Arrocha 44

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Jornal

FEVEREIRO DE 2022. ANO XIII. NÚMERO 44

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA

Arrocha

JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ

FOTO DE CAPA: ALEXANDRE MACIEL

GERAÇÕES


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Editorial - Vozes das gerações

ANO XIII. EDIÇÃO 44 IMPERATRIZ, FEVEREIRO DE 2022

Charge KELLY COSTA

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omo seres culturais que desenvolvemos hábitos comuns e simbolizamos o mundo que nos cerca, ser parte de uma determinada geração significa compartilhar crenças e atitudes que muitas vezes deixam marcas profundas na sociedade. Classificar as características, heranças e legados dos chamados baby boomers e os membros das gerações X, Y, Z e agora alpha foi o desafio encarado nesta edição do jornal Arrocha. Em uma pesquisa prévia nos principais veículos de imprensa do Brasil, percebeu-se que o assunto despertou bastante polêmica com a disseminação do termo cringe. Mas a tal da “vergonha alheia” que os mais jovens estariam desenvolvendo com relação a certos hábitos das gerações anteriores seria a única forma de entender o que marca realmente cada ciclo humano? Repórteres que elaboraram esta edição se lançaram a uma proposta mais ampla, como pode ser verificado nas próximas páginas. Nesta página o leitor pode conferir, em um infográfico, os anos, as características e classificações de cada uma das gerações, bem como uma

estimativa de como Imperatriz está dividida nas diversas faixas etárias. Entre as páginas 3 e 6, cada qual dedicada a uma geração, vai encontrar depoimentos de pessoas comuns sobre como foi e está sendo viver, sobreviver, amar, sofrer e se relacionar no interior do Nordeste ao longo de tantos anos. Nas demais páginas, pessoas de idades variadas falam sobre suas impressões do passado, presente e futuro a respeito de temas gerais como trabalho, relacionamentos, tecnologia, sexualidade, formação educacional e diversão. Na página 9, duas especialistas, uma em idosos e outra em crianças e adolescentes, contribuem para iluminar essas questões. Além do ensaio fotográfico, que apresenta uma visão poética das marcas geracionais, o jornal também traz uma enquete com as crianças da chamada geração alpha, nascidas a partir de 2010. O que elas pensam sobre o seu próprio futuro? A leitura completa desta edição permite um passeio histórico sobre as mais diversas fases sociais, econômicas e culturais de Imperatriz e região. Que se manifestem, então, as vozes das gerações...

Infográfico

Expediente

Geração X (1965-1980 - 41 a 56 anos)

GERAÇÕES

Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da universidade Jornal Arrocha. Ano XIII. Número 44 Fevereiro de 2022 Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho Vice-reitor - Prof. Dr. Marcos Fábio Belo Matos Diretor do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Leonardo Hunaldo Coordenador do Curso de Jornalismo - Profa. Dra. Michelly Santos de Carvalho Professores: Dr. Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso) Dr. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual) Dr. Marcus Tulio Borowiski Lavarda (Fotojornalismo)

Repórteres ARION SOUSA BARBOSA CINTHYA NAYARA LOPES MONTEIRO DANIELLE LUZ SILVA FLAVIA REGINA COSTA LAGO DA SILVA FRANCILENE DA SILVA JORGE JESSICA LIMA CONCEICAO JESSICA SOUSA DOS SANTOS JULIANA FERNANDES SILVA KARLA GIOVANA COSTA JUSTINO KELIANE COSTA DA CONCEICAO KENNEDY MENDES SILVA LAIS VITORIA SANTANA LIVIA NICOLLY SOARES CARVALHO LUCAS LIMA DE MEDEIROS MARIA CAROLINA NASCIMENTO DE SOUSA MARIA THATYELE RODRIGUES DE SOUSA NATALIA PAULO DA SILVA PEDRO LUCAS DOS SANTOS DO NASCIMENTO RENARA LEITE LIMA RODRIGO ARAUJO SOUZA WANESSA SILVA DE OLIVEIRA

Fotógrafos: ANE BEATRIZ SANDES DO NASCIMENTO ARION SOUSA BARBOSA CINTHYA NAYARA LOPES MONTEIRO DANIELLE LUZ SILVA FLAVIA REGINA COSTA LAGO DA SILVA FRANCILENE DA SILVA JORGE FRANCISCO MONTEIRO DOS SANTOS JÉSSICA LIMA JULIANA TAIS RODRIGUES NAVA KENNEDY MENDES SILVA LAIS VITORIA SANTANA LUCAS LIMA DE MEDEIROS

• Filhos dos baby boomers e a maioria teve uma educação rígida e conservadora; • Costumam ser pessoas autoconfiantes, liberais, satisfeitas com a vida que possuem, objetivas e flexíveis com as novidades.

Baby Boomers ( 1946 e- 1964 - 57 a 75 anos) • Composta por aqueles que ajudaram a construir um mundo pós-guerras mundiais que aspirava transformações políticas e sociais. Total de pessoas em Imperatriz= 20.228 Homens (57 a 75 anos)= 9.134 Mulheres(57 a 75 anos)=11.094

•É identificada com pessoas que cresceram com auxílio e acesso recorrente à tecnologia disponível na época.

Diagramadores:

Ensaio fotográfico (p. 10 e 11) FRANCISCO MONTEIRO JULIANA TAÍS PEDRO HENRIQUE SORAYA DOS SANTOS

Revisora:

Janaína Amorim

Capa:

Nos últimos momentos de fechamento desta edição encontramos a família Vilarins contemplando um pôr do sol no rio Tocantins, bem no momento que as nuvens abriram após uma chuva. Gratidão a Mayara, Nicolas, Nicoly, Lenir, José Rodrigues, Wenderson, Victor, Hudson e Arthur Vilarins.

Todas as edições do Arrocha estão disponíveis no site:

www.imperatriznoticias.ufma.br

Geração Y ou Millennials (1981-1996 25 a 40 anos) •São comumente descritos como pessoas com dificuldades em criar raízes, com falta de foco e em alguns casos, imediatistas;

MARIA CAROLINA NASCIMENTO DE SOUSA MARIA THATYELE RODRIGUES DE SOUSA PEDRO HENRIQUE OLIVEIRA SOUSA RENARA LEITE LIMA RODRIGO ARAUJO SOUZA SORAYA DOS SANTOS LEITE WANESSA SILVA DE OLIVEIRA

ANE BEATRIZ SANDES DO NASCIMENTO CAROLINA NASCIMENTO FRANCILENE DA SILVA KELLY COSTA KENNEDY MENDES SILVA LUCAS MEDEIROS NATHÁLIA CARVALHO

Total de pessoas em Imperatriz= 46.870 Homens (41 a 56 anos)= 21.890 Mulheres (41 a 56 anos)= 24.980

Total de pessoas em Imperatriz= 63.168 Homens (24 a 40 anos)= 29.939 Mulheres (24 a 40 anos)= 33.229

Geração Z (1997-2010 - 11 a 24 anos) • São os chamados nativos digitais, já cresceram em um mundo conectado, com uma comunicação mais descolada, maior utilização de memes e emojis, mais pretensão de lutar pelas causas sociais e, também, preocupação com a saúde mental. Total de pessoas em Imperatriz= 74.882 Homens (11 a 24 anos) = 36.645 Mulheres (11 a 24 anos) = 38.237 Geração Alpha

(nascidos a partir de 2010)

• Estão permanentemente conectadas. São independentes ao gerenciar suas próprias identidades digitais; • São crianças inteligentes e com habilidades, dando destaque para a criatividade e para a resolução de problemas. Total de pessoas em Imperatriz= 24.626 Homens (10 a 14 anos)= 12.301 Mulheres (10 a 14 anos)= 12.325

Fonte: IBGE


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BABY BOOMER Responsabilidades desde cedo, menos violência, políticas acirradas, migração, atrasos no transporte e na comunicação foram alguns desafios que marcaram os caminhos de baby boomers fora dos grandes centros

“Não existe mais você vai ser isso e acabou” KENNEDY MENDES

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ACERVO PESSOAL DE DETA

Deta sempre teve que ser firme para que não interferissem nas suas escolhas: “Amo e escolhi esse”

ajudavam e dividiam as tarefas de casa.” Logo sua infância passou e, aos 14 anos, Deta mudou de vida ao se casar. Para isso, teve que alterar o registro de nascimento para 18 anos. Assim que se mudou para Imperatriz, em 1973, para garantir o sustento, ela vendia litros de leite na porta de casa. Depois disso, se formou em técnica em enfermagem e serviço social. Hoje é enfermeira e atua há quase 30 anos na área da saúde. Para se formar recebeu apoio financeiro dos pais enquanto trabalhava durante o dia e estudava à noite. Carregando o mesmo ofício, logo foi influenciada pela mãe. “Ela cuidava da saúde do povo, tinha uma farmácia em casa e eu a ajudava. Aprendi a aplicar injeção aos 13 anos.” Para se locomover, Deta recorda que esperava o chamado misto, transporte de pessoas e cargas, senão ia a pé ou a cavalo. “Hoje não, tem transporte pra todo lado, até na porta de casa.” Os avanços no campo da comunicação também demoraram no Nordeste. “No tempo não havia telefone nem nada, nem tinha negócio de televisão. Só quando vim para Imperatriz, tive contato com TV, preto e branco ainda.” Deta se informava pelo rádio, no qual também ouvia seus cantores favoritos, Roberto Carlos e Agnaldo Timóteo. A política de cidade pequena sempre foi mais agressiva, uma herança do coronelismo. Acabava em briga ou em bala. Na cidade

“Quando eu conto minha vida, eles pensam que é prosa” KENNEDY MENDES

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ntônio João, 73 anos, começou cedo a trabalhar e a viver como adulto. “Quando eu era menino trabalhava vendendo frutas na rua. Meio-dia eu deixava comida para meu pai na roça.” Entre os 13 e 14 anos, já mantinha a casa com os 10 irmãos. “Gente pobre para sobreviver era difícil.” O pai, que era doente, trabalhava em casa como seleiro (colocava bainha em faca) e vendia garapa com pão na feira, relata Antônio. Em 1958, ele se mudou do município cearense de Granja para Altos, no Piauí, fugindo da seca com a família. Ele relembra que quando o pai faleceu, todos da casa tiveram que trabalhar e assim a vida foi melhorando. “De menino eu passei para homem. Nunca joguei bola, nunca joguei peteca, nunca brinquei”, conta. Quando casou, aos 22, adquiriu grande responsabilidade com a família. Ao contrário do que viveu na infância, Antônio nunca ensinou aos filhos o trabalho pesado que ele teve que fazer. “Quando eu conto minha vida, eles pensam que é prosa.” Uma realidade que nem sempre se modifica é a mãe como dona de casa, prin-

cipalmente no Nordeste. “Mamãe nunca saiu pra comprar nada numa bodega, papai quem mantinha, comprava, dava um jeito e nunca a colocou para trabalhar por conta dos filhos pequenos.” Na infância eles eram 14, mas na vida adulta ficaram 11, conforme esclarece Antônio João. Quando jovem, ele se comunicava por carta ou bilhete. Pelo rádio se informava e escutava as músicas dos seus artistas favoritos, entre eles Zé Roberto e Jerry Adriani. “De-

“De menino eu passei pra homem, nunca joguei peteca, nunca joguei bola, nunca brinquei” pois que surgiu a radiola de braço, que botava o disco para tocar, a gente fazia até matinê com esse LP de 12 músicas.” Esse foi o máximo de tecnologia para ele. Antônio não é entusiasta dos novos aparelhos eletrônicos e comenta que nunca aprendeu a mexer. “Tenho um pix, mas cai no celular do meu filho. Isso daí não dá pra mim!”.

