do Tajiquistão.

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Bisqueque 5 0 1 2 5 0 km

Cazaquistão

4 Song-kul

6 Toktogul 2 Kazarman

Irisu

7

Osh 0 1 8 0 0 km

15

0 4 3 5 0 km

1

Tash Rabat 3

USbequistão

China Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

Tajiquistão

«Adorámos» «Gostámos» «Mais ou menos» «Não repetíamos»

Afeganistão

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7 Tes Guesthouse

1 Casa do Emyr Depois do jantar oferecido, passamos a noite na casa nova que a família da Shergul, Emyr e Camike estão a terminar. Numa sala espaçosa subindo as escadas em caracol, estendem quatro trouxas de roupa nas quais dormimos, visitados pelo pequeno «leopardo-das-neves» durante a noite. Aldeia de Irisu GPS: N40,9582 E73,3591

2 Bujumal Arykmoldoeva’s homestay Depois de tentarmos dois outros homestay, encontramos na Belken Ilsau sítio para dormir, em dois pequenos quartos com uma cama para um casal e pouco mais, separados por um estreito corredor. Janta-se na tenda entre os quartos e a cabina exterior de duche. Durante a noite, o cachorro que «guarda» a casa rouba os chinelos deixados à porta e uma meia da Nélia como acompanhamento. Kazarman GPS: N41,4051 E74,0277 1550 som

3 Sabyberk Yurt Camp

4 Ak-say yurt camp

5 Hotel Richman

6 Motel 313

No interior da nossa tenda, as quatro camas alinham-se com os pés para a porta. Lá fora, a apenas uma dezena de metros, fica a casa de pedra que esconde a sauna, revelada pela coluna de vapor que emerge no telhado. Ao centro do acampamento come-se numa tenda comunitária. A mesma onde Tursunay, depois de nos encantar com fotografias da envolvência, emprestanos o seu computador portátil para resolver problemas com os cartões de memória da máquina fotográfica, sob o olhar atento da pequena Aipen. Deu luta usar um teclado em cirílico...

Optamos pela proximidade do lago, apenas para nos arrependermos de não ter insistido em encontrar o segundo acampamento comunitário que Patrik nos apontou ao nos encontrarmos na nossa primeira escolha, lotada para a noite. Gerido por russos abrutalhados, escolhemos a tenda que sobra de uma excursão de italianos. Os mosquitos no final de dia negam o banho no lago, chegando-nos molhar os pés.

Procuramos o sítio mais perto da embaixada do Tajiquistão na capital quirguise e encontramos um hotel moderno com um nome pomposo, com tanto de imodesto quando de enganador. Parece ser a preferências de equipas desportivas juvenis, maturidade equiparada à do serviço. Aproveitámos para estender alguma roupa lavada pelo quarto amplo com quatro camas individuais.

Partilhamos o hotel de beira de estrada com um grupo de bombeiros, regressados do incêndio que consumia as encostas ao longo da estrada feita já de noite. Ao estacionamento acede-se pelas traseiras do edifício, onde uma Africa Twin e uma XL400 Dakar nos esperavam. Jantamos «buzz» e sopa, depois de um banho no duche partilhado que viríamos a descobrir ser onde dormiria o pessoal do hotel. O quarto era simples e os dois beliches paralelos deixavam espaço indispensável para sair.

Tash-Rabat GPS: N40,8301 E75,2977 1525 som

Song-kul GPS: N41,7744 E75,1567 2000 som

Bisqueque GPS: N42,8321 E74,6410 1750 som (~€25)

Toktogul GPS: N41,8772 E72,9528

Seguindo a segunda recomendação do Patrik — depois da primeira estar lotada — somos recebidos com grande simpatia pela dona, Tes. No amplo prédio térreo os dois quartos, espaçosos e bem equipados, são envolvidos na tranquilidade do jardim bem tratado. Para comer é preciso sair. Aproveitamos para ir até à avenida principal e juntarmo-nos ao João Pedro para histórias, partilha e comida no hostel onde ele está a passar estas noites. Osh GPS: N40,5221 E72,8029 1700 som

15 Stans Guesthouse Reencontramos o Barry, «roubando-lhe» o quarto onde havia estado nos últimos dias. O jardim interior da casa do motociclista Stan — o qual acabou a comprar a BMW 650GS que usámos na primeira metade da viagem — permite-nos descansar os ossos antes de apanhar o vôo do dia seguinte. Osh GPS: N40,5157 E72,7901

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A pequena casa de pedra que esconde o banho turco em Tash-Rabat

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3


Cazaquistão

14 Khujand

USbequistão

China Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

Tajiquistão Kara-kul 8 12 Kalaikhum

Murghab

13 Dushanbe 0 3 5 5 0 km

9 Bulun-kul 11

«Adorámos» «Gostámos» «Mais ou menos» «Não repetíamos»

Khorog

Afeganistão Langar Ishkashim

Yang

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8 Sadat’s homestay A altitude começara a notar-se na respiração e a dor de cabeça não deixa esquecer quanto subimos. A aldeia de Karakul é pequena e a oferta para passar a noite resume-se a duas «homestays». Depois de uma curto péripelo de moto pelas ruas de terra, a opção era evidente. Katya recebe-nos com entusiasmo, um sorriso e umas canecas de chá quente para aquecer as mãos. Leva-nos até à venda da aldeia que nos escapara na nossa volta. Com ela revelase por detrás de uma porta fechada a cadeado no interior duma casa particular as garrafas de água, pilhas e um refrigerante indescritível de mau que era. Terminamos o dia a jantar uma sopa de massa e vegetais, com chá preto e pão. Provavelmente a melhor estadia da viagem... Kara-kul GPS: N39,0138 E73,5616

