REVISTA ORIENTE OCIDENTE - N.31, II SÉRIE, 2014

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Número 31/II Série - 2014

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Índice 03 | Editorial (Jorge H. Rangel) 04 | Das covas de Viriato ao mundo global (Severino Cabral) 08 | Choque ou entendimento entre Impérios? (Jorge Santos Alves) 17 | Para benefício de muitos dos filhos d’esta terra (Rui Simões) 30 | Macau e os territórios lusófonos (João Loureiro) 38 | Camilo Pessanha recordado em Coimbra (António Manuel Couto Viana) 42 | Camilo Pessanha, homenagens no Parlamento (António Aresta) 45 | De em Macau nos descobrirmos (José Valle de Figueiredo) 46 | IV Encontro de Escritores de Língua Portuguesa (Celina Veiga de Oliveira) 49 | Brasil: A construção de uma nação solidária e autoconfiante (José Medeiros da Silva) 52 | Faces do Recife (Adalberto Tenreiro)

64 | O Papel do Ensino da Língua Portuguesa na China para as Relações Sino-Lusófonas (Ye Zhiliang) 68 | O impulso reformador de Xi Jinping e o contexto de segurança e defesa regional (Jorge Tavares da Silva) 72 | O impacto do tecno-nacionalismo chinês na era global (Luís Cunha) 76 | Os valores nacionais em Herculano (António Leite da Costa) 82 | Os nossos parceiros: Breve Histórico do Real Gabinete Português de Leitura (António Gomes da Costa) 84 | IIM – 2013: um ano de actividades 88 | Edições IIM – 2013

Ficha técnica ORIENTEOCIDENTE – N.º 31/II Série - 2014 (publicação anual) Director: Jorge H. Rangel | Coordenação: José Lobo do Amaral | Editor e proprietário: Instituto Internacional de Macau Sede: Rua de Berlim, Edifício Magnificent Court, 240, 2º (NAPE) – Macau – Tel: (+853) 2875 1727 / 2875 1767 | Fax: (+853) 2875 1797 Site: www.iimacau.org.mo | Email: iim@iimacau.org.mo | Delegação em Lisboa: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, 11, 1150-320 Lisboa | Tel: (+351) 21 324 1020 | Fax: (+351) 21 324 1029 | E-mail: iimlisboa@iim.com.pt | Tiragem deste número: 1.000 exemplares | Fotografia: Verso de capa: Macau – foto de Allan Salas; Verso de contra-capa: Macau – foto de Teng Pong Ung Design e produção gráfica: Maisimagem II | Impressão e acabamento: Gráfica Maiadouro | Depósito legal: 377103/14 - Os números anteriores ao presente n.º 31 foram produzidos e distribuídos na RAEM.

O Acordo Ortográfico é usado ou não pelos Autores segundo o seu próprio critério. Com o apoio da

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Editorial

O desenvolvimento estável do Instituto Internacional de Macau, a par da diversificação constante das suas múltiplas formas de intervenção, permitiu que este organismo de natureza associativa e fins culturais fosse ganhando qualificados colaboradores ligados a variadas áreas académicas. Foi graças ao seu empenhado envolvimento que os programas aprovados, contendo conferências, seminários, palestras, debates, encontros, exposições, cursos, concursos, estudos, edições e acções de intercâmbio, puderam alcançar o sucesso que, desde a primeira hora, desejámos para o nosso Instituto, como instrumento útil de promoção de Macau, de relacionamento com instituições do exterior e de investigação aplicada. Com persistência e vencidas as dificuldades iniciais, fomos ganhando reconhecimento e

um espaço próprio no seio da sociedade civil. E, através de dezenas de parcerias em boa hora estabelecidas, pudemos marcar presença continuada e eficaz em muitas partes do mundo, projectando positivamente Macau em cidades de vários continentes. Através dos nossos boletins informativos, que tiveram formatos e dimensões diferentes, fomos dando conta, com a regularidade possível, dos nossos projectos e actividades, culminando numa publicação graficamente muito atraente que recebeu o nome Oriente/Ocidente. A partir da experiência feita e asseguradas as condições necessárias, quisemos dar, agora, um salto qualitativo, que consiste na transformação da Oriente/Ocidente em revista de conteúdos, relacionados com a missão e os objectivos que o Instituto determinadamente

abraçou, ao mesmo tempo que vamos, com maior periodicidade e por outros meios, divulgando as nossas mais significativas realizações, em português, chinês e inglês. Este primeiro número da nova Oriente/Ocidente é um bom espelho da nossa capacidade de afirmação e da vontade de transpor limites, aceitando acrescidos desafios. Esperamos que ele seja do agrado dos nossos leitores e corresponda às justas expectativas criadas. Em vésperas de comemorarmos o nosso 15.º aniversário, é com satisfação que fixamos novas metas e fazemos avançar mais este relevante empreendimento.

Jorge H. Rangel

Presidente do Instituto Internacional de Macau

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Das covas de Viriato ao mundo global:

o caminhar da Lusitanidade e o V Seminário “O Papel de Macau e o intercâmbio Sino-Luso-Brasileiro” Severino Cabral Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico (IBECAP)

“A MAIS PODEROSA DAS NAÇÕES DE HISPANIA, A QUE, ENTRE TODAS, POR MAIS TEMPO DETEVE AS ARMAS ROMANAS”. Estrabão “ESTE QUE VÊS, PASTOR JÁ FOI DE GADO, VIRIATO SABEMOS QUE SE CHAMA, DESTRO NA LANÇA MAIS QUE NO CAJADO, INJURIADA TEVE DE ROMA A FAMA, VENCEDOR INVENCÍBIL, AFAMADO.“ Camões “SE A ALMA QUE SENTE E FAZ CONHECER SÓ PORQUE LEMBRA O QUE ESQUECEU, VIVEMOS, RAÇA, PORQUE HOUVESSE MEMÓRIA EM NÓS DO INSTINCTO TEU. NAÇÃO PORQUE REINCARNASTE, POVO PORQUE RESSUSCITOU OU TU, OU O DE QUE ERAS A HASTE – ASSIM SE PORTUGAL FORMOU.” Fernando Pessoa “MEUS SENHORES HOLANDESES, MEU CAMARADA O CAMARÃO NÃO ESTÁ AQUI, PORÉM EU RESPONDO POR AMBOS. SAIBAM VOSSAS MERCÊS QUE PERNAMBUCO É SUA PÁTRIA E MINHA E QUE JÁ NÃO PODEMOS SOFRER TANTA AUSÊNCIA DELA; AQUI HAVEMOS DE PERDER AS VIDAS, OU HAVEMOS DE DEITAR VOSSAS MERCÊS FORA DELA...” Carta de Henrique Dias aos Holandeses “(...) TRÊS OCEANOS PUSERAM OS PORTUGUESES AO SERVIÇO DA COMUNICAÇÃO, DA FRATERNIZAÇÃO UNIVERSAL.” Padre António Ribeiro

Em um de seus mais recentes livros publicados (2012), o antigo Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente americano Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, ao analisar e formular uma visada estratégica norte-americana para enfrentar a crise atual do poder global, faz breve, mas singular referência ao passado da

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monarquia lusa, situando-a em sua dimensão histórica, na relação com as potencias imperiais que desde o mundo antigo tem influenciado a construção da Ordem Internacional. Ao se pensar hoje no papel da monarquia lusa na criação do mundo global, claramente reponta o feito

extraordinário dos navegadores portugueses que descobriram com suas caravelas as rotas oceânicas que uniram todos os continentes e inauguraram a era do mercado mundial e do poder mundial. Era que vem de se completar com o surgimento, na segunda metade do Novecento, dos meios de transporte aéreo “a jato”


Das covas de Viriato ao mundo global

das navegações e dos descobrimentos – de que são herdeiros os povos e nações que compõem no mundo de hoje a Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Sessão de abertura – Itamaraty – Brasília.

e da comunicação instantânea “via satélite”, aproximando e unindo todas as nações do mundo no mercado globalizado e abrindo o caminho para a emergência do megaestado. Chama atenção, sobretudo, pelo fato da citação de Brzezinski fazer referência à data de 1815, ou seja, ao momento em que a sede da monarquia portuguesa era o Rio de Janeiro, e sua extensão territorial de 10.400.000 Km². Compreendendo a posse de territórios na Ibéria, na América do Sul, na África e Ásia. Parece implícito, quase como uma filigrana, que a ascensão do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, nessa conjuntura assinalada pelo estrategista norte-americano do mundo global, se afigura de grande importância para pensar na dimensão de hoje o mundo de amanhã. Com o recuo de dois séculos pode se observar a emergência de um gigante meridional cuja dimensão já estava praticamente dada. Pouco menos de uma década decorrida e o Brasil tornava-se independente, afirmando uma nova soberania que emergia nos trópicos do hemisfério sul do continente americano. Nascia

o Brasil em 1815 como um reino soberano unido a Portugal, e não mais sua colônia, para logo adiante, em 1822, tornar-se o Império luso na América, vinculado desde suas origens ao Atlântico Sul e, desde sempre, voltado para a África e a caminho do Oriente. Se em África não se construiu outro Brasil por notória interferência de forças hegemônicas que se opuseram a partir de outra visão do destino africano, não menos real a herança lusitana lá se faz ainda hoje presente na mesma posição estratégica que os portugueses estabeleceram no passado: da Costa à Contracosta, a cavaleiro sobre dois oceanos, os quadros culturais e linguísticos afro-lusófonos podem tomar hoje o rumo da integração e da cooperação. Feito que transformará o Cone Austral da África, em continuidade com a América do Sul, e numa projeção rumo ao Índico, num futuro polo meridional de poder. Certamente o Brasil, florão da América, a par de outras razões de sua grandeza, possui a de compartilhar dessa singular aventura da lusitanidade – de Roma e Ibéria ao ciclo

Entre as macrotendencias que se apresentam no desenho da configuração do mundo do século XXI – a consolidação do mercado global e o surgimento do megaestado – parece lógico apontar a integração regional como um dos caminhos dos países médios e pequenos na busca de constituírem grandes mercados e grandes unidades políticas ativas. A integração não é empresa fácil, dada à complexidade dos elementos em jogo, mas pode ser bem mais fluida e orgânica, quando se leva em conta os fatores geopolíticos e geohistóricos que atuam na conjuntura a determinarem o destino das nações. Neste sentido, pois, se pode entender o alcance do processo de construção da Comunidade de Língua Portuguesa e seu protagonismo atual. Como uma ponte transcultural e transcivilizacional unindo os continentes, os mares e os mercados do mundo; a dar, assim, cume à marcha encetada pelos navegadores ibéricos na aurora dos tempos modernos. E, como se apresenta em todos os horizontes, tem como um dos seus pontos de fixação de alcance mundial a pequena Macau, localizada no estuário do Rio das Pérolas, e que por quase quinhentos anos esteve sob administração portuguesa (1557-1999). Uma localização singular onde a língua e a cultura portuguesa estão ombreadas à língua e cultura chinesa. Como um lance do acaso, duas instituições instituídas em processos distintos, nos extremos da rota Oriente/Ocidente – o Instituto Inter-

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inseriu-se, na V série de seminários, como um marco significativo do seu escopo e abrangência, a cidade de Brasília. A capital brasileira passou a integrar uma das sedes dos encontros anuais num momento especial do relacionamento sino-luso-brasileiro: às vésperas da realização da IV Conferencia Ministerial do Fórum para Cooperação Econômica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau) e também da III Reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação-COSBAN. Na Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro.

nacional de Macau-IIM e o Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico-IBECAP –, uniram-se para pensar as condições de cooperação e intercambio entre a China e o Brasil e o mundo lusófono mediado por Macau. Tendo como eixos temáticos o aprofundamento do consenso estratégico Brasil-China no espaço mundial lusófono; a formulação de enfoque pragmático e inovador para a exploração do potencial da cooperação sino-luso-brasileira; e a intensificação dos laços culturais, acadêmicos e científicos voltados para ampliar o conhecimento mútuo sino-luso-brasileiro – as duas instituições estabeleceram, a partir do ano de 2009, o I Seminário Macau e o intercambio sino-luso-brasileiro, sediando inicialmente os encontros no Rio e em Macau. O Rio de Janeiro tinha como instituições hospedeiras a “Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo-CNC” e o “Real Gabinete Português de Leitura”. Aos organizadores do Seminário pareceu lógico incluir Lisboa no roteiro do encontro a partir da III reunião (2011), aumentando o escopo

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do estudo e do debate para abranger toda a comunidade lusófona, desde a antiga metrópole portuguesa. Nada mais natural que a esta sequencia se impusesse a entrada da China, representada por Beijing e Shanghai na IV rodada do seminário (2012). Ampliava-se o número de instituições participantes do evento como o “Centro de Estudos dos Países de Língua Portuguesa” do “Instituto de Estudos Regionais”, vinculado a “Universidade de Comércio e Relações Internacionais de Beijing”; a organização “Profissionais Brasileiros na China-PBC”, sediada em Shanghai; o “Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração-ISCIA”, de Aveiro, Portugal. Neste ano de 2013, movendo-se na direção de sua inspiração maior de ser um campo institucional aberto ao debate e ao dialogo das culturas e civilizações lusitana e chinesa, no horizonte do mundo do século XXI, a mobilizar quadros da diplomacia, da administração superior do Estado, da academia e do mundo empresarial e político do Brasil, da China e dos países da comunidade de língua portuguesa,

A sessão inaugural do V Seminário “Macau e o intercambio sino-luso-brasileiro”, promovida pelo IIM e IBECAP, realizada no dia 16 de setembro no Palácio do Itamaraty, também sob os auspícios da Fundação Alexandre de Gusmão e do Departamento de Ásia do Leste, foi acrescida de importância por representar em tal circunstância mais uma instância de dialogo acadêmico entre o Brasil e a China. A Sessão foi, assim, aberta pela fala do Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Popular da China no Brasil, Li Jinzhang, seguido pela Subsecretária Geral Política II, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis. As duas intervenções foram editadas numa edição bilíngue (chinês e português) pelo IIM/IBECAP, e lançadas em Macau e Beijing. Na sequência tivemos continuidade com os encontros do Rio de Janeiro, 16 e 17 de outubro, na Confederação Nacional do Comércio e no Real Gabinete Português de Leitura, onde foram lançados pelo IIM os livros “China: uma visão brasileira” e “Portugal e


Das covas de Viriato ao mundo global

Indonésia: história do relacionamento político e diplomático (1509-1974)”. Este último uma importantíssima coletânea de textos de historiadores contemporâneos sobre a multissecular presença lusa na estratégica região do Sudeste da Ásia. A seguir tivemos a passagem por Portugal com o seminário realizado em Aveiro, 29 de outubro, no Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração ISCIA, e Lisboa, 31 de outubro, no Centro Cultural de Macau. Participaram dessa etapa, alem dos presidentes do IIM e IBECAP, Dr. Jorge Rangel e Prof. Severino Cabral, o Vice Presidente do IIM, Sr. José Lobo do Amaral e o Pesquisador e membro do Conselho de Notáveis do IBECAP, Bernardo Costa Ferreira. A etapa final do V seminário deu-se na China, em Macau e Beijing, nos dias 6 e 8 de novembro, com a participação do Jornalista Carlos Tavares de Oliveira, do Embaixador Murade Murargy, Secretário Executivo da CPLP, que presidiu a sessão de Macau do V seminário. Em Beijing, no dia 8 de novembro finalmente encerrou-se o périplo com uma sessão presidida pelo Dr. Wang Cheng An, diretor geral do Centro de Estudos dos Países de Língua Portuguesa-CEPLP. A sessão contou ainda com a partici-

No Instituto Internacional de Macau, em Macau.

pação do antigo Embaixador da China no Brasil, Chen Duqing, com um representante do Embaixador brasileiro Waldemar Carneiro Leão, e com o Dr. Ye Zhiliang, diretor da Faculdade de língua Portuguesa da Universidade de Estudos Estrangeiro de Beijing. A comitiva IIM/IBECAP era constituída dos senhores Jorge Rangel, Severino Cabral, Jose Lobo do Amaral, Carlos Tavares de Oliveira e Bernardo Costa Ferreira. Ao término do relato desses eventos não há como não constatar a ausência – que se faz presente em sua interpelação aos organizadores do IIM/IBECAP – dos países representantes da humanidade lusó-

fono africana, sobretudo Angola e Moçambique. Falta que se espera seja reparada na próxima realização do VI Seminário ”Macau e o intercâmbio Sino-Afro-Luso-Brasileiro”. Trata-se de reparar e dar consistência ao conjunto dos seminários, pois o espaço-mundo lusófono não existiria (e não existe) sem o périplo africano, concebido visionariamente pelo Príncipe Perfeito, e realizado pela indômita vontade da gente lusitana. E, acima de tudo, é um dos caminhos da humanidade de hoje, como parte da construção de uma “meridionalidade”, que se afirma como uma das criações do amanhã, como um resultado possível da parceria estratégica de gigantes como a China e Brasil.

Referências bibliográficas: ALVES, Jorge Santos (Coord.). Portugal e Indonésia: História do Relacionamento Político e Diplomático (1509-1974). Macau, IIM, 2013. BRZEZINSKI, Zbigniew. Strategic Vision: America and the Crisis of the Global Power. New York, Basic Books, 2012. CABRAL, Severino. China: Uma Visão Brasileira. Macau, IIM/IBECAP, 2013. LI JINZHANG & REIS, Maria Edileuza Fontenele. O Papel de Macau no Intercâmbio Sino-Luso-Brasileiro. Macau, IIM/IBECAP, 2013.

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Choque ou entendimento entre Impérios?

– O pensamento estratégico de Hilário de Santa Rosa, Bispo de Macau (1739-1752)1 Jorge Santos Alves Universidade Católica Portuguesa

No dia 6 de Junho de 1753, a ópera L’Eroe Cinese de Perez e Metastasio era representada no Teatro do Forte, em Lisboa, diante da Corte de D. José I. Nesse mesmo dia, o embaixador português Francisco Assis Pacheco de Sampaio assistia em Pequim, no palácio imperial e na companhia do imperador Qianlong, a um grandioso espectáculo aquático e de fogo-de-artifício. Esta feliz e quase pueril coincidência não deixava adivinhar que as relações oficiais luso-chinesas viviam os últimos dias do tranquilo “Tempo da Cortesia” (Alves 1999, 31-41). Tampouco deixava adivinhar que se anunciavam os dias bem diferentes e conturbados do “Tempo da Soberania”. Os novos tempos traziam os ventos de mudança no relacionamento entre Portugal e a China e tinham como questão central Macau, cidade e porto de comércio internacional Macau. Esses ventos de mudança empurravam para o debate político interno e para as relações políticas e

diplomáticas entre os dois impérios o problema da legitimidade e exercício da soberania em Macau. Em equação estava a via do entendimento diplomático mas também a do conflito militar; fazer a paz ou a guerra. Do lado chinês e do português (também em Macau) alinhavam-se vários protagonistas em torno de uma ou outra possibilidade. Um deles, dos mais interessantes era, por esta época, o bispo de Macau, D. Frei Hilário de Santa Rosa (1740-1752). O pensamento do bispo Santa Rosa relativamente à China e à presença portuguesa em Macau está disperso pela sua correspondência com várias autoridades civis e eclesiásticas. Mas a peça mais importante para reconstituir as suas ideias sobre aquelas matérias é sem dúvida o arbítrio apresentado ao rei de Portugal, em Outubro de 1750, em Lisboa. Trata-se um documento fascinante, que é muito mais do que um plano fantástico para a conquista da China pelos portugue-

ses, como tem sido frequentemente descrito. O pensamento do bispo Santa Rosa sobre a situação de Macau e as relações luso-chinesas, sendo o eixo documental deste artigo, é afinal uma das peças do puzzle complexo que eram as relações entre Portugal e a China e o papel de Macau nessas relações na viragem da primeira para a segunda metade do século XVIII.

Os Ventos de Mudança – Macau, um porto entre dois impérios A “arqueologia” das principais propostas e projectos portugueses (e ibéricos) de conquista da China ao longo do ciclo imperial, vem sendo feita nas últimas décadas pela historiografia. O que inclui o projecto de frei Hilário de Santa Rosa. Teve início pela pena do português Tomé Pires (Malaca, 1515) a sequência dessas propostas e conquistas. Só se fecharia do lado português com o pro-

_________________ 1 Este texto é uma versão portuguesa, abreviada e simplificada, do estudo “Clash or Understanding between Empires? The Strategic Vision of Hilário de Santa Rosa, Bishop of Macao (1739-1752)”, Empires en Marche: Rencontres entre la Chine et l’Occident à l’âge moderne XVIe – XIXe siècles, ed. François Lachaud e Dejanirah Couto (Paris: École française d’Extrême-Orient/Fondation Calouste Gulbenkian, no prelo).

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Choque ou entendimento entre Impérios?

jecto de João Feliciano Marques Pereira (Lisboa, 1901) e do lado espanhol com o de Sinibaldo de Mas (Macau/Madrid, 1849). Está, no entanto, em falta uma visão global deste problema, com peso nas relações entre Portugal e China e, a uma escala maior, com influência nos contactos entre a Europa e a China. Tudo isto num período anterior ao “Clash of Empires” registado entre os impérios chinês e britânico (e os seus aliados ocidentais), durante o século XIX. No caso concreto do projecto do bispo Santa Rosa, há um conjunto de bullet-points que podem ajudar a explicá-lo. Tanto do lado da Coroa Portuguesa, como da Dinastia Qing, como por fim da cidade de Macau. Comecemos pela Coroa Portuguesa. É por demais sabida a considerável margem de autonomia governativa de Macau no quadro da arquitectura do império ultramarino português. Fora sempre assim desde o início do estabelecimento dos portugueses em meados por 1555/1557. Certo de que a partir das primeiras décadas do século XVII, com a nomeação do primeiro capitão de guerra para Macau (o luso-chinês Francisco Lopes Carrasco, em 1615), foi dado um primeiro sinal de intervenção oficial na condução do governo da cidade. Todavia, a preponderância do Senado da Câmara manteve-se genericamente intocada. Isto foi especialmente verdade para a gestão político-diplomática das relações externas da cidade com os poderes asiáticos da Ásia Oriental e muito particularmente com o império chinês. O Senado da Câmara concedia como se compreende especial atenção, à gestão da “diplomacia de fronteira” com as autoridades provinciais do Guangdong. Até à década de 1740 a preponde-

rância e autonomia do Senado da Câmara não sofreu qualquer golpe sensível. Por vezes, no entanto, agudizaram-se, pontualmente, os conflitos com os governadores nomeados pelo Estado da Índia e confirmados por Lisboa. As razões desses conflitos, para além de disputas pessoais, radicavam muito provavelmente na circunstância da elite municipal e comercial-financeira de Macau discordar da escolha para governador de Macau de membros da média e pequena nobreza luso-indiana (de Goa e Baçaim sobretudo). Esta tendência que se desenhou a partir do princípio do século XVIII (com a nomeação do goês Diogo de Mello Sampaio, 1699-1702), ganhou força ao longo daquele século, garantindo que pelo menos 20 dos 28 governadores de Macau fossem originários da chamada “Índia Portuguesa” (Alves e Saldanha 2013). Ora, como os interesses comerciais de Goa e de outras posições da Índia portuguesa eram tradicionalmente concorrenciais dos de Macau e dos seus moradores no acesso aos mercados chineses, não se estranha o agudizar da tensão entre Goa e Macau. Mas foi, curiosamente, com a nomeação de um governador de Macau originário de Portugal, António José Teles de Meneses (1747-1749), que o jogo de equilíbrios institucional e político em Macau – entre o governador e o Senado da Câmara (e a elite comercial-financeira) – conheceu um pico de conflitualidade. Embora as suas instruções nada contivessem sobre o afrontamento dos poderes e actuação do Senado da Câmara, ou das autoridades chinesas (e da sua política de reforço do controlo burocrático e militar sobre Macau, como veremos mais adiante), o governo de Teles de Meneses foi especialmente conturbado. A acção de Teles de Meneses, um administrador colonial “pomba-

lino” avant la lettre, desencadeou feroz reacção em vários sectores da sociedade macaense (portuguesa, luso-asiática e chinesa) e das próprias autoridades chinesas. Este governador recusou a via antiga de compromisso e negociação diária e fronteiriça do Senado da Câmara com as autoridades provinciais chinesas. Teles de Meneses via-a como uma insuportável traição aos interesses portugueses e uma submissão às arbitrariedades da burocracia provincial e central chinesa. Teles de Meneses afrontou as marcas de controlo e soberania chinesa impostas a Macau (código de 1747 e estabelecimento de uma alfândega chinesa – hubo – na cidade). A conduta de Teles de Meneses pôs em risco o jogo de equilíbrios em Macau e a relação de Macau com o Império Chinês, gerando enorme consternação de todos os lados e em todos os centros de poder intervenientes nas relações luso-chinesas e em Macau. Sob stress, o Senado da Câmara fez lobby junto do vice-rei do Estado da Índia contra a actuação de Teles de Meneses. Também um dos maiores magnatas portugueses de Macau, Manuel Vicente Rosa terá usado os seus guanxi em Goa para conseguir a remoção do governador (Vale 2000, 419-421; Araújo 2010; Alves 2011). Os próprios comerciantes chineses de Macau terão pressionado as autoridades do Estado da Índia com idêntico objectivo. De Cantão/Guangzhou, as autoridades provinciais chinesas reagiam à situação, levando o Zongdu (Governador-Geral) do Guangdong/Guangxi a escrever ao rei de Portugal, classificando Teles de Meneses como “teimoso, ignorante e excêntrico” e pedindo a sua destituição. Na cabeça do Estado da Índia, em Goa, o vice-rei D. Pedro Miguel de

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Almeida e Portugal (1744-1750) não ficou indiferente a estes múltiplos apelos contra Teles de Meneses. Perante a informação recebida de Macau, o vice-rei não hesitou em classificá-lo como “imprudente” e decidiu pelo seu afastamento imediato do cargo e substituição por João Manuel de Melo. Em Macau, o imperativo da substituição do governador recolheu a unanimidade dos mais altos dignitário, talvez com excepção do bispo Hilário de Santa Rosa, que se absteve de comentários sobre Teles de Meneses. Talvez porque concordasse intimamente com o essencial da sua acção governativa, ou porque as suas relações com o Senado da Câmara e alguns dos magnates macaenses não era a melhor. Um dos casos mais flagrantes era a sua hostilidade para com Manuel Vicente Rosa, ainda em tempo do governo de Cosme Damião Pereira Pinto (1743-1747), que lhe valeu de resto forte animosidade por parte de elite luso-asiática da cidade. Ora tendo sido justamente Vicente Rosa um dos mais acérrimos adversários políticos de Teles de Meneses… António José Teles de Meneses viria a ser “reabilitado” politicamente duas décadas volvidas. Vivia-se já então sob o signo da reformista e centralizadora do poderoso Secretário de Estados dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, Martinho de Melo e Castro. Teles de Meneses torna-se então, a partir da década de 1770, uma referência moral da linha dura na política portuguesa face a Macau e à China. Nas palavras de Melo e Castro, Teles de Meneses fora, “ainda que imprudente… firme e resoluto”. Do lado chinês, a dinastia Qing foi promovendo ao longo do século XVIII uma política consistente e

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coordenada de reforço e aproximação física do controlo sobre Macau. Controlo burocrático e militar. A questão de Macau regressava ciclicamente à ordem do dia do debate político e da governação na dinastia Qing, de resto como já havia acontecido na dinastia Ming. A principal diferença relativamente aos Ming residia no facto de os Qing terem imprimido maior consistência e coordenação à sua política para Macau e para os seus residentes (estrangeiros e sobretudo chineses). Esta política incidia sobre dois alvos principais: a actividade dos missionários cristãos, que em larga medida irradiada a partir de Macau e a vida comercial dos homens de negócios macaenses. Em ambos os casos, continuava-se, mais articuladamente, uma linha política tendente a afinar o controlo da população chinesa de Macau e dos distritos vizinhos, mormente a convertida ao Cristianismo. A adesão de chineses a uma religião estrangeira, heterodoxa e, em boa medida mal compreendida, suscitava fortes suspeitas quanto à sua fidelidade às tradições filosóficas e morais e aos cultos cívicos chineses e, mais importante que tudo, à dinastia Qing. Na prática e no terreno esta política Qing relativa a Macau era igualmente determinada pela pressão que se abatia sobre os poderes provinciais e sobre o poder central, em Pequim, pela notória alteração do padrão do comércio europeu no sul da China. O porto de Cantão/Guangzhou torna-se a grande porta de acesso dos europeus ao mercado chinês. Os navios, mercadorias, homens de negócios e os capitais europeus acorriam à China pela porta aberta em Cantão/Guangzhou. Este porto torna-se um caso especial na política alfandegária dos Qing, tendo que zelar por duas realidades nem sempre fáceis de conciliar: o comércio chinês (local,

provincial e internacional) e o comércio dos estrangeiros. Multiplicam-se os conflitos de vária ordem (não apenas comercial) entre mercadores e autoridades provinciais chinesas e os agentes comerciais europeus. Isto foi mais notório ao longo da década de 1740. Face a estes problemas, Macau manteve uma prudente e sábia distância e neutralidade. Mas a cidade estava também ela sob pressão à medida que ganhava um relevo acrescido neste mundo de negócios. A resistência do Senado da Câmara (mas não de todos os moradores) e da maioria da elite comercial chinesa de Macau à instalação de representantes, escritórios e armazéns dos agentes comerciais europeus na cidade não era suficientemente tranquilizadora para as autoridades Qing. Se já em 1731, os Qing tinham ordenado a instalação de uma agência (xian cheng) mais próxima de Macau, em Qianshan Zhai, logo nos primeiros anos da década seguinte (1743) encostaram-na à Macau internacional, na zona populacional chinesa de Mong Ha. Aos poucos foi-se constituindo uma base de experiência administrativa, judicial e militar, fisicamente mais próxima dos estrangeiros de Macau. Essa experiência derivava do contacto e conhecimento no terreno de alguns mandarins Qing face à realidade de Macau. Dois nomes avultam neste pequeno grupo de burocratas “especialistas” nos assuntos de Macau: Yin Guangren e Zhang Rulin, respectivamente 1º e 3º titulares do xian cheng de Qianshan Zhai. A sua experiência, conhecimento e património informativo foram depois compilados no Aomen Jilüe (publicado em 1751). Essa experiência, conhecimento e património informativo sedimentavam a necessidade, comunicada a Pequim ao Imperador, de um inequívoco re-


Choque ou entendimento entre Impérios?

forço da jurisdição e intervenção das autoridades chinesas em Macau e sobre a sua população, estrangeira e chinesa. A repetição de incidentes com navios de comércio europeu nas costas do Guangdong, em particular com franceses e ingleses, confirmava a urgência da concretização desta linha política dos Qing. Em Macau, a amplificação da gravidade de casos judiciais envolvendo portugueses (ou outros estrangeiros) e chineses parecia dar razão aos especialistas Qing e às suas propostas. Daí que em 1744 o Sub-Perfeito Marítimo Yin Guangren tenha redigido e imposto a Macau um código de 7 artigos para aplicação imediata. Cinco anos volvidos, na sequência do agravamento das tensões entre as autoridades chinesas e o governador de Macau (Teles de Meneses), este primeiro código Qing foi aperfeiçoado, desenvolvido e agravado na sua dureza, por outro dos mandarins especialistas em Macau, Zhang Rulin. Este código de 12 artigos, que passou à história como “Convenção do Décimo Quarto Ano (do reinado) de Qianlong”, visava afirmar definitivamente a jurisdição/autoridade imperial chinesa sobre Macau e toda a sua população, estrangeira e chinesa. O seu alvo preferencial era uma vez mais a população cristã chinesa, mas implicitamente os portugueses de Macau passavam agora a ser reconhecidos formalmente como súbditos do Imperador da China. Foi neste pico de febre do relacionamento entre Macau e as autoridades Qing que ganha protagonismo o bispo de Macau, D. Frei Hilário de Santa Rosa. Entalado entre a pressão exercida pelos Qing, já dentro do espaço da cidade, e a imprevisibilidade conflituosa do governador Teles de Meneses, o Senado da Câmara e a elite macaense dividiam-se

Página de rosto do projecto do bispo Frei Hilário de Santa Rosa, Lisboa, Outubro de 1750.

quanto ao rumo a seguir. Um rumo que garantisse simultaneamente o restabelecimento da normalidade da sua diplomacia fronteiriça com as autoridades chinesas, o afastamento do governador Teles de Meneses e, sobretudo, o renascimento comercial e financeiro de Macau como porto internacional. Como vimos, o problema Teles de Meneses foi resolvido com a sua destituição e re-

gresso a Goa, antes do final de 1749. O renascimento da vida comercial de Macau só se resolvia em directa articulação com a renovação da fluida diplomacia da cidade com as autoridades chinesas. Como havia acontecido noutros momentos da sua história, a cidade, através do Senado da Câmara, optou por contornar Goa e o Estado da Índia e dirigir-se directamente a Lisboa ao

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Rei. O enviado para tão melindrosa e importante missão foi o bispo Santa Rosa. A escolha não foi pacífica e só consumou depois vivo debate, em assembleia de poderes da cidade. Fica por saber se aqueles que votaram a favor do bispo não quiseram ver livres de mais um elemento perturbador da relação com as autoridades Qing. Tanto mais que o bispo Santa Rosa era conhecido pelas suas posições inflexíveis quanto aos costumes dos chineses residentes na cidade (e não apenas os cristãos) e à obrigatoriedade de usarem sinais exteriores da sua crença religiosa e da sua aculturação aos valores e costumes europeus. Qualquer que tenha sido a razão da sua escolha para a missão a Portugal, o bispo Santa Rosa partiu de Macau em Dezembro de 1749, chegando a Lisboa a 28 de Julho do ano seguinte. Foi em Lisboa que redigiu e apresentou à Corte portuguesa o seu arbítrio sobre o restabelecimento de Macau e o futuro das relações luso-chinesas, que de seguida analisamos.