Migração - Já Antonia Sarmento, 70 anos, com boas lembranças da infância na beira do rio, saiu do Baixo Amazonas, Pará, para morar em Imperatriz em 1976. Chegou e deu de cara com uma realidade que não esperava. “Era meio pesado”, define. O telefone dependia de uma telefonista, a água não era encanada e sim por poço, a energia funcionava em bairros intercalados. Somado à nova vida, um início de juventude sem pai nem mãe, é uma característica em comum com os demais, muito trabalho. “Hoje está mais difícil porque não me atualizei com a internet”, aponta Antonia, motivo pelo qual se afastou mais do comércio. Ela conta ainda que a área mudou bastante. “O comércio era mais amigável e agora é bem distante.” Apesar da dificuldade tecnológica, ela tenta se adaptar aos aparelhos eletrônicos: “A gente vai tentando se virar.” “Estamos aqui há 45 anos. Quando volto ao passado e comparo, percebo o quão rápido desenvolveu.” Para Antonia Sarmento, a cidade cresceu rápido, com novos prédios e faculdades, no entanto a segurança de Imperatriz já não é a mesma.

natal de Deta a disputa, que se perpetua, é passada de geração em geração e o costume se eterniza. Já sobre Imperatriz, conhecida como a capital da pistolagem por 30 anos, Deta se recorda de histórias tensas. “Certa vez, deitado debaixo do carro, um mecânico nosso teve a perna pisada de propósito por um pistoleiro. Se ele ousasse falar tinha perigo do tiro comer.” Coisas assim ainda acontecem, mas às escondidas. Filhos - Alguns comportamentos de outrora continuam. Deta comenta de um tio que cria os filhos “por baixo das rédeas”, embora ela não concorde. “Acabou esse tempo, hoje se cria filhos para o mundo, não para a gente. Eu apanhei, entrei na taca, mas criei os meus e nunca bati em nenhum”.

“Acabou esse tempo, hoje se cria filhos para o mundo, não para a gente”

Ela também confessa que o pai queria controlar sua vida, com quem casaria, mas não permitiu. “Eu não quero. Eu não gosto

ACERVO PESSOAL

mbora a geração baby boomer seja composta por aqueles que ajudaram a construir um mundo pós-guerras mundiais que aspirava transformações políticas e sociais, em um tempo que pedia estabilidade, o efeito dessas lutas demorou a chegar em lugares menos urbanos do Nordeste. Antonia Saraiva, 63 anos, conhecida como Deta, não levou uma vida tão fácil. “Tem coisas que a gente não esque-

ce, mas Deus me livre de voltar no tempo!”, diz a filha de fazendeiro e costureira que foi criada na zona rural de Vitorino Freire, no povoado de Jeju. Ela agradece por ter vivido uma infância boa na qual podia brincar em um tempo sem violência. No entanto, como é a mais velha de oito filhos, era a que mais trabalhava. Além de aprender a cozinhar cedo, Deta conta de dias que não frequentava a escola porque tinha de trabalhar. “Pelo menos os irmãos

Deta amadureceu cedo para dar conta das suas responsabilidades

desse. Eu escolhi esse. Eu amo esse.” Sempre decidida, fez o que quis e impôs limites quando quiseram interferir na sua vida. Acredita que o mundo hoje é mais liberal: “A mulher tem liberdade para fazer o que quiser depois dos 18 anos.” Segundo ela, a família não pressiona mais um adolescente para ser advogado ou doutor, respeitam essa fase. “Não existe mais ‘Você vai ser isso e acabou!’” Hoje em dia, ela reclama que a neta de 4 anos, de uma geração que passou por uma criação ainda mais diferente que a sua, manuseia o celular com facilidade e ela não. “Esse negócio aí tá acabando com a juventude”, acredita.

ANALICE VIANA DOS SANTOS

Antônio João, em 1970, aos 30 anos: “Mamãe nunca saiu para comprar numa bodega, papai era que mantinha”


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GERAÇÃO X Eles cresceram em um período com valores e ideais diferentes das novas gerações. Eram poucas oportunidades, mas havia forte determinação desses jovens e adultos em vencer esses obstáculos

Disciplina e motivações impulsionaram os “X” DANIELLE LUZ

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marco inicial da geração X no Brasil é a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985. Mas no interior do Nordeste, as dificuldades econômicas geravam outros problemas. O feirante David Lima, 55 anos, residente em Imperatriz, precisou largar os estudos, ainda jovem, para trabalhar ajudando a família. Adolescente, saiu de Brasília e foi para o estado do Pará, junto ao pai, para garimpar ouro em Cumaru do Norte. Como consequência dessa prática, ele admite: “Lá eu só consegui a malária, me adoeceu e quase morri”. Mas Davi, como o pessoal da

sua vizinhança o chama, venceu a doença, casou-se há 35 anos e veio embora para o Maranhão. “As pessoas casavam para viver juntos para sempre. Mas mudaram e hoje se casam para passar o tempo. Não tem

“Eu queria fazer a diferença, deixar uma marca” mais aquele amor e carinho com outro”, desabafa. Ressalta ainda, que no seu tempo a preocupação maior era com o futuro e não tanto com prazeres imediatos como é hoje. MARIA ELENILVA

David Lima lembra de sua geração: “Éramos preocupados em trabalhar para ter um futuro melhor”

No âmbito educacional, embora estudar fosse muito difícil, devido à falta de recursos e pela necessidade de deslocamentos por longas distâncias, há aqueles que tiveram oportunidade de frequentar uma escola, como é o caso do vereador Zesiel Ribeiro, 57 anos. Segundo ele, alguns parentes indagavam aos seus pais: “Para que estudar? Coloquem esses meninos para trabalhar!” Essa era a concepção da época. “A sociedade era complicada. Mas o meu pai era diferente, tanto na forma de criar os filhos, como na valorização do estudo”, explica. Sobre sua trajetória em Imperatriz, Zesiel conta: “Quando saí do interior, coloquei na cabeça que precisava vencer. Fui trabalhar mesmo! E muito, ritmo acelerado, 14 horas por dia, e até mais.” Percorreu uma longa caminhada como professor, secretário de Educação e contador. Está no ramo da política desde os 26 anos. “Eu queria fazer a diferença, deixar uma marca”. Ao mesmo tempo, valoriza muito a educação: “Serve para transformar as coisas, opinar e contribuir com o avanço”. A comunicação, na década de 1980, se dava principalmente por meio de cartas. E o telegrama servia para urgências, mas ainda assim, era algo bem distante das tecnologias atuais. O transporte mais comum era por kombi. Hoje, as grandes mídias digitais modificaram a comunicação e por vezes desagradam os “X”.

JOENES CHAGAS

Zesiel rememora que precisava andar nove quilômetros de bicicleta até a escola

De acordo com Davi, “a vivência de antigamente era melhor. As pessoas eram mais tranquilas, calmas, conversavam, eram mais família. Hoje estão perto, mas longe ao mesmo tempo”. Lembranças - Zesiel recorda que Imperatriz era menos violenta, assim como em Santa Rosa, onde foi criado, embora o hoje vereador tenha vivenciado vários sufocos com um colega de infância. Não existia energia na estrada que percorriam de bicicleta de volta para casa. Porém, almas, essas havia de sobra. Elas faziam parte do folclore, as lendas da região.

Certa vez, ele conta que no caminho se depararam com algo em frente ao Cemitério dos Matões e ficaram estagnados. Os moradores das redondezas tinham medo do local, por ser onde enterravam “malfazejos”. O termo, segundo ele, referia-se aos criminosos. Só depois, descobriram que a “assombração” se tratava de um cachorro atropelado. Ele brinca: “Percebe que em Imperatriz não tem assombração”? Outra marca da adolescência foi quando conheceu o mar: “A partir disso foi a minha grande experiência com Deus, tive a certeza que ele existe”.

Defendendo o equilíbrio entre a vida e o trabalho CARLOS DOS SANTOS FRANCILENE JORGE

O

s integrantes da geração X são filhos dos baby boomers e a maioria teve uma educação rígida e conservadora. Mas costumam ser pessoas autoconfiantes, liberais, satisfeitas com a vida que possuem, objetivas e flexíveis às novidades. Apesar de terem acompanhado o início da revolução tecnológica, muitos ainda apresentam resistência nesse sentido. É o caso da professora imperatrizense Rosana Silva Almeida, de 53 anos, que relata suas dificuldades em lidar com aparelhos tecnológicos. “No início parecia um bicho de sete cabeças, pensei que nunca iria aprender, ainda acho complicado, mas estou me esforçando para acompanhar.” Durante sua infância, Rosana se informava por meio da televisão e ouvindo de adultos a leitura de jornais. Já na adolescência teve mais contato com os amigos da escola e até o próprio ambiente escolar a ajudou neste processo comunicativo. Para ela, viver em Imperatriz proporcionou muitas alegrias e algumas dificuldades também, por ser de família grande. “Minha infância foi muito feliz. Ô tempo bom! Na juventude

foi muito tranquilo, a cidade era pacata, não tinha medo de ir para as festas, tudo era em grupos de jovens. Quando me entendi adulta comecei a perceber as dificuldades da família grande de dez irmãos e a luta de meus pais para não deixar faltar o pão”, explica. Rosana conta que seu pai tinha um ditado: “Onde come um, comem dez”, e isso lhe custou muito suor, pois ele trabalhava dia e noite para tentar dar conta de sustentar a família e nunca deixar faltar nada aos filhos. “Comecei a trabalhar como babá ainda bem nova, para comprar minhas coisas e ajudar o meu pai. Embora ele não aceitasse, sempre dizia que dava conta.” Para ela, o progresso da cidade demorou um pouco a chegar. Na rua Dom Pedro II onde morava, sua casa era a última, havia fogueiras em época de São João. Tudo era festa, porém a cidade foi crescendo e a violência também. “Meus pais eram muitos discretos, não gostavam de brigar ou discutir na frente dos filhos, tinham vergonha até de falar certos assuntos como sexo, por exemplo, era um tabu”, revela. Recordações - Janes Trajano, 42, é um barbeiro nascido em Impera-

triz. Teve uma infância “espetacular” e segundo lembra, brincou muito de pau na lata, soltar pipa, pião... brincadeiras difíceis de se ver nos dias de hoje. Ele recorda vagamente do impeachment do então presidente Fernando Collor, em 1992, quando os jovens tiveram voz, promovendo mudanças significativas na política. Janes considera que sua juventude foi tranquila. “Sempre fui muito calmo e caseiro, tive poucas amizades, porém as poucas que tive levo para a vida toda.” Ele admite que teve pais rigorosos, mas nada que tenha abalado a sua formação como ser humano. “Recebia muitas cartas, existia orelhão de ficha, tempo bom. Frequentei poucas vezes boates como a Flyback e a Broadway. Confesso também que dava algumas escapadas para o cabaré, às vezes”, relata, rindo. Quando se trata de tecnologia, Janes admite ser dependente. “Nasci no início dessa era tecnológica, então não tem como fugir, ela faz parte de praticamente tudo: compras, trabalho, relacionamento, diversão e informação. Tive que me adaptar, mas ainda tem muitas coisas que não sei mexer.”

