Revista Oriente Ocidente N.12 Suplemento 2 - IIM.MACAU

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EAST WEST C ad er no

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Número 12 Setembro/Dezembro de 2003 Number 12 • September/December 2003

UM FUTURO PARA MACAU

Vasco Rocha Vieira

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Vasco Rocha Vieira

Edição Instituto Internacional de Macau Número 12, Setembro/Dezembro de 2003 Editor Luís Sá Cunha Produção IIM Design Gráfico victor hugo design Impressão Tipografia Welfare Tiragem 1.500 exemplares

www.iimacau.org.mo

Rua de Berlim, Edifício Nam Hong, 2 º andar NAPE, MACAU, Tel (853) 751727 - (853) 751767 Fax (853) 751797 email iim@macau.ctm.net

UM FUTURO PARA MACAU

ORIENTEOCIDENTE “newsletter” do IIM Instituto Internacional de Macau Número 12, Setembro/Dezembro de 2003 Editor Luís Sá Cunha Produção IIM Design Gráfico victor hugo design Impressão Tipografia Hung Heng Tiragem 1.500 exemplares EASTWEST IIM ”newsletter” Published by the International Institute of Macau Number 12, September/December 2003 Editor Luís Sá Cunha Production IIM Graphic Design victor hugo design Printing Tipografia Hung Heng Print Run 1.500 copies

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Vasco Rocha Vieira Governador de Macau, de 1991 a 1999

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Um extenso volume com mais de 700 páginas reunindo as intervenções, comunicações e mensagens do último Governador de Macau, General Vasco Rocha Vieira, de 1991 a 1999, foi publicado pelo Governo de Macau e distribuído em 2003. Edição coordenada por Fernando Salles Lopes, contém uma nota introdutória e dois índices, um cronológico e outro temático, este com 11 grupos (primeiras intervenções e tomadas de posse, sessões solenes de recepção do Presidente da República e do Primeiro Ministro, política geral, sistema judicial, ensino e formação, economia e desenvolvimento, saúde e assistência, cultura e identidade, internacionalização, relacionamento entre Macau e a RPC e últimas intervenções). Pela sua importância, por constituir uma bem elaborada síntese da acção governativa nos últimos anos da Administração Portuguesa, transcrevemos na íntegra e em separata a nota introdutória, agradecendo ao General Rocha Vieira a autorização que nos deu e o volume que teve a gentileza de nos oferecer, o qual se encontra agora na biblioteca do IIM.

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NOTA INTRODUTÓRIA DO LIVRO “UM FUTURO PARA MACAU”

Nenhum responsável político inicia as suas funções como se estivesse perante uma página em branco, não precisando de ter em conta o que foram as linhas de orientação lançadas pelos seus antecessores ou o que são as linhas estratégicas apontadas pelas entidades de legitimidade superior que quiseram demonstrar a sua confiança na nomeação para essas funções. E, no mesmo sentido de coerência, nenhum responsável político concebe as suas funções sem ter em conta o que são as condições da sua continuidade, em que medida elas podem ser transferidas para outros sem que haja a necessidade de se proceder a reformulação em profundidade. Cada responsável político participa, e insere-se, numa obra colectiva, com páginas ilustres escritas no passado, com mensagens a corrigir e outras a sublinhar, mas tem como objectivo transmitir aos seus sucessores condições de viabilidade e de sustentabilidade. Ao aceitar as responsabilidades para que o Presidente Mário Soares decidiu convidar-me, estava dentro das eventualidades possíveis que viesse a ser o último Governador português de Macau, o que desde logo conferia às minhas funções uma especial exigência de, preservando os interesses de Portugal e o prestígio de todos os que participaram na administração do Território, também deixar condições políticas, económico-financeiras e sociais que permitissem o prosseguimento futuro das rotas iniciadas há muito. E mesmo que esta eventualidade não se concretizasse e ainda houvesse outro Governador de Macau nomeado pelo Presidente da República, não deixava de ser obrigação inalienável tudo fazer para que a fase final da transição pudesse ser gerida sem dificuldades especiais, sobretudo sem dificuldades que fossem originadas por erros de percepção e por erros de conduta cometidos pela Administração portuguesa do Território. Antes mesmo de formular uma concepção estratégica para as linhas de acção política a desenvolver em Macau, era necessário assumir a disposição de respeitar este enquadramento estratégico de continuidade, tanto em relação ao passado, como em relação a futuro. Antes de qualquer outro objectivo, teria de ser respeitado um princípio geral de harmonia, não estabelecendo rupturas desnecessárias com o passado e não criando condições em que, após a transferência das responsabilidades administrativas de Macau para a China, os futuros responsáveis estivessem em condições de, ou fossem EASTWEST 7