O Pensamento Estratégico do Bispo Santa Rosa A tradição dos bispos “politiqueiros” e “conquistadores”, se assim os podemos chamar, é larga no Padroado Português do Oriente e, latu sensu, na presença portuguesa na Ásia. Relativamente à Ásia Oriental, porventura o mais controverso e famoso destes altos dignitários da hierarquia eclesiástica, tenha sido o bispo de Malaca D. João Ribeiro Gaio (1578-1601). Conhecem-se os seus planos detalhados e cheios de inteligence actualizada para a conquista de Aceh e Patani, da década de 1580) mas na verdade, os seus projectos conquistadores estenderam-se à quase totalidade da Ásia

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Oriental (China incluída). São contemporâneos do bispo Gaio, alguns mesmo inspirados pelas suas informações e visões estratégicas, vários planos e projectos espanhóis (e ibéricos) para a conquista de parte ou de todo o império chinês (Ollé 2000). Foram os casos dos de Francisco de Dueñas (1580), Alonso Sanchez e Don Domingo de Salazar (1583), Juan Battista Román (1584) e das Juntas Generales de Filipinas (1586). Depois desta fúria conquistadora de finais do século XVI, que a união das coroas de Portugal e Castela ajuda a explicar, A China desapareceu do radar expansionista ibérico até meados do século XVII. Nessa altura, por 1646, um veterano português da Ásia e da China, Jorge Pinto de Azevedo, construiu a partir de Macau um plano detalhado para a conquista da província de Guangdong e da ilha Hainan (apoiado por um muito elaborado e pormenorizado mapa). Talvez este português e alguns sectores da sociedade macaense pensassem que no momento conturbado de transição dos Ming para os Qing, fosse de aproveitar a oportunidade para retomar este tipo de projectos de conquista da China, cujo principal objectivo era dotar Macau de um hinterland para seu suporte comercial e alimentar. A referência ao projecto de Pinto de Azevedo faz tanto mais sentido quanto, aqui e além, o seu pensamento estratégico parece transposto para o as propostas do bispo Santa Rosa, cerca de um século mais tarde. O projecto do bispo Santa Rosa para o restabelecimento de Macau e para as relações luso-chinesas foi redigido em Lisboa, mas provavelmente teria sido idealizado durante a longa viagem oceânica. Formalizado como um arbítrio, o projecto era acompanhado por um mapa,

talvez da província de Guangdong e da ilha de Hainan. Foi redigido sob a forma de um arbítrio ou parecer, aparentemente por encomenda do rei de Portugal. Os ecos da situação em Macau e dos conflitos registados durante o governo de Teles de Meneses haviam chegado a Lisboa. A Lisboa havia chegado um dossier de seis documentos sobre esses eventos, de que a peça mais importante era provavelmente um memorando (e sua tradução para Português) do alto funcionário manchu Shise, Governador-Geral do Guangdong / Guangxi (Zongdu Liangguang), dirigido ao rei de Portugal. Tratava-se, como vimos acima, de um documento severamente crítico de Teles de Meneses; instava à nomeação de um novo governador para Macau, que repusesse a normalidade no relacionamento entre Macau e as autoridades chinesas, de acordo com as novas normas (o código de 1749) impostas pelo imperador Qianlong e desenhadas por Zhang Rulin. O conteúdo do memorando de Shise ganha outra relevância quando se sabe que o mandarim já havia sido duramente repreendido pelo imperador nesse mesmo ano de 1749, pela forma branda e incompetente como havia lidado com os portugueses de Macau e em particular com Teles de Meneses. Constava ainda desse dossier chegado a Lisboa e entretanto remetido ao Conselho Ultramarino, uma tradução portuguesa do código Qing imposto a Macau em 1749. Do lado português, o dossier continha uma primeira representação do bispo Santa Rosa (que desconhecemos), arbítrios do novo governador de Macau, João Manuel de Melo, e do Senado da Câmara. Talvez pela primeira vez, no relacionamento lusochinês, o processo decisório das autoridades portuguesas sobre a questão de Macau fazia-se apoiada


Choque ou entendimento entre Impérios?

na compilação de documentação portuguesa e chinesa.

das pela sua tipologia e não pela ordem dado pelo bispo.

A morte do rei D. João V, a 31 de Julho de 1750, três dias depois da chegada do bispo Santa Rosa a Lisboa, não atrasou substancialmente o processo de consulta e deliberação do Conselho Ultramarino. O novo monarca, D. José I, e o novo Secretário de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos, Diogo de Mendonça Corte-Real encarregaram, logo nos primeiros dias de Setembro, o Conselho Ultramarino de reunir “juntas” para deliberar sobre o dossier relativo a Macau. De novo solicitado, o bispo Santa Rosa compôs então o seu arbítrio, datado de 8 de Outubro de 1750. O desenrolar do processo era, no entanto, criticado pelo bispo Santa Rosa, que se queixava de que a morte do monarca atrasara inapelavelmente o seu acolhimento dos assuntos de Macau na Corte. O bispo acusava ainda o novo rei e seus ministros de falta de experiência e conhecimento dos assuntos de Macau. Ora, a preparação do processo deliberativo do Conselho Ultramarino, não apenas foi célere mas foi, como veremos adiante, bem documentada (do lado português e chinês) e as suas conclusões ponderadas e informadas.

1. Alternativa militar e de conquista I:

Quando olhamos demorada e sistematicamente para o arbítrio do bispo Santa Rosa percebemos que se trata de projecto construído com sólida informação/conhecimento do terreno e da conjuntura da província do Guangdong e nomeadamente da sua área costeira. Percebemos ainda que nele existe um pensamento estratégico que merece ser destacado e que fica patente num leque de 6 alternativas (ou “meios” como lhes chama Santa Rosa) diferentes para o “restabelecimento” de Macau. Vejamos uma por uma, cada uma das 6 alternativas, alinha-

Segundo o bispo Santa Rosa a Coroa Portuguesa deveria mandar para Macau uma força expedicionária, uma armada, suficientemente poderosa e bem preparada para ocupar o distrito de Xiangshan e, de seguida, a cidade de Cantão/ /Guangzhou. Essa força militar deveria estabelecer um perímetro de segurança, assente numa rede de 4 fortalezas (2 em Xiangshan, 1 em Guangzhou e 1 em Humen) e seria composta maioritariamente por tropas indianas (sipaios). Uma vez conseguidos estes objectivos estratégicos, os portugueses, lançariam uma grande ofensiva contra o Império Chinês, em particular contra três alvos: a província do Fujian, a cidade de Nanjing e a área metropolitana de Pequim. O financiamento deste considerável esforço de guerra seria pago com o saque da cidade de Cantão/Guangzhou. 2. Alternativa militar de conquista II: Conquista da ilha de Hainan, de enorme valor estratégico, rica em cash crops e em culturas alimentares (especialmente arroz). Fundamental para o braço do comércio marítimo de Macau nos mercados da Ásia do Sueste Continental (Tonkin e Cochinchina). 3. Alternativa diplomática I: Envio de uma embaixada (acompanhada por uma forte presença militar-naval) do rei de Portugal ao imperador Qianlong. Principais pontos da agenda negocial em Pequim: fim da política de controlo político-judicial Qing sobre Macau; restau-

ração da separação entre a cidade chinesa e a cidade “cristã” (os chineses que escolhessem viver do lado “cristão”, ficariam fora da alçada administrativa e judicial Qing); “compra” de Macau ao império chinês, como forma de acabar com o pagamento do “foro do chão”. 4. Alternativa diplomática II: Abertura de negociações secretas com uma potência europeia como a Espanha e sobretudo a França para a cedência de Macau, a troco de licença de permanência aos portugueses que quisessem ficar e de uma compensação financeira pelas infraestruturas deixadas. 5. Alternativa reformista: Resgate financeiro a Macau (1 milhão de taéis de prata), cuja guarda e gestão ficaria a cargo da Companhia de Jesus. Reforço da guarnição militar da cidade (500/600 soldados). Dependência administrativa (e judicial) de Macau relativamente a Lisboa e não a Goa, graças à reforma da arquitectura política e administrativa da cidade. Nomeação de um governador bem preparado e bem assessorado por um ouvidor e um feitor competente, o que dispensava a existência de um Senado da Câmara. Navegação directa entre Macau e o Brasil (2 barcos/ ano). 6. Alternativa final: Evacuação de Macau, arrasando a cidade e atacando e saqueando a cidade de Cantão/Guangzhou, como represália. Retirada de todos os missionários do Império Chinês. Como se constata, o arbítrio do bispo Santa Rosa contemplava uma vasto leque de alternativas, quase todas as possíveis dir-se-ia, para o restabelecimento de Macau e para

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o futuro das relações luso-chinesas. Como o próprio bispo admitia, a primeira alternativa era a preferida. Era aquela que, sendo a de mais difícil concretização, melhor salvaguardava os interesses de Macau e de Portugal na China e na Ásia Oriental, em geral. A escolha do Conselho Ultramarino e do monarca, viu-se depois, seria uma alternativa diplomática, que se consumaria com o envio da embaixada liderada por Francisco Pacheco de Sampaio, em finais de 1752. Comentando, desencantado, a decisão, o bispo Santa Rosa defendeu que tal embaixada só teria sucesso se fosse acompanhada de forte escolta militar. Não a tendo, não devia ser enviada, pois seria insultada pelos chineses e contribuiria para o reforço da opressão dos Qing sobre a cidade de Macau. Antes da decisão final de D. José I, o bispo Santa Rosa continuou a batalhar nos bastidores da Corte portuguesa, mantendo acesa a esperança de ser recebido em audiência pessoal pelo rei, na qual faria valer os seus pontos de vista sobre a questão de Macau. Amargurado dizia-se também abandonado pelo Senado da Câmara. Em finais de 1752, após a partida da embaixada de Francisco Pacheco de Sampaio, ficou finalmente convencido da inutilidade dos seus esforços. Deu por finda a sua missão em Lisboa e disso informou o Senado da Câmara. Um ano depois, a resposta do Senado macaense foi bem expressiva; agradecia ao bispo Santa Rosa as diligências, mas criticava-o pelas suas queixas de abandono ao mesmo tempo que o informava de que os assuntos de Macau eram agora tratados directamente com o embaixador Pacheco de Sampaio. Devastado, e depois de ter renunciado ao bispado de Macau, reco-

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lheu-se ao Convento de Mafra, onde ficou até à sua morte em 1764.

Lisboa responde – O desenlace O resultado das “juntas” de Macau no Conselho Ultramarino, entre Setembro e Novembro de 1750, são um bom case-study de como Lisboa pensava a China e as relações luso-chinesas, em meados do século XVIII. Estava-se ainda à espera da formalização do pensamento político-diplomático de afirmação da soberania portuguesa em Macau, ponto forte da agenda da Coroa Portuguesa para o relacionamento com o Império Chinês. A deliberação e consequente parecer do Conselho Ultramarino foram construídos com base num conjunto alargado de pontos de vista e de documentos, de que fazia parte o ponto de vista oficial dos Qing, através do memorando do Governador Shise e (da tradução portuguesa) do código de 1749. O parecer final, assinado pelo Presidente do Conselho Ultramarino, D. Estevão de Meneses, Marquês de Penalva, foi largamente suportado pela argumentação do conselheiro que melhor conhecia a China e os chineses: Alexandre de Metello de Sousa e Meneses, ex-embaixador de Portugal ao Imperador Yongzheng em 1726. O Conselho Ultramarino começava por reconhecer a gravidade da situação de Macau e o aparente vontade do imperador chinês em pôr um ponto final no “domínio” português sobre a cidade. De seguida, criticava acidamente a actuação do governador Teles de Meneses, que desafiara insensatamente os chineses, e a conduta do Senado da Câmara, que se sujeitava totalmente ao arbítrio dos mandarins de Cantão. Lançava também críticas ao bispo Santa Rosa por ter desertado Macau num momento

difícil da vida da cidade e ter vindo a Lisboa. Com grande lucidez, o Conselho Ultramarino confirmava não haver provas documentais da legítima soberania portuguesa sobre Macau, afirmando expressamente: “não há documento algum do Imperador da China com que se possa alegar que de justiça devem os Portugueses ser conservados nella (Macau), antes em todas as dúvidas que se movem sobre a execução das ordens dos Ministros da China se lhes convinham logo à pena de despejarem a terra e o mesmo se pratica nos papéis juntos [o memorando do Governador-Geral Shise]”. Todavia, era convicção dos conselheiros que as autoridades chinesas tudo fariam no futuro, apesar do reforço do controlo burocrático e militar sobre a cidade, para nela conservar os portugueses e não para os “extinguir”. Paradoxalmente, nota-se até no parecer um tom levemente elogioso às autoridades Qing pelo seu esforço de melhor controlar politicamente os macaenses. O Conselho Ultramarino continuava, aconselhando a D. José I um pacote de medidas concretas quanto ao governo de Macau: • O Conselho Ultramarino concordava com o parecer de Alexandre de Metelo, defendendo que o novo governador deveria ter o estatuto de Governador e Capitão-geral; • Envio para Macau de um governador prudente com instruções muito claras quanto à sua actuação e um ouvidor de competência técnica reconhecida; • Escolha do novo governador com um perfil político que garantisse o bom trato com o


Choque ou entendimento entre Impérios?

O bispo Frei Hilário de Santa Rosa (Galeria de Retratos do Paço Episcopal de Macau).

Governador-Geral do Guandong /Guangxi; • Necessidade de respeito por parte do novo governador dos artigos essenciais do código Qing de 1749, embora negociando com as autoridades provinciais chinesas a melhoria do seu articulado, sempre com tacto e prudência política; • Secundarização da questão religiosa nos contactos com as autoridades chinesas e prioridade aos assuntos do comércio, eventualmente com a criação de uma companha de comércio, como haviam

feito outras nações europeias para o comércio marítimo com a Ásia e particularmente com a China; • Reforço da guarnição militar da cidade. As principais ideias do Conselho Ultramarino, bem articuladas do ponto de vista político e diplomático e, insistimos, fundamentadas com o conhecimento tão actualizado quanto possível dos acontecimentos e das prioridades conjunturais em Macau e no relacionamento entre Portugal e a China, acabaram por determinar o envio de uma embaixada a Pequim,

ao imperador Qianlong. Lisboa, ao contrário do que várias vezes aconteceu noutros momentos do relacionamento luso-chinês, respondeu aos imperativos/exigência dos acontecimentos. Fê-lo com prontidão, mas sem precipitações. Preparou bem a missão de Francisco Pacheco de Sampaio, também por isso, coroada de êxito do ponto de vista diplomacia oficial portuguesa e da troca de cortesias entre os dois impérios. A via de diplomacia triunfava sobre o conflito. Afinal, essa via alternativa também estava contemplada no pensamento estratégico do bispo Santa Rosa. Mas não como a primeira opção.

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“Para benefício de muitos dos filhos d’esta terra”: os manuais de ensino de Chinês de Pedro Nolasco de Silva

Rui Simões Professor-adjunto ESCS-IPL Membro do IELT-FCSH.UNL

Na diversidade de estatutos do universo colonial português, Macau manteve, face à China, um statu quo singular. O aparente controlo da administração portuguesa sobre o território tem vindo a ser repensado no quadro de um entendimento com abundantes focos de tensão1. A população local de matriz portuguesa e luso-descendente situa-se social, económica e culturalmente, na charneira deste encontro. As alterações económicas decorrentes das Guerras do Ópio e dos Tratados que se lhe seguiram dão lugar a uma intensa emigração da população macaense para Hong Kong e Shanghai (Dias 2011), afectando a economia, a organização social e, também, o sistema de ensino (Barata 1999, Simões 2004). Ao examinar a escolarização emergente no último quartel do século XIX, dirigida à comunidade portuguesa local, percebe-se o valor particular atribuído às línguas portuguesa, inglesa e chinesa, que associa as competências linguísticas à identificação das comunidades. O presente texto, assente na análise de alguns manuais de ensino da língua chinesa, produzidos ou adap-

tados localmente na viragem dos séculos XIX-XX e dirigidos sobretudo a macaenses, procura apresentar as representações culturais veiculadas como modelos classificatórios, fundamentais para a demarcação de uma distância cultural entre as culturas chinesa e europeia.

prolonga, até ao início do século XIX, a prevalência da sua gestão pelo Senado, situação de que Ferreira do Amaral se demarca de forma conflitual, localmente e com a China. O desconforto com os actos do Governador é referido pelas autoridades chinesas como uma quebra da concessão imperial do Imperador Daoguang, em 18442.

I A presença portuguesa em Macau não é cabalmente reconhecida até ao século XIX, encontrando-se pautada em corpos de regras que regem o comportamento dos portugueses, numa expressão de tolerância por parte do império chinês. No início do século XIX, num quadro de interesse comum, produz-se a fixação em texto desta fórmula de presença tolerada, mas o esforço para a concretização de uma figura de soberania só emerge nos Tratados de 1887 e 1928 ou, arquitectando o retorno do Território à China na figura da RAEM, com a declaração conjunta de 1987.

Portugal empreendeu, assim, múltiplas diligências, ao longo do século XIX, para obter o reconhecimento da soberania portuguesa sobre Macau, procurando sem sucesso uma demarcação definitiva de limites. Para os interesses locais, a questão assentava, sobretudo, na tentativa de encontrar um equilíbrio entre as condições proporcionadas pela China às potências estrangeiras com o Tratado de Nanquim, em 1842, nomeadamente pela abertura dos Portos e pela cedência de Hong Kong à Inglaterra. Forçoso foi reconhecer a ausência de mecanismos de pressão disponíveis aos Portugueses, remetendo o Território para um estatuto periférico no quadro regional.

Neste contexto de compromisso, a vida económica e social de Macau

A tradição de duas diplomacias, por vezes paralelas, entre Lisboa e

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Cf. Fok (1996), Alves (1999) e Saldanha (2010). Cf. Saldanha (2006), pp. 127-136.

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Pequim, tendencialmente pautada entre Estados, e a gestão de proximidade entre Macau e Cantão (Alves 1999)3 perde a sua importância com a erosão do papel do Senado, o reforço das funções governativas e, sobretudo, com a satelização face a Hong Kong. Os interesses locais ganham novas preocupações e causas, a comunidade portuguesa de ascendência local, luso-asiática, tem que lidar com processos de recomposição socioprofissional, com novas implicações de escolarização e preparação para um mercado de trabalho exterior ao Território. A comunidade macaense é narrada, amiúde, pela sua distância face às restantes comunidades. À identificação inicial como portugueses e por oposição tácita à sociedade chinesa, acresce uma diferenciação face aos próprios metropolitanos ou europeus. Esse estatuto, complexo, transversalmente sustentado pela afinidade religiosa, católica, articulou-se também com as diferentes colocações sociais: no século XIX, a sociedade chinesa segmentava-se entre um conjunto reduzido de pessoas com maior prestígio e pujança económica e um número alargado de indivíduos com fraco poder económico, de resto alimentado pelos fluxos migratórios. A pequena comunidade metropolitana ocupava os lugares mais relevantes da administração ou funções militares e, pontualmente, algumas posições na iniciativa privada. A comunidade macaense ocupava as posições intermédias nos serviços públicos e nas companhias portuguesas ou estrangeiras do Território, estabelecendo num número significativo de casos a sua própria actividade empresarial.

O século XIX vê crescer uma escolarização de matriz portuguesa, essencialmente religiosa, masculina e feminina, essencialmente dirigida à população portuguesa, raramente endereçada a chineses. O próprio processo de laicização educativa recorre, com frequência, à colaboração de eclesiásticos, sobretudo regulares, mesmo diante de uma progressiva definição de interesses no objecto educativo: a educação religiosa essencialmente voltada à missionação, reconhecendo-se geograficamente na Diocese (e nas suas sucessivas configurações); a educação metropolitana, que articulava projectos precários, de funcionários em transição, com os de uma pequena elite local que podia enviar os filhos para estudar em Goa ou mesmo em Lisboa e, por último, cada vez mais convictos do seu desígnio, aqueles que percebiam como única alternativa ao desemprego local a migração para os Portos do Tratado, em especial Hong Kong e Shanghai. As consequências deste processo, desencadeado com a abertura do Porto de Hong Kong e apenas adiado com alguns recursos económicos do trato local, como o tráfico de coolies, impõem em especial à comunidade macaense a necessidade de se repensar e de construir as condições para a sua deslocação. Como ficou dito, a escolarização associa ao aumento da sua abrangência, em ciclo lento, a necessidade emergente de preparar emigrantes, de se constituir como uma projecto educativo de exportação. Os edifícios e os professores, os alunos e os funcionários, os curricula, as pedagogias e as didácticas, as competências linguísticas e os saberes,

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Cf. Alves (1999), pp. 15-48: “Natureza do Primeiro Ciclo de Diplomacia Luso-Chinesa”.

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disciplinares ou profissionalizantes, são escrutinados pela opinião pública, em especial no último quartel do século XIX. Localmente ou por importação, o sistema de ensino abastece-se de manuais, testemunhos críticos dos corpos de saberes procurados. Do corpo de manuais de edição local, procuraremos dar conta de um número limitado dos que são concebidos ou adaptados ao ensino da língua chinesa para os jovens da comunidade macaense, nomeadamente os que foram editados por Pedro Nolasco da Silva, do último quartel do século XIX até à instauração do regime republicano.

II Dos 146 títulos publicados em Macau entre 1823 e 1910 (Mesquita 2000: 609), aproximadamente oito dezenas correspondem a manuais escolares ou obras cujo carácter técnico – cursos, dicionários, gramáticas e glossários – os pode afectar à escolarização no Território. A despeito da pequena escala a que respeita esta actividade editorial, parece ser relevante a preocupação, por um longo período, em servir o sistema de ensino ou, pelo menos, as estratégias de aprendizagem aparentemente autónoma propostas em alguns volumes. Não é absolutamente evidente a inclusão de todos estes volumes na categoria de manuais escolares. São, certamente, documentos estrategicamente pensados como materiais de formação, embora apenas algumas destas obras indicassem, no frontispício ou no prefácio, que tinham por destinatários os alunos do Seminário ou da Escola Central. Por outro lado, os materiais didácti-


“Para benefício de muitos dos filhos d’esta terra”

cos editados no território não esgotam, é importante dizer, os que aí foram utilizados; algumas obras obtêm-se por importação de Portugal, outras porque, embora dirigidas a um público português ou em estabelecimentos de ensino de matriz portuguesa, são editadas em língua veicular inglesa. A deslocação de parte da actividade tipográfica para Hong Kong, por seu turno, dá lugar a algumas edições aí impressas, em língua portuguesa ou inglesa, mas claramente destinadas a Macau. O Território mantém, até 1820, uma fraca actividade editorial, fruto tanto do limitado equipamento tipográfico existente como do peso da censura, praticada em Portugal e extensiva a Macau, limitação que se alivia em 1822 com o regime constitucional. Em 1823, a edição local inicia a actividade, com moderado fulgor, dando lugar, para além dos manuais escolares, a monografias sobre aspectos do contencioso local, obras de carácter religioso e moral, compilações e repositórios de legislação, mas mantendo uma fraca actividade

no domínio da ficção, da poesia e do teatro, porventura mais presente nas secções da imprensa periódica e acessível na oferta livreira ou em alguns esforços de constituição de bibliotecas. Há, contudo, uma tolerância à actividade editorial da East India Company. Do inventário de obras orientadas para a educação compiladas entre 1816 e 1912 emergem os manuais e dicionários (editam-se em menor número as gramáticas da língua chinesa, em inglês, dado que o seu conteúdo está mais frequentemente incluído no texto de alguns Dicionários ou, sobretudo, contidas nos Manuais ou Cursos de Mandarim e/ou Cantonense) dedicados à aprendizagem da língua chinesa; referimo-nos em especial às edições da East India Company (Morrison 1815-23, 1816, 1928; complementar ao ensino da língua, 18174; de Davis, porventura 1823 e 19345 – evidenciando a sintaxe no exercício de tradução de clássicos), marcadamente centrados na formação; decorrente da actividade editorial anglo-saxónica insta-

lada em Macau, algumas obras são também publicadas (Williams 1842, 1844 e Bridgman 1841, este último edição do próprio Williams6) e algumas edições, ainda, sem editor local evidente (Callery 1841, 18457). Algumas das obras de Morrison sobre a língua chinesa, com o apoio da East India Company, são explicitamente orientadas para o uso do Anglo-Chinese College, sediado em Malaca desde 1818 e desactivado em 18438. Não sendo evidente a utilização destas obras fora do contexto da actividade missionária da London Missionary Society ou da própria East India Company, é reportada a existência de exemplares no Território. Coisa diferente se passará com as obras do Pe. Gonçalves: após a edição de uma Grammatica Latina dirigida a alunos chineses, em 1828 (segunda edição em 1900), publica, no ano seguinte, a Arte China, em 1829, impressas no Seminário de S. José que obtivera, por empréstimo, o equipamento tipográfico do Governo9. Do Pe. Gonçalves serão editados10, sucessivamente, em 1831 e

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De Robert Morrison, refiram-se as obras editadas em Macau pela East Company Press com o propósito do ensino da língua chinesa, registam-se: (1815-23). A Dictionary of the Chinese language, in Three parts (6 vols.); (1816). Dialogues and detached sentences in the Chinese language: with a free and verbal translation in English: Collected from various sources: Designed as an initiatory work for the students of Chinese; (1817). A view of China for philological purposes, containing a sketch of Chinese chronology, geography, government, religion & customs; (1928). Vocabulary of the Canton Dialect; o autor publicou tabém obras em Serampore, Malaca e Londres e, em Macau, obras com orientação apologética ou orientadas para a actividade comercial. As duas obras de John Francis Davis editadas em Macau apresentam um carácter pedagógico distinto: em 1823, o Hien Wun Shoo: Chinese moral maxims, with a free and verbal translation; affording examples of the grammatical structure of the language, redigido em 1818, situa-se entre o estudo académico e o material pedagógico, explicitando que tem por objecto “o apoio aos estudantes da língua [Chinesa]”; em 1824, em A Commercial vocabulary containing Chinese words and phrases peculiar to Canton and Macao, and to the trade of those places; together with the titles and adress of all the Officers of Government, Hong Merchants &c &c alphabetically arranged and intended as an aid to correspondence and conversation in the native language, deparamo-nos como um manual para uma aprendizagem “em processo”. Cf. Bridgman, E. C. (1841). A chinese chrestomaty in the Canton dialect. Macao: S. Wells Williams, Williams, S. Wells (1842). Easy lessons in chinese: or progressive exercices to facilitate the use of that language, especially adapted to the Canton dialect e (1844). Ying Hwá Fu Lih Kiái. An English and Chinese vocabulary, in the Court dialect, estes em Macau, sob a chancela do C(hinese) Rep(ository). Callery, J. M. (1841). Systema phoneticum scripture sinicae. Macau: s.n., e (1845). Dictionnaire Encyclopedique de la Langue Chinoise. Tome Premier. Macao: Chez l’Auteur. Paris: B. Duprat. Cf. Harrison (1979), pp 132-135. Cf. Mesquita (2000), p. 544. As obras editadas em Macau, no Colégio de S. José: (1828). Grammatica latina ad usum sinensium juvencium; (1829). Arte China constante do Alphabeto e grammatica comprehendendo modelos de diferentes composiçoens; (1831). Diccionario portuguez-china ao estilo vulgar mandarim e classico geral; (1833). Diccionario china-portuguez ao estilo vulgar mandarim e classico geral; (1836). Vocabularium Latino-Sinicum pronuntiatione mandarina latinis literis expressa; (1839). Lexicon Manuale Latino-Sinicum continens omnia vocabula latina utilia, et primitiva, etiam scripturae sacrae e o (1841). Lexicon Magnum Latino-Sinicum estendes etymologiam, prosodiam, et constructionem vocabulorum.