Janes Trajano compreende as mudanças geracionais: “Não tem como fugir”


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GERAÇÃO Y Imperatrizenses relembram aspectos de sua infância e adolescência e relatam como a tecnologia foi inserida de forma singular em suas vidas, sendo que o acesso está relacionado às oportunidades

Millennials relatam fatos que marcaram suas vidas RENARA LIMA WANESSA OLIVEIRA

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onhecida por terem vivido em meio a mudanças de hábitos e costumes e a ampliação da revolução tecnológica, a geração Y em geral é identificada com pessoas que cresceram com auxílio e acesso recorrente à tecnologia disponível na época. Porém, essa é uma realidade que não condiz a todos aqueles que fizeram e fazem parte desse contexto. O assistente administrativo Ubiratan Nascimento da Silva, 33

anos, lembra que viver em Imperatriz na sua infância era simples e muito bom. “A maneira da gente brincar na época, era com brincadeiras que não envolvessem os meios eletrônicos. Era jogar bola, soltar pipa, jogar pião, queimada”, lembra Ubiratan. Ele acrescenta que viveu em uma geração que chegou antes do boom dos celulares e que brincou na rua e assistiu TV Globinho. Ubiratan conta que era muito fã do estilo rock’n’roll em sua adolescência. “A gente pagava uma hora ou duas no cyber, ficava na cabine assistindo vários e vários

clipes de banda ou então jogando Counter-Strike”. Para ele, a vida adulta levou à necessidade de um foco maior no trabalho e a busca por melhores oportunidades. “A vida adulta se resume a trabalhar e pagar boleto. Você cria uma responsabilidade, tem a família e tudo isso requer que você seja um pouco mais responsável.”

Carla Marques leciona há 10 anos e diz que escolheu essa profissão pois era acessível na época

“A visão de mundo desta geração busca romper com as expectativas”

NATHALIA SILVA

Carla Marques se reconhece como professora e confessa estar na profissão pelas oportunidades

NATHALIA SILVA

Memórias - A professora Carla Marques dos Santos, 35 anos, conta que viver em Imperatriz na infância e adolescência era difícil. A situação de risco era frequente por falta de saneamento básico e de uma alimentação saudável. “Muitas crianças sofriam com a desnutrição. Na minha infância existiam vários surtos, incluindo a cólera e a meningite, várias crianças com paralisia infantil”, relata. Carla lembra que na escola faltavam materiais básicos, como carteiras para sentar e que para conseguir um assento, tinha que

chegar bem cedo. “Só consegui tocar em um computador em minha adolescência e sem saber manusear. A escolarização também deixava muito a desejar, com professores pouco qualificados”. Carla se divertia indo à Beira-Rio e conta que os relacionamentos e amizades eram sempre face a face, com visitas frequentes às casas dos amigos e saindo em turmas. “A comunicação era presencial ou por meio de bilhetes, leitura de revistas e TV.” Já o policial militar Luís Fernando de Oliveira Gomes, 32 anos, observa que houve diversas mudanças, principalmente no meio econômico e social, com relação à sua geração. “As pessoas querendo ou não, tiveram que acompanhar esse processo, seja de forma econômica ou se capacitando cada vez mais.”

Luís reflete que as pessoas da geração Y são mais motivadas a cumprir metas de curto do que as de longo prazo. Para ele, a visão de mundo desta geração busca romper com as expectativas. “Estão adiando sair da casa dos pais, o casamento, ter filhos e a compra da casa.” Ele explica que sua adolescência foi difícil. “O celular não era tão popular e no fim da adolescência a comunicação veio a melhorar”. A forma que ele se divertia com os amigos era, principalmente, por jogos. “Meus amigos sempre marcavam para ir jogar videogame, ir na casa um dos outros para conversar e tínhamos o convívio escolar. Já na vida adulta, houve o avanço tecnológico, a nova era digital com smartphones, fazendo a comunicação ser mais pelos aparelhos com o uso de aplicativos.”

“Nossa geração é a que mais preza as relações duradouras e reais” RANNIERY DA SILVA DE JESUS RENARA LIMA WANESSA OLIVEIRA

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geração Y, ou millennials, são comumente descritos com características diversas, tais como pessoas com dificuldades em criar raízes, com falta de foco e em alguns casos, imediatistas. São jovens que cresceram com um mundo relativamente estável, ou seja, não passaram pelos desafios sociais vividos pelas gerações anteriores. Também são definidos como pessoas de resultados e não de processos. Mas alguns dirão que essas características não passam de estereótipos. Para a estudante de engenharia alimentícia, Ellen Rebeca Caetano, 26 anos, a sua geração, comparada com outras, passadas e a presente, é a que mais promove e preza relações sociais “duradouras e reais’’. A estudante considera que na sua infância e adolescência, as pessoas tinham mais cordialidade e prezavam pela questão do relacionamento pessoal e de fazer e conservar as amizades. “Hoje em dia eu vejo que não existe essa solidez. Os relacionamentos se desfazem facilmente, constroem-se laços de amizade, mas isso não perdura, é tudo facilmente liquidado. Então acho que hoje em dia as coisas são bem mais superficiais”, diz. Ellen, que cresceu com pais que migraram do interior do Maranhão para a cidade de Imperatriz, tinha

como principal meio de comunicação a ligação pelo celular e o uso do MSN e Orkut na adolescência. Acredita que as pessoas de sua geração tinham mais perspectiva de futuro e sonhavam mais. Acrescenta também, que um dos grandes problemas atuais é a constante preocupação em estar sempre conectado às redes sociais.

“Acho que hoje em dia as coisas são bem mais superficiais”

“Em relação a vontades, sonhos, eu vejo que as pessoas tinham um projeto de vida, sonhavam mais, pensavam em se realizar profissional e financeiramente e construir uma carreira”. Ellen diz que às vezes conversa com alguns jovens da geração Z e não percebe a mesma perspectiva de vida e de futuro, que teria existido na sua adolescência. “Apesar de estarmos em constante avanço tecnológico, o atraso ocorre, principalmente, pelo gasto de tempo com besteiras, coisas superficiais que não agregam nada. Apenas para acrescentar, antes existiam mais

pessoas intelectuais, digamos assim, hoje as pessoas são mais práticas, elas pensam só no momento, no agora”, define. Infância - A advogada Isabela Caroline Oliveira Silva, 30 anos, acredita que a geração Y aprendeu a reconhecer, validar e tratar problemas emocionais que estavam presentes também nas anteriores, mas que antes eram negligenciados. “E a abordagem desses assuntos ajudará a geração Z e futuras a lidar melhor com seus problemas psicológicos e sociais”, prevê. Ela conta que a convivência com os seus pais era difícil, devido ao fato de terem cinco filhos e trabalharem de forma autônoma, mas pondera que, apesar de tudo, sempre contou com o apoio da família: “Mesmo meus pais não tendo curso superior, toda a minha família valoriza muito a educação.” Isabela também lembra que a comunicação era feita, basicamente, por televisão e enciclopédias e que eram esses seus únicos meios. “Minha infância não foi marcada com brincadeiras livres, menos ainda acesso às informações do mundo.” Ela diz que se divertia com brincadeiras em sua casa e nas das amigas. “Tínhamos mais contato pessoalmente, visitava-se com frequência os familiares, os amigos, e tinha a conversa mais olho a olho. Era tudo de forma mais ‘analógica’, por assim dizer.”

Para Ellen Rebeca, as gerações são complexas, pois todas querem ser lembradas como as melhores


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GERAÇÃO Z Uma geração marcada por extremos. Alguns pensam em seguir o caminho ensinado pelos pais, outros enxergam na internet uma forma de empreender e até mesmo buscar uma válvula de escape

Zommers, a geração que busca mudança CAROLINA NASCIMENTO LUCAS MEDEIROS

Z

oomers, quem são eles? A nova geração, os jovens representados pela letra Z, são os nascidos entre meados dos anos 90 (1995) e o fim da primeira década do século XXI (2010). Tá passada? Então, é isso mesmo, são os chamados nativos digitais, já cresceram em um mundo conectado e que tem como algumas características, uma comunicação mais descolada com maior utilização de memes e emojis, mais pretensão de lutar pelas causas sociais e, também, preocupação com a saúde mental. “Eu tenho o sonho de me formar, ter uma família, poder espalhar a palavra de Deus para o mundo e alcançar pessoas pregando o evangelho”, explica Eduardo Oliveira Saraiva, 15 anos, que é estudante do ensino médio no Colégio Militar. Eduardo cresceu com os pais no bairro Nova Imperatriz e sempre ouviu que deveria focar nos seus estudos para conseguir alcançar seus objetivos. “Eles costumam falar em como era mais difícil, usam a vida deles para que eu continue estudando e tenha foco nos meus estudos. Me considero privilegiado por ter tido sempre tudo e nunca ter passado necessidade”, afirma Eduardo, que no seu tempo livre, gosta de assistir séries e ler livros sobre fantasia. Outra característica dessa geração são os subempregos, já que estes jovens estariam mais suscetíveis a aceitar trabalhos não

EDUARDO SARAIVA

tão bem remunerados. Mas para o adolescente Raisson Santos de Lucena, 16 anos, estudante do ensino médio no Instituto Federal do Maranhão (IFMA), a realidade é um pouco diferente. Ele sempre morou no centro da cidade com os pais, é católico e sonha em empreender virtualmente. Acredita que tem muita oportunidade de trabalho, mas as pessoas estão muito presas à questão de obter um diploma universitário. “Enxergo de uma maneira que você não precisa ter uma faculdade para ser alguém bem-sucedido hoje. O mercado financeiro está muito em alta e eu vejo que tem muita oportunidade de trabalho, só que nem todo mundo tem interesse, como por exemplo no marketing digital”, confirma o adolescente, que se considera de “direita, rico e capitalista”.

“A nossa geração é a força para mudar o mundo de hoje”

Conexões - Além de serem vistas como um novo conceito de mercado de trabalho, as redes sociais também têm servido como uma válvula de escape para muitos jovens. Para a criadora de conteúdo digital, Maitê Pereira da Silva,

“Eu escuto os conselhos dos meus pais, pois eles já viveram muito”, afirma Eduardo Saraiva, que é evangélico, seguindo os passos da família

23 anos, as plataformas online lhe ajudaram a escapar um pouco da realidade. “Eu estava tendo alguns problemas psicológicos, não conseguia arrumar emprego e estava com problemas em casa. Eu falei: preciso procurar alguma coisa para ocupar minha mente e trazer um pouco de felicidade para mim. Foi aí que eu vi a galera fazendo vídeo para o Tik-Tok e comecei”,

conta a cosplayer, que são pessoas que se fantasiam dos seus personagens preferidos. Maitê, que é natural do Pará, mas mora no Estreito há oito anos, diz que além de se sentir privilegiada por ter nascido em uma geração na qual o acesso a informações é mais facilitado, ela também vê que as redes sociais têm aberto portas para muitos

jovens compartilharem suas habilidades. “É maravilhoso ter nascido na época da tecnologia, porque antigamente as pessoas não tinham tanto acesso às coisas como a gente tem hoje. E eu acho que com a internet, as pessoas puderam mostrar seus talentos. Elas usufruem daquilo que conseguem fazer, produzindo algo para as redes sociais”.