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obrigados a, introduzir factores de ruptura com o que tinha sido a acção da Administração portuguesa. Esta era a regra de jogo que teria de ser satisfeita dentro dos condicionalismos definidos pela Declaração Conjunta assinada por Portugal e pela República Popular da China e que, para esta questão geral, tinha como elemento central a noção de que a transferência das responsabilidades de administração de Macau para a China não correspondia a um corte mas era antes uma transferência dentro de uma continuidade assegurada por, pelo menos, os próximos cinquenta anos. Este enquadramento temporal das condições estratégicas da função de Governador de Macau constituía, só por si, uma dificuldade real, na medida em que ficava dependente de inúmeras contingências e, desde logo, do que viesse a ser a evolução da China, de Portugal e do contexto mundial. A evolução estável de Macau tinha como primeira exigência uma boa relação bilateral entre a China e Portugal, onde não houvesse lugar para dúvidas quanto às intenções de cada parte, mas isso poderia ser prejudicado e atingido por circunstâncias da evolução mundial que fossem alheias às vontades de Portugal e da China e que se poderiam colocar nas relações mais gerais entre o Ocidente e o Oriente. Neste aspecto, a evolução da transição de Hong Kong, que chegaria ao seu termo dois anos e meio antes de Macau, constituía um elemento fundamental de informação, para todas as partes envolvidas, mas também para Macau. Uma transição de Hong Kong bem sucedida seria um contributo positivo para que a fase final da transição de Macau pudesse ocorrer sem especiais problemas, mas a existência de dificuldades em Hong Kong não deixaria de ter repercussões negativas em Macau. E o modo como se desenvolvessem as relações entre a Grã-Bretanha e a China, não só em termos do ambiente político geral na região, mas também porque, em caso de conflito grave, a deterioração das relações entre britânicos e chineses não poderia ser indiferente a Portugal, não só em termos da nossa amizade secular com a Grã-Bretanha, mas também em termos das posições que viessem a ser definidas ao nível da União Europeia. Este papel clarificador que seria constituído pelo modo como se finalizasse a transição em Hong Kong justificava que se definisse, para Macau, uma periodização interna onde as mais importantes realizações pudessem estar concretizadas até 1997, deixando para os dois anos seguintes a sua consolidação e a sua integração em plataformas de cooperação que constituíssem oportunidades abertas para além de 1999. Era uma estratégica única, centrada na criação das condições necessárias e suficientes para a futura autonomia especial de Macau, mas haveria diferentes modulações na concretização desta estratégia de modo a que não surgissem bloqueamentos e para que não houvesse falta dos recursos indispensáveis para concluir a concretização de todas estas iniciativas. O objectivo essencial desta orientação estratégica geral era o estabelecimento de uma harmonia flexível com as condições regionais, de modo a que Macau não ficasse bloqueado em posições de conflitualidade com a China ou em compromissos de realizações para as quais não tivesse inteiro controlo dos recursos necessários. Qualquer uma destas duas eventualidades prejudicaria a autonomia de Macau, na medida em que tanto a desigualdade de poderes na região como a dependência de recursos alheios seriam motivos suficientes para acentuar as limitações de Macau em lugar de as compensar e neutralizar. Para evitar qualquer dessas evidências das limitações de Macau, inerentes à sua dimensão e às circunstâncias regionais, era aconselhável manter a determinação de acompanhar com particular atenção os sinais de evolução local, ao mesmo tempo que se assegurava, pelos canais bilaterais de relação entre Portugal e a China, um clima de bom entendimento e a certeza de que, por essa via, se poderia remover qualquer obstáculo que viesse pôr em causa esse entendimento. ORIENTEOCIDENTE 8

