Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

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CURSO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA

Coordenador: Prof. Dr. Renato Dagnino

Março de 2009 VVVV

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1 Apresentação do Curso ................................................................................................... 1 Sobre as unidades que compõem o Curso ...................................................................... 4 Instruções operacionais aos alunos do Curso ................................................................. 5 Metodologia de aprendizado ............................................................................................ 5 O esforço individual ......................................................................................................... 6 A bibliografia e o ordenamento dos assuntos .................................................................. 7 O esforço coletivo ............................................................................................................ 8 Avaliação ......................................................................................................................... 9 Sobre o Trabalho de Conclusão de Curso ....................................................................... 9 Roteiro ........................................................................................................................... 10 Conteúdo programático ................................................................................................. 12 CAPÍTULO I: CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS À GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA .... 18 1. Introdução .................................................................................................................. 18 1.1. Um breve histórico do planejamento ....................................................................... 18 1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica Pública..... 20 1.3. As características do “Estado Herdado”.................................................................. 22 1.4. A democratização política e o “Estado Necessário” ................................................ 23 1.5. A construção do “Estado Necessário” e a Gestão Estratégica Pública ................... 28 1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas ..................................................... 32 1.7. O gestor público e o administrador de empresas .................................................... 36 1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração Pública ....... 37 1.9. A formação do gestor público ................................................................................. 39 CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE ENFOQUES ......................................................................................................................... 46 2. Introdução .................................................................................................................. 46 2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político ................................................. 47 2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito ......................................... 47 2.3. A concepção ingênua do Estado neutro ................................................................. 48 2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública ................................................................. 50 2.5. O enfoque da Análise de Política ............................................................................ 52 2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional .............................................. 57 CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES ............................... 59 3. Introdução .................................................................................................................. 59 3.1. Uma visão preliminar do resultado .......................................................................... 61 3.2. O que é o “agir estratégico”? .................................................................................. 64 3.3. Pressupostos para uma ação estratégica em ambiente governamental ................. 64 3.4. O conceito de Ator Social........................................................................................ 64 3.5. Características do Jogo Social................................................................................ 65 3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica ..................................................................... 65 3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo ........................................ 66 3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública .......................... 71 3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema) ....................................................... 71 3.10. Tipos de Problemas .............................................................................................. 72 3.11. Conformação de um Problema ............................................................................. 73 3.12. Como formular um Problema? .............................................................................. 73 3.13. Perguntas para verificar se a seleção de Problemas é apropriada ....................... 74 3.14. A Descrição de um Problema ............................................................................... 75 VVVV 1


3.15. A Explicação da Situação-problema ..................................................................... 76 3.16. A diversidade das Explicações Situacionais ......................................................... 76 3.17. O Fluxograma Explicativo da Situação ................................................................. 76 3.18. Seleção de Nós Críticos ........................................................................................ 77 3.18.1. Critérios para Seleção de Nós Críticos .............................................................. 78 CAPÍTULO IV: METODOLOGIA DE MODELIZAÇÃO.......................................................... 81 4. Introdução .................................................................................................................. 81 4.1. Sistemas e enfoque sistêmico ................................................................................ 81 4.2. O conceito de Sistema ............................................................................................ 82 4.3. Sistemas simples e complexos ............................................................................... 83 4.4. Atributos dos sistemas complexos .......................................................................... 83 4.5. Sistema, contexto, e variáveis endógenas e exógenas .......................................... 85 4.6. Realidade, modelização e modelo .......................................................................... 87 4.7. Formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis................................... 89 4.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional .................................. 91 4.9. Estabilidade, Resistência, Resiliência e Análise de Sensibilidade .......................... 92 4.10. Análise Sistêmica e Dinamização ......................................................................... 94 4.11. O caráter intrinsecamente normativo da modelização .......................................... 97 4.12. Modelização e Gestão Estratégica Pública ......................................................... 100 4.13. Exemplos de modelização .................................................................................. 104 4.14. Considerações Finais.......................................................................................... 109 CAPÍTULO V: METODOLOGIA DE PLANEJAMENTO DE SITUAÇÕES .......................... 113 5. Introdução ................................................................................................................ 113 5.1. Uma visão preliminar do resultado ........................................................................ 113 5.2. Planejar por Situações-Problema ......................................................................... 115 5.3. Operações ............................................................................................................ 118 5.4. Matriz Operacional ................................................................................................ 119 5.5. Ações, Atividades, Tarefas ................................................................................... 119 5.6. Resultados ............................................................................................................ 120 5.7. Produtos................................................................................................................ 120 5.8. Recursos ............................................................................................................... 120 5.9. Prazos ................................................................................................................... 121 5.10. Responsáveis ..................................................................................................... 121 5.11. Etapas para a formulação de um Plano de Ação ................................................ 121 5.12. Gestão do Plano ................................................................................................. 122 5.13. Atuar sob incerteza ............................................................................................. 123 5.14. Focos de Debilidade de um Plano ...................................................................... 123 5.15. Componentes de um sistema de Gestão Estratégica Pública ............................ 124 CAPÍTULO VI: METODOLOGIA DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ...................... 126 6. Introdução ................................................................................................................ 126 6.1. Explorando o conceito de Análise de Política ....................................................... 127 6.1.1. O conceito de política......................................................................................... 128 6.1.2. O conceito de Análise de Política ...................................................................... 130 6.1.3. O surgimento da Análise de Política como campo acadêmico .......................... 131 6.1.4. Uma tipologia da Análise de Política: a tensão entre descritivo e o prescritivo .. 132 6.1.5. A postura do analista de políticas ...................................................................... 134 6.1.6. A Análise de Política e o contexto da política .................................................... 136 6.1.7. A Análise de Política e os níveis de análise ....................................................... 141 6.2. Visões do Estado e Análise Política ...................................................................... 144 6.2.1. A visão Pluralista ............................................................................................... 144 6.2.1.1. A visão Elitista ................................................................................................. 145 VVVV

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6.2.1.2. A visão Marxista .............................................................................................. 145 6.2.1.3. A visão Corporativista ..................................................................................... 146 6.2.2. Um quadro sinóptico .......................................................................................... 147 6.3. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo ............................... 148 6.4. Poder e tomada de decisão .................................................................................. 150 6.4.1. O debate entre pluralismo e elitismo .................................................................. 151 6.4.2. As duas faces do poder ..................................................................................... 152 6.4.3. A terceira face do poder ..................................................................................... 155 6.4.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e decisão ........................... 156 6.5. Os modelos de tomada de decisão: o confronto entre o racionalismo e o incrementalismo ........................................................................................................... 160 6.5.1. As origens do debate ......................................................................................... 161 6.5.2. Algumas propostas intermediárias ..................................................................... 164 6.5.3. O processo de Elaboração de Políticas Públicas e os modelos de análise ....... 169 6.6. Modelos para o estudo da implementação de políticas ........................................ 170 6.6.1. O enfoque top down ........................................................................................... 171 6.6.2. O enfoque bottom up ......................................................................................... 172 6.7. O estudo das organizações e a Análise de Política .............................................. 174 6.7.1. A discricionariedade dos escalões burocráticos inferiores e a elaboração de políticas ........................................................................................................................ 174 6.7.2. Os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas ............ 176 6.8. Os Momentos da elaboração de políticas públicas ............................................... 179 6.9. Experiências de Planejamento Público ................................................................. 182 6.10. Um roteiro para a Análise de Políticas ................................................................ 184 6.10.1. Os instrumentos da Análise de Política............................................................ 185 6.10.2. Tipos de Análise de Política ............................................................................. 187 6.10.3. Uma visão de conjunto dos três momentos da Elaboração de Políticas .......... 188 6.10.4. Uma tipologia das organizações ...................................................................... 192 6.10.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a Negociação ....................... 193 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 196 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 197

ÍNDECE DE ESQUEMAS, FIGURAS E QUADROS ESQUEMA 3.12.1: FORMULAÇÃO DE PROBLEMAS ........................................................ 69 ESQUEMA 5.1.6.1: ESQUEMA DE EASTON .................................................................... 132 FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORES... Consulte FIGURA 3.1.2: ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS .................... Consulte FIGURA 3.1.3: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO PROBLEMA ............. 58 FIGURA 3.14.1: DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS................................................................. 70 FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL ................................................................. 72 FIGURA 3.18.1: PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS ............................................. 73 FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO.................................................................. 75 FIGURA 3.7.1: TRIÂNGULO DE GOVERNO ....................................................................... 62 FIGURA 3.7.2: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO ............ 64 FIGURA 3.7.3: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO ............ 65 FIGURA 4.1.1: AÇÕES ...................................................................................................... 109 FIGURA 4.1.2: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO ..................................................... 109, 110 FIGURA 4.12.2: CICLO DA MODELIZAÇÃO ....................................................................... 98 FIGURA 4.2.1: ANÁLISE DE SITUAÇÕES-PROBLEMA ................................................... 112 FIGURA 5.1.4.1: TIPOLOGIA DA ANÁLISE DE POLÍTICAS ............................................. 128 VVVV

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FIGURA 5.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANÁLISE DE POLÍTICAS E SEUS NÍVEIS ....... 137 FIGURA 5.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS .......... 179 FIGURA 5.10.1.3: CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK” ..................... 181 FIGURA 5.2.2.1: VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO ................................. 142 FIGURA 5.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISÓRIO .............................................. 162 FIGURA 6.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO ............................................................... 91 FIGURA 6.11.1: MODELO 1 ................................................................................................ 92 FIGURA 6.11.2: MODELO 2 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.3: MODELO 3 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.4: MODELO 4 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.5: MODELO 5 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.6: MODELO 6 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.7: MODELO 7 ................................................................................................ 95 FIGURA 6.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAÇÃO ................................................................. 96 FIGURA 6.12.2: MODELIZAÇÃO DE POLÍTICAS ............................................................... 99 FIGURA 6.12.3: TRAJETÓRIA DE UM SISTEMA................................................................ 99 FIGURA 6.13.1: VARIÁVEIS ESCOLHIDAS ...................................................................... 100 FIGURA 6.5.1: MODELIZAÇÃO ........................................................................................... 82 QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA ............................. 60 QUADRO 4.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO ........................................................................................................................................... 117 QUADRO 4.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES...................................... 111 QUADRO 4.8.1: VIABILIZAÇÃO DE AÇÕES PLANEJADAS ............................................. 115 QUADRO 5.10.1.2: FUNÇÕES DA ANÁLISE DE POLÍTICAS ........................................... 180 QUADRO 5.10.2.1: VARIEDADES DE ANALISE DE POLÍTICA ....................................... 181 QUADRO 5.10.3.1: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........ 182 QUADRO 5.10.4.1: “GRADE PARA IDENTIFICAÇÃO” DE ORGANIZAÇÕES .................. 187 QUADRO 5.10.5.1: ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................... 188 QUADRO 5.4.4.1 ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO .............................................. 154 QUADRO 5.5.1: UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE.............. 158 QUADRO 5.7.2.1: TIPO 1 – ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO . 171 QUADRO 5.7.2.2: TIPO 2 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO BUROCRÁTICO ....... 171 QUADRO 5.7.2.3: TIPO 3 – ORGANIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL ........................................................................................................... 172 QUADRO 5.7.2.4: TIPO 4 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA ....................................................................................................................... 172

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INTRODUÇÃO Apresentação do Curso Este Curso foi concebido tendo por referência a constatação de que os gestores públicos terão que seguir por muito tempo atuando no interior de um aparelho de “Estado Herdado” que não se encontra preparado para atender as demandas que o estilo alternativo de desenvolvimento mais justo, economicamente igualitário e ambientalmente sustentável que a sociedade deseja. E que, ao mesmo tempo, terão que transformá-lo no sentido da criação do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de atender as demandas presentes, mas de fazer emergir e satisfazer novas demandas embutidas nesse estilo alternativo1. Por isso, e para que fiquem claras as razões que explicam as características que o Curso possui, se irá mencionar em mais de uma oportunidade ao longo dos capítulos iniciais deste texto vários dos aspectos envolvidos na transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”2. De fato, há que ressaltar nossa opção de levar em conta esses aspectos para a concepção deste Curso. E, também, que a realização de opções distintas levaria, como é evidente, à elaboração de uma disciplina de Gestão Estratégica Pública (GEP) com características distintas. Há que ressaltar, adicionalmente, e de partida, que entendemos que ajustar o aparelho de Estado visando a alterar a conformação das relações Estado-Sociedade, desde que respeitando as regras democráticas, é um direito legítimo, uma necessidade, e um dever colocados aos governos eleitos com o compromisso político de levar a cabo suas propostas.

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O recurso que utilizamos para marcar a diferença entre a situação atual e a futura, desejada, de opor o “Estado Herdado” e a proposta de “Estado Necessário”, tem como inspiração o tratamento dado ao tema por Aguilar Villanueva (1996). Vários outros autores latino-americanos, entre os quais Atrio e Piccone (2008) e Paramio (2008) para citar apenas dois dos mais recentes, têm abordado, ainda que focalizando uma “cena de chegada” um tanto distinta, o processo de transição que nos preocupa. Com uma perspectiva ideológica bem mais próxima com a aqui adotada, cabe citar, também para ficarmos nos mais recentes, os trabalhos de O’Donnell (2007 e 2008), onde atualiza sua visão sobre o Estado latino-americano e indica novos rumos para o debate, de Thwaites Rey (2008), que apresenta uma análise inovadora sobre a intermediação que realiza o Estado na relação entre as classes dominantes latino-americanas e o cenário globalizado, e Brugué (2004) que provocativamente coloca como condição de transformação do Estado a promoção e um estilo de gestão baseado na “paciência” e na “feminilização”. 2 A maneira que adotamos para referir a uma configuração do Estado capitalista alternativa da atualmente existente, pela via de uma aderência e de uma condição de viabilização de um cenário normativo em construção no âmbito de um processo de radicalização da democracia, é distinta daquela proposta, por exemplo, por Guillermo O’Donnell. Num pronunciamento recente, este que é reconhecido como um dos mais agudos analistas latino-americanos das relações Estado-Sociedade se referiu a um Estado que apesar de abrigar bolsões autoritários, é capaz de impulsionar a expansão e consolidação das diversas cidadanias (civil, social e cultural, ademais da política já estabelecida num regime democrático) implicadas por uma democracia mais plena, e ir-se transformando, assim, num Estado democrático (O’DONNELL, 2008).

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Assumir explicitamente essa intenção, portanto, não diferencia o atual governo de outros que ocuparam anteriormente o aparelho de Estado. Não obstante, parte-se também da constatação de que a Reforma Gerencial do Estado brasileiro inaugurada na década de 1990, dado o impulso que ganhou e os laços de realimentação sistêmica que produziu, segue em curso. O que ocorre de modo lento e desigual, em virtude da oposição, às vezes meramente corporativa, que vem sofrendo no âmbito da sociedade e do próprio aparelho do Estado. E, de modo genérico, porque a correlação de forças políticas impede que ela siga no ritmo pretendido pelos seus partidários. Há que reconhecer, ademais, que o fato da Reforma Gerencial continuar, ainda que de forma fragmentada, na lista das mudanças que estão sendo realizadas no âmbito do aparelho de Estado não deixa espaço para que as ações que conduziriam ao “Estado Necessário” sejam hoje colocadas na agenda governamental com a centralidade que elas merecem. Em conseqüência, se está assistindo a um paradoxo, que é extensivo a outros países latino-americanos, de governos de esquerda democraticamente eleitos não estarem sendo capazes de fazer para avançar a democratização de seus respectivos países3. O que se observa, então, freqüentemente, é a implementação de algo mais alinhado com a Reforma Gerencial do que com a proposta do “Estado Necessário”. E isso apesar de que parece ser este o modelo de Estado privilegiado pelo atual governo. Por encontrar-se num nível claramente incipiente, o processo que irá possibilitar a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” não pode prescindir de conteúdos como os que este curso pretende proporcionar aos gestores públicos. Os quais, é importante que se diga, consideramos atores indispensáveis para que esse processo se efetive 4.

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Vários autores latino-americanos têm apontado que esses governos, embora estejam sancionando e respaldando a cidadania política, se estão omitindo ou se demonstrando incapazes de sancionar e respaldar direitos emergentes de outros aspectos da cidadania (O’DONNELL, 2008), e correndo o risco de sofrer uma derrota catastrófica por caírem da armadilha do "possibilismo" e do tecnicismo que conduz ao imobilismo (BORÓN, 2004). Coutinho (2007), assumindo uma postura ainda mais crítica e usando categorias gramscianas, considera que a época neoliberal que vivemos no Brasil não deveria ser considerada como uma “revolução passiva” e sim como uma “contra-reforma”. Apontando para o fato de personalidades dos partidos democráticos de oposição se estarem incorporando à “classe política” conservadora, hostil à intervenção das massas populares na vida estatal, ou de grupos radicais inteiros estarem passando ao campo moderado, ele faz referência ao conceito de transformismo: processo em que as classes dominantes buscam obter governabilidade em processos de transição “pelo alto” através da cooptação das lideranças políticas e culturais das classes subalternas diminuindo sua propensão à transformação social). 4 Parecem concordar com essa idéia, tanto pesquisadores latino-americanos orientados a formular recomendações para a capacitação de gestores públicos, como Ospina (2006) e Longo (2006), quanto outros, como Koldo Echebarría (2006), preocupados em comparar países latino-americanos em termos da relação entre o que denomina “configuração burocrática” e “efetividade do sistema democrático”. Também O’Donnell

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Este Curso é então entendido uma condição necessária, inclusive, para assegurar que as mudanças que venham a ser realizadas o sejam de forma competente, criteriosa, sem comprometer os êxitos anteriormente obtidos e com a máxima aderência aos consensos que alcançou a sociedade brasileira de respeito à participação cidadã, democrática e republicana de todos os seus integrantes5. Seu objetivo, num plano mais específico é contribuir para que as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da Gestão Estratégica Pública (GEP). Entendido, este, vale repetir, como um dos instrumentos para viabilizar a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”. Ela trata de uma atividade que ainda não se encontra enraizada na gestão pública brasileira e que teria que substituir outra, que aqui se denomina simplesmente planejamento governamental para marcar alguns aspectos distintivos que evidenciam a utilização do termo estratégico. Na sua dupla conotação de movimento que visa à solução de uma situação que se configura como um problema para o ator que planeja em que ocorre um enfrentamento com um adversário que também se move, inclusive em resposta às suas ações. Aquelas ações que irão construir o cenário normativo; aquele cujo conteúdo interessa ao ator que planeja. Estratégico, ademais, projeto ter seu foco nos projetos de longo prazo de maturação, mais do que em simples manobras táticas (de curto prazo). Essa diferença, além de outra que, por evidente, sequer iremos voltar a mencionar: a que existe entre o planejamento estratégico corporativo ou empresarial, do qual lamentavelmente se originam muitas das propostas que são “contrabandeadas” para o território governamental. Essa diferença ficará clara à medida que os assuntos forem sendo apresentados. O Curso pode ser entendido como o resultado da convergência de dois enfoques relacionados à gestão pública, ou mais especificamente ao processo de elaboração de

(2008) que considera os gestores públicos uma “âncora” indispensável dos direitos da cidadania e que ressalta que sem esta “ancoragem” um regime democrático simplesmente não existe, ou se converte numa caricatura em que se realizam eleições que não satisfazem requisitos mínimos de competitividade, equidade e institucionalização. E que afirma que sem eles os setores postergados e discriminados, que não têm possibilidade de “fugir” do Estado (Herdado) mediante a contratação de diversos serviços ou benefícios privados continuarão sendo excluídos. 5 Schmitter (2006) encontrou, a partir de uma análise transversal para mais de cem países, um índice de correlação significativamente alto (aproximadamente de 0,9) entre “grau de democracia de um país” e “capacidade de gestão do seu Estado”. Embora não seja possível afirmar que exista uma relação de causalidade em qualquer dos dois sentidos, a alta correlação já é suficiente para chamar a atenção para a necessidade de que mudanças na configuração do Estado acompanhem o ritmo do processo de democratização em curso no País.

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políticas públicas, que são visualizados como coerentes com o aquele conjunto de opções que se realizou: a Análise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional. Na realidade, ele é fruto de um processo que se inicia em meados da década de 1990, quando, no âmbito de um projeto que visava à criação de uma Escola de Governo na Unicamp, se iniciam as primeiras iniciativas de docência e pesquisa que resultaram na implantação do Curso de Especialização em Gestão Estratégica Pública junto ao Grupo de Análise de Políticas de Inovação (GAPI), em 2001, e do Programa de Gestão Estratégica Pública ligado à Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários desta universidade.

Sobre as unidades que compõem o Curso Para que o objetivo mais ambicioso expresso nos parágrafos iniciais ─ fazer com que as atividades de gestão pública do Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da GEP de modo a contribuir para viabilizar a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” ─ é necessário tratar em separado cada um dos elementos dessa declaração. A longa trajetória que visa a concretizar esse objetivo se inicia com o primeiro capítulo de “Conteúdos Introdutórios à Gestão Estratégica Pública”. Seu propósito central é examinar o contexto sócio-político brasileiro em que se deve inserir a GEP, que se caracteriza pelo processo em curso de construção do “Estado Necessário”, e o contexto disciplinar da Administração Pública, uma vez que ambos, por se apresentarem como adversos, devem estar sempre presentes na ação dos atores sociais interessados na implantação da GEP no âmbito do Estado brasileiro. O segundo capítulo ─ “A Gestão Estratégica Pública como convergência de enfoques” ─ possui um propósito semelhante. Isso porque é também importante para os alunos, uma vez que se espera que eles venham a se constituir naqueles atores, terem presente as opções que conduziram à proposta de GEP com as características que possui este Curso. O capítulo apresenta, por isso, a Análise de Políticas, que surge nos países avançados, na década de 1970, de uma confluência entre a Ciência Política e a Administração Pública, e o Planejamento Estratégico Situacional que surge na América Latina na mesma época como uma crítica ao planejamento convencional. Explicadas as razões que levaram a proposta do Curso aqui apresentada e estabelecidos os fundamentos teórico-metodológicos em que ela se apóia, os capítulos três, quatro e cinco se concentram na apresentação das três metodologias cujo objetivo é a sua operacionalização: a Metodologia de Diagnóstico de Situações, concentrada na construção 4


do fluxograma explicativo de situações-problema; a Metodologia de Modelização, cujo emprego, no âmbito da Gestão Estratégica Pública, se dá, fundamentalmente, para proceder à análise de sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de governo; e a Metodologia de Planejamento de Situações que, a partir deste fluxograma, permite o detalhamento da matriz operacional (ações, atores, recursos, prazos etc.) e completa o ciclo da GEP. O sexto capítulo tem por finalidade apresentar a Metodologia de Análise de Políticas. Essa metodologia é destacada devido à sua capacidade de enfocar a interface entre a sociedade e o Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até então fazia a Ciência Política. E também por enfocar a questão da elaboração dos planos e da sua execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia a Administração Pública. . Finalmente, se apresenta as Considerações Finais que chamam a atenção para a necessidade de capacitar o gestor público para levar a cabo as tarefas colocadas pela atual conformação das relações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser construído. Ajustar o aparelho de Estado visando a alterar essas relações Estado-Sociedade é um direito legítimo de governos eleitos com o compromisso de levar a cabo suas propostas.

Instruções operacionais aos alunos do Curso Metodologia de aprendizado Parte-se da idéia de que, mais do que um certificado, é importante para alunos que concluem um curso de pós-graduação como este produzir algo que represente o resultado que alcançaram ao longo de seu processo de aprendizado e que possa ser apresentado e utilizado em seu ambiente de trabalho. Ademais, no caso de um curso cujo objetivo é fornecer elementos teórico-práticos orientados a aumentar a capacidade de equipes para atuar em ambientes de governo de um país periférico, onde é claramente deficitária a Gestão Estratégica Pública, consideramos que esse instrumento deve satisfazer condições adicionais. Acreditamos que ele deve ser um documento que registre de forma sistemática os resultados parciais e final que forem sendo alcançados com vistas àquele objetivo. Se isso ocorrer, os alunos estarão contribuindo com o esforço dos professores e ex-alunos do Curso de aprimorar o processo de elaboração (formulação, implementação e avaliação) das políticas públicas nacionais.

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Dada a natureza do Curso, consideramos que esse documento, que denominamos Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), deve ser elaborado por equipes de 3 a 4 alunos, simulando as atividades que costumam ser realizadas em ambientes de gestão. O TCC será elaborado paulatinamente em torno de uma situação-problema escolhida e enunciada por cada equipe. Este enunciado, que servirá de base para o TCC, deverá tomar como ponto de partida os problemas enfrentados pelos alunos em seu ambiente de trabalho. O TCC será, então, elaborado mediante a aplicação dos conceitos, metodologias e conteúdos apresentados ao longo do curso com vistas a “processar” a situação-problema. A metodologia de aprendizado adotada no Curso está baseada na identificação e no “processamento” de uma situação-problema e tem como elemento aglutinador a elaboração do TCC. No que segue são apresentadas algumas características da metodologia de aprendizado. Talvez o seu cabal entendimento só ocorra numa segunda leitura, após a apresentação das metodologias de diagnóstico e planejamento de situações-problema; respectivamente, Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) e Metodologia de Planejamento de Situações (MPS). A ênfase do TCC irá recair inicialmente sobre o “momento descritivo” da situaçãoproblema. E, em seguida, sobre o “momento explicativo”, dedicado a explicar como e por que se chegou à situação-problema descrita. Esses dois primeiros momentos são tratados, principalmente, com base na MDS. O terceiro momento ─ o “momento normativo” ─, que na nossa metodologia de trabalho se segue aos dois anteriores, tem início com a apresentação da MPS. Esse último momento tem por objetivo focalizar a transformação da situaçãoproblema mediante a aplicação dos instrumentos adquiridos durante o Curso, e de acordo com sua visão de mundo, suas opções políticas, culturais, de gênero etc. A elaboração do TCC supõe um esforço coletivo da equipe e, também, um esforço individual, sem o qual o primeiro dificilmente terá êxito.

O esforço individual O esforço individual se relaciona a uma tarefa que deve ser realizada por cada aluno. Todos deverão entregar via Teleduc (ferramenta de ensino-aprendizagem à distância desenvolvida pela Unicamp), até sete dias antes de cada Encontro (impreterivelmente), suas Impressões de Leitura sobre o conteúdo da bibliografia para ela indicada. As Impressões de Leitura não têm um modelo ou um tamanho rígido. Em cerca de 6 mil caracteres e incorporando em um documento único todos os textos utilizados em cada encontro, elas deverão sintetizar as reflexões do aluno acerca do conteúdo à luz de sua 6


formação, experiência profissional e convicções. Em outras palavras, as impressões de leitura devem ser redigidas com base em duas questões: 1) o posicionamento crítico do aluno com relação às propostas e argumentos dos textos; e 2) sua relação com o seu ambiente de trabalho no setor público. Elas serão comentadas e devolvidas aos alunos até 24 horas antes do início do Encontro correspondente. A avaliação individual de cada aluno levará em conta as suas Impressões de Leitura. Atrasos na entrega serão penalizados da seguinte forma: 20% de desconto do peso máximo para até uma semana de atraso e 40% de uma a duas semanas. Impressões de leitura enviadas com três ou mais semanas de atraso não terão mais valor para a avaliação. Mas além de ser um mecanismo de avaliação as impressões de leitura são atividades importantes para a elaboração do TCC. Boas impressões de leitura auxiliam na sua confecção. Os Encontros serão desenvolvidos tendo como referência as Impressões de Leitura preparadas pelos alunos. De maneira a evitar uma relação unidirecional pouco produtiva, sobretudo em cursos de pós-graduação como este, as exposições do professor devem ser limitadas. Deverá ser privilegiada uma discussão que contemple os pontos de interesse (dúvidas, críticas, complementação em função de outras leituras e de experiências pessoais etc.) dos alunos.

A bibliografia e o ordenamento dos assuntos A bibliografia foi escolhida em função das opções metodológicas e programáticas do Curso. Deu-se preferência a autores brasileiros e de outros países latino-americanos, mesmo quando o assunto tratado se refere à realidade de outras regiões ou quando o conteúdo versa sobre contribuições originalmente propostas por autores estrangeiros. Isso porque se considerou que a perspectiva de análise daqueles autores tende a ser mais adequada para a compreensão de nossa realidade e mais pertinente aos objetivos do Curso. E também porque o esforço realizado por vários dos autores, de proporcionar uma perspectiva comparada entre os vários países da região e destes com os países de capitalismo avançado, é útil para a melhoria da Gestão Pública brasileira. Foram também selecionados trabalhos de estrangeiros com familiaridade com a realidade de América Latina. A opção de basear a metodologia de aprendizado na leitura de artigos recentemente publicados em revistas especializadas se deve à intenção de simular, ao longo do Curso, o trabalho que os gestores devem se acostumar a realizar quando da pesquisa sobre um assunto pertinente às suas preocupações. Isso envolve uma familiarização com os diferentes tipos de linguagem utilizados, as fontes de referência mais importantes, a 7


bibliografia nacional e estrangeira de natureza seminal ou considerada mais pertinente, as técnicas de leitura e interpretação de texto etc. Envolve, também, a percepção de como pesquisadores contemporâneos debatem, atualizando ou aprimorando as contribuições de seus predecessores. Na escolha da bibliografia buscou-se associar o tema de cada Encontro e Sessão a uma ou mais referências que dele tratassem de forma específica e exclusiva. O que não é, evidentemente, exeqüível. Faz parte da boa prática acadêmica que pesquisadores, ao focalizar um assunto, abordem outros que estão à montante ou que são influenciados por ele. Embora em alguns poucos casos se tenha “mutilado” um trabalho recomendando a leitura de só uma de suas partes, ou “esquartejado”, sugerindo a leitura de uma delas para uma sessão e outra para outra, se preferiu evitar este procedimento. Isso porque pareceu importante que os alunos percebessem a maneira particular como o autor interpreta as situações que analisa e as contribuições de seus antecessores. Caso o aluno tenha interesse por bibliografia complementar sugerimos a leitura das referências indicadas nos textos da bibliografia obrigatória. Quando, em sala de aula, o professor comentar o conteúdo da bibliografia, será privilegiada a apresentação das idéias dos autores e a crítica interna aos seus argumentos. Só depois disso, será formulada uma crítica externa buscando contrastar essas idéias e argumentos com a de outros autores lidos pelos alunos. O ordenamento dos assuntos visou encadeá-los tratando em cada sessão um assunto que “respondesse” a outro abordado na anterior e “perguntasse” algo a ser abordado na seguinte, a partir da leitura da bibliografia correspondente. E, também, é claro, materializar intenção de respeitar o preceito pedagógico de tratar assuntos numa ordem que propicie ao aluno um envolvimento com eles crescente e adequado ao seu interesse. No que se refere às metodologias ─ MDS, Modelização e MPS ─ o ordenamento deuse em virtude da precedência das primeiras em relação à terceira. No que se refere à Metodologia de Análise de Políticas sua posição no Programa se deve ao fato de que àquela altura do Curso os alunos já terão elementos suficientes para a sua aplicação.