Conscientização social e representatividade marcam os jovens Z VICTOR ALEXANDRE CAROLINA NASCIMENTO LUCAS MEDEIROS

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ada vez mais comprometidos com causas sociais e nascidos em uma era digital, os zoomers têm marcado a geração Z por estarem se posicionando e levantando debates importantes, como a luta contra o racismo e a homofobia, além da defesa do feminismo e igualdade de gênero. Para a estudante de artes visuais, que mora em São Luís, Beatriz Pires da Silva Barbosa, de 23 anos, a facilidade de buscar conteúdos hoje, fez com que ela se entendesse como mulher negra, passando a ajudar também sua mãe nesta descoberta. “Quando eu era criança, eu não me enxergava nesse lugar de mulher negra. Hoje em dia, graças ao acesso de informações, eu fui crescendo, pesquisando, indo atrás e passei a me reconhecer nesse espaço, porque antes era como se eu não tivesse identidade. E foi aprendendo e lendo que eu levei informações para minha mãe. Eu cresci e minha mãe cresceu junto comigo”, conta a estudante. Como muitos na sua geração, estar em uma instituição de ensino superior, para Beatriz, que estuda na Universidade Federal do Maranhão, já é uma conquista, principalmente para sua avó, que não teve a mesma oportunidade. “Minha missão de vida é fazer com que ela

Para a estudante de artes visuais, Beatriz Pires, a arte vem se transformando junto com a sociedade

entenda o que eu estou fazendo dentro da universidade, porque eu acho que isso é importante. Quero trazer todo conhecimento e transformar em algo que possa ser acessível para a minha avó, que não estudou, entender”, relata a jovem. Resistência - A estudante de ciências biológicas na Universidade Estadual da Região Tocantina, Ana Vera Tourinho Pinheiro, de 21 anos, vê o seu ingresso no ensino superior hoje, tanto como uma chance maior para o mercado de trabalho, como também um ato político. “Representa uma maior oportunidade, uma maior abertura e é um ato de resistência também. Antes, era bem mais complicado entrar na universidade, mas hoje estamos enfrentando também todo um processo bem complicado. Então, me ver dentro de uma universidade pública, tendo uma oportunidade muito grande, é muito gratificante”, considera Ana. Vista como a geração que veio para mudar o mundo, os Z têm deixado claro que estão cada vez mais preocupados com o futuro. Ana vê que os jovens têm definido a geração pelo modo que se posicionam. “Eu acho que essa geração está tendo uma voz mais ativa, uma voz muito boa, no sentido de antes, as pessoas escutavam muitas coisas e se calavam, baixavam a cabeça. É uma geração que

tem uma força e uma coragem por mudança”, conta a estudante de biologia. Já Beatriz destaca como característica dessa geração, o imediatismo no modo de consumir e viver. “Eu acho que a gente tem esse fogo para viver as coisas e fazer as coisas acontecerem. Esse é um aspecto positivo e negativo, mas, para mim, nossa geração é marcada por isso”.

“Eu acho que a gente tem esse fogo para viver as coisas e fazer as coisas acontecerem”

Outra questão levantada por Beatriz é que os mais jovens estariam se preocupando mais com o que falam. “Tipo, ser uma mulher careca, com o cabelo descolorido, não é algo que minha família iria elogiar. Mas eu vejo que essa geração não liga tanto para isso, porque já tem uma liberdade maior. Eu vejo que nós temos bem mais liberdade que nossos pais, e essa troca com eles, esse respeito, esse conhecimento é muito massa. É o que me dá esperança para uma futura geração ainda melhor. Eu acredito nisso”.


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RELACIONAMENTOS Uma família, quatro gerações. Os Santos conversam sobre as diferenças nos relacionamentos entre pais e filhos, amorosos e sociais e como eles foram se alterando ao longo de vários anos

“Respeito e disciplina eram demonstração de afeto” ACERVO PESSOAL DA FAMÍLIA SANTOS

LAÍS SANTANA RODRIGO ARAÚJO

P

ara a família Santos, composta pelo baby boomer Leonardo Trajano dos Santos, Elizabeth dos Santos, da geração X, Edinaura dos Santos, da Y e Thais Christina dos Santos, da Z, a forma de ver o mundo e as diferentes percepções acerca dos relacionamentos, mudaram no decorrer dos anos. Leonardo Trajano, 96 anos, ressalta que o relacionamento em família, na sua geração, era menos aberto, mais rígido e disciplinado. “A gente vivia na base da taca, tinha que fazer tudo o que os pais mandavam”, conta Leonardo. Ele se recorda da dureza dos velhos tempos. “Antigamente, não tinha essa de conversa não. Desde novo já aprendemos que o respeito, a obediência e a disciplina era a maior demonstração de afeto.” Elizabeth dos Santos, 57 anos, filha de Leonardo, conta que a educação recebida em sua infância foi bastante rígida. “A criação nossa era assim: antes de fechar a boca, caso ela tivesse mandado fazer algo, já devia fazer ou apanhava.” Criada desde cedo trabalhando na roça para que pudesse ajudar no sustento da família, Elizabeth diz que as formas de demonstração de afeto em sua família eram o “pedir a benção” e sempre respeitar os mais velhos. Já Edinaura, 39 anos, filha de Elizabeth, conta que cresceu com pais rígidos, que acreditavam que se namorasse tinha que casar. Foi assim que casou obrigada, quando engravidou aos 18 anos. Hoje Edinaura orienta os filhos no sentido de que eles sejam livres para fazerem suas escolhas, mas desde que compartilhem com ela. “Quero que eles me vejam como melhor amiga, uma mãe que ouve e também respeita o espaço deles,

“A gente vivia na base da taca, tinha que fazer tudo o que os pais mandavam”

aconselhando e, se necessário, às vezes dando um puxão de orelha.” Thais Christina, 21 anos, filha de Edinaura, acredita que o relacionamento com seus pais já é bem diferente do que os dela com os seus avós. “Meus pais sempre foram exemplos para mim. A garra para trabalhar, o amor pela família e a vontade que eles tinham de viver bem me ajudaram bastante para que eu me tornasse quem sou hoje.” A zoomer Thais ainda destaca que as principais marcas que a sua geração levará para o seu futuro são a interatividade, o companheirismo e o ânimo que as pessoas possuem para conviver umas com as outras. Amor - As gerações mudaram e com elas os relacionamentos amorosos. Leonardo diz que não sabia o que era escolher o seu próprio casamento ou até mesmo namorar. “Essas coisas que os jovens vivem hoje em dia, de namorar por anos, morando na casa dos pais,

Patriarca da família Santos, Leonardo Trajano, comemora o seu aniversário de 96 anos ao lado de familiares: “Hoje podem viver, conhecer o erro um do outro”

isso jamais existiu no meu tempo. Namorou tem que casar!” Leonardo complementa que amor é uma construção. Hoje, na sua opinião, os casais têm a oportunidade de se conhecer melhor antes do casamento. “Hoje podem viver, conhecer os erros um do outro à medida que o tempo vai passando e decidir se é aquela ‘obra’ que você realmente quer pra sua vida, com aquelas paredes, aquela pintura.” No entanto, para Elizabeth, os relacionamentos amorosos não mudaram muito desde a época do seu pai, devido à criação com várias restrições. Para ela, na sua geração, tocar, beijar e até mesmo abraçar alguém com quem você não fosse oficialmente casado era considerado uma grande falta de respeito com a pessoa e também com sua família. “Aos 15 anos de idade tive meu primeiro namorado, mas nosso namoro era só sentar na porta de casa. Um certo dia, ele me pediu um beijo, eu achei muita falta de respeito e larguei ele.” Para Leonardo e Elizabeth, os relacionamentos amorosos nas suas respectivas gerações eram marcados por mais sinceridade e fidelidade nos casamentos, diferente do que pensam sobre as relações de hoje, que, para eles, são mais frágeis e nada duradouras. “Hoje as pessoas não tentam mais viver juntas, por qualquer coisa é motivo de se deixar”, destaca Elizabeth. Edinaura pondera que, apesar de ter crescido com pais rígidos, para a sua geração, a experiência foi diferente. “Eu pude namorar, sair, conhecer pessoas, não teve toda aquela restrição. O famoso namorou, casou!”. Apesar de ter se casado jovem, ela teve a oportunidade de sair e conhecer outras pessoas na sua adolescência. Na opinião de Thais, os relacionamentos amorosos na ótica da sua geração também são muito diferentes das anteriores. “Eu

pude escolher com quem namorar, e para minha família não é um problema. Não existe uma pressão para casar, meus pais me ofereceram tempo e espaço para isso.” Edinaura e Thaís concordam que os relacionamentos atuais são mais frágeis, devido à forte influência das redes sociais. “Hoje em dia mais vale o que se fala virtualmente. Parece que os relacionamentos têm mais a ver com aparência, do que realmente sentimento. Ama mais quem

demonstra mais nas redes sociais”, ressalta Thaís. Amizade - Quando o assunto é relacionamento social, Leonardo lembra que em sua juventude, a principal forma de ter contato com seus amigos era somente visitando suas casas. A comunicação era pessoal, por ainda não existirem todas as tecnologias atuais. Leonardo completa que as relações entre amigos mudaram muito. “Hoje em dia vocês chamam qualquer des-

conhecido de internet de amigo. Amigo no meu tempo você podia contar com a ajuda deles, era real.” Elizabeth concorda com o pai ao contar que suas amizades na época da juventude eram leais, verdadeiras e duradouras. “Os amigos são de festa, mas na hora de ajudar de verdade isso não existe.” A forma como se comunicavam na sua época era bem difícil, por meio de cartas, bilhetes e recados que enviavam por outras pessoas. “A comunicação na minha geração não era fácil, não vivíamos no ‘online’, mas quando nos encontrávamos a diversão era certa, colocávamos todos os papos em dia”, ressalta Elizabeth. Edinaura, por sua vez, relembra que teve uma juventude feliz e diz que viver em Imperatriz na sua época foi divertido. “Brincamos com as músicas, íamos na Fly-Back, uma antiga boate na Beira- Rio, nos carnavais da cidade e nos concursos que ocorriam no antigo clube Juçara.” Edinaura completa que a comunicação com os seus amigos era por meio do famoso “orelhão”. Os cartões telefônicos acabavam virando objeto de coleção de troca entre amigos. Thaís enxerga as relações sociais, atualmente, como frágeis e com datas de validade. “Hoje tiramos pouquíssimo tempo para os amigos, para a família. Parece que vivemos ocupados e uma mensagem no WhatsApp é suficiente. Não tem todo aquele contato presencial que meus avós contam”. Para Thais, quando ela era criança havia mais interação entre as pessoas, brincadeiras e rodas de conversa. Depois de certo período, tudo isso foi mudando: a diversão se tornou virtual e as conversas também. ACERVO PESSOAL DA FAMÍLIA SANTOS

Leonardo Trajano ao lado de sua filha, Elizabeth: relações eram marcadas por mais sinceridade e fidelidade e “hoje as pessoas não tentam mais viver juntas”


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TRABALHO Entrevistados refletem sobre semelhanças e contrastes entre as diferentes faixas etárias de trabalhadores

ELIENE DOS SANTOS

Trabalho infantil diferencia gerações imperatrizenses ÁRION BARBOSA FLÁVIA REGINA

E

m 1990, Maria Eliene dos Santos Silva assumia o seu primeiro emprego, sem regulamentação e com apenas 15 anos de idade, em uma banca de frutas no Mercadinho de Imperatriz. Seis anos depois, nascia Camila Barbosa Rodrigues, 25 anos, outra personagem dessa história, que viria a trabalhar somente em 2017, após atingir a maioridade. Eliene pertence à geração X e Camila, à Y, e não se conhecem. O trabalho infantil não é o único contraste entre as duas, que representam diferentes perfis da história da cidade. Hoje, Eliene tem 46 anos e é terapeuta ocupacional do Caps AD III (Centro de Atenção Psicossocial), no bairro Bacuri. Ela fala com muito saudosismo sobre seu período de formação. “Fui criança nos anos 80 e adolescente nos anos 90. Acredito que o pessoal da minha geração foi feliz.” Camila, por sua vez, não se interessa pelos gostos dos millennials, mas reconhece os feitos de seus contemporâneos. “É a geração em que pobres conseguiram chegar à faculdade, pelo menos aqui na cidade.”