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Toda a década de 90 foi marcada por importantes alterações na estrutura das relações internacionais, com efeitos relevantes no enquadramento em que Macau se situa. O aspecto mais visível dessas alterações foi a desagregação da União Soviética, mas não foi menos significativa a alteração do estatuto internacional da China, designadamente depois da demonstração feita dos poderosos efeitos de crescimento económico associados a uma política de abertura e de desenvolvimento capitalista. As rápidas taxas de crescimento obtidas pela China tiveram uma tradução especial na sua região mais dinâmica, o Sul da China, a área em que Macau se insere. Este desenvolvimento muito rápido constituiu um desafio de primeira grandeza para Macau. Se não tivesse condições para acompanhar este tipo de crescimento económico, ficaria irremediavelmente afastado deste processo de modernização e estaria a pôr em risco a sua autonomia, na medida em que passaria a ser um peso para toda a região, em lugar de ser uma plataforma dinâmica de cooperação com outras regiões do mundo, um contributo positivo para a estratégia de abertura da China. Estas circunstâncias confirmaram que uma estratégia sustentável para Macau não poderia deixar de ter em conta a evolução regional. Qualquer tantativa para manter Macau isolado da dinâmica regional ou centrado em atitudes defensivas de preservação das suas indústrias tradicionais estaria condenada ao fracasso, com consequências pesadas para o futuro. Por isso, a procura de sintonia com o ritmo regional de modernização era uma exigência convergente com a procura de uma relação de harmonia com a evolução regional. Mas não era possível ignorar que, nesse espaço regional, a competição pelas posições de relevo, na construção de infra-estruturas e na atracção de iniciativas empresariais e de capitais, seria muito forte. Por isso, Macau teria de manter uma relação de entendimento com as autoridades centrais chinesas, valorizando o seu papel como parte participante numa política oficial chinesa, a construção concreta do objectivo “um país, dois sistemas”. A importância da atenção à dinâmica regional, agora no sentido mais amplo de toda a Ásia Oriental, ficou confirmada com a eclosão da crise económica asiática, na fase final da década, em 1997, imediatamente a seguir ao fim da transição em Hong Kong. Esta evolução inesperada foi sentida de um modo muito intenso em Macau, que é uma pequena economia muito dependente do ambiente económico geral em toda a região e que não tem dimensão para poder tentar seguir uma via própria em relação às economias vizinhas. Em termos práticos, o aparecimento destes factores de crise teria sido suficiente para fazer abortar todo o esforço de modernização de Macau se este não tivesse sido lançado e consolidado muito antes de se tornar evidente esta contingência, se as grandes obras em infra-estruturas e equipamentos tivessem sido deixadas para a fase final da transição. Mas o essencial estava feito e consolidado quando surgiram os sinais da crise que, não obstante ter representado um choque relevante e uma razão de dificuldades acrescidas para a gestão orçamental, não pôs em causa a concretização da linha estratégica essencial definida para a modernização económica de Macau e para o seu estatuto de parte activa do processo de desenvolvimento de toda a região do Sul da China. Estas considerações são especialmente importantes para a credibilidade do projecto de autonomia para Macau, que está na base do seu processo de transição. Se não fosse comprovado nos factos que Macau tinha condições próprias para ser um espaço económica e socialmente viável e de modo sustentado, os princípios formais da sua autonomia, mesmo que baseados em compromissos políticos firmes estabelecidos entre Portugal e a China, dificilmente resistiriam a sinais de dependência que, a prazo, poriam em causa a sua EASTWEST 9

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continuidade como Região Administrativa Especial e acabariam por aconselhar, ou mesmo por justificar, a sua anexação. A demonstração de que Macau tinha condições próprias para sustentar a sua autonomia e, ao mesmo tempo, participava no processo de modernização económica e social de toda a região era, pois, uma exigência estratégica para a confirmação da viabilidade geral do projecto e das garantias que estavam contidas na Declaração Conjunta e nos compromissos conjuntamente assumidos por Portugal e pela China. O esforço de modernização de Macau, os importantes investimentos realizados e o modo como foram afectados os recursos financeiros disponíveis não eram, nestes termos, opções que estivessem em aberto, que pudessem não ser assumidas com determinação, eram imposições do concreto enquadramento estratégico de Macau. Tudo isto foi, aliás, bem compreendido pelas forças políticas e sociais locais, pelos interesses empresariais e também pelas autoridades chinesas, permitindo que se estabelecesse uma convergência de iniciativas que gerou um alto nível de realização e um elevado ritmo de modernização nas infra-estruturas e nos equipamentos, nas especializações económicas e também nas vertentes sociais do desenvolvimento de Macau. Em todo este processo, a consideração de eventuais contingências negativas tinha de estar sempre no primeiro plano das preocupações na medida em que este esforço de modernização estava exclusivamente sustentado em recursos próprios de Macau. O princípio geral da procura de harmonia tinha, neste aspecto, uma tradução concreta obrigatória no sentido de equilíbrio, designadamente do equilíbrio orçamental, para que as iniciativas decididas em Macau não viessem prejudicar os equilíbrios básicos da sua economia e suscitar preocupações ou pedidos de esclarecimento da parte chinesa. A determinação colocada na estratégia de modernização não poderia ser desligada da demonstração permanente de responsabilidade na gestão dos recursos existentes. Não podendo, por razões de competitividade, recorrer a aumentos da carga fiscal e também não podendo, por razões de consistência do processo de desenvolvimento, esquecer a componente social da modernização, este equilíbrio na gestão dos recursos existentes quando se lançam grandes obras de valorização, reconvertendo estruturas com uma perspectiva de futuro, tinha de estar essencialmente baseado nas receitas do sector turístico, do jogo e das receitas das terras que, por sua vez, são dependentes da prosperidade regional e de um ambiente de estabilidade no Território. Neste quadro, deve ser sublinhada a orientação estratégica seguida na gestão dos recursos de terras, subordinando-a ao princípio das hastas públicas e respeitando uma política de solos, de modo a regular a concessão de terrenos evitando o excesso de oferta e garantindo receitas justas. Foi, assim, possível atenuar a tendência para a formação de surtos especulativos no sector imobiliário e para a formação de oferta que não tivesse correspondência adequada na procura existente face ao excesso de direitos de construção entretanto concedidos. A estabilidade interna era, assim, uma prioridade clara dentro deste programa estratégico. Antes do mais, a estabilidade que resultasse de um ambiente de confiança no futuro, que não fosse posta em causa por qualquer ideia de corte ou de descontinuidade que viessem a ficar associadas ao fim da transição. Não era uma prioridade de fácil satisfação no contexto de um processo incerto. Seria, por certo, mais fácil, e até mais natural, sublinhar a descontinuidade, ou mesmo o corte como muitos sugeriam (e outros, na região, seguiram essa via), dramatizando o fim da transição como uma inevitável alteração das circunstâncias, em que nada seria no futuro como tinha sido no passado. Não foi esta a óptica adoptada em Macau onde, pelo contrário, tudo foi feito para que essa descontinuidade não aparecesse como uma inevitabilidade ou como uma mudança radical. Este não era um objectivo isolado, muito menos pode ser interpretado como a evidência de uma vontade de entendimento ORIENTEOCIDENTE 10