O esforço coletivo O esforço coletivo se relaciona à elaboração em equipe do TCC. Ele se inicia no primeiro Encontro com a formação de oito equipes (duas de 3 integrantes e seis de 4 integrantes) que se constituirão em torno das situações-problema identificados. Até 48 horas antes do segundo Encontro (e até o quarto), cada equipe entregará o fluxograma 8


resultante da aplicação da MDS sobre a “sua” situação-problema para serem comentadas visando a sua adequação ao formato pretendido. Sempre com a mesma antecedência, a cada Encontro, cada equipe apresentará via Teleduc o resultado de seu trabalho no período que se iniciou com o Encontro anterior; em especial o relacionado à bibliografia sugerida para o Encontro correspondente. A idéia é que cada equipe registre o modo como a bibliografia contribui para enriquecer o diagnóstico da situação-problema com a qual está trabalhando (o que reputamos como um insumo essencial para o trabalho coletivo de elaboração do TCC). Após da apresentação da MDS, a partir do segundo e até o nono Encontro, logo no início da sessão de sexta-feira, duas das oito equipes apresentarão o andamento de seu trabalho em até 20 minutos (seguidos de até 15 minutos de discussão). Isso permitirá que cada equipe apresente duas vezes o andamento de seu trabalho ao longo do curso e que receba os comentários, críticas e sugestões dos demais participantes. No quinto Encontro será apresentada a MPS e a partir de então as equipes trabalharão visando a sua aplicação à “sua” situação-problema já previamente processada com a MDS. A partir do sexto Encontro, e seguindo o mesmo procedimento anterior, cada equipe entregará o resultado de seu trabalho de incorporar, ao produto da aplicação da MPS, os assuntos relacionados à bibliografia sugerida para a sessão correspondente. Assim, as opiniões de cada integrante da equipe, independentemente de terem sido registradas nas correspondentes Impressões de Leitura, serão incorporadas ao TCC. Também a partir do sexto Encontro, logo no início da sessão de sexta-feira, duas das oito equipes apresentarão o andamento de seu trabalho em até 20 minutos (seguidos de até 15 minutos de discussão).

Avaliação A avaliação dos alunos contemplará tanto o esforço individual quanto o esforço coletivo. Para a avaliação final o esforço individual (Impressões de Leitura) tem um peso de 60% e o esforço coletivo (TCC) um peso de 40%.

Sobre o Trabalho de Conclusão de Curso Coerentemente com o acima indicado, esta seção detalha as características do TCC deste módulo de 120h e de seu processo de elaboração.

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Devido à importância do TCC, consideramos que o processo de sua elaboração deve receber atenção prioritária por parte de todos os envolvidos com o Curso (alunos e professores) devendo as demais atividades (aulas presenciais e leituras) ser concebidas de maneira a subsidiar este processo. Características esperadas do TCC Deverá ser evitada, na concepção do TCC, uma ênfase excessiva na apresentação e descrição de propostas, atividades, programas, processos de formulação, implementação e avaliação, aspectos institucionais, resultados já obtidos etc., relativos à situação-problema escolhida. A originalidade do enfoque de gestão estratégica pública adotado neste Curso, em particular a combinação concebida entre os instrumentos de Modelização, Análise de Políticas e Planejamento Estratégico Situacional, demanda uma cuidadosa elaboração do TCC. Ela deverá estar apoiada nas atividades a seguir indicadas que, sem serem todas obrigatórias, servirão de balizamento para tanto. As reações das equipes a elas e a sua eventual realização deverá ser sistematicamente registrada, de modo a permitir uma boa organização do trabalho e o encadeamento seqüencial dos resultados parciais obtidos.

Roteiro São propostos dois blocos de procedimentos para a elaboração do TCC: O primeiro bloco ─ Procedimentos Básicos ─ pode ser entendido como algo “obrigatório” ou essencial para a elaboração de um bom TCC. O segundo ─ Procedimentos de Aprofundamento ─ apresenta sugestões para que as equipes possam aprofundar seu trabalho e deverá ser utilizado a partir das especificidades de cada situação-problema escolhida.

1) Procedimentos Básicos Os procedimentos para a elaboração do TCC envolvem, necessariamente, as atividades apresentadas abaixo: i) Identificar uma situação-problema relevante para o trabalho cotidiano de uma equipe de gestão. ii) Realizar um diagnóstico da situação-problema que merece o envolvimento da equipe como “ator que declara” e como ator disposto a atuar. A aplicação da Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) é o primeiro marco do processo de elaboração do TCC, uma vez que permite a obtenção de uma clara identificação das variáveis e relações de 10


causalidade que compõem a modelização do sistema sobre o qual se desenvolverá o trabalho até o final do Curso. iii) Elaborar uma lista preliminar dos indicadores disponíveis acerca da situaçãoproblema aparentemente adequados para o seu processamento. iv) Identificar os atores sociais pertinentes ao âmbito da situação-problema e descrever a forma como atuam no sentido de mantê-la ou alterá-la. v) Descrever o processo decisório mediante o qual a situação-problema foi gerada e pode ser explicada e identificar os atores mais significativos. vi) Analisar os processos de definição e priorização de assuntos que integram a agenda pública (ou sistêmica). vi) Identificar o processo de conformação da agenda decisória (ou política) protagonizado pelos atores com maior poder e pelo governo (agenda governamental) indicando eventuais conflitos abertos, encobertos e latentes que podem ser associados a ela e a conveniência da transformação destes em conflitos abertos. viii) Apontar os descritores de Situação-Objetivo (ou Resultados esperados) com a resolução ou a superação da situação-problema escolhida. ix) Descrever as restrições identificadas no balanço expresso no Triângulo de Governo relacionando a ambição de mudança do projeto político do “ator que declara” à disponibilidade de apoio político e de capacidade de governo. x) Revisar a lista de indicadores da situação-problema de modo a eliminar os desnecessários ou inadequados e incorporar os que decorrem das análises realizadas.

2) Procedimentos de aprofundamento Sugere-se que, além de realizar as tarefas listadas acima, os grupos atendam às seguintes recomendações: i) Tendo como referência a situação-problema escolhida, avaliar as dificuldades enfrentadas pelo governante em fazer cumprir a agenda governamental (aquela que decorre de seu plano de governo) e dos demais compromissos em relação às praticas de governo adotadas. ii) Tendo em vista a situação-problema estudada, relacionar as escolhas da equipe com a idéia de que a expressão: “o Estado (ou governo) não funciona”, tende a obscurecer o fato de que sua racionalidade e funcionalidade correspondem a um dado balanço de poder político e econômico e que esse mau-funcionamento favorece certos segmentos sociais. Quais os beneficiários e eventuais perdedores do “mau-funcionamento” do Estado? 11


iii) Identificar características da situação-problema que podem ser associadas aos elementos presentes na implantação do modelo de Reforma do Estado Gerencial em curso (processos de privatização e terceirização; transferência de funções/recursos do nível federal para o municipal; diminuição da capacidade de regulação, planejamento e gestão; desmobilização dos funcionários etc.). iv) Identificar, nas instituições, equipes e atores envolvidos com o assunto as dificuldades e deficiências relacionadas ao modo de funcionamento da “máquina pública”. v) Indicar operações capazes de buscar equacionamento ou alterar a situaçãoproblema propiciando um aumento da governabilidade e de objetivos colaterais, como a elevação do grau de participação popular etc.

Conteúdo programático A tabela apresentada a seguir proporciona uma idéia geral do desenvolvimento do Curso, composto por dez Encontros Semanais, cada um com três sessões de quatro horas, num total de 120 horas-aula. Ali se indica, para cada sessão, o assunto tratado e a bibliografia cuja leitura deverá ser realizada com anterioridade à sessão. Observe que apenas quando necessário se indica a data de publicação. Veja na seção seguinte ─ Bibliografia ─ a indicação bibliográfica completa. Em alguns casos, os trabalhos sugeridos não tratam especificamente do tema das sessões e por esta razão aparece um intervalo de páginas que são as que deverão ser lidas para a sessão correspondente.

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Assunto da Sessão

Objetivo (compreender/entender...)

sex M

Apresentação do Curso

Uma visão preliminar de conjunto sobre o enfoque estratégico da Gestão Pública como uma alavanca de transformação do “Estado Herdado” em direção ao “Estado Necessário”

sex T

O Global e o Local Metodologia de Diagnóstico de Situações Sobre os Governos de Esquerda na América Latina

Enc.

1

sáb

sex M

2

4

Análises críticas sobre o desempenho dos governos de esquerda (revolução passiva ou contra-reforma? e o “possibilismo”)

sáb

Metodologia de Modelização

Pensamento complexo, sistemas e modelização; a Gestão Estratégica Pública e sua interface com a sociedade como um sistema complexo; modelização de sistemas (situações-problema)

Borón, Coutinho, Oliveira Dagnino (2009: cap. III)

Oito proposições e dez teses sobre o Estado latino-americano contemporâneo

O´Donnell (2007)

O Estado como “garantidor” das relações de produção capitalistas (organização, exterioridade, racionalidade limitada e contradição)

O’Donnel (1981 p. I)

sex T

Cidadania, Nação e Povo

O papel das três mediações entre o Estado-Sociedade (a cidadania como fundamento, a nação como referencial e o povo como fundamento e referencial ambíguo do Estado) para o movimento do capital e as suas relações

O’Donnel (1981 p. II)

sex M

As relações EstadoSociedade no Capitalismo

A tripla relação Estado-Sociedade (a funcional ou da divisão social do trabalho, a material ou da distribuição do excedente social, e a da dominação ou da correlação de poder) e a conformação da agenda

Oszlak (1997)

sex T

Trajetória da relação EstadoSociedade no Brasil

A evolução do Estado brasileiro e da Gestão Pública à luz das particularidades (patrimonialismo e outros “ismos”) e do caráter das relações Estado-Sociedade referentes à trajetória sócio-política e econômica do País até o surgimento do neoliberalismo

Tenório e Saravia {107-122}, Costa {140155}

Como se materializam, no caso brasileiro, as características do Estado capitalista tendo como referência as políticas sociais; a relação públicoprivado e as políticas sociais

Faleiros

O pensamento neoliberal como uma reação ao movimento dos trabalhadores e pelo socialismo e um ataque ao Estado de Bem-estar tendo como foco a “questão social”

Fonseca

A proposta (Gerencial) de Reforma do Estado segundo o seu personagem principal (postura de crítica “interna”)

Bresser

O conceito de governança da Reforma Gerencial; por que não se aplicam as suposições da Reforma Gerencial (um teste empírico numa postura de crítica “interna”)

Schmitter

sex T sáb

sex M

sex T sab

sex M

7

O Estado na América Latina Contemporânea Caráter do Estado Capitalista

sáb

sex M

6

Fiori

Análise sobre a Conjuntura

sáb

5

Caracterização da conjuntura que vivem os governos latino-americanos como um momento da trajetória da esquerda

Dagnino (2009: Introdução e cap I e II) Boaventura, Gonçalo Dagnino (2009: cap.III e IV)

sex T

sex M 3

A atual crise como manifestação das contradições do capitalismo à escala mundial; a Bahia de uma perspectiva exógena Apresentação da MDS visando à concepção preliminar do modelo da situação-problema que será enriquecido ao longo do Curso através das leituras e discussões

Bibliografia

sex T sáb

O Estado Brasileiro e as Políticas Sociais Antecedentes da Reforma Neoliberal A Proposta do Estado Gerencial Críticas à Reforma do Neoliberalismo Críticas à Reforma Gerencial Brasileira As Políticas Sociais no pósneoliberalismo Metodologia de Planejamento de Situações Metodologia de Análise de Políticas - visão panorâmica Metodologia de Análise de Políticas roteiro Metodologia de Análise de

Apresentação da MPS visando à proposição preliminar de ações, identificação de atores, definição de prazos, responsáveis, etc. a partir do modelo da situação-problema concebido no início do Curso

Tenório e Saravia {122-130}, Costa {133140} Kliksberg (2006), Diniz Dagnino (2009: cap V)

Metodologia de Análise de Políticas: conceitos, momentos e modelos

Ham e Hill

Roteiro para a realização de Análise de Políticas; a análise das agendas pública, decisória e governamental; a agenda decisória como Estado em processo

Dagnino (2009: cap VI)

Diferenças entre Avaliação e Análise de Políticas; tendência ao tecnocratismo versus politização da política pública; por que ao gestor não

Cavalcanti e Dagnino

Críticas pontuais à Reforma Gerencial brasileira e proposições relativas à gestão social Como vem sendo enfrentada a “questão social”? a nova geração de políticas sociais latino-americanas

13


sex M

8

sex T

sáb

sex M

9

sex T

sáb

sex M 10

sex T sáb

Políticas - o Gestor e o Analista

basta ser um avaliador? por que ele tem que ser um analista de políticas?

Burocratas e o Estado

Modelos de prática administrativa, tipologia das burocracias latinoamericanas; os burocratas e o desenvolvimento brasileiro

Koldo Echebarría, Rua e Aguiar

A institucionalização da direção pública profissional

Ospina, Longo, Pullido

Especificidades da Gestão Pública latino-americana (insularidade, hibridismo, etc.)

Waissbluth (2003), Evans

Indicações para mudança; recomendações aos dirigentes sobre o quê fazer e o quê não fazer.

Waissbluth (2002)

Dilemas e dificuldades da gestão participativa em diferentes níveis da estrutura administrativa (experiências latino-americanas de orçamento participativo e Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social brasileiro)

Kliksberg (2005), Cunil Grau, Goldfrank

É possível uma combinação entre o “técnico” e o “político” na transição para o “Estado Necessário”

Brugué

Uma tentativa de síntese dos desafios atuais da Gestão Pública latinoamericana apontando as várias “caras” com que ela se apresenta aos diferentes atores sociais

O’Donnel (2008)

Uma proposta heterodoxa para a Gestão Pública

Thwaites Rey

Capacitação do Funcionalismo e Mudança Social Características da Gestão Pública Latinoamericana Propostas para a Gestão Pública Latinoamericana Experiências de Democracia Participativa O “Técnico” e o “Político”: Combinar ou Fundir? O Estado e os Desafios da Democracia E depois do Estado Neoliberal? Encerramento

Bibliografia BORÓN, Atilio. A crise do neoliberalismo e os perigos do possibilismo. In: Leituras cotidianas, n. 84, out. 2004. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A Reforma do Estado dos anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), 1997. BRUGUÉ, Quim. Modernizar la administración desde la izquierda: burocracia, nueva gestión pública y administración deliberativa. In: Revista del CLAD - Reforma y Democracia, Caracas, n. 29, 2004. COSTA, Frederico Lustosa da. Condicionantes da reforma do Estado no Brasil. In: Martins, Paulo Emílio Matos e Pieranti, Octavio Penna (org.). Estado e Gestão Pública: Visões do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora FGV, 2006. COUTINHO, Carlos Nelson. A época neoliberal: revolução passiva ou contrareforma? In: Filosofia e Questões Teóricas, 1 jun. 2008. 14


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CAPÍTULO I: CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS À GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA

1. Introdução Embora com um título que pode dar a impressão de que seu objetivo é tãosomente introduzir o tema e que por isso não merece ser entendido como um assunto importante para a formação do aluno, este capítulo é, de fato, uma das unidades do Curso. Tal como o capítulo seguinte, ele é essencial para a compreensão dos que o seguem, orientados à exposição das metodologias mais utilizadas na GEP. O Capítulo se inicia com um breve histórico do planejamento de modo a explicitar algumas características do contexto sócio-político em que se verificam as relações Estado-Sociedade no capitalismo periférico. Em conjunto com as demais seções, ele permite ressaltar o ambiente adverso no qual se pretende que a GEP seja implantado.

1.1. Um breve histórico do planejamento Embora o planejamento possa ser considerado como uma extensão do pensamento marxista, na medida em que estava nele implícita a possibilidade de conferir ao Estado herdado do capitalismo um papel destacado na organização das tarefas associadas à transição ao socialismo, foi somente no período da Nova Política Econômica, já no início dos anos de 1920, que o planejamento se integra ao arsenal do Estado soviético. O planejamento ─ com a conotação que é a aqui adotada e que se refere ao âmbito nacional, global ─ passa a ser entendido, então, como uma possibilidade de superar as relações sociais e técnicas de produção capitalistas. E, assim, substituir o mercado como ente regulador e alocador de recursos. Inspirado na experiência do exército revolucionário advinda da luta contra a burguesia e contra os inimigos externos, e apoiado pelos estudos sobre o que viria a constituir a metodologia de balanço intersetorial (matriz de insumo-produto), o planejamento logo se afirmou como instrumento de organização da economia socialista. A potencialidade que ele apresentava em termos de prospectiva, simulação e organização para a consecução das metas econômico-produtivas permitiu que em 18


menos de um qüinqüênio fosse possível atingir os níveis de produção agrícola e industrial vigentes antes da destruição causada pela guerra, pela revolução e pela sabotagem contra-revolucionaria. A rápida industrialização e o crescimento da produção agrícola da URSS permitiram que ela despontasse como uma aliada essencial para a vitória sobre o nazismo e, já num contexto de Guerra Fria, o planejamento passou a gerar efeitos sócio-econômicos positivos nos demais países do bloco socialista. No âmbito dos países capitalistas, e buscando uma emulação da experiência soviética, um planejamento de tipo socialista foi adotado por um curto período na França da Frente Popular em meados dos anos de 1930. De fato, nos países capitalistas, foi só em situações onde era necessária uma intensa mobilização econômica que os dirigentes preferiram a racionalidade do planejamento à capacidade do mercado de otimizar a alocação de recursos. Isso ocorreu primeiro na Alemanha nazista, no período de preparação do esforço de guerra que antecedeu o conflito, estendendo para a economia como um todo os métodos desenvolvidos no âmbito militar. Assim,

embora

sem

que

se

possa

caracterizar

propriamente

como

planejamento na acepção que o termo viria a ter posteriormente, as iniciativas implementadas durante o esforço de guerra e nos processos de reconstrução Européia no imediato pós-guerra se utilizaram de métodos que se aproximavam daqueles usados no campo socialista. Parece que o sucesso dessas iniciativas foi um elemento importante para que a idéia do planejamento se fortalecesse na América Latina. Experiências anteriores, como as que ocorreram no início da década de quarenta no Brasil, ganharam impulso, estimuladas no pós-guerra pela Organização das Nações Unidas (em especial da Comissão Econômica para a América Latina e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). No plano teórico, esse processo levou a importantes contribuições amparadas num amplo espectro ideológico que ia desde o materialismo histórico até o pensamento conservador, passando pela visão keynesiana. No plano das ações de governo, surgiram no Brasil, a partir dos anos cinqüenta, sucessivas experiências de planejamento no âmbito federal. Algumas das quais, como a do Plano de Metas

19


(1956-1961) do governo de Juscelino Kubitschek, bastante bem sucedidas a julgar pelos resultados que obtiveram. A experiência brasileira de planejamento se aprofunda durante o período militar. Sucessivos planos são formulados e implementados a partir de 1964 seguindo o estilo autoritário, centralizador e economicamente concentrador que caracterizou

os governos militares.

Seu

projeto

de

Brasil-grande-potência

demandava uma mobilização que, ainda que em menor grau do que havia ocorrido no âmbito dos países avançados, demandava um significativo esforço de planejamento. No início dos anos setenta, a implantação de um Sistema de Planejamento Federal, deu origem a três edições do Plano Nacional de Desenvolvimento. O último deles, com um período de execução que coincidiu com a perda de legitimidade da ditadura militar que antecedeu a abertura e a redemocratização do País, terminou por explicitar o caráter demagógico e manipulador que envolveu a experiência de planejamento dos militares. Com o governo civil da Nova República, iniciado em 1985, é tentado sem muito sucesso retomar iniciativas de planejamento que fossem mais além do plano setorial. A partir do governo Collor, com a adoção da orientação neoliberal, iniciativas de planejamento no sentido estrito do termo, sobretudo as que visavam o âmbito nacional, global, passam a ser cada vez mais escassas.

1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica Pública Esta seção, assim como as duas que seguem, tem por objetivo precisar o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso ─ contribuir para que as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer. Nesse sentido, há que esclarecer nossa opinião, já esboçada ao longo da retrospectiva realizada na seção anterior, de que o contexto brasileiro atual é adverso à adoção da Gestão Estratégica Pública como um instrumento de gestão pública. As atividades a ele correspondentes terão que se desenvolver no interior de um aparelho de “Estado Herdado”, não preparado para atender as demandas que a 20


sociedade hoje lhe coloca. E, ao mesmo tempo, deverão atuar no sentido de transformá-lo no sentido da criação do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de atendê-las, mas de fazer emergir e satisfazer as demandas da maioria da população. Para introduzir o tema central desta seção vamos colocar uma pergunta que possui como resposta, justamente, o porquê da existência de uma disciplina de GEP num Curso de Especialização que deve ter como compromisso capacitação de gestores públicos para promover a construção do “Estado Necessário”. Um Estado que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria da população e projetar o País numa rota que leve a estágios civilizatórios sempre superiores? A resposta a esta pergunta será formulada em duas etapas. Primeiramente serão identificadas as características do “Estado Herdado”. Do processo de sua constituição, em particular do seu crescimento durante o período autoritário6 que sucedeu ao nacional-desenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento pelo neoliberalismo7. Em segundo lugar, serão fornecidos elementos que levam à constatação de que este Estado que herdamos é duplamente incompatível com a proposta de mudança que a sociedade brasileira deseja: sua forma não corresponde ao conteúdo para onde deve apontar sua ação. De um lado porque, a forma como se relaciona com a sociedade, impede que ele formule e implemente políticas públicas com um conteúdo que contribua para alavancar essa proposta. De outro porque o modo como se processa a ação de governo na sua relação com o Estado existente, determinado pelos contornos de seu aparelho institucional, é irreconciliável com as premissas de participação, transparência e efetividade dessa proposta.

Guillermo O’Donnell, pesquisando sobre as particularidades de um tipo específico de Estado capitalista, o Estado burocrático autoritário latino-americano (O’DONNEL, 1981), é provavelmente o pesquisador que mais tem contribuído para o entendimento desse primeiro componente da matriz que conforma o que chamamos “Estado Herdado”, que provém do período militar. Sua expressão “corporativismo bifronte”, que seria a combinação de uma face “estatista” que teria levado à “conquista” do Estado e à subordinação da sociedade civil com outra “privatista” que o teria colocado a serviço de setores dominantes suas áreas institucionais próprias é especialmente elucidativa (O’DONNELL,1976:3). 7 Entre os muitos trabalhos que conceituam o neoliberalismo e que nos autorizam a caracterizar a Reforma Gerencial que caracteriza o segundo componente que conforma o que chamamos “Estado Herdado” como neoliberal, recomendamos pela sua clareza e facilidade de entendimento a excelente resenha feita por Diniz (2007). 6

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1.3. As características do “Estado Herdado” Mais além das preferências ideológicas, a combinação que o País herdou do período militar (1964-1985), de um Estado que combinava autoritarismo com clientelismo8, hipertrofia com opacidade, insulamento com intervencionismo, deficitarismo com megalomania não atendiam ao projeto das coalizões de direita ou de esquerda que, a partir da redemocratização que se inicia em meados dos anos de 1989, o poderiam suceder. É um princípio básico da ação humana, da atuação das organizações, e também da GEP, o fato de que todas as decisões têm um custo de operação e que, se equivocadas, demandam a absorção de custos de oportunidade econômicos e políticos. O Estado legado por mais de 20 anos de autoritarismo não contemplava os recursos como escassos. Os econômicos podiam ser financiados - interna ou externamente - com aumento da dívida imposta à população, os políticos eram virtualmente inesgotáveis, uma vez que seu aparato repressivo a serviço do regime militar sufocava qualquer oposição. A reforma gerencial desse Estado9, que pregava a doutrina neoliberal e que empreenderam os governos civis que sucederam à débâcle do militarismo, não encontrou muitos opositores. Para a direita, questão era inequívoca. Não havia porque defender um Estado que ela considerava super-interventor, proprietário, deficitário, “paquidérmico”, e que, ademais, se tornava crescentemente anacrônico na cena internacional. Na verdade, já há muito, desde o momento em que, no cumprimento de sua função de garantir a ordem capitalista, ele havia sufocado as forças progressistas e assegurado as condições para a acumulação de capital, ele se tornara disfuncional. Para a esquerda, que havia participado no fortalecimento do Estado do nacional-desenvolvimentismo, a questão era bem mais complicada. Ela o entendia Para uma análise detalhada deste e de outros “ismos” que caracterizam o “Estado Herdado” (patrimonialismo, mandonismo, personalismo, formalismo) ver Costa (2006). Reconhecendo a existência de características semelhantes da relação Estado-Sociedade em outros países latinoamericanos, Fragoso (2008) mostra como se manifestam trajetórias distintas entre eles no que diz respeito ao desenvolvimento do que ele denomina “nova gerência pública”. 9 O mais conhecido expoente da proposta de Reforma Gerencial do Estado brasileiro é Luis Carlos Bresser Pereira. Entre vários outros trabalhos de sua autoria, em Bresser Pereira (1998) são apresentadas as principais características da Reforma Gerencial. Seu documento oficial (Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado, 1995), que pautou as iniciativas governamentais neste sentido é uma transposição de suas idéias para uma linguagem não-acadêmica. 8 8

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como um baluarte contra o que denominava a dominação imperialista e como uma espécie de sucedâneo de uma burguesia incapaz, por estar já aliada com o capital internacional, de levar a cabo sua missão histórica de promover uma revolução democrático-burguesa. De fato, mesmo no auge do autoritarismo, o crescimento do Estado era visto pela esquerda como um “mal menor”: ao mesmo tempo em que denunciava o caráter de classe, repressivo e reprodutor da desigualdade social do Estado brasileiro, ela via este crescimento como necessário para viabilizar seu projeto de longo prazo de reconstrução nacional. E, também, para sentar as bases do que seria o Estado forte capaz de planejar e viabilizar a transição ao socialismo segundo o modelo soviético ainda vigente. A questão dividiu a esquerda. De um lado os que, frente à ameaça de um futuro incerto defendiam intuitivamente o passado, e os que, defendendo interesses corporativos mal-entendendo os conceitos de Estado, nação e autonomia nacional, defendiam ardorosamente o Estado que herdáramos. De outro os que, por entender que a construção do “Estado Necessário” iria demandar algumas das providências que estavam sendo tomadas e que o fortalecimento de uma alternativa democrática e popular ao neoliberalismo não privilegiava a questão, defendiam o controle da sociedade sobre o processo de privatização. 1.4. A democratização política e o “Estado Necessário” Com o final do regime militar, o Brasil inicia um processo de democratização política que tende a possibilitar um aumento da capacidade dos segmentos marginalizados de veicular seus interesses levando à expressão de uma demanda crescente por direitos de cidadania. Na medida em que este processo avançar, aumentará ainda mais a capacidade dos segmentos marginalizados de veicularem seus interesses e necessidades não atendidas por bens e serviços ─ alimentação, transporte, moradia, saúde, educação, comunicação etc. ─ e, com isto, a demanda por políticas públicas capazes de promover seu atendimento. É o que tem sido chamado de cenário tendencial da democratização. Para satisfazer essas necessidades sociais com eficiência, e no volume que temos em países como o Brasil, será necessário “duplicar o tamanho” dessas

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políticas para incorporar os 50% desatendido da população. Tarefa que, por si só, já evidência a importância da GEP. Se não for possível promover um processo de transformação do “Estado Herdado” em direção ao “Estado Necessário”10 que permita satisfazer necessidades sociais represadas ao longo de tanto tempo o processo de democratização pode ver-se dificultado e até abortado, com enorme esterilização de energia social e política. É claro que para satisfazer aquelas demandas, o ingrediente fundamental, que não depende diretamente do Estado, é uma ampla conscientização e mobilização políticas que, se espera, ocorra sem um custo social maior do que o que esta sociedade vem pagando. O fato de que parece necessário que o Estado faça a "sua parte" é uma das motivações deste Curso. Isto é, aumentar as chances de êxito do trabalho que deve ser desenvolvido na "frente interna" de gerar as condições cognitivas necessárias para a transformação do Estado. A qual está sendo impulsionada na "frente externa" do contexto social e político, pelos segmentos da sociedade identificados com o estilo alternativo de desenvolvimento que se desenha para o futuro. É verdade que a correlação de forças políticas, que sanciona uma brutal e até agora crescente concentração de poder econômico, muito pouco espaço deixa para que uma ação interna ao Estado possa alterar a situação de miséria em que se encontra a maioria da população. Há que entender a esse respeito que a configuração que hoje possui o Estado brasileiro ─ o “Estado Herdado” ─ é uma conseqüência da concentração de poder econômico e político que temos no País que foi estabelecendo um tipo particular de relação Estado-Sociedade. Ela se revela na coexistência, no âmbito das políticas públicas que implementa o Estado, de dois espaços distintos. Um, que serve à classe

proprietária,

à

criação

da

infraestrutura

econômico-produtiva

e

à

coordenação econômica, que são relativamente preservados e insulados do clientelismo e que seguem um padrão de eficiência e eficácia11 semelhante àquele

10

Muitas contribuições, a partir de uma crítica à Reforma Gerencial, têm apresentado elementos do que aqui enfeixamos na proposta de “Estado Necessário”. Entre as mais recentes, podemos citar Tenório e Saravia (2006), Thwaites Rey (2008), Costa (2006). 11 O’Donnell (2004) formula um esquema para entender e avaliar o Estado baseado em quatro dimensões. A da eficácia do conjunto de burocracias que o compõem; da efetividade do seu sistema legal; da credibilidade que granjeia como realizador do bem comum da nação, ou do povo; e da

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que vigora no Estado de bem-estar dos países avançados. Outro, que abrange os órgãos pertencentes aos ministérios sociais que servem às classes subalternas, que são objeto de repartição política entre os partidos que apóiam o governo e em que é usual a prática do clientelismo, onde aquele padrão se situa muito abaixo daquele que exibem países periféricos com renda per capita muito inferior à nossa. Esse tipo particular de relação Estado-Sociedade se revela, também e por conseqüência, numa segmentação do funcionalismo público em duas categorias que convivem no interior do Estado. Elas se conformaram na década de 1950, quando o recém se consolidava uma administração meritocratica de tipo “weberiano” que pretendia se impor ao modelo burocrático patrimonial12. Com características profissionais e remuneração muito distintas, elas passaram a ser responsáveis pelo funcionamento daqueles dois espaços de política pública que vêm desde então contribuindo para aprofundar nossa concentração de poder econômico e político. A existência desses dois espaços e, conseqüentemente de dois tipos de burocracia, é também necessário que se entenda, nunca foi vista como um problema. Como algo que devia ser “resolvido” no sentido de modernizar o Estado tornando-o mais próximo daquele dos países de capitalismo avançado que se tomava como modelo. Ao contrário, uma espécie de acordo entre a classe política e o segmento não-estatutário, mais bem pago, em geral mais bem preparado e que teve um papel fundamental na execução dos projetos de desenvolvimento do período militar terminou levando a uma situação totalmente anômala quando comparada com a dos países avançados em que cada vez que assume um novo Presidente da República, abrem-se 50 mil cargos de “livre provimento” para nomeação (BRESSER-PEREIRA, 2007). Para aprofundar-nos no entendimento das dificuldades que envolvem a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” é conveniente lembrar capacidade de atuar como filtro adequado ao interesse geral de sua população. Concordando com o que coloca para a América Latina em geral, podemos dizer que, também em geral, ainda que com diferenças relativas àqueles dois espaços, temos tido e seguimos tendo um Estado que registra um baixo escore nessas quatro dimensões. 12 Bresser Pereira (2007:15) mostra como a partir dessa época de institui um descolamento, que se viria a se aprofundar consideravelmente durante o governo militar entre os “barnabés”, cujo estatuto foi estabelecido com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), por ocasião da reforma do Estado iniciada em 1938, e a “burocracia pública moderna” que, no núcleo do aparelho administrativo ou nas empresas estatais, passava a implementar a estratégia de desenvolvimento do capitalismo brasileiro: o nacional-desenvolvimentismo.