Ela ocupa o cargo de assistente comercial na empresa Equatorial Energia há cinco anos e confirma já ter acumulado mais de um emprego ao mesmo tempo para complementar a renda. “Apesar do meu salário ser considerado alto por outras pessoas, é bem difícil conseguir alimentação, aluguel e as coisas mais básicas durante o mês inteiro com o valor que eu recebo”, ressalta Camila. Além

“Não vale a pena. Eu acho que é um desgaste a mais para uma pessoa que já passa oito horas por dia trabalhando” disso, ela diz que não muda frequentemente o lugar em que trabalha e, quando o faz, é por motivos financeiros. Eliene, da mesma forma, apresenta certa estabilidade. Depois de sua primeira ocupação vendendo frutas, ela foi trabalhar em uma fábrica de enxoval para bebês, localizada na avenida Getúlio Vargas, por oito

anos. Segundo ela, essa constância se dá pois vive de contratos, precisando cumprir com o período de serviço combinado. Mercado - No ambiente profissional, ambas acham a tecnologia necessária. Segundo Eliene, “é uma ferramenta que ajuda bastante no trabalho e não tem como fugir disso”. Mas ela acrescenta: “Eu, particularmente, sou uma analfabeta da tecnologia. Tenho dificuldade até mesmo com o teclado do celular.” Para Camila, os aplicativos “são uma forma maravilhosa de ganhar dinheiro” para quem tem talento e coragem de fazer qualquer tipo de conteúdo pra internet. “Não é, por exemplo, igual ao pessoal do iFood, que tá lá pegando chuva. A pessoa faz de casa e vende conteúdo adulto, vende o que quiser.” Curiosamente, as duas compartilham o interesse por profissões ligadas às artes cênicas. “Antigamente eu queria ser atriz ou diretora, mexer com cinema. Agora, eu tenho vontade de ser professora, pedagoga”, conta Camila. Eliene, por sua vez, possui licenciatura em teatro pela Universi-

Eliene dos Santos possui boa relação com os colegas do CAPS AD III, especialmente com as cozinheiras

dade Federal do Maranhão e diz que gostaria muito de ter sido professora desta área. A realidade, no entanto, não colaborou para a realização desses sonhos. “Hoje em dia eu tenho que conseguir me manter nesse emprego que estou”, observa Eliene. Quando questionadas sobre a importância dos estudos para uma carreira de sucesso, as respostas revelam diferentes visões de mundo. A mais nova, Camila, destaca a incerteza do mercado de trabalho. “Eu tenho colegas administradores, formados em direito, pedagogos, engenheiros civis, enfermeiros… E recebem o mesmo salário que eu, trabalham a mesma

carga horária.” Ela confirma que pretende terminar seu curso superior em pedagogia, mas não acha o diploma essencial. “Não vale a pena. Eu acho que é um desgaste a mais para uma pessoa que já passa oito horas por dia trabalhando.” Ao contrário, Eliene não descarta a educação superior como veículo para uma melhor ocupação no futuro. “Ele [o presidente Jair Bolsonaro] tem perseguido demais o funcionalismo público, mas ainda assim é muito importante as pessoas irem frequentar a faculdade e depois, ainda que escasso, procurar um concurso.”

Empreendedorismo e desemprego coexistem na cidade FLÁVIA REGINA ÁRION BARBOSA FLÁVIA REGINA

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rancisco Silvestre Silva, baby boomer de 76 anos, nasceu em 1945, no Crato, Ceará. Por volta dos 7 anos de idade, começou a fazer pequenos trabalhos manuais na roça como “castigo” pelo seu comportamento. Quando teve a oportunidade de sair de casa, casou-se e começou a trabalhar em um garimpo no Pará, na década de 1980. Naquele período, Imperatriz estava passando pelo seu último ciclo econômico ligado ao extrativismo do ouro. Enquanto grande polo de entrada, a cidade abastecia garimpos com recursos necessários à extração do minério, como máquinas, alimentos, e transporte para os trabalhadores. Embora Imperatriz já estivesse inserida indiretamente em sua vida, foi somente em 2009 que Francisco definitivamente veio para a cidade em busca de soluções financeiras. Depois de se divorciar do seu primeiro casamento, ele decidiu administrar bares, atividade que mantém até hoje. Proprietário do Casa São Francisco Bar Jacob, no bairro Vila Redenção, conta que vive bem e não precisa de mais dinheiro do que já recebe em seus empreendimentos.

Hoje, Jackenny Cristinny é mãe de um casal, Gustavo e Liz e a mais nova nasceu durante a pandemia

Francisco Silvestre passa a maior parte de seu dia no bar que administra, com sua casa nos fundos ACERVO PESSOAL

Projeções - Jackenny Cristinny Lago Sousa, 28 anos, pertence à geração Y e, por outro lado, afirma que, com todas as contas pagas e uma casa já comprada, R$ 10 mil seria um salário confortável para viver. Desde o início da pandemia, está desempregada e vivendo uma crise. Jackenny é mãe de um casal, Gustavo e Liz. A mais nova nasceu após o surgimento da Covid-19. “Agora” é sua resposta quando questionada sobre o pior período financeiro de sua vida. Para ela, o governo deveria diminuir a cobrança de impostos e o brasileiro precisa de “muito mais dinheiro do que os R$ 1,2 mil que agora vai ser o salário mínimo.” Assim como Francisco, o emprego dos sonhos de Jackenny é o empreendedorismo individual. Mas, diferente dele, ela não sairia do estado em busca de serviço. O último emprego de Jackenny foi em uma imobiliária, o qual teve que deixar por razões de “crise no mercado”, conta. Para ela, a última época tranquila para conseguir emprego na cidade foi em 2016. “Hoje ainda tenho amigos da época em que eu trabalhava”, afirma. Ao longo da vida, Francisco passou por diversas ocupações. Foram, aproximadamente, 11 empregos diferentes dentro dos quatro anos que estava no garimpo. “Fui marchante, comprava gado em Altamira, no Maranhão. Depois fui mexer com clube de festa, encostei o clube e fui trabalhar na zona francesa.” Apesar de ter começado cedo, trabalho não era o único aspecto de sua infância. “Brincava debaixo da rua, era o que eu fazia.”


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ENTREVISTAS Psicológa Infantojuvenil Thallyssa Cristine Barros Castro

Presidente do Conselho Municipal do Idoso, Maria Conceição Formiga

“A família é “As crianças são esponjas, absorvem fundamental, a família aquilo que olham” não pode abandonar” MARIA CONCEIÇÃO FORMIGA

METTA STUDIO

Para a psicóloga Thallyssa Cristine, tecnologia e educação podem se tornar grandes aliadas da atual geração

Com atuação em psicologia clínica, a psicóloga Thallyssa Cristine Barros Castro, de 25 anos, conta ao Jornal Arrocha como o contexto social e as mudanças fisiológicas e mentais tem interferido na vida dos jovens e adolescentes de Imperatriz. THATY SOUSA

Quando se trata de tecnologia, qual comportamento é predominante na criança e no adolescente? Os pacientes infantojuvenis, principalmente depois da pandemia, estão mais acessíveis às redes sociais e aparelhos eletrônicos. Visto que começamos um período em EAD [Educação a Distância], todo esse público ficou muito voltado para esse lado. Observo que o comportamento deles foi agregar-se a esses aparelhos. Eu não diria que é um esconderijo pra eles, mas muitos passaram a ter vergonha e pânico de sair. Preferem as redes sociais porque ali eles não precisam sair de casa nem conversar. No seu ponto de vista, como esta geração que já nasce neste universo tecnológico pode ser afetada futuramente? Eu costumo falar que principalmente as crianças são esponjas, absorvem aquilo que olham. Hoje em dia não vemos tantas crianças brincando com brinquedos físicos, é sempre nos celulares, computadores e tabletes e a partir daí nós entramos numa dificuldade cognitiva de comunicação, percepção e sensações. A gente acha que nas redes sociais nos vemos, mas não nos afetamos. Mas eu não acho que isso seja real,

porque o bullying está ali para acontecer em qualquer local. Já nos aspectos positivos, os meios tecnológicos acabam por vir de uma forma muito ampla, porque existem muitas informações, dados. Aí também entra a questão do aprendizado que pode vir a calhar, pode ajudar muito mais.

“Às vezes os pais projetam nos filhos uma visão que não é o que a criança ou adolescente quer” É muito comum ouvir alguns pais dizerem que procuram dar aos filhos o que não tiveram na infância. Até que ponto esse pensamento pode ser benéfico ao processo de formação de caráter da criança ou adolescente? Existem pais superprotetores, que acabam querendo que o filho tenha o que eles não tiveram. Então entra aí uma cobrança muito grande que acaba gerando uma ansiedade. Às vezes os pais projetam nos filhos uma visão que não é o que a criança ou o adolescente quer, e isso cria uma frustração muito grande quando eles não conseguem chegar onde os pais queriam. Há muitos casos de ansiedade infantil? No geral, em que contexto eles acabam desen-

Para Maria Conceição Formiga, o apego à religiosidade ajuda a vencer a ociosidade causada pela pandemia

Atual presidente do Conselho Municipal do Idoso e fundadora do Clube das Mães de Imperatriz, Maria Conceição Formiga, 75 anos, fala sobre as vivências e problemáticas enfrentadas pelos imperatrizenses mais experientes. KELLY COSTA

volvendo esse quadro? Infantil é menor, já nos adolescentes é geralmente na fase do pré-vestibular. No caso das crianças, as maiores demandas de quadros ansiosos são por conta da pandemia. Eu não diria ser uma ansiedade generalizada, mas por conta do isolamento social no contexto pandêmico. Outra questão é o bullying, que em sua maioria ocorre da maldade de fazer piadas com o corpo do outro. Também entra a questão da puberdade, que traz toda aquela mudança mental, corporal e do autoconhecimento no meio social. Já na faixa etária de 14 até os 18 anos, a ansiedade é voltada para expectativa de futuro. São questões como: “O que eu quero para o futuro? Quem eu vou ser? O que minha família quer de mim?”

Qual o perfil do idoso de Imperatriz? Há diferentes perfis do idoso de Imperatriz, porque esse perfil se caracteriza nas diferentes classes sociais. O idoso que tem recursos, tem uma forma de ser. Ele é um idoso feliz, tem locais para poder manifestar a alegria de viver. Se ele é de classe média, ele também aqui ainda encontra muitas formas de demonstrar quem ele é. Geralmente nós somos pessoas profissionais, que tivemos formação, que tivemos um 2° grau [Ensino Médio], um trabalho, que temos uma aposentadoria, e somos pessoas felizes. Agora, tem outro idoso, abaixo da classe média, que vive numa situação de pobreza, mas uma pobreza ainda com dignidade.