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com a China que fosse da estabilidade interna e na afirmação de confiança no futuro que oferecia às autoridades chinesas, na medida em que não era a evolução interna de Macau que estava a criar dificuldades ao processo de transição, antes este se tinha tornado um factor perfeitamente assimilado pela sua população e pelos seus interesses económicos, que assim podiam participar activamente na construção das instituições e nas condições de funcionamento da Administração no futuro. É dentro desta linha geral de orientação que se insere a outra grande prioridade que foi a dotação de Macau com um sistema político e judicial próprio. Este é um objectivo indissociável do anterior objectivo de estabilidade interna e de confiança no futuro. Para que a autonomia de Macau seja uma realidade e não apenas um princípio formal reconhecido nos textos diplomáticos é indispensável que a dotação de infra-estruturas e de equipamentos, indispensáveis à modernização económica, sejam complementados pela singularidade de um sistema próprio na organização política e judicial. Estas são as duas partes integrantes da autonomia e ambas se reforçam mutuamente na construção de uma plataforma estratégica vocacionada para a cooperação e para contribuir para a abertura da China. De facto, é um trunfo estratégico específico de Macau poder dispor de uma arquitectura institucional, política e judicial de matriz ocidental, pois isso facilita as relações com outras partes do mundo e assegura, a todos os que estão interessados na cooperação com a China, que terão os seus direitos juridicamente assegurados, com instituições judiciárias independentes e com legislação escrita, e que as entidades políticas com que se relacionam estão inseridas numa relação de responsabilidade democrática assente na separação de poderes, um dos traços distintivos da organização política democrática ocidental e uma condição essencial para a afirmação da responsabilidade das entidades políticas e para a expressão do pluralismo. É nesta singularidade do sistema político e judicial que está a essência do princípio “um país, dois sistemas”: Macau é território chinês, mas o seu modo de organização política e judicial é específico de Macau, constitui um sistema próprio, com vantagem para todas as partes envolvidas, que aqui encontram a protecção dos seus interesses e direitos, numa mistura de quadros culturais que é favorável ao desenvolvimento de iniciativas de cooperação, constituindo um nó de relações abertas e possíveis com diversas partes do mundo e com diferentes culturas. Esta é uma condição estruturante da autonomia de Macau, tanto em termos materiais – constituindo uma base sustentada de especializações económicas, com reforço da componente de serviços – como em termos da arquitectura institucional e do modo de funcionamento das instituições e entidades políticas e judiciais, diferenciando-se do caso geral chinês sem que, apesar disso, estabeleça com ele oposição ou contradição. Compreende-se, assim, que esta fosse uma área de acção justificando um esforço decidido e determinado. Neste sentido, foi atribuído especial relevo às relações com a Assembleia Legislativa, sublinhando a sua legitimidade própria e salvaguardando a sua dignidade, sendo certo que o seu regular funcionamento tem constituído um contributo indispensável para a estabilidade e para a serenidade que sempre caracterizaram a evolução política em Macau. A valorização do papel da Assembleia Legislativa é uma condição de defesa e de afirmação do pluralismo político em Macau, correspondendo à representação legitimada das forças políticas e sociais do Território. Na sua composição, a Assembleia Legislativa consubstancia a diversidade de posições políticas que, através do debate livre e do acompanhamento das acções do poder executivo, têm a oportunidade de fazer conhecer as suas opiniões, com vantagem para a orientação das políticas e com um importante trabalho legislativo que permite o aperfeiçoamento do quadro administrativo. EASTWEST 11