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uma passagem da obra de Claus Offe. Ela é tão elucidativa para entender porque malograram as tentativas de reforma do Estado que há mais de oitenta anos se sucedem em nosso país que tem sido usada por muitos autores (entre eles Martins (199.) e Costa (2006)) para criticar a Reforma Gerencial. Diz ele: “é bem possível que o desnível entre o modo de operação interno e as exigências funcionais impostas do exterior à administração do Estado não se deva à estrutura de uma burocracia retrógrada, e sim à estrutura de um meio sócioeconômico que (...) fixa a administração estatal em um certo modo de operação... É óbvio que um desnível desse gênero entre o esquema normativo da administração e as exigências funcionais externas não poderia ser superado através de uma reforma administrativa, mas somente através de uma ‘reforma’ daquelas estruturas do meio que provocam a contradição entre estrutura administrativa e capacidade de desempenho” (OFFE, 1994:219). Dessa colocação decorre que mesmo nossa proposta de promover a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” começando, não por um dos extremos ─ ambos irrealistas ─ de reforma do Estado ou do meio sócio-econômico e sim na mobilização de um ciclo virtuoso que vá da capacitação dos gestores públicos para a transformação das relações Estado-Sociedade, deve ser vista com cautela. Não obstante, é verdade que à medida que a democratização avance e a concentração de renda que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a sociedade brasileira for sendo alterada, se irá ampliando o espaço econômico e político para um tipo de atuação da burocracia com ela coerente13. E, nessa conjuntura, o conhecimento que passarão a deter os gestores que se pretende capacitar através de iniciativas como a que estamos tratando poderá fazer toda a diferença. Isto é, talvez seja esse conhecimento o responsável por se alcançar ou não a governabilidade necessária para tornar sustentável o processo de

13

Diversos autores de países latino-americanos têm refletido sobre a associação entre a reflexão desenvolvida sobre as características da relação Estado-Sociedade, o aumento da participação política, e a mudança da arquitetura do Estado; e, em conseqüência, nas políticas públicas elaboradas nesses países. Paramio (2008) mostra como as propostas sobre a segunda geração de reformas, iniciada no final dos anos de 1990, combinada com a pressão política contra o impacto social e econômico negativo da primeira, origina, em função das características daquela relação, reações distintas em dois grupos de países da região. Atrio e Piccone (2008), concordando com a idéia de que a mudança no modo de operação da burocracia depende criticamente das exigências impostas pela relação Estado-Sociedade, aponta recomendações para esta mudança.

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mudança social que se deseja14. Daí a importância de disponibilizar conhecimentos aos gestores públicos que possam levar à melhoria das políticas, ao aumento da eficácia da sua própria máquina, e à sua transformação numa direção coerente com a materialização daquele novo estilo de desenvolvimento. Privatização, desregulação, liberalização dos mercados têm impedido que o Estado brasileiro se concentre em saldar a dívida social e, enquanto Estado-nacão ─ capitalista, por certo ─, assumir suas responsabilidades em relação à proteção aos mais fracos, à desnacionalização da economia e à subordinação aos interesses do capital globalizado. Assumir

essas

responsabilidades

e

materializar

os

processos

de

democratização e redimensionamento do Estado são desafios interdependentes e complementares que demandam de maneira evidente os conteúdos que trata este Curso e, no plano operacional, da implementação das ações, não poderão prescindir da GEP. A redefinição das fronteiras entre o público e o privado exige uma cuidadosa decisão: quais assuntos podem ser desregulamentados e deixados para que as interações entre atores privados com poder similar determinem incrementalmente um ajuste socialmente aceitável e quais devem ser objeto da agenda pública, de um processo de decisão racional, participativo e de uma implementação e avaliação sob a responsabilidade direta do Estado. A democracia é uma condição necessária para construir um Estado que promova o bem-estar das maiorias. Só o conjunto que ela forma com outra condição necessária ─ a capacidade de GEP ─ é suficiente. Só a democracia aliada à eficiência de gestão pode levar à transformação do “Estado Necessário” no sentido que almeja a sociedade brasileira. Sem democracia não há participação e transparência nas decisões, não há planejamento participativo, avaliação de políticas, prestação de contas. Não há responsáveis, há impunidade. Mas a democracia, se restrita a um discurso político genérico e sem correlação com ação de governo cotidiana pode degenerar num assembleísmo inconseqüente e irresponsável e numa situação de descompromisso e ineficiência generalizada.

14

A seção que analisa a questão da governabilidade e do Triângulo de Governo é especialmente elucidativa a este respeito.

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Governar num ambiente de democracia e participação e, ao mesmo tempo, com

enormes

desigualdades

sociais,

requer

capacidades

e

habilidades

extremamente complexas e difíceis de conformar, sobretudo no âmbito de um Estado como o que herdamos. E sem a utilização das ferramentas da GEP isso será ainda mais difícil. Entre outras coisas porque tanto a direita como a esquerda perceberam a necessidade de contar com metodologias de planejamento e gestão que, ao mesmo tempo, promovam e dêem conseqüência à participação popular. A primeira, porque já não pode manter o estado de ignorância e subordinação do qual até agora têm lançado mão para seguir governando. A segunda, porque ao abandonar sua estratégia de revolução armada que permitiria a seus quadros, tomando o poder e através de um renovado apoio das massas, usar o Estado para alcançar o seu cenário normativo, percebeu que a simples mobilização política não era suficiente. De fato, ao abraçar a via eleitoral, a participação, mais do que a mobilização política, é a garantia que tem para dar conseqüência e para, assim, manter o apoio popular que foi capaz de conquistar. 1.5. A construção do “Estado Necessário” e a Gestão Estratégica Pública Esta seção se inicia com a apresentação do argumento de que o trânsito do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”, aquele que possa servir como um instrumento para implementar aquela proposta de mudança, demanda a capacitação de seus quadros. Demanda a formação de gestores que aliem dois tipos de capacidades ou habilidades básicas. A primeira, é dominar os aspectos teóricos e práticos do processo de elaboração de políticas públicas a ponto de serem capazes de utilizá-lo como ferramenta da mudança social, econômica e política. A segunda capacidade é atuar de maneira tão eficiente no seu dia-a-dia a ponto de fazer com que a estrutura que corporificam ─ o Estado ─ seja cada vez mais eficaz no uso dos recursos que a sociedade lhe faculta e que produza impactos crescentemente efetivos. A democratização política está levando a um crescimento exponencial da agenda de governo; a erupção de uma infinidade de problemas que, em geral, demandam soluções específicas e criativas, muito mais complexas do que aquelas que o estilo tradicional de elaboração de políticas públicas e de planejamento 28


governamental ─ homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrático, típico do Estado que herdamos ─ pode absorver. No Brasil, a maneira como tradicionalmente se definia e caracterizava os problemas que o Estado deveria tratar ficava restrita ao que a orientação ideológica e o pensamento político conservador dominante eram capazes de visualizar. A explicação dos problemas públicos estava constrangida por um modelo explicativo que, de um lado, tendia à quase monocausalidade e, de outro, a soluções genéricas, universais. O que levou ao estabelecimento de um padrão único do tipo causa-problema-solução no qual, embora fosse percebida uma certa especificidade nos problemas enfrentados, o fato de que segundo o modelo explicativo adotado, sua causa básica era a mesma, terminava conduzindo à proposição de uma mesma solução. O governo não apenas filtrava as demandas da sociedade com um viés conservador e elitista. Ele adotava uma maneira tecnoburocrática para tratá-las que levava à sua uniformização, ao seu enquadramento num formato genérico que facilitava tratamento administrativo. Ao fazê-lo, escondia sob um manto de aparente eqüidade os procedimentos de controle político e se assegurava a docilidade do povo, desprotegido e desprovido de cidadania, frente ao burocratismo onipotente do Estado15. Era na fila do INPS que este povo aprendia o que era a democracia... As características do “Estado Herdado” faziam com que as demandas da população se tornassem assuntos genéricos, nacionais, a serem resolvidos mediante a distribuição dos recursos arrecadados de forma centralizada. Assim, sem nenhuma preocupação com a elaboração de políticas apropriadas e com a adoção de ferramentas da GEP, os recursos fluíam através de uma complexa rede de influências e favores até os lideres políticos locais que discricionariamente os transformavam em benesses com que atendiam a suas clientelas. Esta situação perpetuava e retroalimentava um modelo de planejamento governamental e de elaboração de políticas que eram não apenas injustos e genéricos. Eram também inócuos, uma vez que as verdadeiras causas ou não eram visualizadas ou não podiam ser enfrentadas. Este modelo que se consolidou ─ objetivos, instrumentos, procedimentos, agentes, tempos ─ além de incremental, 15

Para uma excelente retrospectiva de como se deu ao longo do nosso processo de desenvolvimento sócio-econômico a relação entre o Estado e os interesses das classes dirigentes e subordinadas ver Bresser-Pereira (2007).

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assistemático e pouco racional tendia a gerar políticas que eram facilmente capturadas pelos interesses das elites16. As demandas que o processo de democratização política irá cada vez mais colocar, e que serão filtradas com um viés progressista por uma estrutura que deve celeremente se aproximar do “Estado Necessário”, originarão outro tipo de agenda política. Serão muito distintos os problemas que a integrarão e terão que ser processados por este Estado em transformação. Eles não serão mais abstratos e genéricos, serão concretos e específicos, conforme sejam apontados pela população que os sente, de acordo com sua própria percepção da realidade, com seu repertório cultural, com sua experiência de vida, freqüentemente de muito sofrimento e justa revolta. Construir o “Estado Necessário” não é somente difícil. É uma tarefa que, para ser bem sucedida deveria contar a priori com algo que já deveria estar disponível, mas que é, ao mesmo tempo, seu objetivo criar. Isto é, as capacidades e habilidades extremamente complexas necessárias para transformar o Estado Herdado. Assim colocado, o problema parece não ter solução. Não obstante, ela existe. E existe porque já existe a consciência do problema que é a construção do “Estado Necessário”. E quando existe esta consciência é porque a solução já é vislumbrada por uma parte dos atores envolvidos com o problema. A decisão de criar este Curso supõe uma consciência por parte desses atores de que a emergência da forma institucional “Estado Necessário”, aquela que corresponde ao conteúdo das políticas que cabe a ele implementar depende de uma preocupação sistemática com a capacitação do conjunto de seus funcionários. A criação do Curso representa uma demonstração de que o primeiro indispensável e corajoso passo está sendo dado. Ele revela a percepção de que rotinas administrativas que dão margem ao clientelismo, à iniqüidade, à injustiça, à corrupção e à ineficiência, que restringem os resultados obtidos com a ação de governo, que frustram a população e solapam a base de apoio político dificultando a governabilidade, não podem ser toleradas. E que para que isto ocorra, não bastam o compromisso com a democracia e com um futuro mais justo, o ativismo e a

16

São muitos os trabalhos de pesquisadores que descrevem as características que foram impregnando a gestão pública latino-americana e que configuram o que denominamos “Estado Herdado” e que apontam propostas para sua modificação. Entre eles, recomendamos Oszlak (1999), Evans (2003), Waissbluth (2002 e 2003).

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militância. Este passo denota a percepção de que para criar condições favoráveis para que seu corpo de funcionários materialize esse compromisso é imprescindível que um novo tipo de conhecimento teórico e prático acerca de como governar (para a população e em conjunto com ela) seja urgentemente disponibilizado. E que é através dele que uma nova cultura institucional será criada e alavancará a construção do “Estado Necessário”. Do ponto de vista cognitivo, esta nova situação demanda do gestor público um marco de referência analítico-conceitual, metodologias de trabalho, e procedimentos qualitativamente muito diferentes daqueles que se encontram disponíveis no meio em que ele atua. O conteúdo a ser incorporado às políticas, fruto de um viés não mais conservador e sim progressista, transformador, irá demandar um processo sistemático de capacitação17. Para dar uma idéia do desafio cognitivo que isto significa vale introduzir um dos elementos-chave da GEP: a forma como se dá a determinação do que são problemas e o que são soluções, o que são causas e o que são efeitos, o que são riscos e o que são oportunidades. Isso porque, em muitos casos, ela terá que ser invertida. Há que ressaltar, nesse sentido, que a GEP é um dos instrumentos por meio dos quais novas inter-relações, sobre-determinações, pontos críticos para a implementação de políticas etc., terão que ser identificados, definidos e processados. Só assim os novos problemas poderão ser equacionados mediante políticas específicas; por exemplo, por meio de redes de poder locais, com a alocação de recursos sendo decidida localmente. Estamos vivendo um momento da democratização política em que as duas pontas da gestão pública e do processo de elaboração de políticas estão sofrendo uma rápida transformação. Na sua ponta inicial ─ a veiculação da demanda ─ há claramente maior probabilidade de que assuntos “submersos” e de grande importância para a população passem a integrar a agenda de decisão política. Na

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É conveniente ressaltar, neste sentido, que a idéia que orientou a concepção deste Curso é muito distinta daquela que subjaz às propostas realizadas pela Reforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998) ou, para tomar uma referência mais recente e menos irrealista, pela Carta Ibero-americana de Qualidade na Gestão Pública (2008), acerca de qual deveria ser o comportamento do “bom burocrata”. Ao invés de postular uma lista de recomendações sobre a sua conduta, baseada na “responsabilidade social”, na “ética”, na “qualidade” etc., o que esperamos é proporcionar aos gestores um conteúdo analítico-conceitual e metodológico que os tornem capazes de exercer sua discricionariedade para materializar a escolha que fizeram de melhorar a relação Estado-Sociedade.

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sua ponta terminal ─ a decisão de onde alocar recursos ─ existe igualmente uma grande probabilidade de que problemas originais passem a ter sua solução viabilizada. Como tratar essas novas demandas até transformá-las em problemas que efetivamente entrem na agenda decisória? Como fazer com que o momento da implementação da política (que se segue ao da formulação) possa contar com um plano para sua operacionalização eficaz, que maximize o impacto favorável dos recursos cuja alocação pode ser agora localmente decidida de forma rápida, mediante instrumentos inovadores e transformadores como é o caso do Orçamento Participativo? Não é nossa intenção apresentar a GEP como a panacéia que irá resolver todos os problemas e enfrentar todos os desafios que estamos comentando nesta parte introdutória, mas caberá ao leitor, ao final, avaliar a potencialidade deste instrumento.

1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas Esta seção focaliza o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso ─ contribuir para que as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer. Ela irá tratar de questões associadas ao marco analítico-conceitual da GEP introduzidas a partir de uma postura crítica em relação à “Administração Geral”, derivada da Administração de Empresas e utilizada na conformação dos conteúdos da Administração Pública; os quais marcam aquele contexto e o tornam inadequado para a consecução daquele objetivo. Para iniciar, é conveniente explicar porque se usa neste Curso o termo Gestão Pública e não o de Administração Pública. A literatura anglófona de Administração (que mantém um enfoque que apesar de alegadamente genérico se refere às empresas) costuma utilizar o termo management para referir-se ao mundo privado. O termo administration teria um significado mais amplo, buscando um status “universal” capaz de abarcar todos os âmbitos de atividade humana, inclusive o mundo público; ou aquilo que em seguida se designa como “Administração Geral”. O primeiro termo tem sido traduzido para o português como gestão e o segundo como administração. 32


A mesma literatura usando o “prefixo” public enfatiza o que tem sido traduzido como administração pública para referir ao ambiente público, de governo. Não obstante, é mais usado hoje no Brasil o termo gestão pública para fazer referência às atividades que têm lugar no ambiente público ou aos conhecimentos que nele são aplicados. Feita essa aclaração terminológica, cabe uma outra, de conteúdo. Esta seção se baseia em constatações e argumentos acerca de qual deveria ser o marco analítico-conceitual da GEP no âmbito de uma Gestão Pública coerente com os balizamentos expostos nas seções anteriores. Sua fundamentação, embora mais ou menos evidente, não é aqui apresentada em detalhe. A

indagação

sobre

a

adequação

do

marco

analítico-conceitual

da

“Administração Geral”, que é o que tem orientado as experiências brasileiras de planejamento governamental, se inicia pela caracterização da área de atuação conhecida como “Políticas Sociais” que é aquela na qual se desenvolvem boa parte das ações voltadas para o desenvolvimento social. Embora não devesse ser assim e não seja esta a nossa visão, a expressão Gestão Pública tem sido freqüentemente utilizada no meio acadêmico e profissional para designar um corpo de conhecimentos (ou um conjunto de atividades entre as quais se encontra a GEP) associado de modo muito estreito à elaboração das políticas orientadas ao atendimento de demandas sociais, as Políticas Sociais18. É por isso importante entender o que significam as chamadas Políticas Sociais19. Os serviços educacionais, de orientação social, de assistência médica, de ajuda jurídica e outros providos pelas Políticas Sociais, mesmo que garantidos por lei, geralmente aparecem como favores à população sendo implantados em conjunturas políticas mais ou menos específicas e cambiantes. 18

A individualização das Políticas Sociais no âmbito das Políticas Públicas revela uma concepção de desenvolvimento que entende como separáveis e, por isso, passíveis de serem tratados em separado os aspectos relativos ao econômico e ao social. Ao escamotear essa relação, os partidários dessa concepção reforçam a idéia que é útil aos seus interesses, de que o desenvolvimento econômico e suas políticas e instituições devem tratar do crescimento econômico, da competitividade e do avanço tecnológico etc., e que as atinentes ao desenvolvimento social deveriam compensar seus eventuais efeitos colaterais negativos. Essa separação entre duas esferas de políticas, por estar solidamente ancorada na hegemonia (ideológica) construída pela classe dominante, não precisa ser revestida de um aparato legal. Ao conformar o modelo cognitivo que impregna a ação do Estado ela a naturaliza e materializa a condição subordinada, residual e acessória que possui a Política Social. 19 Uma das obras mais completas e conhecidas (já possui mais de dez edições) publicadas no Brasil sobre o tema é a de Faleiros (2000). Nela nos baseamos para realizar os comentários feitos aqui.

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No passado, o Código Civil obrigava que o trabalhador fosse sustentado por seus filhos quando ficasse velho. Isso não é mais assim. No regime salarial da economia capitalista, é o individuo que é contratado para o trabalho, e não o grupo familiar como chegou a ocorrer no passado; e as formas de produção atuais destruíram a família extensa que se organizava em torno da economia de subsistência. É claro que a intervenção do Estado na garantia de benefícios e serviços não substituiu a família. E mais, sua ação parece pautar-se no modelo familiar. As Políticas Sociais são organizadas em nome da solidariedade social: os jovens trabalhadores contribuem para a aposentadoria dos velhos e para o cuidado e a educação das crianças; as pessoas sãs para o tratamento dos doentes; os empregados para os desempregados; os ativos para os inativos; os solteiros para os casados (salário-família) etc. A razão de existência das políticas sociais seria, então, fazer com que a sociedade, assimilada a uma grande família, viva em harmonia e paz social, uns colaborando com os outros. A articulação do econômico e do político através das políticas sociais é um processo complexo que se relaciona com a produção, com o consumo e com o capital financeiro. Porque as políticas sociais (talvez em menor grau do que as demais políticas públicas, mas ainda assim de forma majoritária) não costumam ser implementadas diretamente pelo Estado, mas por meio de convênios e contratos com empresas privadas, ONGs e empresas envolvidas com atividades de RSE (Responsabilidade Social Empresarial), que passam a oferecer os serviços financiados pelo Estado. Este é o caso de hospitais, escolas, bancos. Os hospitais particulares atendem a clientes da Previdência ou da Assistência Social e cobram do Estado pelo serviço, não raro com margem de lucro. As escolas particulares recebem subsídios e bolsas para certo número de estudantes e os bancos servem de intermediários para vários serviços aos beneficiários, como, por exemplo, pagamentos e cobranças previdenciárias, evidentemente cobrando por eles. Assim, e de modo que pode parecer paradoxal, essas organizações mantêm seu processo de acumulação de riqueza através da implementação de políticas sociais. No entanto, cabe ao Estado, por exemplo, a compra de equipamentos sofisticados e intensivos em tecnologia para oferecer os serviços mais caros e 34


menos lucrativos; a manutenção das faculdades mais caras, como as de Medicina e Odontologia enquanto os cursos menos dispendiosos e mais lucrativos são mantidos por empresas privadas. O caso das políticas orientadas para o trabalhador é um bom exemplo. Trabalhadores desempregados, doentes, acidentados ou velhos são atendidos através de uma articulação do econômico e do político (as políticas sociais) que possibilita um ganho para o setor privado capaz de compensar o prejuízo causado pelo fato deles e outros segmentos não-produtivos não estarem inseridos na produção de mercadorias. Essas políticas servem também para "retirar" do âmbito da fábrica conflitos e reivindicações, que são encaminhados e tratados por órgãos governamentais (hospitais, repartições públicas ou tribunais) que os despolitizam, transformando-os em assuntos individuais. As vítimas de eventos negativos ligados ao processo produtivo (acidentes, doenças, incapacitação e invalidez) cuja origem está no processo produtivo são responsabilizadas pela sua ocorrência. Os órgãos de atendimento ao trabalhador que implementam essas políticas não questionam as origens dos problemas dos assalariados, o ambiente que os condiciona, nem as relações que os produzem, contudo, trata-se cada "caso" através da "perícia", relegando-o ao saber e ao sabor de especialistas que examinam individualmente a vítima, e não as condições de produção e de trabalho. Por essas e outras razões, as políticas sociais, são vistas por alguns críticos como algo incompatível com aquele modelo familiar. Apesar de aparecerem como compensações, elas constituiriam um sistema político de mediações entre capital e trabalho que visa à articulação de diferentes formas de reprodução das relações de exploração e dominação da forca de trabalho entre si, com o processo de acumulação e com a correlação de forças políticas e econômicas. Devido a suas características, as políticas sociais costumam ter, sobretudo em países periféricos como o nosso, seu conteúdo definido, em boa medida, no momento da implementação. E não apenas no momento da sua formulação, como é o caso clássico em que os momentos de formulação, implementação e avaliação que integram o processo de elaboração da política estão mais claramente definidos. Diferentemente de outras políticas públicas que, por estarem destinadas a orientar ou subsidiar as atividades empresariais possuem “lógica” e “racionalidade” 35


facilmente operacionalizáveis pelos profissionais da Administração de Empresas, as políticas sociais demandam, não apenas para sua formulação, mas também para a sua implementação, de um tipo específico de gestor. A formação desse tipo de gestor demanda a veiculação de um conhecimento distinto daquele oferecido pelas profissões tradicionais que são adequadas para a elaboração de políticas voltadas ao bom funcionamento da economia capitalista e às quais as Políticas Sociais devem em muitos casos se opor.

1.7. O gestor público e o administrador de empresas De modo a tratar sobre o tipo de formação que deveria ter o gestor público para, desta maneira, avançar na caracterização do marco analítico-conceitual da GEP, é necessário precisar o que entendemos por ele. Por diferenciação, o concebemos como aquele profissional cuja especificidade consiste fundamentalmente na sua capacidade de traduzir, interpretar ou “decodificar” para uma “lógica” e “racionalidade” empresariais o conteúdo e forma de implementação das políticas sociais. E cuja atuação não deverá estar orientada para a administração das atividades mais propriamente empresariais realizadas no âmbito privado. Atuação, esta, desempenhada por administradores de empresa, engenheiros, etc. Conceber o processo de capacitação de um profissional que seja capaz de atuar na elaboração de políticas públicas é um desafio difícil. Pela primeira vez, em função das mudanças de orientação que estão ocorrendo nos Estados de uma região conhecida como a mais desigual do planeta e cujos governos estão a privilegiar o atendimento de demandas sociais de grandes proporções, se coloca na América Latina a necessidade de abreviar um processo lento e que se estava efetivando de forma mais ou menos autodidata de formação de gestores públicos interessados na consolidação dessas mudanças. Mais que em outros países da região, o Brasil conta com um superávit de vagas universitárias visando à capacitação de administradores de empresa 20. Isso, associado ao fato de que o gestor social, além de ter que trabalhar na empresa privada como implementador das políticas sociais (e, de certa forma, devido às

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Segundo Fischer (2004) existiriam no Brasil mil e quinhentos cursos de Administração reconhecidos pelo Conselho Federal de Educação.

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características, também como o seu formulador), deverá atuar igualmente na sua elaboração no âmbito do Estado, obriga a uma difícil inflexão. Difícil, entre outras coisas porque, por razões históricas e pela conhecida formação multidisciplinar e “multipropósito” do administrador de empresa, tem sido nos espaços destinados à sua formação que estão surgindo as iniciativas de capacitação de gestores públicos e de gestores sociais (à semelhança do que ocorreu no passado com a formação dos administradores públicos). Um “distanciamento crítico” em relação ao que é entendido como a formação do administrador de empresa parece essencial. Ele deve começar pelo questionamento do caráter “universal” conferido ao conceito de Administração, entendido como um corpo de conhecimento aplicável em qualquer ambiente (público ou privado), e explicitado nas conceituações usualmente propostas e empregadas em nosso meio e que têm servido para informar a criação de cursos de Administração Pública. 1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração Pública Embora as teorias da administração possam ser divididas em várias correntes ou abordagens, cada abordagem associada a uma maneira específica de encarar a tarefa e as características do trabalho de administração, é possível alinhar brevemente algumas características da “Administração Geral”. Um conceito contemporâneo entende que administrar é dirigir uma organização (grupo de indivíduos com um objetivo comum, associados mediante uma entidade pública ou privada) utilizando técnicas de gestão para que alcance seus objetivos de forma eficiente, eficaz e com responsabilidade social e ambiental. Lacombe (2003) diz que a essência do trabalho do administrador é obter resultados por meio das pessoas que ele coordena. Drucker (1998) diz que administrar é manter as organizações coesas, fazendo-as funcionar. Entende-se a “Administração Geral” como subdividida segundo o tipo de organização à qual ela é aplicada: a administração que se aplica a uma empresa privada é diferente daquela aplicada às instituições governamentais ou, ainda, daquela de um setor social sem fins lucrativos. Uma organização seria uma combinação de esforços individuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos. Por meio de uma organização torna-se 37


possível perseguir e alcançar objetivos que seriam inatingíveis para uma pessoa. Uma grande empresa ou uma pequena oficina, um laboratório ou o corpo de bombeiros, um hospital ou uma escola são todos exemplos de organizações (MAXIMIANO, 1992). Uma organização seria formada pela soma de pessoas, máquinas e outros equipamentos, recursos financeiros e outros; seria o resultado da combinação de todos estes elementos orientados a um objetivo comum; uma entidade social, conscientemente coordenada, gozando de fronteiras delimitadas que funcionam numa base relativamente contínua, tendo em vista a realização de objetivos comuns que exigem grupos de duas ou mais pessoas, que estabelecem entre eles relações de cooperação, ações formalmente coordenadas e funções hierarquicamente diferenciadas (BIHIM, 1997). Administrar uma organização (ou organizar) supõe atribuir responsabilidades às pessoas e atividades aos órgãos (unidades administrativas). A pessoa encarregada do ato de administrar ou organizar, o administrador, embora investido de um poder dentro de uma hierarquia pré-definida, deve possuir uma capacitação intelectual e moral para exercê-lo que o diferencie dos demais membros da organização e atuar como um líder. O objetivo de um líder é exercer influência em um determinado grupo de pessoas a fim de que elas façam o que ele deseja, porém esta influência não deve ser coercitiva e por meio do poder de um cargo, obrigando as pessoas a fazerem o que ele deseja, e sim, deve-se usar da autoridade e respeito com elas, oferecendo um meio de trabalho propício para que todas desenvolvam suas atividades por vontade própria. Depois que a Teoria das Relações Humanas colocou no campo de preocupações da Administração de Empresas a figura do líder como uma alternativa à do administrador clássico com sua face coercitiva e autoritária, a liderança passou a ser um assunto recorrente. A liderança vem assumindo um papel central na Administração. Segundo a visão contemporânea, todo líder deve ser um servidor para seus funcionários, ele deve possuir amor por seus comandados. Este amor não é apoiado em sentimento e sim em comportamentos, como cuidar, ajudar, elogiar, entre outros.