Além da ansiedade e fobia social, existe alguma outra problemática que não era tão recorrente antes da pandemia mas que passou a ser agora? Eu percebi que depois da pandemia estamos vivendo um momento em que muitos adolescentes não estão aceitando o seu corpo, justamente por tentar se encaixar no padrão que a sociedade impõe. E quando essa deficiência não é trabalhada, pode desenvolver a ansiedade, transtornos alimentares e a automutilação, que também é muito recorrente.

Existe adesão às novas tecnologias? Alguns locais oferecem oportunidades para gente aprender ou a lidar com essas novas tecnologias, mas eu lhe digo, não é fácil. Por exemplo, ontem, eu queria perguntar para um senhorzinho que tá precisando de mim o seu telefone, ele teve que ir em casa pedir pra alguém anotar, porque ele não sabia. Isso tudo é falta de uso dessas novas tecnologias, então é muito difícil, existe adesão, mas com dificuldade. Eu te digo

por que muitas vezes que eu não encontro um neto, porque tá no trabalho, me vejo sozinha, eu choro. Semana passada eu perdi uma live porque eu não acertei. Há muitos casos de ansiedade na melhor idade? Há muitos casos, a gente percebe que eles às

“Os idosos sofrem por discriminação porque não têm as mesmas capacidades que a classe mais nova” vezes encobrem a ansiedade se colocando no seu quarto, deitado na sua rede, sem querer conversar, porque se sentem à margem dessa evolução. Muitas vezes a ansiedade vem porque eles sentem na família, colocados à margem, é isso acontece com os netos, com as pessoas da família, que às vezes não respeitam essa idade da gente. A família é fundamental, a família não pode abandonar. Como a pandemia afetou a comunidade idosa imperatrizense? Os idosos sofrem por discriminação, sofrem por abandono, sofrem porque não tem as mesmas capacidades que a classe mais nova. Normalmente eles

já sofrem, imagina nessa pandemia. Os poucos grupos que dão assistência tiveram que diminuir suas atividades. Uma das coisas positivas é que durante muito tempo houve várias tentativas da gente se manter unida. Comigo aconteceu de criar grupos pra gente ouvir pelo menos a voz. E ouvindo a voz, minha experiência diz que foi muito positiva, porque todo dia eu me comunico no grupo de senhoras, a gente se fala, uma dá notícia pra outra, uma lê um versículo da Bíblia, uma faz uma oração. Mas os que são abandonados pela família, que são jogados em qualquer canto, esses são de extrema tristeza. Em sua opinião, como os mais maduros estão lidando com a aparência e a autoestima na contemporaneidade? Se a gente não sai, a gente tem se cuidado pouco, embora propício pra gente estar lembrando que mesmo dentro de casa a gente pode contribuir com essa aparência, fazendo caminhadas dentro de casa. Claro que quem tem uma casa menor faz mais vezes o percurso. Quem tem uma casa maior é só multiplicar. Isso é lutar pela aparência? É, porque a gente sabe que caminhar é saudável para a saúde. Se a gente tá com boa saúde, a gente tá com boa aparência.


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TECNOLOGIA Desenvolvimento das tecnologias tem sido um processo de descoberta para gerações passadas, enquanto as novas afirmam que se adaptam melhor, principalmente ao mundo das redes sociais

Evolução tecnológica diferencia as gerações JÉSSICA LIMA

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tualmente as tecnologias têm sido nossas aliadas e vem se tornando ainda mais indispensáveis no dia a dia por conta da praticidade. É

importante lembrar que as gerações passadas não tiveram tantos privilégios em relação aos diversos meios de comunicação que temos hoje. A internet tem possibilitado uma vida mais eficiente. As crianças desde o primeiro ELIS RYANE

X e Baby Boomer - Mas nem sempre acontece assim. A zeladora Jacilene Gomes de Araújo, 50 anos, teve seu primeiro contato com a tec-

nologia aos 7, quando sua família adquiriu um rádio de pilha. Mas ela só conheceu a internet aos 30 anos. “Meu primeiro acesso foi quando comecei a trabalhar fora de casa, depois da minha separação, em 2001”, conta Jacilene. A professora Maria de Lourdes Silva de Brito, 67 anos, recorda como era a comunicação entre pessoas a longa distância na sua juventude. “A comunicação com pessoas distantes era feita por meio de cartas, quando o assunto era urgente se usava o telegra-

JANAÍNA BRITO

Elis Ryane afirma que aprendeu um idioma novo pela internet

ano de vida já têm contato com o mundo tecnológico, sem contar as facilidades da comunicação entre as pessoas. Trabalhar e fazer compras de casa por um clique, e o mercado de trabalho amplo para quem domina bem as tecnologias, são alguns dos benefícios. Elis Ryane, 20 anos, nascida em Imperatriz, explica que aprendeu a desbravar a internet sozinha, já aos 10 anos. A jovem antes utilizava um celular da época e frequentava cybers para realizar trabalhos de escola. Hoje em dia passa grande parte do seu tempo em meio às redes sociais e relata que, ainda assim, conseguiu ter uma infância balanceada entre internet e brincar na rua, como era comum entre as gerações passadas. “Reunia de tardezinha o povo na rua, pra correr e brincar de esconde esconde.” Elis acredita que a internet é a ferramenta essencial para o desenvolvimento próprio. Além de se comunicar com seus amigos e parentes e fazer compras online, a jovem diz que aprendeu outro idioma, o inglês, por meio de aplicativos e séries. Elis afirma que não conseguiria lidar com a falta da internet, pois a praticidade que tais ferramentas proporcionam é indispensável. “A internet tem muito mais a acrescentar do que tirar da gente”, ressalta.

“A gente se torna de uma certa forma dependente”

Maria tem se adaptado às tecnologias

ma”. Ela também relata que, como educadora, precisa se adaptar às novas gerações e ao uso do aparelho celular e computadores. “Eu tenho um pouco de dificuldade, já fiz vários cursos, mas na prática não tenho muita habilidade com a internet”, explica Maria de Lourdes. Ambas puderam acompanhar o desenvolvimento das tecnologias ao longo dos anos e afirmam como essa evolução tem afetado as novas gerações. “O celular é

uma ferramenta que traz informações, coisas boas e ruins. A gente vê hoje muitas crianças com problemas psicológicos e é consequência do uso excessivo do celular”, acredita Maria de Lourdes. Mas por outro lado, Jacilene diz como se sente sem o uso desta tecnologia: “Eu posso dizer que sou escrava do celular. Sem o celular me sinto perdida, não tenho informação, não sei o que acontece no mundo. A gente se torna, de uma certa forma, dependente.”

Vida digital dos mais jovens é fruto de um processo de transição MARIA SILVANA CINTHYA MONTEIRO

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edes sociais, sites, jogos online, plataformas de streaming, aplicativos de delivery de comida e até mesmo de relacionamento, costumam estar presentes no cotidiano de várias pessoas de forma rápida e prática, principalmente quando se trata de jovens e adultos pertencentes às gerações denominadas Y e Z. Mais conhecidos como millennials, a geração Y, jovens e adultos de 25 a 40 anos, nasceram diante dos avanços tecnológicos no mundo, entre 1980 e 1995. A fluidez entre o analógico e o universo digital é descrita como uma característica específica daquela época. Mas nem todos ingressaram e usufruíram do mundo online desde cedo. Maria Silvana, de 33 anos, imperatrizense e empreendedora da lojinha Maria Fifi Ateliê, no Instagram, destaca que só foi possuir o seu primeiro celular, um Nokia, e ter contato com o mundo virtual, na casa dos 20 anos. Seu passatempo preferido era brincar com seus amigos na rua. “A gente brincava demais, de pau na lata, polícia ladrão, esconde-esconde, cai no poço, vaca pa-

rida. Não tinha negócio de celular”, diz Silvana. A famosa televisão de tubo também fazia parte da casa de Silvana. A jovem relata que foi um dos seus primeiros contatos com a tecnologia da época, além do rádio do seu tio. Apesar de pertencer à geração Y e não ter nascido ou se inserido logo cedo em meio às redes sociais como os da Z, Silvana conta que se tornou completamente dependente delas. Seu trabalho, por exemplo, é divulgado através do Instagram, o que para ela se torna bem mais prático, já que é feito de casa desde a venda até o pagamento por meio do pix. Silvana acrescenta que apesar de ainda “penar” com as redes sociais, não consegue se desgrudar delas. Geração Z - Imersa completamente no mundo digital, a geração Z, além de sempre estar constantemente interessada e por dentro do que acontece, costuma passar grande parte do dia conectada. Isabella Araújo, de 19 anos, estudante de Engenharia da Computação e residente em Imperatriz, explica como a internet lhe auxilia diariamente, e lhe aproxima de pessoas. “Tudo gira em torno de internet pra mim, tanto a facul-

dade, como meus amigos e também meu namoro a distância. Eu acho que hoje em dia eu não conseguiria mais viver sem internet”, relata a estudante. Desde os 5 anos a jovem mantém um contato direto com essa tecnologia. Apesar de só ter tido permissão de seus pais para ter sua primeira rede social aos 14 anos, Isabella afirma que seu passatempo preferido, na época, eram jogos online e videogame, o que marcou a sua infância. O espírito empreendedor também é característico da geração Z. No Instagram, Facebook e outros sites, é comum ver jovens empreendendo em lojinhas virtuais, seja como sustento ou renda extra. A facilidade para criar um negócio a partir das redes sociais foi um dos grandes benefícios que a tecnologia trouxe para as pessoas. Isabella, que também possui uma lojinha de artigos, Fã para Fã, direcionada para o público jovem, relata como a vontade de criar uma loja, a necessidade financeira e a internet lhe proporcionaram tal decisão. “Hoje em dia você não paga nada pra tá no Instagram e vender o seu produto. É gratuito, você pode fazer seu próprio comercial e é muito eficiente.”

Silvana conta que, apesar do contato tardio, se tornou dependente da internet


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SEXUALIDADE Enquanto as gerações X e Z relembram suas experiências com a sexualidade, a Z se difere como aquela que menos se preocupa em fazer sexo, são desprendidos de pressões externas

Gerações lidam de forma diferente com o sexo JESSICA SANTOS

JESSICA SANTOS

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e você nasceu dos anos 2000 para cá, isso significa que está inserido na geração que sofre menos pressão para com o sexo. Estes jovens não sentem muita tensão em relação a perder a virgindade cedo, o que indica um comportamento sexual muito diferente da geração X, os que nasceram em meados dos anos 1960 até 1980. O estudante de engenharia André Duarte, 21 anos, contou um pouco da sua história na adolescência e de como foi sua primeira vez. “Eu nunca senti essa pressão que algumas pessoas tanto falam sobre fazer sexo. Eu fiz quando eu quis e foi horrível, acho que a de todo mundo.” A geração Z cresce em meio a debates mais amplos de sexo, gênero e política, o que a difere da Maria Miranda nos seus tempos de casada, quando diz ter conseguido se libertar mais sexualmente X, que passou a adolescência em uma constante intimidação para se educação auxilia em várias áreas pessoas dava trabalho. Eu tenho casar e se preservar, como explica da sua vida e pode salvar vidas”, consciência que isso é tudo mania aposentada Maria Miranda, 59 ressalta. pulado e que pode atrapalhar nas anos. “Eu casei virgem, se o papai relações de hoje. Mas já ficou pra descobrisse que eu estava fazendo Mudanças- A geração X teve bem trás e não sinto vontade de ter esse algo assim, eu estava ferrada. Apemenos contato com a tecnologia, hábito novamente”, relata André. sar de eu querer, eu esperei. Antes então os relacionamentos físicos Já Maria fala das dificuldades de era complicado para se relacionar eram o foco em suas experiências obter informações na sua juventucom os namoradinhos.” relacionadas com o prazer. Contude. “Não existia essas coisas de Por outro lado, André ainda do, a geração Z tem várias possibiinternet, eu descobri tudo quanlembra que aprendeu apenas o lidades de entretenimento, o que do casei. Na minha lua de mel eu básico na escola sobre educação facilita o acesso à pornografia. estava tão assustada que dormi sexual. “O que é antiquado, ne“Quando eu era novo, eu assistia no banheiro e nada aconteceu. gar o direito de aprendizado para pornô, como todo mundo já viu, Mas depois fui perdendo o medo, as crianças. Já tá provado que a é menos burocrático. Flertar com comecei a aproveitar mais mi-

nhas experiências.” A informação mostrou os perigos de doenças sexualmente transmissíveis, deixando os jovens da geração Z em alerta. Já os da X avançavam pela liberação sexual, além dos protestos a favor dos direitos dos homossexuais, mas a Aids gerava muito medo. “Muita gente ficava doente por falta de conhecimento. Foi um período bem complicado, porque no final de 1980, umas pessoas ignorantes associavam Aids a homossexuais, o que era bem triste”, destaca Maria.