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No plano judicial, o trabalho de escrita do corpo de legislação e a organização local de todo o sistema judicial, com a formação e o preenchimento dos lugares da magistratura independente constituiu um esforço que encontrou tradução em resultados concretos de grande importância. Este era um dos objectivos da Administração portuguesa, durante a fase de transição, de maior complexidade, pois é um domínio que não se insere com facilidade na cultura oriental mas que também era uma das pedras basilares da autonomia de Macau e do seu interesse estratégico. A existência de um sistema judicial de matriz ocidental é um valor central da vocação estratégica de Macau como plataforma de cooperação, na medida em que esta é uma garantia relevante para todos os operadores económicos internacionais, justamente porque passam a dispor, em caso de litígio, de condições de defesa dos seus interesses idênticas às que encontram nas sociedades ocidentais. Mas também é uma garantia importante para a generalidade dos cidadãos, na medida em que têm a garantia de que os seus direitos individuais serão protegidos e considerados por juízes independentes do poder político, inseridos numa magistratura que respeita o princípio da separação de poderes. Sendo essencial a garantia oferecida pela legislação escrita, também era essencial que a formação dos juízes lhes assegurasse a compreensão plena da responsabilidade que lhes é atribuída pela sua independência. Mais do que o cumprimento de compromissos assumidos na Declaração Conjunta e do que a instalação dos dispostitivos previstos nesse texto fundamental, importava assegurar que o princípio da independência dos Tribunais e a articulação das suas instâncias eram assimilados por todos os elementos que integram o sistema judicial e eram difundidos por toda a população, passando a fazer parte integrante da singularidade que é Macau, integrado na cultura oriental, mas aberto às influências da cultura ocidental. A funcionalidade deste pilares básicos pressupunha, no entanto, que fossem concretizadas com sucesso as tarefas de transferência de responsabilidades que ficaram identificadas no que se designou como as políticas das três localizações – a localização das funções administrativas, da língua e do sistema judicial. Não se tratava apenas de um trabalho de transcrição dos dispositivos portugueses para os dispositivos chineses, nem tão-pouco se poderiam resumir essas tarefas a uma substituição de quadros de funcionários. Em todos os assuntos relativos às localizações, tratava-se de transmitir o espírito e as linhas de orientação do seu funcionamento de modo a que não surgissem descontinuidades e rupturas que pudessem pôr em causa a estabilidade e a normalidade do funcionamento destes dispositivos. Havia que ter firmeza na transmissão dos princípios gerais, mas também um suficiente sentido de realismo para adoptar as normas de funcionamento de modo a que elas fossem compatíveis com a sua continuidade no futuro. Esta necessária compatibilidade entre o que é essencial e o que são as condições da sua concretização prática encontra-se em todas as políticas relativas às localizações e exige que se respeite o próprio espírito da fase de transição, que é um exemplo superior de cooperação entre a parte portuguesa e a parte chinesa, ambas motivadas pelo mesmo objectivo de não criar descontinuidades que pudessem provocar, ou servir de pretextos para a adopção de medidas unilateriais. Nas três áreas fundamentais – administração, línguas e sistema judicial, incluindo a elaboração dos principais códigos jurídicos – os resultados obtidos respeitam o objectivo principal, isto é, não justificam qualquer descontinuidade quando se chegar ao fim da transição, que pode ser concluída de modo sereno e estável, preservando a confiança da população e mantendo a eficácia dos serviços. Para o sucesso destes trabalhos teve um papel de primeiro plano o funcionamento do Grupo de Ligação Conjunto, que tem por missão principal o acompanhamento do processo de transição dentro das disposições definidas na Declaração Conjunta. O papel deste ORIENTEOCIDENTE 12

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órgão deve ser salientado, justamente porque ele estabelece uma plataforma de comunicação regular entre as duas partes do processo de transição e dele depende a qualidade das adaptações impostas pelas circunstâncias concretas e a eficácia das correcções de rota sempre que estas se tornam aconselháveis. Num processo complexo como é a transição, a garantia de comunicação regular e a serenidade para superar os obstáculos, sem transigir no que for considerado essencial, são contributos fundamentais para que a evolução se processe dentro de parâmetros de estabilidade. Mas a transição e, em especial, as políticas de localizações, não poderiam ser conduzidas em condições de estabilidade se não tivessem sido devidamente acautelados os legítimos interesses da comunidade portuguesa que, de um modo ou de outro, era inevitavelmente atingida pela mudança da Administração do Território. Os objectivos básicos de justiça e de igualdade de tratamento para os casos equivalentes tinham de ser conciliados com as disponibilidades financeiras de Portugal e com as orientações políticas estabelecidas pelas autoridades portuguesas. Este é um tema de grande delicadeza, susceptível de gerar atitudes reivindicativas que poderiam pôr em causa a credibilidade de Portugal na condução do processo de transição. Foi possível, porém, encontrar soluções que se consideram equilibradas e que, respeitando os legítimos interesses de todos os envolvidos, não ficam a constituir encargos excessivos para Portugal. As várias políticas associadas com a transição não se limitam às três localizações já referidas. A construção das condições de autonomia para Macau exigiam também, e com um alto valor de prioridade, a consolidação da sua estrutura económica, o desenvolvimento determinado do seu sistema educativo e a expansão da rede de serviços sociais, justamente porque estes três vectores são determinantes para a evolução da economia, para a defesa dos factores de competitividade e para a melhoria da qualidade de vida da população. O desafio económico apresentava uma especial complexidade, pois impunha a alteração da tradicional relação de complementaridade da economia de Macau em relação a Hong Kong para passar a desenvolver a sua articulação com o interior da China, quando estas regiões, em especial o Sul da China, evidenciavam elevadas taxas de crescimento e uma vontade determinada de modernização. Tratava-se de concretizar, num curto intervalo de tempo, uma reformulação dos sectores industriais tradicionais, que se desenvolveram num contexto de economia chinesa fechada e afastada das grandes relações internacionais, de modo a que fosse possível estabelecer uma nova orientação de especializações que permitisse aproveitar a vocação natural de Macau para constituir uma plataforma de cooperação empresarial, evoluindo gradualmente para as actividades de serviços. Este foi considerado o modo de, ao mesmo tempo, valorizar as ligações internacionais que estão ao alcance de Macau – designadamente com a União Europeia, mas também com os Estados Unidos e com o Japão – e de encontrar um núcleo de actividades que seja útil para a economia chinesa na dimensão da região em que Macau se insere. Este tipo de orientação estratégica estava em sintonia com o que era a leitura das oportunidades feita pelas entidades empresariais privadas, o que permitiu concretizar este tipo de reformulação das actividade económicas num período curto e de modo consolidado. Por um lado, era essencial responder ao desafio das acessibilidades, condição de base para que Macau pudesse realizar a sua ambição de internacionalização e de estruturação de uma plataforma de cooperação que pudesse ter um papel útil na abertura e modernização da região em que se insere. É aqui que se inserem a construção do aeroporto e das pontes, a construção de terminais e a implantação de redes de comunicação modernas. Por EASTWEST 13