9 «Weatherman» Homestay Na verdade, este não é o nome do sítio onde dormimos em Bulun-kul. O dono da casa é também o responsável pela estação meteorológica da aldeia, cumprindo com rigor as 4 medidas por dia que anota num caderno. No quarto onde dormimos, sobre o palanque — que cobre quase toda a divisão única — estava algo do tamanho de uma máquina de costura, coberto de mantas. Levanta-se uma ponta para descobrir o que fazia aqueles pequenos sons, quase inaudíveis. O bebé da família não chega a acordar no seu berço de madeira, mas quando o fizer libertará o sítio onde se estenderiam as nossas trouxas para dormir. O jantar será na casa da ponta, onde conhecemos o inglês Martin e Atsuko, a sua japonesa companheira de viagem. Bulun-kul GPS: N37,7043 E72,9453

10 Vamg Homestay

11 Pamir Lodge

12 Juraev Roma

13 Hotel Tajikmatlubot

14 Hotel Sugd

Mais do que o responsável do Museu Solar da aldeia, Aydar é o chefe da família que acolhe na sua casa os viajantes que escolheram fazer o vale de Wakhan. Depois de 3 dias no Tajiquistão, explica-nos que afinal é menos uma hora que no Quirguistão. É um contador de histórias, arranhadas em inglês para explicar a tradição muçulmana, a arquitectura da casa. Reencontramos Martin e Atsuko, partilhando o jantar, servido na mesa baixa, elemento central da ampla sala principal da casa, bem debaixo da clarabóia feita de simboloismos entre o pagão e o ismaelista. Recolhemos aos quartos com a promessa que, de manhã cedo, o filho ajudar-nos-á a soldar o suporte quebrado da «top-case» da moto do João e Margarida. As habitações são pequenas numa casa térrea anexa, dispostas ao longo de um corredor envidraçado com molduras de madeira branca.

Estamos em território de «back-packers», numa concentração de viajantes impressionante, incluindo alguns participantes no Mongol Rally e um espanhol numa BMW R1200GS Adventure a tragar o Sul do Tajiquistão em duas ou três dentadas. O jantar foi o pior de todos, depois de goradas as sugestões da anfitriã para comermos na cidade. Abrimos um pão de forma para voltar a entalar o atum trazido de Portugal. Na outra ponta da mesa da sala de refeições, indiferente à nossa desculpa esfarrapada de jantar, uma alemã empenhase descascando meticulosamente vegetais, couves e afins. Assim estava quando chegámos e assim ficou bem depois de terminarmos.

Juraev aborda-nos na rua principal de Kalai-khumb ao ver-nos com aquele ar de quem está em vias de decidir onde ficar. Uma pequena rua perpendicular de terra leva-nos ao portão da «homestay» que, no cartão caseiro, se anuncia como «a primeira junto à ponte». As habitações do lado de lá do portão branco acompanham a pendente íngreme até à margem do rio. Numa pequena divisão esconde-se o forno caseiro do qual as mulheres da casa se penduram para atirar e recolher o pão que nos oferecem mais logo. Descontraímos deitados nos palanques do balcão sobre o rio, a olhar a ponte. O quarto fica no primeiro piso, janelas meias com as trouxas onde dormem dois condutores de camião, os verdadeiros heróis da estrada.

No Lonely Planet vem indicado como a melhor opção de Dushambe mas nós queremos acreditar que não pode ser. Pior ainda, é apontado como a melhor relação preçoqualidade, mas os preços no guia são para locais apenas: os «turistas» pagam o dobro. À primeira vista parece bem pensado, mas a falta de manutenção e os anos sentem-se na maçaneta que cai, nas portas desengoçadas, nos tacos soltos a lembrar um xilofone debaixo dos pés. Não servem refeições e ainda bem, a julgar pelo pequeno-almoço no dia seguinte e o empenho a que a dona não se entrega em coisa alguma. Jantamos no coreano aberto ainda aquela hora.

Parviz e Safiya chegaram a casa já de madrugada avançando devagar enchendo o pneu furado com o compressor de ar que deixámos com eles no alto de Anzob. O convite para ficarmos com eles na sua cidade teria de ser adiado. Encontrámos um hotel na enorme avenida principal, de dimensões a fazer lembrar a antiga URSS.

Yamg GPS: N36,9809 E72,3189

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Khorog GPS: N37,4867 E71,5615 70 somoni (~€10)

Kalai-khumb GPS: N38,4566 E70,7880 110 somoni (~€15)

Dushambe GPS: N38,6001 E68,7860 210 somoni (~€30)

Khujand GPS: N40,2707 E69,6456 300 somoni (~€43)


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8 Sadat prepara a nossa refeição para aquela noite.

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Bisqueque

Cazaquistão

Este percurso desde Osh até Tash-Rabat demorou três dias, depois de seguirmos um caminho que por Irisu nos levaria a Kazarman. Dormida forçada na aldeia e moto trocada, deixando a XT aos cuidados da MuzToo, seguindo com uma F650GS com matrícula do Alasca.