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Isso acontece, em particular, no campo da Administração Pública, uma vez que nele coerção, autoritarismo e até mesmo hierarquia são dificilmente obteníveis. E que o seu exercício muitas vezes não implica num benefício material.

1.9. A formação do gestor público No Brasil, como em muitos outros países, a consolidação da Administração Pública como um curso superior é posterior àquela dos cursos de Administração de Empresas. Até a sua criação, eram os administradores de empresas, juntamente com outros tipos de profissionais, que compunham o quadro da burocracia. A crescente complexidade do aparelho de Estado passou a exigir um tipo de capacitação que não era oferecido pelas escolas de Administração de Empresas. Foi só então que elas, para enfrentar o desafio de formar esses gestores públicos, as tiveram que buscar identificar dentre os conteúdos que ministravam aqueles que poderiam ser aplicados no ambiente público; aqueles que constituiriam a “Administração Geral”. Diferentemente do que seria desejável, esse movimento não esteve suficientemente aberto ao aporte de outras abordagens disciplinares mais afeitas ao tratamento das questões sociais e políticas que inevitavelmente se fazem presentes na interface entre o Estado e a sociedade e mesmo no interior do próprio aparelho de Estado. Ele foi marcado por um processo que, em vez de estar guiado por um objetivo de fusão interdisciplinar (ou, pelo menos, multidisciplinar), se manteve basicamente orientado pela tentativa de conformar, por eliminação ou exclusão do que se entendia como Administração de Empresas, do que viria a ser conhecido como “Administração Geral”. A qual, então, passou a constituir a espinha dorsal dos cursos de Administração Pública. Posteriormente, num processo de crescente sofisticação do instrumental analítico usado para compreender o funcionamento das organizações (entendidas como um conceito genérico que abarca empresas, Estado, etc.), da sua gestão e dos seus integrantes, que se deu através da incorporação de disciplinas como a de Psicologia, o ensino da Administração passou a ter como eixo a Teoria das Organizações. Em conseqüência, o currículo dos cursos de Administração Pública foi sendo conformado através da adaptação de conteúdos previamente existentes naquele 39


dos cursos de Administração de Empresas e pela adição de outras disciplinas. Freqüentemente, e isso não apenas no Brasil, o quadro de professores dos cursos de Administração Pública é formado por professores de cursos de Administração de Empresas (em muitos casos oferecidos na mesma instituição) e por professores de disciplinas que provêm de áreas como Direito, Ciências Contábeis, Sociologia, Economia, Ciência Política. Embora com o correr do tempo sucessivas gerações de formandos de Administração Pública tenham sido absorvidos como professores desses cursos, essas disciplinas continuaram a ser ministradas por profissionais nelas formados. O resultado foi a permanência de uma espécie de apartheid disciplinar muito distinto daquilo que seria necessário para propiciar uma fusão (supondo que ela fosse possível), entre a “Administração Geral” (supondo que ela efetivamente existisse e que fosse capaz de ser conformada por exclusão ou eliminação de conteúdos previamente enfeixados na Administração de Empresas) e aquelas disciplinas. Os administradores públicos, formados naquilo que no melhor dos casos era uma tensão disciplinar entre conteúdos de Administração de Empresas e de disciplinas que freqüentemente se orientavam a produzir argumentos para questionar as idéias de propriedade privada dos meios de produção, venda da força de trabalho, lucro etc. que são os pressupostos e razão de existência da Administração de Empresas, dificilmente seriam capazes de autonomamente produzir uma síntese interdisciplinar como a que sua atuação demandava21. Agravava essa situação o fato de que, com muita freqüência, os conteúdos das disciplinas como Sociologia e Ciência Política, que mais subsídios poderiam fornecer para um correto diagnóstico dos problemas que o administrador público enfrenta e para o seu equacionamento de modo coerente com os direitos democráticos e de cidadania, eram vistos como de escassa importância para a sua formação. Dificilmente modelizáveis e aplicáveis em conjunto com os conteúdos que provinham da Administração de Empresas, com os quais por “defeito de construção” não

tinham

como

dialogar,

mas

que

eram,

estes

sim,

modelizáveis,

operacionalizáveis, e aparentemente dotados de um potencial de equacionamento

21

Atkouff (1996) chama a atenção para essa tensão apontando o ambiente elitista das escolas de Administração como um instrumento de reprodução de uma visão conservadora entre os profissionais da área.

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de problemas muito valorizado por quem se preocupa em “resolver problemas”, eles eram, de fato, quase inúteis. O resultado dessa situação era, então que os problemas públicos ─ aqueles que ocorrem na interface entre a sociedade e o Estado ou no seu interior ─ ainda que fossem, na melhor das hipóteses, diagnosticados (momento descritivo: foto) e explicados (momento explicativo: filme retrospectivo) através daquelas disciplinas, eram resolvidos (momento normativo: construção do futuro) mediante a aplicação do conhecimento que provinha da Administração de Empresas. Mas a tensão entre aquelas disciplinas e a “Administração Geral” não se situava apenas no plano dos conteúdos. Ela se estendia para os planos da abordagem cognitiva (dedutiva vs. indutiva, respectivamente); do enfoque da situação-problema (contextualizado vs. autocontido); do tratamento metodológico (análise globalizante do mais freqüente ou provável vs. estudo de “cases” sobre o mais exitoso ainda que atípico e não-generalizável); do objetivo intermediário (produzir tendências e fatos estilizados vs. assinalar best practices e possibilitar o benchmarking); do objetivo final (equacionar problemas estruturais de modo racional visando a resultados positivos sistêmicos e de longo prazo vs. atacar problemas pontuais passiveis de solução imediata de modo incremental, visando resultados localizados e de alto impacto a curto prazo). Ainda no campo cognitivo ou, mais especificamente, pedagógico, a “Administração Geral” permanece baseada na idéia de que é uma pessoa que se destaca das demais por atributos inatos, mas que podem até certo ponto ser adquiridos pela via da capacitação formal, a responsável por “fazer as coisas acontecerem”. Característica que, como é compreensível, contagia o processo de formação, seja do administrador tradicional seja do líder, com um ethos de diferenciação, de elitismo meritocrático e, no limite, de prepotência; ainda que entendido como um “mal menor” face ao imperativo tradicional de “apreender para saber mandar” ou ao contemporâneo “apreender para saber liderar”. Tudo isso marcando com atributos de competição e rivalidade tanto o processo formativo quanto o comportamento profissional. Apesar de precária, essa breve caracterização permite apontar a inadequação da “Administração Geral” como plataforma cognitiva para a concepção de um curso de gestão (ou administração) pública; e, também, do processo até agora seguido. 41


Mesmo que se considere a empresa privada como um ambiente em que “pessoas tendo em vista a realização de objetivos comuns, estabelecem relações de cooperação”, o que como se sabe é muito questionável, não há como negar que ambiente em que atua o gestor público ─ o aparelho de Estado ─ é politizado. Isto é, um ambiente onde interesses políticos, econômicos e de outra natureza não apenas se expressam como devem, numa sociedade democrática, fazê-lo. Se isso é assim, a Administração de Empresas, que é por muitos entendida como um conjunto de conhecimentos cujo objetivo é, senão eliminar, manter os conflitos entre capital e trabalho num nível que não inviabilize a produção, numa sociedade em que o uso da força é monopólio do Estado, não poderia ser a plataforma cognitiva de um curso de Gestão Pública. Até mesmo o papel central que vem assumindo o líder na “Administração Geral” e por extensão na Administração Pública teria que ser repensado. Ainda que a figura do líder seja mais coerente com ela do que a do administrador tradicional, parece legítimo indagar de sua pertinência para o ambiente público. Sobretudo aquele cuja função é a elaboração das Políticas Sociais, que cada vez mais de substituem pelo cooperativismo, a autogestão e a solidariedade as práticas do empreendedorismo, da competição. Mesmo uma análise superficial do currículo dos cursos de Administração Pública, inclusive dos mais recentemente criados, permite evidenciar a adoção da idéia de existência de uma “Administração Geral” ─ entendida como neutra e capaz de atender tanto as empresas quanto o Estado ─ como diretriz para a sua concepção. Em vários cursos, as disciplinas iniciais, denominadas Introdução à Administração, Teoria da Administração etc., são de fato um conjunto de idéias, princípios etc., que, embora derivados ou “destilados” da Administração de Empresas são apresentados como portadores de um conteúdo universal. É comum a existência de disciplinas com forte caráter empresarial, como administração da produção, gestão da qualidade total etc., e de disciplinas que buscam implementar a denominada “nova de gestão pública”, como as que tratam das parcerias públicoprivado, projetos com o Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresa, etc. Nota-se, também, que disciplinas cujo nome alude a conteúdos próprios da gestão pública são ministradas mediante a utilização de bibliografia orientada para a

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administração de empresas que tende a dar aos alunos a falsa impressão de que os conceitos e relações nela tratados são aplicáveis ao ambiente público. Uma das exceções mais interessantes no quadro aqui traçado é o movimento em torno do conceito de Administração Política liderado pelo prof. Reginaldo Souza Santos da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia desde o final dos anos de 1990. Influenciou esse movimento a leitura dos clássicos do campo da Administração a partir da perspectiva oferecida por economistas marxistas. Em que pese à radicalidade que se faz à idéia do que aqui denominamos Administração Geral por muitos dos autores que integram a coletânea organizada por aquele professor (Souza, 2004), e pelo caráter seminal que o movimento pode vir a representar num processo de renovação como o que aqui defendemos, consideramos que ele está ainda marcado por uma visão de neutralidade que é hoje criticada, inclusive, na esfera das ciências consideradas duras (Dagnino, 2008). Segundo essa visão, que apesar de contrariar até mesmo a visão marxista convencional (para não falar daquela liberal) é crescentemente aceita, até mesmo elas seriam influenciadas de modo quase irreversível pelos valores e interesses predominantes no ambiente (e no próprio momento) em que ocorre a sua produção. De forma que a menos que um processo de desconstrução e reconstrução (que naquele

livro

denominamos

Adequação

Sociotécnica)

seja

efetivado,

o

conhecimento científico desenvolvido segundo a lógica da apropriação privada do excedente econômico não poderia ser utilizado em empreendimentos pautados por outra lógica, como a imposta pela propriedade coletiva dos meios de produção. De fato, mesmo a visão contida no livro que nos parece ser mais próxima àquela que apresentamos não consegue abandonar a idéia de que existiria um conteúdo capaz de ser aplicado indistintamente a organizações públicas e privadas (França Filho, 2004). O autor dá preferência ao subcampo dos Estudos Organizacionais (integrariam o conjunto outros dois subcampos: as Técnicas Gerenciais e as Áreas Funcionais) e considera seriamente a opção de que a Administração deva ser considerada como ideologia (e não como arte ou ciência), o que é sem duvida uma postura promissora. Não obstante, ao orientar sua reflexão para a controvérsia acerca de qual deveria der o objeto da Administração (a gestão ou a organização), e talvez angustiado em apresentar uma solução de compromisso capaz de, ainda que incrementalmente, debilitar o viés privado que apresentaria a 43


Administração, o autor não penetra no espaço de politização que nos parece conveniente para alcançar seu propósito. A situação brevemente apresentada nesta seção, e este é um dos argumentos centrais deste trabalho, parece estar associada à falta de um marco analíticoconceitual específico e adequado à gestão pública. O qual, diga-se de passagem, tem a sua elaboração dificultada pela Reforma Gerencial do Estado brasileiro que se iniciou em meados da década de 1990, marcada pela proposição de que a lógica e os métodos de administração empresarial deveriam ser adotados para promovêla. Não surpreende, portanto, que o currículo dos cursos de Administração Pública reflitam essas duas orientações: a da “Administração Geral” e a da Reforma Gerencial. E tendam, por isso, a formar gestores públicos que as aceitem acriticamente e, paradoxalmente, dificultem o processo de transformação do Estado Herdado para o Estado Necessário que se discutiu anteriormente. Como tantas outras controvérsias que se manifestam no campo do conhecimento e da educação, esta, pelo seu conteúdo ideológico, tende a permanecer e se reproduzir quando novos argumentos são incorporados ao debate. Passado o auge do pensamento neoliberal, quando a Nova Gerência Pública divulgada pelos professores universitários dos países centrais penetrou na universidade brasileira, e como mostra o movimento da Administração Política antes comentado, volta-se a discutir a questão de como orientar a formação do gestor público. Ao evidenciar o caráter falacioso e predatório daquelas idéias, muitos autores brasileiros e latino-americanos, alguns dos quais serão intensamente discutidos neste Curso, inaugurou um novo período em que se busca um novo arranjo. O que não quer dizer que novos argumentos não surjam e devam ser analisados. Entre outros, aqueles que afirmam que a controvérsia estaria perdendo sentido porque “um gestor pode, sem sair da mesma organização, passar da condição de funcionário público pare empregado, como as privatizações mostraram” (Fischer, 2004:168). Ou que o gestor social, entendido como aquele profissional de crescente importância, que no âmbito do Estado, da empresa ou do “terceiro setor” se envolve diretamente com as políticas sociais, deveria ter uma formação tão eclética que as distinções que aquela controvérsia alude estaria perdendo sentido e que, portanto, a

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sua formação não teria porque, mesmo no campo analítico-conceitual, contemplálas.

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CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE ENFOQUES

2. Introdução No capítulo anterior traçamos de forma esquemática, mas suficiente para nosso propósito, o contexto em que se devem inserir as atividades de GEP do Estado brasileiro e apontamos a dimensão do desafio cognitivo que a construção do “Estado Necessário” coloca para a realização dessas atividades. Este capítulo investiga o processo de constituição dos fundamentos da GEP e procura mostrar porque se considera que este Curso pode ajudar na sua superação. Para tanto, analisa a contribuição de dois enfoques relacionados à gestão pública, ou mais especificamente ao processo de elaboração de políticas públicas ─ a Análise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional ─ que constituem o fundamento da disciplina de GEP. Dentre o conjunto das Ciências Sociais aplicadas as disciplinas de Ciência Política e de Administração Pública eram até bem pouco tempo as únicas que forneciam subsídios especificamente orientados para a análise das questões públicas objeto da intervenção dos governos. Embora tenham ocorrido, tanto nos países centrais como nos da América Latina, importantes movimentos recentes de crítica, renovação, ampliação e fusão multidisciplinares, essas duas matrizes de conhecimento teórico e aplicado são ainda as mais amplamente disponíveis, difundidas e utilizadas para a análise da interface entre o Estado e a sociedade ─ Ciência Política ─ e para a execução da gestão pública ─ Administração Pública. Por essa razão, mais precisamente porque a quase totalidade das iniciativas de formação de gestores públicos existentes na região adota, ao contrário do que aqui se propõe, essas matrizes de conhecimento ─ em especial a da Administração Pública ─ é que se apresenta a seguir uma crítica às mesmas. Posteriormente, na seção que segue, se apresentam dois de seus recentes desdobramentos ─ a Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ considerados como as abordagens mais adequadas para conformar o fundamento da GEP.

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2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político O processo de governo ou, mais precisamente, os processos de tomada de decisão (a formulação das políticas públicas) e de sua implementação, não ocupam um papel central no horizonte de preocupações da Ciência Política. Suas principais teorias, modelos cognitivos ou visões que tratam a relação entre a sociedade e o Estado (marxista, pluralista, sistêmica, elitista) explicam as decisões de governo ─ tomadas no interior do aparelho de Estado ─ através da consideração de elementos a ele externos. Essa afirmação pode ser corroborada por um exame, ainda que superficial, das suas duas visões extremas. A visão pluralista, que entende o resultado do processo decisório ─ o conteúdo da política ─ como algo quase indefinido, posto que fruto de um ajuste incremental das preferências de uma infinidade de atores indiferenciados do ponto de vista de seu poder político. A outra ─ marxista ─ entende aquele resultado ─ o conteúdo da política ─ como algo quase que inteiramente pré-determinado pela estrutura econômica, posto que resultante da ação de um ator hegemônico: a classe capitalista. Era como se o Estado fosse dirigido pelo contexto político, econômico e social, como se carecesse de poder de autodeterminação e de ‘autonomia relativa’. Como se os instrumentos colocados à disposição das burocracias dos Estados contemporâneos não terminassem gerando uma elite com interesses próprios e até certo ponto independentes das demais. Era natural, portanto que os cientistas políticos se concentrassem no estudo deste contexto para entender as implicações sociais, econômicas etc. do exercício do poder; as quais, de certa forma, apenas fluíam através do Estado sem ser por ele determinadas. O problema da Ciência Política era de tipo investigativo: indicar as razões contextuais que explicavam o caráter do que havia sido decidido. Seu foco era, portanto, a política (politics) e não as políticas (policies), o sistema e o processo político (political process) e não o processo de elaboração de políticas (policy process).

2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito O enfoque da Administração Pública, por outro lado, tem como premissa a separação entre o político (politics) e o administrativo; o mundo da política (politics) 47


e o das organizações; a tomada de decisão e a implementação. O primeiro termo desta dicotomia era entendido como caracterizado pelo conflito de interesses e o dissenso político que se manifesta na sociedade e, o segundo, pelo consenso técnico em torno de um interesse comum que se expressa no interior do aparelho de Estado: implementar eficientemente o que havia sido, não interessa como nem porque, decidido. Era como se o primeiro fosse o ponto cego do segundo; e, o segundo, uma simples decorrência e conseqüência, inclusive temporal, do primeiro. Diferentemente da Ciência Política, o problema da Administração Pública pode ser entendido, para marcar a diferença entre eles, como de tipo operacional. Executar da melhor forma possível as decisões tomadas pelos governos, que freqüentemente eram entendidas como a expressão do desejo da maioria, numa estrutura político-social percebida como uma poliarquia, era o objetivo precípuo da Administração Pública. O estudo do processo de tomada de decisão e da natureza conflitiva de sua implementação era, por isto, descuidado.

2.3. A concepção ingênua do Estado neutro Na visão simplista de certos setores da esquerda latino-americana, o enfoque da administração era “de direita” uma vez que o que buscava era a otimização das condições de reprodução do capital e, portanto o aumento da exploração da classe trabalhadora. As tímidas incursões que se fazia, utilizando a abordagem sistêmica (rejeitada pelo marxismo e pela esquerda), para entender o que se encontrava à montante do território que dominava ─ da simples implementação das decisões tomadas ─ no sentido da compreensão do processo de elaboração da política eram vistas como mais uma tentativa do capital para instrumentalizar este processo em seu beneficio. A Ciência Política, ao contrário, era entendida como um enfoque “de esquerda”, na medida em que iluminava as contradições de classe e permitia discernir a dominação e a exploração. Era como se a Ciência Política fosse a encarregada de condenar o caráter anti-social, repressivo, demagógico do Estado capitalista periférico através de análises e pesquisas, realizadas é claro fora do aparelho de Estado. E, a Administração Pública fosse a encarregada de “tocar” o estilo tradicional de planejamento governamental e de elaboração de políticas

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públicas ─ homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrático ─ típico do Estado burocrático e autoritário que herdamos. Na verdade, o fato de que nenhum dos enfoques tenha considerado o processo de elaboração de políticas como problemático levou a que a superação do desafio cognitivo colocado pela construção do “Estado Necessário” seja especialmente difícil. A (inevitável) adoção privilegiada do enfoque da Administração Pública no âmbito do aparelho de Estado foi conformando uma concepção ingênua: a do Estado neutro. Embora contraditória com a orientação da Ciência Política ele é hoje dominante. De fato, na atual conjuntura em que quadros dirigentes da esquerda que hoje chega a ser governo em sua trajetória até agora bem-sucedida da aceitação da via eleitoral para a transformação da sociedade capitalista, essa concepção tem se manifestado como especialmente desastrosa. Para ela, o caráter do processo de elaboração de políticas e o seu resultado (o conteúdo da política) é uma simples decorrência das relações de poder existentes no contexto externo ao Estado. É uma concepção mecanicista, uma espécie de determinismo social do processo de elaboração da política e do conteúdo da política. Como se todo o processo se orientasse automaticamente de acordo com as características do bloco dominante de poder. Como se existisse uma relação de causalidade linear e estrita entre as relações de poder vigentes no contexto que envolve o aparelho de Estado e o conteúdo das políticas que dele emanam. Algo assim como se Estado fosse um elemento semelhante a um dispositivo transdutor, eletrônico ou pneumático, que ao receber um impulso externo de entrada gera um outro, de saída, cujas características dependem apenas da intensidade e “sinal” do impulso de entrada. Mas a suposição de que numa sociedade de classes, a “ocupação” do Estado pela classe dominante leva inexoravelmente a políticas que mantêm e reproduzem a dominação desta sobre as demais classes não é tão mecanicista como a sua recíproca. A concepção ingênua do Estado neutro, que supõe que uma mudança na correlação de forças na sociedade num grau que permita o controle do seu aparelho por forças progressistas originaria, automaticamente, políticas capazes de alavancar a desconcentração de poder e a equidade social, esta sim, pode ter conseqüências desastrosas.

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A concepção de que o aparelho de Estado seja um simples instrumento neutro capaz de, de uma hora para outra, operar de forma a implementar políticas que contrariam as premissas de manutenção e naturalização das relações sociais de produção capitalistas que o geraram, pode levar a uma postura voluntarista que tende a minimizar as dificuldades que enfrentam os governos de esquerda. O preço do equívoco em que eles têm freqüentemente incorrido, de subestimar das relações entre forma e conteúdo, é proibitivo e não pode mais ser tolerado.

2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública Este item apresenta dois desdobramentos relativamente recentes ─ a Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ das matrizes de conhecimento analisadas no anterior. Elas são consideradas como as abordagens mais adequadas para a formação de gestores capazes de realizar as atividades de GEP demandadas pela construção do “Estado Necessário”. No “Estado Herdado”, os marcos de referência cognitivos dos gestores eram em geral originários de uma daquelas duas matrizes que conformavam o repertório de conhecimento “formal” disponível no âmbito do aparelho de Estado (e também fora dele) para o tratamento das questões de governo. Um outro corpo de conhecimento ─ informal, intuitivo, específico, assistemático, e gerado de forma ad hoc, indutiva, on the job ─ fazia parte da sua formação. Era ele o que de alguma forma, ao adicionar-se a esses dois enfoques, permitia sua combinação preenchendo os vazios cognitivos e amenizando o “desvio ingênuo” a que se fez referência. O fato de que este outro corpo de conhecimentos, apesar da sua fundamental importância para o exercício de governar, não era ensinado, mas sim, a duras penas, e só por alguns, apreendido, não passou despercebida aos pesquisadores acadêmicos nem aos gestores que, tanto nos países centrais como na América Latina, se interessavam ou estavam envolvidos com assuntos de governo. Este fato, aliado a outros tipos de preocupação, entre as quais as de natureza ideológica e política são as mais relevantes, originou movimentos de crítica e fusão multidisciplinar entre essas duas matrizes de conhecimento e delas com outras disciplinas das Ciências Sociais. 50


Esses movimentos foram penetrando a “caixa preta” do processo (ou sistema) de elaboração de políticas ─ aquilo que era até então interpretado como um transdutor ─ por um de seus dois extremos (inputs e outputs), ou de seus dois principais momentos (formulação e implementação). A Administração Pública, a partir da constatação de que os hiatos entre o produto (output do sistema) obtido e o previsto mediante o planejamento governamental (déficit de implementação) não eram simplesmente um sintoma de má administração, mas que poderiam dever-se a problemas anteriores à fase de implementação propriamente dita. Isto é aos processos decisórios em que atores políticos defendiam seus interesses e valores. A Ciência Política, a partir da constatação de que a formação da agenda decisória que ocorria no âmbito do processo de formulação das políticas influenciava muito significativamente o conteúdo da política, entrou na “caixa preta” pelo lado dos seus inputs. Como a agenda decisória era determinada pelas forças políticas que se expressavam no contexto econômico social que envolvia a interface público-privado a Ciência Política não poderia se manter à margem da análise das políticas públicas. Uma das conseqüências imediatas desse envolvimento foi a constatação de que as determinações políticas, econômicas e sociais não eram um simples insumo (input) do processo de formulação das políticas, e sim algo que seguia atuando ao longo do processo da elaboração das políticas, abarcando todos os seus momentos: formulação, implementação, avaliação. Algumas perguntas fundacionais como as que seguem orientaram esse movimento e estão na base da insatisfação com o planejamento governamental tradicional que veio a desembocar na proposta da GEP. Quais são os grupos que realmente conformam a agenda de decisão mediante sua capacidade de transformar (ou travestir) seus problemas privados em assuntos públicos, em questões de interesse do Estado, sobre os quais ele deve atuar (agendum = algo sobre o qual se deve atuar)? E mais do que isto, como fazem para impedir que outros assuntos de outros grupos sociais não sejam incorporados à agenda fazendo com que ela fique restrita a assuntos sobre os quais têm controle? Que procedimentos usam e de que mecanismos do próprio aparelho de Estado ─ legítimo e eles acessíveis por direito ─ se utilizam para fazer com que os assuntos

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que logram colocar na agenda sejam decididos e implementados de acordo com seus interesses?

2.5. O enfoque da Análise de Política Este enfoque é o primeiro dos novos enfoques multidisciplinares que se analisa aqui. Ele foi conformado a partir da confluência entre a Administração Pública, ou mais precisamente da problematização que começara a fazer acerca da implementação das políticas públicas, de um lado, e da Ciência Política, e mais especificamente da problematização da formação da agenda e do processo decisório, por outro. Sua importância para formar os fundamentos em que se apóia a proposta da GEP se relaciona à sua capacidade de enfocar a interface entre a sociedade e o Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até então fazia a Ciência Política. E enfocar a questão da elaboração dos planos e da sua execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia a Administração Pública. Em alguns casos, a Análise de Política nasce como área de pesquisa nos círculos ligados à disciplina de Administração Pública. Como, nos EUA, nos anos de 1960, a eles estavam focalizados na análise organizacional, métodos quantitativos etc., e não enfatizavam a questão dos valores e interesses que a Análise de Política argumentava que era essencial para a Administração Pública, essa relação foi muitas vezes complicada. Em outros casos, a Análise de Política se estabelece por diferenciação/exclusão em relação à Ciência Política, em círculos a ela ligados. Como resultado ocorreu uma inflexão no seu enfoque. Ele passou a incorporar a análise das organizações e das estruturas de governo, deslocando um pouco o foco da análise do institucional para o comportamental. Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sido realizadas por cientistas sociais para questões como essas, o que é novo é a escala em que elas passam a ocorrer a partir dos anos de 1970 nos países capitalistas centrais, e o ambiente mais receptivo que passa a existir por parte dos governos. De fato, muitos pesquisadores já se tinham interessado por questões ligadas à atuação do governo e às políticas públicas. Esse movimento recente, entretanto, se caracterizou por oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas atinentes aos 52


enfoques que tomaram por modelo áreas da Administração Pública ou deram excessiva ênfase a métodos quantitativos combinados à análise organizacional. Embora várias definições tenham sido cunhadas pelos autores que primeiro de dedicaram ao tema, pode-se iniciar citando Bardach (1998), que considera a Análise de Políticas como um conjunto de conhecimentos proporcionado por diversas disciplinas das ciências humanas utilizados para analisar ou buscar resolver problemas concretos relacionados à política (policy) pública. Para Wildavsky (1979), a Análise de Política recorre a contribuições de uma série de disciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e conseqüências da ação do governo, em particular, do processo de elaboração de políticas. Ele considera, ademais, que Análise de Política é uma sub-área aplicada, cujo conteúdo não pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por uma abordagem que pareça apropriada às circunstâncias do tempo e à natureza do problema. Segundo Lasswell (1951), essa abordagem vai além das especializações acadêmicas existentes. Já segundo Dye (1976), fazer “Análise de Política é descobrir o que os governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz”. Para ele, Análise de Política é a descrição e explicação das causas e conseqüências da ação do governo. Numa primeira leitura, essa definição parece descrever o objeto da Ciência Política, tanto quanto o da Análise de Política. No entanto, ao procurar explicar as causas e conseqüências da ação governamental, os pesquisadores cien¬tistas políticos têm-se concentrado nas instituições e nas estruturas de governo, só há pouco registrando-se o deslocamento para um enfoque comportamental que caracteriza a Análise de Política. Ham e Hill (1993) ressaltam que “só recentemente a política pública tornou-se um objeto importante para os cientistas políticos”. E o que “o que distingue a Análise de Política do que se produz em Ciência Política é a preocupação com o que o governo faz”. O fato de que a política pública pode influenciar a vida de todos os afetados por problemas das esferas pública e política (politics), que os processos e resultados de políticas sempre envolvem a vários grupos sociais e que as políticas públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que

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têm no aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão torna a Análise de Política, um campo de trabalho cada vez mais importante. Segundo os pesquisadores que fundam o campo, a “policy orientation” é o que distingue a Análise de Política da Administração Pública. Seu caráter normativo (no sentido de explicitamente portador de valores) revela uma preocupação acerca de como as idéias que emergem da análise podem ser aplicadas no sentido de alavancar um projeto social alternativo. Neste caso, a melhoria do processo político através das políticas públicas que promovam a democratização do processo decisório é assumida como um viés normativo. Mas segundo eles a Análise de Política é também problem-oriented, o que demanda e suscita a interdisciplinariedade. A Análise de Política se caracteriza, assim, pela sua orientação aplicada, socialmente relevante, multidisciplinar, integradora e direcionada à solução de problemas. Além de sua natureza ser ao mesmo tempo descritiva e normativa. Na opinião de alguns pesquisadores de Análise de Política, o analista das políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política (politics) de maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões relacionadas à função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder entre diferentes grupos sociais. Para uma análise adequada é necessário explorar três níveis. Níveis que podem ser entendidos, ao mesmo tempo, como aqueles em que se dão realmente as relações políticas (policy e politics) e como categorias analíticas, isto é, como níveis em que estas relações devem ser analisadas. São eles: 1 - O do funcionamento da estrutura administrativa (institucional). É o nível superficial, descritivo, que explora as ligações e redes intra e inter agências, determinadas por fluxos de recursos e de autoridade etc. É o que se pode denominar nível da aparência ou superficial; 2 - O do processo de decisão. É o nível, em que se manifestam os interesses presentes no âmbito da estrutura administrativa, isto é, dos grupos de pressão que atuam no seu interior e que influenciam o conteúdo das decisões tomadas. Dado que os grupos existentes no interior de uma instituição respondem a demandas de grupos, situados em outras instituições públicas e em organizações privadas, as características e o funcionamento da mesma não podem ser adequadamente 54


entendidos a não ser em função das relações de poder que se manifestam entre esses grupos. É o que se pode denominar nível dos interesses dos atores; 3 - Das relações entre Estado e sociedade. É o nível da estrutura de poder e das regras de sua formação, o da “infraestrutura economicomaterial”. É o determinado pelas funções do Estado que asseguram a reprodução econômica e a normatização das relações entre os grupos sociais. É o que explica, em última instância, a conformação dos outros dois níveis, quando pensados como níveis da realidade, ou as características que assumem as relações a serem investigadas, quando pensados como categorias analíticas. Este nível de análise trata da função das agências estatais que é, em última análise, o que assegura o processo de acumulação de capital e a sua legitimação perante a sociedade. É o que se pode denominar nível da essência ou estrutural. A

análise

deve

desenvolver-se

de

forma

reiterada

(em

ciclos

de

retroalimentação) do primeiro para o terceiro níveis e vice versa buscando responder as questões suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como indicado, é no terceiro nível onde as razões últimas destas questões tendem a ser encontradas, uma vez que é ele o responsável pela manutenção da estabilidade política e pela legitimidade do processo de elaboração de políticas. No momento de formulação, através da filtragem das demandas, seleção dos temas e controle da agenda mediante um processo cujo grau de explicitação é bastante variável. Ele vai desde uma situação de conflito explícito, onde há uma seleção “positiva” das demandas que se refere às funções que são necessárias para manutenção de formas de dominação na organização econômica, como suporte à acumulação de capital e resolução de conflitos abertos até uma de “nãodecisão”, que opera no nível “negativo” da exclusão dos temas que não interessam à estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrária), selecionando os que entram ou não na agenda através de mecanismos que filtram ideologicamente os temas e os problemas. Nos momentos da implementação e da avaliação outros mecanismos de controle político se estabelecem tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como âmbito maior e mais complexo de determinação, o terceiro. É através do trânsito entre estes três níveis que, depois de várias reiterações, é possível conhecer o comportamento da “comunidade política” presente numa área 55


qualquer de política pública, e desta maneira chegar a identificar as características mais essenciais de uma política. Este processo envolve examinar a estrutura de relações de interesses políticos construídos pelos atores envolvidos; explicar a relação entre o primeiro nível superficial das instituições e o terceiro nível mais profundo da estrutura econômica. Assim, pode-se dizer que a análise de uma política implica, primeiramente, em identificar as organizações (instituições públicas) com ela envolvidas e os atores que nestas se encontram em posição de maior evidência. Em seguida, e ainda no primeiro nível (institucional) de análise, identificar as relações institucionais (isto é, aquelas sancionadas pela legislação) que elas e seus respectivos atores-chave mantêm entre si. Passando ao segundo nível, passa-se a pesquisar as relações que se estabelecem entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse existentes no interior de uma instituição e de grupos externos, situados em outras instituições públicas e em organizações privadas. As relações de poder, coalizões de interesse, formação de grupos de pressão, cooptação, subordinação etc., devem ser cuidadosamente examinadas de maneira a explicar o funcionamento da instituição e as características da política. A determinação de existência de padrões de atuação recorrente de determinados atores-chave e sua identificação com o de outros atores, instituições, grupos econômicos, partidos políticos etc., de modo a conhecer os interesses dos atores, é o objetivo a ser perseguido neste nível de análise. O terceiro nível de análise é, finalmente, o que permitirá, mediante uma tentativa sistemática de comparar a situação observada com o padrão (estrutura de poder e das regras de sua formação) conformado pelo modo de produção capitalista ─ sua “infraestrutura economicomaterial” e sua “superestrutura ideológica” ─, explicá-lo. É através do estabelecimento de relações entre a situação específica que está sendo analisada ao que tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado (ou periférico, no caso latino-americano) que se pode chegar a entender a essência; isto é, entender porque as relações que se estabelecem entre as várias porções do Estado e destas com a sociedade são como são.