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1833, os Diccionários PortuguezChina e China-Portuguez, em 1836 o Vocabularium Latino-Sinicum (reeditado em Pequim em 1879 e em Macau, de novo, em 1889) e, em 1939, o Lexicon Manuale Latino-Sinicum11. De novo em 1841, é publicado o Lexicon Magnum Latino-Sinicum, ano em que faleceu o seu autor12. Estes volumes, com edições recorrentes em 1863, em Hokien 13 , e em 1889 e 1891 (com aditamentos), em Macau, representam um esforço consistente, maioritariamente dirigido à formação de jovens eclesiásticos e inserido na estratégia de missionação do Padroado na China. Duas outras obras didácticas de sinólogos, editadas em Macau neste período, devem merecer atenção, embora não sejam aqui abordadas: O primeiro livro para o estudo da Língua Sinica, de Carlos Assumpção (1893) e o San Tok Pun: Novo methodo de leitura, de J. Vicente Jorge (1907-1908)14. A figura e a obra de Pedro Nolasco da Silva foram já amplamente biografadas e cotejadas (Teixeira 1942 e 1942a, Silva 1995, Aresta 1996 e 1996a; Forjaz 1996, Paiva 2008, entre outros), tanto pelo seu papel de pedagogo e sinólogo como de jornalista e político, papéis que articula de forma consistente. Nasce em 6 de Maio de 1842, estuda no

Seminário de S. José, vindo a obter colocação, em 1862, como aluno-intérprete na Procuratura dos Negócios Sínicos15, que mais tarde virá a chefiar16. Professor de Mandarim e Cantonense no Seminário, a par com a actividade de sinólogo, é um dos fundadores da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, em 1871, e o primeiro director da Escola Comercial, em 1878. Redactor do Hong Kong Daily Press e editor do Echo do Povo (Hong Kong), é também redactor principal de O Macaense e do Echo Macaense, onde trata amplamente as problemáticas da migração e da empregabilidade dos seus conterrâneos. Virá a ser, ainda, Provedor da Santa Casa da Misericórdia; tendo sido um dos fundadores do Asilo de Órfãos e membro da Associação de Proprietários do Teatro D. Pedro V, Presidente do Leal Senado e Vogal do Conselho do Governo (1899). Em 1887 acompanha a missão de Sousa Rosa a Pequim, como intérprete. Vem a falecer em Macau a 12 de Outubro de 1912. O esforço de Pedro Nolasco da Silva insere-se na compreensão, pela elite da comunidade macaense – e não da totalidade da comunidade portuguesa, supondo-se os portugueses metropolitanos, em menor número, salvaguardados do desemprego – da necessidade de garantir condições de

concorrência face aos chineses; não os de Macau, mas os de Hong Kong e também Shanghai, sobretudo, com os quais entrariam em directa competição para prover empregos locais no último quartel do Século XIX. Duas razões contribuem para este processo: em primeiro lugar, os requisitos de literacia locais são reconfigurados com a migração estrutural para Hong Kong e Shanghai17, mormente nas competências linguísticas em Inglês e Chinês e nos desempenhos técnicos em contabilidade, tornados necessários tanto na burocratização das tarefas administrativas como no desenvolvimento de uma florescente actividade financeira, nomeadamente bancária. Em segundo lugar, os requisitos dados como bastantes pelo domínio na oralidade na língua chinesa vêem-se ultrapassados pela competição de candidatos chineses aos cargos públicos. Trata-se de uma consequência colateral à implementação das grant-in-aid, como sistema de incentivos, em 1874, que acompanha a viragem estratégica do colonialismo inglês face às línguas veiculares, já alterada na Índia por Macaulay, relegando as línguas locais para segundo plano, perspectiva seguida por grande parte dos orientalistas, e veiculando a educação – e o acesso ao funcionalismo – em língua inglesa18. O sistema associa o

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Segundo Gomes (1987), p. 58, vendo-se interrompida a impressão do projectado segundo volume, o Lexicon Manuale Sinico-Latinum. Sobre o Pe. Gonçalves cf. A. Aresta (2000), pp. 677-683 & M. Paiva (2008), pp. 97-98. Substancialmente aditado: (1863). Lexicon Manuale Latino-Sinicum Auctore Joachimo Alph. Gonsalves Macai anno 1839 primo in lucem editum nunc iterum typis mandatum. Addite duplici supplemento unum de nominibus propriis, alterum de astronomiae geographiae et physices vocabulis. Hokien: s.n. Carlos Augusto Rocha Assumpção (1893). O primeiro livro para o estudo da língua sinica. Macau: Leal Senado da Câmara e José Vicente Jorge (1907-1908). San Tok Pun. Novo methodo de leitura. Traduzido e anotado por José Vicente Jorge (2 vols.). Macau: Typographia Mercantil de N. T. Fernandes e Filhos. Pela Portaria nº 8 de 1862.03.15; cf. Teixeira (1942), p. 287. Em rigor, chefiará a Repartição de Expediente Sínico, que sucede à Procuratura e é criada a 2 de Novembro de 1885. Teixeira, op cit, p. 292 Cf. Simões (1997) e Dias (2011). Cf. Sinha (1994), Ghosh (1995). Contra ventos e marés, a perspectiva vingou e tornou-se doutrina no império britânico. Se na Índia Britânica a medida concorreu para uma hinduízação dos serviços públicos, em Hong Kong a relação entre a instrução e o provimento do funcionalismo desencadeou uma progressiva contratação de chineses.

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“Para benefício de muitos dos filhos d’esta terra”

princípio de uma escolarização privada, competindo à boa governação estabelecer os seus parâmetros – organização por níveis, qualificação de professores, programas mínimos consensuais e a proficiência na língua inglesa19 – daí determinando a natureza dos subsídios de que as escolas se virão a tornar cada vez mais dependentes, tanto pelos montantes auferidos como pelo prestígio que se lhes associa. As promessas de colocação animam, na comunidade chinesa, a procura da aprendizagem da língua inglesa, sobretudo nos colégios orientados por missionários, atribuindo-lhe um “valor em espécie”, segundo K. C. Fok (1990: 17). Excluindo inicialmente as escolas católicas, onde comparece a maior parte dos alunos portugueses, o sistema é revisto, incluindo-as, com a chegada do Governador John Pope Hennessy, um católico irlandês, em 1880. O crescente protagonismo da população chinesa na esfera económica, o seu associativismo e papel de mediação com os interesses britânicos e europeus no continente impõem, neste período, outro nível de representatividade e é também com este governador que, em 1880, Ng Choy, membro de uma reputada família local, se torna o primeiro membro chinês do Legislative Council. Se a abrangência das escolas católicas pelas subvenções se tornam uma boa notícia para a comunidade portuguesa, a decisão de integrar os serviços pú-

blicos – e, por arrastamento, parte do staff de companhias privadas – com chineses bilingues, torna-se efectivamente mais preocupante. No mesmo ano de 1880, no decurso das comemorações do Tricentenário de Camões, em Hong Kong, os discursos portugueses – com a presença do Governador – manifestam a preocupação da comunidade (não terá sido a única) face à emergência de uma classe média chinesa20. A imprensa, em Macau, passará os anos que se seguem a retomar o tema, destacando a subalternização: “os filhos de Macau ou definham na pátria, ou, expatriados, em Hong Kong e nos portos abertos ao commercio extrangeiro do imperio, só se empregam, geralmente fallando, em posições subalternas nos escriptórios mercantis inglezes, americanos e allemães”21; enfatiza a necessidade de competências linguísticas: “pois que, como diz o Extremo-oriente, se é dever de descendentes dos portuguezes aprenderem a língua patria, não menos de necessidade é adquirirem-se também os conhecimentos que abrem as portas do porvir e ponham o homem ao alcance de entrar corajosamente nas luctas da existência.”22 Recapitularão, também, as condições estruturais de comércio no Território: “Com quanto não ignoremos que Macau, por maiores e mais completos melhoramentos que se

façam no seu porto, jamais poderá vir a ser novamente um grande emporio commercial, porque a colónia vizinha de Hong Kong, com o seu bello porto, com as suas grandes facillidades financeiras, e muitos outros recursos, nos inhibe de conceber semelhante esperança”23; ou, na transposição da voz corrente, “conta a tradição local que, quando Hong Kong foi cedida aos inglezes, os negociantes d’essa nacionalidade que aqui residiam e exerciam o commercio, ao mudarem a sua residencia e a base das suas operações commerciais para a nova colónia, vaticinaram que dentro de poucos annos, a ruina e a desolação assentariam os seus arraiais sobre esta cidade, que viria a servir unicamente para os pescadores chinas enxugarem n’ella as suas redes e viverem nos tristes pardieiros em que se converteriam as suas casas, mesmo as da Praia Grande.”24 O mesmo desânimo se associa ao desencanto dos presumíveis privilégios dos metropolitanos: “Desde uma épocha não muito remota implantou-se em Macau o anti-político systema de prover as vacaturas dos empregos publicos em indivíduos que do reino vinham disputar aos macaenses os lugares que ficavam vagos pela morte, ou reforma, dos antigos empregados. N’essa lucta os vencedores eram quasi sempre aquelles, não porque tivessem para esses lugares mais habilitações do que os macaenses (...)”25

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Através dos Cambridge Local Examinations, adoptados em 1886 e substituídos, em 1889, pelos Oxford Local Examinations, cf. Simões 1997: 151-152; Sweeting (1990), pp. 212-213. Mais adiante, refere o autor, p. 331 “besides providing an impartial test of the educatiional work done in the Colony, unmarred by local bias on either side, they have been of Great service to Hong Kong boys in procuring for them admission to English and American schools and universities, and in obtaining exemption from Professional preliminary examinations.” Cf. Memória dos Festejos celebrados em Hong Kong (1880) e Fok (1990), p. 17. In O Macaense (1882.04.01), 1 (3), p. 14. In O Progresso (1888.10.13), 1 (2), p. 2. In O Macaense (1889.07.27), 2.1 (1), p. 1 In Echo Macaense, (1893.07.25), 1 (2), p. 1. In Echo Macaense, (1893.11.28), 1 (20), p. 2.

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A preocupação com a educação dos macaenses persiste no ideário da elite dos filhos da terra, já no século XX; A 13 de Abril de 1912 o Secretário Geral do Governo de Macau solicita a Pedro Nolasco da Silva, como Presidente da Associação Promotora da Instrucção dos Macaenses; quatro dias depois26, a resposta, acessível num documento impresso e posto a circular entre os sócios, estrutura as respostas à volta de 9 quesitos, retomando nos primeiros a problemática do ensino das línguas. Neste diálogo simulado, o autor enuncia, no 1.º quesito, a sua visão sobre a educação para os macaenses: considera dever substituir-se o Liceu por uma Escola Comercial, sublinhando a dificuldade dos alunos macaenses em prosseguir estudos em Portugal; dá, no 2.º quesito, como urgentíssima a necessidade de uma reforma do ensino, para que “os portuguezes oriundos de Macau acompanhem o movimento ascendente de instrução e de illustração, que se apoderou dos chinas e que os leva a estabelecer innumeras escolas modernas por toda a parte” e acrescenta: “é por isso necessário que os macaenses, alem de huma instrucção technico-commercial, tenham também uma instrucção geral (...) para não ficarem num plano intellectual inferior ao dos chinas”, recordando que, com a escassez de meios e a retirada dos jesuítas, a cadeira de inglês do Seminários estava a ser leccionada por um Jesuíta chinês. No 3.º quesito, refere a aprendizagem da língua portuguesa “porque a sua nacionalidade lhe impõe esse dever” e por “conveniência ideológica (...) para adquirir ideias e

aprender a coordenal-as logicamente e a exprimil-as com correcção”, sublinhando que “deve constituir a característica que distinga os Portuguezes oriundos de Macau das outras raças do Extremo Oriente”; o Inglês por ser “imprescindível no commercio do extremooriente, pois que todas as casas commerciais extrangeiras teem os seus livros e correspondência escritos em inglez” mas também por ser “usada mesmo nas escolas chinezas para o ensino das sciencias” e, sobre o chinês, afirma de forma lapidar que “para os macaenses, que nascem na China, vivem na China, e teem de estar em contacto constante com os chinas, é intuitiva a utilidade d’esta língua.” No 4.º Quesito sugere a inclusão do inglês no ensino primário, obrigatório, e no 6.º quesito, reitera a proposta de extensão do ensino à população chinesa, compreendendo as mesmas três línguas.

III Embora seja frequentemente apresentado como autor, Pedro Nolasco da Silva é, sobretudo, compilador, tradutor e editor de materiais pedagógicos. Em nada isso o remete para uma postura de plágio, refira-se, dado que indica, com frequência, as fontes e as obras sobre as quais trabalha. O seu propósito, como ficou vincado anteriormente, é o da construção, pedagógica e didáctica, do conhecimento da língua chinesa escrita junto dos macaenses mais jovens, procurando amiúde comprometer-se com as etapas e tempos de ensino que o sistema de escolarização em vigor impõe.

Na sua adaptação e tradução das primeiras cem lições de O círculo de conhecimentos, em 1884, (retomando a obra homónima de Charles Baker, editado em Macau em 1879), desenha na introdução a sua estratégia didáctica: “é nossa opinião que os meninos macaenses, logo que tenham cursado o grau elementar de instrucção primária, devem começar a estudar a língua sinica sem contudo prejudicar os outros estudos, pelo que bastará que em cada semana tenham eles três ou quatro lições de uma hora cada, para decorar as letras e as phrases mais usuaes. Continuando regularmente com este trabalho por três annos, isto é, durante o curso do grau complementar da instrucção primária, adquirirão os meninos um conhecimento elementar da língua chinesa.” E adianta aos professores: “a traducção literal que acompanha o texto presta-se a auxilial-os a ensinar a gramática chinesa praticamente”27; o trabalho inclui lições sobre o quotidiano, o vestuário e a alimentação, ou sobre ciências naturais. Na prossecução da construção de materiais didácticos e tendo presente os encargos na aquisição de material para o estudo do chinês, PNS edita uma segunda obra, Fábulas (1884a), onde traduz excertos da obra de Stanislas Julien (1869). Na “Razão d’esta obra”, diz Pedro Nolasco, após ter testado a sua aplicação junto dos alunos da recém-criada Escola Comercial, que “encontram os jovens macaenses, que querem estudar a lingua sinica, um grande estorvo na falta de compêndios elementares, apropriados e baratos “ textos sucintos que acom-

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In Pedro Nolasco Silva (1912.04.17). Carta aberta ao Secretário Geral do Governo de Macau, subscrita por Pedro Nolasco da Silva, sobre a necessidade de um ensino que prepare os alunos para trabalhar em Hong Kong. Administração Civil, Cx. 589, P. 98, Arquivo Histórico de Macau. Cf. Silva (1884a). P. 1, Prefácio.

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“Para benefício de muitos dos filhos d’esta terra”

panha com a tradução “de modo que os alumnos pudessem estudar a significação dos characteres sinicos, quer seja quando estão isolados, ou quando estão unidos em phrases, sem terem de recorrer a diccionario, poupando-se-lhes assim o tempo e o trabalho, bem como as despesas para a acquisição de um diccionario china-portuguez ou china-inglez, que é caríssimo, e excede quasi sempre as posses dos alumnos.”28 A montante dos propósitos indicados, Pedro Nolasco da Silva revela uma interessante cultura sinológica e orientalista, recorrendo tanto aos sinólogos de Macau, com destaque para o Pe Gonçalves, como, mais tarde, a orientalistas francófonos e anglófonos – como Mesniéres, Wiesner ou Eitel – para construir os seus textos de didáctica da língua chinesa, muito embora aliviando-a do lastro de erudição em que se inscreve. A despeito de se mobilizar, nas Fábulas, um exercício de reconstituição de textos do Sânscrito através do Chinês (na sua primeira versão, vertidas também para Francês)29, Nolasco esvazia, contudo, as fábulas seleccionadas do rigor de análise proposto por Stanislas Julien e mantém apenas a história e o vocabulário elementar.30 Trata-se de um autor, nascido em Macau, familiarizado desde a infância com a língua chinesa, que busca uma construção didáctica da divulgação desta mesma língua junto da sua comunidade recorrendo aos materiais

de um projecto académico produzido por um investigador francês que, quinze anos antes, edita uma obra sobre a interpretação da sintaxe da língua chinesa e que, através desta, ilustra a sua análise através de fábulas provenientes do sânscrito. Recorre, pois, a fontes de produção do conhecimento sobre a língua e a cultura chinesas provenientes de autores europeus; e, como veremos adiante, cooptando os elementos de distância na representação da cultura chinesa, patentes nos documentos que selecciona e transpõe. Parece, pelo acumular de instruções que transpõem os manuais, uma manifesta fórmula de ensino dirigida a aprendentes de uma língua não materna. Caberá compreender que mensagem específica se propõe nos modelos pedagógicos implícitos à construção dos manuais. Na Grammatica Pratica da Língua Chineza, editada em 1886, Pedro Nolasco recorre à Arte China do Pe. Joaquim Afonso Gonçalves de 1828; a adaptação implica, como informa o autor, alterações e aditamentos e a “a cada exemplo do estilo sublime” (recorrendo ao cap. II da Arte China: Frases vulgares e sublimes) acresce a frase em Mandarim e Cantonense. Tal como nas Fábulas, Pedro Nolasco mantém como método a exposição do significado de cada caracter, seguido da tradução do conjunto da frase – “uma de cada letra e outra da ora-

ção toda” – reiterando a tradução como forma de abordagem e inferindo-se a manutenção da didáctica de uma língua estrangeira. Outro factor importante assenta na inclusão dos dialectos de Cantão e de Pequim, em paridade, que destaca uma geografia mais ampla no seu projecto de utilização, dado que o Mandarim assume, há muito, o papel de língua franca, ainda que com maior prevalência no Norte da China. A modalidade de estruturação temática persiste em duas outras obras, configurada em glossários, de 1889, o Vocabulário e phrases dos dialectos de Cantão e Pekim para uso dos alumnos da Escola Central de Macau, com o desenvolvimento de 31 entradas principais, e de 1895, Compilação de phrases usuaes e de diálogos nos dialectos de Peking e Cantão. Para uso dos alumnos da Escola Central de Macau. Pedro Nolasco da Silva assume a tarefa de divulgar um corpus elementar, funcional, em Cantonense e Mandarim, distinguindo-as tanto na oralidade como na escrita, em especial nas construções correntes, tais como as saudações, a apresentação do nome ou em fórmulas de cortesia.

Os Rudimentos da Língua Chineza, explicitamente preparados para os alunos da Escola Central do Sexo Masculino, são publicados em 1895. No prefácio, o autor retoma a preocupação sobre o tempo dispensado pelos alunos: “os alumnos da Escola Central de Macau, durante o curso

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Cf. Silva (1884). pp. 1. Cf. Julien (1869); em (1859), Julien publicara Les Avadanas, contes et apologues indiens inconnus jusqu'à ce jour, suivis de poésies et de nouvelles chinoises (vol. 1). Paris: Benjamin Duprat, primeira versão do trabalho. Na obra de Stanislas Julien, o autor, após dissertar sobre a sintaxe da língua chinesa e de destacar o papel da sua sequência na produção do seu significado, inclui, no Supplèment aux Monographies um extenso capítulo, entre as pp. 295-412, intitulado Fables, légendes at apologues, traduits du Sanscrit en Chinois et expliqués mot à mot pour servir à l’intelligence et a la traduction du Kou-Wen ou Style Ancien; a obra é particularmente bem recebida junto de orientalistas como Max Muller (in Times, 1869) ou G. Masson (in Athenaeum, 1869), que a elogia, sintetizando: “These tales are taken from a series intitled Avadânas, or parables, translated from the Sanskrit into Chinese between the fifth and the eight centuries of the Christian era. (...) it would be impossible perhaps to find now, in India, the greater part of the samskrit texts from which they are translated”; tratando-se de fábulas inscritas na tradição do budismo indiano, presume-se que originalmente em Pali.

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do segundo grau da instrucção primaria, podem apenas dedicar uma hora por dia ao estudo da língua sinica durante dois annos.” Pedro Nolasco da Silva descreve a organização do manual em duas partes “abrangendo a primeira as noções preliminares, as noções da grammatica e exercícios da traducção, e a segunda, um extenso vocabulário” e remetendo o desenvolvimento do trabalho para os “outros compêndios que já se acham publicados em língua portugueza”. Prossegue sublinhando a importância do recurso à memorização31. Os rudimentos compendiam, na introdução, os traços, os tons, a escrita – que o autor sublinha ser “lacónica e difficil” – seguindo-se uma proposta de romanização dos sons, assente no método Wade “adaptada à lingua portugueza”32 e dos silabários de Pequim e de Cantão, concluindo-se de uma lista de géneros, por progressão de rasgos; a partir da p. 19, expõe noções de gramática, concluída com exercícios de sintaxe sublime, no que retoma o estilo didáctico das obras anteriores. Um questionário – manifestamente indicativo para o trabalho do docente – revê todos os conteúdos desenvolvidos até aí. Antecipando a sua tradução completa da Amplificação do Santo Decreto , Pedro Nolasco da Silva selecciona quatro textos, quatro lições que irá explorar, estas sim, no mais completo padrão confucionista33: Da piedade filial, Da concórdia entre irmãos, Da concórdia entre parentes e Da economia nas despezas. Os Rudimentos continuam com a segunda parte, com um voca-

bulário de ordenamento temático, destacando os elementos do quotidiano – alimentação, casa, calendário, clima, família e parentesco – mas sendo pertinente realçar entradas mais pragmáticas, tais como a Navegação, o Comércio e as Alfândegas. Os Rudimentos são de uma concisão apreciável, exemplar para as opções pedagógicas de PNS; embora menos cotejados, reúnem o modelo já aplicado da estrutura gramatical, inspirado na obra do Pe. Gonçalves, exemplificam a es-

trutura de revisão por questionário, antecipam a tradução do Santo Decreto e estruturam o vocabulário de acordo com os temas do Kung Yü So T’an: Manual da Lingua Sinica escripta e fallada, por ele publicado em 1890 e retomado no projecto de maior pujança que porventura terá desenvolvido, o Manual de Língua Sinica. E, mais uma vez, é manifesta a sua preocupação em produzir um documento autónomo, liberto do recurso a dicionários e portanto económico para os alunos.

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Cf. Silva (1895). p. 1. Op cit, p. 2. Cf. Silva 1895), pp. 60-81, seguido da transcrição, pp. I-xxxvi. Sobre a inclusão do confucionismo na obra de Padro Nolasco da Silva, cf. Aresta 1996, pp. 873-896, em especial 855 sq.

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“Para benefício de muitos dos filhos d’esta terra”

Assinale-se que o autor se reforma, por motivos de saúde, em 16 de Novembro de 1892. São já publicados por um autor liberto de obrigações profissionais, uma figura senatorial e de maturidade para quem se multiplicam ainda, aliás, nomeações para funções públicas, associativas ou em comissões associadas à Educação. Deixando para o final o Manual de Língua Sinica , com o qual nos demoraremos um pouco mais, assinala-se ainda a tradução para português dos dois volumes do Kuok Man Kau Fo Shu, Livro para ensino da litteratura nacional . Pedro Nolasco da Silva recorre à obra de Eitel (1877), A Chinese dictionary in the Cantonese dialect, porventura à sua 2.ª edição datada de 1910-11, para estruturar, a partir dos 214 radicais, cerca de 2.533 caracteres com as respectivas abonações34. Na Bússola do Dialecto Cantonense, editada em 1911 (acrescida com a edição do texto chinês, editado em 1912) em Macau, Pedro Nolasco da Silva recorre à obra de O. F. Wiesner, Beginning Cantonese (On Kau-Chi Man), editada em 1906 em Cantão pela China Baptist Publication Society, que transpõe para a língua portuguesa. A estrutura da obra compreende a caracterização dos tons, a enumeração dos classificadores, elementos fundamentais da gramática e, nas mais de seis dezenas de lições, um vocabulário progressivamente estruturado, para combinar em diálogos.

volumes com quatro capítulos: Noções preliminares, Lições progressivas, a tradução da Amplificação do Santo decreto e as Cartas e fórmulas; a segunda parte, Língua Sinica fallada , em dois volumes e também com quatro capítulos, inclui as Phrases usuaes, os Diálogos, as Fórmulas de conversação e o Vocabulário. Assumindo no próprio frontispício de cada um dos títulos o seu papel de compilador, Pedro Nolasco da Silva expõe um plano de estudos consequente para o ensino da língua chinesa. O primeiro volume recapitula a obra já editada de Bernières (1890),

aqui retomada como primeiro volume da primeira parte. Contrariamente aos manuais de História e Geografia, Universal ou de Portugal, ou aos manuais de língua portuguesa ou inglesa, circunscritos aos seus propósitos, os manuais de língua chinesa são, também, manuais de História, Geografia e Etnografia da China, áreas que não se segmentam nos curricula. Detenhamo-nos para uma leitura mais atenta do 1.º volume. O manual desenvolve várias lições com um conspecto sobre a História da China (CXX), que desenvolve

O Manual de Língua Sinica: Escripta e Fallada , compreende e articula, efectivamente, quatro volumes, editados entre os anos de 1901 a 1903; a primeira parte é dedicada à escrita e contém dois ________________________ 34

Cf. Documentos sobre a História da China (1987.12.07), p. 18.

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até à lição CXXX, após o que situa os exames de mandarinato (lições CXXXI a CXXXV) e, de seguida, a descrição do aparelho de Estado: Governos, Pennas Legaes, Funcionários e Administração Provincial, detalhando o sistema de graus honoríficos nas Honras Especiaes e Distinções de Ordens Especiaes, Graduações, Condecorações Militares e Insígnias. Desta listagem de temas emerge a necessidade de reconhecer, entre os dignitários chineses, a sua diversidade, funções e competências específicas, mas também os seus indicadores de prestígio, de molde a garantir a adequação no contacto. Muito mais que um manual de ensino da língua, trata-se de um curso de cultura chinesa condensado e enunciado sob a forma de diálogos em pergunta e resposta. Integrado neste projecto de descrição da organização cultural e social chinesa, sucede-se um conjunto de lições que descrevem elementos do ciclo de vida: a Educação dos meninos – iniciando a fase precoce do ciclo de vida, seguida de um detalhe sobre Sellas, o Vestido e Trajos, o Casamento – da lição XCII à lição CI – , o Lucto e enterro (lições CII a CVI). O número de lições dedicado a casamentos e funerais avulta, mas talvez se compreenda ao preceder a lição CIX sobre os Adivinhos: compulsam-se nelas informações sobre o ritual e as formas de tratamento mas, também, sobre os sistemas de crenças e a sua influência no relacionamento com a população. É manifesto, no tratado, a referência elogiosa ao Confucionismo, como doutrina de ordenamento, pelo Estado, da sociedade, e o profundo desprezo

pelo Budismo, em particular pelos monges. A problemática da casa expande-se para o plano urbanístico, nomeadamente ao situar a construção em altura como um quesito do Sul da China, pela sua densidade de povoamento, daí decorrendo, sugere-se, a ausência de hábito de recurso às escadas pelos chineses provenientes do Norte. Reatando a oposição estrangeiro/chinês, com frequência situando-os como paradigmas de uma oposição moderno /antigo ou, pura e simplesmente, bom/mau. Os Portos do Tratado e as Alfandegas iniciam-se na lição CLXXVI e, na lição CLXXIX, a terminologia discorre sobre comprar e alugar, seguindo-se desenvolvimentos sobre Pharoes, pilotos, alfandegas, etc – na lição CLXXXII – expediente aduaneiro e, na lição CLXXXV, retomando-se, de forma prosaica, outro tipo de vocabulário, como na lição CLXXXVIII: árvores, flores e pássaros seguidos de frutas, répteis, moluscos, insectos , e na lição CXCIII, a Gazeta de Peking e os canaes , esta última a incidir sobre as obras nos canais do Huang He. Denuncia-se um propósito instrumental, diplomático, protocolar e de negócios, mais profundo que o do simples conhecimento vocabular: constrói-se, para os paradigmas da época, um Manual de relacionamento e de negócios com os chineses; tratando-se de uma ferramenta de comunicação com a população chinesa, são vincadas – e racionalizadas – as distinções entre estes e os europeus. Fruto da colaboração

entre o autor, Bernières, e um letrado da Inspecção das Alfândegas Chinesas, Yu-Kuan, as lições deslizam entre textos de orientação confuciana – normativa, com a correspondente delicadeza formal, revelando uma dimensão doutrinária de conformidade à ordem social, decorrente dos clássicos – e lições bem mais pragmáticas e com uma carga cultural contrastiva radicalizada. Se transitarmos para o volume sobre a Língua Sinica Fallada, um conjunto breve de lições ilustra as assimetrias focadas: na lição I, As primeiras frases, colocadas no imperativo, dizem: “Traga uma chávena de chá; Ponha o jantar; Chame o cule, Quero banhar-me; Ponha ahi”; a II inicia-se com um “Venha cá”. Ou, mais adiante: “Diga-lhe que se vá embora”; na III. Frase 22: “Chame os cules para carregar a cadeira”. Na Lição VI, “Chame a ama para o levar ao cóllo.” A partir da lição IX, começa a integrar-se o discurso sobre negócios, com apreciação de mercadorias e discussão de preços. Na Lição XII, retoma-se a catilinária ao Budismo: “6. O que fazem os bonzos? 7. Todo o dia lêem os sutras. 8. V. Acredita n’elles ou não? Ninguém acredita.” Às lições seguem-se os diálogos; a IX, retoma-se o imperativo, ao falar do vestuário. “Mande trazer uma camisa lavada”. Fora o desenvolvimento e a elaboração didáctica do trabalho, é patente – como, de resto, noutros manuais35 de língua chinesa para europeus desse período – a relação social implícita que decorre, afinal, de um contexto relacional manifestamente assimétrico.

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Como em tantos outros Manuais da época, tomemos o exemplo de Nicholas B. Dennys (1874). A Handbook of the Canton Vernacular of the Chinese language. Being a series of introductory lessons, for domestic and business purposes, London & Hong Kong: Trübner & Co; “China Mail” Office, construído no mesmo padrão de uso de imperativos e de subordinações implícitas.

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“Para benefício de muitos dos filhos d’esta terra”

Conclusão Os manuais escolares de língua chinesa editados em Macau no século XIX e no início do século XX concentram-se em três núcleos fundamentais: as edições da East India Company, desligados do propósito de formação local; o conjunto dos manuais e dicionários do Pe. Gonçalves, orientados para a formação de missionários e, por último, um conjunto de manuais com finalidades eminentemente laicas e cuja elaboração ou compilação se dirige aos jovens macaenses cuja expectativa praticamente se esgotava na emigração, sobretudo para Hong Kong e Shanghai. Pelo facto dos manuais de ensino da língua chinesa tratados serem, no contexto curricular em que se integram, a principal fonte de informação sobre o contexto em matérias tais como a História e a Geografia ou uma Etnografia (parece-nos ser a melhor forma de designar as

compilações de usos e costumes), por contraste com o que se passa com as restantes disciplinas, compreendemos que a China, os seus habitantes, a sua língua e os desempenhos que nesta se possam exercer se apropriam sob uma mesma ordem, formal, de construção de saberes e competências. No discurso destes manuais, dos seus conteúdos, propósitos e retóricas, cabe compreender as áreas de sociabilidade e competências tratadas, os níveis de efectiva literacia a que se propõem e as relações sociais que lhes estão subjacentes. Nestes termos, poderemos perguntar que sociedade nos conta a sua leitura; nesta última perspectiva, evidenciam-se três dimensões: os grupos de vocabulário e a construção de frases, excluíndo os casos de recurso aos textos chineses clássicos, manifestam uma efectiva distância entre os seus utilizadores e a sociedade e cultura chinesas, tanto no plano

confessional como na diferenciação de práticas quotidianas; está bem patente na construção das lições, uma demarcação de colocação social pela subalternização do interlocutor, sobretudo nos textos relativos ao contexto doméstico, por contraste às fórmulas de deferência projectadas para o espaço público; por último, evidencia-se uma tecnicidade orientada para o sector terciário, nomeadamente comercial. A ênfase dada à necessidade de uma sólida literacia, entre os macaenses, nas línguas portuguesa, inglesa e, em particular, chinesa, revela-nos uma elite da comunidade com uma reflexão cosmopolita e pragmática sobre as suas necessidades e muito pouco conformada com a secundarização do seu futuro papel no quadro regional. O percurso biográfico e a obra de Pedro Nolasco da Silva são disso um eloquente testemunho.