Song-kul

Toktogul

Kazarman

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3 2 Irisu

Jalal-Abad Osh 0 0 0 0 0 km

1 Tash Rabat 0 0 6 0 0 km

Khujand

USbequistão

China Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

Tajiquistão

1 Os seus documentos, «fachavor» Ainda a sair de Osh, a polícia manda-nos parar por uma ultrapassagem proibida do Zé. Alguma conversa, um choradinho à boa-moda portuguesa e muita simpatia do agente quirguize safa-nos. 2 Pedrada no carter A navegação infeliz leva-nos por caminhos difíceis que acabam por provocar uma racha na tampa do motor da XT.

Kara-kul

Kalaikhum

Murghab Dushanbe

3 Outra vez? Entre o mapa, GPS e indicações dos locais voltamos a ir por onde não tem saída. Kazarman não era por ali, mais uma vez. Desta não deu direito a problemas mecânicos.

Bulun-kul Khorog

Afeganistão Langar Yang

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100 km


a caminho de tash-rabat Na fortaleza de Tash-Rabat entra-se comprando o ingresso a esta senhora... mas é preciso encontrá-la primeiro, e só depois ter-se lembrado de trazer dinheiro connosco.

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I

risu não fora uma escolha: aconteceu. Estar ali parado na berma, sentado a ver a vida da minúscula aldeia a passar à nossa frente. Entre os conselhos do Office Manager de Patrik, a linha no mapa, a assertividade do GPS e a convicção dos locais, damos por nós parados na berma da estrada a ver uma das motos esvair-se em óleo do motor. A primeira aclimatização quando chegamos a um novo país, desconhecido para nós para todos os efeitos, é perceber como são as estradas. Que distância se percorre num dia? Como é o piso? É normal que os caminhos sejam assim, cheios de regos esculpidos na terra solta, íngremes, galgando escarpas? Afinal fora por ali que nos apontaram o caminho. Como a maior parte das contrariedades que surgem nas viagens, esta tem solução. Encontramos consolo em saber que para cada adversidade há uma

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memória forte para guardar. Não por sermos masoquistas, mas por permitir conhecer pessoas, estreitar laços, revelarmo-nos. Emyr é ainda um miúdo. E, como os demais na sua aldeia, juntou-nos a curiosidade. Para ele é uma oportunidade para praticar o inglês. Emyr procura as palavras que não saem olhando para o céu e torcendo o pé na areia do chão. E quando as descobre, solta os dedos das mãos que foi entrelaçando. Sente-se nele a frustração nas palavras que não saem, mas isso não o impediu de nos convidar para passarmos a noite. Combinara já tudo com Shergul, sua mãe: podíamos acampar nos terrenos à volta da casa, e já estava escolhido o local, abrigados debaixo da enorme nespereira. É apenas uma centena de metros até lá e, aí chegados, hesitam e pedem-nos para irmos para dentro dos portões, mais perto de casa, que é melhor.

A excitação é evidente em Emyr e Camike, a mais nova. Entretêm-se a ver-nos montar a tenda junto ao tractor velho, entre o palheiro e a casa principal. E, mesmo antes de estar quase pronta, convidam-nos para dormir dentro de casa. Apesar de tardio, o convite soube bem, depois de um dia frustrante no qual falhámos chegar onde nos propuséramos. Enquanto a Europa se desmorona a discutir aceitar os sírios refugiados, aqui deram-nos comida, abriram-nos a casa e fizeram-nos a cama, indiferentes a nos termos conhecido há apenas algumas horas.


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Ainda nem saíramos de Osh e já estávamos quase a levar uma multa. A acusação — ultrapassagem proibida. Valeu a simpatia e compreensão do agente, explicado por gestos que era o primeiro dia e nos estávamos a acostumar à cidade...

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Acampamento de Yurts de Sabyrbek’s, em Tash-Rabat.


Fortaleza de pedra

Tash-Rabat, a fortaleza de pedra, viu os séculos passar. Seis, para ser mais preciso. Fê-lo desde um lugar escolhido com sabedoria, encaixado no vale que servia a Rota da Seda. A lenda diz que nasceu da disputa fraterna dos dois filhos do Khan, senhor da região, desejosos em lhe provarem o seu valor. O mais filantrópico escolhera o desenvolvimento da educação, agricultura e indústria, enquanto o segundo — preterido no final— preferiu a via bélica e guerreira, semeando fortalezas e montando exércitos. Hoje a contribuição deste antigo caravanserai resume-se a compôr um quadro ainda mais impressionante a todo o vale. O desejo de aqui chegar movera-nos desde Osh pelas cumeadas montanhosas de Fergana. As vistas do cimo revelam a suavidade aparente das montanhas atapetadas, despojadas de árvores ou qualquer elemento vertical. Mas o caminho para aqui chegar é duro,

