A Agustinha tinha tinha

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A AGUSTINHA TINHA TINHA A Agustina parece um bode. A Agustina é o macaco mau da Literatura Portuguesa, o contrapeso feio, p'ra ali espetado nas costas da Prosa, a balança de pesar vacas do matadouro selado, a trezentos quilos das grandes chocas mexicanas, o granito das toneladas do parágrafo cozinhado além-Douro, o dinamómetro das quatro arrobas batatais, a castelã do Castelo do Queijo, a sujidade feia das vielas do Porto escuro, o Encardido, o Mofo das Entrelinhas, o cheiro secular daquela campa de bispo incorrupto, -- Jesus, trezentos anos de tão pacata fermentação!... --, a poeirada milenar de uma mastaba final, o cheiro a ranço das mulheres que sempre viveram enroladas num cobertor, até ao dia em que se lembraram de o pôr ao sol. A Agustina é um pavor. A Agustina tresanda a fénico. A Agustina está sempre húmida. A Agustina é a Canção Diante de uma Porta Fechada, o excesso de ureia de um hospital do mais falido. A Agustina é um espanto,


o espantalho da própria genialidade, aquela que nunca ninguém pensou assim o Portugal profundo, benzó-deus!... A Agustina é a provinciana talhada a jeito para a média, a Juno dos remediados, o peso viciado das vendedoras da praça, daqueles dois quilitos de cerejas, bem pesados, a oitocentos gramas mal medidos. A Agustina é a intelectualidade de Grau 10 da Escala de Mohs, a avançadíssima calcificação do útero da minha pobre tia solteirona.

A Agustina é Visigótica, Ostrogótica e Perdigótica, Sueva, suína, -- e também soez!... A Agustina é o Paiva Couceiro, o papel reciclado, a pilha vagamente recarregada, a fossa fétida do tratamento d'águas porcas, que já deram volta ao mundo inteiro!... A Agustina é o vidrão, o papelão, o plasticão, a camisola boa da avó, qu'gora já só serve p'ra embrulhar o gato do netinho. A Agustina é o fato coçado, a meia cheia de malhas, a cinta mal remendada, as joalheiras dos pantallons,


que já nem se podem enfiar. A Agustina é uma testemá de Jeovunha, uma beata que desatou a escrever, uma mera ateia, postada no genuflexório da Propaganda desta época toda suja, a bússola curta da Cultura, a nortear-se, sempre, p'lo maior Obscurantismo. A Agustina é o Mar de Sargaços do Texto, o Caminho de Santiago da Chateação, do sim, senhor doutor, é p'ra já,

-- 'TÁ-SE MÊ'MO A VER!... A Agustina é a nem morta sai dali, a perpétua página da selecta d'antevéspera, a monótona insistência determinística de um país às três pancadas, a chatice de se haver de estar casado co'a própria sombra!... A Agustina é o creme de escanhoar, a pinça, o rapa-pêlos, o after-shave e a navalha bota da mulher de barba do circo que já passou. À Agustina sucede sempre o acidente de se pensar no sexo da prosa, que nunca deveria ter sexo, mas co'ela tem sempre,


afinal, e está sempre mal, porque a Agustina é o andrógino da Língua, a lésbica por procuração, o requentado pronome másculo de gostar à brava de escrever co'a piça, a Hermafrodita do cérebro viril, enfiado à martelada, a rija pensadora de pensamentos masculinos, a erecta fénix do phalus, a que haverei de fazer eu, sem este pénis?.... E quando ela diz que, se usasse chapéu alto, que até deveria usar,

-- A CABRA!... --, o haveria de tirar, com rasgado gesto, ao doutor Lobo Antunes filho, a mim só me dá pena de que ela, de facto, ainda não o tenha, para eu lho poder enfiar p'la cachola abaixo!...