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Pode-se entender o percurso descrito como uma tentativa sistemática de percorrer este “caminho de ida e volta” apoiando-se sempre no “mapa” que este terceiro nível de análise proporciona.

2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional O Planejamento Estratégico Situacional, método PES, surge em meados da década de 1970 como resultado da busca de uma ferramenta de suporte ao mesmo tempo científica e política para o trabalho cotidiano de dirigentes públicos e outros profissionais em situação de governo. Seu criador foi o ex-ministro de planejamento chileno do governo Allende, Carlos Matus. Nas suas próprias palavras, o método PES nasceu de um longo processo de reflexão que teve lugar no período em que ele ficou preso em função do golpe militar que levou à morte do presidente Allende, em setembro de 1973. Essa reflexão, o levou a formular uma crítica ao planejamento governamental tradicional e propor um método alternativo, que levasse em conta o caráter situacional (situação do ator que planeja) e estratégico que deveria possuir o planejamento, em especial aquele necessário para lidar com as particularidades do Estado latino-americano. A leitura de qualquer um dos vários livros que escreveu revela que essa crítica tem como pressupostos muitos dos conteúdos abordados pelo enfoque da Análise de Políticas. Aspecto que ficou ainda mais patente para os que tiveram a oportunidade de serem alunos do Prof. Matus. Por estar baseado em pressupostos muito semelhantes aos da Análise de Política, o método PES é uma alternativa ao planejamento tradicional e, por isso, foi escolhido como um dos fundamentos deste curso de GEP. Também o foi o fato de ele ter sido concebido através do aprendizado

proporcionado

por

sucessivas

experiências

de

planejamento

governamental em países periféricos, que permite que o Curso que aqui se apresenta conte com um repertório de instrumentos e metodologias que adicionam à reflexão sobre Análise de Políticas preocupações mais realistas e próximas do contexto latino-americano. Dado que, tal como indicado acima, não cabe aqui uma apresentação sistemática da proposta do PES, se destaca a seguir alguns pontos que a tornam apropriada para servir de fundamento à disciplina de GEP:

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a) A crítica radical que faz ao planejamento tradicional “normativo” (não no sentido de prescritivo, mas sim de voluntarista ─ escassamente apoiado em análise metodologicamente coerentes ─ e autoritário ─ baseado em “acordos de gabinete” ─ sem participação) e à sua própria epistemologia, de caráter positivista e comportamentalista; b) O esforço de construção de um método para compreender o jogo social, a relação entre os homens, e atingir resultados relevantes apesar da incerteza sempre presente, a partir de categorias como ator social, teoria da ação social, a produção social e conceitos como o de situação e o de momento. O método PES se coloca, assim, como uma “contraproposta epistemológica” ao planejamento de tipo economicista ao: a) Negar a possibilidade de um único diagnóstico da realidade, ao enfatizar que os vários atores “explicam” ou fazem “recortes” interessados da realidade, a partir de suas situações particulares e sempre voltados para a ação. Não é possível, nunca, um conhecimento “fechado”, uma verdade acabada sobre a realidade? b) Reconhecer que os atores em situação de governo nunca têm o controle total dos recursos exigidos por seus projetos e, por isto, nunca há certeza de que suas ações alcançarão os resultados esperados. Os recursos escassos não são só os econômicos, mas os de poder, de conhecimento e de capacidade de organização e gestão, entre outros; c) Que a ação humana é intencional e nunca inteiramente previsível como fazem supor os comportamentalistas; d) Que o jogo social é sempre de “final aberto”. Nesta medida, apesar da incerteza, da incapacidade de controlar os recursos, do abandono de qualquer posição determinística, há sempre espaço para a ação humana intencional, para se “fazer história”, para se “construir sujeitos” individuais e coletivos e para se lutar contra a improvisação, construindo um caminho possível que se aproxime do rumo desejado.

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CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES 3. Introdução22 Este capítulo trata de uma metodologia que tem como objetivo propiciar uma aproximação ao nosso propósito de subsidiar a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”. Suas características decorrem do fato de que, tal como já observamos, nossa proposta a esse respeito é distinta daquela que postula uma “cena de chegada” ─ uma configuração de Estado democrático (O’DONNELL, 2008) coerente com um cenário normativo a ser construído pela via da observância das cidadanias que estão além da cidadania política ─ que, por oposição, se diferencia da “cena inicial” ─ o “Estado Herdado”. Tal proposta, por não explicitar a natureza da “trajetória” que as separa, coloca o “Estado Necessário” como uma espécie de “farol” situado num cenário futuro. Ele seria o responsável para guiar a transição. Acreditamos que para materializar a intenção de gerar uma configuração de Estado com atributos previamente especificados (consolidar as cidadanias que estão além da cidadania política), devido à escassa possibilidade que temos de especificar a cena de chegada, às incertezas associadas ao processo e à necessidade de que o processo esteja sempre submetido à vontade de coletivos participativos com alto poder de decisão, é necessário outro tipo de abordagem metodológica. Mantendo a analogia náutica, podemos dizer que sem que uma “bússola” se encontre disponível, é baixa a probabilidade de alcançar a um resultado coerente com os valores e interesses do conjunto dos atores que, como atores mais envolvidos com esse processo, queremos promover. A bússola é um instrumento que nos permite navegar mesmo quando as condições de visibilidade não nos permitem enxergar o farol. Especialmente quando, por estarmos numa embarcação à vela, é inconveniente manter um rumo fixo. Quando é necessário aproveitar uma lufada de vento forte que nos permite avançar mais rápido, mesmo sabendo que termos que bordejar depois para recuperar a direção em que estávamos; afinal velejar é aproveitar a força do vento e da maré. Ou quando percebemos que não é conveniente tentar manter o rumo para

22

Este texto é uma adaptação do capítulo sobre a Metodologia de Diagnóstico de Situações de Dagnino e outros (2002).

59


chegar a um ponto rigidamente pré-determinado (farol). Quando o mais importante, naquela conjuntura, é chegar logo à costa, ainda que num ponto distinto do que se havia programado, de maneira segura e aproveitando as condições que se apresentarem. A bússola é o que nos permitirá, inclusive, saber o quanto estamos nos afastando daquele ponto e quais os inconvenientes que isto nos poderá causar. Gerar um produto adequado a um cenário postulado como desejável (farol), mas numa situação em que o contexto sócio-econômico e político é cambiante, assim como o são os interesses e projetos políticos dos atores que se quer favorecer, sobretudo quando é difícil visualizar sua provável evolução, não é o mais sensato. O que não quer dizer, é claro, que devamos deixa o barco à deriva. Nossa bússola é, justamente, a metodologia que apresentamos neste capítulo. Por trabalhar com situações-problema que derivam do ambiente sócio-econômico e político em que estamos “velejando” e que são definidas no âmbito dos atores que nos interessa promover e que por isso trazem embutidos seus valores e interesses, ela é mais eficaz do que qualquer “farol” que a priori, antes de começar a viagem, possamos divisar. Ela começa com a construção de um mapa cognitivo de uma determinada situação-problema. Este mapa pode ser considerado, para todos os efeitos, como um modelo descritivo de uma realidade complexa sobre a qual, num momento normativo posterior, com o emprego da Metodologia de Planejamento de Situações (MPS), elaborar-se-ão estratégias especificamente voltadas a alterar a configuração atual descrita. A Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) busca viabilizar uma primeira aproximação aos conceitos adotados para o PEG e ao conjunto de procedimentos necessários para iniciar um processo dessa natureza numa instituição pública, de governo. Do ponto de vista mais formal e enfatizando seu caráter pedagógico mais do que o de ferramenta de trabalho que ela possui, a MDS pode ser considerada como uma variação da metodologia do estudo de caso ou do “método do caso”23, amplamente utilizada desde o início do século XX nas Escolas de Direito e de Administração (pública e de empresas) em todo o mundo. Sem pretender comparar esse método de ensino com a MDS, mesmo porque esta possui

23

Sem aprofundar, vale mencionar a distinção que fazem Aragão e Sango (2003) entre esses dois termos.

60


um caráter que pretende transcender em muito esta condição, ou criticar a forma com foi concebido ou tem sido utilizado24, cabe enfatizar que os esforços iniciais para a sua concepção e utilização, realizados por Carlos Matus, se dão em ambientes de governo para resolver problemas concretos e não para a “construção” ou idealização de casos úteis para o ensino de Administração. Na primeira parte desse capítulo, que engloba as duas primeiras seções, são apresentados conceitos como Ator Social e Jogo Social, e são apontadas diretrizes para a ação estratégica. Na sua segunda parte é apresentada uma visão sobre os condicionantes da ação de governo a partir de alguns conceitos como projeto de governo, governabilidade, a capacidade para governar, o tempo e a oportunidade. Especial destaque se dá ao Triângulo de Governo como ferramenta para a análise de Governabilidade. Na terceira parte é apresentada a maneira como se dá o tratamento de problemas no âmbito da metodologia. É apresentado o conceito de problema (em tudo análogo ao de situação- problema) e são exemplificados os procedimentos adotados para sua identificação e formulação adequada. Na quarta parte são apresentados os procedimentos para a construção do fluxograma explicativo da situação. Fica ali evidente a relação que essa metodologia possui com as metodologia de modelização e de mapas cognitivos e com os trabalhos sobre Planejamento Estratégico Situacional, desenvolvidos pelo Prof. Carlos Matus. O diagnóstico de uma situação é a base para a definição das ações em um plano estratégico, assunto que é desenvolvido no capítulo que segue, referente à Metodologia de Planejamento Situacional.

3.1. Uma visão preliminar do resultado Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MDS pode ser obtida através de um exemplo bem simples, ainda que sofrido pelos Palmeirenses, que mostra os problemas identificados por um ator ─ o time do Palmeiras ─ no âmbito de uma situação-problema, a sua derrota frente ao Corinthians.

24

Kliksberg (1992), Costa e Barroso (1992) e Aragão e Sango (2003), entre outros, sistematizaram algumas dessas críticas de modo bastante acertado e que se mostrou útil para a concepção das melhorias que fomos ao longo do tempo introduzindo na MDS.

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Frente à derrota, o presidente do Palmeiras reuniu os jogadores para entender porque o time foi derrotado e buscar soluções. Iniciou a reunião perguntando a cada jogador: qual foi a causa da derrota, e pediu que cada um escrevesse numa ficha esta causa. Pediu também que os jogadores respondessem usando uma ficha para cada problema com uma frase objetiva, curta, direta, com poucas palavras, ressaltando que não colocassem mais de um problema na mesma folha; se quisessem indicar mais de um problema, deveriam usar outra ficha. E que, de preferência, a frase não começasse com “falta ...”, pois se fosse assim o enunciado do problema já estaria enunciando a sua solução ─ providenciar o que está faltando ─, e isso deveria ser evitado para que se pudesse ter uma visão mais adequada da situação-problema como um todo. Finalmente, pediu que evitassem o ruído do tipo 1: eu falo x e o outro entende y e, também, o do tipo 2: eu acho que falei m mas, na realidade, falei n. Vejamos o que eles conseguiram (ver Figura 3.1.1): FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORES JOGADORES QUEREM SAIR DO PALMEIRAS

PALMEIRAS POUCO MOTIVADO

CORINTHIANS BEM PREPARADO E MOTIVADO

ATRITOS ENTRE JOGADORES E DIRIGENTES

JOGO LENTO E MÁ PONTARIA

ATRASO DE PAGAMENTO NO PALMEIRAS

CORINTHIANS POSSUI MAIS SÓCIOS

POUCAS JOGADAS COM CHANCE DE GOL

BAIXA RENDA NOS JOGOS

PALMEIRAS COM MÁ PREPARAÇÃO FÍSICA

Em seguida, eles tentaram ordenar os problemas identificados colocando as causas mais determinantes à esquerda. O resultado foi o seguinte (ver Figura 3.1.2):

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ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS

FIGURA 3.1.2: ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS

ATRASO DE PAGAMENTO NO PALMEIRAS

PALMEIRAS COM MÁ PREPARAÇÃO FÍSICA

PALMEIRAS POUCO MOTIVADO

ATRITOS ENTRE JOGADORES E DIRIGENTES

JOGO LENTO E MÁ PONTARIA

JOGADORES QUEREM SAIR DO PALMEIRAS

POUCAS JOGADAS COM CHANCE DE GOL

CORINTHIANS BEM PREPARADO E MOTIVADO

BAIXA RENDA NOS JOGOS

CORINTHIANS POSSUI MAIS SÓCIOS

Depois, eles organizaram os problemas classificando as causas segundo a capacidade que tinham de agir sobre elas (governabilidade) para tentar entender quais eram as “relações de causalidade” que existiam entre elas (ver Figura 3.1.3). Eles chegaram ao que na terminologia da MDS é um fluxograma explicativo da situação-problema. Ou o que, de forma mais genérica, é um mapa cognitivo de como os jogadores do Palmeiras explicam a sua derrota. Ou, ainda, utilizando o jargão da Análise de Sistemas é um modelo de um sistema complexo (a derrota). FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO-PROBLEMA

FIGURA 3.1.3: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO PROBLEMA conseqüências

causas

ATRASO DE PAGAMENTOS NO PALMEIRAS

PALMEIRAS COM MÁ PREPARAÇÃO FÍSICA

PALMEIRAS POUCO MOTIVADO

BAIXA RENDA NOS JOGOS

CORINTHIANS BEM PREPARADO E MOTIVADO

CORINTHIANS POSSUI MAIS SÓCIOS

JOGO LENTO E MÁ PONTARIA

POUCAS JOGADAS COM CHANCE DE GOL

ATRITOS ENTRE JOGADORES E DIRIGENTES PALMEIRAS PERDEU POR 3 X 0

JOGADORES QUEREM SAIR DO PALMEIRAS

espaço de governabilidade

fora da governabilidade

fora do “jogo”

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3.2. O que é o “agir estratégico”? Apresentada essa visão preliminar do resultado da aplicação da MDS, podemos iniciar o detalhamento dos conceitos e relações que ela compreende. O foco da ação estratégica é tornar possível, no futuro, o que hoje parece impossível ou improvável, e manter atenção sobre o que é mais importante fazer para atingir os objetivos traçados. Nossa concepção de planejamento implica, portanto, enfrentar problemas planejando para construir viabilidade.

3.3. Pressupostos para uma ação estratégica em ambiente governamental Para

uma

mesma

situação-problema

é

possível

construir

diferentes

explicações ou diagnósticos válidos. Cada ator social tem a sua visão da realidade, dos resultados que deve e pode alcançar e da ação que deve empreender. No entanto, é preciso avançar, na percepção sobre o conceito de Diagnóstico, incorporando a idéia mais apurada de análise de situações e tendo presente que é necessário saber interagir com outros atores para ganhar sua colaboração ou vencer suas resistências. Partimos da hipótese realista e minimalista de que o ator que planeja está inserido no objeto planejado e não tem controle sobre o contexto sócio-econômico e político onde vai agir. A GEP supõe que o ator que planeja atua em um ambiente marcado por incerteza, em que surpresas podem ocorrer a todo o momento e em que a possibilidade do insucesso está sempre presente e deve ser incorporada no cálculo político.

3.4. O conceito de Ator Social Ator social é uma pessoa, grupo ou organização que participa de algum “jogo social”; que possui um projeto político, controla algum recurso relevante, tem, acumula (ou desacumula) forças no seu decorrer e possui, portanto, capacidade de produzir fatos capazes de viabilizar seu projeto (MATUS, 1996). Todo ator social (com projeto e capacidade de produzir fatos no jogo) é capaz de fazer pressão para alcançar seus objetivos, podendo acumular força, gerando e mudando estratégias para converter-se num centro criativo de acumulação de poder.

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O diagnóstico inicial de problemas que conformam uma situação-problema a ser enfrentada por um ator pode ser visto como o resultado do jogo realizado por um conjunto de atores num momento pretérito.

3.5. Características do Jogo Social É possível caracterizar o agir social como um jogo que pode ser de natureza cooperativa ou conflitiva. Num no jogo social, diferentes jogadores têm perspectivas que podem ser comuns ou divergentes e controlam recursos que estão distribuídos entre os jogadores segundo suas histórias de acumulação de forças em jogos anteriores. Um conjunto de jogos sociais conforma um contexto que pode ser entendido como um sistema social. Mas, diferentemente de jogos esportivos, por exemplo, no jogo social, ou no jogo político que tipicamente ocorre nas atividades de GEP, as regras do jogo podem alterar-se em função de jogadas e de acumulações dos jogadores.

3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica A Gestão Estratégica pode ser entendida como uma composição de quatro momentos principais25 (ver Quadro 3.6.1): QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA

FONTE: elaborado pelo autor.

“Momento” é uma instância repetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS, 1996:577). O conceito não tem uma característica meramente cronológica e indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos. 25

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Adotamos aqui a nomenclatura “momento” conforme proposta por Matus, como crítica à concepção de planejamento convencional como sendo composto por um conjunto de etapas ou de fases separadas e estanques. Os momentos indicados no diagrama e as atividades que implicam podem ser assim caracterizados: DIAGNÓSTICO: Explicar a realidade sobre a qual se quer atuar e mudar; foi, é e tende a ser. FORMULAÇÃO: Expressar a situação futura desejada ou o Plano; o que deve ser. ESTRATÉGIA: Verificar a viabilidade do projeto formulado e conceber a forma de executá-lo; é possível? como fazer? OPERAÇÃO: Agir sobre a realidade; fazer, implementar, monitorar, avaliar.

3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo O conceito de Governabilidade pode ser entendido através de uma ferramenta simples e muito útil para a análise de viabilidade política de projetos e de ações de governo: o Triângulo de Governo (ver Figura 3.7.1). Esse modelo é formado por três variáveis interdependentes que se encontram nos seus vértices. Correndo o risco da simplicidade excessiva, pode-se dizer que Governar é controlar de forma adequada essas três variáveis. O Triângulo de Governo que expressa o balanço entre elas pode ser esquematicamente concebido como a área da figura. Um grupo político que pretende governar formula um Projeto de Governo, que pode ser entendido como o conjunto dos objetivos que ele possui e que expressam os desejos da parte da população que o elegeu conferindo Apoio Político ao governo eleito. Este Projeto de Governo é posteriormente transformado num conjunto de planos, dando origem à GEP. É intuitiva a idéia que o Apoio Político, em qualquer mandato de um governo eleito, começa alto e tende a diminuir. Como também o é a de que um Projeto de Governo que não pretende mudar a situação previamente existente ─ um projeto meramente “administrativo” ─ não irá requerer uma alta governabilidade, pois não existirão muitos obstáculos à sua ação. Ao contrário, um Projeto de Governo “transformador”, que expressa uma grande ambição do ator social de mudar a situação previamente existente exigirá alta governabilidade. Então, o grau de Governabilidade que um ator social precisa para 66


governar é inversamente proporcional ao Projeto de Governo, entendido, este, como a ambição de mudar a situação previamente existente. FIGURA 3.7.1: TRIÂNGULO DE GOVERNO

balanço de governabilidade projeto de governo

governabilidade = “área” do triângulo

apoio político

capacidade de governo

para manter g acima de um patamar mínimo, o governante deve obter um balanço favorável entre a, c e p. FONTE: elaborado pelo autor. O sistema em que está inserido o Projeto de Governo não é passivo. As resistências e os apoios indicam uma relação de forças que expressam a maior ou a menor sustentação política que o ator social que governa possui para implementar seu projeto político. Esse “Apoio Político” que a sociedade confere ao governante a ao seu Plano de Governo pode ser entendido também como a força (que o ator possui) para “fazer acontecer”, está representado no vértice esquerdo do Triângulo. É também intuitiva a idéia que a Governabilidade é diretamente proporcional ao Apoio Político com que conta o ator social. A equipe dirigente deve analisar, para cada projeto ou proposta de governo, qual é o efetivo apoio/rejeição/desinteresse de atores políticos. No caso de um governo municipal, eles serão o(a) Prefeito(a), secretariado, movimentos sociais e sindicais, apoio partidário, opinião pública, legislativo, meios de comunicação, formadores de opinião... O controle dos aspectos que integram o sistema depende da capacidade que o dirigente possuir para implementar seu projeto, construindo resultados, mudando a realidade e ampliando, assim, sua Governabilidade.

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Mas a análise deve informar, também, para cada projeto ou proposta de governo, qual é a capacidade de governar da equipe dirigente, sua experiência de gestão, seus métodos de trabalho, sua organização interna, suas habilidades pessoais, seu controle de meios para empreender o projeto, seu controle de recursos (tempo, conhecimento, financeiros, pessoal capacitado, capacidade para formar opinião, para gerenciar ou para coordenar processos de trabalho, para gerar legislação ou regulamentações, comunicação, mobilização de apoio). A Capacidade de Governo (ou governança) é o recurso cognitivo (saber governar) com o qual conta a equipe de governo, deriva desse conjunto de fatores. Ela está representada no vértice direito do Triângulo. A Governabilidade é diretamente proporcional à Capacidade de Governo. Essa capacidade de análise de viabilidade é essencial para Governabilidade. Ela é uma avaliação sistemática sobre a força (ou Apoio Político) necessária para implementar ações de governo e a Capacidade de Governo. A Governabilidade vai depender, a cada momento, e para um dado projeto, das situações específicas proporcionadas pela ação sob análise. Dois fatores importantes que afetam a Governabilidade são o tempo, entendido como o recurso mais escasso do governante e a oportunidade política para empreender uma dada ação de governo. Em termos matemáticos, pode-se escrever que g = F (a; c; 1/p); onde Governabilidade: g; Apoio Político: a; Capacidade de Governo: c; ambição do Projeto de Governo: p. Para deixar o conceito de Governabilidade ainda mais claro, vamos analisar dois casos tendo como referência gráficos em que o Apoio Político e a Capacidade de Governo estão indicadas no eixo vertical e o tempo de governo no eixo horizontal (ver Figura 3.7.2). A curva da Capacidade de Governo se inicia baixa e negativa, indicando que a equipe do governo eleito, em geral, não sabe governar. E só o faz, de fato, quando ela atravessa o eixo horizontal. A curva do Apoio Político se inicia positiva e alta, indicando que a equipe do governo eleito conta sempre, no início, com muita aprovação da população. No primeiro caso, se a equipe dirigente não possui suficiente Capacidade de Governo ela demorará em começar a governar de fato. E por causa disso, o Apoio Político que em geral tende a diminuir se verá reduzido pela incapacidade da equipe 68


satisfazer ao interesse da população. Neste caso, o governo terminará de fato antes término previsto. Ou então, para manter a Governabilidade a equipe terá que reduzir o seu Projeto de Governo (isto é, a ambição de mudar a situação previamente existente). Ele terá que ser sacrificado de modo a obter apoio político das forças conservadoras. FIGURA 3.7.2: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO Apoio Político

+ Capacidade de governo Período Efetivo de Governo

FONTE: elaborado pelo autor. No segundo caso, a equipe dirigente consegue adquirir Capacidade de Governo mais rapidamente e, em conseqüência, o período efetivo de governo começa mais cedo e seu projeto poderá ser mantido até o fim. Isso significa que o governante não irá ser obrigado a diminuir sua expectativa de mudar a realidade. Essa equipe, por começar a governar com uma capacidade de governo maior, pode impedir que o apoio político se reduza. Pelo contrário, ele pode aumentar. Isso pode fazer com que essa equipe de governo seja promotora do perfil de sua sucessora a qual terá a mesma linha política e projeto que foram bem sucedidos e que têm o apoio da população. A equipe, por saber governar, faz com que o resultado que alcança promova uma ampliação do mandato previsto. Todavia, para que isso ocorra é necessária capacidade de governo. Quem não der a devida atenção à capacidade de governo (que é um dos recursos mais importantes para se governar), não conseguirá governar. Poderá até pensar que está governando, ou mesmo governar durante certo tempo, porém a partir de um dado momento não irá mais fazê-lo. 69


Antes das eleições, a população pode votar num candidato porque acha que ele sabe governar, por ele falar bem, ser simpático, defender uma parte importante da população etc. O apoio político inicialmente não depende da capacidade de governo. Todavia, no momento posterior, depois se assumir o mandato, o apoio político não será um mero reflexo da plataforma política ou da simpatia da população pelas idéias da equipe que governa. Depois que o governo está em execução a simpatia não é tão importante como era quando da eleição. A partir desse momento, o apoio político se torna proporcional à capacidade de governo. E, neste segundo caso, como se pode ver no gráfico (ver Figura 3.7.3), a partir de um determinado momento a curva de apoio político começa a subir. Para manter a Governabilidade a equipe não precisará sacrificar o Projeto de Governo (ambição de mudar a situação existente). Ele poderá ser mantido até o fim e o governo terminará depois do término previsto. Ou seja, a equipe poderá fazer a sua sucessora. FIGURA 3.7.3: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO Apoio Político

+ -

Capacidade de governo

Período Efetivo de Governo FONTE: elaborado pelo autor.

Dessas evidências surge o argumento de que o tempo que a equipe de governo demora a adquirir capacidade de governo é uma variável crítica. Tempo este que, na realidade, não pode ser considerado como um tempo de governo. Enquanto a equipe está adquirindo capacidade de governo, enquanto a curva não ultrapassa a linha horizontal mostrada no gráfico, alguém, que não ela, está de fato governando. É um tempo durante o qual a tendência é de perda de apoio político. 70


3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública Introduzido o conceito de Governabilidade, é possível aprofundar o entendimento do conceito de situação-problema e o papel que ela desempenha na GEP. Esta seção parte da idéia de que qualquer situação pode ser entendida pelo ator com ela envolvido como o resultado, o “placar”, de um jogo. E que esta situação pode ser por ele encarada como um problema a resolver. Ou seja, o êxito em um jogo será a solução de um problema ou a mudança do placar. Neste contexto, portanto, situação, problema e situação-problema são, para todos os efeitos, sinônimos. Pode-se entender a realidade social como um grande jogo integrado por muitos jogos parciais e que possuem suas próprias regras, em que atores se vêem envolvidos ou procuram se envolver. Em todos os jogos há alguns jogadores e alguns espectadores: nenhum ator social participa de todos os jogos. O governante, o ator que planeja ou o encarregado da gestão de uma situação pode ser vistos como um jogador que, com suas ações, produze acumulações procurando alterar o resultado do jogo. É com base nessas acumulações que ele pode ampliar, ou reduzir, sua capacidade de produzir novas jogadas e alterar a situação inicial. Este é o mecanismo básico através do qual se acumula ou se desacumula poder e se produz, ou não, mudanças significativas sobre uma dada situação-problema. Observar a ação de governo, que gera acúmulos de poder e resultados socialmente valorizados, é uma atividade-chave da GEP. Essa observação exige: a identificação dos jogos e dos problemas em que o ator que planeja está envolvido; a determinação de sua relação com outros problemas e jogadores; a identificação de suas manifestações sobre a realidade ou das evidências que permitam verificar se o problema está se agravando ou sendo solucionado pela ação de governo; a diferenciação entre as causas e as conseqüências dos vários jogos parciais.