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metáfora perfeita sobre a determinação e perseverança face à adversidade serem recompensadas no final. Chega-se ao vale de Tash-Rabat adentrando pela garganta de Kara Kojun, onde as encostas verdes são no curto Verão quirguize atapetadas pela erva, lembrando um enorme cortinado de veludo, rasgado pelas rochas. Os cavalos e rebanhos de cabras pastam, indolentes. A ocasional marmota rechonchuda arrisca a corrida à nossa frente. Foge para encontrar a segurança da galeria subterrânea. O alerta soou, dado pela sentinela desde as escarpas mais altas, a uma distância cautelosa da pista de terra que nos leva até ao yurt da Tursunay e da pequena Aipen. Viu-nos parados e apressa-se a atravessar o riacho em nosso encontro. Lança-nos um convite difícil de resistir. Junto às tendas construira numa pequena casa de pedra um banho de água quente. Não tardou para que, com a ajuda do balde e cocho de madeira, deixemos ora a quente, ora a fria água correr cabeça

abaixo pelos corpos cansados do dia longo a vencer os obstáculos. Enxotamos a pedra solta, terra, gravilha e outros ingredientes com os quais a aventura se cozinhou. O Sol põe-se mais cedo no vale, mas ainda nos dá tempo para ficar a vê-lo desaparecer. Pouco acontece por ali, entre o cavalo que chega do passeio até Chatyr-köl e o som do fogão a gás dos jovens ciclistas alemães na tenda ao lado. As motos descansam enquanto as galinhas e perus as investigam, picando o chão em redor. Por falar em comida, Tursunay chama-nos. A sopa quente de vegetais e carne está servida. O chá fumega na mesa e a conversa estende-se pela noite. Há um ano que não dormíamos num yurt, depois da Mongólia. E se fecharmos os olhos por momentos acreditamos que não ouve interrupção, que viajamos de moto desde então


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Entre Kazarman e Ak-tal, nas montanhas de Fergana.

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Moldu Ashu Pass (3400 m)

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Desde a China em 125 e 250 vão vencendo as encostas até Kazarman.

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Garganta de Kara Kojun, perto de Tash-Rabat.


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Bisqueque 0 1 2 5 0 km

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4 Má escolha Escolhemos o acampamento errado, depois de encontrarmos o Patrik com um grupo de clientes na nossa primeira escolha, lotada.

China Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

Tajiquistão Kara-kul

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Murghab Dushanbe Bulun-kul Khorog

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song-kül Do interior da tenda, a vista é sobre o lago. Lá fora, o russo trombudo coça a barriga, enquanto a filha multiplica-se para chegar a todo o lado.

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A

pontamos a Song-köl, no sentido contrário da estrada que nos levaria à China até Kashgar, passando o Torugart Pass. Para subir até ao lago, a pista de terra faz-se numa sucessão de ganchos desenhados entre as florestas densas de cedros. Bem no alto dos seus 3200 m, pausa-se no Moldo-Ashu Pass para absorver tudo, ponto de encontro de motos e bicicletas. Conhecemos Barry na sua DRZ400, comprada no Japão. O sotaque denuncia-o, agradecendo que não o tivéssemos confundido com um kiwi, alcunha dos vizinhos neo-zelandeses. Optou por não ficar nos yurts junto ao lago — Prefiro a água corrente — confessa, enquanto aponta para acampar junto ao riacho que acompanha a pista no final. Voltaríamos a conhecer outro australiano, Robin, à porta da embaixada em Bisqueque. Em Osh, desafiaríamos mais tarde Barry para

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deambular connosco no bazaar e subir ao Suleyman Too. Uma nuvem grande cobre o Sol e não resisto a começar a tremer sob o vento frio no alto da montanha. Apressamos as despedidas, seguindo para o lago para procurar a tenda que nos acolheria na noite. Junto a um grupo de yurts perto do lago atrainos uma mão-cheia de motos, apenas para descobrirmos que é o grupo que Patrik liderava naquela semana pelo Quirguistão. Revela a mesma calma e simpatia que conheceramos à distância apenas. Diz-nos que não há espaço naquele acampamento e recomenda-nos o próximo, apontando com um gesto no ar. Fazemos uso do seu conhecimento das pistas e caminhos para nos dar sugestões para os dias que tínhamos pela frente. A necessidade ditara que abandonássemos a ideia de visitar Yssyk-kul, o maior lago da Quirguízia, rumando norte até à capital Bisqueque. Apenas aí se consegue obter o visto que nos falta para podermos entrar

no Tajiquistão. Os relatos de viajantes prometem rapidez em obter um na embaixada num dia de semana. Patrik lembra que a sexta-feira para os países muçulmanos é por vezes encurtada, sugerindo estar lá logo de manhã cedo. Confiamos na experiência e conhecimento de Patrik para nos ajudar a perceber quanto tempo nos tomaria o desvio de 1200 km. Afinal as estradas difíceis que deixáramos para trás poderiam representar rolar entre as 24 horas que efectivamente demorámos em três dias e quase o dobro. Ponderámos esquecer o país vizinho a sul e usar o nosso tempo no Quirguistão apenas, mas decidimos abandonar a ideia, atraídos de forma fatal pelas Pamir Mountains e o Wakhan Valley


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Estrada do vale, no início da subida até Song-Kul.

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Margens do Song-kul, no acesso ao acampamento.


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Osh 0 1 8 0 0 km Khujand

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China Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

5 Visto à pressa O ambiente da capital foi visto à pressa para obter um visto com pressa. Escolhemos um hotel próximo da Embaixada e bem cedo estamos à porta desta. Mais um choradinho e a Margarida convence a funcionária a ter tudo pronto à hora de almoço. Tempo para dar um giro pelo centro da cidade.