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outro lado, era necessário assegurar que Macau fosse uma área urbanizada com qualidade de vida, com capacidade de atracção de capitais e de iniciativas empresariais e culturais, o que exigiu importantes investimentos nos serviços e equipamentos de incineração de resíduos sólidos, na limpeza, na construção de parques e de zonas verdes. Mas também era indispensável reforçar o sentido de identidade de Macau, sublinhar os traços da sua singularidade, criando oportunidades e equipamentos para a sua afirmação cultural e para a preservação do seu património histórico e museológico. Por razões de natureza estratégica, e dada a exiguidade da área territorial e das limitações em dotação de recursos próprios, foi necessário cuidar da organização e do desenvolvimento das infra-estruturas e da formação dos recursos humanos ao nível interno, ao mesmo tempo que se actuava ao nível do desenvolvimento das suas relações com o exterior, tanto na região como no mundo. Foi, assim, possível prosseguir um conjunto de objectivos de cariz marcadamente político orientados para a salvaguarda do segundo sistema, do sistema próprio de Macau, com a presença directa ou através da participação em organizações internacionais de âmbito regional ou mundial, como ainda através do aprofundamento das relações históricas privilegiadas com a União Europeia, com o Brasil e com os países africanos de língua portuguesa. Embora a relação política formal entre Macau e a China, balizada no termos da Declaração Conjunta, tivesse sido estabelecida através das relações diplomáticas normais estabelecidas entre Portugal e a China, não podia deixar de prosseguir a intensificação das relações de interdependência que se estabelecem no quadro da vizinhança entre Macau e a China (especialmente com a província de Guangdong), com forte impacto ao nível económico e cultural. Ao mesmo nível regional deve ser referida a intensa actividade desenvolvida pelo Governo de Macau e por dirigentes da Administração com as autoridades de Taiwan, das Filipinas, do Japão e da Austrália, no sentido de incentivar as trocas comerciais, o turismo e as relações culturais. A intensificação das relações de Macau com a União Europeia desenvolveu-se no sentido da sua gradual autonomização em relação a Portugal, tendo sido possível a assinatura de um importante acordo comercial e de cooperação, estando assegurada a presença de Macau em diversas instituições de matriz europeia. As ligações históricas a Portugal e o papel da língua comum permitiram abrir novas vertentes estratégicas de Macau para áreas de importância económica relevante, como a América do Sul, através do Brasil, a África Central, através de Cabo Verde, e a África Austral, através de Moçambique. Foi também objectivo estratégico a internacionalização de Macau através do incentivo ao relacionamento económico e cultural em todas as direcções, com a presença em múltiplas organizações internacionais, de âmbito regional ou mundial e como membro de pleno direito, de que são paradigmáticas a Organização Mundial do Comércio e a Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia e Pacífico, contribuindo para o reforço das condições de sustentabilidade do segundo sistema, que vigorará na Região Administrativa Especial de Macau durante cinquenta anos. Naturalmente, as actividades turísticas e o sector do jogo continuarão a ter um peso relevante na economia de Macau e não poderia ser de outro modo tendo em conta as indicações da história económica e os interesses objectivos de Macau. O grau de desenvolvimento económico já atingido e o nível de vida da população não permitem, sob risco de se desencadear uma grave crise económica e desequilíbrios orçamentais insustentáveis, deixar de proteger esta específica especialização da economia de Macau. ORIENTEOCIDENTE 14