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Vista parcial – Macau – C. 1910.

Macau e os territórios lusófonos – uma colecção iconográfica única no Arquivo Histórico de Macau

João M. Loureiro

As origens de uma colecção Quando em Outubro de 1970 visitei pela primeira vez Macau, ainda estudante do terceiro ano de Direito e no âmbito de uma viagem promovida pelo Círculo de Estudos Ultramarinos, estava longe de supor que a minha ligação ao território se iria prolongar de modo permanente e tão particularmente intenso nas duas últimas décadas. O “Notícias de Macau” de 13 de Janeiro de 1971 publicou, na sequên-

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Inauguração da Feira Industrial de Macau – C. 1926.


Macau e os territórios lusófonos

Largo do Leal Senado – Macau – C. 1960.

cia dessa visita, um artigo meu denominado “Portugal no Extremo Oriente”, onde abordei a história do relacionamento multisecular luso-chinês na pequena península localizada nos mares do sul da China.

de Macau, com o mesmo gosto com que acompanhava a evolução e as perspectivas da então África portuguesa, em especial Angola, onde viria a iniciar a minha vida profissional dois anos mais tarde.

Desde então não mais deixei de me interessar e de seguir os assuntos

Recém-formado concorri em 1972 ao Ministério Público ultramarino e

fui colocado em Malanje, cidade atraente das terras férteis do planalto nordestino, e durante o período do serviço militar desempenhei, em acumulação, as mesmas funções na capital da província cafezeira do Uíge (então designada por cidade de Carmona). Aqui vivi os primeiros meses da guerra fraticida e anárquica que antecedeu a transição de Angola para a independência, com privações de toda a espécie, mas sobretudo com a incomensurável desilusão de conviver não só com mortes, desaparecimentos e êxodo, mas também com o ruir do sonho de um país livre, pacífico e multirracial.

Funeral de Lou Lim Ioc – Macau – C. 1927.

Regressado a Lisboa nos princípios de Novembro de 1975, compreendi poucos anos depois que em Portugal existia, de forma dispersa, uma valiosa e imprescindível fonte da história do nosso país e dos novos países de língua oficial portuguesa: os postais fotográficos que, desde

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os fins do século XIX, nos revelavam as imagens das cidades e das vilas, das actividades económicas, dos povos e das culturas das antigas províncias africanas e asiáticas. Nos alfarrabistas e feiras de coleccionismo de Lisboa e arredores apareciam, com bastante frequência, álbuns de postais antigos ou exemplares avulsos que testemunhavam, de forma significativa, e por vezes inédita, o passado recente de tais territórios.

Banco Nacional Ultramarino – S. Vicente, Cabo Verde – C. 1935.

Ponte cais – Sal, Cabo Verde – C. 1920.

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Comecei então a coleccionar, e com o tempo a pesquisa estendeu-se a outros mercados coleccionistas europeus, com especial destaque para uma notável “Carte Expo” que se realiza duas vezes por ano em Paris, congregando coleccionadores e comerciantes de todo o mundo.


Macau e os territórios lusófonos

Assim reuni uma vasta colecção sobre o Ultramar Português, que cedo superou em quantidade e

abrangência as existentes nas bibliotecas e arquivos portugueses e lusófonos.

Tudo começou em Macau A colecção teria permanecido encaixotada e desconhecida se não fosse Macau! Em 1995, um grande amigo dos tempos descomprometidos da juventude e então membro do governo do território, teve a iniciativa e a responsabilidade de promover a primeira exposição da minha colecção e, na sua sequência, patrocinar a edição do meu primeiro álbum “Postais Antigos de Macau”.

Monumento henriquino – Bissau, Guiné – C. 1963.

Jorge Rangel, actualmente presidente do Instituto Internacional de Macau, foi portanto o grande impulsionador do posterior desenvolvimento da colecção e da notoriedade que viria a ter.

Vista aérea – Bissau, Guiné – C. 1957.

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Não é possível visualizar integralmente os espaços, os instrumentos e as personagens da história recente de Portugal em terras tropicais de África e do Oriente, que se concretizam e potenciam a partir dos finais de oitocentos, sem recorrer às imagens dos postais fotográficos. A colecção que reuni sobre os países e territórios que formaram o antigo

Uma rua da cidade – S. Tomé, S. Tomé e Príncipe – C. 1930.

Uma roça e o seu pessoal – S. Tomé, S. Tomé e Príncipe – C. 1930.

ultramar, tem como limite temporal o ano de 1975, altura em que se completaram os processos de independência conferidos pela terceira república portuguesa. Só Macau ficou em aberto até Dezembro de 1999, data em que ocorreu a transferência da administração portuguesa para a República Popular da China. Através dos exemplares que a integram é possível rever as cidades e as povoações, os edifícios públicos e religiosos, as plantações e as roças, as actividades comerciais e os mercados, as pontes e os caminhos-de-ferro, os tipos humanos e os costumes, e ainda revisitar acontecimentos de relevo, tais como as operações militares no sul de Angola no princípio do século XX ou a viagem do Príncipe D. Luís Filipe às colónias, a proclamação da República em Cabo Verde ou Moçambique e a primeira feira industrial de Macau em 1926. Afigura-se-me portanto que a dimensão e âmbito desta colecção a posicionam como uma importante fonte das histórias contemporâneas não só de Portugal mas também dos diversos países e territórios de língua oficial portuguesa. Esta mesma conclusão tem sido corroborada por diversos historiadores que a ela acederam, directa ou indirectamente através das exposições e edições dela derivadas. Limito-me aqui a transcrever duas dessas opiniões. O Professor Francisco Bethencourt, do King’s College de Londres e então Director do Centro Cultural da Fundação Gulbenkian em Paris, considera que se trata de “... uma colecção única cuja consulta João

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Macau e os territórios lusófonos

Loureiro tem tido a generosidade de facultar aos investigadores. Na nossa opinião é impossível trabalhar sobre as antigas colónias portuguesas nos séculos XIX e XX sem utilizar este acervo de imagens”. René Pélissier, um dos maiores especialistas sobre a história da África de expressão portuguesa, designou-a de “monumento único”. “É verdadeiramente impressionante e ridiculariza as modestas – e outrora por vezes inacessíveis ao historiador estrangeiro – colecções oficiais existentes em Portugal.

Um posto militar – Baixo Cubango, Angola – C. 1912. Vista parcial – Luanda, Angola – C. 1940.

... O trabalho colossal de João Loureiro marca uma viragem capital na recolha de iconografia colonial, não só no antigo império português mas em todas as restantes colonizações. ... Os oito grandes volumes publicados por João Loureiro constituem uma colecção iconográfica que não tem concorrentes em todo o mundo, quer pelo número de páginas e de imagens apresentadas quer pela sua variedade e interesse documental”. As imagens que acompanham este breve artigo são por si bastante elucidativos de tudo quanto se referiu sobre o valor do postal como fonte incontornável da história.

Vista parcial – Luanda, Angola – C. 1965.

Tudo ficará em Macau A colecção de 10.800 postais fotográficos que reuni ao longo de duas décadas, que baseou a edição de dezassete álbuns temáticos e a realização de exposições em Macau, Goa, Lisboa, Paris e Maputo, foi recentemente adquirida pelo Arquivo Histórico de Macau. Esta instituição designou uma equipa técnica que se encontra a

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proceder à sua reorganização assente em critérios de metodologia arquivística, que tenho acompanhado e que estou seguro que facilitarão de sobremaneira a sua consulta e acesso por académicos e pesquisadores. “Macau e os territórios lusófonos” – assim se rebaptizou a colecção – constituirá com toda a certeza uma

referência imprescindível na iconografia dos PALOPS e territórios do Oriente.

pada nos primeiros tempos, depois esquecida e mais tarde alienada porventura de forma displicente.

A minha decisão de a enviar para Macau tem a ver com uma reflexão prévia que fiz sobre os seus possíveis destinos.

Queria sentir-me confortável por, com lucidez e critério, poder garantir a sua integridade e acessibilidade por quem se interessasse pelos seus conteúdos.

Não desejava de todo que, por minha morte, a colecção fosse pou-

Vista parcial – Lourenço Marques, Moçambique – C. 1910.

Ora é indubitável que a China, através de Macau, está a apostar fortemente no desenvolvimento do seu relacionamento com os países e

Vista aérea – Nampula, Moçambique – C. 1968.

Transporte em riquexó – Lourenço Marques, Moçambique – C. 1920.

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Macau e os territórios lusófonos

Caçando um crocodilo – Timor – C. 1960.

territórios lusófonos contemplados no acervo de imagens que reuni.

Palácio do Governador – Pangim, Goa – C. 1925.

Para o justificar plenamente basta recordar que em 2013 assinalou-se o décimo aniversário do estabelecimento do Forum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Oficial Portuguesa, sendo que esta plataforma de contactos não prescinde de quaisquer valências ligadas ao saber e ao conhecimento sobre as suas áreas de actuação. A RAEM ficará assim a dispor, através do seu Arquivo Histórico – actualmente integrado no prestigiado Instituto Cultural de Macau – de uma colecção iconográfica única, sem paralelo em outros arquivos congéneres. E para mim, que a iniciei e expandi, é com enorme orgulho e alegria que a vejo ficar sedeada numa instituição de excelência cuja Directora, a Dra. Lau Fong, desde o primeiro momento entendeu integralmente o seu significado e valor. Ficará assim no singular e fascinante território de Macau a colecção que criei e consolidei ao longo de duas décadas. Oxalá dela se possam aproveitar e beneficiar todos os que se interessam pelo passado e pelo futuro do mundo ímpar da lusofonia.

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Camilo Pessanha recordado em Coimbra António Manuel Couto Viana

Conferência proferida na Casa Municipal de Cultura, em Coimbra, no dia 1 de Março de 2006, em sessão organizada pela Câmara Municipal de Coimbra e pelo Instituto Internacional de Macau. Recebi de meu pai, era eu menino e moço, mas já possuído de uma certa curiosidade literária, a primeira notícia sobre Camilo Pessanha. É que meu pai nos seus tempos liceais, em Viana do Castelo fora aluno, suponho que na disciplina de Ciências Geográficas, de João Pereira Vasco, então recém-regressado de Macau, onde, por decreto de 18 de Dezembro de 1893 (segundo leio no livro Liceu de Macau, de Monsenhor Manuel Teixeira) exerceu funções docentes no liceu local como professor efectivo da 7ª cadeira. Meu pai, nas suas memórias, refere-se com entusiasmo, ao magistério admirável de Pereira Vasco, capaz, com o sortilégio das suas descrições do Oriente asiático e a saborosa evocação do seu convívio com escritores como Pessanha e Wenceslau de Moraes (ele fora igualmente amigo de Fialho de Almeida), capaz, dizia eu, de prender fortemente a atenção de um jovem auditório habitualmente irrequieto e pouco receptivo às charlas das cátedras. Ora o que o meu pai não sabia é que Pessanha dedicara ao colega e amigo uma das suas poesias, primitivamente intitulada Queda , nome que depois, o autor eliminou, e que começa: “Porque o melhor, enfim”… E que, na partida de Pereira Vasco para a Europa, os dois se fizeram fotografar juntos, acrescentando Pes-

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sanha ao retrato um pequeno poema de circunstância, autografado, escrito “na ceia da noite de despedida para uma longa separação”. Vi a fotografia e conheci o poema, mais tarde, ao folhear a colecção da revista Portucale, em que meu pai colaborara, dirigida pelo meu conterrâneo Cláudio Basto, nascido em 1886. Filólogo, etnólogo, ficcionista, acamaradara com meu pai no jornal Folha de Viana, de João da Rocha (o Frei, nefelibata e íntimo de António Nobre e o único que acompanhou o poeta do Só à duradeira morada), e fruiu da sua colaboração plástica nos primeiros livros que editou: Ironia Galante, de 1912 (cujas ilustrações tinham já o espírito vanguardista do nosso Primeiro Modernismo, em que Manuel Couto Viana militou) e Flores do Frio. Muito novo, o escritor vianês, que era médico, casado com uma médica (foi ela quem me ajudou a nascer!, dirigiu a revista Lusa, para onde Wenceslau de Moraes enviou novas crónicas do Japão. Aliás, Wenceslau tinha muitos leitores na minha terra minhota, e, até um amigo, o coronel Dias Branco, com quem se contava, sendo reunida essa correspondência em 1933, no volume Osoroshi. À pequenina Maria Engrácia, filha do Dias Branco, dedicou-lhe o escritor a segunda edição de O Culto do Chá e ofereceu-lhe um soberbo quimono que ela exibia pelos

Carnavais, com legítima vaidade. As obras de Wenceslau vendiam-se num dos estabelecimentos comerciais de meu avô que com ele mantinha relações, para a aquisição de serviços de Cantão e loiça japonesa. E recordo a impressão que causou aos meus 12 anos a leitura de O Bom-Odori em Tokushima. Mas voltemos a Pessanha e às suas relações com Pereira Vasco. Evoquemos a poesia pouco conhecida do poeta, escrita quando do abraço que separou os dois amigos e colegas. Está datada de Macau, no dia 18 de Novembro de 1900: “A boémia não morreu. Eis-nos com cabelos brancos; E; todavia, os barrancos Do seu destino e do meu, Se nos quebraram as pernas, As asas não as partiram. Em que altos sonhos deliram As nossas almas eternas. Depois de tantos baldões, Devia ter-se ido a fé: Temos tido pontapé Das mais caras ilusões. E não morre a mocidade! Após enganos, enganos… Pois só daqui a cem anos Choraremos de saudade?”


Camilo Pessanha recordado em Coimbra

Pessanha, na fotografia tirada com Pereira Vasco, têm aos pés o seu inseparável Arminho, um cãozinho felpudo que, suponho, teria na intimidade, um nome menos delicado. (E abro uns parêntesis para revelar um episódio pícaro, passado em Macau: contava o capitão Rogério Ferreira, então Governador Civil de Viana do Castelo, que tivera acção preponderante numa revolta dos chineses, no Território da Foz do Rio das Pérolas, onde quebrara a espada, e onde convivera com Pessanha; contava que o poeta, muito desleixado, nos finais da vida, quer no vestuário, que na linguagem, decerto por culpa do excesso de ópio absorvido durante

uma aula sua no liceu macaense, vira entrar pela porta dentro, o seu fiel e estimado animal. Imediatamente o expulsa, chamando-lhe … (pedindo perdão aos ouvidos mais pudicos!) Pixota, sem se dar conta de tal inconveniência. Uma aluna, porém, estranhando e desconhecendo o termo, indaga: – “Como se chama o cão, senhor doutor?” E logo Pessanha: – “Peixoto, minha senhora, Peixoto”) Fechado o parêntesis, continuemos, citando o texto escrito por Cláudio Basto ao divulgar a fotografia, demonstrando uma certa leviandade, dando, do poeta, uma imagem de “boémio”, que ele não era, deduzida pelo primeiro verso da poesia (“A boémia

não morreu”) e … pela referência à ceia da despedida, imaginada, quiçá, como orgia oriental, de estúrdia escandalosa. E retratando-o, ao fim da vida, quase cego, “guiado pelos olhos de uma criança em que se apoiava”. Tal criança era António de Castro Osório, que Ana de Castro Osório pusera à disposição do poeta, pelas ruas desconhecidas de Lisboa, como acompanhante, nunca de um cego. João de Castro Osório, filho de Ana e do poeta Paulino de Oliveira, primo de António, a quem se deve a recolha das poesias de Clepsidra, insurge-se, com razão, sobre este texto de Cláudio Basto. Mas perde razão

Desenho de Juan Soutullo.

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Crédito da imagem: livro de Beatriz Bastos da Silva, Cronologia da Hstória de Macau Século XX, Vol. 4, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, Macau, 1997, p. 76.

quando afirma que João Pereira Vasco “nada contribuiu para o salvamento de qualquer das obras do poeta, que não parece ter entendido ou sequer suposto o alto valor”. Injusto. A Pereira Vasco não escapou, decerto, o alto valor poético de Pessanha, ele, que cultivava as relações com os homens de letras superiores. E desse valor falou frequentemente aos seus alunos. Mas que mais podia fazer? Quando abandonou Macau, Pessanha tinha apenas 33 anos de idade, estava ainda vigoroso e fecundo, colaborando com alguns versos na imprensa nacional. Nada fazia prever o seu ocaso de abulismo e tragédia. Pessanha viveu, depois da despedida de 1900, mais 26 anos e, em 1920, tinha já a sua obra principal editada em volume. João Pereira Vasco, que nascera em Olhão em 2 de Novembro de 1865, durou menos tempo, pois faleceu

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em 1919, a 13 de Dezembro, em Viana do Castelo, onde havia casado com D. Maria Teresa Pereira Pimenta de Castro, irmã do 1º Conde de Castro Minas, amigo de el-rei D. Carlos I, que lhe concedera o título, e de António Nobre, com quem convivera na Suiça. Além de professor liceal, Pereira Vasco foi, em Viana, Governado Civil substituto e Juiz de Direito, substituto (aliás como Camilo Pessanha em Macau). E, ainda a propósito de Pessanha, permitam-me que neste breve apontamento, de novo traga à baila um enigma que aflorei nos meus livros Coração Arquivista e Escavações da Superfície. É o caso de duas rimas da segunda quadra do soneto “Foi um de inúteis agonias”, cuja primeira versão foi impressa na revista viseense Ar Azul. Reproduzo o soneto, tal como aparece na Clepsidra:

“Foi um dia de inúteis agonias. Dia de Sol, inundado de Sol!... Fulgiram nuas as espadas frias… Dia de sol, inundado de sol!... Foi um dia de falsas alegrias. Dália a esfolhar-se o seu mole sorriso… Voltavam os ranchos das romarias, Dália a esfolhar-se o seu mole sorriso… Dia imperecível mais que os outros dias, Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido! Difuso de teoremas, de teorias… O dia fútil mais que os outros dias! Minuete de discretas ironias… Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido! Como facilmente se repara, o segundo e quartos versos da segunda quadra não rimem com o segundo e quarto da primeira, fugindo à regra clássica do soneto (como algumas vezes Pessanha fazia). É certo, também, que na primeira versão, o mesmo se verificava, ainda que com rima diversa:


Camilo Pessanha recordado em Coimbra

Manuscrito, [#1 e #15 ].

“Foi um dia de falsas alegrias. Dália a esfolhar-se – o riso seu magoado. Voltavam os ranchos das romarias. Dália a esfolhar-se – o riso seu magoado.” Porquê a emenda de “riso seu magoado para “o seu mole sorriso”? Creio que ela tinha o propósito de melhorar formalmente o soneto, obrigando-o a submeter-se à rima completa. No entanto, tal não se verifica. Mas a solução está lá. Bastava que em vez de “o seu mole sorriso”, Pessanha tivesse optado por “o seu sorriso mole”, pois mole rimaria com o Sol da primeira quadra. (Numa poesia de Clepsidra , intitulada Roteiro da Vida , Pessanha rima Sol com cérebro mole , o que prova que tal rima não lhe desagradava). E assim não recorria à sempre artificial transposição, fazendo, correctamente, o adjectivo preceder o substantivo.

E quem me garante que o poeta não concebeu este verso como sugiro; que o erro que lhe atribuo é, apenas, uma gralha tipográfica ou engano de Pessanha ao ditar o soneto (se foi ditado de memória, como tantas vezes acontecia com outras poesias suas), ou ainda engano de quem lho escutou e reproduziu?

E eis a cocabichice sem importância de maior que quis trazer aqui, quando se celebra Camilo Pessanha nos 80 anos do seu falecimento com intervenções bem mais dignas do génio do poeta.

Curioso, bem curioso, é que, até hoje, nenhum dos muitos estudiosos do autor de Clepsidra tenha notado esta anomalia. Nem mesmo no volume da Biblioteca Breve, O simbolismo na Obra de Camilo Pessanha de Bárbara Speggiani. O dito soneto é referido aí, de facto, mas só como prova de que poeta exasperava a tendência para a iteração e “pelo aspecto vistoso dos paralelismos”. Quanto ao mais que me intriga, silêncio.

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Camilo Pessanha,

homenagens no Parlamento António Aresta Investigador

Em duas ocasiões bem distintas, uma na primeira República e a outra no Estado Novo, a memória e o legado estético de Camilo Pessanha foram lembrados e homenageados no Parlamento. Parece-me interessante revisitar esses esquecidos episódios. Na sessão parlamentar de 15 de Março de 1926, da Câmara dos Deputados, teve lugar no período antes da ordem do dia, uma sentida e singela homenagem a Camilo Pessanha, falecido em Macau no dia 1 de Março. Não era, de resto, a primeira vez que o nome de Camilo Pessanha era invocado naquela Câmara. Na exaltada sessão parlamentar do dia 4 de Junho de 1925, o deputado Rodrigo Rodrigues, ao defender-se das graves acusações que sobre si pendiam por actos assumidos enquanto governador de Macau, referia-se-lhe como o “ilustre poeta e digno representante do génio português, Camilo Pessanha”, cuja vida fora ameaçada por um “desgraçado degenerado”, entretanto deportado para “a risonha ilha da Taipa onde S. Ex.ª o Sr. Ministro das Colónias, então governador de Macau, mandou construir algumas habitações modernas para funcionários públicos”. Este assunto tem sido mantido numa conveniente obscuridade porque misturava o abuso discricionário do poder com uma hipócrita moral sexual. Nessa histórica sessão parlamentar de 15 de Março, a presidência era ocupada por Daniel José Rodrigues,

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ria passar despercebida, é tão extraordinariamente bela que me parece, quanto a mim, das melhores que se tem publicado nos últimos 50 anos em Portugal. Uma forte emoção cerca esses versos. Um friso exótico os emoldura.(…) É possível também que se esqueça Camilo Pessanha, mas se os outros o esquecerem é preciso que o não esqueçamos nós, que representamos a Nação, que acaba de perder um dos seus ilustres filhos, e que na acta da sessão de hoje – faço esta proposta em meu nome pessoal e no do Grupo Parlamentar Democrático – fique exarado um voto de profundo sentimento pela morte deste homem que deixa de luto as letras portuguesas”. Camilo Pessanha.

do Partido Republicano Português, magistrado e, curiosamente, o irmão mais velho de Rodrigo Rodrigues. O deputado Alfredo Guisado, jornalista e poeta que pertenceu ao movimento do Orpheu com Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, tomou esta posição: “Há dias noticiaram os jornais que lá para as bandas do Oriente, num pedaço de terra portuguesa, na nossa colónia de Macau, morreu um homem que foi alguém nas letras da nossa terra. Noticiaram que morreu Camilo Pessanha. A sua obra onde o mistério do Oriente passa e onde há originalidade, beleza e ternura, que por ser pequena, um volume apenas, pode-

Com um inegável sentido de oportunidade, Alfredo Guisado apresenta esta legítima incomodidade: “Aproveito a ocasião para pedir ao Sr. Ministro da Justiça que, por sua vez, comunique ao seu colega da pasta da Instrução o interesse que eu e a Câmara teremos em que as preciosidades artísticas que foram oferecidas por Camilo Pessanha ao Museu de Arte Antiga, e que se encontram encaixotadas há mais de dois anos, sejam expostas ao público; e bem assim, por intermédio ainda do Sr. Ministro da Justiça, eu peço ao Sr. Ministro das Colónias que seja arrolado o espólio do ilustre poeta, que contém preciosidades inestimáveis, e entregue só a quem de direito, para que não vá para o estrangeiro, ficando con-


Camilo Pessanha, homenagens no Parlamento

nosco para sempre”. Estas palavras pareciam proféticas visto que a doação permaneceu encaixotada durante longos anos e o espólio acabou vendido a pataco. Esta iniciativa de Alfredo Guisado colhe a simpatia e o interesse de todos os quadrantes políticos, cujos representantes fazem questão de marcar uma posição unânime de reconhecimento da figura do Poeta. António Cabral, antigo ministro dos governos monárquicos, pede a palavra para dizer que “quando se perdem figuras da nossa literatura do relevo de Camilo Pessanha, toda a Pátria deve sentir-se alanceada; e é por isso que a minoria monárquica se associa dolorosamente ao voto de sentimento que acaba de ser proposto”. Também Filomeno da Câmara, republicano conservador e antigo governador de Timor e de Angola, refere que “Camilo Pessanha tornou-se, pela sua modéstia excessiva, pouco conhecido; mas não deixou de ser um altíssimo valor nas letras e mesmo nas ciências portuguesas. É com muito sentimento, portanto, que eu presto esta derradeira homenagem ao homem eminente que foi Camilo Pessanha”. A Esquerda Democrática, pela voz do Capitão Pina de Morais afirma que “é preciso que este voto fique exarado com todo o nosso apoio, tratando-se dum homem de tanto valimento como foi Camilo Pessanha”. Alberto Dinis da Fonseca, antigo presidente da Câmara Municipal da Guarda, recorda, “conheci pessoalmente o ilustre poeta morto e soube apreciar devidamente a sua maneira de fazer versos, alguns dos quais embalaram a minha memória durante bastante tempo. Em nome da

minoria católica, associo-me, repito, com verdadeira emoção, ao voto de sentimento proposto pelo falecimento de Camilo Pessanha, fazendo votos pelo eterno descanso da sua alma”. Em nome da minoria socialista, Ramada Curto, dramaturgo e anterior ministro das finanças e do trabalho, declara que “a justiça que, neste momento, a Câmara dos Deputados faz ao poeta desconhecido e obscuro que foi Camilo Pessanha impõe-se pela grandeza que reveste e dignifica-a aos olhos do País, porque no momento em que andamos tão afastados das coisas do espírito é grato ver-se que ainda há alguém capaz de trazer à superfície da consciência nacional a lembrança dum poeta que foi doce, que foi hábil e grande, porque foi um supremo artista”, terminando com esta curiosa asserção, “há-de existir a memória do poeta obscuro de Macau através do seu livro, quando estadistas e os grandes homens da política estiverem esquecidos há muito. Através dum livro pequenino, o Orçamento Geral do Estado, ninguém se lembrará dos Ministros de agora, dos relatores dos orçamentos; e todos lerão, pelo contrário, Clepsydra, o livro magnífico de Camilo Pessanha, que não tem paralelo na poesia lírica portuguesa”. Pela maioria, do Partido Republicano Português, interveio Catanho de Meneses, Ministro da Justiça e dos Cultos, dizendo que “a sua morte provocou nesta assembleia

manifestações tão sentidas que tiveram o condão de, neste campo, ninguém mostrar discordâncias, e todos, pelo contrário, renderam o preito comovido da sua homenagem a esse grande espírito e grande inteligência que foi Camilo Pessanha”. Refira-se, ainda, que esta mesma sessão parlamentar teve de ser interrompida em virtude dos violentíssimos protestos decorrentes da acalorada discussão em torno do ordenamento jurídico das associações religiosas. Dois meses depois, no dia 28 de Maio, eclodia a Revolução Nacional iniciada em Braga, pondo fim aos dezasseis anos da primeira República, cujo 39º e último governo foi exactamente este, presidido por António Maria da Silva, que durou uns escassos 164 dias. Para trás tinham ficado também sete legislaturas parlamentares e oito Presidentes da República. É impossível não recordar a Inscrição: “Eu vi a luz em um país perdido / A minha alma é lânguida e inerme / Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! / No chão sumir-se, como faz um verme…”. Camilo Pessanha, esse entrou para as selectas literárias e para os livros escolares. Na sexta edição, de 1930, da canónica “História da Literatura Portuguesa”, de Mendes dos Remédios, ficavam os estudantes liceais a conhecer três poemas de Camilo Pessanha, cujos “versos tem a tonalidade doutros céus, mas o bom espírito, vagabundo e insatisfeito, volta sempre os olhos para a terra que lhe foi berço e onde lançara raízes desde séculos a sua família de marinheiros e soldados ilustres”. Camilo Pessanha regressará ao Parlamento, à Assembleia Nacional em Março de 1968, a propósito da evocação do centenário do seu nasci-

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mento, através da intervenção da deputada Maria Ester de Lemos. Ester de Lemos dedicou a sua tese de licenciatura ao estudo da obra poética de Pessanha, em 1952, e o seu discurso foi notável, não só pela qualidade literária mas sobretudo pelas suas ideias e propostas. No Diário das Sessões ocupa três compactas páginas e muito se estranha o silêncio da historiografia literária sobre o mesmo. Começa por lembrar que “é justo e certo que o evoquemos com grati-

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dão, mesmo nesta Câmara, cuja acção tem como sentido último o engrandecimento e a consolidação de tudo quanto constitui a substância espiritual da Pátria”. Depois, faz o balanço do estado da arte, “chegou o ano do centenário e os inéditos continuam inéditos e as variantes continuam dispersas por revistas e jornais esquecidos ou, quando muito, recolhidas em páginas de investigação de tiragem limitada, público restrito e difícil acesso. Ora a sorte da poesia de Camilo Pessanha – sem dúvida lamentável só por si – é afinal uma

fatalidade a que parecem condenados todos ou quase todos os textos fundamentais da nossa literatura”. Ester de Lemos apresenta soluções inovadoramente construtivas, desde a edição metódica dos clássicos da literatura, passando pela renovação do ensino e da investigação e, ainda, pela valorização e difusão internacional da língua portuguesa. O que teríamos ganho se todas estas sugestões tivessem sido discutidas e acolhidas a partir de 1968?


D E E M M A C A U N OS D E S CO B R I R M OS Por poemas tão navegados chegou o canto à terra mais amada. Fez-se a viagem, e pelos versos descobertos, as palavras mais secretas tornaram-se mais claras. De tão longa viagem não regressámos sós, mas com nova linguagem. Descobria-nos, mas era já uma nova poesia que a nós próprios se abria. José Valle de Figueiredo


IV Encontro de Escritores de Língua Portuguesa “O conto na obra de três escritores macaenses” Natal, Brasil - 6 a 9 de Novembro de 2013

Celina Veiga de Oliveira

Este é o ano do conto. A Academia Sueca resolveu dignificar o seu estatuto, atribuindo o Prémio Nobel da Literatura de 2013 à escritora Alice Munro, uma das maiores cultoras actuais de short stories, ou contos. Comparado com o romance, o conto é um relato breve. Italo Calvino chamou-lhe «romance breve», e essa dimensão económica da narrativa multiplica-se por outros elementos igualmente restritos. As personagens, a acção, o tempo, o espaço são categorias atingidas por uma necessária concentração, resultando, idealmente, numa narração mais intensa e produzindo um efeito de unidade. É este resultado que torna o conto um desafio. Macau, um espaço cruzado de múltiplas e variadas gentes, tradições e crenças, foi sempre alfôbre de histórias para serem contadas ou escritas. Deolinda da Conceição, Maria Pacheco Borges e Henrique de Senna Fernandes são três escritores macaenses que, através do conto, nos transportam para outras atmosferas

civilizacionais e experienciais, já muito apagadas pela tirania do tempo. No seu poema Imagens que passais pela retina/dos meus olhos, porque não vos fixais?/Que passais como a água cristalina/por uma fonte para nunca mais!.... , Camilo Pessanha, poeta simbolista que viveu em Macau entre 1894 e 1926, data da sua morte, expressa lapidarmente a fugacidade do presente e a inexorável caminhada da vida. O que une estes três escritores? Todos nasceram em Macau nos princípios do século XX (1914, 1920, 1923, respectivamente). De esmerada educação, mostraram inclinação para as letras e foram observadores atentos da realidade dual que os rodeava. Deolinda da Conceição, jornalista e professora, glorificou em CheongSam, a Cabaia, a mulher, essa, na realidade, discreta ou ignorada outra metade do céu. Escolhendo a cabaia – traje de seda aberto de lado que modela a forma do corpo, muito usado em Macau – para título do seu livro, a escritora pre-

tende valorizar a sensualidade e a elegância femininas. São jovens, na grande maioria, as suas mulheres chinesas, figurinhas de gazela assustadiça de falas brandas, de olhar tímido e sorriso indeciso1, corpo bamboleante como haste leve de flor que o vento agita brandamente2, de olhar tímido e sorriso indeciso. E tristes as histórias de que são protagonistas, como a da pobre operária Lin Fong, seduzida e abandonada por um português, do conto «O calvário de Lin Fong»:

A tarde caía suavemente sobre Ou Mun (Macau), e aquela doce claridade que antecede o aparecimento das estrelas no céu azul, a bordejar o roxo dos crepúsculos orientais, deixava na alma de Lin Fong uma sensação acentuada de sofrimento que ela não sabia definir, mas que roubava aos seus dedos a agilidade com que costumava enrolar os panchões na sua pequena roda de madeira3. Teria a deusa Kun Iam esquecido as suas preces, ela que tanto se curvara perante a sua imagem? Por que a abandonara?