Tajiquistão Kara-kul

Kalaikhum

Murghab Dushanbe Bulun-kul

6 Fogo florestal Um incêndio espectacular ilumina a encosta junto à estrada, feita já noite dentro. Os bombeiros procuram descanso onde o encontram. Dividimos o motel de berma-de-estrada em Toktogul com alguns dos sapadores e dois viajantes de moto.

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Afeganistão Langar Yang

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bisqueque-osh* * Tem mais piada dito em voz alta

A porta da embaixada do Tajiquistão, objectivo principal da ida até à capital quirguize.

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No centro de Bisqueque, em frente à estátua de Manas e à orgulhosa bandeira hasteada.

Carretas empurradas, motoretas, triciclos e automóveis — tudo mexe no bazar de Osh.

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No bazar de Osh

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Eu ainda sou do tempo em que era tudo em escudos.

Diz quem viu, que o sorriso do João estava de orelha a orelha nos ganchos a caminho de Bisqueque, feitos em piso perfeito.

Parecem uns animaizinhos a comer melancias do chão, francamente.

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Trouxemos destes para Portugal, mas já conseguir que alguém os comesse foi outra história. O rapaz quirguize parece entusiasmado.

A companhia do João Pedro, tanto nos momentos de trabalho como deambulando nas ruelas do bazar, souberam bem.

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Bisqueque

Cazaquistão

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Osh 0 1 8 0 0 km

7

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China Quirguistão 8

Fronteira Quirguistão Tajiquistão

7 Engulhos Depois de deixar a BMW na MuzToo, o João volta aos comandos da XT. Nos primeiros quilómetros esta engulha-se e mostra-se difícil. Equacionamos voltar para ver o que se passa, mas decidimos prosseguir caminho para sul.

Tajiquistão Kara-kul 0 2 2 5 0 km Kalaikhum

Murghab Dushanbe

Bulun-kul 0 2 5 0 0 km

8 Propina Sair do Quirguistão foi simples e cordial. Entrar no Tajiquistão foi uma sequência deplorável de documentos e taxas imaginárias para desinfecções bacteriológicas, importações e exportações fictícias e outras que nem percebemos. Até que dissemos — chega. Já não há paciência — nem dinheiro não tardava.

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Afeganistão Langar Yang

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pamir mountains A ovelha Marco Polo, símbolo do Tajiquistão, assinala a fronteira norte.

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H

á duas horas que conduzíamos nas Pamir, em direcção a sul. Para trás ficam os lagos de Kara-kul de água salobra numa cratera de meteorito e o mais pequeno Bulun-kul, onde dormíramos nas últimas noites. Aí acordamos com o cheiro das primeiras fogueiras, onde a água para o pequenoalmoço já ferve. Ambas as aldeias não têm mais de uma ou outra dezena de casas térreas, pintadas de branco, simples, com um terraço por telhado. Para distinguir o nosso abrigo para aquelas noites basta ler as enormes letras pintadas na fachada — Homestay. Os primeiros raios de sol que vencem os cumes dos picos das montanhas envolventes projectam as sombras das nossas motos na parede. Nesta paisagem silenciosa e despida de árvores, apenas a grande torre meteorológica se ergue do chão. Orgulhosa, mediu em tempos a

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temperatura mais baixa do Tajiquistão: -63° C. Mas contava-vos da estrada. O ocasional burro levanta a poeira debaixo dos cascos, indolente e indo lento. A paisagem em volta é árida, coberta de rochas por entre as quais pequenas manchas de erva crescem. As primeiras horas do dia são as melhores. A pista ganha texturas e as sombras ainda se alongam. Porquê esta estrada então, despojada de vida, côr, envolta no pó? Onde nos leva? Estamos numa missão: encontrar o «Assassino de Hindus», alcantilado do lado de lá do rio Pamir, protegido no Afeganistão. O grisalho cobre-lhe a fronte e não lhe disfarça os anos. Saberá muitas histórias, nem todas boas, algumas de arrepiar. Diz-se que é frio e mantém a distância. Mesmo depois dos testemunhos e imagens, nada nos preparara realmente para aquele encontro. A própria estrada parece desenhada para tornar aquele momento

especial, para causar efeito. É quando vencemos a lomba, logo no abrir da curva, que o vemos. Não há forma de evitar. Por respeito, ou até reverência, desligamos os motores. Silêncio — à nossa frente ergue-se o Hindu Kush. O nome deram-lhe os afegãos — significa o carrasco de hindus, alusão aos indianos das planícies do subcontinente, milenares inimigos do Afeganistão. Encerra a morbidez que retrata as vidas perdidas dos escravos indianos transportados para a Ásia Central. Mas como é magnífico o vale de Wakhan... Nem toda a grandeza e magnificência do planalto das Pamir que percorrêramos nos dias anterior se lhe comparam. Ali começa a grande cordilheira dos Himalaias, bem no alto dos 7700 m, separando as Ásias Central e do Sul. A seus pés os vales dos mesmos rios que se falam nos livros — Amu Darya (o antigo