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Pelo contrário, trata-se de a valorizar com investimentos de qualidade e de lhe assegurar um ambiente de estabilidade, de confiança e de segurança que dignifiquem estas actividades e continuem a fazer delas um traço distintivo de que Macau se pode orgulhar, justamente porque lhe associa qualidade, sentido de inovação e uma regulação firme que as defenda da intromissão de interesses criminosos. Esta é uma área onde a aposta na qualidade, em todas as suas dimensões, se apresenta como um valor essencial para o futuro de Macau, ao mesmo tempo que reforça a sua singularidade no interior de uma região que é caracterizada por intensas relações competitivas. É também para poder responder a essas pressões competitivas que o investimento na área da educação é um vector estratégico de primeia importância para Macau e que deve ser concretizado em todos os sectores de ensino, do pré-escolar ao universitário. O Território dispõe hoje de uma rede escolar de cobertura universal e gratuita, mas também tem instituições de ensino superior e de pós-graduação que souberam conquistar um indiscutível prestígio. A cooperação com instituições universitárias portuguesas e europeias tem tido um papel central neste desenvolvimento que, por outro lado, beneficia do forte empenhamento das sociedades asiáticas em todas as formas de investimento na educação e na formação. Também nesta área, essencial para o futuro, Portugal pode orgulhar-se do que construiu e consolidou em Macau, onde também fica, ao nível das instituições de ensino de português, um elo de ligação permanente com a cultura portuguesa. Em geral, de todos estes investimentos na área da educação e da formação, justifica-se concluir que Macau está dotado das condições de base para poder competir no contexto da sociedade e da economia do conhecimento, podendo preparar os seus recursos humanos de modo adequado e podendo responder às mutações das economias modernas sem recear a inevitável comparação que será feita com as outras economias da região. A modernização da economia e das infra-estruturas não conseguirá satisfazer o critério básico da sua sustentabilidade no tempo se não tiver reflexos na qualidade de vida das populações. Os dividendos do crescimento económico têm de encontrar tradução em formas evoluídas de protecção social, nos campos da segurança social e da saúde, na qualidade dos serviços prestados e na sua universalidade, para que o esforço colectivo seja estimulado por um ambiente geral de confiança e encontre o prémio esperado nas condições de vida de toda a população. Esta necessária articulação entre economia e condições de vida tem sido um objectivo bem sucedido em Macau, que dispõe de uma rede de serviços de saúde da qualidade esperada nas sociedades desenvolvidas e um sistema de segurança social mais evoluído do que o que caracteriza a região do Sul da China onde o Território se integra. Este é um factor importante de defesa dos interesses da população de Macau e constitui um conjunto de garantias que fica ligado a uma política determinada de difusão por toda a sociedade dos benefícios obtidos pelo crescimento económico. Entretanto, o progresso económico e o surto de modernização que marcou a última década em Macau também tiveram como consequência a atracção de grupos criminosos, que procuram explorar em seu proveito os benefícios do desenvolvimento, tentando estabelecer posições de poder no interior de Macau. Embora esta não seja uma evolução inesperada ou que seja exclusiva de Macau, é indesejável e foi combatida com toda a determinação. A insegurança associada à actuação destas seitas criminosas ameaça todos os interesses de Macau e, portanto, nenhuma entidade responsável em Macau pode considerar-se isenta de uma participação activa contra estes factores de desordem. Ficou posta à prova a eficiência dos serviços policiais e a rapidez e eficácia de funcionamento dos Tribunais. Mas também ficou posta à prova a capacidade de cooperação das autoridades chinesas, na EASTWEST 15