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V. «O romance de Sam Lei», in Cheong-Sam, a Cabaia, p. 43, Instituto Cultural de Macau e Instituto Português do Oriente, Macau, 1995. V. «O novo ano de Cam Mui», ibid., p. 83. V. «O calvário de Lin Fong», ibid., p. 23.

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IV Encontro de Escritores de Língua Portuguesa

inchadas escondiam em parte, dando-lhes uma forma alongada e oblíqua9, pequenina, como pequenino é o seu campo de intervenção num mundo comandado pelo poder do homem. Tudo lhe é imposto: as normas, as crenças, o casamento. E haverá correspondência entre esta beleza feminina e a felicidade? Por vezes há, como aquela registada no conto «O casamento de Pak Lin».

Painel de escritores que prticiparam no IV Encontro.

Nessa tarde Lin Fong não entrou no templo. Queria preservar ainda a ténue esperança de que de Sai Iong (Portugal) voltaria o amado para o seu regaço.

mente.5 Foi ao cais para o ver partir. ‘Ele’ parecia-lhe entristecido e isso deu-lhe uma certa consolação. Já a bordo, acenou-lhe com um lenço garrido que ela lhe oferecera.6

Ao longo da marginal, lembrava-se do seu falar, estranho, a princípio, mas que ela se fora habituando a adivinhar, daqueles apertos de mão tão vigorosos que ele lhe dava, das vezes que se vira obrigada a esquivar-se aos seus abraços e aos seus beijos, coisas para ela desconhecidas até então.4 Ele prometera levála para esse país tão distante e essa promessa devia certamente significar um pedido de casamento.

Talvez aquele gesto tivesse algum significado e ele ainda voltasse, pensou.

Lin Fong, confiante, apaixonou-se. Uma noite, porém, ela teve de lhe revelar o segredo que trazia no ventre e que a ambos pertencia. E a notícia da partida acabou por chegar, repentina e iminente… Lin Fong não tivera uma lágrima sequer. O horror da situação aniquilara-a completa-

E ao anoitecer, quando os juncos regressam da sua faina de pesca, Lin Fong segue direita à marginal a ver findar-se outro dia do seu calvário solitário e a calcular a distância desse Sai Iong que se escondia no horizonte.7 O feminino é também caro a outra macaense, Maria Pacheco Borges, que, no seu pequeno livro A Chinesinha, recupera o tema. O título é doce, como doce é a mulher aqui retratada, figurinha delicada, tez branca e negros cabelos de azeviche8, com rosto de um oval perfeito, olhos pretos que pálpebras

Abandonada recém-nascida num monte de lixo, Pak Lin foi recolhida pela velha com quem vivia, no dia da flor de lótus, a flor da autocriação. E por a comparar a essa flor, símbolo da pureza, a velha dera-lhe o nome de Pak Lin, que significa Lótus Branco. A jovem chinesa estava prestes a casar com um desconhecido que a madrinha lhe arranjara. Como iria ser o seu futuro? Sujeitou-se, conformada, aos rituais das núpcias e das superstições. Escapou habilmente ao espírito da morte, chorando com tal intensidade que esse espírito, julgando ser um funeral, não lançou sobre ela terríveis malefícios. Conseguiu também fugir ao espírito da galinha dourada, o que a obrigou a suportar uma chuva de grãos de arroz destinados a atrair o ciumento animal e evitar, assim, que ele se atirasse aos seus tentadores olhos de noiva. E libertou-se por fim do espírito do tigre branco, por se haver colocado na porta do palanquim, que a trans-

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Ibid., p. 24. bid., p. 25. Ibid. Ibid., p. 26. V. «A viúva-noiva», in A Chinesinha, p. 13, Instituto Cultural de Macau e Instituto Português do Oriente, Macau, 1995. V. «O casamento de Pak Lin», ibid., p. 45.

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portava, um naco de toucinho para desviar dela a atenção da famigerada fera. A tudo se submeteu estoicamente.

dicado em Hong Kong, que ia com regularidade participar na corrida do ACP no Grande Prémio de Macau.

O noivo teve também de cumprir os ritos dos esponsais. E só mais tarde, finalmente a sós, puderam olhar-se, frente a frente, pela primeira vez.

Bradley era um dos muitos europeus que se tinham fascinado pelo Oriente e que, depois de largas deambulações, se fixara na vizinha colónia britânica. Coleccionador de garrafinhas de rapé da dinastia cheng, vinha por vezes a Macau comprar essas preciosidades trazidas clandestinamente da China.

O marido contemplou-a, maravilhado. E Pak Lin, pura e bela como a flor da autocriação, vendo-se contemplada com tanta admiração sincera, baixou os olhos e sorriu pela primeira vez, sem ter sido a isso coagida pelo código de posturas do cerimonial de casamentos chineses…10 Como acontece em Cheong-San, a Cabaia, também se associa em A Chinesinha a beleza à bondade, à obediência, ao sofrimento e ao respeito pelas velhas tradições dos antepassados. Serão estes os temas dos contos de Henrique de Senna Fernandes? Podemos dizer que a temática senniana é mais caleidoscópica. O seu primeiro livro de ‘estórias’, Nam Van – Contos de Macau, contém o conto «A-Chan, a tancareira», Prémio Fialho de Almeida, de 1950.

Com uma amizade crescente entre os dois, o autor passou a ser visita da casa do inglês, conhecendo-lhe então um dos seus gostos privados: a pintura. E foi aí que descobriu um quadro, ainda em esboço, duma mulher que devia ser muito linda. (…) Ainda em linhas cruas, o rosto era insofismavelmente duma indiana. O véu transparente ocultava parte dos cabelos abundantes. (…) Impressionantes os olhos que o gosto artístico de Bradley surpreendera e reproduzira num rasgo de génio que pode, de repente, iluminar a mão dum pintor, (…) uns olhos negros, profundos, de indizível melancolia, mas extraordinariamente belos.11

A segunda colectânea, intitulada Mong-Há, contém, em meu entender, a ‘estória’ que melhor corresponde ao cânone de narrativa com final surpreendente, característico do conto.

Bradley confessara ao amigo estar perdidamente apaixonado por Yasmine e revelara-lhe ser ela uma mulher de um perturbante pudor, ficando em pânico a qualquer tentativa de intimidade mais ousada. É simplesmente tocante esse receio que transparece em tudo o que se relacione com o sexo.12

Chama-se «Yasmine» e relata a história de John Bradley, um inglês ra-

Interrogado quanto às suas intenções, respondeu:

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Ibid., p. 49. V. «Yasmine», in Mong-Há, p. 244, Instituto Cultural de Macau, Macau, 1998. Ibid., p. 252. Ibid., p. 255. Ibid., p. 273.

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– Casar-me com ela. Por Yasmine, ousou enfrentar a censura preconceituosa da sofisticada sociedade colonial de Hong Kong, o que era compreensível, uma vez que ela era uma mulher capaz de suscitar grandes paixões. E aquele corpo escondido, por debaixo de saris espampanantes, justamente por ser um mistério, produzia inconscientemente um frémito de volúpia.13 John Bradley organizou um cocktail para a apresentar à sociedade. Mas Yasmine desapareceu. O inglês, que a procurou sem descanso por toda a ilha, teve de encarar, por fim, a cruel realidade: o seu grande amor tinha partido para sempre. E foi o amigo de Macau quem teve o privilégio de conhecer as razões do desaparecimento: a formosíssima Yasmine, de olhos tristes e expressão melancólica, nascera desventuradamente... homem.14 Três histórias de três escritores macaenses, em que o erotismo é sugerido simplesmente pela elegância sensual da cabaia que modela o corpo da mulher, pelo sorriso tímido de uma jovem noiva ou pelo enredo de uma ‘estória’ com uma desconcertante finalização. Três contos que nos aproximam um pouco da mundividência de Macau. De um Macau difuso, que, cada vez mais, apenas perdura num qualquer lugar suspenso entre a memória e a imaginação dos que, como eu, tiveram o privilégio de lá ter vivido.


Brasil:

a construção de uma nação solidária e autoconfiante

José Medeiros da Silva Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, atualmente trabalha no Departamento de Português da Rádio Internacional da China. Graças aos inestimáveis incentivos do amigo e administrador de empresas, Marcos Guedes Pereira, esse artigo pode ser escrito.

“A coisa mais importante para os brasileiros é inventar o Brasil que nós queremos...” Darcy Ribeiro (1922-1997), antropólogo brasileiro. (DVD, documentário: "O Povo Brasileiro". Diretora: Isa Grinspum Ferraz).

É instigante pensar a nação brasileira como uma obra de arte inacabada que se tece a cada dia pelo labor artístico de um povo autoconfiante, que ama a paz, o abraço e o sorriso. Uma obra que pretende ser magnífica em sua pluralidade étnica e cultural. E aberta a um humanismo universal, acolhedor, afetuoso e solidário. Nessa perspectiva, se está realmente diante de uma obra grandiosa, desafiadora e incompleta. Porém, graças aos esforços e sacrifícios contínuos de diversas gerações, ela já está bem delineada e por isso prossegue, tijolo por tijolo, o seu desenho quase mágico. Alguns intelectuais brasileiros, na tentativa de explicar o Brasil, propuseram em debate a seguinte questão: “Por que o Brasil não deu certo?” ou, se mais otimista: “Por que o Brasil ainda não deu certo?” Obviamente, essas indagações pressupunham alguma comparação com outras nações ditas modernas. Em termos de civilização, o referencial predominante tem sido um modelo europeu. Em relação a desenvolvimento tecnológico, os Estados Unidos. O propósito mais profundo na proposição de questionamentos como

esses era o de elaborar um conhecimento que explicasse o porquê da permanência no Brasil de um quadro social adverso, quase crônico, onde determinadas conquistas técnicas, materiais e civilizacionais de alguns povos não conseguiam ser positivamente absorvidas, pelo menos em grande escala. Para os intelectuais que suscitaram tais questionamentos, as respostas exigiam um percurso reflexivo pelas entranhas históricas do Brasil. Essa consciência contribuiu para a produção de um conhecimento valioso, fundamental para uma compreensão crítica sobre a formação do Brasil. Fora desse propósito, questionamento como “Por que o Brasil não deu certo?” não faria tanto sentido e até soaria um pouco estranho. Os problemas globais do presente século colocaram na berlinda o modelo de produção e o padrão de consumo, adotados pelas nações tidas como desenvolvidas. Guerras, escassez de água e falta de alimentos para uma parte significativa da humanidade, além da crise ambiental, são apenas algumas das muitas evidências da fragilidade do modelo.

Outro fator muito elogiado como conquista desse modelo de desenvolvimento, o avanço científico e tecnológico, apesar de relevante, já demonstrou que não possui poderes mágicos capazes de edificar em alguma parte do planeta uma humanidade mais harmônica, solidária e feliz. Dito de outro modo, o desafio de se construir um mundo ambientalmente saudável e fundamentado em uma convivência solidária e amiga entres os mais diversos grupos humanos continua aberto. E é um desafio a ser enfrentado por todos, independentemente de onde se viva ou mesmo de como se estruture social e culturalmente. Nesse quadro, o Brasil pode oferecer uma contribuição especial. Primeiro, porque predomina entre os brasileiros uma visão de mundo plural e aberta para interagir com realidades culturais distintas, um aspecto especial de nossa herança lusíada. Segundo, porque é um país sem medos profundos de outras nações e Estados. Tanto é que constitucionalmente renunciou ao desenvolvimento de armas nucleares, mesmo possuindo conhecimento científico e capacidade tecnológica para

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“O grito do Ipiranga” de Pedro Américo – D. Pedro: Proclamação da independência do Brasil (crédito fotográfico: Wikipédia/Wikimedia Commons).

desenvolvê-las. Essa opção deixa claro que, como Estado, a inserção internacional do Brasil se dará através da amizade, da cooperação e da paz. Para o pensamento bélico que dominou o século XX, essa renúncia foi uma decisão ingênua. Em contraposição, pode-se argumentar que a crescente pressão social em torno das questões ambientais vão terminar incidindo também contra os arsenais nucleares, neutralizando a sua relevância como instrumento de dissuasão ou solução de conflitos. Mas o mais relevante nessa opção brasileira é que ela remove o empecilho da desconfiança, um obstáculo grandioso para a edificação de amizades sólidas entre as nações. A força de coesão da identidade brasileira, o sentimento de nação, não vem da oposição a outros povos. Ela

emana de esforços prolongados para superar realidades não apenas adversas, mas perversas. No DNA brasileiro, há a marca de choques profundos. Trata-se de um povo gestado a partir da movimentação de humanos plenos de contradição, como a própria humanidade. Grupos que se de um lado portavam o aconchego da afetividade, por outro, circunstancialmente desumanizados, procuravam impor uma visão de mundo em que determinadas práticas como as de desqualificar, dominar, escravizar e exterminar outros humanos mereciam honras e vanglórias. Nessa teimosia para existir em liberdade, os obstáculos do que aqui chamamos de brasileiros, nunca foram simples. E ainda continuam. Os exemplos são muitos, mas dois são especialmente relevantes. No século XIX, a vitória contra a escravidão e no sé-

culo XX, a vitória pela liberdade democrática1. Esses dois momentos tornaram o povo brasileiro mais livre e confiante na construção de um país socialmente justo e integrado a outras humanidades. Aliás, foram vitórias como essas que ajudaram a consolidar de forma mais profunda o sentimento de brasilidade, como como nação. Euclides da Cunha, um importante escritor brasileiro, bem percebeu a importância da vitória contra um modelo de Estado que legitimava a escravidão. Sobre o significado dessa conquista, ele escreveu: “Recordaria, apenas, de relance, a mais nobre das nossas lutas: a campanha abolicionista, que vindo do princípio ao fim do século XIX, da ditadura mansa de D. João VI aos últimos dias do Império, de Hipólito da Costa a Joaquim Nabuco, foi a “guerra dos cem anos” da liberdade civil neste país”.2

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A escravidão no Brasil se arrastou por mais de três séculos. Em 1888, foi oficialmente extinta. No século XX, predominaram no Brasil duros regimes antidemocráticos. O último período sob governos ditatoriais foi de 1964 a 1985. Discurso de Posse de Euclides da Cunha na Academia Brasileira de Letras. (18 de dezembro de 1906) http://www.euclidesdacunha.org.br/ cadeira nº 7.

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Brasil: a construção de uma nação solidária e autoconfiante

Se no século XIX a luta contra a escravidão foi “a mais nobre das nossas lutas”, o mesmo se pode dizer sobre a luta por democracia no século XX. Ela simboliza uma vitória contra um projeto político repressivo, socialmente excludente e culturalmente atrofiador. A fase mais recente dessa vitoriosa luta tem apenas 29 anos. Dela surgiu um novo ordenamento jurídico, fundamentado na igualdade de direitos para os cidadãos. Mesmo que para muitos brasileiros esse valor exista somente no campo do simbólico, ele representa um passo indispensável na continuidade da marcha por um país socialmente justo com um povo mais livre, solidário e feliz. Se olharmos em uma perspectiva histórica, essas conquistas abriram as portas para que o sentimento de nação deixasse as superfícies burocratizadas e se aproximasse mais do coração de cada brasileiro. Por isso sua grandeza. O processo de construção dessa identidade também pode ser visto como um jogo movimentado por interesses e circunstâncias. Existe uma tensão contínua entre o que se idealiza e o que é possível concretizar. Por isso, não raro, as desilusões também se manifestam em um conjunto de seus atores. São sombras de pensamentos descaídos misturadas com os anseios frustrados. Mas mesmo essas sombras cumprem uma função psíquica importante no todo social. Para superá-las, intensificam-se resistências e solidariedades e se elaboram ponderações mais consistentes sobre os passos a seguir. Como é um jogo de tensões profundas, nada melhor do que uma metáfora literária para representá-lo. Na literatura brasileira, existe uma obra, Morte e Vida Severina, escrita pelo

poeta João Cabral de Melo Neto, entre 1954 e 1955. O drama tem como personagem principal Severino, um migrante anônimo. No intento de defender sua vida deixa a região tórrida onde vivia, o semiárido, e migra para o litoral. Ele parte com a esperança de que pode prolongar mais a sua vida. A dureza da travessia e as adversidades que encontrou ao chegar ao litoral (Recife) esgotaram completamente suas forças. No ápice do seu desespero, aparece José, um morador do mangue, que também leva uma vida extremamente miserável. Severino pergunta a José se a desistência da vida não seria a “melhor” saída. Nesse momento o diálogo é interrompido por um acontecimento quase mágico. José recebe a notícia de que o seu filho acabara de nascer. A chegada da nova vida irradia-se pela vizinhança. Apesar da extrema pobreza, o mangue estava em júbilo. Com o acontecimento, José retoma a conversa com Severino nos seguintes termos: – Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, severina mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida como a de há pouco, franzina mesmo quando é a explosão de uma vida severina3. Nesse ambiente de júbilo e pobreza o poeta encerra a obra. Esses versos são uma metáfora perfeita da nossa travessia enquanto nação. Pela teimosia ela se fabrica e se expande... Se bem pensarmos, o Brasil não tem razão para ser pessimista sobre seu futuro. É verdade que temos muitos desafios para serem superados. Mas também é verdade de que já alcançamos importantes conquistas. Na nossa miscigenação pulsa o coração de muitos povos. Habitamos um país geograficamente portentoso, com fronteiras bem definidas e não questionadas por nossa vizinhança. Vivemos em paz com os demais Estados. Temos riquezas materiais e imateriais abundantes. Estamos integrados internamente por uma mesma língua e, principalmente, por uma vontade de viver cada vez mais feliz. Compõe também esse nosso quadro uma diversidade de povos indígenas que heroicamente permanecem. Segundo dados publicados em agosto de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população brasileira já ultrapassou os 200 milhões. Esses brasileiros têm em suas mãos a responsabilidade de continuar essa magnífica obra de arte. O fortalecimento de nossas relações de irmandade com a comunidade falante da língua portuguesa e a interação amiga e solidária com os demais povos a deixará mais bela e pulsante.

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João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1982.

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Faces do Recife

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Adalberto Tenreiro Arquitecto

Incluído no projecto “Pernambuco-Macau nos caminhos da Lusofonia”, numa iniciativa do Movimento Festival Internacional de Culturas, Línguas e Literaturas Neolatinas – FESTLATINO, com sede no Recife, e do Instituto Internacional de Macau, integrado ainda pelo Centro Cultural Albergue SCM, de Macau, pelo 1 Ministério da Cultura do Brasil, pela Secretaria da Cultura do Estado de Pernambuco, pela Prefeitura do Recife e pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, 4 artistas plásticos de Macau – Carlos Marreiros, Guilherme Ung Vai Meng, Lio Man Cheong e Adalberto Tenreiro – realizaram, de 10 de Maio a 9 de Junho de 2013, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, uma exposição de cerca de 50 dos seus trabalhos sob o título de “4 Artistas na Cidade”, no âmbito da qual se realizaram também palestras e encontros com artistas plásticos pernambucanos. É desse projecto pioneiro que aqui se faz breve relato.

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Faces do Recife

Piscinas de marés em desenhos meus e de Lio Man Cheong (imagens 2.3.4), são o que resta dos canais de acesso navegados no séc. XVI por barcos à vela, com origem em fenómeno geológico de linhas de coral formadas paralelas à costa, chamadas 'recifes', nomeando a cidade, onde na expansão de sucessivos aterros (semelhantes aos da expansão do território de Macau) sobraram estas piscinas, para onde o Lio Man Cheong nos desafiou a ir nadar manhã cedo de seguida ao nascer do sol laranja em azul celeste e antes do pequeno-almoço com frutas inesperadas.

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O delta tem semelhanças ao rio das pérolas (5.6.7), por onde vemos o Carlos Marreiros a passear acompanhado por árvore com sombras sobre as águas cruzadas por múltiplas pontes. A cidade e porto do Recife tiverem grande expansão com a chegada dos Holandeses em 1630 ao delta, localizado a Sul das colinas de Olinda, nome da cidade antes construída no séc. XVI pelos Portugueses, e envolvida a Este pelo interior do estado de Pernambuco, cujos habitantes camponeses de cana de açucar e de engenhos haveriam de guerrear os Holandeses até à sua partida em 1661.

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A arquitectura da cidade do Recife manteve evolução coerente, com génese em bairro antigo aglutinado à Sinagoga dos ‘Spinosianos’ fugidos do Portugal criador de Cristãos Novos, sendo então aqui localizada a maior comunidade Judaica do Brasil, alguns dos quais durante as guerras contra os Holandeses realizaram uma segunda fuga para a América do Norte, onde foram os iniciais Judeus Novaiorquinos. Passeámos (8.9.10.11), por edifícios semelhantes aos correios de Macau

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Lio Man Cheong desenhou-nos na partida no aeroporto acompanhados das memรณrias/imagens de novos amigos do Recife.

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(meados século XX), por ruas que mantêm a homogeneidade e que em Macau não conseguiu sobreviver, com exceção da San Ma Lou. A perceção das semelhanças entre Macau e Recife foram constantes ao longo da visita a exemplo do desenho do Lio Man Cheong que também podia ter sido feito na Praça do Leal Senado vista a partir do jardim junto ao quiosque de bebidas. Visitámos arquitectura modernista Brasileira da melhor qualidade dos anos 70 (12.13), ao sermos convidados a partilhar a Oficina Guaianases de Gravura na Universidade Federal de Pernambuco, com rigorosos edifícios/torres com salas de aula e laboratórios, e baixos edifícios comunitários com árvores interligadas nos pátios. Recebidos pelo mestre da oficina Hélio Silva, gráfico Sílvio Barreto Campello, pintor Rinaldo Silva e fotógrafa Ana Araújo (14.15.16), resultou desenho com lápis de cera dura em pedra litográfica, misturando traços pelo pintor Rinaldo com os nossos, visitantes h t t p : / / w w w. y o u t u b e . c o m /watch?v=vRvkIU8izQg. Outra FACE é a antes atrás mencionada cidade de Olinda, declarada Património Histórico e Cultural da Humanidade pela ONU em 1982, com urbanismo adaptado à defesa das colinas das novas cidades da expansão marítima, iniciadas no século XVI ao mesmo tempo que Macau e outras cidades da expansão marítima Portuguesa, quase todas construídas em poucas dezenas de anos, fazendo o uso renovado da tipologia das cidades medievais Portuguesas com rua central construídas através de encostas durante centenas de anos, ao longo da qual e como em Macau em Olinda as igrejas se vão alojando (17.18.19.20): Seminário dos Jesuítas, tão impor-

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A representação do Albergue.

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Carlos Marreiros junto às suas obras.

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Lio Man Cheong junto às suas obras.

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Adalberto Tenreiro junto às suas obras.


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tantes na história do Brasil; Igrejas de São Francisco e da Misericórdia onde desenhei o ‘irmão’ Carlos Marreiros; Dois batistérios nas Igrejas de São Francisco e do Carmo no Recife, que são exemplo das pedras de lioz Portuguesas vindas como lastro de caravelas e reutilizadas na construção de Igrejas Brasileiras (Zenaide Silva. O lioz português: de lastro de navio a arte na Bahia. Edições Afrontamento. Porto 2007). Pelas ruas de Olinda saboreámos gelados e bebidas de vendedores de rua como nos desenhos por Lio Man Cheong (21.22.23), reavivando memórias dos que existiram durante o séc. XX em Macau. O MAMAM - Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, FACE da vida cultural de artistas Pernambucanos, acolheu a exposição de desenhos dos quatro (24.34), onde os desenhos do Ung Vai Meng nos envolvem nestas imagens. Este artista, por razões profissionais, não pôde estar presente na inauguração.

Desenho de Ung Vai Meng, «Pátio da Ilusão», 2009.

Desenho de Ung Vai Meng, «Templo de Kun Iam», 1999.

A fachada renovada do edifício do Museu (25.26), partilha área da cidade onde se misturam edifícios de várias fases da evolução da arquitectura da cidade, quando eram baixos, altos já com idade histórica, e altos contemporâneos, características também hoje partilhadas pela generalidade da cidade antiga de Macau. Recife encontra-se hoje rodeada por imensa metrópole de várias cidades encostadas entre si como se bairros fossem, feitas de esguios edifícios de apartamentos e escritórios, hospitais, universidades, enormes centros comerciais, fábricas, aeroporto, etc., como que protótipo da futura mega cidade Macau Zhuhai Shenzhen Hong Kong.

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Retrato do Professor Humberto França, principal impulsionador das actividades do FestLatino. Desenho de Lio Man Cheong.

Pormenor do livro-harmónio de desenhos do Carlos Marreiros (a tira fininha é o livro completo). Este pormenor tem, entre outras referências, o seguinte apontamento do Artista: «Praça do Arsenal, de grande envergadura, com quatro arruamentos em empedrado (bloco rectangular em granito, passeio com calçadão, arquitectura vernácula e erudita perfumada pelo ritmo incrível do povo brasileiro, dançante, leve, esvoaçante». Desenhado entre os dias 5 e 7 de Maio de 2013, no Recife.

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mismo pela cultura Latina no mundo e a sua memória serão expandidas entre os que no futuro também se envolvam no internacional Recife Latino. Na foto (29), também se podem ver Lio Man Cheong, Luciano Siqueira vice-perfeito da cidade do Recife, Beth da Matta artista e Diretora do Museu, e Anabela De Pablos coordenadora do Albergue em Macau. Nessa secção projetei imagens com o tema – património arquitetónico de Macau desenhado e pintado por artistas de Macau e outros que por aqui passaram. Pormenor do livro-harmónio de desenhos de Carlos Marreiros, Recife, 2013.

Catálogos da exposição tiveram desenhos acrescentados por nós três (27.28), com retratos dos portadores/pessoas da organização que bem nos acolheu no Recife.

Em conjunto com José Amaral e Carlos Marreiros, Humberto França apresentou a exposição em secção inicial – recentemente falecido, o seu conhecimento, prazer e dina-

Na exposição (30 a 37), continuámos a ter o prazer que nos foi proporcionado de ao longo da visita conhecermos e conversarmos com novos amigos – que em próximo futuro no intercâmbio com Macau sejamos nós a acolher artistas Pernambucanos.

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Exposição “4 Artistas na Cidade”

Início da Exposição.

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Aspectos da Exposição.

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Desenhos de ADALBERTO TENREIRO (1 a 3).

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Desenhos de CARLOS MARREIROS (4 e 5).

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Desenhos de UNG VAI MENG (6 e 7).


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Desenhos de LIO MAN CHEONG (8 a 10).

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Workshop com artistas plรกsticos de Pernambuco (11 e 12).

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O Papel do Ensino da Língua Portuguesa na China 1

para as Relações Sino-Lusófonas Ye Zhiliang Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim

Na última década, a acompanhar a intensificação das relações entre a China e os países de língua oficial portuguesa, tem-se verificado uma expansão do ensino da Língua Portuguesa (LP) na China, especialmente no Continente Chinês. No entanto, até ao momento, o ensino da LP na China ainda se limita essencialmente à formação de quadros da LP para os outros sectores que actuam nas relações sino-lusófonas. Será esta a única missão do ensino da LP na China? O que é que ele pode fazer mais para uma maior aproximação e um melhor conhecimento entre a China e os países lusófonos? É esta a questão que o presente trabalho pretende abordar. O texto está dividido essencialmente em três partes. Na primeira parte será feita uma breve retrospectiva sobre o crescimento do ensino da LP na China e o seu papel tradicional para as relações sino-lusófonas; na segunda parte abordar-se-á o novo papel que o ensino da LP pode desempenhar para as relações sino-lusófonas e os respectivos trabalhos que podem ser desenvolvidos pelo ensino da LP na China; finalmente, na terceira parte serão lançadas algumas propostas sobre os apoios que os países lusófonos possam oferecer para o melhor desenvolvimento desses trabalhos.

I. A expansão do ensino da LP na China e o seu papel tradicional para as relações sino-lusófonas Na última década, tem-se verificado uma expansão significativa do ensino da LP na China. Tirando Macau, se até 1999 no Continente Chinês só havia duas universidade a oferecer o curso de Licenciatura de Língua Portuguesa, nomeadamente a Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim (BFSU, na sigla em inglês) e a Universidade de Estudos Internacionais de Xangai (SISU, na sigla em inglês), em 2013 já temos, no total, 20 instituições de ensino superior, localizadas em 14 províncias/municípios directamente subordinados ao Governo Central, a oferecer o programa de Licenciatura de Língua Portuguesa, além dos diversos tipos de cursos de Português disponibilizados nas várias escolas de educação profissional e centros de formação de línguas estrangeiras, espalhados pelo país todo. A expansão acima referida não aconteceu por acaso. Na verdade, tudo se concretizou graças à intensificação das relações sino-lusófonas nas diversas áreas (política, económica e comercial, tecnológica, cultural ...) no mesmo período

de tempo, sobretudo depois da criação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau) em 2003. Ao examinarmos as evoluções do incremento do ensino da LP na China e do desenvolvimento das relações sino-lusófonas, constataremos uma perfeita sintonia entre os dois, como se pode verificar nos gráficos seguintes sobre a evolução, desde 2003, do comércio bilateral entre a China e os países lusófonos e o aumento das instituições de ensino superior chinesas com programa de Licenciatura de Cultura Portuguesa. Não obstante esta estreita relação, a intervenção directa do ensino da LP na China nas relações sino-lusófonas tem sido, desde sempre, muito fraca. Tradicionalmente, o papel do ensino da LP na China para as relações sino-lusófonas limita-se aos seguintes dois domínios: 1) desenvolver intercâmbio e cooperação com as instituições de ensino superior com ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) dos países lusófonos, sobretudo Portugal e o Brasil; 2) formar quadros chineses de língua portuguesa para as entidades/instituições que actuem nas diversas áreas das relações sino-

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Por uma questão prática, quando se fala no presente texto sobre o ensino da LP na China, refere-se especialmente ao ensino da LP no Continente Chinês.

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O Papel do Ensino da Língua Portuguesa na China

-lusófonas, como Diplomacia, Economia e Comércio, Finanças, Direito, Jornalismo, Investigação Científica, etc.. Se bem que o intercâmbio e a cooperação no domínio educacional também façam parte das relações sino-lusófonas, nos outros domínios o ensino da LP praticamente não tem nenhuma intervenção directa. Assim, os trabalhos do ensino da LP na China limitam-se pura e simplesmente a um nível muito básico, ou seja, a formação das habilidades linguísticas e de tradução aos estudantes, o que certamente não é suficiente. O ensino superior tem muito mais a fazer.