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Oxus, que dá nome à Trans-Oxiana, território hoje conhecido por Tajiquistão e Quirguistão) e Indus. Onde Alexandre, o Grande terá dado de beber aos cavalos do seu exército, derradeiro destino dos corpos de guerreiros mongóis, hindus e comerciantes da Rota da Seda. O vale acompanha o rio Pamir que se torna no Panj para juntos correrem até ao grande Amu-Darya, o maior rio da Ásia Central, que apenas morre no deserto usbeque, sem nunca chegar ao mar. Mas neste vale que faz a fronteira natural entre o Tajiquistão e o Afeganistão, as maravilhas sucedem-se. As encostas são despidas de vegetação ao longo de muitas milhas e os sinais de vida humana, para além da pista em terra que seguimos, são escassos até à junção com o rio Wakhan. Aqui surgem as primeiras aldeias, alimentadas pelos cursos de água que caem violentamente desde os 6700 m da cordilheira que tem por ponto cimeiro o Karla Marksa. A exuberância verdejante chega até à

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estrada ladeada de choupos de casca branca. Langar é a primeira e, à sombra dos esguios choupos de casca branca que ladeam a estrada, perguntamos por algo para comer. A areia ao longo do caminho fizera-se cobrar, deixando nela a nossa energia. Seguimos o caminho murado que nos apontam, até largarmos as motos debaixo de uma nespereira. Sucumbese à tentação, banhados em simpatia e acolhimento, desfazendo com as mãos o nom (pão) fumegante e bebendo a sopa quente que há pouco fervia no lume de chão. Os alperces largam a penugem no ar, dançando na brisa fresca que corre no pomar da casa, filtrando os raios de Sol que escaparam à densa folhagem. O riacho corre forte, enchendo o ar antes de sucumbir lá mais abaixo no majestoso Pamir. Fazemos e refazemos as contas de cabeça que insistem em lembrar-nos que não temos tempo para terminar o dia já ali, que é preciso voltar a vestir o equipamento e seguir caminho até Yamg.

Uma dezena de milhas mais à frente, o suporte da topcase da XT quebra-se, espalhando o conteúdo na estrada. Improvisa-se o melhor que se pode com cintas e elásticos. A gasolina, essa começa a escassear nos depósitos. Descobrimos a casa onde se encondem os funis e barris onde abasteceríamos, depois de termos passados por ela, disfarçada de casa normal. Sobe-se uma rampa para descobrir uma porta onde se afixa quanto custa 1 L, 2 L, 3 L e por aí fora. Ao lado, pendurada num arame uma agulheta de cada lado: diesel e gasolina. Desenhamos com a dedo na porta «92» e devolvem-nos um aceno de cabeça. Dois baldes depois, seguimos para dormir em Yamg, na homestay de Adyr, o contador de história. Vista de fora, a casa térrea aparente ser simples, discreta, moldada em adobe. Por dentro, é envolta nas pequenas hortas e plantações de fava, couve, tomate, sob as árvores de fruto. A presença constante da água corrente que a montanha atira para


Estava na altura de parecermos o Pateta — Iaque, iaque, iaque.

Parece que está fresquinho lá em cima.

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Pausa para almoço, ATM e gasolina em Murghab.

Uau...Bem-vindos às Pamir.

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baixo é domesticada em pequenos canais, servindo para irrigar ou lavar. À noite, o jantar é feito na sala principal da casa, forrada a tapetes nas paredes e cobertas alcochoadas no chão. Apenas Aydar, patriarca e director do museu do Calendário Solar da aldeia, se junta para nos fazer companhia. Explica-nos a ligação entre as casas pamiri tradicionais (huneuni chid) e a sua religião, ismaelita muçulmano: os cinco pilares simbolizam a família do Profeta Maomé, e o tecto em quatro níveis de quadrados rodados 45° entre si onde cada um representa um dos quatro elementos, terra, ar, fogo e água. No cimo uma clarabóia hoje, permitia a saída da chaminé do fogão central. Sobre a mesa baixa chega o chá para acompanhar o nom e compotas locais, tudo servido pelas mulheres da casa, esposa, filhas e netas de Aydar, pendulando entre a cozinha e a nossa mesa.

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É manhã e João já procura fazer bom uso da boa fortuna que fora encontrar uma máquina de soldar à nossa chegada a dois palmos das motos. O filho mais velho de Aydar ajuda, reforçando a rigidez do suporte da mala com um pedaço de aço helicoidal. Com uma top-case que pronta para sucumbir uma dezena de milhas mais à frente, despedimo-nos. A estrada continuaria pelo vale por muitas milhas, ora na margem norte do rio, ora na Nascente quando rumamos para Khorog. A companhia do Afeganistão é uma constante, relembrada na vila de Ishkashim. Hoje, lamentavelmente, não era sábado, pois nesse dia — e apenas nesse — o mercado ribeirinho reúne afegãos e tajiques num saudável ambiente de trocas comerciais em território neutro. Aos visitantes nem é requerido visto, apenas passaporte, contam-nos


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Na região de Gorno-Badakshan os controlos são tão frequentes, quanto amigáveis e rápidos.

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Bisqueque

Cazaquistão

Song-kul

Toktogul

Kazarman

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Irisu Jalal-Abad Tash Rabat

Osh Khujand

USbequistão

China Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

9 Deslizamento de terra A M41 entre Bulun-kul e Khorog está interrompida devido a um deslizamento de terras. As previsões falavam que reabria dia 25 de Agosto, precisamente o dia em que partíamos de Bulun-kul. Escolhemos ir por sul e fá-lo-íamos de qualquer das formas, por ser o mais interessante das alternativas.