3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema) O elemento central do momento de Diagnóstico é a produção de um quadro que identifique e relacione entre si os problemas mais relevantes associados a uma dada situação (Instituição etc.) em um determinado momento. Recordando, um

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problema, ou uma situação problema, é o resultado de um jogo. É algo que o ator declare como insatisfatório e evitável. Um problema é estruturado quando é possível: enumerar todas as variáveis que o compõem; precisar todas as relações entre as variáveis; fazer com que todos os jogadores reconheçam como tal a solução proposta. E é quase-estruturado, quando se podem: enumerar apenas algumas das variáveis que o compõem; precisar apenas algumas das relações entre as variáveis; entender suas soluções como, necessariamente, situacionais. Isto é, aceitáveis para um ator e vistas com restrições por outros. Os problemas produzidos pelos jogos sociais e por inclusão os que são alvo da GEP são quase-estruturados. Um problema quase-estruturado pode conter, como elementos parciais, problemas estruturados. Isto é, os problemas estruturados não existem na realidade social, salvo como aspectos ou como partes de problemas quase estruturados.

3.10. Tipos de Problemas No jogo social são produzidos três tipos de problema. Adotando como referencial o tempo, o significado e a natureza do seu resultado para um determinado ator, o problema pode ser: uma ameaça, isto é, um perigo potencial de perder algo conquistado ou agravar uma situação; uma oportunidade, isto é, a possibilidade que o jogo social abre e sobre a qual o ator pode agir para aproveitá-la com eficácia ou desperdiçá-la; um obstáculo, ou seja, uma deficiência passível de ser atacada através da adequada observação e qualificação do jogo em curso. É possível classificar os problemas quanto a: tempo: atuais ou potenciais; governabilidade: controle total, baixo controle e fora de controle; abrangência: nacionais, locais, específicos, estaduais, municipais; estruturação: estruturados ou quase-estruturados. O enfrentamento de problemas já criados ou presentes é um ato reativo. O enfrentamento das ameaças e das oportunidades é um ato propositivo. A ação de caráter propositivo é um objetivo a ser perseguido permanentemente pelo ator que busca melhores resultados e mais possibilidades de êxito. Tais possibilidades, no entanto, não estão usualmente sob controle dos dirigentes públicos. Ao assumir a frente de uma organização ou instância de governo, a escala e a gravidade dos 72


problemas já detectados e que exigem soluções imediatas costuma ser de tal monta que a ação do governante tende a ser de caráter reativo. Simultaneamente, entretanto, devem ser vislumbradas novas ameaças e oportunidades, procurando evitar o agravamento da situação (ação de caráter propositivo).

3.11. Conformação de um Problema Um problema só existe quando uma situação adversa se torna foco de interesse de um ator social. Isto ocorre devido ao mal-estar claramente percebido que produz o resultado de algum jogo em que ele está envolvido. Ou, em menor medida, à identificação de que o jogo contém oportunidades cujo resultado pode beneficiá-lo. Antes que isso ocorra, o resultado deste jogo é, para o ator, um malestar impreciso ou uma mera necessidade sem demanda política. O diagnóstico da situação supõe: listar os problemas declarados pelos diversos atores sociais relevantes; avaliar os problemas segundo a perspectiva desses atores; situar os problemas no tempo e no espaço; verificar se existe complementaridade ou contradição entre os problemas declarados; identificar fatos que evidenciam e precisam a existência de problemas; levantar suas causas e conseqüências;selecionar as causas críticas que podem ser objeto de intervenção.

3.12. Como formular um Problema? Uma correta formulação de um problema é condição essencial para seu equacionamento. Um problema mal formulado pode levar a uma visão distorcida da situação e à tomada de decisões equivocadas, que podem debilitar o ator. Um problema pode ser uma situação ou um estado negativo, uma má utilização de recursos, uma ameaça ou uma intenção de não perder uma oportunidade. É necessário identificar e precisar problemas atuais ou realmente potenciais, e evitar exercícios de futurologia e de imaginação dispersiva; um problema não é a “ausência de uma solução”. Exemplos de como formular os problemas imersos numa situação (ver Esquema 3.12.1):

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ESQUEMA 3.12.1: FORMULAÇÃO DE PROBLEMAS

FONTE: elaborado pelo autor. É conveniente evitar a indicação de temas gerais como problemas. Exemplo: saúde, transporte etc. É também conveniente evitar listar objetivos, como atingir 50% de imunização, concluir a estrada entre A e B.

3.13. Perguntas para verificar se a seleção de Problemas é apropriada Parte-se do princípio de que a ação de um governo pode ser pior, mas nunca superior à seleção de problemas efetuada pelo dirigente e sua equipe. Os critérios de seleção enunciados não devem ser aplicados problema por problema, mas sim na avaliação do conjunto de problemas selecionados. Convém verificar a seleção do conjunto de problemas, respondendo as seguintes perguntas: a) Qual é o valor político dos problemas selecionados versus o valor dos problemas postergados? b) Há concentração ou dispersão de esforços para enfrentá-los? c) Qual é a proporção de problemas que exigem continuidade frente aos que exigem inovação? d) Qual é a proporção de problemas cujos resultados irão amadurecer dentro do período de gestão ou mandato? e) Qual é o balanço entre os recursos necessários para o enfrentamento dos problemas selecionados em relação aos recursos disponíveis? f) Algum dos problemas selecionados pode dissolver-se num problema maior que o compreende?

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3.14. A Descrição de um Problema Um problema deve ser descrito por intermédio de fatos verificáveis através dos quais ele se manifesta como tal em relação ao ator que o declara. Esses fatos devem ter sua existência amplamente aceita para que possam ser validados. A descrição de um problema é relativa ao ator que o declara: o resultado de um jogo pode ser um problema para um ator, uma ameaça para um segundo, um êxito para um terceiro e uma oportunidade para um quarto. A descrição de um problema deve precisar seu significado e torná-lo verificável mediante os fatos que o evidenciam. A descrição de um Problema deve: 1) reunir suas distintas interpretações possíveis em um só significado; 2) precisar o que deve ser explicado: definir seu significado em termos de quantidade e de qualidade, de tempo e de localização; 3) evidenciar o problema de uma forma monitorável, isto é, que permita o acompanhamento de sua evolução; 4) permitir que sejam previstas ou definidas fontes de verificação para a descrição construída. Exemplos de descrição de Problemas (ver Figura 3.14.1): FIGURA 3.14.1: DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS

FONTE: elaborado pelo autor. 75


3.15. A Explicação da Situação-problema O conceito de diagnóstico aqui adotado está referido à forma como os atores participantes de um jogo social observam e, portanto, explicam a realidade em que estão inseridos. Toda explicação pressupõe reflexão. É ela que permite que o ator perceba possibilidades para transformar ou para manter uma dada situação. Para explicar um problema, é necessário fazer uma distinção entre: i) Causas (o problema se deve a); ii) Descrição (o problema se verifica através de); iii) Conseqüências (o problema produz um impacto em). As causas imediatas da decisão de um jogo são as jogadas (fluxos ou movimentos). Para produzir jogadas, é necessário capacidade de “produção” (acumulações ou potenciais que os jogadores possuem ou utilizam). Mas as jogadas válidas são aquelas permitidas pelas regras estabelecidas para cada jogo. Explicar uma situação ou um problema é construir um modelo explicativo de sua geração e de suas tendências. Devem-se precisar as causas diferenciando-as e indicando se são fluxos (jogadas), acumulações (capacidades ou incapacidades) ou regras. O modelo explicativo se completa quando as causas são inter-relacionadas.

3.16. A diversidade das Explicações Situacionais Uma mesma realidade pode dar margem a diversas explicações. A carga de subjetividade que anima o diagnóstico de situações implica em: 1) distintas respostas para uma mesma pergunta; 2) distintas perguntas sobre uma mesma situação (as perguntas relevantes são distintas para os distintos jogadores); 3) distinta seleção do foco de atenção sobre a realidade. Explicar uma realidade implica em distinguir entre explicações. Para explicar uma situação que me afeta preciso compreender a explicação do outro, incluindo o que o ele pensa sobre minha explicação. Quanto maior for a minha capacidade de entender a explicação do outro, maior será a probabilidade de êxito das minhas jogadas e de ser mais potente minha ação.

3.17. O Fluxograma Explicativo da Situação A visualização gráfica do resultado da aplicação da Metodologia de Diagnóstico de Situações é a mesma proposta por Matus (1993) para o seu 76


fluxograma explicativo situacional. O fluxograma é um mapa cognitivo que busca sintetizar a discussão realizada por uma equipe sobre uma determinada situaçãoproblema. A sua estruturação é baseada no estabelecimento de relações de causa e de efeito entre as variáveis que a conformam. Um fluxograma situacional, como aquele apresentado no início deste capítulo, referente à derrota do Palmeiras, deve permitir uma rápida interação entre a equipe que realiza o trabalho de análise de problemas e o tomador de decisões que a solicitou, porque: mostra, num golpe de vista. A elaboração de um modelo explicativo do problema por uma equipe faz com que ela construa uma síntese rigorosa, seletiva e precisa, com base em nós explicativos concisos e monitoráveis; facilita a permanente adaptação da explicação à mudança da situação; facilita a compreensão, restringindo a possibilidade de ambigüidades devido ao uso de uma simbologia simples e uniforme. A Figura 3.17.1 mostra um exemplo de fluxograma situacional elaborado por funcionários de um governo municipal com o objetivo de processar a situaçãoproblema enunciada inicialmente como: “os programas e ações da Prefeitura padecem de descontinuidade”. FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL

3.18. Seleção de Nós Críticos A GEP exige o compromisso de atuar sobre problemas e situações como algo preciso e operacional. De outra maneira, a reflexão como suporte à tomada de decisões não leva à ação efetiva nem se revela prática. 77


Um fluxograma bem feito deve responder às perguntas: como e onde atuar para mudar a descrição de um problema? A mudança provocada será suficiente para alcançar os objetivos perseguidos? Os “nós explicativos” de um fluxograma (encadeamento de causas ou cadeias causais da situação-problema) sobre os quais se pode atuar com eficácia prática, são denominados “Nós Críticos”.

3.18.1. Critérios para Seleção de Nós Críticos Os “Nós Críticos” devem cumprir simultaneamente as seguintes condições:  Ser centros práticos de ação, isto é, o ator que declara o problema pode atuar prática, efetiva e diretamente sobre eles sem precisar atuar sobre suas causas;  Ser nós explicativos que, se resolvidos ou “desatados”, terão alto impacto sobre o problema declarado;  Ser centros oportunos de ação política, ou seja, seu ataque deve ser politicamente viável durante o período definido pelo ator como relevante e a ação possui uma relação custo-benefício favorável. Para melhor precisar um Nó Crítico é preciso descrevê-lo de forma a torná-lo monitorável e restringir a ambigüidade possível nas interpretações a ele referidas. Com a seleção dos Nós Críticos de uma cadeia explicativa do problema (ou situação) o diagnóstico está concluído. Um último conceito importante da MDS é a árvore de problemas. Ela é formada pelo conjunto de Nós Críticos e o resultado do problema, e indica onde o

PROBLEMAS SELECIONADOS ator deve concentrar a atenção (ver FiguraCRÍTICOS 3.18.1). FIGURA 3.18.1: PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS PALMEIRAS COM PREPARO FÍSICO DEFICIENTE ATRASO NOS SALÁRIOS NO PALMEIRAS

3X0

JOGADORES DO PALMEIRAS DESMOTIVADOS

No nosso exemplo do jogo de futebol, a árvore de problemas se apresenta da seguinte forma. Para ver se você entendeu bem o conceito de Nó Crítico, observe 78


que o nó “poucas jogadas com oportunidade de gol” não é crítico (e, portanto, não pertence à árvore de problemas. A ação que pode resolver o problema ─ “treinar chutes a gol” ─ poderia melhorar a pontaria, mas, como o time permaneceria desmotivado e com má preparação, o resultado do jogo não mudaria. Os Nós Críticos escolhidos indicam os centros onde se deve dar a ação de gestão sobre a situação. A definição dessas ações é realizada através da aplicação da Metodologia de Planejamento se Situações, tratada no capítulo seguinte. Apresentamos a seguir, como ilustração, um exemplo real de Fluxograma Explicativo26 (ver Figura 3.18.2). Verifique se a escolha dos nós críticos (assinalados no fluxograma com NC) está de acordo com a sua opinião acerca da situaçãoproblema diagnosticada.

26

Elaborado por José Alexandre da Graça Bento e por Paulo Corrêa Luiz Ferroz durante o Curso Gestão Estratégica Pública, Campinas, Outubro de 2005.

79


FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO

80


CAPÍTULO IV: METODOLOGIA DE MODELIZAÇÃO 4. Introdução27 Este capítulo tem por finalidade apresentar uma metodologia apropriada para a análise de sistemas e para a construção de modelos. Seu emprego, no âmbito da Gestão Estratégica Pública se dá, fundamentalmente, para proceder à análise de sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de governo de modo a proceder à sua modelização e posterior tratamento por outras metodologias usualmente empregadas neste âmbito, como as apresentadas em outros capítulos. Este capítulo baseia-se extensamente em trabalhos desenvolvidos por Cláudio Porto e Sérgio Buarque, Michel Godet, Edgar Morin, Gilberto Gallopín e, antes deles, por Oscar Varsawsky.

4.1. Sistemas e enfoque sistêmico A Gestão Estratégica Pública requer o emprego da Metodologia de Modelização ou, mais simplesmente, do enfoque sistêmico (ou, como se indicará mais adiante, do pensamento complexo, que é outra expressão para designar mais ou menos a mesma coisa) por duas razões principais. Por um lado, porque a apreensão de uma política, ou do conjunto das organizações com a qual se relaciona, como um sistema passível de modelização, é um significativo facilitador. Por outro, porque a relação deste sistema ─ o ambiente de governo onde ocorrem as ações de gestão ─ com seu entorno mais amplo ─ o contexto socioeconômico ─, e mais ainda a sua dinamização mediante o exercício da análise prospectiva, também se vêem facilitadas com o emprego do enfoque sistêmico. De acordo com o enfoque sistêmico, as propriedades essenciais de um organismo, uma sociedade, ou outro sistema complexo, são propriedades do todo, que surgem das interações e relações entre suas partes. As propriedades das partes de um sistema, por sua vez, não são intrínsecas a elas mesmas, e só podem ser entendidas em relação a um contexto maior. Este enfoque não se concentra nas partes ou nos blocos de um edifício maior, mas em princípios básicos de organização. Ele é, por oposição, "contextual". 27

Este Capítulo é uma versão revista e ampliada do capítulo 4 do livro Dagnino, Renato e outros (2002): Gestão Estratégica da Inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté, Editora Cabral Universitária, 350 p.

81


O emprego do enfoque sistêmico implica em duas tarefas básicas. A primeira é a identificação dos componentes ou aspectos mais significativos do sistema e o entendimento das inter-relações causais mais importantes, que permitem avaliar o impacto de mudanças originadas num componente em outras partes do sistema e no sistema como um todo. A segunda tarefa é entender a dinâmica do sistema: além de entender a estrutura dos componentes e das relações, é essencial a análise das forças que geram o comportamento do sistema de modo a evidenciar a maneira como diferentes componentes e processos interagem funcionalmente gerando as respostas do sistema e dando origem a novas propriedades. Isto é, como o sistema se adapta e se transforma. Na

seção

intitulada

“Operadores

de

complexidade

e

Tetragrama

Organizacional” se oferece um detalhamento acerca de como se pode operacionalizar essas tarefas. Apesar do emprego crescente do enfoque sistêmico, ele não é a norma no ambiente da gestão pública. Isto embora já se possa depreender do dito acima que olhar para o todo e não somente para as partes, e com um estilo de abordagem interdisciplinar, seja crucial para dar conta da complexidade dos ambientes de governo e seja um requisito para a sua boa gestão.

4.2. O conceito de Sistema Avançando conceitualmente, é possível entender o sistema como uma porção de uma realidade qualquer concebida como um conjunto de elementos (aspectos ou componentes) relacionados. Estes elementos podem ser moléculas, organismos, máquinas ou partes deles/delas, entidades sociais, pessoas ou até mesmo conceitos abstratos. As inter-relações, ou "relações" entre os elementos podem ser de diferentes tipos (transações econômicas, fluxos de informação, energia, determinações causais de natureza política etc.). Como já foi mencionado, mas vale ressaltar, o comportamento e propriedades de um sistema não decorrem apenas das propriedades dos elementos que o compõem, mas sim, em grande medida, da natureza e intensidade das relações dinâmicas entre eles. Isto é particularmente verdade em sistemas sociais, que podem ser considerados a unidade básica envolvidas em processos complexos, como os atinentes ao governo de países ou o desenvolvimento de sociedades.

82


Um número infinito de sistemas pode ser definido a partir de uma dada porção da realidade, dependendo da perspectiva, objetivo, e experiência prévia do pesquisador. Cada um destes sistemas terá algum tipo de correspondência com o que "realmente” existe.

4.3. Sistemas simples e complexos Pode-se dizer que existem sistemas complexos (o que não quer dizer “complicados”) e sistemas simples. Um sistema é “simples” se pode ser adequadamente capturado mediante o emprego de uma única perspectiva ou um modelo analítico padrão que provê para ele uma descrição satisfatória (ou “solução geral”) através de operações rotineiras. Um exemplo é o sistema de uma mistura de gases, uma vez que o modelo de “gases ideais” oferece soluções satisfatórias quando se trata de prever o seu comportamento. Outro é o do movimento de um corpo submetido a uma força, que pode ser tratado pela Mecânica. Dizemos que um sistema é complexo quando não pode ser capturado satisfatoriamente através da aplicação de um modelo genérico, padrão, mediante operações rotineiras. Ele necessita para ser analisado e caracterizado através do emprego de duas ou mais perspectivas singulares irredutíveis.

4.4. Atributos dos sistemas complexos A definição de complexidade não é trivial. Existem diferentes concepções de complexidade, mas o que nos interessa enfatizar é que ela não é um resultado automático do aumento do número de elementos ou de relações de um sistema. Sistemas complexos geralmente exibem atributos que os fazem mais difíceis de entender e tratar do que sistemas simples. São eles: Multiplicidade de perspectivas de abordagem. Por exemplo, é difícil entender um sistema adaptativo sem considerar o seu contexto. Um exemplo trivial é um conflito, cuja resolução não pode ser alcançada sem levar em conta as perspectivas e interesses de diferentes atores (nenhuma delas devendo ser considerada ”correta” ou “verdadeira”). Não-linearidade. Muitas das relações entre os elementos de um sistema complexo são de tipo não-linear. Em conseqüência, a intensidade do efeito nem sempre é proporcional à magnitude das causas, e existe um amplo espectro de 83


comportamentos possíveis (por exemplo, comportamento caótico, multi-estabilidade devido à existência de steady states alternativos etc.). A não-linearidade costuma ser responsável por comportamentos de natureza contra-intuitiva, típicos de sistemas complexos. Propriedades inesperadas. Podem ser consideradas características de um sistema complexo o fato de que “o todo é mais que a soma de suas partes", de que as propriedades das partes só podem ser entendidas levando em consideração o todo (o contexto maior que as envolve) e que o todo não pode ser completamente percebido através da análise de suas partes. É por esta razão que propriedades realmente inesperadas podem emergir das interações entre os elementos de um sistema. Auto-organização. Refere-se ao fenômeno pelo qual os componentes de um sistema, ao interagir, cooperam para produzir estruturas e comportamentos coordenados, como os padrões criados por estruturas. Hierarquia de níveis. Muitos sistemas complexos são hierárquicos, no sentido que cada um de seus elementos é, em si, um subsistema. E que o próprio sistema é um subsistema de outro de maior ordem. Em muitos casos, há uma forte relação entre os diferentes níveis e, em conseqüência, a análise e gestão do sistema devem ser feitas simultaneamente em mais de um nível. Os diferentes níveis de um sistema complexo costumam ter diferentes tipos de interações, e diferentes velocidades de mudança, o que obriga a adoção de distintas perspectivas de análise. Incerteza irredutível. Existem muitas fontes de incerteza no comportamento de sistemas complexos. Algumas delas podem ser amenizadas através da coleta de dados e pesquisa, como a incerteza devido a processos aleatórios, que pode ser tratada através da análise probabilística, ou a falta de conhecimento devido à inadequada definição dos elementos do sistema, das relações entre eles ou dos seus limites. Outras fontes de incerteza, entretanto, não podem ser superadas, uma vez que decorrem da natureza não-linear dos processos que afetam o sistema (comportamento

caótico,

auto-organização,

sem falar nos comportamentos

propositados de diferentes atores sociais em busca do cumprimento de suas próprias metas).

84


Além disso, sistemas complexos “reflexivos”, como os relativos às interações humanas ou a organizações e instituições, podem “apreender” com a própria evolução produzindo novos padrões de resposta e novas relações. Neste tipo de sistemas, outra fonte “dura” de incerteza é a do “efeito Heisenberg”, em que a simples observação e análise se tornam parte da atividade do sistema, influenciando seu comportamento. Isto é bem conhecido nos sistemas sociais “reflexivos”,

em

que

ocorrem

fenômenos

como

“perigo

moral”,

profecias

autocumpridas e pânico de massa. Enquanto alguns dos atributos acima, típicos de sistemas complexos, podem ser encontrados em sistemas simples (como a não-linearidade e a incerteza) ou “complicados”, é provável que qualquer sistema complexo apresente um grande número desses atributos.

4.5. Sistema, contexto, e variáveis endógenas e exógenas O conceito de componente ou aspecto de um sistema pode ser tomado como primitivo.

A

palavra

"sistema"

evoca

um

conjunto

de

componentes

interconectados, como as peças de um mecanismo ou as partes de um organismo. Aos componentes de um sistema se associam atributos do modelo. A palavra "variável" designa um atributo do modelo associado a uma característica ou aspecto do sistema que possui vários valores possíveis; os quais podem variar no tempo. O comportamento de um sistema descreve-se ao longo do tempo mediante um conjunto de atributos, características, sintomas ou índices do modelo. Estas séries temporais se denominam "variáveis de estado" (ou, simplesmente, variáveis) porque seus valores em um tempo dado constituem por definição o estado do sistema neste momento. Um sistema pode ser entendido como uma “caixa preta” em que só se distinguem suas saídas (características que descrevem o que ele faz ou produz, o resultado de sua atividade) e entradas (fatores variáveis que tendem a influir sobre a saída). Não se analisa o interior da caixa: o mecanismo de funcionamento ou “teoria” de comportamento do sistema. Esta perspectiva é um tanto limitada, mas "entrada" e "saída" são conceitos importantes. Existem sistemas cuja correta definição, explicação, ou normatização (prescrição) não pode ser realizada sem a consideração do contexto no qual ele 85


está inserido. Isto porque sistemas deste tipo possuem relações de determinação do seu comportamento pelo seu contexto, tão fortes que tornam imprescindível a consideração de algumas de suas características. Quando se trabalha com um sistema deste tipo, é necessário incluir na sua modelização estas características do contexto que explicam essas relações. Estas características quando, através da modelização, se transformam em variáveis, são denominadas variáveis exógenas. As variáveis do modelo podem, então, ser de natureza endógena ─ quando correspondem a aspectos gerados internamente ao sistema ─ ou exógenas ─ aspectos gerados externamente ao sistema. Estas, embora correspondentes a características do contexto em que o sistema está inserido, e não ao sistema propriamente dito, são imprescindíveis para sua modelização. A caracterização destas variáveis (ademais, é claro, das de natureza endógena) permite, então, descrever, explicar, prescrever (momento prescritivo ou normativo) ou planejar ações a serem implementadas sobre sistemas que possuem fortes relações de determinação do seu comportamento pelo seu contexto. Um modelo compreende não apenas um conjunto de variáveis selecionadas por analogia às características de uma realidade delimitada (sistema), mas as relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que modeliza) que explicam a trajetória seguida pelo modelo, seja ela “natural” ou forçada por ações planejadas e implementadas. A Figura 4.5.1 abaixo mostra, no seu lado esquerdo, um sistema (S), objeto de interesse do ator, inserido num outro sistema maior, denominado ambiente ou contexto. O processo de modelização dá origem a um modelo do sistema (S’) indicado através de uma figura mais regular de maneira a sugerir as simplificações e reduções que o processo impõe. O modelo contém um número de variáveis muito inferior ao número de aspectos ou características do sistema. E o número de variáveis sobre as quais, mediante a escolha do planejador, será exercida alguma ação de gestão é ainda muito menor.

86


FIGURA 4.5.1: MODELIZAÇÃO Contexto

VEx

Modelização Sistema (S) VEn

S’

Sistema S

Modelo S’

Infinitos aspectos e desconhecidas relações de causa-efeito

Variáveis Endógenas (VEn) + Variáveis Exógenas (VEx) + Relações de causa-efeito inputadas

FONTE: elaborado pelo autor. Resumindo, um modelo compreende um conjunto de variáveis endógenas (cujo comportamento é determinado internamente ao sistema, em função de relações de causalidade a ele internas) e exógenas (cujo comportamento é determinado externamente ao sistema, em função de relações de causalidade que guardam com variáveis pertencentes ao contexto) selecionadas de uma realidade delimitada (sistema) e as relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que modeliza para planejar) que explicam a trajetória seguida pelo modelo, seja ela “natural” ou forçada por ações planejadas e implementadas.

4.6. Realidade, modelização e modelo Esta seção e as que seguem têm por objetivo apresentar procedimentos de modelização de sistemas através dos quais o enfoque sistêmico pode ser correntemente utilizado para o tratamento de realidades complexas e o acompanhamento de sua evolução ao longo do tempo. Para introduzir o conceito de modelização cabe ressaltar que a modelização de um sistema que é observado na realidade ocorre quase sempre de maneira implícita e quase inconsciente para atender a uma finalidade qualquer. Os historiadores fazem modelos de civilizações, países, épocas; os novelistas fazem modelos de grupos humanos imaginários. A anatomia, fisiologia e psicologia, mais o exame clínico, dão ao médico um modelo de seu paciente. As leis físicas são modelos que 87


funcionam como sugestões para entender as relações entre componentes dos sistemas físicos. O fato de que um menino tem um modelo de como funciona seu televisor, que é muito diferente do técnico que a construiu, ou de um físico teórico, ressalta a importância do "modelista" quando analisamos um modelo. Dependendo das experiências individuais, experiência social etc., do "modelista", um mesmo sistema pode ter diferentes modelos. E a sua própria experiência pode alterar o modelo construído por um mesmo “modelista”: o menino pode converter-se em engenheiro eletrônico... O uso dos modelos que mais nos interessa é o que consiste em extrair conclusões por analogia mediante a modelização de um sistema: qualquer coisa que o modelo sugira ou implique pode ─ e às vezes deve ─ ter seu análogo em relação ao sistema por ele representado. Mais do que isto, pretende-se que os modelos sirvam como instrumentos para a tomada de decisão e às vezes de predição quantitativa. Para isto, quanto mais confiável for a analogia melhor será o modelo. Um modelo pode servir também como um instrumento de descrição e explicação tentativa de uma situação quando um grupo inicia sua abordagem e encontra dificuldade em chegar a uma definição clara e unânime das idéias. O tipo mais imediato e comum de modelo de um sistema é o modelo mental. Ele contém o que sabemos e pensamos acerca do sistema a partir do momento em que o individualizamos e aprendemos a reconhecê-lo. Está formado por uma descrição do sistema ─ componentes e características que conseguimos diferenciar nele ─ e uma explicação ou teoria de seu funcionamento ─ relações causais (sempre hipotéticas) entre seus componentes ─ que nos permite acreditar que podemos predizer em algum grau seu comportamento. E, em alguma medida, controlá-lo. Esse modelo ou imagem mental vai sendo corrigido por tentativa e erro, por experiência própria ou comunicada, irracional ou científica de modo a sanar seus pontos fracos. Pode ocorrer, entretanto, que ele adquira uma rigidez quase total com o tempo em função de preconceitos e dogmas que se vão acumulando na mente do “modelista”. Os critérios com que se constroem esses modelos são: importância, conveniência, experiência e raciocínio lógico. A ordem depende da pessoa e da 88


situação ou problema, mas em geral o mais relevante é uma percepção acerca da importância dos múltiplos aspectos envolvidos, e menos freqüentemente, uma dedução lógica. Quando o “modelista” deseja comunicar seu modelo a alguém, ele tem que explicitar seu modelo mental. O que o obriga a tornar seu modelo mais estável e melhor definido. A relação entre uma representação mental e seu modelo explícito tem a ver com o conceito de "fidelidade". O modelo explícito dificilmente será fiel ao mental, posto que este inclui todos os fatores imaginados pelo “modelista”, com distintos pesos etc., e explicitá-los iria requerer um tempo enorme (durante o qual o modelo mental pode, inclusive, ser alterado). Como é necessário colocar limites ao processo de construção de um modelo, os modelos explícitos são sempre simplificações. Mas o modelo mental, por ser mais rico, é mais bem adaptado aos "métodos" de tipo intuitivo. A descrição ─ explicitação ─ de um modelo mental numa linguagem de uso comum origina um modelo verbal. Embora às vezes se tenda a menosprezar a importância dos modelos mentais, eles alcançaram um êxito considerável ao longo da historia humana. A partir de umas poucas frases sobre como cultivar o milho se obteve um modelo que foi suficiente para modificar o destino de muitos povos. As representações de modelos mentais por meio de objetos ou sistemas materiais, sejam eles artificiais ou naturais, são denominados modelos físicos. Uma experiência de laboratório costuma ser realizada com a ajuda de um modelo físico. Uma cobaia pode servir de modelo para um homem, para certos propósitos. Os modelos em escala, reduzida ou aumentada, possuem utilização generalizada. A complexidade passível de ser alcançada com modelos físicos costuma não ser suficiente para modelizar as relações sociais. O que obriga a utilização de modelos explícitos obtidos a partir de uma linguagem próxima à da matemática.

