“Conhece alguém que dê a cara pelas doenças mentais?”

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08-12-2018

Meio: Imprensa

Pág: 35

País: Portugal

Cores: Cor

Period.: Semanal

Área: 28,20 x 43,49 cm²

Âmbito: Informação Geral

Corte: 1 de 1

Quem sofre de doença mental é alvo de mitos e falsas crenças que o descrevem como agressor

DEMÊNCIA

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FOTO GETTY IMAGES

mortes em Portugal provocadas pela demência. Um valor que representa 3,1% da mortalidade

€694 mil milhões foram os custos com a demência, em todo o mundo, em 2015. Em 2030 deverá ultrapassar 1,5 biliões de euros *VEJA O 2:59, NO SITE DO EXPRESSO, SOBRE AS DEMÊNCIAS, EM HTTPS://BIT.LY/2GFIGPN

Estigma É o primeiro problema para quem sofre de esquizofrenia, depressão ou bipolaridade

“Conhece alguém que dê a cara pelas doenças mentais?”

S

ofrer de doença mental é algo que ainda se faz em silêncio, ou quase, no seio da família. Acresce que os doentes e as suas famílias ainda têm mais um problema: o estigma. “É algo que está enraizado, que faz parte do nosso ADN. A sociedade tem esse estigma, nós interiorizámo-lo e não lutamos pelo direito à saúde mental. Há um trabalho de anos e anos que começa na educação, e que tem de continuar a ser feito”, explicou Filipa Palha, psicóloga e presidente do conselho diretivo da Encontrar+se, durante o segundo programa “Que Saúde Faz Sentido”, desta vez dedicado à saúde mental. Partindo deste estigma cria-se um círculo vicioso: o tabu causa vergonha e faz com não se fale sobre o assunto. E, assim, sem reivindicações por parte das pessoas afetadas, as doenças mentais caem para segundo plano. Susana Almeida, psiquiatra no IPO do Porto e outra das convidadas, nota na sua prática clínica que o “doente luta até chegar à especialidade”. E que, muitas vezes, muda de médico, andando de “falência em falência e isso torna mais difícil manter o tratamento”.

À volta destes doentes paira todo um mundo de falsas crenças. “Há o mito de que as pessoas que sofrem de doença mental grave podem ser violentas. Ora, o que a evidencia científica nos mostra é que costumam ser vítimas e não agressores”, diz Miguel Xavier, diretor do Programa Nacional de Saúde Mental. Até mesmo dentro das próprias famílias a doença mental se torna um fenómeno difícil de interiorizar. “É muito difícil explicar aos filhos que o pai está na cama e não é por preguiça, é porque não se consegue mexer”, frisa Susana Almeida. Quase como que por ironia da vida, se por um lado existem mais medicamentos e uma maior variedade de tratamentos, por outro, não parece existir uma cura para o problema. “O estigma existe em toda a parte. Também existe entre os alunos de Medicina e só vai diminuindo quando tomam contacto com a cadeira de psiquiatria”, frisa Miguel Xavier. Apesar de o estigma ser universal, Portugal diferencia-se de outros países. Hoje existem campanhas em que figuras públicas dão a cara pelo o cancro ou pela trissomia 21, mas o mesmo não acontece com a esquizofrenia ou a bipolaridade. “Conhece alguém que dê a cara pelas doenças mentais?”, questiona Filipa Palha. Em Inglaterra, a causa foi abraçada pelos príncipes William e Harry. Nos EUA, também a ex-primeira-dama,

Doentes podem viver integrados na sociedade Especialistas defendem que a institucionalização deve ser a solução apenas para um pequeno grupo de doentes

Apesar do estigma que as doenças mentais provocam, quem sofre destas patologias, como a esquizofrenia ou a bipolaridade, pode ter uma vida inserida na sociedade. “Nos últimos 50 anos houve uma melhoria das condições de vida que se deve à inovação terapêutica e permitiu uma melhor integração ao nível do meio social, onde há um grupo que vai sempre precisar de ser institucionalizado, mas será

Michelle Obama, falou muito sobre a doença mental.