Tajiquistão Kara-kul

Kalaikhum

Murghab Dushanbe

Bulun-kul 0 2 5 0 0 km

9

10 Areia Os primeiros troços com areia funda surgem e com eles as risadas dos afegãos do lado de lá do rio, perante os nossos tombos. 11 Suporte da Top-case parte-se Um desenho infeliz, peso na mala e buracos na estrada são os ingredientes que cozinham a inevitável quebra do suporte da «top-case» da XT.

Khorog 0 2 8 7 0 km 10

Afeganistão

11 Langar Ishkashim

Yang

0

100 km


wakhan valley Bem no centro do Vale de Wakhan, a ver o Afeganistão na outra margem.

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Aos esses na areia

Malucos, há muitos. E o Mongol Rally está cheio deles. E ainda bem.

Do outro lado do rio, a vida nas aldeias afegãs parece longínqua apesar de a apenas algumas dezenas de metros de distância.

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Uma paragem em Langar para almoçar. Ao lume, a família que nos acolhe colocou uma panela. A sopa toma-se a ver o rio, debaixo da copa das árvores. Apetece ficar ali.

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Bisqueque

Cazaquistão

Song-kul

Toktogul

Kazarman

Ak-tal

Irisu Jalal-Abad Tash Rabat

Osh Khujand

USbequistão

China Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

Tajiquistão Kara-kul

Kalaikhum

Murghab Dushanbe 0 3 5 5 0 km

Bulun-kul Khorog 0 2 8 7 0 km

Afeganistão Langar Yang

0

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100 km

Naryn


dushanbe Às portas de Dushanbe, uma pose de outros tempos, evocando os poetas lusos.

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Os preços da gasolina afixam-se na porta, numa lista com o custo para cada quantidade vendida, uma a uma.

Para saber onde encontrar combustível, basta estar atento para estes sinais na estrada. Nada mais o denuncia, escondido em bidões dentro de portas fechadas.

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Em Kalaikhum, o pão fresco é preparado no local, usando o forno para cozer, atirando a massa espalmada contra as paredes internas.

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Bisqueque

Cazaquistão

Song-kul

Toktogul

Kazarman

Ak-tal

Naryn

Irisu Jalal-Abad Tash Rabat

Osh 0 4 3 5 0 km

Khujand 0 3 9 0 0 km

USbequistão

Enclave de Sokh

China

13

Quirguistão Fronteira Quirguistão Tajiquistão

12 O Túnel da Morte O Túnel de Anzob, ou «da Morte», está fechado, infame pelos ferros salientes das paredes interiores e da água que corre livremente com 30 a 100 cm de profundidade no escuro. E ainda bem. A alternativa é uma estrada de montanha lamacenta com picos nevados.

Tajiquistão 12

Kara-kul

Túnel de Anzob

Kalaikhum

Murghab Dushanbe 0 3 5 5 0 km

13 «Niet. No VIsa.» Entre mapas desactualizados, chuva e indicações confusas acabamos em frente da fronteira usbeque, sem visto para entrar no enclave de Sokh.

Bulun-kul

Khorog

Afeganistão Langar Yang

0

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100 km


era sokh faltava Terminamos onde começámos e, desde o cimo do monte de Suleyman Too, vimos a cidade de Osh, antes da despedida.

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F

alháramos. Não era por ali. A desconfiança que me perseguira desde que saíramos de Khujand, a segunda maior cidade do Tajiquistão, confirmava-se naquela devolução dos passaportes pela mão do guarda usbeque — «Niet Visa», reforça, apontando o caminho de volta para a montanha. A chuva engrossa a voz, mas nenhum dos pingos que caem sobre o mapa parece indicar o caminho certo.

Enclaves usbeques

Alimentámos a ambição de conseguir atravessar esta pequena bolsa de território usbeque, mesmo sem o visto que não tínhamos. Estamos no Enclave de Sokh na província de Batken, palco dos tumultos de 2013 ainda frescos na memória, que trouxeram de volta às mãos destes guardas as metralhadoras e o semblante cerrado. Estaline estava

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longe de imaginar, quando em 1932 decretou a criação das identidades nacionais delimitando os territórios da Ásia Central. Nasciam então os «Istões», países que hoje reconhecemos pelo sufixo que em árabe significa «a terra dos»: Quirguistão, Tajiquistão, Usbequistão, Cazaquistão, Turquemenistão. As fronteiras surgiram ali, na mesa de campanha do líder russo, o mesmo cuja enorme estátua de bronze saúda hoje a enorme bandeira na praça central da capital quirguize, Osh. Parece agradecer ter sido dado o seu nome à Avenida e Praça principais da cidade, indiferente às celebrações de independência serem festejadas ali, com grande pompa e circunstância, legado cultural soviético. Mas contava-vos das fronteiras. Porquê aquelas e não outras? Porquê deixar no meio do território quirguize pequenas porções de solo usbeque? E porquê fazer passar por elas as — poucas — estradas que ligam à capital, Osh? Nada é deixado ao acaso nas ordens de Estaline, como

reflecte a cerebral distribuição de unidades produtivas pelas novas nações, para que nenhuma conseguisse subsistir sem algo das demais: se precisas de algodão, pede ao irmão Usbequistão; Alumínio? Tajiquistão... E por aí fora, mas nada ao acaso. São etnias quirguize que vivem nesta bolsa usbeque, permitidas circular entre ambos os territórios, mesmo que não esteja ainda bem definido onde são as fronteiras que os separam. Estamos no ponto onde a fronteira é bem definida e melhor armada. Seguimos uma dica dada pelo quirguize Office Manager, nome pomposo para quem nos ajudara a preparar os papéis das motos para que pudessem atravessar as fronteiras connosco. A hesitação que lhe sentira então ao deambular com o seu dedo pelo mapa havia alimentado a minha desconfiança que não escolheramos o caminho certo.