4.7. Formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis A modelização supõe uma preocupação com a escolha das variáveis que irão representar, através da construção do modelo, os aspectos da realidade a serem privilegiados (Que aspectos serão estudadas? Quais de suas características serão pesquisadas?). E, em seguida, com as relações entre os aspectos escolhidos da 89


realidade que serão buscadas (Que tipo de relações existem entre os aspectos? Que hipótese de relação causal entre as variáveis do modelo podem ser formuladas?). Uma

hipótese

de

relação

causal

afirma

que

determinado

aspecto,

característica, ocorrência ou variável (X) é um dos fatores que determinam o comportamento de outra variável (Y). O senso comum costuma postular que um único fenômeno (a causa) sempre provoca outro fenômeno (ou variável) único (a conseqüência ou efeito). O enfoque sistêmico (ou pensamento complexo) coloca a necessidade de pesquisar as condições que tornam provável a ocorrência de um determinado fenômeno a partir da análise de outros fenômenos (ou variáveis). O senso comum sugere que haja uma causa (condição) necessária e suficiente para cada fenômeno; o enfoque sistêmico procura as condições contribuintes, contingentes e alternativas dos fenômenos. A pesquisa das condições de ocorrência de um fenômeno ou, em outras palavras, a formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis, necessária para a modelização de um sistema, pode ser levada a efeito através de uma comparação entre a realidade observada e as seis possibilidades idealizadas a seguir apresentadas. Condição Necessária: para que Y ocorra é necessário que X tenha ocorrido; não é possível que ocorra Y sem que tenha ocorrido X. Exemplo: X (fulano usa drogas)  Y (fulano é viciado em drogas). Condição Suficiente: sempre que X ocorre Y ocorre. Exemplo: X (fulano tem o nervo ótico rompido)  (fulano é cego). Condição Necessária e Suficiente: não é possível que ocorra Y sem que tenha ocorrido X, e sempre que X ocorre, Y ocorre; Y e X sempre ocorrem conjuntamente. Exemplo: X (N é número primo)  Y (N é divisível apenas por 1 e por si próprio). Condição Contribuinte: X aumenta a probabilidade de ocorrência de Y. Exemplo: X (má distribuição de renda)  Y (alta mortalidade infantil) Condição Contingente: X(A)  Y: X, na contingência de A, aumenta a probabilidade de Y. Condição contingente (A) é aquela sob as quais X é causa contribuinte de Y. Uma variável que atua como condição contribuinte de um fenômeno sob uma determinada condição contingente, pode não fazê-lo sob outra.

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Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de saneamento básico)  Y (alta mortalidade infantil) Condição Alternativa: [X1,..., Xn](A)  Y: na contingência de A, X1, X2, ..., Xn aumentam a probabilidade de Y. Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de saneamento básico)  Y (alta mortalidade infantil); X1, X2,..., Xn (má distribuição de renda, alcoolismo, corrupção pública) e A (falta de saneamento básico)  Y (alta mortalidade infantil). Dada um sistema que se deseja descrever e explicar, e escolhidos os aspectos que serão transformadas em variáveis do modelo, a comparação dessas seis possibilidades com o que está sendo observado pode ajudar bastante na formulação de hipóteses sobre as relações de causalidade existentes entre as variáveis.

4.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional A proposta do pensamento complexo (ou do que acima nos referimos como enfoque sistêmico) está baseada no conceito de complexus: aquilo que é tecido em conjunto. Para tornar possível o entendimento da maneira como a realidade se autoorganiza, como se dá o processo que resulta em algo que é “tecido em conjunto”, o pensamento complexo propõe os conceitos de Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional. Eles são ferramentas especialmente adequadas para a concepção de modelos descritivos e explicativos de um sistema. São

três

os

operadores

de

complexidade:

Dialógico,

Recursivo

e

Hologramático. Esses operadores podem ser explicados como segue: - Dialógico: o entrelaçar coisas que aparentemente estão separadas (conceber o sistema por constelação e solidariedade de suas partes); - Recursivo: a causa produz um efeito, que por sua vez produz uma causa (produtos e efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que se produziu); - Hologramático: a parte está no todo, e o todo está na parte (conceber o sistema a partir do núcleo e nunca pelas fronteiras).

91


Tal como já enunciado na seção intitulada “Sistemas e enfoque sistêmico”, o pensamento complexo (ou o enfoque sistêmico) propõe uma série de procedimentos para a explicitação das características e propriedades de um sistema. Ela pode ser sintetizada de forma simples detalhando os procedimentos abarcados pelos três operadores de complexidade através de quatro recomendações: Juntar coisas que estavam separadas; Fazer circular o efeito sobre a causa; Não dissociar a parte do todo; Apreender a totalidade (o todo está na parte assim como a parte está no todo, a simples soma das partes não leva a esse total, a totalidade é mais do que a soma das partes e pode ser menos que a soma das partes, existem qualidades do sistema que emergem da interação entre as partes). Ainda com o objetivo de facilitar o entendimento da maneira como a realidade se auto-organiza, o pensamento complexo propõe o que denomina Tetragrama Organizacional. Partindo da idéia de que qualquer atividade de seres vivos envolve relações entre eles, se propõe a investigação de quatro características dos sistemas estudados:

Ordem

(regularidades);

Desordem

(emergências,

desavenças);

Interação (relações não previstas); Reorganização (para onde vai o sistema).

4.9. Estabilidade, Resistência, Resiliência e Análise de Sensibilidade Os sistemas, em sua estrutura e funcionamento, tendem a alcançar uma organização ajustada às condições impostas por forças controladoras externas. Mantendo-se essas condições, os sistemas permanecem em seu estado ajustado, de estabilidade. O estado de estabilidade não é indicador de equilíbrio estático: as forças controladoras podem variar em intensidade e freqüência e o sistema pode oferecer reações através de mecanismos que absorvem essas oscilações sem mudar as suas características internas. Quando isso ocorre, é porque essas reações levam a um equilíbrio dinâmico, conferindo estabilidade ao sistema. A estabilidade é, então, a capacidade que um sistema apresenta de manter (resistência) ou retornar (resiliência) às condições originais após um distúrbio provocado por forças externas de origem natural ou pela ação humana. A estabilidade é tanto maior quanto menor a flutuação que o sistema apresenta frente às forças externas (resistência), e maior a capacidade de recuperar a sua configuração anterior (resiliência). 92


Resistência ou inércia de um sistema é sua capacidade para permanecer sem ser afetado pelos distúrbios externos (forças controladoras). Resiliência de um sistema é a capacidade para retornar às condições originais após ser afetado pela ação de distúrbios externos. Da Física, sabemos que resiliência é a capacidade de um corpo recuperar sua forma e seu tamanho original após ser submetido a uma tensão (perturbação) que não ultrapasse o limite de sua elasticidade. Para quem se lembra da fábula de Esopo ─ O Carvalho e os Juncos ─ fica fácil entender os dois conceitos. A resistência é a qualidade do carvalho robusto e orgulhoso, que fazia pouco caso dos fracos juncos porque qualquer brisa os dobrava. A resiliência é a qualidade do junco, que depois do vendaval que arrancou o carvalho, voltou a ficar de pé. A resiliência é um indicador da persistência das relações internas do sistema, e reflete sua capacidade de absorver mudanças, cujos resultados levam a flutuações do estado final em torno das condições iniciais. Ela indica em que medida o sistema é capaz de manter sua estrutura e características; isto é, o quanto variam os valores que traduzem os atributos de seus elementos. A análise da resiliência de um sistema envolve a avaliação de quatro atributos: (1) elasticidade: rapidez com que o sistema retorna ao estado original; (2) amplitude: zona dentro da qual o sistema tem condições de se recuperar; (3) maleabilidade: grau em que o novo estado estável alcançado difere do original; (4) histerese: diferença relativa entre a trajetória que levou ao estado causado pela perturbação e a trajetória de recuperação, que conduziu o sistema ao novo estado estável. Como se pode ver, então, a estabilidade de um sistema depende de processos de ajuste interno e retroalimentação. É vital, por isso, distinguir processos que absorvem

alterações

(de

forma

passiva

ou

através

de

processos

de

retroalimentação) e mantêm o estado de estabilidade daqueles que levam à instabilidade. A análise de estabilidade (e de resiliência), incluindo intensidade dos distúrbios e tempo de reação, se completam com a análise da sensibilidade. A análise da sensibilidade de um sistema permite romper com a concepção tradicional de que sistemas pequenos podem ser modificados por forças e eventos

93


pequenos, enquanto os sistemas grandes e complicados só serão afetados pelos de grande magnitude. Um conceito-chave para a análise da sensibilidade de um sistema é o estado de criticalidade auto-organizada. Ele está relacionado a dois aspectos contraditórios, mas complementares, que determinam o comportamento do sistema: a) um sistema no estado crítico tende para eventos catastróficos; e b) o sistema, após alcançá-lo, tende a permanecer num estado estacionário auto-organizado. Quem já fez um castelo deixando escorrer entre os dedos a areia molhada lembra quando, depois de estar bem alto, um grãozinho a mais pode repentinamente fazê-lo desabar.

4.10. Análise Sistêmica e Dinamização O componente de futuro é inerente à Gestão Estratégica Pública. Esta seção trata desse componente focalizando o problema da dinamização de sistemas cuja configuração está fortemente determinada (exogenamente) pelo contexto no qual estão inseridos. A dinamização supõe que se conheça (ou se possa estimar) a relação existente entre o sistema e seu contexto no momento atual, e que se disponha de um cenário elaborado para o contexto (que envolve e determina o sistema) num momento futuro. Quando isso ocorre, o exercício prospectivo para conceber o estado futuro de um sistema deve ser abordado em duas etapas. A primeira imagina o estado futuro do sistema como resultante de um vetor que expressa a acumulação resultante da sua trajetória passada, da inércia (momentum) do sistema. A segunda etapa corresponde ao efeito do contexto sobre a trajetória do sistema. É como se o sistema fosse “carregado” para um futuro pelo seu contexto. Tal procedimento, semelhante à “composição de movimentos” que se faz para descrever a trajetória de um corpo submetido a duas forças quaisquer, pode se desdobrar em duas outras etapas: aquelas que correspondem ao exercício da vontade dos atores sobre o sistema e seu contexto no sentido de alterar a trajetória passada. Ela supõe um futuro significativamente distinto do passado, visto que está associado ao impacto que causa a estratégia política dos atores envolvidos com o sistema. Neste caso, não pode ser feita uma simples extrapolação do passado.

94


No que segue se apresenta, com o auxílio de rudimentos formais da linguagem matemática, o processo de dinamização referente à segunda etapa; isto é, supondo que o sistema se move apenas em função dos efeitos provocados pelo contexto. Este processo de dinamização do modelo (S’) de um sistema qualquer (S) inserido num contexto (C) que o determina de forma importante mediante uma relação conhecida (R), consiste em projetar o sistema a partir de um instante (t o) em que seu estado é conhecido (So), para um instante futuro qualquer (tf). A existência de um conjunto de variáveis interdependentes ligadas por relações de causalidade conhecidas pode ser indicado por: S = R [C] No momento atual, em que se analisa o sistema (e se processa sua modelização), tem-se que: So = Ro [Co] Supondo que a relação (R) que existe entre (S) e (C) não se altera ao longo do tempo, têm-se que: Ro = Rt = R, e, no momento (f) qualquer, St = R [Ct]. O que significa que, conhecidos: i) As características do sistema objeto de análise e do seu contexto no momento atual; ii) A relação existente entre o sistema e seu contexto no momento atual (supondo que a mesma não se altera ao longo do tempo); iii) O estado (ou configuração) do contexto num instante futuro qualquer; iv) É teoricamente possível determinar o estado (ou configuração) do sistema neste instante. A Figura 4.10.1 abaixo representa graficamente o processo de dinamização. Nela aparece, à esquerda, o sistema, seu contexto, e relações de causalidade ─ indicadas por setas ─ que a análise cuidadosa dos mesmos possibilitou, no momento atual.

FIGURA 4.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO 95


CENÁRIO NORMATIVO (S)

Contexto Modelo do Sistema (S)

CENÁRIO TENDENCIAL

to

tpr

FONTE: elaborado pelo autor. À direita, na parte de cima, temos o cenário normativo para um sistema mais abrangente (que por conter o sistema em análise é denominado contexto) ─ (Cf). Este cenário normativo, obtido através da metodologia de construção de cenários, é o que serve de “moldura” para a dinamização do sistema (S). Dado que se pode entender o exercício de elaboração do cenário normativo (Cf) como a operação de “levá-lo” para o futuro juntamente com o sistema que ele abarca (S), o estado deste no momento (tf). Ou seja, (Sf), pode ser conhecido (uma vez que as relações de causalidade entre o sistema e seu contexto se consideram invariáveis). Se o sistema e seu contexto podem ser aproximados pelos seus modelos (modelizados), tudo o que se disse até agora continua válido. Isto é: St = R [Ct]. O contexto (C), entretanto, não precisa ser modelizado, uma vez que de um modelo que eventualmente poder-se-ia dele fazer interessariam apenas aquelas variáveis que determinam (explicam) o estado do sistema, isto é as variáveis exógenas do modelo de (S), (S’). De tal forma que para conhecer (St) não é de fato necessário conhecer (Ct). Basta conhecer os valores assumidos pelas variáveis exógenas de seu modelo (S) no instante (t), (S’t). As suposições de que o estado futuro do sistema depende apenas do efeito do contexto sobre (como se o sistema fosse “carregado” para um futuro pelo seu contexto) e de que a relação entre (S) e (C) não se altera ao longo do tempo são evidentemente reducionistas e irrealistas. Não obstante, se pensadas como abordagens para tratar sistemas complexos que podem ser pouco a pouco 96


sofisticadas até dar conta da complexidade do fenômeno observado, elas podem ser de grande valia.

4.11. O caráter intrinsecamente normativo da modelização A modelização, que pode ser entendida como um processo de transformação de um sistema (caracterizado pelos atributos de complexidade, infinitos aspectos e relações de causalidade desconhecidas) em um modelo (caracterizado por atributos simétricos, de simplicidade, poucas variáveis e relações de causalidade imputadas), implica a concepção de uma teoria. A qual estará, inevitavelmente, influenciada pelos valores morais, interesses econômicos, crenças e visões de mundo do “modelista”. Baseada na idéia simples de que o modelo é construído para mostrar aquilo que o “modelista” quer ressaltar, se apresenta a seguir, utilizando o recurso da representação gráfica, o caráter intrinsecamente normativo da modelização (ver Figuras 4.11.1; 4.11.2; 4.11.3; 4.11.4; 4.11.5; 4.11.6; 4.11.7). FIGURA 4.11.1: MODELO 1

FIGURA 4.11.2: MODELO 2 97


FIGURA 4.11.3: MODELO 3

FIGURA 4.11.4: MODELO 4

98


FIGURA 4.11.5: MODELO 5

FIGURA 4.11.6: MODELO 6

FIGURA 4.11.7: MODELO 7 99


4.12. Modelização e Gestão Estratégica Pública A modelização é uma condição para o tratamento analítico de qualquer objeto em qualquer campo do conhecimento. Em especial, é condição para o exercício da Gestão Estratégica Pública. A modelização compreende a identificação das características (cujo número é, para efeitos práticos, infinito) do sistema que descrevem seu estado num dado instante (momento descritivo), que explicam sua trajetória (momento explicativo) e que permitem orientar sua trajetória ou características, mediante o exercício de uma ação sobre suas variáveis com maior poder de determinação, visando à alteração de seu estado numa direção desejada (momento prescritivo). A construção de um modelo é, então, um passo essencial para entender o funcionamento de um sistema (uma organização pública ou privada, uma política, um processo de governo etc.) e, desta forma, poder atuar sobre suas características (ver Figura 4.12.1). Na maioria das vezes em que se busca entender sistemas que tratam de relações envolvendo a sociedade, é impossível contar a com modelos preexistentes e muito menos com modelos de tipo quantitativo.

FIGURA 4.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAÇÃO 100


A figura mostra como apesar de termos construído equipamentos adequados para a observação do infinitamente grande, as estrelas (telescópio), e do infinitamente pequeno, as células (microscópio), ainda não temos ferramentas para analisar o infinitamente complexo, as relações entre a sociedade e a natureza (“macroscópio”). Essa ferramenta é a modelização.

Freqüentemente, trabalhar sobre um sistema com o objetivo de simplesmente descrevê-lo, ou explicar seu funcionamento e mais ainda quando se pretende planejar, implica em previamente em construir um modelo. E isto começa com produzir uma lista de características do sistema que irão dar origem, depois de “filtradas” às variáveis qualitativas (quantificáveis ou não) do modelo. Existe uma infinidade de maneiras de construir modelos, de complexidade, finalidade, formalização do resultado etc., distintas. Todas elas iniciam com o levantamento das principais características do sistema e o seu ambiente tendo em vista não apenas descrever e explicar o sistema (modelizar), mas identificar o potencial de impacto do contexto sobre a trajetória futura do sistema. Duas destas maneiras ou metodologias, que podem ser consideradas como extremos de um amplo espectro ─ “Metodologia de Diagnóstico de Situações” e “Metodologia de Análise de Políticas” ─ são particularmente úteis para reunir a informação acerca das características e relações que, do ponto de vista analítico, compõem um sistema de interesse para a Gestão Estratégica Pública e possibilitar a modelização. A primeira metodologia, de aplicação relativamente fácil e imediata, pode ser usada em praticamente qualquer situação em que um sistema possa ser descrito por uma lista de característica. A segunda, de aplicação mais difícil e demorada, mas que oferece resultados muito mais sofisticados, é utilizada quando o objeto de 101


análise possui alto grau de complexidade; como é o caso de uma organização, uma política ou processo em que estão envolvidos atores com interesses distintos e quando a presença do Estado é importante. A importância da modelização para a Gestão Estratégica Pública pode ser avaliada pelo processo de diferenciação em relação à gestão tradicional que lhe dá origem. Nesse processo, a gestão tradicional é caracterizada como sendo voluntarista; com metas rigidamente definidas; pouca preocupação com o contexto e pela suposição de que o futuro é decorrência direta das ações a serem implementadas. Por oposição, a Gestão Estratégica Pública é entendida como caracterizada pela utilização de modelos descritivos, explicativos, normativos e institucionais; por metas, objetivos, dependentes do contexto; pela suposição de que o futuro é um cenário a ser modelizado e construído em função do interesse dos atores envolvidos. Segundo o enfoque da Gestão Estratégica Pública, a “boa” Gestão depende muito fortemente da qualidade do modelo descritivo-explicativo construído a partir do qual ela será concebida e implementada; isto é, da relevância das variáveis escolhidas e da fidedignidade das relações de causalidade imputadas. E, adicionalmente, da seleção das variáveis do modelo sobre as quais serão exercidas as ações relativas à gestão. Essa preocupação com a modelização decorre da constatação de que o insucesso de uma política, embora, obviamente, só se materialize quando ela é implementada, possui suas causas associadas ao momento da formulação da política. Ou seja, de que a maioria das falhas (ou déficits) de implementação decorre de uma modelização imperfeita: de um modelo descritivo ou explicativo falhos ou da escolha de variáveis que não eram sensíveis à ação da política formulada. De fato, por mais que possam estar asseguradas as condições para a implementação perfeita, uma política mal formulada (apoiada num modelo descritivo pouco coerente com a realidade, num modelo normativo irrealista, ou numa agenda bloqueada por atores dominantes) jamais poderá ser bem implementada. A Figura 4.12.2 que segue mostra ciclo de um processo típico de modelização. Vale destacar a importância que possui o os momento da escolha do marco analítico-conceitual para a análise da realidade, que serve de referência para o conjunto dos demais momentos. 102


FIGURA 4.12.2: CICLO DA MODELIZAÇÃO

FONTE: elaborado pelo autor. É freqüente que gestores, quando indagados acerca das razões do insucesso de uma política ou de uma ação qualquer de gestão, indiquem a existência de falhas de implementação, apontando que faltou financiamento, tempo, poder político, coordenação, autoridade ou cooperação entre as agências. Dificilmente serão apontadas falhas de formulação. Isso é, que houve deficiências associadas ao modelo descritivo (uma “fotografia” fidedigna da situação atual), ao modelo explicativo (um “filme” plausível que mostrasse as causas que levaram à situação atual e as variáveis sobre as quais elas atuaram), ao modelo normativo (um cenário futuro desejável com cena de chegada e trajetória cuja construção podia ser viabilizada tendo em vista a força política do ator) ou ao modelo institucional (conjunto de instituições, legislação, recursos etc., compatível com o modelo normativo) (ver Figura 4.12.3). FIGURA 4.12.3: MODELIZAÇÃO E OS MOMENTOS DESCRITIVO E NORMATIVO

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momento descritivoexplicativo

momento normativo

modelo descritivoexplicativo

modelo normativo

a POLÍTICA atua sobre um número pequeno de variáveis do modelo (ou aspectos do sistema)

e, para conseguir o efeito desejado, concebe instituições (modelo institucional)

Um último aspecto a ser ressaltado sobre a importância da modelização para a Gestão Estratégica Pública é o relativo ao acompanhamento da trajetória que segue o sistema quando submetido a uma ação de gestão. Uma representação gráfica como a que segue (ver Figura 4.12.4) pode ajudar a entender de forma simples a idéia de que a trajetória de um sistema pode ser entendida como uma composição de três vetores que devem ser investigados em separado: “natural”, “de arrasto” (pelo contexto) e “forçado” por ações de gestão ou de política pública formuladas e implementadas. FIGURA 4.12.4: TRAJETÓRIA DE UM SISTEMA

“arrasto”

“natural”

política “forçado”

4.13. Exemplos de modelização 104


Para seguir tratando a relação entre sistema e modelo, vamos apresentar três exemplos. O primeiro é o Sistema “Secretaria de Obras uma Prefeitura”, tratado tendo por objetivo analisar a questão de recursos, por exemplo. A figura a seguir mostra a sua representação possível. Ela indica os três tipos de variáveis escolhidas através da modelização do sistema para relacioná-lo com seus contextos (sistemas de maior abrangência) considerados relevantes para descrevê-lo (ver Figura 4.13.1). FIGURA 4.13.1: VARIÁVEIS ESCOLHIDAS 

Endóge na s : Geradas Inte rnamente ao Si stem a

Exógenas: Ge ra d a s Extern am en te ao Sis te ma (e i ntern amente ao Contex to )

Variáveis ( VS = [ VI , VE] )

 Var iáveis  Var á i veis

do am bient e do am bient e

 Var iáveis endógenas

Pr ef eit ur a socio - econom .

da Secr et ar ia

Si s te m a : Se cre tari a d e um a Prefe it u ra São elas: - As geradas internamente à Secretaria, como a capacitação de seu pessoal para acompanhar e avaliar projetos, capacidade habilidade para captar de recursos públicos e privados, habilidade para obter o apoio de outras secretarias, do Gabinete e de diferentes atores políticos e da opinião pública às ações da Secretaria;  As pertencentes ao ambiente Prefeitura, como disponibilidade orçamentária, demandas de outras secretarias ou do Gabinete, atendimento às normas internas e dispositivos legais que regulam a execução de obras públicas, disponibilidade de outras secretarias em apoiar as ações da Secretaria, definição de atribuições e responsabilidades da Secretaria;  As pertencentes ao entorno socioeconômico, como demandas da população pelo serviço prestado pela Secretaria, imagem da Secretaria junto a atores 105


políticos que controlam recursos (econômicos, políticos, midiáticos) da opinião pública. A apresentação dos outros dois exemplos é realizada de modo distinto uma vez que é nosso objetivo introduzir mais alguns conceitos úteis para a modelização. Inicialmente se caracterizam os sistemas que originam os dois modelos e, a seguir, se vai introduzindo os conceitos cuja utilização se sugere. O primeiro desses dois sistemas se refere a uma política de controle de natalidade. Trata-se de elaborar uma política demográfica, e mais especificamente, de controle de natalidade, em um país. Alguns indicadores ou variáveis de saída do modelo são indiscutíveis; tamanho da população ao longo do tempo, bens necessários para consumo, demanda de mão-de-obra e equipamento para produzilos e necessidade de financiamento externo resultante. Em segunda aproximação, o grau de desagregação dessas variáveis: pirâmides de população por regiões, sexo e talvez outros critérios (como grupos sociais ou nível de ingresso); níveis de qualificação da mão-de-obra; setores produtivos etc. O segundo sistema, bem mais simples, e tomado justamente com o objetivo de realizar um contraste entre situações-problema de tipo físico e social, se refere à velocidade de escape de um foguete. Trata-se de calcular com que velocidade deve lançar-se verticalmente um satélite artificial de uma dada forma para que possa escapar à atração do planeta sem consumo de energia ulterior. Neste caso existe uma única variável de saída: altura máxima alcançada. Existem três tipos de variáveis que influem diretamente sobre os valores das variáveis de saída.  Controles São variáveis de tipo instrumental, associadas às decisões que se pretende tomar ou às políticas que poderiam ser formuladas para atacar a situação em análise. Seus valores durante o período em estudo irão variar em decorrência delas. Elas são de tipo exógeno, embora às vezes não pareçam, dado que seus valores dependem do que está ocorrendo na realidade (no sistema). No primeiro exemplo, os controles poderiam ser o gasto em campanhas sanitárias ou de controle de natalidade, planos de desenvolvimento regional e setorial, política fiscal, salarial, de introdução de novas tecnologias etc. No segundo exemplo, o controle é a velocidade inicial. 106


 Variáveis exógenas Exemplos de variáveis que dependem das condições de contorno, que influem sobre o sistema, mas não são influenciadas por ele nem controláveis pelo ator que modeliza, são, no primeiro exemplo, avanços na tecnologia de saúde e saneamento ou de produção, disponibilidade de recursos naturais, preços internacionais, exportações. No segundo exemplo, propriedades da atmosfera, massa e raio do planeta, que podem ser considerados também como parâmetros.  Variáveis endógenas As variáveis endógenas podem ser entendidas, por exclusão, como todas as demais variáveis necessárias para calcular a saída do modelo, incluindo as próprias variáveis de saída. Seus valores são calculados em função das exógenas, dos controles e valores anteriores delas mesmas e indicam o estado do sistema. Quando se trata de analisar o comportamento do sistema ao longo do tempo, os valores iniciais dessas variáveis são imputados pelo ator que modeliza. No primeiro exemplo, são variáveis endógenas, ademais das de saída, a oferta de recursos humanos de distintos tipos, número de nascimentos, mortes, casamentos etc., importações, dívida externa, capacidade ociosa da economia etc. No segundo exemplo, a posição, velocidade e aceleração do satélite artificial; forças de atração gravitacional e de atrito atmosférico. As hipóteses sobre o mecanismo causal do sistema indicam explicitamente como calcular a saída em função das demais variáveis endógenas, exógenas e controles. Dados os valores da entrada (os controles, variáveis exógenas e valores iniciais das variáveis endógenas ou de estado) chega-se aos valores das variáveis de saída por uma sucessão de passos intermediários; cada um destes é uma relação ou conexão (lei natural ou simples hipótese) entre várias variáveis, que permite calcular algumas delas, conhecidas as demais. Esta conexão pode ser uma definição, explícita ou implícita (por exemplo, uma identidade que se usa para calcular um término em função de outro). No caso do primeiro exemplo, o número de nascimentos se obtém somando o resultado da multiplicação da população feminina de cada idade e região por seu respectivo coeficiente de natalidade; e o número dos que completam 20 anos num

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dado ano são as que completaram 19 anos no ano anterior menos os que morreram durante o período. No segundo exemplo, a velocidade é a derivada da posição com respeito ao tempo. A conexão entre as várias variáveis, que permite calcular algumas delas, conhecidas as demais, pode ser também uma lei ou hipótese causal (equação de comportamento). Neste caso, algumas das variáveis funcionam como fatores independentes ─ causas ─ e outras são definidas como dependendo causalmente daquelas. Cada uma destas hipóteses inclui todos os fatores que possuem uma influência significativa (dado um certo grau de precisão) e os que não aparecem explicitamente costumam estar implícitos nos valores dos parâmetros. A linguagem usada tem que ser capaz de representar estas influências e conexões da maneira mais fiel possível, não se limitando às formas funcionais usualmente empregadas na matemática. As variáveis qualitativas exigem o uso de procedimentos em geral mais complicados e trabalhosos, como tabelas de correspondências. No primeiro exemplo, o coeficiente de natalidade depende da educação, nível de renda, do gasto em campanhas de controle de natalidade. As migrações dependem do estado dos mercados de trabalho. O consumo depende do nível de renda, dos preços etc. É importante destacar que cada relação destas implica a aceitação de uma teoria de comportamento das variáveis e, em ultima instância, do funcionamento da realidade observada. No segundo exemplo, a força gravitacional é função da altura (lei de Newton). A força de atrito como o ar é uma função da velocidade e forma do satélite artificial e das propriedades da atmosfera à altura em que ele se encontra. As leis ou conexões entre as várias variáveis costumam incluir coeficientes, expoentes e outros parâmetros cujos valores devem ser conhecidos e que em geral são constantes. São análogos às variáveis exógenas, mas seu significado é dado pelas das relações em que figuram. Por isto, não têm conteúdo empírico independente, a menos que se tornem muito familiares (como a produtividade). No primeiro exemplo, os parâmetros podem ser: coeficientes de deserção e repetição, elasticidades de consumo, coeficientes marginais de capital. No segundo

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exemplo: constante gravitacional, parâmetros que definem a forma do satélite artificial. Sobre as conexões causais, três observações bem conhecidas e já comentadas merecem ser relembradas. Causalidade não implica determinismo: as conexões podem conter variáveis aleatórias, de modo que só determinam certos parâmetros estatísticos da saída. A concatenação de várias relações causais pode fazer com que A apareça como causa de B, e B como causa de A. Isto não implica numa contradição, pois as influências estão separadas no tempo: A(t) influi sobre B(t), mas B(t) sobre A(t+1). Como vimos, é aconselhável não empregar a linguagem causal e sim a estatística: A e B estão correlacionados. Mas se o modelo que criamos, para calcular B, se baseia no valor observado de A, a diferença é puramente terminológica.