II. O novo papel do ensino da LP na China para as relações sino-lusófonas É de referir que, apesar do significativo avanço registado nas diversas áreas das relações bilaterais entre a China e os países de língua portuguesa, o conhecimento mútuo entre os povos dos dois lados ainda se mantém tímido. Na China, quando se pergunta a uma pessoa comum

sobre o que sabe de Portugal? Sem surpresa, teremos muita possibilidade de ouvir uma resposta referindo os nomes do mundo de futebol como Cristiano Ronaldo, Luís Figo e José Mourinho, e os clubes de futebol como FC Porto, Benfica e Sporting, mas raramente se pode ouvir uma referência aos grandes nomes históricos como Vasco da Gama, Bartolomeu Dias, Luís de Camões, Fernando Pessoa, Amália Rodrigues, entre outros, ou mesmo aos actualmente também ressonantes, como José Saramago. De mesma forma, quando se fala sobre o Brasil, ainda que o público chinês fique mais informado sobre o País por causa do BRICS e do Mundial 2014 e das Olimpíadas de 2016, de forma geral, o conhecimento não vai muito para além de futebol, samba, favelas, violências, desigualdade social, praias bonitas e recursos naturais abundantes. Enfim, tudo coisas muito superficiais. Poucos sabem que o Brasil é a 7ª (ou 6ª, conforme a flutuação do câmbio) economia do mundo; que o Brasil é um actor relevante no combate mundial às mudanças climáticas; que o Brasil é um

dos pioneiros do mundo na pesquisa e desenvolvimento das energias limpas e renováveis; que o Brasil tem obtido grande avanço na redução da pobreza; que o Brasil é o maior país católico do mundo e tem, ao mesmo tempo, várias religiões nativas importantes; que o Brasil tem ricas culturas, bons filmes, boa música, boa literatura... Da mesma forma, crê-se que do lado do mundo lusófono o conhecimento sobre a China também não vá muito para além de um país milenar, com uma cultura peculiar e ainda misteriosa para muitos, que é uma potência económica e um grande exportador de produtos baratos, mas de pouca qualidade. Quando mais, já não se faz muita ideia. Existe, portanto, uma verdadeira “escassez de conhecimento mútuo”2, que é certamente muito prejudicial para um bom desenvolvimento das relações entre os dois lados. Urge inverter a situação. Cabe, assim, ao ensino da LP na China um papel importante no sentido de melhor apresentar os países de língua portuguesa ao público

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Crevo, Amado Luiz. Apresentação, in Becard, Danielly Silva Ramos. O Brasil e a República Popular da China – Política Externa Comparada e Relações Bilaterais (1974-2004), Brasília: FUNANG, 2008, p. 8

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chinês. Dois trabalhos podem ser feitos: fazer estudos sobre os países lusófonos e formar novas gerações de investigadores sobre os mesmos e as relações sino-lusófonas. No que diz respeito aos estudos científicos, os professores chineses da LP podem e devem desenvolver investigações sobre os vários aspectos dos países lusófonos, produzindo artigos e livros a serem publicados, como também fazer traduções, introduzindo ao mercado chinês os livros representativos das diferentes esferas do mundo lusófono. Na verdade, estes trabalhos já estão a ser feitos por alguns professores chineses, mas ainda de forma tímida e precisam de ser reforçados. Quanto à formação de novas gerações de investigadores sobre os países de língua portuguesa e as relações sino-lusófonas, este é, na verdade, um trabalho inerente da Educação, a que o ensino da LP na China não pode fugir. Obviamente, vai ser um desafio enorme para os próprios docentes, uma vez que a maioria deles não tem uma formação especializada nestas áreas. Mas isto não deve ser o pretexto para

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não o fazer, sobretudo quando os professores chineses da LP são maioritariamente muito jovens e que têm todas as condições para procederem, desde já, a uma preparação académica. E, se é verdade que uma instituição de ensino superior chinesa não é capaz de desenvolver ao mesmo tempo estudos sobre os vários aspectos do mundo lusófonos, dado o número reduzido de docentes existentes nos departamentos de Português, pode-se fazer, talvez, uma “divisão de tarefas” entre as escolas, dedicando-se cada uma a um ou dois domínios, como por exemplo, a Universidade de Pequim à Literatura, a Universidade de Economia e Negócios Internacionais à Economia e ao Comércio, a Universidade de Comunicação da China à Comunicação Social e às Questões Sociais... Sublinha-se que, dada a natureza e a exigência científica deste tipo de trabalho, ele só pode ser desenvolvido no ensino de pós-graduação (mestrado ou doutoramento), como a Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim (BFSU) está a fazer neste momento.

centou ao seu curso de Mestrado em Estudos de Língua e Cultura Portuguesa uma variante de Política Exterior do Brasil e Relações Sino-Brasileira, sendo o seu objectivo principal contribuir para um melhor conhecimento do Brasil e uma melhor compreensão das relações sino-brasileiras pelo público chinês. O plano de formação do Curso inclui um ano de estudo na BFSU sobre a História do Brasil, História Económica do Brasil, História da Política Exterior do Brasil e História das Relações Sino-Brasileiras, e um ano de estudo numa universidade brasileira, onde os alunos vão cursar as disciplinas respeitantes e preparar a elaboração da dissertação. Concluído o Curso, prevê-se que os diplomados poderão ir trabalhar nas áreas de Ensino, Diplomacia e Investigação Científica, como também nas outras áreas que façam parte das relações sino-brasileiras.

Em Setembro de 2013, o Departamento de Português da BFSU acres-

No que diz respeito à formação de novas gerações de investigadores

III. Os apoios que se espera dos países lusófonos


O Papel do Ensino da Língua Portuguesa na China

chineses sobre os países de língua portuguesa e as relações sino-lusófonas, para além do esforço da parte das próprias instituições de ensino superior chinesas e dos professores chineses da LP, também se espera que os países de língua portuguesa possam oferecer os seguintes dois tipos de apoios: ajuda à criação dos cursos de mestrado e oferta de bolsas de estudo aos mestrandos chineses. Como foi referido acima, a formação de novas gerações de investigadores trata-se de um trabalho pertencente ao ensino de pós-graduação. Porém, actualmente a maioria das universidades chinesas com ensino da LP não possui condições para oferecer programas de pós-graduação, devido essencialmente ao facto de que o corpo docente é, de forma geral, muito jovem e que, a nível académico, não está devidamente preparado para isso. Assim, caso se pretenda criar um curso de mestrado em estudos sobre os países lusófonos, vai-se precisar inevitavelmente da ajuda da parte destes últimos, enviando professores especializados nas respectivas áreas para ajudar à criação dos cursos e assegurar as disciplinas respeitantes. Além disso, é na China uma prática muito comum o aluno de um curso de mestrado em línguas estrangeiras ou em estudos estrangeiros ir

estudar um ano no estrangeiro durante o curso, de forma a, por um lado, melhorar o seu nível da língua e, por outro lado, estudar com professores estrangeiros e fazer as respectivas pesquisas para a elaboração da dissertação. No entanto, se é relativamente fácil para um aluno licenciado na China ganhar uma bolsa de estudo para ir fazer mestrado fora, é até ao momento praticamente impossível para os mestrandos chineses que vão estudar um ano em Portugal ou no Brasil obter uma bolsa de estudo sanduíche. Assim, são eles próprios, ou melhor dizer, as famílias deles que têm que assumir todas as despesas acontecidas com o estudo no exterior. Sabe-se que actualmente nem todas as famílias chinesas têm a capacidade financeira para suportar esses custos, que se tornam, por isso, inibitivos para muitos que se interessam pelos cursos. Razão pela qual, espera-se que da parte dos países lusófonos se possa criar bolsas de estudo sanduíche, governamentais ou empresariais, especialmente dirigidos aos mestrandos chineses da área de estudos sobre os países de língua portuguesa e as relações sino-lusófonas. E, no caso das bolsas de estudo oferecidas pelas empresas, se necessário, os mestrandos chineses, quando vão estudar no país origem da empresa, podem prestar alguns serviços na empresa, como retribuição.

Conclusão As relações entre a China e os países lusófonos estão a intensificar-se de forma constante ao passo que o ensino da LP na China também está a aumentar continuamente. Entretanto, a intensificação dessas relações, se pretender evoluir de forma consolidada e saudável, exige um melhor conhecimento e uma melhor compreensão entre a China e os países de língua portuguesa; ao mesmo tempo, o ensino da LP na China também não pode ficar a marcar passo, limitando-se à formação das básicas habilidades linguísticas e de tradução aos alunos de português, mas deve contribuir de forma mais activa para esse melhor conhecimento e compreensão mútua. Para isso, os que trabalham na área do ensino da LP na China e as instituições de ensino superior chinesas envolvidas neste trabalho têm obviamente a obrigação de fazer o seu próprio esforço, mas, enquanto isto, os países de língua portuguesa, particularmente Portugal e o Brasil, os dois países mais bem dotados dos respectivos recursos, também têm a sua contribuição para fazer. A nossa expectativa é que, daqui a alguns anos, o ensino da LP na China seja capaz de atingir um novo patamar para se igualar ao das outras línguas estrangeiras mais bem implementadas no País.

Referências: 1. Centro de Estudos dos Países de Língua Portuguesa (CEPLP) do Instituto de Estudos Regionais da Universidade de Economia e Negócios Internacionais (UIBE). Relatório dos Dez Anos do Fórum para a Cooperação Económico e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) (2003 a 2013), Beijing, China Commerce anda Trade Press, 2013 2. Crevo, Amado Luiz. Apresentação, in Becard, Danielly Silva Ramos. O Brasil e a República Popular da China – Política Externa Comparada e Relações Bilaterais (1974-2004), Brasília: FUNANG, 2008 3. Sítio oficial da Secção Cultural da Embaixada de Portugal na China http://www.embaixadadeportugalempequim.com/sections/cul_sec.php?lng=cn&aId=0#foot 4. Sítios oficiais das instituições de ensino superior chinesas com curso de Licenciatura de Língua Portuguesa

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O impulso reformador de Xi Jinping e o contexto de segurança e defesa regional Jorge Tavares da Silva Presidente do Observatório de Comércio e Relações Internacionais (OCRI) Docente do ISCIA

Este artigo analisa a transição política na China em 2013, que trouxe para o poder Xi Jinping como líder do país, enquadrado no novo slogan propagandístico do “Sonho da China” (Zhongguo meng), apontando algumas das principais consequências deste processo de transição político, particularmente os seus efeitos no quadro de segurança regional. A agenda política da República Popular da China (RPC) ficou marcada em 2013 pela chegada de uma nova geração de líderes – a quinta – encabeçada por Xi Jinping e Li Keqiang (2012-2022), em substituição de Hu Jintao e Wen Jiabao (20022012). Esta alteração política no topo da hierarquia do PCC é a mais desafiante para os destinos do país desde o programa de reformas e abertura de 1978. Cerca de 70% dos membros do Politburo, Conselho de Estado e Comissão Militar foram substituídos, uma alteração muito significativa na cúpula governativa (Li, 2011: 21). Sabemos que a governação anterior, liderada por Hu Jintao, ficou marcada por um estilo mais conciliador, baseada na procura de consenso, embora pouco efetiva na tomada de decisões. O facto de este ter tido sempre uma postura reservada, e pouco deixar transparecer quanto ao seu pensamento, levou Kerry Brown (2012), professor de política chinesa, a denominar Hu como “o governante silencioso da China”. Para o tratamento da imagem do líder chinês

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muito contribui o Departamento de Organização Central, o organismo responsável pela gestão curricular dos membros do partido, e o Departamento da Propaganda. O “imperador benevolente”, como lhe chamou Richard McGregor (2010: 5), terá tido as fotografias de infância e da juventude recolhidas por quadros do partido de forma a evitar que as mesmas fossem divulgadas por meios não oficiais. Não muito diferente, também a imagem de Xi Jinping tem sido tratada pelos meios de propaganda, sendo cirurgicamente divulgadas fotografias que o exibem socialmente afetuoso, aparecendo como um homem de família, a empurrar uma cadeira de rodas ou a visitar famílias pobres de zonas remotas da China (Xinhua, 2013). Estas imagens visam revelar uma aproximação do líder ao seu povo, há muito descontente com os crescentes desequilíbrios sociais, com a poluição, a especulação imobiliária, a corrupção endémica e os abusos de poder, entre outros fatores. Xi trouxe um novo slogan para os seus discursos, “o sonho da China” (Zhongguo meng), que pretende

recuperar a memória coletiva do povo chinês, implicando também um “novo tipo de relações com as grandes potências”, o que tem levantado muita especulação. Peter Mattis (2013) considera que se trata de um esforço da China em “criar um espaço internacional para o socialismo com características chinesas”. Adiantando ainda que parece existir a ideia de que Pequim “espera comprar tempo e espaço” para se consolidar internamente. De facto, a China enfrenta enormes desafios económicos e sociais, incluindo o perigo de desagregação, confirmados pelos manuais da história. É em resposta aos insucessos do passado que Xi tem procurado desenvolver uma nova política de aproximação ao seu povo. Neste processo inclui-se o afastamento de vários membros do Partido Comunista Chinês (PCC) devido a casos de corrupção, tal como o julgamento mediático de Bo Xilai. Xi trouxe um novo ciclo de governação, centrada na figura do líder, mais interventiva, personalizada, buscando poder e autoridade. Um sinal desta afirmação pode ser vista na forma


O impulso reformador de Xi Jinping

como assumiu rapidamente o controlo da tríade de poder da China: o Partido, o Estado e as Forças Armadas. Normalmente a transição na liderança do PCC era consumada de forma gradual entre o líder cessante e o empossado ficando o controlo da área militar retida no líder anterior até uma fase posterior. Neste contexto, o nacionalismo chinês tem servido de aditivo na tentativa de conciliar e estimular o povo em torno de objetivos comuns, quando o Partido está destituído de princípios ideológicos e revolucionários que marcaram o passado. Este aspeto está intimamente ligado à afirmação da China no espaço exterior que, se por um lado, alimenta o nacionalismo unitário interno, por outro, desagrega as posições dos atores no espaço internacional. Na senda de explorar o orgulho nacional, o novo líder assumiu publicamente posição da China como uma potência global, e não somente regional ou “parcial” como pretende classificar David Shambaugh (Godement, 2013: 1-8; Shambaugh, 2013). Ainda assim, sabemos que é no no espaço circundante que estão as suas principais preocupações. A recente criação unilateral da sua primeira Zona de Identificação de Defesa Aérea (ADIZ) ou a crise das ilhas Diaoyutai enquadram-se perfeitamente neste contexto, com conhecidos riscos de deflagração de um conflito armado.

A via marítima na projeção do poder chinês A necessidade de se manter a sustentabilidade económica, o que por outras palavras significa o sucesso e sobrevivência do PCC, está dependente do acesso seguro aos países fornecedores de recursos naturais. Desde o início da década de 1980 que o crescimento económico expo-

nencial chinês tem obrigado ao aumento vertiginoso do consumo de energia. Apesar das importantes jazidas de petróleo internas, desde 1993 que deixou de ser autossuficiente em petróleo, obrigando-se a importar este recurso, essencialmente pela via marítima. Neste sentido, a China passou a olhar para o mar de forma diferente, sendo hoje um dos seus canais preferenciais na projeção de poder. Em 2006, o anterior presidente Hu Jintao, classificou a China pela primeira vez, como uma “potência marítima”, num discurso onde também salientou a importância de o Exército Popular de Libertação (EPL) construir uma “poderosa marinha popular” que pudesse defender “as missões históricas do país no novo século e nos novos patamares”. Salientou a necessidade de assegurar as Linhas de Comunicação Marítima (LCM) que estabelecem a ligação a países exportadores de energia no Oceano Índico. Em grande medida, a China parece estar a seguir o pensamento geopolítico clássico, particularmente o trabalho de Alfred Thayer Mahan, considerado o “Clausewitz do mar”, quando este apontou o elemento marítimo como sendo diferenciador na estratégia de uma nação (Defarges, 2012: 43-45). Na obra The Influence of Sea Power Upon History, 1660-1783 (1890: 25), Mahan evidenciou o mar como “uma grande estrada, abundante e comum, na qual os homens poderiam livremente atravessar. Estas linhas não eram mais do que rotas de comércio, e as razões que as determinavam deveriam ser procuradas na história do mundo”. Segundo este autor, “o primeiro imperativo de qualquer poder naval seria o controlo de pontos de apoio, de posições (portos, bases) a partir das quais as frotas poderiam circular nos oceanos” (Defarges, 2012:43). É este o caminho que a China parece

Encontro entre Hu Jintao e Xi Jinping no 18º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, 15 de Novembro de 2012 (Xinhua, 2012).

estar a percorrer, sem com isso deixar de fazer uma oposição assertiva aos Estados Unidos e parceiros locais, nomeadamente o Japão, Coreia do Sul e Austrália. Não admira que Pequim esteja a modernizar a Marinha do Exército Popular de Libertação, estando a desenvolver desde 2010 o ambicioso programa de “Alta Tecnologia Marítima”. Além disso, mantém instalados sistemas de radar e de escuta, missões de patrulhamento e de segurança, os quais permitem monitorizar tráfego naval, como por exemplo no Estreito de Ormuz, Malaca ou no Mar Arábico. Tendo em conta as preocupações binárias de sustentabilidade económico-social interna e projeção de poder externo, a nova liderança chinesa vem reforçar a diplomacia assertiva no seu espaço regional. O primeiro-Ministro Li Keqiang, na sequência da liderança anterior, também não hesitou em classificar a China como um “poder marítimo” (International Crisis Group, 2013: 15; Taipei Times, 2006: 1; Yoshihara Holmes, 2010: 1). Neste sentido, não admira que todos os atores da região e correspondentes relatórios

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de defesa indiquem como muito relevante a crescente e manifesta modernização naval chinesa. Destaca-se a construção do porta-aviões Liaoning, apetrechado com modernos sistemas de radar, caças J-15 e mísseis navais anti-aéreos FL-3000N (Jane's Defence Weekly, 2012:34). A China dispõe ainda de um ambicioso programa de aquisição e modernização naval, que inclui novos submarinos nucleares, misseis balísticos com diversas funcionalidades operacionais, minas, aviões tripulados e não tripulados, contratorpedeiros, navios de patrulha, navios de assalto anfíbio, navios de assistência hospitalar e navios de suporte C4ISR 1 . Este sistema de informação sincronizada visa a inclusão de meios de Comando, Controle, Comunicações, Computador, Inteligência, Vigilância (Surveillance) e Reconhecimento (Reconnaissance) de forma integrada (Departamento de Defesa dos Estados Unidos, 2012: 43). São ainda de destacar a formação dos efetivos, treino, exercícios e experiência, melhorias na manutenção e logística, reforço da doutrina naval, aperfeiçoamento dos sistemas de informação e de guerra eletrónica (O'Rourke 2013:3). A RPC mantém uma crescente vigilância nas 200 milhas marítimas da sua zona económica exclusiva, incluindo um apertado controlo ao “mapa das nove linhas” (nanhai jiuduan xian) que envolvem as ilhas do Mar do Sul da China. A China e o quadro de competição regional, o projeto de afirmação de poder da China no espaço regional, enquadrado no “sonho chinês” de recuperação de prestígio do passado, parecendo recuperar um certo sinocentrismo, esbarra com os interesses de outros atores. Sendo a

Uma das várias fotografias de Xi Jinping divulgadas pela agência noticiosa Xinhua que, para além de aspetos da vida privada e profissional, procura mostrar um líder com forte sensibilidade social.

Ásia-Pacífico a região do mundo com o crescimento mais rápido, com mais de 60% do PIB mundial, e possuindo metade do comércio mundial, muito impulsionado pela China, não admira que a administração Obama tenha considerado esta como pivot no âmbito da sua diplomacia. É neste quadro que Washington tem vindo a reforçar o seu contingente militar na região, cooperando com os seus aliados, nomeadamente a Austrália, o Japão, a Coreia do sul e a Índia. De referir que os EUA colocaram 60% da sua frota, incluindo seis porta-aviões, na região da Ásia-Pacífico. Washington também criou a plataforma de cooperação denominado Transpacific Partnership (TPP), entre vários atores da região da Ásia-Pacífico, mas que não conta com a participação da RPC. Parece claro que este organismo tem a função de anular a capacidade dominante da China, sobretudo depois de se ter tornado o principal parceiro comercial da ASEAN. Em parte visa também contrariar a recessão económica interna desde 2008, aproveitando o impulso comercial daquela região.

A verdade é que a modernização militar da RPC, as movimentações navais, as simulações de operações e vigilância e até espionagem contribuem para a permanência de um clima de insegurança na região. A China possui o segundo maior orçamento da área da defesa no mundo, tendo sofrido um aumento de 12.7% em 2011, num total de 91.5 mil milhões de dólares (Arthur, 2011: 48-49). A RPC está envolvida num conjunto de disputas de soberania regional que pode despoletar um conflito bélico e envolver vários atores da região. Os mares setentrional e meridional da China têm um conjunto de pequenas ilhas e ilhéus que têm sido muito disputados por vários atores, nomeadamente as ilhas Diaoyu/Senkaku, Spratley e as Paracel. A título de exemplo, a pequena ilha de Scarborough tem a sua soberania reclamada, simultaneamente, pela China, Filipinas e Taiwan. Não é de admirar que algumas destas ilhas sejam ricas em recursos naturais, o que faz com que Pequim considere a região uma área geográfica fundamental para o país. Em Agosto de 2012, um incidente nas ilhas Diaoyutai/Senkaku, reclamadas pela China, o Japão e Taiwan, colocou em pressão as relações entre a Pequim e Tóquio. O caso envolveu movimentações navais e as habituais manifestações populares (Taipei Times, 2012: 1). Neste contexto, não devem ser ignorados os nacionalismos exacerbados dos vários atores regionais, em que o chinês tem um papel muito significativo. A verdade é que a posição de Pequim não tem encontrado legitimidade perante a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a qual nesta matéria tem defendido razões de proximidade territorial. Este facto não impede

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Na terminologia Anglo-saxónica, as siglas C4ISR significam Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance e Reconnaissance.

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O impulso reformador de Xi Jinping

que a China siga uma estratégia de reivindicação territorial “expansiva”, que inclui apertado patrulhamento destas ilhas, ilhotas e arquipélagos que frequentemente conduzem a querelas efectivas. Torna-se interessante verificar, tal como refere Steve Tsang do China Policy Institute, que apesar deste país defender abertamente o princípio da “ascensão pacífica”, tem permitido que pessoas do establishment reclamem publicamente a soberania de determinados espaços geográficos (Jane´s Defence Weekly, 2012: 37). A verdade é que a ascensão chinesa e as querelas regionais têm sido um fator de cres-

cente modernização e reforço militar dos atores locais. Por exemplo, a crise Diaoyu/Senkaku levou o Japão a reforçar a sua presença naval junto à ilha e motivou um entendimento político nacional em reforçar e modernizar o seu potencial naval (International Crisis Group, 2013: 42). Todos os países da região aumentaram os seus gastos militares em 2012: a China e a Índia (17%), países do Sudeste Asiático (13%), Coreia do Sul (11%) e o Vietname e as Filipinas adquiriram novos submarinos à Rússia, fizeram uma aproximação estratégica aos EUA e organizaram patrulhas conjuntas com a Indonésia (Ríos, 2012).

Importa salientar, no entanto, que a formação de dinâmicas de poder antagónicas no espaço asiático não tem de ser necessariamente negativo e que resulte inevitavelmente em ruturas e conflitos bélicos. Ao fim ao cabo, foi sempre desta forma que os atores desta região estabelecerem relações entre si. É possível que a ascensão ou ressurgimento chinês esteja apenas a obrigar a um reajustamento de forças, fortalecendo a lógica das alianças e parcerias estratégicas, e aquilo a que estamos a assistir não seja mais do que uma breve movimentação pelo equilíbrio das peças do tabuleiro de poder asiático.

Bibliografia ARTHUR, Gordon (2011) “Taiwan Island Defence”, Asian Military Review nº 5, pp. 48-53. BROWN, Kerry (2012) Hu Jintao: China's Silent Ruler. Londres: World Scientific Publishing. DEFARGES, Philippe Moreau (2012) Introdução à Geopolítica. Lisboa: Gradiva. DEPARTAMENTO de DEFESA dos ESTADOS UNIDOS (2010) “Quadrennial Defense Review”, Disponível em: <http://www.defense.gov//>. Acesso em: 6 de Ago. 2013. GODMENT, François (2013) “Xi Jinping s China”, European Council on Foreign Relations, 1-8. INTERNATIONAL CRISIS GROUP (2013) “Dangerous Waters: China-Japan Relations on the Rocks”, Asia Report nº 245, 8 de Abril, 1-59. LI, Cheng (2011) “Quinta Generatión de Líderes: Desafios de la Próxima Sucessión”, Vanguardia Dossier – China Poder Y Fragilidad, nº 40, jul/set. MCGREGOR, Richard (2012) The Party – The Secret World of China s Communist Rulers. New York: Harper Collins. MAHAN, Alfred Thayer (2010) Sea power in its relations to the War of 1812. Cambridge: Cambridge University Press. MATTIS, Peter (2013) “In a Fortnight”, China Brief, vol XIII, 12, June 7, 1-18. O'ROURKE, Ronald (2013) “China Naval Modernization: Implications for U.S. Navy Capabilities – Background and Issues for Congress”. CRS Report for Congress, 1-107. RÍOS, Xulio (2012) “Las Crisis en los Mares de China: Implicaciones Geopolíticas y en Materia de Seguridade”, IGADI Instituto Galego de Análise e Documentación Internacional. Disponível em: <http://www.igadi.org///>. Acesso em: 13 de Ago. 2013. SHAMBAUGH, David (2013) China Goes Global – The Partial Power. Oxford: Oxford University Press. TAIPEI TIMES (2012) “Activists Ignite Dispute over Diaoyutai”, 5 de Julho de 2012, 1. TAIPEI TIMES (2006) “Hu Jintao Calls for More Powerful Navy”, 29 de Dezembro, 1. JANE’S DEFENCE WEELKY (2012) “Annual Defence Report 2012”, 12 de Dezembro, pp. 1-50. YOSHIHARA, Toshi; HOLMES, James R. (2010) Red Star over the Pacific: China's Rise and the Challenge to U.S. Maritime Strategy. Maryland: Naval Institute Press. XINHUA - Agência Noticiosa Nova China (2013) “人物特稿:“人民群众是我们力量的源泉”——记中共中央总书记习近平”. Disponível em: <http://www.xinhuanet.com/politics/zgldrxdt/index.htm>. Acesso em: 15 de Dez. 2013.

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O impacto do tecno-nacionalismo chinês na era global

Luís Cunha Doutorado em Relações Internacionais; autor do livro “A Hora do Dragão – Política Externa da China”

A China ambiciona ganhar o prémio Nobel da Ciência. Mais do que qualquer outro galardão internacional. Trata-se de um desígnio, ainda que não abertamente assumido, enquadrado no plano delineado pelo Governo chinês para transformar a China num país avançado em matéria de ciência e tecnologia até ao final de 2020. O modelo de desenvolvimento da China, baseado em mão-de-obra intensiva e industrialização desregulada, está a chegar ao fim do seu ciclo de vida. O plano para os próximos anos aponta para a inovação, única forma de a China conseguir ombrear com as principais potências mundiais e de escapar à estagnação económica. O sonho chinês , baseado no rejuvenescimento de um passado glorioso, passa agora pela conquista de novas fronteiras no campo da ciência e tecnologia. Mas há outras razões, de natureza mais profunda, para a China querer ser uma das grandes potências tecnológicas do século XXI. Há 250 anos o Império do Meio foi subjugado pelas potências coloniais que, fazendo uso de modernas tecnologias, sujeitaram a China ao século de humilhações. Tratou-se, em rigor, de uma dupla humilhação, uma vez que muitas das

tecnologias então exibidas, pelas potências ocidentais e Japão, tinham a sua origem histórica na China, berço durante séculos da inovação e das mais brilhantes descobertas científicas. A civilização chinesa desfrutava então de um avanço de séculos em relação a todo o mundo. A China antiga e medieval controlava a tecnologia de ponta da época. Ainda no século XVII a elite ocidental desconhecia que a pólvora, a impressão e a bússola magnética tinham sido invenções chinesas. Devido a um conjunto de razões culturais a China não explorou muitas das suas contribuições científicas para o mundo, ficando arredada da revolução científica que deu origem à moderna ciência no século XVII. Também as revoluções industriais passariam ao largo da China. Sabe-se no entanto, graças ao trabalho de cientistas como Joseph Needham, que possivelmente mais de metade das invenções e descobertas do mundo moderno têm a sua origem na China. Com o advento da abertura da China ao mundo tudo mudou. A China transformou-se rapidamente na fábrica do mundo e passou a ter acesso a valiosas tecnologias estran-

O programa espacial chinês é um dos principais símbolos do tecno-nacionalismo com características chinesas.

geiras. O país chega ao primeiro quartel do século XXI com mais auto-confiança. A nível geopolítico, mas também no domínio da inovação científica e tecnológica. Trata-se de uma espécie de renascimento, que pretende fazer do avanço tecnológico uma das suas principais bandeiras. O socialismo com características chinesas passou a incorporar a ciência e tecnologia, numa tentativa de afirmação do nacionalismo chinês – dentro e fora de portas. Consciente da premência na modernização tecnológica do país, a elite governativa da China – ela própria a maior tecnocracia do mundo – optou por levar a cabo o mais ambicioso programa de pesquisa e desenvolvimento desde que J. F. Kennedy embarcou na corrida à Lua1.

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Wilsdon, James, James Keely, “China: The next science superpower?”, Demos, London, 2007, pg. 6.

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O impacto do tecno-nacionalismo chinês na era global

Em 2006 o Governo chinês lançou um plano de desenvolvimento da ciência e tecnologia, a médio e longo prazo, com três grandes objectivos para a China: sociedade orientada para a inovação (2,5% do PIB em 2020); líder mundial em ciência e tecnologia (2050); redução da dependência da tecnologia estrangeira para 30%. Refira-se, a título de exemplo, que apenas 8 dólares no fabrico de um Iphone ficam na China, chamando a Apple a si a respectiva propriedade intelectual e ainda outros direitos e benefícios comerciais.

De acordo com um estudo recente da OCDE, o investimento chinês em P&D está a subir vertiginosamente. De tal modo que a escala usada no gráfico é diferente para a China.

A descrição talvez seja exagerada, mas dá o tom da importância atribuída pelo Governo chinês, e observadores estrangeiros, à emancipação que quer passar da imitação para a inovação. Por outro lado, é a própria Academia das Ciências da China (ACC) a reconhecer que hardly any landmark science problem and theory have been initiated or discovered by the Chinese 2. Um handicap embaraçoso para a nação que, em apenas três décadas, soube transformar-se no maior exportador mundial, na segunda economia mundial (terceira se contarmos com a UE) e, mais recentemente, no terceiro maior investidor mundial.

Todavia, embora disponha de enormes recursos humanos e financeiros, a China terá dificuldade em fugir à technology trap, isto é, à dependência da tecnologia estrangeira que tem vindo a alimentar a sua máquina produtiva.

