Capítulo 62
Transplante Renal Walter J. Koff
O transplante renal (TR) é o mais empregado e o mais bem-sucedido dos transplantes de órgãos da história da medicina. Nenhum outro transplante propicia tão longa experiência clínica em todo o mundo (o transplante de córnea é um transplante de tecido e não de órgão). O primeiro TR bemsucedido foi realizado em 1954 em Boston, EUA, mas sua difusão clínica só ocorreu a partir do início da década de 60, quando a hemodiálise de doentes renais crônicos finalmente se estabeleceu como prática médica rotineira. Portanto, a experiência mundial com TR não tem mais que 35 anos, e na maior parte do mundo menos que 20 anos. Calcula-se que haja cerca de 120 pacientes/ano com insuficiência renal crônica em fase final para cada milhão de habitantes no Brasil/ano. Portanto, cerca de 18 mil pacientes no país poderiam ser candidatos a TR. Na prática esse número é bem menor por inúmeras razões, mas os dados disponíveis tornam claro que existe um vasto campo para incrementar o número de TRs no Brasil. As listas de espera ainda são muito longas, e a quantidade de rins cadavéricos retirados atualmente não cobre 30% das nossas necessidades. O TR apresenta melhor custo/benefício que a hemodiálise ou CAPD e o paciente passa a desfrutar de uma qualidade de vida superior após o funcionamento de seu novo órgão. As taxas de sobrevida pós-TR são bastante superiores àquelas dos pacientes em hemodiálise ou CAPD. No Brasil, nestes últimos dez anos, tem ocorrido notável incremento no número de TRs e na quantidade de rins doados. Também há grande melhora nos resultados graças ao refinamento das técnicas cirúrgicas, à melhora na imunossupressão e nas técnicas imunológicas de seleção de órgãos e à cuidadosa monitorização clínica dos operados. A própria seleção de doadores – tanto vivos como cadavéricos – e dos receptores tem se tornado bem mais liberal, sem dúvida em decorrência de melhores cuidados de pré, trans e pós-operatório e de imunossupressão. Mesmo que as estatísticas variem amplamente em razão de menor ou maior experiência clínica, a taxa de sobrevida de enxerto cadavérico
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em um ano se aproxima de 75%, e de enxerto de doador vivo, de 85%, com sobrevida do paciente acima de 90% no mesmo período.
Seleção e preparo dos receptores Em princípio, o TR pode ser realizado em qualquer paciente com insuficiência renal crônica (IRC) descompensada que necessite hemodiálise ou diálise peritoneal. O quadro 1 mostra as principais causas de doença renal terminal que culminam em TR. Contudo, nem todo paciente com IRC em diálise é candidato a TR. Alguns pacientes não o desejam, e outros têm estado geral insatisfatório, idade excessiva, dificuldade cirúrgica insuperável (rara) ou múltiplos TRs com fracasso dos anteriores. Quadro
1
PRINCIPAIS CAUSAS DE IRC QUE LEVAM A TR
Doença glomerular
glomerulonefrite membranoproliferativa, glomerulonefrite rapidamente progressiva, nefropatia IgA doença antiglomerular (membrana basal)
Nefropatia diabética Nefroesclerose arterial hipertensão essencial, hipertensão maligna, doença renovascular bilateral Doença intersticial
pielonefrite crônica, nefropatia tóxica
Doenças congênitas
válvula de uretra posterior, nefropatia do refluxo, displasia renal (rim único ou bilateral)
Bexiga neurogênica
meningomielocele adquirida
Doenças hereditárias
doença renal policística, doença cística medular, síndrome de Alport
Nefrolitíase
urolitíase infecciosa, hiperoxalúria primária, cistinúria, outras
Doenças sistêmicas
herpes eritematosa, síndrome hemolítica e urêmica, amiloidose, esclerodermia, poliarterite nodosa
Pós-nefrectomia
rim único, traumatismo, tumores renais
GUIA PRÁTICO DE UROLOGIA
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