Porque a Agustina dá-me cabo dos nervos, de só me vir à ideia um ininterrupto comboio, há mais de quarenta anos a andar a empatar a passagem de nível destas pobres gentes enganadas!... A Agustina é a aguenta-m'aí-os-cavalos de se querer continuar a refocilar no sol roubado aos outros!... A Agustina é a que se anda a encher, e bem, à conta disto, o lucro indevido, a promoção por Decreto-Lei dos famigerados Anos Cinquenta, o poeta da Portaria de um país extinto na Guerra Fria, o nepotismo do Verbo, a continuada cunha da Escrita!... A Agustina será p’ra sempre aquelas palavras perenes do secundário Régio, esquecidíssimo, -- olha lá, quem era o Régio, afinal?...-a dizer que ela haveria de estar sempre na primeira linha dos contemporâneos contra quem escrevesse... -- contra quem?... Mas na primeira linha do quê, e de que contemporâneos?...,


-- ó, Deus meu, que cambada tão grande de saloios!... A Agustina não passa da minha vontade enorme de lhe pregar um par de coices, daquela que, sempre que lhe sair um livro, será como ter-me desejado um gato preto a passar à frente!... A Agustina bem precisava era de uma trela, mas não há quem lha possa pôr, porque a Agustina é a esfaimada do açaimo. a que canta de galo, com tremenda voz de galinha, num país de palhaços instalados!... A Agustina é o derradeiro murmúrio do som difuso, e entorpecedor, de querer pôr a fazer ó-ó a vontade de qualquer estrondo viril!... A Agustina é tóxica, tóssica e páucica, um enorme abade carraspento, cheio de mitenes, -- queira lá isso dizer o que disser!... A Agustina é um charco de azeite, deitado sobre as ondas de uma funda maré tolhida, a deixa sempre para amanhã tudo o que puderes fazer hoje!... A Agustina é uma pobre quinta abandonada, a Lesma Linguística, o Latifúndio Labial, a prosa meã da boca do charroco, o musgo das fissuras de um canteiro sem luz,


a estação fria da meia aurora, o pirolito d'infância da minha avó, -- coitada, que nem sequer a lia!... --, A Agustina é a cave, a adega, e a bodega, a madrigueira da salamandra bafienta. A Agustina é o eterno peão do lusco-fusco, a sempre delicodoce, a sopa fria do insonso da pior constipação. A Agustina é o próprio Século do Romantismo, -- que cá nem sequer chegou a haver!... --, mas agora já bem cerzido e recosido, p'ra ver s'aguentava mais um milénio, a Joalheiras d'Almeida Garrett, a Meias-Solas-Para-Durar-Outros-Cinco-Anos, a Feliciana de Castilho do meio atilho, a Casaco de Serviço de três gerações pequeno-burguesotas!... A Agustina é a Escolástica morta de trezentos anos, em que já só chegámos a ser bons em meados do Século Dezassete!... A Agustina é o Rotativismo da Literatura.

O que seria da Agustina, se Portugal se tornasse agora europeu?... Longos Dias Têm Cem Anos, pois têm, porque a Agustina já por aqui não anda, e limita-se a deslizar, e não deslizar, a comprazer-se com rodar,


em lubrificadas engrenagenzinhas de ver se ninguém cá dá por ela, e lá vai, lá vai, a matreira, toda de vento em popa, em derivas de serena eternidade, não fosse eu desatar a escrever aqui contra ela,

-- estás-me a ouvir, ó minha suburbana senhora d'ópio, d'engessadas Trompas de Falópio, meu tampão de aço da modernidade, minha ilha em pleno continente, meu veneno insidioso, e lento, de bem saberes poder esperar cem anos por uma presumível vitória tua!... Que nunca a terás, porque és pior do qu'a MAÇADA ASSADA de Sir Isaac Newton, és o próprio peso pesado da Ponderação, o aforismo à bruta do hás-de ter aqui um enfarte, uma congestão, o lugar arrastadíssimo de todas as palavras rimadas em ão, do feio próprio que o Português tem dos seus inhos, inhos e che, che, ches, de locomotivas em matinais diálogos de partida!... Porque tu és o basalto da calçada, o calhau pesado, o matacão, o seixo muito bem rolado,


a gravilha espalhada p'los passeios da ruela, sempre a Fazer-De-Pedra-Para-O-Que-Der-E-Vier, a palavra lapidar, à espera de uma Eternidade moderada,

-- A ETERNIDADE DA CHATICE, claro está!... – Porque tu és o borzeguim, o chumbo do anzol, o pisa-papéis, o cilindro compressor de sílabas, o pilão d'almofariz de uma libidinosa Senhora da Frigidez, a Língua-de-Trapos, o Cinto de Castidade da própria Fluência, o óleo pesado das locomotivas trans-siberianas, a Sibila complicada dos lugares mais comuns!...