A batalha pela inovação Nas últimas três décadas a China levou a cabo um ambicioso programa de desenvolvimento assente em três pilares: aquisição massiva de tecnologia estrangeira; crescente investimento no ensino superior; investimento nas instituições de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Simultaneamente, a China planeia registar 2 milhões patentes/ano até 2015. Em 2011 a China foi já o país que registou mais patentes. Em todo o caso, o Banco Mundial adverte que a inovação não é um objectivo que se possa alcançar através do planeamento governamental. O aumento exponencial das publicações científicas é outro dos objectivos, sendo de registar que a Academia de Ciências da China publicou em 2012 mais 50% de papers, por comparação com 2011, passando assim da 23ª posição para 12ª do ranking mundial. É de registar que a ACC é responsável por 100.000 doutoramentos/ano. Actualmente a UE e a China estão a travar uma batalha pela inovação e, com esse propósito, mobilizam vastos recursos para atrair os melhores cientistas a nível mundial. A crise financeira mundial fez com que a inovação científica seja mais importante que nunca. Desde 2009, a China é o segundo país que mais despende em P&D, a seguir aos EUA.

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Yongxiang Lu (ed.), Science & technology in China: Roadmap to 2050, Strategic General Report of the Chinese Academy of Sciences, Science Press, Beijing, 2010, pg. 30.

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Na realidade, na última década a China tem vindo a aumentar os gastos em P&D em cerca de 20% ao ano, um valor que é mais do dobro do crescimento económico chinês. Em resultado, a inovação está cada vez mais presente na cadeia de valor de todas as indústrias chinesas. Em 2010 havia mais de 1.000 centros estrangeiros R&D na China, ao mesmo tempo que a China abria os seus próprios centros nos países desenvolvidos. A China dispõe de cerca de 90 parques tecnológicos, tendo inaugurado em Outubro de 2013, em Pequim, o maior parque tecnológico do mundo, já apelidado de “Silicon Valley” chinês. Ainda assim, a inovação na China tem um longo caminho a percorrer. De acordo com um estudo publicado em 2013, a China não consta da lista dos 10 países mais inovadores a nível mundial. O ranking é dominado pelos países europeus (7 em 10), liderado pela Suíça3. Todavia, é de notar que a Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) surge em sétima posição da tabela. A UE e a China têm programas específicos para encorajar a inovação científica e tecnológica. No caso chinês, já referimos o plano de médio e longo prazo lançado em 2006. Também o 12º Plano Quinquenal da China (2011-15) coloca o ênfase nos avanços científicos e tecnológicos e na modernização industrial, nomeando tecnologias-chave para as indústrias estratégicas emergentes. Em 2010 a UE lançou uma estratégia para o crescimento sustentado – Europa 2020. A União da Inovação

é uma das bandeiras dessa estratégia. Um dos objectivos principais é conseguir que a UE invista 3% do seu PIB em pesquisa e desenvolvimento. Recorde-se que esse objectivo já havia sido delineado pela Estratégia de Lisboa para 2010, não tendo sido alcançado. Em 2011 a intensidade de P&D na UE27 era de 2,03%. Os países nórdicos (Suécia, Finlândia) estabeleceram objectivos P&D de 4%, enquanto alguns competidores na Ásia podem chegar aos 5% (Coreia do Sul). São dois os programas da UE em matéria de P&D: o primeiro – Framework Program 7 – esteve em vigor entre 2007 e 2013 e dispôs de um orçamento de €55 biliões. Tratou-se do maior programa do género a nível mundial. Um novo programa – Horizon 2020 – estará em vigor entre 2014 e 2020. Dispõe de um orçamento de €70 biliões para P&D.

Tecno-nacionalismo com “características chinesas” Nos anos 90 do século passado surge na China o nacionalismo popular, baseado no tradicionalismo e no neo-conservadorismo, exaltando o Estado forte e os valores do confucionismo. No virar do século sucedeu-lhe o tecno-nacionalismo. Não sendo a exclusiva praticante deste jogo, a China distingue-se pelas características chinesas do seu tecno-nacionalismo. Desde o programa espacial, à malograda cooperação com a UE no programa de satélites Galileu, até aos condicionamentos e restrições na Internet, passando pela imposição de regras em matéria de padrões e

patentes industriais e, não menos importante, à coacção exercida sobre os investidores estrangeiros para a partilha de tecnolgia, vamos encontrar um modelo próprio de tecno-nacionalismo exercido em nome do interesse nacional. O programa espacial chinês tem somado sucessos, constituindo assim um estandarte do tecno-nacionalismo com características chinesas. Recorde-se que em 2003 a China foi o terceiro país a colocar astronautas no espaço e que em 2013 colocou uma sonda na Lua. A estação espacial chinesa, com capacidade para seis tripulantes, deverá estar concluída em 2023. Desde 2003 que os chineses estão envolvidos no projecto Galileu de navegação por satélite da União Europeia, mas vários observadores consideram que se tratou de uma aproximação utilitária, tendo em vista a captação de know-how para o programa chinês de satélites Compass (Beidou). Em 2008 a UE afastou a China da segunda fase do projecto. Dez anos mais tarde a China tem já 16 satélites em órbita (de um total de 30), enquanto a UE tem apenas 4 satélites Galileu em órbita (de um total de 26). Em consequência, em vez da cooperação espacial bilateral inicialmente ambicionada, a UE e a China poderão enveredar por uma guerra de satélites, ficando ambas as partes com capacidade para empastelar os sinais dos satélites rivais. Em suma, o envolvimento chinês no projecto Galileu parece condenado ao fracasso, deixando a descoberto as vulnerabilidades do processo decisório na UE e as

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Global Innovation Index 2013, Cornell University, INSEAD, and the World Intellectual Property Organization (WIPO).

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O impacto do tecno-nacionalismo chinês na era global

O gigantesco parque tecnológico de Pequim – Zhongguancun – é considerado o “Silicon Valley” chinês.

fragilidades da cooperação tecnológica com a China. Na verdade, a posição de abertura da UE à transferência tecnológica para a China contrasta totalmente com a posição reservada dos EUA, e outros países não europeus, na delicada questão da ofensiva tecnológica chinesa e transferência de activos estratégicos. Em 2013 a UE continuava a ser a maior fonte de fornecimento para a tecnologia chinesa (mais de 50% das importações). De acordo com um guia da UE para o investimento na China: It is important to recognize that part of the motivation for the Chinese company in a technology transfer is obtaining foreign technology and know-how. This is not a secret and you should not treat it like one 4.

Muitos observadores acusam os europeus de ingenuidade no modo como têm deixado os interesses chineses penetrarem em áreas estratégicas, muitas vezes repletas de tecnologia de ponta. Actualmente cerca de 85% das tecnologias têm dual-use , isto é, têm potencial para serem utilizadas para outros fins, incluindo militares. O reverse engineering (a desmontagem, estudo e adaptação de tecnologia estrangeira) é permitido de acordo com a lei chinesa. Mas há outras vias disponíveis. Interestingly, we have difficulty getting technology from the United States but we got lots of technology from Canada that is really from the United States5. Neste contexto manter a liderança tecnológica do Ocidente vai ser

cada vez mais difícil face à entrada em cena das potências emergentes. O planeamento estratégico delineado pelo Governo chinês, a par da inesgotável massa crítica disponível no campo científico e tecnológico, poderá catapultar a China para a condição de potência global naquelas áreas. Para o Banco Mundial, after losing ground for over two hundred and fifty years, China is sparing no effort to become a global force in technology, and possibly even the leader, by 2030 6. Em suma, o tecno-nacionalismo chinês assume especificidades culturais e históricas muito fortes, impregnado de uma assertividade que, simultaneamente, é obrigada a conviver com as condicionantes da globalização.

________________________ 4 5

6

Technology transfer to China, Guidance for Business, China IPR SME Helpdesk, 2012, pg. 1. Xinning Song, Stars and Dragons, House of Lords, European Union Committee, 7th Report of Session 2009–10, Volumes I, London, March 2010, pg. 158. China 2030, Building a Modern, Harmonious, and Creative High-Income Society, The World Bank and the Development Research Center of the State Council, the People’s Republic of China, Washington, 2012, pg. 175.

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Os valores nacionais em Herculano Guardo, desde muito novo, na minha memória as palavras com que Alexandre Herculano encerra o primeiro volume da História de Portugal, e que, inevitavelmente, recordo sempre que entro na velha igreja de Santa Cruz, em Coimbra. Diz o grande historiador sintetizando a vida e obra de D. Afonso Henriques: “Naturalmente belicoso, duas gerações sucessivas aprenderam na sua escola o duro mister da guerra e alcançaram legar aos vindouros as gloriosas tradições de esforço e de amor pátrio que a nação guardou religiosamente durante alguns séculos. Antes, porém, que Afonso I pudesse confiar à sorte das batalhas a independência do seu país, precisava de ampará-lo, enquanto planta débil, com a destreza da política. Daí nascia, em certas circunstâncias, um proceder que, absolutamente considerado, a severidade da moral condenará. Visto, porém, o quadro à conveniente luz, as manchas que, aliás, assombrariam o altivo e nobre vulto do nosso primeiro rei quase desaparecem, e a simpatia que em todos os séculos a gente portuguesa mostrou pela memória do filho do Conde D. Henrique torna-se respeitável, porque tem as raízes num afecto dos que mais raros são de encontrar nos povos, a gratidão para com aqueles a quem muito deveram. Este afecto nacional chegou a atribuir a Afonso Henriques a auréola dos santos e a pretender que Roma desse ao fero conquistador a coroa que pertence à resignação do

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António Leite da Costa Historiador e Ensaísta

atribuindo-lhe uma conotação religiosa que não é apenas fruto da sua visão romântica, como julgam alguns, mas entronca directamente na essência do próprio conceito. Seja-me, por isso, permitido realçar duas expressões de este texto e ambas de amplo significado: amor pátrio que a nação guardou religiosamente e outra religião também veneranda, a da pátria. No prefácio de O Bobo usa uma expressão similar: altar de amor pátrio (Lisboa, Verbo, 2005, p. 68).

Alexandre Herculano. Óleo do Visconde de Athougia. 1880.

mártir. Se uma crença de paz e de humildade não consente que Roma lhe conceda essa coroa, outra religião também veneranda, a da pátria, nos ensina que, ao passarmos pelo pálido e carcomido portal da Igreja de Santa Cruz, vamos saudar as cinzas daquele homem, sem o qual não existiria hoje a nação portuguesa e, porventura, nem sequer o nome de Portugal” (Lisboa, Bertrand, 1980, pp. 600-601). Estas palavras, que bem podiam estar gravadas junto do magnífico túmulo manuelino que o Rei Venturoso mandou fazer para guardar os restos mortais do nosso primeiro monarca no panteão conimbricense, trazem também a marca do conceito de pátria que Alexandre Herculano várias vezes explicitou,

Ora, a formação da consciência patriótica tem origem na transposição das ideias sobre a pátria celeste – última e natural morada de todo o cristão – para a pátria terrestre, local de transitória e inevitável passagem neste mundo de que somos simples hóspedes ou exilados em trânsito (in via) para a mansão celeste, como nos ensina Sto. António. Tudo isto se desenvolve na Idade Média, por natural influência do Cristianismo. A verdadeira pátria é a pátria celeste de que nos falam, entre outros, Santo Agostinho, Sto. António de Lisboa e o próprio D. Afonso Henriques num documento de Maio de 1138 (Carta de confirmação e ampliação do couto dado por D. Teresa à Sé do Porto). E para alcançar a verdadeira pátria, o reino dos céus – regnum coelorum – todo o cristão devia, se necessário, oferecer a própria vida. O combate pela Jerusalém terrestre que ocorreu no período das Cruzadas estabelece,


Os valores nacionais em Herculano

Alexandre Herculano. Óleo de João Galhardo. c. de 1878-79.

de novo, a ligação com a Jerusalém celeste. É que a própria terra, ou o reino, assume de igual modo carácter sagrado, autêntico corpo místico como o corpo de Jesus Cristo. Assim se passa da pátria celeste para a pátria terrestre e à crença de que quem luta e morre em defesa da sua pátria pode também alcançar a bem-aventurança eterna. Este velho conceito – pro patria mori – espalhou-se na Iª Guerra Mundial e chegou aos nossos dias.

quando se acha só, recorda as memórias de pai e mãe que já não são, de antepassados e parentes que mal conhecem (Opúsculos, Tomo V, Tomo II, Lisboa, 1881, p. 34). E no III vol. da História de Portugal classifica não só o amor da pátria de mais puro e generoso, talvez dos afectos humanos como também de outra religião também veneranda. Acrescenta ainda, noutro texto – “Apontamentos para a história dos bens da Coroa”, Opúsculos, VI, p. 204 -, que a falta de esse amor pátrio é indício certo da morte da nacionalidade, e por consequência do estado decadente e da última ruína de qualquer povo (Cf. Albin Eduard Beau, Estudos , vol. II, Coimbra, 1964, pp.149-150). E é também esse amor da pátria que leva Alexandre Herculano a legar-nos a sua História: Para o homem sacrificar a longas e áridas investigações, frequentes vezes sem resultado, todas

O amor e a defesa da pátria têm, assim, também carácter religioso e daí as expressões empregues por Herculano amor pátrio que a nação guardou religiosamente, outra religião também veneranda, a da pátria que nos aparecem na História de Portugal ou altar de amor pátrio, no romance O Bobo. O estudo da nossa antiga história, como nos diz na Iª Carta sobre a História de Portugal (a 1 de Abril de 1842) revela esse mesmo carácter já assinalado: Há neste falar de recordações de avós o que quer que é saudoso e santo, porque a história pátria é como uma dessas conversações de pé do lar em que a família,

Ideia que reforça no prefácio à terceira edição de esta obra: Entendi e ainda entendo que, trabalhando desse modo para bem do herdeiro da coroa e, virtualmente, para o bem da terra em que nascera, dava um documento, ao mesmo tempo de gratidão e de patriotismo, mais eficaz do que todos os protestos estéreis com que muitos costumam saldar dívidas de uma e outra ordem. E, mais à frente, conclui: Tal foi a origem deste livro (História de Portugal, vol. I, pp. 3-4). Mas também nos diz, aparentemente de modo contraditório, que convertendo em realidade o meu pensamento, procurei esquecer-me de que sou português, e parece-me tê-lo alcançado. O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é péssimo conselheiro do historiador. É evidente que Alexandre Herculano se refere aqui à falta de sentido crítico do historiador na análise dos documentos, na interpretação dos factos, na valorização das acções, no desenrolar dos acontecimentos, em suma, na correcta percepção do sentido da história. A lição que colheu nos mestres da escola francesa e da escola alemã defendeu-o eficazmente dessa tentação e evitou-lhe o perigo de resvalar facilmente numa valorização do passado sem rigor científico e suporte documental. Passemos, agora, à ideia de nação.

Alexandre Herculano. Óleo de Lucas Marrão. 1889.

as faculdades do espírito, quase todas as horas da vida, com o intuito de dar ao seu país uma história, se não boa ao menos sincera, é necessário, creio eu, algum amor de pátria (Advertência da 1ª edição, p. 16).

A palavra nação – escreve Alexandre Herculano – representa uma ideia complexa. Agregações de homens ligados por certas condições, todas as sociedades humanas se distinguem entre si por caracteres que determinam a existência individual desses corpos morais. Muitos e diversos são estes caracteres, que podem variar de uns para outros povos; mas há três pelos quais co-

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quando, e como nasceu este indivíduo moral chamado a Nação? Estes três caracteres, como lhe chama, a raça – a que hoje daria o nome de povo, para evitar equívocos ou levianas e apressadas interpretações –, a língua e o território, ganham peso e forma na Idade Média. É, de facto, neste período que o organismo vivo da nação, esse corpo moral, gera os elementos essenciais que integram a própria história nacional, realizando modelos próprios de índole espiritual, moral, social e política que lhe dão uma existência única e exclusiva, própria e nacional, susceptível de apresentar características fecunAlexandre Herculano. Fotografia a meio corpo. 1865.

mummente se aprecia a unidade ou identidade nacional de diversas gerações sucessivas. São eles: a raça, a língua, o território. Onde falta a filiação das grandes famílias humanas supõe-se ficar servindo de laço entre os homens de épocas diversas e semelhança de língua e o haverem nascido debaixo do mesmo céu, cultivado os mesmos campos, vertido o sangue na defesa da pátria comum. E na verdade, fora destas três condições, a nação moderna sente-se tão perfeitamente estranha à nação antiga como à que nas mais longínquas regiões vive afastado dela. E é precisamente baseado neste conceito de nação que o historiador nos vai mostrar a sua génese e desenvolvimento, pois, como também nos diz, estes caracteres não têm um valor real senão à luz histórica (Hist. de Portugal, vol. I, p. 42). É a resposta à pergunta que ele próprio tinha formulado na segunda Carta sobre a História de Portugal (Opúsculos, Tomo V, Tomo II, p. 39): onde,

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Alexandre Herculano. 1855.

das de uma realidade diferente, portuguesa, que ganha raízes nesse passado longínquo que é o alvo do seu cuidado e rigoroso estudo. Estudo que pretende abarcar aquilo que define como índole nacional, isto é, os elementos intrinsecamente nacionais e, por isso, constitutivos e construtivos da nação portuguesa, que considera foram reprimidos por imitações

latinizantes ou afrancesadas, devendo a nação libertar-se de todos esses elementos espúrios, alimentando-se e vivendo da sua própria substância. Como nos diz em carta a Oliveira Martins (25-XII-1875): O único intuito do que escrevi foi deixar às gerações futuras em Portugal alguns meios para uma cousa que me parece hão-de algum dia tentar fazer, isto é, tornar as instituições mais harmónicas, mais consequentes com as tradições e índole desta família portuguesa. E, mais adiante, reforça. A minha crença é que, por esse meio, nós chegaremos a tornar a liberdade verdadeira e real, o que não temos obtido com imitações bastardas de instituições e até de utopias peregrinas (Cf. A. E. Beau, Estudos, II, p.150). Para isso achou necessário escrever uma História de Portugal para que assistíssemos ao nascimento de uma Nação, porque recordar o passado é uma espécie de magistratura moral. Assim o afirma na introdução a O Bobo: Pobres, fracos, humilhados, depois dos tão formosos dias de poderio e renome, que nos resta senão o passado? Lá temos os tesouros dos nossos afectos e contentamentos. Sejam as memórias da pátria, que tivemos, o anjo de Deus que nos revoque à energia social e aos santos afectos da nacionalidade. Que todos aqueles a quem o engenho e o estudo habilitam para os graves e profundos trabalhos da história se dediquem a ela. No meio de uma nação decadente, mas rica de tradições, o mister de recordar o passado é uma espécie de magistratura moral, é uma espécie de sacerdócio. Exercitem-no os que podem e sabem; porque não o fazer é um crime (O Bobo, p. 67). Crime maior, acrescento, quando repudiamos, na sua feliz expressão, os santos afectos da nacionalidade.


Os valores nacionais em Herculano

Philadelphia, 1876. Diploma conferido a Alexandre Herculano de Carvalho.

A defesa da identidade cultural foi outra das batalhas travadas por Herculano. Voltemos a Santa Cruz e ouçamo-lo: Levaram-nos a Coimbra em 1834 obrigações de serviço público. Residíamos aí quando foi suprimido o mosteiro de Santa Cruz. Correu então a notícia de que se pretendia pedir ao governo que esse belo edifício fosse doado ao município. Mas, para quê? Para a Câmara o arrasar e fazer uma praça. Não se realizou o nefando alvitre; mas os bons desejos não faltaram. Uma praça no lugar onde estivera Santa Cruz; uma praça calçada com os fragmentos dos rendados umbrais do velho templo, com as lájeas quebradas dos túmulos de Afonso Henriques e de Sancho I e dos demais varões ilustres que ali repousam! Há aí, porventura, quem avalie a sublimidade de tal pensamento e meça a incomensurável distância que vai de um edifício monumento, onde apenas há história, arte, poesia, religião, a esse terreno amplo, bem amplo, onde a vadiagem possa estirar-se regaladamente ao sol?

(“Monumentos pátrios – 1838”, Opúsculos, tomo II, 1873, p.24).

que neste havia grande e belo e que era muito.

Já antes (p.16) dissera, lavrando um protesto contra o vandalismo actual: Nossos pais destruíram por ignorância e ainda mais por desleixo: destruíram, digamos assim, negativamente: nós destruímos por ideias ou falsas ou exageradas; destruímos activamente; destruímos, porque a destruição é uma vertigem desta época. Anos mais tarde, numa carta enviada de Vale de Lobos a Latino Coelho (de 6 de Abril de 1868) dirá mesmo: fui eu, se não me engano, o primeiro que proclamei a possibilidade e a necessidade de conciliar o amor dos foros de homens livres com a veneração às tradições gloriosas e santas do passado, ao que neste havia grande e belo e que era muito. Em relação aos monumentos da arte em Portugal é que essa conciliação sobretudo urgia há trinta anos . Repare-se, uma vez mais, na expressão de Herculano: veneração às tradições gloriosas e santas do passado e, ainda, ao

A valorização do património cultural português era um combate que o Autor de Lendas e Narrativas travava há muitos anos, no intuito, como escreve na citada carta, de amparar como podia e sabia e desprezando suspeitas e acusações insensatas, o que do antigo edifício social, nas suas diversas manifestações materiais e morais, era necessário salvar, porque representava a ideia da pátria na sucessão dos tempos (Cf. David Mourão-Ferreira, Alexandre Herculano e a valorização do património cultural português, Edição da Secretaria-Geral da Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa, 1977). Ou seja, era necessário preservar e salvaguardar as diversas manifestações materiais e morais, isto é, a cultura portuguesa, porque representava a ideia da pátria, ao longo dos tempos. Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo – caso singular de um escritor

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Garrafa de “Azeite Herculano da Quinta de Vale de Lobos”.

que é conhecido pelos dois primeiros nomes – nasceu em Lisboa a 28 de Março de 1810 e faleceu em Vale de Lobos a 13 de Setembro de 1877. Em 1910, no primeiro centenário do seu nascimento, realizaram-se, um pouco por todo o país, desde Paredes de Coura até Lagos – em 65 localidades, concretamente – inúmeras conferências, exposições, manifestações cívicas e espectáculos públicos. Em 1977-78, comemorando-se agora o primeiro centenário do seu passamento, de novo se organizaram as mesmas actividades culturais, extensíveis desta vez à Madeira (Funchal) e aos Açores (Angra do Heroísmo e Graciosa), num total de 55 localidades abrangidas e não coincidentes com as comemorações do princípio do século. Em 2010, no bicentenário do seu nascimento, as comemorações revestiram uma forma diferente e singular: silêncio, escuridão e pouco mais. Numa obra publicada nos anos setenta do século passado – e signifi-

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Os valores nacionais em Herculano

cativamente intitulada L’oscuramento dell’Intelligenza, O obscurecimento da inteligência –, o filósofo italiano M.F. Sciacca diz-nos que assistimos a uma ofensiva contra a cultura e à proscrição dos “clássicos”. Afirmação que é, infelizmente, ainda hoje perfeitamente válida. Proscrição, acrescenta o pensador italiano, sobretudo das verdadeiras energias criadoras, de autores escorbúticos, de ideias pontiagudas, que não se prestam a arredondamentos e que contribuem para a formação da cultura. Daqui resulta uma impiedade cultural que é consequência da perda da inteligência do ser, valorizando tudo o que passa e negando os valores que permanecem. A história não é o que “passa” mas o que fica, não é de um tempo mas de todos os tempos e a todos esgota. Ora isto, como nos diz M.F. Sciacca, leva à corrupção e dissolução da cultura que deste modo não é sequer anti-histórica, mas ahistórica ao reduzir o homem a uma coisa, a uma mera espécie que se reproduz num vazio e deserto humano. Ou, como disse, Alexandre Herculano: Há nesta época dois caminhos a seguir; um, estrada larga, batida, plana, sem precipícios, mas que conduz à prostituição da inteligência; outro, vereda estreita, tortuosa, malgradada, mas que se dirige ao aplauso da própria consciência. Aqueles cujas esperanças não vão além dos umbrais do cemitério e que aí vêem, não o termo da sua peregrinação na terra, mas o remate da existência, que sigam a fácil estrada. Nós, porém, que guardamos para além da vida as nossas melhores esperanças, tomaremos o bordão do romeiro e iremos rasgar os pés pela vereda dos espinhos (“Monumentos pátrios”, Opúsculos, Tomo II, pp. 5-6). São assim os homens de carácter. Era assim Alexandre Herculano.

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Os nossos parceiros

Breve Histórico do Real Gabinete Português de Leitura

António Gomes da Costa Presidente do Real Gabinete Português de Leitura

Em 14 de Maio de 1837, um grupo de 43 emigrantes portugueses do Rio de Janeiro resolveu criar uma biblioteca para ampliar os conhecimentos de seus sócios e dar oportunidade aos portugueses residentes na então capital do Império de ilustrar o seu espírito. Foi a primeira associação desta comunidade na então capital do Império. Logo nos primeiros anos após a sua fundação as diretorias passaram a adquirir milhares de obras, algumas raras, dos séculos XVI e XVII – e entre elas podemos mencionar um exemplar da edição “prínceps” de Os Lusíadas, que pertenceu à Companhia de Jesus de Setúbal; as Ordenações de D. Manuel, de Jacob Cromberger, editadas em 1521, e os Capitolos de Cortes e Leys que sobre alguns delles fizeram, publicados em 1539. O certo é que a ampliação da biblioteca obrigou à mudança da sede por várias vezes: da casa da rua de S. Pedro nº 83, foi para a rua da Quitanda nº 55 e desta, em 1850, para a rua dos Beneditinos nº 2. Para se ter uma idéia do crescimento do acervo bibliográfico basta mencionar que em 1872 a biblioteca já possuía 20.471 obras (ou 44.917 volumes). É por essa altura que os dirigentes começam a pensar em construir uma sede de maiores dimensões e condizente com a importância da instituição. Para esse fim, é adquirido um terreno na antiga rua da Lampadosa. E as comemorações do tricentenário da morte de Camões (1880) vão ser o grande pretexto para motivar a “colônia” portuguesa e levar adiante o projeto. Fachada do RGPL.

Real Gabinete Português de Leitura Endereço: Rua Luiz de Camões, 30 – Centro Rio de Janeiro - RJ Tels.: 2221-2960 / 2221-3138 Site: www.realgabinete.com.br E-mail: gabinete@realgabinete.com.br

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O projeto escolhido para o edifício da atual sede, foi o do arquiteto português Rafael da Silva e Castro, com seu traço em estilo neomanuelino, evocando a epopéia dos Descobrimentos portugueses. O edifício, cuja fachada é inspirada no Mosteiro dos Jerónimos de Lisboa, foi trabalhada por Germano José Salle em pedra de Lioz em Lisboa e trazida de navio para o Rio. As quatro estátuas que a adornam retratam o Infante D. Henrique, Luís de Camões, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama, e os medalhões, os escritores Fernão Lopes, Gil Vicente, Alexandre Herculano e Almeida Garrett. O estilo neomanuelino também está presente nas portadas, estantes de madeira para os livros e monumentos comemorativos. O teto do Salão de Leitura tem uma belíssima clarabóia e um lustre monumental. O interior desse salão contém uma estrutura de ferro, o primeiro exemplar desse tipo de arquitetura no Brasil, além de inúmeras obras de arte espalhadas por todo o prédio, desde bustos de escritores e personagens históricas, até uma coleção de pinturas de Eduardo Malta, Oswaldo Teixeira, José Malhoa e Carlos Reis.


Salão de Leitura – Acervo do RGPL.

Na nova sede do Real Gabinete foram realizadas as cinco primeiras sessões solenes da Academia Brasileira de Letras, sob a presidência de Machado de Assis. Nas últimas décadas, e com o objetivo de dar mais dinamismo às suas atividades, o Real Gabinete criou um Centro de Estudos que abriga um Polo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras, promove sistematicamente cursos de extensão universitária sobre Literatura, Língua Portuguesa, História, Antropologia e Artes, colóquios e conferências, a cargo de professores universitários, e edita a revista Convergência Lusíada (semestral), que é distribuída a centenas de instituições culturais e universidades de todo o mundo. A programação dos cursos é divulgada no site da instituição e nas universidades. Atualmente a biblioteca, que conta com um quadro de 2.400 associados, tem um acervo de cerca de 400.000 volumes e está totalmente informatizada, podendo o seu catálogo ser acessado pela internet. Folha de rosto de livro raro (1598) sobre a presença dos Jesuítas na China e no Japão – Acervo do RGPL.

Está aberta ao público de segunda a sexta-feira, de 9 às 18 horas. A entrada é franca e as consultas são grátis.

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IIM – 2013: um ano de actividades Palestras e Conferências HISTÓRIA ECONÓMICA DO BRASIL E PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL Tema trazido ao IIM em 21 de Novembro, por Áureo de Mello Júnior, numa sessão organizada para debater o desenvolvimento do Brasil no pós-golpe militar (1964/85), os 10 anos que levou a estabilizar a economia (após implantação da Terceira República em 1985) e os subsequentes projectos que têm vindo a afirmar o Brasil no mundo. No final da sessão, o Prof. Áureo de Mello Júnior ofereceu à biblioteca do IIM um conjunto de 50 obras de autores brasileiros. ESTUDOS PORTUGUESES E MACAENSES DA UNIVERSIDADE DE BERKELEY Roy Xavier, Director do Projecto de Estudos Portugueses e Macaenses da Universidade de Berkeley, Califórnia, proferiu, a 4 de Dezembro, uma palestra intitulada “Recuperando a História de uma Cultura Perdida”. Este Professor do Intitute for the Study of Social Issues of U.C. Berkeley, tem vindo a trabalhar em projectos de investigação sobre a história dos Macaenses na Ásia e na Diáspora com centros de investigação de cerca de 35 países.

8ª edição da Conferência Internacional dos “Asia Scholars” (ICAS 8) juntou cerca de 1.200 congressistas provenientes de várias partes do mundo. Peritos da região Ásia-Pacífico reuniram-se para debater, em Macau, temas que vão da Política à Justiça, da Arte à Literatura Asiática, Sociedade, Religião, Administração Pública, Filosofia Confuciana e Relações Internacionais. Integrado no programa da conferência, o IIM organizou um painel sob o tema “The Macanese Community and Heritage – Cultural Identity and Integration” que foi coordenado por Jorge Rangel, Presidente do IIM, que abriu o debate com uma reflexão sobre a identidade macaense. Para completar o painel, seguiram-se intervenções de José Sales Marques, com o tema “Macanese Community and Identity Building of the Macau Special Administrative Region”, de Miguel de Senna Fernandes que abordou a problemática da “Macanese Community, Its Boundaries and Its Role in the Coming Future”, de Alexandra Sofia Rangel com o tema “The Macanese Community, Yesterday and Today” e de Carlos Marreiros que falou sobre “21st Century, Macau SAR: Will Macanese Community Survive?”.