Figos frescos, de volta ao bazaar de Osh.

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A noite na praça principal de Khujand.

Paragem para almoço em Batken.

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Por onde, então?

Como atravessaríamos então e devolver as motos a tempo de apanhar o avião, depois de amanhã já? Barricada por perfis de betão que forçam o ziguezague até às cancelas envoltas em arame farpado, chega-se à fronteira. Ao longo da estrada são frequentes as pequenas divisões de infantaria usbeque, lembrança dos tumultos étnicos recentes entre usbeques e tajiques. Não há controlo tajique nesta fronteira, fruto da política de livre trânsito e comércio que o Tajiquistão sempre promoveu. Mas o Usbequistão recusou esse modelo, encerrando as suas fronteiras, confiante que a sua economia seria auto-suficiente, controlando quem entra e sai. São muitas as fronteiras entre ambos os países que estão fechadas há muito, e assim continuarão. Muitos dos seus perímetros foram mesmo minados. Nesta fronteira de Sokh são muitos os que procuram atravessar ali. Chega uma carrinha-táxi cheia de tajiques. Todos saem da viatura e perfilam, empunhando os cartões nacionais. A pé, um após outro atravessa. A carrinha segui-los-á

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mais tarde depois do condutor ver a entrada aprovada no pequeno contentor metálico que serve de controlo aduaneiro. É uma fronteira para os locais. Não há «estrangeiros»; ou não havia até chegarmos. Ninguém fala outra coisa para lá do russo e das línguas maternas. O melhor que o guarda consegue é um «Cristiano Ronaldo» que articula com um sorriso, o primeiro que lhe conhecemos. No sentido contrário uma camioneta de ovelhas e cabras procura sair. À falta de passaportes, os bichos ficam na viatura. Sentimos o aroma forte dos animais quando se imobiliza junto das motos, que afastámos para abrir passagem. O condutor quirguize parece empenhado em ajudar-nos. Repete-se o procedimento ao qual nos fomos habituando, de tantas vezes o vivermos em ambos os países. — Otkuda? — abordam-nos em russo, cedendo à curiosidade. — Vimos de Portugaliya — respondemos. — Aaahhh… — soltam, prolongando a palavra o tempo suficiente para localizarem onde seria, algo surpreendidos. Pausam por uns momentos. Depois ganham balanço e desatam a falar na língua deles,

quirguize, tajique ou usbeque. E falam como se os entendêssemos, em grande ritmo e entusiasmo. Riem abertamente; não como quem goza connosco, mas por aparentar estar genuinamente feliz pela oportunidade de «conversar» com estrangeiros. Depois de alguns Niet rusky, convidamos o condutor para se juntar a mim à volta do mapa que trago sobre o depósito da moto. A linguagem corporal e o mapa parecem ser universais e dar-nos melhores garantias de sermos bem-sucedidos na nossa missão: encontrar «O caminho para Osh sem atravessar o Usbequistão». A chuva redobra, mas ainda não encharca. Envolve-nos uma pequena multidão, debaixo dos inúmeros olhares curiosos que convergem no mapa. Sobre as estreitas linhas deste, os grossos dedos do pastor-condutor desenham o nosso desejo. — Da, da — repete uma e outra vez — Novaya doroga. — Spasibo. Do svidaniya — retribuímos em russo nas poucas palavras que sabemos, agradecendo e procurando a nova estrada que nos levaria à prometida Osh


15.08 ida

TK1756 — TK0360

Lisboa — Istanbul — Osh regresso

01.09 TK0361 — TK1759

Osh — Istanbul — Lisboa




n.º n.º

n.º n.º

9

8

15

13 “Red Hair & Freckles”

“Rota dos Mouros”

Gales, Irlanda, Irlanda do Norte 2013.Junho

Espanha 2011.Agosto

“Oakham’s Adventure”

“Mon-golia”

Cornualha, França 2010.Agosto

n.º

“TREVListão”

Mongolia 2014.Agosto

16

Quirguistão, Tajiquistão 2015.Agosto

n.º

n.º

12

n.º

“Jbel Xplore” Marrocos 2012.Março

14

“Overland Nepal” Nepal 2014.Abril

7

“Alpes” n.º

n.º

“10 Days in Morocco”

11

6

França, Itália, Suíça 2008.Junho

“Mare i Monti” Córsega (FR) 2009.Maio

Marrocos 2011.Setembro

n.º

n.º

10

“Morocco Xcape” Marrocos 2010.Março

17

“South of Africa”

Zâmbia, Zimbabué, Botswana, Namíbia, África do Sul 2013.Novembro

Uma edição


Uma edição


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