EM CENA

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Em Cena, Transgresssão Originalidade e pesquisa cênica caracterizam as montagens gaúchas selecionadas para o Porto Alegre Em Cena, que apresenta este ano mais de 50 espetáculos nacionais e internacionais em três semanas de festival por BELISA FIGUEIRÓ Crítica, denúncia, criatividade, surrealismo. O 12° Porto Alegre Em Cena optou pela originalidade e, este ano, deixou de lado produções gaúchas com viés comercial para privilegiar a invenção. Dr. QS –Quriozas Qomédias (foto acima), Goela abaixo ou por Que Tu não Bebes?, Circo Eletrônico e Hamlet Sincrético foram os espetáculos selecionados para compor a programação oficial, obedecendo a um critério objetivo: a maioria. Oito curadores assistiram a mais de 60 montagens locais e, no final, votaram em suas preferidas. Apenas quatro peças obtiveram as cinco indicações necessárias. O festival, que começa no dia 9 de setembro, volta a ser coordenado pelo diretor Luciano Alabarse. Isso, talvez, explique um pouco do perfil transgressor da programação caseira. Alabarse se apressa a dizer que não influenciou nenhuma decisão dos outros sete curadores da mostra local, mas reconhece que tentou deixar clara a existência de uma seleção para esta edição do festival. "Fomos rigorosos na escolha, até para devolver ao Porto Alegre Em Cena essa idéia de qualidade", diz. Só isso, segundo ele, justifica a manutenção de uma mostra com a estrutura do Em Cena. "A idéia foi esta: escolher espetáculos que mereçam estar na grade", reforça Alabarse. Em 2004, houve 19 montagens locais, metade da programação nacional.


Dr. QS – Quriozas Qomédias, por exemplo, resgata a vida e a obra de Qorpo Santo, um dos dramaturgos gaúchos mais prolixos do século 19. Na peça, a participação silenciosa do público já se inicia na subida das escadas do Depósito de Teatro: os espectadores passam por corredores escuros, percorrendo um labirinto desconexo até chegar ao palco, onde começam a compartilhar os devaneios de José Joaquim de Campos Leão. Em cena, seis atores apresentam a narrativa fragmentada do dramaturgo em papéis diversos, mesclando longas falas em algumas cenas e momentos de escracho em outras, sob a direção de Roberto Oliveira. A montagem faz um cruzamento dos textos Mateus e Mateusa e As Relações Naturais, paralelamente ao desenrolar do drama pessoal do dramaturgo incompreendido. O troca-troca de cadeiras, que muda constantemente a perspectiva de quem assiste ao espetáculo, já pressupõe a incoerência de Qorpo Santo, explícita na impossibilidade de se formalizar uma lógica antes da primeira hora de espetáculo. Do alto do palco, diferentes atores intercalam a interpretação do personagem enquanto os demais encenam no chão, junto ao público. Essa posição faz parte do ritmo alucinado proposto ao longo das duas horas e meia de Dr. QS. Oliveira precisou de um ano e meio de pesquisas para concluir o espetáculo. "Qorpo Santo tinha peças prolixas, provocativas e demorou 100 anos para ser descoberto. Naquele tempo, a cidade ainda tratava muito mal os seus artistas", ironiza Oliveira. O diretor lembra que o Em Cena vai trazer a Porto Alegre "olheiros" de todo o mundo, capazes de concretizar a idéia de levar o espetáculo para outros lugares. "Qorpo Santo não é conhecido apenas no Rio Grande do Sul, o que fortalece a idéia de que existe um público fora daqui para ele", afirma. Linguagem O crítico Luiz Paulo Vasconcellos, colunista de APLAUSO, reforça a tese de Oliveira. "O espetáculo é irreverente, descompromissado com padrões, fiel à figura de Qorpo Santo. E mostra uma desconstrução incrível", avalia. Além de Dr. QS, as outras três peças selecionadas pelos oito curadores também carregam um viés provocativo e transgressor. Vasconcellos participou da comissão que escolheu os espetáculos gaúchos para o Em Cena e afirma que prevaleceram as experiências de linguagem teatral. linguagens." Marcelo Adams, diretor de Goela abaixo ou por Que Tu não Bebes?, também salienta o interesse pelo novo. "Servir cerveja para o público é uma inovação que pretende deixar o espectador na mesma condição dos atores. O Em Cena é para mostrar o orignal, resgatar dramaturgos e biografias." Na trama de Goela abaixo, escrita em 1970, dois atores conversam durante uma hora bebendo cerveja ininterruptamente, enquanto mostram a resistência do


dramaturgo Vanek às pressões do mestre-cervejeiro para que colabore politicamente com o seu regime. Além de discutir uma Tchecoslováquia sombria e comunista, a vida e a obra do dramaturgo e ex-presidente tcheco Vaclav Havel (enfocada no personagem de nome parecido) é retratada sob a ótica da subversão e do autoritarismo, já presente no título. Goela abaixo (empurrando a imposição ditatorial) ou por Que Tu não Bebes? (tentando A comissão foi formada pelos atores Alexandre Silva, Lutti Pereira, Liane Venturella e Cláudia de Bem, pelos diretores Luciano Alabarse e Luiz Paulo Vasconcellos, pelo técnico Breno Ketzer e pelo cenógrafo Rodrigo Lopes. Vasconcellos, assim como Alabarse, justifica as escolhas: "O festival é um instrumento público de manifestações, e têm de prevalecer a pesquisa, as novas persuadir o intelectual a colaborar com o sistema). O ator Juliano Barros, de Hamlet Sincrético, também confirma a tendência. "As escolhas do festival foram bastante felizes, são espetáculos que pulsam de forma diferente. Não são experimentais, mas originais", destaca. Hamlet Sincrético buscou inspiração no texto de Shakespeare e o adaptou à realidade de um grupo negro. Segundo Barros, a idéia é cruzar a corrosão da sociedade da Dinamarca do século 17 com a realidade das religiões afro-brasileiras, utilizando um autor universal. Circo Eletrônico, de Dilmar Messias, apresenta a técnica circense através da música eletrônica. A diretora e atriz Patsy Cecato, que mantém o espetáculo Se Meu Ponto G Falasse há oito anos em cartaz, justifica que montagens comerciais não se encaixam mesmo no perfil do Em Cena. Mas criticou o que chama de preconceito contra um teatro mais sintonizado com a diversão. "O Em Cena é muito legal, mas infelizmente não forma público." Esse dado, segundo ela, é importante e deveria ser levado em consideração pela equipe organizadora da mostra. "Se não houvesse montagens comerciais, o público porto-alegrense simplesmente não iria ao teatro", desafia. Foto: Prem Kiran/Divulgação


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