Seminários

CONFERÊNCIA DO ICAS 8 (INTERNATIONAL CONFERENCE OF ASIA SCHOLARS)

V SEMINÁRIO “O PAPEL DE MACAU NO INTERCÂMBIO SINO-LUSO-BRASILEIRO”

O IIM esteve presente, de 24 a 27 de Junho, naquele que é considerado um dos maiores encontros de académicos da área das ciências sociais – a

A sessão inaugural do V Seminário “O papel de Macau no Intercâmbio Sino-Luso-Brasileiro”, que como habitualmente vem sendo organizado

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pelo IIM e pelo Instituo Brasileiro para o Estudo da China e da ÁsiaPacífico (IBECAP) foi realizada no auditório Paulo Nogueira Baptista, do Palácio Itamaraty, em Brasília, a 17 de Setembro. Abriu a sessão o Presidente do IBECAP, Severino Cabral, e o Vice-Presidente do IIM, José Amaral, fazendo uma descrição das instituições que representam e o significado e objectivos do Seminário, usando a seguir da palavra o Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da China no Brasil, Li Jinzhang, que se referiu à cada vez maior importância de Macau no relacionamento cultural e económico com os países de língua portuguesa. A Embaixadora Maria Edileuza Reis, Subsecretária Geral Política II do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que usou da palavra a seguir, referiu a importância da herança portuguesa nas relações Sino-Brasileiras, através de Macau, terminando fazendo uma retrospectiva das relações sino-brasileiras e uma análise do estado de desenvolvimento de alguns projectos que decorrem no âmbito da cooperação bilateral. Encerrou a sessão o Emb. Francisco Mauro Brasil de Holanda, Director do Departamento da Ásia do Leste do Ministério das Relações Exteriores. O Seminário continuou com sessões no Rio de Janeiro que decorreram, a 16 de Outubro, no auditório da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com intervenções daqueles dirigentes das instituições organizadoras e ainda do Dr. Rudolfo Faustino, Coordenador do Turismo de Macau em Lisboa, do


IIM – 2013: um ano de actividades

jornalista Carlos Tavares e de Bernardo Ferreira, do IBECAP, e no Real Gabinete Português de Leitura, a 17 de Outubro, com uma sessão de lançamento de edições relacionadas com o tema do Seminário. O Seminário prosseguiu a 29 de Outubro, em Aveiro, no Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração (ISCIA), com intervenções dos oradores das sessões anteriores e do Prof. Jorge Tavares da Silva, Presidente do Observatório de Comércio e de Relações Internacionais daquela instituição de ensino superior. Em Lisboa, a sessão do Seminário realizou-se a 31 de Outubro no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), sendo os oradores o Presidente do IIM, Jorge Rangel, que presidiu, Bernardo Ferreira, do IBECAP, Luís Cunha, professor universitário, e o Presidente do IBECAP, Severino Cabral. Macau foi o destino seguinte das sessões do Seminário – a 6 de Novembro, o auditório do IIM foi cenário para uma sessão presidida por Jorge Rangel, Presidente do IIM, em que esteve presente o Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Emb. Murade Murargy, que ao usar da palavra começou por felicitar os organizadores pela iniciativa do Seminário e realçou a importância que Macau poderá ocupar no relacionamento da China com os Países da CPLP e também o papel determinante que poderá desempenhar como centro de difusão da língua portuguesa.

Economia e Negócios Internacionais, numa sessão em que intervieram, além dos dirigentes do IIM, do IBECAP e da CNC presentes, o Emb. Chen Duquing, ex-Embaixador da China no Brasil, Prof. Wang Cheng’an, Director-Geral do CEPLP, Ye Zhiling, professor da Universidade de Línguas Estrangeiras de Pequim, Yu Huijuan, do Departamento de Português da Rádio Internacional da China e Zhao Xuemei, do Conselho da América Latina da China. Em todas as sessões realizadas foram lançadas 3 edições do IIM, relacionadas com o tema do Seminário: “Delta do Rio das Pérolas – a história notável do delta” e “Delta do Rio das Pérolas-Cantão: o renascer de uma cidade”, ambas com coordenação de Gonçalo César de Sá, ”China – uma visão brasileira”, de Severino Cabral, e apresentada a obra “Liou She-Shung”, de Carlos Moura. No Real Gabinete Português de Leitura foi ainda lançada a obra “Portugal e Indonésia – História do Relacionamento Político e Diplomático (15091974)”, coordenação de Jorge Santos. RECIFE – MACAU, CAMINHOS DA LUSOFONia

NOS

Foram também oradores o Presidente do IBECAP, Severino Cabral, Bernardo Ferreira, do IBECAP, Carlos Tavares, da CNC, e José Salles Marques, Presidente do Centro de Estudos Europeus de Macau.

No dia 8 de Maio por iniciativa do IIM e do Movimento Festival Internacional de Culturas, Línguas e Literaturas Neo-Latinas – FESTLATINO e com o apoio do Albergue SCM, foi inaugurado no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, na cidade brasileira do Recife, Pernambuco, a exposição de artes plásticas “Quatro artistas na cidade”, que mostrou obras de Carlos Marreiros, Guilherme Ung Vai Meng, Adalberto Tenreiro e Lio Man Cheong.

O Seminário terminou a 8 de Novembro, em Pequim, no Centro de Estudos dos Países de Língua Portuguesa (CEPLP) do Centro de Estudos Regionais da Universidade de

À excepção de Ung Vai Meng, todos os artistas plásticos de Macau se deslocaram ao Recife, onde mantiveram também contactos muito frutuosos com outros artistas pernambucanos.

Antes da inauguração da exposição, realizou-se um colóquio onde Adalberto Tenreiro, que foi apresentado por Carlos Marreiros, fez uma intervenção subordinada ao tema “Macau, espaços no tempo – desenhos de vários autores, desenhos feitos no Brasil” a que se seguiu um animado debate. A abrir esta sessão usaram da palavra o Secretário-Geral do FESTLATINO, Humberto França, e o Vice-Presidente do IIM, José Amaral que explicaram os objectivos do projecto cultural “Recife-Macau nos caminhos da lusofonia”, tendo sido lançada na ocasião a obra “RecifeMacau: duas cidades, dois mundos, duas histórias, relações e contrastes”, de José Manuel Fernandes. No dia 7 de Maio, véspera da inauguração da exposição, integrado no projecto cultural “Pernambuco – Macau nos caminhos da lusofonia”, realizou-se na Universidade Federal Rural de Pernambuco, foi inaugurada a exposição fotográfica “Macau é um espectáculo” a que se seguiu um colóquio sobre o projecto cultural Recife/Macau que se está a querer desenvolver e o papel que as instituições das duas cidades podem nele desempenhar, em que intervieram o Presidente do IBECAP, Severino Cabral, e o Vice-Presidente do IIM, José Amaral, a que se seguiu uma palestra da Profª. Dorilma Neves que abordou o tema “O Português e o Espanhol no diálogo neolatino”. Encerrou a sessão o Secretário Executivo do Governo do Estado de Pernambuco, Rodolfo Ramirez, a que se seguiu uma muito aplaudida exibição da tradicional dança do frevo.

Prémios PRÉMIO IDENTIDADE 2011 Henrique d’Assumpção, galardoado com o Prémio Identidade de 2011,

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esteve em Macau no dia 23 de Maio para receber o Prémio Identidade com que foi distinguido em 2011 pelo IIM. Recorde-se que a página electrónica “Macanese Families”, criada e mantida por Henrique d’Assumpção, onde se regista a genealogia das famílias macaenses e muitos outros factos históricos relevantes no campo da cultura e das artes, recebeu, “ex-aequo” com o trabalho de Rogério da Luz, “Projecto Memória Macaense”, o Prémio Identidade no ano de 2011.

contribuído para o reforço e valorização da identidade macaense. O relevante contributo que este grupo de representação cénica tem dado para a manutenção e preservação da identidade macaense, que atravessou gerações e miscigenou culturas, foi decisivo na escolha deste projecto, que ergue como bandeira a nobre responsabilidade de não deixar cair no esquecimento o Patuá, dialecto dos macaenses. Esta cerimónia teve lugar a 4 de Dezembro, no Centro de Actividades Turísticas de Macau.

PRÉMIO JOVEM INVESTIGADOR 2013 O “Prémio Jovem Investigador”, que já conta com um histórico de 5 edições, distinguiu em 2013 os melhores trabalhos de investigação académica nas áreas de “Economia & Gestão” e de “História, Cultura e Identidade”. Cecília Tang Si Ian foi galardoada com o “Prémio Jovem Investigador”, na categoria de “História, Cultura e Identidade”, com o tema “The Development of Street Dance In Macau: Its Effects on Business and Society” e na categoria de “Economia & Gestão” foi entregue uma Menção Honrosa ao jovem investigador, Xu Wei, pelo seu trabalho “Unlocking the Impact of IRFD Investment in Three-Level Suply Chain”. A cerimónia de entrega deste concurso decorreu no IIM em 15 de Janeiro de 2014. Os trabalhos dos premiados poderão ser consultados na página do IIM em www.iimacau.org.mo. PRÉMIO IDENTIDADE 2013 O Instituto Internacional de Macau decidiu atribuir o Prémio Identidade, para o ano de 2013, ao Grupo Dóci Papiáçam di Macau. Este Prémio, criado pelo IIM em 2003, visa galardoar pessoas ou instituições que, de forma relevante e continuada, hajam

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“CONCURSO DE VÍDEO – TRADIÇÕES DE MACAU” O Concurso de Vídeo “Tradições de Macau” premiou Joana Rita Fernandes Cernadas, aluna do 11º ano da Escola Portuguesa de Macau, que concorreu na categoria de “Nível Secundário Complementar” e que apresentou o vídeo “Sentir Macau” e Cheong Hon Chong, na categoria “Nível Secundário”, que apresentou o trabalho “A Festa dos Barcos de Dragão”. A cerimónia de entrega de prémios ocorreu no IIM em 15 de Janeiro de 2014. Os vídeos premiados do concurso estão disponíveis na nossa página em www.iimacau.org.mo.

Serões Macaenses COM JOÃO BOTAS O autor do livro “Macau 1937-1945: os Anos da Guerra” e do blog “Macau Antigo” esteve no IIM para mais um Serão Macaense, no dia 3 de Abril, partilhando com a assistência as suas recordações de Macau e os trabalhos que vem desenvolvendo.

Deolinda da Conceição, o IIM homenageou esta figura cimeira da comunidade que tanto pugnou pela dignificação da Mulher macaense. A única obra escrita pela autora “Cheong-Sam – A Cabaia”, foi reeditada em 2007 e encontra-se à venda no IIM, podendo ser adquirida directamente no site em www.iimacau.org.mo.

II Encontro de Poetas Chineses e Lusófonos O II Encontro de Poetas Chineses e Lusófonos, que teve lugar dias 9 e 10 de Setembro, pretendeu reunir, em ambiente de franca convivência intercultural, algumas das figuras poéticas contemporâneas da China, de Macau e dos países de língua portuguesa. O itinerário deste ano fez-nos visitar, além dos locais que a força da História nos impõe, instituições de ensino que quiseram combinar-se connosco nesta oportunidade de podermos receber, em nossa casa, tão ilustres figuras da cultura. Neste Encontro de Poetas, achámos por bem privilegiar o contacto com a comunidade estudantil, levando a mundivivência dos nossos convidados aos palcos de instituições de ensino superior em Macau. Participaram deste encontro os poetas Fernando Pinto do Amaral, Inês Fonseca Santos, Luís Quintais, Manuel Afonso Costa e Diogo Vaz Pinto, na comitiva portuguesa, e pela delegação chinesa, Bai Hua, Chen Zhiyun, Cheng Yishen, Rong Cong, Huang Lihai, Lu Weiping, Pan Wei, Shu Dandan, Wang Yi, Zheng Danyi e Yang Zhi.

HOMENAGEM A DEOLINDA DA CONCEIÇÃO (IIM, 19 DE NOVEMBRO 2013)

EXPOSIÇÃO DE XILOGRAVURA DE WANG YI

Por ocasião do centenário do nascimento da escritora e jornalista,

Integrado no programa do Encontro, a artista plástica chinesa Wang Yi,


IIM – 2013: um ano de actividades

que se graduou na Guangzhou Academy of Fine Arts, China, em 2002, expôs um conjunto de quadros de poetas da China e de Portugal. Wang Yi tem trabalhos seus expostos na Galerie Schillerstrasse (Heidelberg, Alemanha), bem como na China no Shanghai Mingyuan Art Center; Guangdong Museum of Art; Museum of Guangzhou Academy of Fine Arts; He Xiangning Art Museum (SZ); Shenzhou (Cathay) Print Museum Certificate of Collection; Shantou Art Museum; Guiyang Art Museum.

Baptista (1826-1896), com mais de 150 anos. O autor, considerado o melhor pintor de Macau do séc. XIX, terá aprendido as técnicas de pintura europeia com George Chinnery. “A Lorcha”, obra doada pelo actual herdeiro do quadro, está a ser restaurada por uma equipa de peritos do Museu Imperial de Pequim e, uma vez recuperada, irá ser exposta num museu privado. REUNIÃO DE TRABALHO NO IIM PARA PROMOVER A PARTILHA DE DADOS

(IIM, 6 DE DEZEMBRO 2013)

Encontro das Comunidades Macaenses 2013 O Encontro das Comunidades Macaenses teve a sua última edição no passado mês de Dezembro. O Instituto Internacional de Macau associou-se à organização levada a cabo pelo Conselho das Comunidades Macaenses e coordenou, na manhã de dia 4 de Dezembro, no Centro de Actividades Turísticas, uma sessão para debater “O Papel Cultural da Diáspora Macaense”. Nesta reunião foram apresentadas duas importantes comunicações, pela Fundação Macau e pelo doutor Roy Xavier (Univ. Berkeley), reflectindo, deste modo, os esforços e os trabalhos que estão a ser desenvolvidos na área da identidade e cultura macaense. ASSOCIAÇÃO DOS 13 HONGS PARA A PROMOÇÃO DA CULTURA E DO COMÉRCIO DE MACAU (ENCONTRO DAS COMUNIDADES) Durante a sessão que o IIM organizou no Encontro das Comunidades Macaenses, foi doado à Associação dos 13 Hongs para a Promoção da Cultura e do Comércio de Macau um quadro de Marciano António

O IIM reuniu algumas personalidades que não se têm poupado a esforços para manter viva a chama das características essenciais e distintivas do Maquista (Macaense em Patuá). Este primeiro encontro, que também serviu para apresentar os projectos e conhecer as caras que estão por detrás dos mesmos, teve como primordial objectivo a criação de laços com vista ao estabelecimento de pontes entre todos os trabalhos, criando sinergias, através da partilha de dados, que possam ser úteis na divulgação da identidade macaense. LANÇAMENTO DE LIVROS A colecção “Missionários para o Século XXI” conheceu mais um volume, o VII, escrito por José Valle Figueiredo, dedicado ao Cardeal Costa Nunes, e que tem por título: “Um Apóstolo do Oriente – Aproximação à Vida e Obra do Cardeal Costa Nunes”. “Commemorating Francisco Hermenegildo Fernandes”, escrito pelo investigador e Professor de História de Macau Kai Cheong Fok, teve honras de lançamento. Um livro que fala da proximidade que este editor do jornal “Eco Macaense” tinha com Sun

Yat-Sen e, nas palavras do autor, “dos actos de cavalheirismo e bravura deste lendário camarada de Sun”. Foi lançado mais um caderno da colecção Mosaico, Vol. XXVII, da autoria de Frederic (Jim) Silva. “Reminiscences of a Wartime Refugee” aborda as vivências dos refugiados que se instalaram em Macau, durante a II Grande Guerra, bem como as suas estratégias de sobrevivência. Este caderno fala dos momentos angustiantes vividos pela comunidade macaense de Hong Kong, da forma como eles regressaram e viveram em Macau e das instituições que os apoiaram.

10 de Junho em Macau A comunidade portuguesa de Macau celebrou condignamente o 10 de Junho, Dia de Portugal, com a tradicional romagem à Gruta de Camões, depositando flores junto do busto daquele que é um dos mais fortes símbolos da identidade lusa. O instituto Internacional de Macau esteve presente na cerimónia.

S. João 2013 Dias 22 e 23 de Junho, o Bairro de S. Lázaro trajou-se para receber as festas do santo popular mais celebrado em todas as comunidades lusófonas: S. João. Aliando-se ao tradicional ambiente de festa, o IIM marcou a sua presença neste evento com um espaço de promoção da sua actividade e com a organização de uma competição de Chiquia.

Instituto Internacional de Macau Para mais informações consultar

www.iimacau.org.mo

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Edições IIM – 2013 COLECÇÃO “SUMA ORIENTAL”

Portugal e Indonésia – História do Relacionamento Político e Diplomático (1509 – 1974) COORDENAÇÃO: Jorge Santos Alves Nº pág.: Vol I – 468 Vol II - 448 ISBN: 978-99965-1-037-3

Foi publicada, em dois volumes, a obra intitulada “Portugal e Indonésia – História do Relacionamento Político e Diplomático (1509-1974)”. Sob a coordenação científica do Prof. Jorge Santos Alves, reúne um elenco de qualificados investigadores e académicos, portugueses e de outras nacionalidades, que deram o conteúdo e a forma a um trabalho de elevado rigor científico.

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Agrupados em sete capítulos, são visitados temas incontornáveis da diplomacia: a história do relacionamento; as vias do relacionamento; os agentes da diplomacia; os instrumentos da diplomacia; a língua da diplomacia; a circulação de informações e a representação cultural e, por último, mas não despiciendo, o reverso da diplomacia – expansionismo e conquista. Esta é uma obra fundamental para quem quer aprofundar conhecimentos sobre as relações entre os dois países.

Filhos da Terra AUTOR: Alexandra Sofia Rangel Nº pág.: 168 ISBN: 978-99937-45-70-9 Com ilustrações

Edição da obra de Alexandra Sofia Rangel em língua chinesa. O trabalho original, escrito em língua portuguesa, que foi tema de dissertação da tese de mestrado da autora, apresenta-nos um estudo sobre a comunidade macaense, faz um enquadramento histórico sobre as suas origens e evolução, identifica os elementos que a caracterizam e distinguem e explica o papel da comunidade macaense face ao estatuto actual de Macau.


Edições IIM – 2013

COLECÇÃO “MOSAICO”

COLECÇÃO “MILÉNIO HOJE”

Reminiscences of a Wartime Refugee

O Papel de Macau no Intercâmbio Sino-Luso-Brasileiro

AUTOR: Frederic (Jim) Silva Nº pág.: 52 ISBN: 978-99937-45-68-6 Com ilustrações

AUTORES: IIM Nº pág.: 52 ISBN: 978-989-98146-2-2

Frederic (Jim) Silva escreve-nos um registo factual sobre Macau nos anos da II Grande Guerra e como a sua população viveu e conseguiu ultrapassar aquele flagelo. Este livro aborda a forma como os macaenses de Hong Kong, ameaçados com a invasão nipónica, saíram apressadamente daquele território, as condições em que se instalaram em Macau durante aquele período, quais as instituições que os apoiaram e, por fim, o seu regresso a Hong Kong.

Este número da colecção Mosaico, o XXVIII, é dedicado à sessão de abertura do V Seminário “O Papel de Macau no Intercâmbio Sino-Luso-Brasileiro”, ocorrido em Brasília, no Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty, a 17 de Setembro. São duas as intervenções que foram transcritas nesta edição: uma tida pela Embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, Subsecretária-Geral Política II do Ministério das Relações Exteriores do Brasil; outra por Li Jinzhang, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Popular da China.

China – Uma visão brasileira AUTOR: Severino Cabral Nº pág.: 136 ISBN: 978-989-98146-1-5

São 8 os textos compilados nesta obra do Prof. Severino Cabral. Este livro é o culminar de um projecto que visa reunir algumas das mais significativas intervenções, em seminários e simpósios, dedicados aos estudos chineses no Brasil, que este professor e investigador em Teoria e História das Relações Internacionais realizou e que busca uma visão e um pensamento brasileiro sobre a China. É o 10º volume da colecção “Milénio Hoje”, numa co-edição com o Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico (IBECAP).

Estas intervenções, reputadas de especial interesse, enaltecem a importância do papel que Macau pode desempenhar, como ponte de ligação de dois dos países com economias mais fortes no teatro mundial de negócios.

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COLECÇÃO “MISSIONÁRIOS PARA O SÉCULO XXI”

Manuel Teixeira, de menino a Monsenhor AUTOR: José Mário Teixeira Nº pág.: 112 ISBN: 978-9937-45-61-7 Com ilustrações

A obra de José Mário Teixeira, “Manuel Teixeira, de Menino a Monsenhor”, compõe mais um capítulo desta colecção. Aqui são revisitados todos os locais que foram palco da vida de Monsenhor Manuel Teixeira. Desde Freixo de Espada-à-Cinta, lugar do seu nascimento, em 1912; a sua vinda para Macau integrado nas Missões do Oriente, passando pela sua ordenação; as Missões de Timor; a sua relação com o Cardeal Costa Nunes; a sua passagem por Singapura e os seus últimos tempos passados em Chaves, na Casa de Santa Marta. É mais uma homenagem que o IIM presta ao investigador da história do Oriente Português, Monsenhor Manuel Teixeira, figura ímpar e incontornável da história de Macau.

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COLECÇÃO “DELTA DO RIO DAS PÉROLAS”*

Um Apóstolo do Oriente – Aproximação à vida e obra do Cardeal Costa Nunes AUTOR: José Valle Figueiredo Nº pág.: 76 ISBN: 978-9937-45-66-2 Com ilustrações

A colecção “Missionários para o Século XXI” conheceu mais um volume, o VII, da sua valiosa lista de personagens que marcaram a Diocese de Macau. Neste livro, José Valle Figueiredo aborda a dimensão ecuménica do Cardeal Costa Nunes: de Macau a Timor e de Timor à Índia, terra onde, pelo Papa Pio XII, foi eleito Arcebispo Metropolitano de Goa e Damão, Primaz do Oriente, Patriarca das Índias Orientais e Arcebispo titular de Cranganor.

Cantão: O renascer de uma metrópole AUTOR: Thomas Chan e Louise do Rosário Nº pág.: 96 ISBN: 978-9965-955-0-9 Com ilustrações

O segundo livro da série, “Cantão: O renascer de uma metrópole”, explica o desenvolvimento da cidade de Cantão, dos tempos antigos até à actualidade, assim como os desafios futuros dessa metrópole. A cidade de Cantão tem uma história de mais de dois mil anos. Os primeiros registos referem a conquista da região pelos exércitos da dinastia Qin (221-207 AC). Cantão foi sempre, ao longo da história, uma das cidades mais prósperas e cosmopolitas da China. * Esta colecção é uma co-edição com a Macaulink


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FORA DE COLECÇÃO

Falar de Nós – IX (s/ lançamento)

Dongguan: Uma nova fase de crescimento (com ilustrações) AUTOR: Thomas Chan e Louise do Rosário Nº pág.: 72 ISBN: 978-9965-955-0-9 Com ilustrações

O nº 3 desta colecção é dedicado a Dongguan. Esta cidade, que até ao final do século passado era uma “aldeia” agrícola com cerca de 1,75 milhões de habitantes, é agora uma das maiores cidades industriais do mundo. Dongguan alberga hoje 8 milhões de pessoas e mais de 10 mil empresas com financiamento do exterior.

Shenzhen: Uma cidade para todas as estações AUTOR: Thomas Chan e Louise do Rosário Nº pág.: 72 ISBN: 978-9965-955-0-9 Com ilustrações

Cantão e outros centros urbanos da província de Guangdong têm sido o resultado de uma emigração rumo a sul de populações das regiões centrais da China. Em resultado desse processo, a expansão populacional e, em particular, o crescimento urbano, conduziu ao aparecimento de novas cidades. Shenzhen enveredou por uma fase radicalmente diferente de desenvolvimento em 1979, quando a China iniciou o processo de reformas económicas e a política de abertura. A criação de Shenzhen assumiu-se como um grande processo de desenvolvimento urbano para a construção de uma cidade nova. Novos investimentos em infraestruturas e em imobiliário foram a principal força subjacente ao processo de urbanização.

AUTOR: Jorge A.H. Rangel Nº pág.: 288 ISBN: 978-99937-45-71-6

9º volume da série “Falar de Nós”. Acontecimentos, personalidades, instituições, diáspora, legado e futuro, são temas tratados por Jorge Rangel, nesta compilação de crónicas e artigos publicados no “Jornal Tribuna de Macau”, sempre a cada 2ª feira, de 26 de Janeiro de 2012 a 21 de Janeiro de 2013. Mais um volume daquela que é, nas palavras do autor, uma “continuada conversa com o leitor sobre diversos assuntos relacionados com Macau”.

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FORA DE COLECÇÃO

Mercadores do Ópio AUTOR: Maria Helena do Carmo Nº pág.: 288 ISBN: 978-989-8616-00-5

O livro da professora Maria Helena do Carmo: “Mercadores de Ópio – Macau no tempo de Quianlong”, é um romance histórico vivenciado no séc. XVIII e que relata as relações mantidas entre os Vicente Rosa (poderosa família de Macau que se dedicava ao comércio e ao contrabando do ópio na China) e Quianlong, coroado em 1735 VI Imperador Manchu, IV da Dinastia Qing, que viria a abdicar do trono em 1796, a favor de seu filho. Este título aborda um episódio determinante da história de Macau, que viria a assegurar a presença portuguesa, até aos dias de hoje, neste lugar do Oriente. Esta obra é uma co-edição com a Editorial Tágide.

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Memórias do Romanceiro de Macau

The Portuguese in Hong Kong and China – Vol. I

AUTOR: J.J. Monteiro Nº pág.: 360 ISBN: 978-99937-45-67-9 Com ilustrações

AUTOR: Barnabas H.M. Koo Nº pág.: 228 ISBN: 978-99965-1-037-3 Com ilustrações

Romanceiro de Macau, assim apelidado pelo falecido Pe. Benjamim Videira Pires, José Joaquim Monteiro teve a sua obra, “Memórias do Romanceiro de Macau”, publicada, a título póstumo.

“The Portuguese in Hong Kong and China”, de Dr. Barney Koo, é uma edição revista da obra de José Pedro Braga (figura proeminente na sociedade de Hong Kong no início do século passado), dedicada à temática da influência dos portugueses na construção dos novos mundos. O primeiro de dois volumes aborda assuntos como a descoberta, pelos portugueses, do caminho marítimo para a China; as relações históricas mantidas entre a Igreja Católica e as autoridades chinesas e o papel determinante que Macau e os portugueses desempenharam na edificação de Hong Kong.

Este livro descreve em verso, numa escrita fluida e límpida, a infância e a mocidade do autor, antes da sua chegada para, de forma definitiva, residir em Macau.


Edições IIM – 2013

As Receitas Tradicionais da Minha Tia-Mãe Albertina

The Portuguese in Hong Kong and China – Vol. II AUTOR: Barnabas H.M. Koo Nº pág.: 246 ISBN: 978-99965-1-049-6 Com ilustrações

O segundo volume da obra do investigador malaio Dr. Baney Koo: “The Portuguese in China and Hong Kong” completa toda a narrativa e revela a importância dos macaenses na construção de Hong Kong, na primeira metade do século XX. Koo finaliza uma obra deixada inacabada por Braga, devido ao seu falecimento em Macau, durante o tempo da ocupação de Hong Kong, cidade onde residia, pelos japoneses, na II Grande Guerra.

AUTOR: Cíntia Conceição Serro Nº pág.: 196 ISBN: 978-99937-45-62-4 Com ilustrações

Este livro de culinária, de Cíntia Conceição Serro, é o título apresentado pelo Instituto Internacional de Macau, em Agosto último, no concurso internacional Gourmand World Cookbook Awards 2013. Esta obra, com fotografia de António Serro e tradução de Aurea Collaço Meyer, já garantiu um lugar na segunda fase deste exclusivo concurso internacional – The Best in the World Award. Os resultados serão anunciados em Maio de 2014, no Annual Awards Event, que terá lugar em Pequim, na primeira “Beijing Cookbook Fair”.

Este 2º Volume foi feito com base em manuscritos e apontamentos deixados por J.P. Braga, que estão depositados na Biblioteca Nacional da Austrália.

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APOIO IIM

A Reserva Naval em Macau 1968/1970 Commemorating Francisco Hermenegildo Fernandes AUTOR: Kai Cheong Fok Nº pág.: 64 ISBN: 978-99937-45-69-3 Com ilustrações

Francisco Hermenegildo Fernandes é uma figura marcante da história de Macau, que vê agora publicado um livro em sua homenagem. Editor do jornal “Eco Macaense”, este jornalista esteve ao lado de Sun Yat-Sen num dos episódios mais marcantes e determinantes da vida daquele que viria a ser o homem forte da China. Esta comemoração nasce através do reconhecimento da discreta mas determinante contribuição que Hermenegildo Fernandes teve no processo revolucionário e que levaria à proclamação da República da China, em 1911, derrubando a dinastia Manchu.

Recife – Macau – duas Cidades, dois Mundos, duas Histórias, Relações e Contrastes* AUTOR: José Manuel Fernandes Nº pág.: 64 ISBN: 978-85-7858-124-9 Com ilustrações

Este ensaio de José Manuel Fernandes faz-nos recuar alguns séculos, para entendermos melhor o presente de duas cidades, unidas pelo mesmo cordão umbilical que foi o carácter expansionista do povo português. Aqui são abordadas relações espaciais, funcionais, morfológicas e formais, entre as duas cidades e a unicidade de Macau como exemplo único no mundo, resultante da ousada transposição de um sistema urbanístico europeu de raízes medievais, para o oriente: um quadro cultural de grande contraste. * Co-edição: IIM / CEPE / FESTLATINO

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AUTOR: António Miranda da Rocha Nº pág.: 128 ISBN: 978-989-20-3113-2 Com ilustrações

A primeira vez que a Marinha de Guerra Portuguesa destacou em comissão de serviço para a Província Ultramarina de Macau um seu oficial da Reserva Naval, ocorreu entre 1968 e 1970. Este livro é, não só, um contributo para a História da Marinha de Guerra de Portugal, como também, ele mesmo, uma evocação de recordações da obra e dos homens que, ao serviço da Armada, viveram em Macau num contexto de grandes dificuldades. Edição patrocinada pelo IIM


Edições IIM – 2013

EXPOSIÇÕES

MÚSICA

Olá, Macau! (Encontro das Comunidades) 4 Artistas na Cidade O catálogo da exposição “4 Artistas na Cidade”, realizado no Museu de Arte Moderna Aloísio de Magalhães, no Recife, Pernambuco, apresenta 4 artistas plásticos de Macau: Carlos Marreiros, Ung Vai Meng, Lio Man Cheong e Adalberto Tenreiro, convidados pelo IIM e pelo Centro Cultural Albergue SCM. Esta exposição teve como principais promotores o IIM e o Movimento Internacional de Culturas, Línguas e Literaturas Neolatinas – FESTLATINO. Edição – IIM / Albergue SCM

Rigoberto do Rosário Jr., aproveitando o ensejo da temática da sessão organizada pelo IIM no âmbito do Encontro das Comunidades Macaenses, lançou o seu último trabalho musical intitulado “Olá, Macau!”. O CD, que tem 12 melodias originais, todos da sua autoria, apresenta temas cantados em patuá, português e inglês. Das faixas destacamos: Olá, Macau!; Fonte do Lilau; Comê, comê, comê; Cocoró-cocó galinha; Farol da Guia; vai Chupã Ovo e Nós sã encontro. CD patrocinado pelo IIM

Para pedidos ou informações sobre as edições do IIM Rua de Berlim, 204 Edifício Magnificent (Venus) Court – 2º (NAPE) MACAU E-mail: iim@iimacau.org.mo Telf.: +(853) 2875 1727 Fax: +(853) 2875 1797

As edições do IIM são apoiadas pela

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Número 31/II Série - 2014

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