Saúde de proximidade

Expresso e SIC Mulher, em parceria com a Janssen, convidam nos próximos meses duplas de especialistas em saúde para debater as questões atuais no programa “Que Saúde Faz Sentido?”

“Existem razões culturais que o justificam em Portugal. Somos diferentes dos países nórdicos e anglo-saxónicos em que as figuras públicas falam sobre estes temas. O ser humano é muito apto a gerar estigmas como, por exemplo, as pessoas que vivem nos subúrbios. É um combate que só pode ser feito com educação”, defende Pedro Varandas, da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria. Já Miguel Xavier defende que o estigma está em todo o lado, em todo

FOTO JOSÉ FERNANDES

Textos Carolina Reis

Gravação do programa com Filipa Palha e Susana Almeida

cada vez menor”, defende o psiquiatra Pedro Varandas. A capacidade de estes doentes poderem ter a sua sintomatologia controlada, através de fármacos e de psicoterapia, é uma estratégia de tratamento que a maioria pode seguir, evitando a institucionalização. Traz ganhos para o doente, para as suas famílias e até para o Estado. “Se considerarmos que seis consultas de psicologia equivalem a um mês de baixa médica”, frisa Filipa Palha, psicóloga. Já Susana Almeida, psiquiatra do IPO do Porto, alerta que haverá sempre uma parte dos doentes que necessitará de institucionalização — e que esses até costumam ser internados e diagnosticados tarde — mas o tratamento em casa deveria ser o ca-

minho a seguir. “É preciso apostar-se na psicoeducação e em estratégias na comunidade para combater o paradigma da institucionalização.” É essa a aposta defendida pela Associação Alzheimer Portugal. “Esta é uma doença de curso longo, cujos piores sintomas não se manifestam logo. Pensar que não há nada a fazer é um engano. Há fármacos e tratamentos não fármacos que permitem controlar os sintomas. Hoje, as pessoas podem viver melhor com a demência”, frisa Catarina Alvarez, psicóloga da Alzheimer Portugal. Ainda estamos, porém, longe da vida plena para as pessoas que sofrem de doença mental. Depende em boa parte do acesso que cada um consegue ter

o mundo. Algo que se continua a ver mesmo quando as patologias se tornam mais comuns, como é o caso do Alzheimer, uma doença degenerativa que afeta o cérebro. “Existe um triplo estigma: o do envelhecimento, o das perturbações mentais e da alteração do foro comportamental”, explica Catarina Alvarez, psicóloga e coordenadora de projetos da Alzheimer Portugal. O mesmo acontece com o burnout — que segundo um estudo recente da Deco afeta um em cada três trabalhadores. “É ainda estigmatizante porque é considerado como a síndrome dos fracos, do trabalhador que não aguentou. Sendo um problema de ordem psicológica ainda se vê muito quem o tem como sendo fraco e não se responsabiliza a forma como o trabalho é organizado”, diz Cristina Queirós, psicóloga. São doenças e problemas que não se resolvem numa só resposta, mas que antes têm de ver eliminados os preconceitos associados. “É preciso desenvolver serviços de Saúde Mental de qualidade próximos dos doentes, promover a literacia nas escolas e promover a participação das famílias e dos doentes lembrando que se trata de Direitos Humanos”, frisa Miguel Xavier. O médico refere que estas medidas devem ser aplicadas de uma forma “sustentável” e consistente. “2019 é o tempo de passar das palavras às ações, não basta dizer que as causas são prioritárias. É uma questão política.” cbreis@expresso.impresa.pt

às ofertas de tratamento e terapias existentes. “A doença mental deve ser tratada da mesma forma que a física. Mas tratar a doença mental acaba por ser um grande desafio para o qual existe uma resposta, como na doença física, mas que não está disponível para toda a gente”, frisa Filipa Palha. Pedro Varandas salienta que nos países mais ricos, onde existem ajudas nas estruturas comunitárias, os doentes estão de tal forma integrados que conseguem “projetar a sua vida”, exercer “um papel social” e “ter uma profissão”. Mas para isso é necessário investimento. “Isto só se faz com dinheiro. Se o dinheiro vai, por exemplo, para comprar cateteres, não vai para formas ocupacionais de terapia. É uma opção política.”


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