A Agustina é o mamute, a baleia, o mastodonte da alínea cifrada, o paquiderme da insonação, a crisálida das sílabas, a sonoridade vaginal do ditongo mais arrastado, do vocábulo já caído em desuso, era ela 'inda criancinha, -- que também teve tempo de o ser, quem o diria agora!... --, e já essa palavra se não usava,

-- ó minha eterna pequenina, mas trabalhadeira,


meu pantógrafo oleado, sempre enfiado p'lo Camilo adentro, p'ra continuares a ter a audácia de escrever assim, no desasado fim deste Século Vinte, nossa época mais negra da Humanidade!... Porque tu és a favela da Prosa, o quisto sebáceo, o mioma dançante, a herpes do tímpano, o tumor branco, a lepra azul e a gangrena cinzenta de todas as páginas impressas em vão, que nunca haverão de servir p'ra qualquer exportação, e, de cada vez que oiço falar

E,

IR-T

em traduz

só me vem à ideia papel estragado, e terríveis compadrios d'além-fronteiras, porque terá sempre de haver, algures, uma outra velha como tu,


enrolada nos cobertores traçados de uma porca espelunca londrina!...

Porque o mal da Agustina é pensar-se logo no Norte, cousa pouca, num imaginário nacional, de medíocre recanto peninsular, microscopicamente sentido na Europa, como nome exótico de um espectral girar do Orbe, -- ó inexistente criatura, da mais alta esfera das estrelas!..., a quem deu a terrível doença dos artistas, de se tornarem em parcos bordados regionais, para as americanas poderem enfiar no saco roto das suas fotografias fabricadas no Japão!... Mas as americanas nem sequer sabem dessa Agustina, -- graças a Deus!... --, estimável escritora da genuína Louisiana, on Oporto-upon-Mississipi, que os netos enfiaram um dia no contentor, em tarde de limpeza geral, -- Jesus, quantos anos já lá vão!...

A prosa da Agustina é um novelo de lugares-comuns, de aforismos sem sentido, postos p'ra ali só p'lo simples prazer da forma. A Agustina é aquela masoquista tendência que o português rafeiro tem de achar bom tudo aquilo que não entende,


porque a escrita da Agustina não passa de um montão de lâminas usadas, o próprio lampião fosco da retórica meio-translúcida, e lúcida, do mercado ilícito, do é pegar ou largar, dum presente mal menor!... A Agustina é o Alves dos Reis da versificação, o calvinismo dos versos brancos, a rima pobre da Foz. Cuidado, porém, que a bicha é velhaquinha, e sabedora dela toda, a própria orca assassina dos paninhos frios,

-- ó, tu, minha manhosa senhora d'avenidas tripeiras, minha minuciosa miserável da Astúcia, meu adorado Sargento-Mor das vírgulas, genuíno compasso de embrutecedora espera, entre dois vigorosos murros de pugilato, ó meu verdadeiro boxeur paragráfico de uma Guarda Nacional Republicana de prosas p'ró vigiado!... A Agustina é o Rei das Berlengas, a Rainha da Brutópia, aquela que dizia que a pátria dela haveria de vir a ser a Míngua Portuguesa, mas a Agustina já não passa de um pneu furado,


da menopausa mal disfarçada de pegajoso sumo de tomate!... A Agustina parece uma almôndega, a broa de Avintes, um torrão de Alicante impossível de triturar, a sola cozinhada, o bife duro de arrancar dentes, o miolo encontrado na pirâmide, a borracha mastigada do dia a dia, a côdea serôdia, a fora de horas, do chá das cinco servido às sete, a pêra podre, -- qu'eles pensavam só estar madurinha!..., o tabaco de mascar da velha fedorenta, o Vaugham Williams da Literatura, o pot pourri, o hamburguer comido frio, o torresmo da antevéspera, o rebento de soja da dieta descarnada, a sopa de pedra deixada ao relento, o puré de batata da minha Tia Maria Alice, -- mas quando o voltava a enfiar, em vomitado, p'la boca dos filhos dela!... --, o cozido-à-portuguesa maneirinho, dos mais imundos pratos espanhóis, de feijoadas de peixe, atamancadas com umas quantas favas e amêijoas!...