JESSICA SANTOS

“Eu nunca senti essa pressão que algumas pessoas tanto falam sobre fazer sexo, eu fiz quando eu quis”

Padrões de corpos sempre existiram, atrapalhando no desempenho sexual e psicológico, criando inseguranças. “Eu nunca tive insegurança com meu corpo, minha autoestima sempre foi trabalhada pela minha mãe, o que me tornou essa pessoa segura de hoje. Mas eu vivo no meio de pessoas que não se sentem seguras em se abrir para certas experiências por cau-

André Duarte diz que nunca foi induzido a fazer sexo

sa da aparência”, acredita André. Maria, por sua vez, diz que sempre foi linda, mas, pela época, tinha insegurança. “Eu demorei a ficar nua na frente do meu esposo, tinha vergonha e medo de algum julgamento. Demorei pra me soltar e criar uma intimidade mais profunda com meu marido.”

Tabus que envolvem a sexualidade persistem ao longo do tempo GIOVANNA JUSTINO GIOVANNA JUSTINO

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alar sobre sexualidade sempre foi tabu, principalmente nos séculos anteriores, quando a informação não circulava tão rapidamente como hoje. Assuntos como o uso de preservativos, métodos contraceptivos e prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) eram praticamente proibidos entre jovens e adultos. Tampouco se falava abertamente sobre gênero e sexualidade. A geração baby boomer em sua grande maioria foi educada por adultos ríspidos e religiosos, em um ambiente familiar no qual o diálogo sobre questões sexuais era restrito. Para os homens, em algumas famílias, ainda havia orientações, mesmo que vagas. Já para as mulheres, eram raras as informações sobre assuntos de cunho sexual. Parte dessa desinformação devia-se à falta de conteúdo acessível sobre o assunto, já que nesse período as pessoas eram informadas apenas pela televisão, na qual tudo o que se dizia era rigorosamente selecionado. Logo, sem informação acessível, dependia-se dos conselhos dos mais “vividos”. Como resultado disso, os baby boomers namoravam escondidos dos pais, como conta Salvador de Sousa: “Naquela época o namoro era escondido, porque nossos pais não deixavam”. A sua esposa, Isabel de Sousa, complementa: “Nossos pais não explicavam nada sobre sexo nem podíamos tocar no assunto”.

Tabu- No entanto, essas não são questões que ficaram no passado, infelizmente. Mesmo para os jovens da geração milenium, que é privilegiada por nascer em um mundo totalmente globalizado, esses tabus se perpetuam, como conta Seles Feitosa, de 20 anos: “Sobre o posicionamento dos meus pais sobre sexo, eu não me recordo em nenhum momento em que eles sentaram comigo e me direcionaram sobre o que eu deveria fazer. Me recordo deles alertarem do que eu não deveria fazer, e o que eu não deveria fazer era o sexo.”

“Me recordo deles alertarem do que eu não deveria fazer, e o que eu não deveria fazer era o sexo”

Seles Feitosa diz que não se lembra dos seus pais terem dado alguma orientação para a sua vida sexual

Orientar sobre sexualidade vai muito além de falar de sexo. A sexualidade humana envolve cuidados preventivos contra DSTs, prevenção gestacional, orientação sexual e conhecimento sobre o próprio corpo. Por muitos anos a orientação era apenas não se relacionar intimamente com outras pessoas criando, assim, um abismo entre diálogo e informação. “Quando eu tive minha primeira relação sexual, com 17 anos, decidi contar para minha mãe em menos de uma semana do acontecido. Hoje eu sei que ela deveria ter sentado comigo e me orientado sobre métodos preventivos e contraceptivos, mas o que ela fez

foi virar para mim e mandou eu casar”, conta Seles. É fato que a internet contribuiu para a educação sexual, ao disponibilizar toda e qualquer informação que precisarmos. Além disso, as escolas também têm abordado assertivamente assuntos necessários para a construção da sexualidade de jovens e adolescentes, como relata Tainara Silva de 22 anos. “Nunca falei desses assuntos com meu pai, mas minha mãe sempre me orientou sobre usar camisinha e anticoncepcional. Já todo o resto eu fui descobrindo pelas palestras da escola e pesquisando na internet. Então tudo que eu precisava ou preciso saber, eu vejo na internet.” GIOVANNA JUSTINO

“Hoje eu sei que minha mãe deveria ter me orientado”


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EDUCAÇÃO Anseio por uma boa formação educacional atravessa gerações. Em épocas e contextos sociais diferentes, todos eles sentiram necessidade de buscar dignidade, seja na sala de aula ou no cabo da enxada na roça

Vidas marcadas por revolta e superação CÍCERA MARIA

PEDRO SANNAS JULIANA FERNANDES

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inha que trabalhar”, lamenta João Leal Costa Filho, baby boomer nascido em 1958, que nunca pôs os pés em uma sala de aula e hoje, aos 68 anos, relata as dificuldades de ser totalmente analfabeto. “Eu já perdi muita oportunidade de trabalho por causa disso, já deixei de investir melhor o meu dinheiro por não ter estudo.” De família numerosa, o lavrador lembra de sua infância e informa que nenhum de seus 12 irmãos chegou à universidade. Os que estudaram, concluíram apenas o ensino médio. “Só estudavam aqueles que os padrinhos pegavam e levavam para estudar, mas nossos pais mesmo não levavam, não.” Natural do estado da Bahia, João afirma que inicialmente veio com toda a família para o então povoado de Brejão, que posteriormente se tornaria a cidade de São Francisco do Brejão, buscando melhores condições de vida. Enquanto isso, João Leal crescia analfabeto e hoje se diz revoltado por sua condição. O tempo foi passando e seu interesse pelos estudos foi se tornando algo cada vez mais distante. Pai de quatro filhos, João afirma que fez diferente com eles em relação à educação. “Eu incentivava, logo eu sozinho criava eles. Então tudo que se passava na escola era eu quem sabia.”

ral de João Lisboa, Maranhão, Maria Lucinalva Rodrigues Nogueira, conta que iniciou sua vida escolar por certa imposição dos pais, mas logo tomou gosto pelos estudos. “Naquela época a gente estudava porque sabia que estudar era obrigação. Então minha mãe ia na minha escola fazer a matrícula e só voltava no final do ano ou no final do bimestre, para assinar o boletim. Eu tinha que me virar com minhas atividades, com o que eu iria levar para a escola, com tudo.” Lucinalva relata que chegando ao ensino médio, seus pais sequer sabiam onde era a escola que a filha estudava.

“Sempre quis o melhor para a minha educação”

Maria Lucinalva, ouvindo conselho do pai, teve consciência de que seu futuro depende somente dela

A filha mais velha de João, Maria do Socorro, aos 40 anos, ainda pretende seguir a vida acadêmica. Dona de uma ótica no município de Cidelândia, Maranhão, ela se prepara para ir a São Luís, capital do estado, em busca de um curso, para o qual prestou vestibular e ganhou bolsa. O pai fala com bastante animação e agradece a Deus pela aprovação de

sua filha. O outro filho, de 38 anos, segundo o pai, fez cursos de segurança e hoje trabalha como vigilante em agências bancárias. Os gêmeos de 35 anos, um homem e uma mulher, não tiveram o mesmo interesse e concluíram apenas o ensino médio. Obrigação - Nascida na geração X, em 1971, a pedagoga e professora natu-

“Meu pai dizia que se o futuro era meu, eu tinha que cumprir horários e com minhas atividades.” A professora diz que cursou todo o ensino fundamental, primeiro e segundo ano do ensino médio em escolas públicas. Só concluiu o terceiro em escola privada porque começou a trabalhar e pôde pagar pelas mensalidades. “Quando comecei a trabalhar, aos 17 anos, auxiliava uma professora pela manhã e com o dinheiro que recebia, pagava a minha escola, que

era à tarde.” Maria Lucinalva descreve as escolas em que estudou: “Na maioria do tempo eram simples, a gente não tinha luxo, não tinha material didático, a tecnologia era zero, eram só quadro e giz”. Quanto aos professores, a maioria tinha apenas o ensino médio, o antigo normal, não havia graduados. “No ensino médio, já foi mudando, eu passei a estudar em Imperatriz. Já tínhamos professores com curso superior e o ensino era todo dentro de uma perspectiva tradicional. Não tinha como intervir ou criticar, a gente só tinha que aceitar tudo que era imposto, sem contestar.” Maria Lucinalva diz não se sentir privilegiada por ter feito uma graduação. “Estudei na Universidade Estadual do Maranhão por mérito próprio, passei no vestibular, que era concorridíssimo. Sempre quis o melhor para a minha educação.” Lucinalva comenta que, com a atual pandemia de Covid-19, muitos alunos foram prejudicados, principalmente os sem acesso à internet, como, por exemplo, quem mora no campo ou não tem estrutura financeira. “No entanto, foi possível que alguns alunos evoluíssem, poucos, mas pode se dizer que sim, pois a partir do momento em que o aluno passa a estudar sem a presença de um professor, ele cria certa responsabilidade sobre o ato de estudar.”

Machismo representa barreira na vida acadêmica de mulheres PEDRO SANNAS JULIANA FERNANDES

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BEATRIZ DOS SANTOS

BEATRIZ DOS SANTOS

s duas gerações mais recentes, chamadas de Y e Z, são marcadas pela chegada e consolidação da tecnologia em todos os âmbitos, com ênfase na formação educacional. Nascida em 1989, Natane Soares Farias, que mora em João Lisboa e trabalha em Imperatriz, como auxiliar de produção em recapagem de pneus, relata certa dificuldade com a tecnologia. Concluiu o ensino médio e se matriculou em curso de computação, mas frente às dificuldades, foi obrigada a desistir.