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UM FUTURO PARA MACAU

medida em que a sua intervenção activa é essencial para restringir a liberdade de movimentação destes grupos criminosos. Apesar das dificuldades neste domínio, que se acentuaram depois do fim da transição em Hong Kong, os resultados conseguidos no combate à criminalidade, sobretudo desde que melhorou a cooperação com as entidades chinesas, confirmam que esta ameaça pode ser enfrentada e está a ser vencida, contribuindo para uma maior confiança nas instituições policiais e para um maior prestígio dos Tribunais. Esta é uma área onde a prevenção, a capacidade de dissuasão e a determinação das instituições policiais e judiciais, devidamente apoiadas na cooperação em termos dos serviços de informações em toda a região, permite obter resultados decisivos, recuperando as condições de estabilidade, de serenidade e de segurança que sempre caracterizaram a vida de Macau. Estas linhas gerais de orientação política formam um sistema integrado, onde cada progresso obtido numa área reforça as possibilidades de sucesso em todas as outras. É neste sentido que se pode falar da procura de uma harmonia estratégica, onde as razões de confiança se reforçam na evidência do progresso e onde a modernização se torna mais consistente justamente porque se generaliza um ambiente de confiança. Conseguida esta inter-relação, estabelece-se uma dinâmica favorável que compensa a natural incerteza que caracteriza um processo complexo, e inédito, como é a transição das responsabilidades de Administração de Portugal para a China. Todos estes resultados positivos que aqui foram indicados não teriam sido possíveis sem a excepcional capacidade de realização da população de Macau. O traçado das grandes linhas estratégicas não tem verdadeiro significado prático onde elas não forem compreendidas pela população e onde a capacidade de iniciativa não assegurar a concretização das orientações na multiplicidade dos projectos e das realizações levados a cabo pelos interesses privados. A minha admiração pela população de Macau saiu reforçada em todos este período gratificante em que exerci as funções de Governador e sei que o essencial do que foi feito se deve ao entusiasmo e à mobilização dos interesses vitais desta sociedade. Esta também é a mais forte garantia para o futuro, pois a confiança na obra realizada é a melhor afirmação das possibilidades para o futuro. Devo também sublinhar a dedicação e a lealdade de todos os que comigo colaboraram no Governo e na Administração. Não teria justificação destacar individualmente a qualidade do trabalho destas personalidades, importando mais realçar a sua permanente capacidade de concentração no que era essencial, na firmeza indispensável para que fosse mantido o rumo traçado, mesmo quando isso implicava assumir riscos elevados ou ter de enfrentar as dúvidas, ou até mesmo a incompreensão, dos que eram influenciados por perspectivas de curto prazo ou por interesses próprios. Em todas as obras colectivas, como esta tem sido, cada um é indispensável, mas nenhum poderia realizar sozinho o que só pode ser conseguido com a cooperação de todos. O caso de Macau ilustra bem o que é possível realizar onde há esta unidade de propósitos, ainda que os recursos não sejam muitos e quando as incertezas seriam suficientes para fazer desistir quem tivesse menor determinação. É justo, e seria faltar à verdade não o referir expressamente, dar testemunho do papel que diversas entidades chinesas têm tido na construção da harmonia de posições que permitiu superar os obstáculos mais difíceis. Em especial, devo sublinhar o contributo essencial que foi oferecido pelos responsáveis da agência noticiosa Xinhua, que souberam exercer uma função de clarificação de posições e de resolução de dificuldades que permitiram reforçar os laços de entendimento. Naturalmente, não houve sempre, nem seria razoável esperar que houvesse, absoluta identidade de propósitos e de modos de acção. As relações ORIENTEOCIDENTE 16

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das autoridades portuguesas com as entidades chinesas foram relações entre partes distintas, onde cada uma defendeu a sua perspectiva do que considerava que melhor servia os interesses da população de Macau e os interesses que se desenvolvem na relação bilateral entre Portugal e a China. Não obstante estas diferenças naturais, foi possível encontrar, na base da transparência das intenções e na firmeza em torno de princípios essenciais, as plataformas de entendimento onde negociações sérias e proveitosas são concretizadas, com vantagem para todas as partes. Estou certo que, neste mesmo espírito, as cerimónias de transferência dos poderes de Administração ficarão como a melhor demonstração desta harmonia e desta permanente vontade de entendimento, que prosseguirá para além de 20 de Dezembro de 1999. No centro dos resultados obtidos está, no entanto, o permanente apoio das autoridades portuguesas ao que foram as linhas de orientação e as decisões assumidas pelo Governo de Macau. Os Presidentes da República Mário Soares e Jorge Sampaio têm o mais forte protagonismo na determinação com que as linhas de acção estratégica foram realizadas, nunca tendo faltado com o seu apoio e com a sua orientação esclarecida na condução dos assuntos de Macau. Também os dois Primeiros-Ministros Cavaco Silva e António Guterres nunca deixaram de colocar todos os recursos do Executivo ao acompanhamento das decisões necessárias à resolução das questões de Macau, com relevo para o apoio diplomático permanente que é vital para as relações bilaterais entre Portugal e a China. Estes têm sido apoios repetidas vezes confirmados e que encontraram em múltiplas reuniões do Conselho de Estado a confirmação de que o sucesso da transição de Macau foi sempre um verdadeiro desígnio nacional para Portugal. As mensagens que Portugal deixa em Macau são múltiplas e continuarão vivas e actuantes no futuro, justamente porque todas elas se orientam para o objectivo de preparar o futuro. Não se procuraram vantagens unilaterais, porque sempre se acreditou na capacidade de realização da população de Macau e que esta teria a determinação necessária para afirmar e consolidar a sua autonomia. Nunca se optou pela via que parecesse mais fácil, porque sempre se manteve a convicção de que seria pela consolidação de um sistema político e judicial próprio, com o seu quadro de garantias dos direitos individuais e dos direitos humanos reconhecidos nas sociedades desenvolvidas, que melhor se afirmaria e defenderia a autonomia de Macau, respeitando os termos da Declaração Conjunta e o princípio chinês de “um país, dois sistemas”. Não se pretendeu afirmar princípios e valores rígidos impostos pela parte portuguesa, antes se deu sempre prioridade ao estabelecimento de pontes de entendimento com a parte chinesa, considerando que os verdadeiros interesses de Macau só poderiam ser afirmados e defendidos dentro de uma atitude geral de cooperação. O projecto de construção da Região Administrativa Especial de Macau, com afirmação da sua autonomia, da sua liberdade e da sua estrutura política democrática, com um sistema político e judicial próprio, só seria realizável num contexto de harmonia, de serenidade e de estabilidade. Esta ponte de entendimento foi construída e é por ela que se constrói um futuro de paz, de prosperidade e de progresso para a população de Macau.

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