A Agustina é um pastel de nata. A Agustina é um bolo de arroz.


A Agustina é o pão-de-ló encharcadito, a açorda azeitada d'Entre-Douro e Minho, o rolo de carne, servido na época natalícia, com uma maçã bichadota enfiada p'las ventas dentro!... A Agustina é um chouriço de sangue anémico, um paio de vinho sem álcool, uma cerveja, mas bebida bem quentinha, a toma lá mais este bocadão, da mesa enfarta-brutos, o prato forte da rigorosa ementa do Masoquismo. A Agustina é uma palmilha, a botinha ortopédica, o elástico da reabilitação, a massagem diária da entrevadinha, a perna-de-pau do nunca mais haverás de correr!...

A Agustina é o buldogue da Prosa. A Agustina é um papa-moscas. A Agustina é Deus-Pai, já tornado mãe. A Agustina é o sabão amarelo, o abafador caseiro do crime de Caselas,

A FORCA DA GRAVIDADE, a história edificante de gelar a espinha a qualquer um. A Agustina é a triste sina de gostar muito de se ouvir sozinha. A Agustina é o seu próprio autor preferido, a melhor partidária de si mesma, a mãozinha sempre a puxar para o auto-retrato,


o pendor foleiro para a auto-contemplação. A Agustina está sempre ao espelho, de frente, de lado, e a três quartos,

-- E eu a querer tanto vê-la p'las costas!... A Agustina é o alicerce, de pedra e cal, lá postado para durar. A Agustina é a raiz do dente furado.

A Agustina já só está ali p'ra aquilo, e nunca mais irá de lá sair!... A Agustina é o Salazar da Língua, o Botas da prosa sempre posta em dia, o Vacão de Catalazete, antes de cair da cadeirinha, -- louvada seja!... --, ai deste novo Meão de Santa Comba Dão, dos livritos bem contados, da nós cá somos mais modestos da Literatura, daquela razão da minha força que era a força enorme de uma espantosa falta de Razão, e de gosto, sim, senhor, sobretudo de uma mirabolante

FALTA DE GOSTO,

-- ó minha contemporânea Grécia do Feio,


de quem tu, Agustina, me saíste a maior Padroeira!... A Agustina é bojuda, anafada, rotunda e rubicunda. A Agustina é p'ró cheiinho, a própria cabacita da Prosa, o pisado melão da esquina. A Agustina é um pimenteiro de rodas baixas. A Agustina tem a graça de um polícia pançudo e reformado, a alegria do eléctrico, velhinho, que lá foram buscar no dia da solenidade. A Agustina é o sobrinho pesadote, que resolveu casar aos quarent'anos. A Agustina é a trombose da Língua. A Agustina não sabe ler nem escrever. A Agustina é a tabuada, a reguada, a palmatoada, a cábula desbocada da saloia que veio p'ra aqui servir. A Agustina é a somítica governanta do Relato, o mordomo culpado de andar a coçar para dentro. A Agustina tem um coágulo na linha, uma pedra entalada na fluência do contar. A Agustina é o troley da banalidade o funcionário prosador, o quadro excedente, chegado ao topo da carreira pela antiguidade do seu

sim, senhor, com certeza. Desejará, por acaso, mais alguma coisinha?...,


-- Ó SERVIL, Ó SERVA INÚTIL, DE UM PODER COMPLETAMENTE DESBOCADO!... --, Minha consolação nocturna do Estafermo-Mor, meu Segundo Império da tardinha fria de Sedan, minha colaboracionista do Reino das ervilhas, meu Estado Novo das Sornas Velhas, minha República de Vichy das Letras, tão eternamente de boca fechada, p'ra nunca te poderem imputar opiniões, excepto as da inclinação soturna deste vento dominante!... A Agustina é a serpente baça, que coabita com o Poder, a que haverá sempre de estar p'ra ali, escarrapachada como uma lapa, a perpetuamente acocorada, para não perder pitada alguma, a eminência parda,