“Até que aprendi algumas coisas, mas não tudo. Tem certas coisas que eu tenho dificuldade em aprender, mesmo com alguém me ensinando.” Natane tentou também um curso técnico de enfermagem, mas novamente tomou a decisão de abandoná-lo. “Era muito doloroso, eu não gosto de ver sangue. Era muita coisa para fazer, eu não tinha muita paciência, vi que não dava para mim e desisti com dois meses, para não gastar muito dinheiro em vão.”Ela acredita que o machismo pode ser mais um empecilho para a vida acadêmica das mulheres. “Não todos, mas muitos homens não deixam a mulher trabalhar, nem estudar. A mulher fica sem liberdade, submissa a ele pelo resto da vida e isso atrapalha muito, tanto no meio do trabalho, quanto nos estudos.”

Beatriz dos Santos não pensa no fim da sua jornada acadêmica e conta o que deseja para as próximas gerações

Tecnologia- Saindo da creche aos 5 anos, já sabendo ler e escrever, Antônia Beatriz dos Santos faz parte da geração Z, que já nasceu imersa em tecnologia. Aos 20 anos e acadêmica do curso de História na Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), Beatriz relembra de quando teve dificuldades com as aulas por falta de um aparelho celular. “No começo da pandemia, quando começou o ensino remoto, eu estava sem meio de comunicação, não consegui acompanhar as aulas e infelizmente reprovei em duas matérias. Mas como o período foi dividido em dois módulos, no segundo eu consegui um celular e já pude acompanhar.”

HANNAH BÁRBARA NOGUEIRA

“Sempre busco por mudanças, tanto no lado pessoal quanto no profissional” Uma das características da geração de Antônia é a constante busca por mudanças. “Eu sempre busco me reinventar. No meu lado profissional, eu estou sempre buscando profissionalização. Se eu tenho um curso, estou sempre procurando me especializar naquela área, porque o mercado está sempre se reinventando.” Quando questionada sobre o que gostaria que fosse ensinado para as próximas gerações, a estudante responde: “A pensar fora da caixa, sempre buscar mais, querer mais, ensinar sobre educação financeira e educação emocional.”

Natane Soares tentou cursos após o fim do ensino médio, mas diante das dificuldades, desistiu


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DIVERSÃO Festas e músicas sempre fizeram parte dos divertimentos do imperatrizense, apesar das mudanças do tempo. A vida online mudou a forma de socializar, mas alguns costumes deixaram saudades na memória

Clubes, boates e festivais marcam gerações EVALDO MELO

eram feitas para criticar os governantes e para dançar em discotecas, que viraram um fenômeno no Brasil. Em Imperatriz, o “point” dos jovens eram as danceterias Broadway e a Fly Back, que ficavam localizadas na Beira-Rio. “Eram os divertimentos que tinham pra gente. Quando eu era mais novinha, eu ia para as matinês com a minha prima, que era quando a boate abria e fechava cedo”, conta Tawane. Ela comenta que gostava bastante da boate Broadway e destaca o clima da época. “Graças a Deus, minha mãe sempre foi liberal, mas ela era porque antigamente as coisas eram mais saudáveis. Já existia drogas e outras coisas ilícitas, mas não era como hoje”, diz Tawane.

Danceteria Broadway era um dos principais pontos de encontro dos jovens na década de 1990, tanto para festas, quanto para relacionamentos LÍVIA CARVALHO NATÁLIA PAULO

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modo como as pessoas socializam e se divertem evolui a cada geração. Os babys boomers, nascidos entre 1946 e 1960, vivenciaram as mudanças pós-guerras mundiais e o surgimento de estilos musicais como o rock’n’roll de Elvis Presley e Chuck Berry. No Brasil, estava surgindo a Bossa Nova, com cantores como João Gilberto e Nara Leão. Essa geração não tinha acesso às tecnologias, diferentemente da atual, não possuía telefone fixo e nem celular e por isso o contato era sempre

pessoal. Combinavam na escola ou na casa dos amigos os dias em que iam sair para se divertir. A aposentada Iolanda Franco, de 65 anos, relembra como eram as noites imperatrizenses na sua juventude. “A gente se encontrava indo na casa um do outro. O que marcou a minha geração foram as festas no Clube Tocantins, que ficava no centro da cidade, na rua Godofredo Viana. Naquele tempo era tão tranquilo que íamos a pé e voltávamos pra casa com o chinelo na mão”, conta. A geração X, sequente aos baby boomers, são os nascidos entre 1965 a 1980, como a filha

da Iolanda, Tawane Franco, de 43 anos. Ela afirma que assim como a mãe, sempre gostou de sair com os amigos e que chegou a frequentar também o antigo Clube Tocantins. Contudo, na época da Tawane, o Clube não era mais localizado em Imperatriz, mas no Bananal. “Diferentemente da minha mãe, eu não ia tanto para as serestas que tinha no clube, eu frequentava por causa dos carnavais”, comenta Tawane. Atualmente, o clube se chama Sede Campestre, continua localizado no Bananal e é bastante frequentado por jovens e também pos pessoas mais velhas. Nos anos 1980, as músicas

“Era tão tranquilo que voltávamos a pé com a sandália na mão”

Boate e praia- Nesse mesmo período, o vendedor Luís Antônio Soares Leal, de 44 anos, era garçom em Imperatriz, em um bar e restaurante chamado Zero Grau. Os donos desse estabelecimento eram os mesmos da Fly Back. Ele relata que naquela época saía do trabalho direto para a danceteria. “Quando acabava o meu expediente, eu ia pra Fly Back e

amanhecia o dia bebendo. Ia para parte que tocava house, dance, reggae e forró e depois descia pra Beira-Rio.” Luís Antônio também se recorda do período dos shows em praias, nos anos 1990. “Outro tempo bom foi em 94, praia, Wanderley Andrade, Banda Reprise, bandas de forró. Eu ia para a praia às 12h e saía de lá às 22h. Tempo bom demais”, acrescenta Luís. Ele conta que as noites eram animadas, principalmente porque cantores chamavam as pessoas para dançar no palco e davam brindes para quem saísse melhor.“Era muito engraçado, eles sorteavam bonés, camisetas, caixinhas de cerveja, sorteavam dinheiro para quem ficasse em primeiro, segundo e terceiro lugar. A gente se divertia muito”, lembra Luís. Há muitos anos, a Praia do Cacau segue uma tradição de proporcionar entretenimento e lazer para a comunidade imperatrizense e para seus visitantes de todas as idades. São comuns festivais culturais e principalmente no período de veraneio, que é quando a cidade recebe mais turistas, esses eventos são compostos por artistas regionais que fazem shows de quinta a domingo, além das exposições dos artesãos e feirantes locais, programação que acabou afetada pela pandemia da Covid-19.

Formas de entretenimento e lazer variam a cada ciclo geracional ACERVO PESSOAL

GEOVANNA SOUSA

LÍVIA CARVALHO NATÁLIA PAULO

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ompreendendo aqueles que nasceram entre 1980 e 1995, a geração Y desenvolveu-se em uma época de grandes avanços tecnológicos. A infância dessa geração foi marcada pelo uso de videogames, computadores, TV a cabo, diferentemente das anteriores. Também são chamados de millenials, por terem nascido próximos da virada do milênio. Uma pesquisa realizada pela Mintel (agência de inteligência de marketing) dos Estados Unidos mostra que o rolê dos millenials é bem mais caseiro do que o da geração dos baby boomers. Entre aqueles com idades de 24 a 31 anos, 28% disseram que preferem beber em casa, porque sair dá muito trabalho. O millennial Patrick Ferreira Feitoza, de 26 anos, não considera a sua geração caseira. Ele ressalta que mesmo antigamente, quando não tinha muita liberdade para sair, sempre gostou de se divertir fora de casa. “Na minha época, quando tinha [o evento] Bolo Doido , na Romanos Pizzaria, a cidade parava e ia todo mundo pra lá. As atrações principais eram Juliano Reis e Jordão. Os gostos musicais eram apenas sertanejo e eletrônica e nem é a mesma eletrônica de hoje, era um techno dance.” Patrick comenta que o ponto de encontro dos jovens da sua geração era o Timbira Shopping. “Isso era muito comum na nossa época. A galera chegava no shopping umas 18

Patrick, de camiseta azul, com amigos: “A galera chegava no shopping cedo e só saía quando fechava”

horas e só ia embora quando fechava, ficava só rolezando. A gente não era caseiro.” Internet e bares- A geração Z, formada por aqueles que nasceram entre 1995 e 2010, são conhecidos como nativos digitais. Essa geração surgiu depois da criação da internet, ou

“A primeira vez que escrevi meu nome foi num Nokia tijolão” seja, em um mundo sem fronteiras virtuais. As redes sociais são a sua principal fonte de entretenimento, afinal eles dominam tudo que envolve a web, desde coisas simples como ler uma notícia, até assistir filmes. Neste caso, há alguns anos, era mais comum vê-los no cinema e hoje ficou mais fácil assistir a lançamentos

mundiais simultâneos nos streammings. “A primeira vez que escrevi meu nome foi num Nokia tijolão. O que marcou a minha geração foi passar o dia inteiro jogando em computadores. Eu joguei Habbo de 2009 até 2018, e jogos de tiro, porque sempre odiei jogos de meninas”, afirma a estudante Geovanna Sousa, de 20 anos. Atualmente, ela prefere marcar encontros com os amigos em bares como o Esquina, Meeting, Lyons ou qualquer outro lugar que seja próximo à Beira-Rio. “Eu sempre passo horas por ali, bebo muito, faço tudo, mas com o passar dos anos minha bateria social tá ficando mais curta e eu prefiro ir mais cedo pra casa. Ou já não me sinto com pique pra tá à noite inteira com um monte de jovem bebendo. Não sou de sair com frequência e não fico mais me sentindo na obrigação de estar na rua só pra me encaixar no meio social”, ressalta a estudante.

“Dou muito valor a um rolê com os amigos de verdade, em qualquer lugar”, afirma Geovanna Sousa


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GERAÇÃO ALPHA

Como será o meu ...

FUT “Eu quero que meu futuro seja repleto de conquistas. Eu quero ser médica e estou estudando para isso. E quero que no meu futuro não exista essa doença chamada Covid” Ana Júlia Pessoa Amaral, 8 anos

“Jogar no futebol da escolinha”

“Espero ser um bom médico e dar muito orgulho para os meus pais”

Benício Alves Bezerra, 4 anos

João Cardoso Oliveira Filho, 9 anos

“Eu quero ficar muito inteligente e ter uma casa muito grande pra caber a minha família toda. Quero que não precise usar máscara”

URO Melissa Alves Lima, 9 anos

“Para o meu futuro espero ser uma médica ou modelo. Espero fazer grandes viagens e também a melhoria do governo”

“Eu espero que a Covid acabe e que todas as pessoas sejam felizes” Benjamin Silvestre Maia Lago, 5 anos

“Quero trabalhar no computador e sentar no banco da frente do carro” Bernardo Oliveira Negreiros, 3 anos

Sarah Vitória Costa Silva, 9 anos

“Eu espero para o futuro, que o mundo seja menos poluído, menos desmatamentos. As pessoas precisam colaborar com o meio ambiente, pra ele não acabar. Espero que as pessoas tomem consciência” Matheus Queiroz de Sousa, 10 anos

“Eu espero que o futuro seja melhor. E quando eu crescer, quero ter um trabalho muito bacana e um skate voador para eu ir pro meu trabalho”

Nícolas Monteiro Pereira, 8 anos

“Para o meu futuro eu espero ser uma polícia, uma ótima filha, uma boa irmã, uma pessoa que se ame acima de tudo e que se valorize e que respeite o próximo” Lara Isabelly Silva Nascimento, 11 anos


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