a liberal, a moderada, e conservadora, a ultramontana, a tirana obscura, do despotismo mal iluminado, o agreste muro do não passarão, a avezinha eternamente reaccionária, a sopeira lava-escadas da sombra do ver s'irá poder pingar mais alguma coisa da mesa da Coroa então vigente!... A Agustina é o Vasco Graça Moura, mas muitíssimo mais sofisticado!... A Agustina é aquela que servirá sempre bem, e sem nunca olhar a quem!... A Agustina é o Papão, o Homem do Saco das crianças que não queriam comer, o tom Hohenzollern com que o Kaiser gostava de se pôr a pintalgar o seu próprio caixão. A Agustina queima as pestanas, gasta os dedos e espalha a cegueira mais profunda, sem que dela fique mais do que o suminho espremidito de um limão já ressequido!... A Agustina é o tubo entupido d'andar a dar clisteres aos saguins!... A Agustina é a senhora da guerra sedimentada, a assesta-lupas de tentar encontrar genialidades à viva-força, o Salieri desta Corte Nacional, -- e Corte do Norte, ainda por cima!... --,


ou por baixo,

-- ó Agustinha, minha derreada mata-mouros de qualquer fantasia!... A Agustina é o aríete da sensibilidade, dos mais desprezíveis estranguladores de paixões, o esperanto desolador de qualquer hino internacional, a cabala hoje montada, e já lucrativa, da pobre contemporaneidade qu'a mim veio caber em sorte!... A Agustina é a Morte cansada, o recolhimento da Sarah Bernardt, em cada noite deitada no seu próprio esquife, a Ara Pacis de uma velha necrópole, a calma recolhida, e sisuda, dos abandonados cemitérios da província, a múmia de Ramsés II, ridiculamente sentada à janela, o granítico memorial das anchovas congeladas. A Agustina é a escolopendra, o lacrau meão, o Mário Cláudio, já velhinho, o Dantas mal encapotado, daquela geração do já não saber que havia o Dantas,

-- pois ele voltou mesmo, e até se recomenda, e bem, a quem cá hoje quiser ser alguém!...


A Agustina tem uma pedra no útero, A Agustina é o calhau das virilhas, a ovários de chumbo, a trompas calcetadas, a trouxa das sílabas mal enresinadas. A Agustina é aquela alegria que ficou para sempre caída nas vielas de Pompeia, o pórfiro sombrio, deixado por Roma nas pedreiras da Capadócia, o peso daquele estado soturno que se tinha atrevido a confiscar as próprias flores, o tributar da brisa marinha, dos sorrisos da criança qu'inda não sabia os males de ler!... A Agustina é a meia graça, o espírito fino das padeiras flamengas, a elevação de espírito de todas as mulheres a dias, o gracejar sibilino das varinas da Ribeira, a anedota p'ra se rir no dia seguinte, mal chegue a manhã de um pequeno almoço manteigueiro. A Agustina é o sifão da Imaginação, o palavrão senil, já traduzido por lisonja. A Agustina é um tijolo, o próprio betão da Fala, a lava da Noite, a argamassa da astúcia inútil. A Agustina é a laje, a lápide, o alçapão, a frincha mal fechada,


onde, um dia, alguém haverá de desmanchar um pé!... A Agustina é o solar de persianas corridas, a meia sesta daquela titi ronhosa, que dormia co'olho aberto, p'ra ver se a sobrinha já não brincava co'a pilinha do jardineiro!... A Agustina é a derradeira tentativa de converter Portugal numa Escócia de senhores sisudos, a piolharem eternamente um enorme populaço de camponeses derreados!... A Agustina é o sorriso dos mortos, o chá de tília, a infusão de camomila fraquinha, o meu lé de laramba pimba, a triste remediada da Literatura, a Escova-Botas, a Mangas-de-Alpaca de uma pobre editora empoeirada!... A Agustina é uma velha que continua a guardar as notas no colchão, a Olha-Para-O-Próprio-Umbigo do monótono dia a dia. A Agustina é a paz podre, de nunca tornar a suceder nada, o enredo sem surpresas, a crónica convencional, a derradeira página do Diário da República, a biografia castrada dos tectos da Capela Sixtina, aquela que fica sempre para apagar as luzes de quem já saiu.


A AGUSTINA É MAIS UM REI VAI NU DA PORTUGALIDADE!... A Agustina é uma abóbora, A Agustina é indigesta e muito boa p'ra sesta, é pastoril e já meio senil, a cozinheira afável da velha Bovary, que lhe pôs nos dedos os comprimidos daquela tarde d'assombração de se querer matar!... A Agustina é o hectar em postas o estere, o quintal e meio, a grosa, a groselha e o capilé, a arroba, a alfarroba e o Alfa Romeo, o Porsche sem rodas, a caleche escavacada das velhas mais tresloucadas, aquela doença que dá nas galinhas p'ra se porem a bicar o cu umas às outras até morrer, a das vacas loucas, a doida, o gebo e a sombra, o aedo de Rilhafoles, o passador de drogas leves, a rendas, a cortininhas de tule, a florida do piroso, a almofada furada de riba Douro. A Agustina é a fada do lar dos enfadados.


A Agustina é o contentor, o camião TIR carregado de bóinas velhas. A Agustina é como estar em coma, cem anos ligado a um pulmão mecânico, -- meu rame-rame de nunca mais poder voltar a respirar fundo!..., para baixo, para cima, para cima, para baixo, num mesmo recanto de cotão,

Ó MEU TRISTE CHULÉ DA PROSA!... A Agustina é cabotina. A Agustina é uma cavalona. A Agustina é um bisonte. A Agustina é a Ana Karenina de um país sem comboios. A Agustina é o convento, e mais o que lá vai dentro. A Agustina é o marido, a mulher e a colher. A Agustina é um pomo sem discórdias, a ovelha ronhosa, a Rua da Betesga engrinaldada em Rossio, o devagar se vai ao monge, o filho de peixe que se soube aproveitar, e bem, da época qu'agora tem!... A Agustina é a História discriminada de como as irmãzitas Carmelitas Descabeladas ali faziam o seu velho arroz doce e entrecosto a servir por junto à mesa do Paço de Enxobregas, narrada por quem lá esteve, e continua, com saúde, graças a Deus, bem enfiadinha no seu tugúrio de média luz, por vontade


da falta de sol, e mercê de todos quantos continuam a mijar p'a trás, agradece e retribui, seguindo-se uma lista completa de como se servia, etc, etc, etc..., pela Graça de Deus no Anno de..., ora deixa lá ver em que ano é que ela ainda anda, a minha querida Agustina,

A DERRADEIRA DESCOBERTA DE PORTUGAL NO SÉCULO XIX, para qu'aqui o passem a saber Europa e Mundo!... A Agustina é uma mina. A Agustina é a Eva do Natal. A Agustina é um bom negócio, o seu próprio pé-de-meia, o genuíno triunfo dos direitos de autor,

DE QUALQUER COISINHA, desde que a possa pôr a render, a conta a prazo do mau parágrafo, o depósito d'ideias nulas, o empréstimo escandaloso, o produto financeiro de forma rectangular, -- e com lombada debruada!... --,


a poupança-reforma do estilo reformado, a pensão bem contadinha, e crucial, numa página de letras mal paradas, a Obra Completa das grandes hipotecas executadas, o poema das somas justas, o débito encantado do gerente calvo, a multiplicação dos pães sem fermento, o dinheiro, já na Suíça, a debitar os eternos juros de um sigiloso balcão de província. A Agustina é a esquina, Onde todas elas se costumam pôr a atacar!... A Agustina é o Gorila Maguila, o monstro das bolachas, o papa-formigas da falsa ingenuidade. A Agustina tem chatos e é muito, muito, chata!... A Agustina é a carraça que os cães costumam trazer colada ao pêlo, sempre que decidem passear-se p'lo jardim. A Agustina é o gorgulho, o engulho e o embrulho, o triste pacote postal, a adiposidade flácida do nosso emplastro da Cultura, o disco riscado, de lograr andar cem anos a tocar a mesma música, A Agustina é o deixar-se ficar p'ra ali, de conseguir fazer um prato de quaisquer restos. A Agustina é a sopa que deu p'ra a semana inteira, o croquete saído de dez travessas, a açorda das côdeas abandonadas dos melhores restaurantes, a pirâmide de chocolate dos bocados ficados por mastigar,


aquele arrozito à justa, a acompanhar o chouriço que já não chegava!... A Agustina é uma buzina que enresina, o advogado comprado, o caldinho aquecido no próprio lombo, o gaspacho setentrional, já enfiado p'la goela da criancita

-- toma lá, não gostas, mas “hádes” aprender a gostar, qu'em Lisboa já não se fala d'outra coisa!... -A Agustina é a anafada do pão balofo, a capa-gatos, o morrer c'um osso de galinha atravessado na garganta, o erotismo dos carapaus servidos frios, o tirar a tusa a qualquer um, o enorme plâncton da Moralidade. A Agustina é a semi-divina dos Trabalhos de Hércules de a terem de continuar a ler, numa continuada chatice de final de ano!... A Agustina é uma bisarma, um canhão, um bacamarte. A Agustina é lusitana e, ainda por cima, lá de chima!... A Agustina é aquela atávica complacência com que lá fora nos continuam a encarar:

-- "escritora portuguesa""?!...


Ah, sim, estou a ver, coitadinhos, também precisam!... --, Porque a Agustina é o Flaubert nacional, mas depois de uns bons cem anos de coerciva decantação pacata, quando já o próprio Flaubert se tornara num Dostoievsky de pacotilha, e o Dostoievsky, numa espécie de Shakespeare feito só de sombras, e o Shakespeare, num outro Virgílio de Seiscentos, e o Virgílio, num imortal Homero, p'ra ali renascido em verso latino, mas, para que é que servia tudo isso, se -- graças a Deus!...--, também já temos agora uma Agustina de Cinfães, senhora literata do remendo, e celebrada bordadora de merendas,

-- ó minha espantosa Rosa Lobato de Faria, em versão erudita de telenovelas indigestas de contenção, não fosse dar-te um incómodo cheirinho de modernidades!...


Porque o mal da Agustina nem é não prestar, mas o prestar à justinha, do Corin Tellado de quem só queria durar até ao sol-pôr, -- linda poia natalícia do só aparecer de quando em quando, p'ra-ver-s'ainda-faz-falta, -- que fazia e não fazia, à alegria fraca de quem tinha estômago p'rá continuar a ler!..., porque a Agustina era bera, e baratucha, a mil paus do enorme consolo das vizinhas a poderem continuar a ter nas estantes para mostrar aos visitantes!...

A AGUSTINA ERA BOA, MAS SÓ FORA DE LISBOA!... A Agustina era o Saramago setentrional, o círculo de leitores de lombadas, o saco roto dos pombinhos pendurados no poial, a fraldas de oitenta anos do nosso pior futuro, a galinha incontinente, que só queria obrar p'lo Presépio, os seus cem mil exemplares já todos engomados e distribuídos p'las décadas mais passadas,

-- ó meu serôdio triunfo de um imenso Barroco,


minha velha bisavó ultra-romântica, de uma Inquisição prolongada, minha coveira da Modernidade, minha miguelista, sem nenhum Miguel, minha Viagens

na Terra Dela, minha Portugalia Monumenta Chatérrima, minha camiliana senhora fora de horas, meu bernardo-eremita do derradeiro oitocentismo, santa rede criminosa de tanto andares p'ra aí a apanhar sardinha da pequenina, na tua estilística petinga setentrional!... A Agustina nunca teve o cio. A Agustina era a vergonha nacional, o próprio arquétipo da Abstinência.

-- A Agustina até era capaz de ser boa, mas eu já não sou do tempo disso!... A Agustina era a alegria do Verão das piores varejeiras, um certo rigor das sombras, de trevas andadas a arrastar de candeia em mão, a eterna não-surpresa de já se saber que saía sempre,


e como saía, no Inverno nosso de cada dia, nos dava ela hoje,

ONTEM, -- ó meu claustro perpetuamente bolorento, de pitonisas sem camisa!... A Agustina era o esqueleto cinzento da Impertinência,

O LIVRO MAIS CHATO DE PORTUGAL!... A Agustina era um percevejo, que p'ra ali também medrava. A Agustinha era daquelas que tinha tinha. A Agustinha, coitadinha,

NEM DADA AGORA ALGUÉM A QUERIA!... LUÍS ALVES DA COSTA, farto, fartinho, fartíssimo, em JUNHO DE 1993


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