4.14. Considerações Finais A complexidade dos contextos e sistemas com que se trabalha ao modelizar aspectos dos ambientes onde se realiza a Gestão Estratégica Pública, sua incerteza irredutível e sua capacidade de auto-organização, sugerem que não se tente formular receitas e regras rígidas para orientar as tarefas de modelização. Entretanto, é possível indicar alguns balizamentos gerais como os que se apresentam a seguir. O primeiro, e de certa forma contraditório, é de que nem toda a pesquisa acerca de uma realidade sobre a qual se pretende atuar deve adotar uma abordagem sistêmica. Há muitos casos, por exemplo, em que as relações entre o sistema e o contexto podem ser ignoradas. É uma tarefa e uma responsabilidade do gestor avaliar até que ponto a natureza sistêmica, e a relação entre seu objeto de análise e a realidade mais ampla, podem ser negligenciadas de modo seguro. Vale ressaltar que essa consideração deve estar submetida a um fundamento estritamente descritivo-explicativo e, portanto, não deve basear-se em critérios normativos (valores sociais ou preferências ideológicas). Nesse sentido, é importante lembrar que um gestor deve considerar a probabilidade de cometer um erro associado à rejeição de uma hipótese falsa; a

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ausência de prova de que algo é necessário não é o mesmo que a prova da ausência de que algo é necessário. Não se deve aumentar além do imprescindível o número de variáveis ou relações necessário para explicar um dado sistema (porção da realidade). Uma prática útil é definir o sistema dentro do qual se concebe o problema a ser investigado e, em seguida, procurar as relações pertinentes com o seu contexto imediato. Isto é, examinar “de dentro para fora” como o problema está relacionado com outros problemas, variáveis, assuntos ou sistemas, em termos temporais e espaciais. Só a partir daí, se as relações puderem ser desprezadas, poder-se-á ignorar de forma segura o contexto. Na caracterização de um problema ou sistema e sua possível evolução, é necessário incluir todas as variáveis e relações que se considere importantes, mesmo aquelas que não possam ser quantificadas. Isto porque se elas não forem incluídas na definição inicial do problema será pouco provável ou muito difícil que elas possam ser consideradas na análise subseqüente. É melhor conceber uma explicação aproximada e precária para um problema complexo na sua totalidade do que uma precisa, mas que dê conta de apenas um de seus componentes isolados. Ao abordar um assunto ou problema, é necessário distinguir claramente entre considerações relativas ao conhecimento em si (incluindo as ignorâncias e incertezas de tipo científico) e as de natureza política (que compreendem os valores sociais). É necessário, portanto, assegurar o envolvimento dos tomadores de decisão, os formuladores da política, desde a caracterização inicial do problema. É conveniente considerar variáveis e relações que expliquem não apenas a trajetória histórica observada do sistema, mas sim um espectro mais amplo de possibilidades de comportamento, que contemple mudanças estruturais, incertezas e surpresas. E, ademais, avaliar as respostas possíveis do sistema a políticas e ações humanas. Finalmente, e para chamar a atenção de uma forma talvez mais eficaz do que a até aqui empregada, para algumas questões importantes referentes à aplicação da metodologia aqui apresentada, vamos fazer referência a três passagens da obra do admirável Jorge Luis Borges.

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A primeira, refere-se ao modo como se deve proceder à identificação de aspectos de uma dada realidade que se afiguram como bons candidatos a variáveis de um modelo. Ou, de forma mais genérica, a como se deve proceder para construir uma taxonomia. Citando uma certa enciclopédia chinesa, diz Borges (1979) que “...os animais se dividem em: a) pertencentes ao Imperador; b) embalsamados; c) domados; d) leitõezinhos; e) sereias; f) fabulosos; g) vira-latas; h) incluídos na presente classificação; i) histéricos; j) inumeráveis; k) pintados com pincel muito fino, de pelo de camelo; l) et Cetera; m) que acabam de quebrar a bilha; n) que de longe parecem moscas''. A segunda passagem refere-se ao grau de detalhe com o qual devemos analisar a realidade observada a fim de modelizá-la. A esse respeito, lembramos o que Borges (1960) nos conta sobre um Reino da antiguidade em que a Arte da Cartografia havia alcançado tal perfeição que o mapa de uma província ocupava toda uma cidade, o mapa do Reino uma província. Com o tempo, conta ele “esses Mapas Desmesurados não satisfaziam mais e o Colégio de Cartógrafos elaborou um mapa do Reino que tinha o tamanho do próprio Reino e coincidia pontualmente com ele.“ A situação equivalente a de um cartógrafo perfeccionista que termina desenhando um mapa em escala 1:1, “perfeito”, mas totalmente inútil, é equivalente a de um gestor que constrói um modelo de uma dada realidade tão complexo e “pesado” que não pode ser operado.

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A terceira passagem nos permite adicionar mais um elemento a esta aidemémoire. Relativo também ao grau de detalhe, abstração e generalização que devemos adotar para analisar a realidade que pretendemos modelizar, ele se refere ademais à dimensão temporal envolvida no processo de modelização. Em “Funes el memorioso”, Borges (1979) nos conta de um gaúcho do final do século XIX que uma queda de cavalo havia deixado mentalmente perturbado: “Funes não apenas era incapaz de compreender que o símbolo genérico cão abarcava tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversa forma; perturbava-lhe que o cão das 3:14 horas (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das 3:04 horas (visto de frente). Sua própria face no espelho, suas próprias mãos, surpreendiam-no cada vez.” Funes “não apenas recordava cada folha de cada árvore de cada monte, mas também cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado.” “Resolveu reduzir cada uma de suas jornadas pretéritas a umas setenta mil lembranças, que definiria logo por cifras. Dissuadiram-no duas considerações: a consciência de que a tarefa era interminável, a consciência de que era inútil. Pensou que na hora da morte não haveria acabado ainda de classificar todas as lembranças da infância”.

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CAPÍTULO V: METODOLOGIA DE PLANEJAMENTO DE SITUAÇÕES 5. Introdução28 Este capítulo sintetiza os elementos e conceitos da Metodologia de Planejamento de Situações (MPS) necessários para apoiar o trabalho a ser desenvolvido pelos alunos. Retomando a analogia náutica que traçamos no capítulo anterior, ela corresponderia às ações que o gestor (velejador) teria que tomar para, utilizando a informação proporcionada pela MDS (bússola) e aproveitando a governabilidade propiciada pelas condições do contexto político e sócio-econômico (vento, maré etc.), engendrar situações que permitam atingir seu objetivo (alcançar um ponto da costa o mais próximo possível daquele que havia inicialmente programado). A MPS se baseia nos resultados alcançados com a aplicação da MDS apresentada no capítulo anterior. Em especial, no fluxograma explicativo da situação. É sobre esta base que o trabalho de análise e de planejamento de situações tem início. Reflexões suscitadas em outras disciplinas são também essenciais, com também o são no caso da MDS, para colocar a “carne” no processo de aplicação da MPS. São elas que irão complementar e criar melhores condições para a formulação de ações, a fixação de recursos a utilizar e de resultados a atingir. Da mesma forma que a MDS se dedica a elucidar os momentos descritivo e explicativo do tratamento de uma situação-problema, a MPS o faz em relação ao momento normativo.

5.1. Uma visão preliminar do resultado Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MPS pode ser obtida retomando exemplo mostrado no capítulo anterior, da derrota do Palmeiras frente ao Corinthians. Depois de terem selecionados os Nós Críticos e elaborada a árvore de problemas, os jogadores formularam, para cada Nó Crítico, ações para atacá-los. Eles chegaram à seguinte formulação (ver Figura 5.1.1).

28

Este texto é uma adaptação do capítulo sobre a Metodologia de Planejamento de Situações de Dagnino e outros (2002).

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FIGURA 5.1.1: AÇÕES A2.1. Realizar 2 próximas partidas com Palmeiras B A2.2. implementar programa intensivo de preparação

A1.1. renegociar pagamentos atrasados A1.2. buscar fontes alternativas de recursos

PALMEIRAS COM PREPARO FÍSICO DEFICIENTE

ATRASO NOS SALÁRIOS NO PALMEIRAS

3X0

JOGADORES DO PALMEIRAS DESMOTIVADOS

A3.1. convencer Daniela Ciccarelli para atuar como madrinha e motivadora A3.2 contratar assessoria psicológica A3.3 substituir jogadores mais desmotivados por jovens dispostos

Em seguida, os jogadores definiram para cada ação de cada um dos três nós crítico, os atores envolvidos. Eles chegaram, então, aos resultados mostrados abaixo (ver Figura 5.1.2; 5.1.3; 5.1.4), que são o ponto de partida para o detalhamento das ações seguintes da MPS. FIGURA 5.1.2: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO A1.1. renegociar os SALÁRIOS atrasados atores envolvidos

ATRASO NOS SALÁRIOS NO PALMEIRAS

- comissão de jogadores - patrocinador do Palmeiras - presidente do Palmeiras - agência que detém os direitos de transmissão de TV A1.2. buscar fontes alternativas de recursos atores envolvidos - empresa de marketing contratada - chefes de torcidas organizadas - presidente da CBF - presidente do Palmeiras - patrocinador do Palmeiras

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FIGURA 5.1.3: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO A2.1. postergar os próximos jogos

atores envolvidos - presidente da CBF - presidente do primeiro clube adversário - presidente Do segundo clube adversário - agência que detenha os direitos de transmissão de TV - presidente do Palmeiras

PALMEIRAS COM MÁ PREPARAÇÃO FÍSICA

A2.2. implementar programa intensivo de preparação

atores envolvidos - técnico do Palmeiras - preparador físico - jogadores

FIGURA 5.1.4: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO A3.1. convencer uma modelo a atuar como madrinha da equipe

atores envolvidos -

PALMEIRAS POUCO MOTIVADO

empresa de marketing contratada pelo Palmeiras representante da modelo chefes de torcida organizada presidente da CBF presidente do Palmeiras patrocinador do Palmeiras

A3.2 contratar assessoria psicológica atores envolvidos - presidente do Palmeiras - patrocinador do Palmeiras - técnico do Palmeiras A3.3 substituir jogadores mais desmotivados por jovens motivados atores envolvidos

- técnico do Palmeiras - patrocinador do Palmeiras

5.2. Planejar por Situações-Problema O dirigente público necessita capacitar-se para jogar o jogo social e institucional. O que significa “jogar bem”? Jogar bem depende de quatro capacidades (habilidades e conhecimentos) para o tratamento de problemas em âmbito público: i) Explicar a situação-problema que afeta uma instituição; ii) Formular propostas de ação para resolver problemas sob incerteza; iii) Conceber estratégias que levem em conta outros atores e eventuais mudanças de contexto; iv) Atuar no momento oportuno e com eficácia, recalculando e completando um Plano de Ação.

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Explicar a situação em que uma instituição ou um ator está ou pretende estar envolvido foi o assunto tratado pela Metodologia de Diagnóstico de Situações. A Metodologia de Planejamento de Situações proporciona conceitos para os outros três pontos acima indicados, a partir de uma estrutura lógica que centra a ação de governo na resolução de problemas. A decisão de buscar soluções para um problema identificado permite: i)

Administrar o problema em um espaço menor;

ii)

Enfrentá-lo no espaço originalmente declarado;

iii) Dissolvê-lo em um espaço maior. A seguir, apresentamos um exemplo relacionado ao aumento do número de crimes cometidos por adolescentes (ver Quadro 5.2.1). QUADRO 5.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES Espaço Problema Ação: Ação sobre os adolescentes Administrar o problema num infratores. espaço menor. Espaço: Punição a delitos. Ação: Ampliação da cobertura da Enfrentar o problema no espaço assistência a crianças e a originalmente declarado. adolescentes. Espaço: Prevenção dos delitos. Ação: Reforma do Sistema Dissolver o problema num Educacional espaço maior. Espaço: Garantia de direitos básicos que tenderá a evitar delitos. A escolha entre estes três tipos de ação vai definir a estratégia geral, os contornos e a abrangência dos resultados que serão obtidos mediante a implementação de um conjunto de operações consignado num Plano de Ação. As principais categorias analíticas aqui adotadas, tais como ator social, ação ou momento no processo de planejamento, são definidas em função do conceito de situação-problema. O dirigente público, ao atuar em contextos sujeitos à constante mudança, pode ser representado como um ator que se movimenta num jogo social. Todo ator social pode desempenhar um papel de protagonista e não de simples observador, mas para isto precisa compreender a realidade em transformação. Como foi destacado anteriormente, cada "realidade" será percebida de modo distinto dependendo do ponto de observação (valores, interesses, experiências prévias etc.) do ator que planeja (ou, simplesmente, observa). Uma mesma 116


realidade pode ser percebida de modo diferente dependendo de como está situado um observador específico; quais são seus interesses e seus objetivos. Dessa forma, a análise de uma determinada situação é uma apreciação da realidade que enfrenta um determinado ator a partir da sua visão. A explicação situacional resultante é auto-referenciada, isto é, ela é condicionada pelo ponto de vista do ator. E, por isto, influenciado pelo tipo de inserção na realidade que possui o ator que planeja. Uma explicação formulada por um ator social sobre um aspecto da realidade pode ser verificada ou refutada apenas em função da maior ou menor capacidade de sua cadeia de argumentos em sustentar seus questionamentos. Portanto, sempre haverá mais de uma visão acerca da realidade e os ideais de objetividade e as distinções entre verdadeiro e falso perdem força no trabalho do analista e na reflexão voltada para a ação que caracteriza a GEP. Apresentamos a seguir um esquema (ver Figura 5.2.1) que sintetiza a metodologia de planejamento baseado na análise de situações-problema que é a que adotamos como eixo de nossa proposta de GEP. Figura 01 - Esquema Geral para Planejamento Estratégico

FIGURA 5.2.1: ESQUEMA GERAL PARA PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO Confiabilidade:

Ator que planeja

- Conhecimento - Qualidade do Projeto - Capacidade de Coordenação

Resultados

Plano: Meios, Tempo, Gente, Ações.

Situação Objetivo

Contexto: - Variáveis - Surpresas

- Outros jogadores

Situação Inicial

Estratégia Táticas

Situação Objetivo

FONTE: Matus, (1994).

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Na situação-inicial, o ator declara sua insatisfação sobre uma dada realidade em um determinado momento e, por isto, tem demandas a viabilizar, necessidades a satisfazer e problemas a resolver. Esse ator constrói uma explicação que serve de base para a definição fundamentada de uma situação-objetivo. Ela envolve a explicitação de um conjunto de resultados que se espera atingir ao final de um determinado tempo e que resolverão os problemas iniciais formulados ou atenderão as demandas e as necessidades identificadas. O plano é uma construção que implica em uma estratégia e um conjunto de táticas a implementar. E demanda gente em condições de realizar e de coordenar as ações a serem executadas. As operações são os módulos de ação previstos em um plano. Planejar implica ainda em identificar e disponibilizar os meios necessários para a ação, os diversos recursos necessários, poder político, conhecimento, capacidades organizativas, equipamentos e tecnologia e também, mas nem sempre, recursos econômico-financeiros. O esquema destaca a confiabilidade do plano elaborado e o contexto em que ele será desenvolvido como elementos essenciais para a obtenção dos resultados desejados. Nesse sentido, um plano só se completa na ação e este agir implica em permanente avaliação e revisão do que foi planejado. Para obter Confiabilidade é necessário verificar a todo o momento a qualidade da proposta, a sua consistência e fundamentação, e garantir a boa coordenação da formulação e da implementação. O monitoramento das alterações que se verificam na situação-problema e o acompanhamento do contexto em que ela se insere são fundamentais, já que atingir uma determinada situação-objetivo não depende apenas da vontade de ator que planeja. Sobre suas ações e sobre os resultados que serão obtidos influenciam mudanças no contexto, a ocorrência de surpresas e, principalmente, os planos e as ações de outros atores sociais.

5.3. Operações As operações podem ser entendidas como os grandes passos (conjunto de ações) ou como o conjunto de condições que deve ser criado para a viabilização do plano. São elaboradas como a solução de cada Nó-Crítico identificado num fluxograma explicativo. Solução a ser alcançada no âmbito deste problema no prazo do plano. O conjunto deve ser suficiente para assegurar o cumprimento do plano. 118


i) As Operações podem também ser entendidas como atos lingüísticos enunciados no espaço das declarações de compromissos visando à mudança da realidade. Sua formulação deve iniciar por “Comprometo-me a ... (fazer algo) “. As Operações podem ser:Bem-estruturadas (operações de resolução normalizada, sem deliberação); ii) De risco calculado (operações com uma probabilidade precisa de êxito); iii) Apostas operacionais (operações quase-estruturadas sob incerteza). Um compromisso visando à ação deve ser diferenciado de: i) Uma recomendação (seria bom que...); ii) Um critério (deve-se....); iii) Um enunciado de um objetivo (devemos alcançar....); iv) Uma proposta de política (enunciado geral); v) Uma declaração de prioridade. Cada uma das operações formuladas para enfrentar uma situação-problema determinada deve ser detalhada para viabilizar sua implementação. A seguir são apresentados os principais componentes deste detalhamento.

5.4. Matriz Operacional A Matriz Operacional detalha o conjunto de procedimentos através do qual devem ser atingidos os resultados esperados nas operações. Cada ação poderá ser dividida em atividades que, por sua vez, podem ser detalhadas em tarefas, dependendo da complexidade da operação ou da ação e das características do cenário que pretende construir o ator que planeja. De qualquer forma, o enunciado das ações, das atividades e/ou das tarefas na matriz operacional deve vir acompanhado pelos respectivos produtos, resultados esperados, datas (início/fim), responsáveis, apoios e recursos necessários.

5.5. Ações, Atividades, Tarefas São as unidades de implementação de um plano. Seu detalhamento deve ser feito até o nível necessário para uma compreensão clara da operacionalização de um plano ou projeto. Se for necessário, até mesmo as tarefas podem ser subdivididas de acordo com o interesse ou a necessidade do ator que planeja.

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O detalhamento das tarefas deve ser refeito periodicamente, em função das necessidades. A somatória das ações e tarefas, verificáveis em forma de produtos, devem garantir que se alcance os resultados.

5.6. Resultados São os impactos sobre as manifestações concretas do problema que está sendo atacado (avaliado pelos seus descritores); a mudança na realidade observada. A definição dos resultados possibilita uma avaliação do plano, assim como a condução precisa das ações no sentido da estratégia geral.

5.7. Produtos São parâmetros concretos ─ quantidade, qualidade, tempo e lugar ─ que auxiliam na execução das atividades planejadas. Se os produtos estão sendo obtidos e os problemas identificados persistem é porque os resultados esperados não estão ocorrendo. Há então necessidade de rever as operações e as ações projetadas.

5.8. Recursos Recurso é tudo aquilo que um ator pode mobilizar para viabilizar a consecução dos seus objetivos. A execução de um plano implica no gerenciamento de múltiplos recursos escassos. Para o processo de planejamento que aqui propomos, é necessário trabalhar com um conceito bastante amplo de recurso. O Quadro 5.8.1 abaixo indica os recursos que podem ser utilizados para a viabilização de ações planejadas. QUADRO 5.8.1: VIABILIZAÇÃO DE AÇÕES PLANEJADAS Recursos: Capacidades: cognitivos para formar opinião políticos para gerar legislação ou regulamentações para agenciar pessoas e organizações financeiros para gerenciar ou coordenar processos de organizacionais trabalho para gerar capacidade de mobilização pessoal capacitado ou tempo FONTE: elaborado pelo autor.

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Para cada ação prevista, devem-se detalhar quais recursos de diferentes tipos serão necessários, ajustar a utilização dos recursos à sua disponibilidade, especificar os custos para cada ação/tarefa. A partir desta informação será possível uma alocação realista dos recursos. Torna-se fundamental avaliar em que medida as atividades previstas em um plano necessitam consumir os diferentes tipos de recursos para avaliar sua eficiência.

5.9. Prazos O tempo talvez seja o recurso mais escasso com os quais lidam os dirigentes públicos e os seus planos de governo. A determinação dos prazos das operações e das ações marca a trajetória do plano, com os pré-requisitos, as concomitâncias, os intervalos ou os pontos pré-determinados de confluência (datas simbólicas etc.). A indicação de prazos é indispensável para o acompanhamento e a avaliação do plano e indica o compromisso do responsável com a execução das ações. Os prazos referem-se à data limite para a finalização da ação (para ser mais preciso, o intervalo entre o início e o fim da ação).

5.10. Responsáveis São os coordenadores e os articuladores de tarefas a serem desenvolvidas no plano. As responsabilidades devem ser nominais ou no mínimo por função, evitando a diluição de responsabilidades (“quando todos são responsáveis por tudo, ninguém é responsável por nada”). É também importante distinguir entre o responsável (pessoa que está comprometida diretamente com a realização da ação) e eventuais apoios (pessoas que contribuem para a realização da ação).

5.11. Etapas para a formulação de um Plano de Ação O Quadro 5.11.1 abaixo resume os elementos fundamentais para formulação de um plano:

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QUADRO 5.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO  Identificação do ator que planeja;  Descrição da situação-problema onde se quer atuar;  Problemas precisos a enfrentar;  Objetivos bem definidos;  Identificação de interessados e de beneficiários;  Nome do plano (aspecto comunicacional);  Principais ações a realizar, trajetória, encadeamento;  Definição de responsáveis, rede de ajuda e parceiros;  Previsão de recursos necessários, produtos e resultados esperados;  Indicação do prazo de maturação dos resultados;  Indicadores para verificação do andamento dos trabalhos, produtos, uso de recursos, contexto e resultados;  Clareza como atuar em relação a aliados e a oponentes;  Clareza como atuar em relação a mudanças no contexto;  Previsão de procedimentos para acompanhamento das ações, cobrança e prestação de contas;  Previsão de procedimentos para avaliação e para revisão durante a execução do que foi planejado. FONTE: elaborado pelo autor. Como complemento, a partir da análise do balanço entre apoios e oposições previsíveis a um plano de ação formulado, cabe identificar um tipo especial de operação a ser planejada. Trata-se de um tipo de operação que apresenta um caráter mais político do que operacional. Aquele que tem como objetivo construir viabilidade para a implementação de um projeto através do apoio ou da contraposição à resistência percebida. Esta modalidade de análise estratégica leva em conta o estudo de motivações e de interesses de atores envolvidos com os problemas que a equipe dirigente pretende enfrentar.

5.12. Gestão do Plano O plano só se completa na ação, nunca antes. E a ação de governo freqüentemente exige adaptações de último momento que completam e viabilizam o plano. Essas adaptações são uma forma de improvisação necessária e quase inexorável. A questão consiste, no momento da ação, se o domínio será de improvisação sobre o plano ou do plano sobre a improvisação. Não obstante, há que reconhecer que as equipes dirigentes podem escolher os problemas, formular seus planos para solucioná-los e o momento de fazê-lo, mas não podem escolher as circunstâncias do contexto em que deverão agir. 122


5.13. Atuar sob incerteza O plano formulado mediante simples cálculo determinista inviabiliza, no limite, a avaliação do seu cumprimento e do compromisso com as responsabilidades assumidas. Isso porque é impossível valorar o significado dos resultados frente a metas previstas se são verificadas mudanças significativas no contexto em que ele deve ser implementado. O contexto do plano é um conjunto de condições fora do controle do ator que planeja. Ele influencia o desenvolvimento e os resultados finais do plano. Surpresas sempre ocorrem e podem gerar alto impacto sobre o plano e os resultados esperados. Planejar sob incerteza significa, então: i) Não congelar o cálculo sobre o futuro; refazê-lo constantemente; ii) Utilizar recursos de cálculo como previsão, reação rápida diante da mudança imprevista, aprendizado com o passado recente; iii) Trabalhar com diferentes cenários, com visões alternativas sobre o futuro; iv) Estar preparado para enfrentar surpresas; v) Dispor de sistema de manejo de crises; vi) Afastar a incerteza evitável mediante ações preventivas. O exercício do planejamento significa enfrentar as incertezas e as dificuldades impostas pela realidade, alcançando os objetivos a que o plano se propõe. Todos os cálculos realizados quando da elaboração do plano precisam ser refeitos permanentemente a partir da análise sobre: i) Desenvolvimento dos fatos concretos; ii) Evolução do plano; iii) Avanço da elaboração individual e coletiva na instituição.

5.14. Focos de Debilidade de um Plano Concluindo a apresentação da MPS, se apresenta um conjunto de pontos (uma check list) para a verificação da qualidade de um plano de ação. São preocupações enunciadas de forma negativa que se considera importantes para o planejamento e acompanhamento das operações, avaliação e replanejamento de um plano de ação: 123


 Seleção de problemas inadequada ou desfocada;  Compreensão precária sobre a situação problemática a ser enfrentada: diagnóstico de situações mal formulado;  Má qualidade do projeto de ação elaborado;  Projeção mal formulada para resultados esperados;  Despreparo ou não previsão para ocorrência de surpresas ou mudanças no contexto;  Deficiente análise estratégica;  Suposições gerenciais otimistas.

5.15. Componentes de um sistema de Gestão Estratégica Pública Para o ator que planeja, a informação é o meio que lhe permite conhecer a realidade na qual atua e verificar o resultado causado por sua ação. Disso depende sua capacidade para alterar oportunamente suas decisões, quando as metas alcançadas se distanciam das propostas. Sem informação oportuna, confiável e relevante não se identificam bem os problemas, não se pode atacá-los a tempo e posterga-se a ação corretiva. O que condiciona a eficácia das operações levando a que os resultados previstos não sejam alcançados. O monitoramento, na GEP, responde a este princípio elementar: não se pode atuar com eficácia se os dirigentes não conhecem de maneira contínua, e o mais objetiva possível, os sinais vitais do governo que lideram e das situações sobre as quais intervêm. Um sistema de informação casuístico, parcial, assistemático, atrasado, inseguro e sobrecarregado de dados primários irrelevantes é um aparato sensorial defeituoso que limita severamente a capacidade de uma equipe dirigente de se sintonizar com as situações que busca enfrentar, de identificar os problemas atuais e potenciais, de avaliar os resultados de sua ação e de corrigir oportunamente os desvios com relação aos objetivos traçados. São três os componentes que devem constituir um sistema de GEP que garanta um acompanhamento e um processamento adequado dos fluxos de informação que alimentam as decisões de uma equipe dirigente: 1 - Sistema de Constituição da Agenda: no qual se decide o uso do tempo e o foco de atenção dos dirigentes, o que, em síntese, constitui o menu de decisões.

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Nesse sistema, o fluxo contínuo de informações estabelece a luta entre a improvisação e o planejamento. 2 - Sistema de Cobrança e Prestação de Contas: em que se torna efetiva a responsabilidade de cada membro da unidade organizacional sobre as missões assumidas como compromissos. Com este sistema, conforma-se um processo de trabalho com base na responsabilidade. Ele não pode ser estruturado sem que informações confiáveis e oportunas estejam disponíveis. 3 - Sistema de Gestão Operacional: onde é viabilizada a ação diária num processo em que se enfrentam a rotina e a criatividade. Na gestão predomina a ação sujeita a diretrizes, mas elas devem deixar um amplo campo à criatividade, à iniciativa e à inovação. Esses três Sistemas e alguns de seus subsistemas necessários para a criação de uma estrutura que garanta a efetividade da GEP, como os de Gestão de Crises e de Comunicação Governamental, são objeto de outros trabalhos sobre o tema.

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CAPÍTULO VI: METODOLOGIA DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

6. Introdução Este capítulo se orienta a sistematizar a contribuição de autores que buscam melhorar a maneira como se desenvolve o processo de elaboração de políticas no âmbito do Estado contemporâneo. Desta forma, pretende possibilitar aos profissionais ali situados, e interessados em construir alternativas aos cursos de ação tradicionais, um conjunto de conceitos, modelos e métodos de análise apropriados à gestão pública. Ele pode ser entendido como um auxílio metodológico para a pesquisa de situações ─ políticas, organizações, processos etc. ─ relevantes do ponto de vista da Gestão Estratégica Pública; um arsenal para tratar essas situações ou sistemas complexos e possibilitar a construção de modelos descritivos, explicativos, normativos e institucionais apropriados. Neste sentido, este capítulo complementa outros conteúdos e metodologias (de modelização, de diagnóstico de situações, de planejamento de situações) abordados no Curso. A metodologia de que trata este capítulo, é de aplicação mais complexa e demorada, mas oferece resultados extremamente relevantes para o entendimento dos ambientes de governo e para a elaboração de políticas públicas. Sua estrutura segue muito de perto a proposta feita por um livro bem conhecido (HAM e HILL, 1993), que pode ser usado para aprofundar os temas aqui tratados e guiar o processo de consulta à bibliografia sobre Análise de Política. O público-alvo desse livro é os profissionais de formação variada (engenheiros, médicos, administradores, economistas etc.) que atuam no setor público ou privado lidando com temas, de natureza também muito distinta, relacionados a áreas onde é importante a presença do Estado na produção (ou sua regulação) de bens e serviços para a população (energia, saúde, educação, transporte etc.). Este capítulo trata quase que exclusivamente da análise do processo de elaboração de políticas. Seu propósito, tal como acima indicado, é proporcionar ao gestor, cujo foco é a implementação das políticas públicas, uma visão compreensiva e um entendimento mais “politizado” do processo mais abrangente, da elaboração da política, que abarca os três grandes momentos da Formulação, Implementação e Avaliação. O capítulo está, portanto, orientado a capacitar o gestor enquanto analista da política pública; atividade, esta,

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considerada essencial para o seu adequado desempenho como responsável pela Gestão Estratégica Pública na implementação, acompanhamento, avaliação e crítica de políticas. Embora seu foco não seja na Formulação da política, é por isto que só na seção 6.8 é abordado o tema da elaboração de políticas enquanto “arte e técnica de governo”. Assim, só nesta seção é que se discorre sobre os procedimentos que devem ser realizados, da metodologia que deve ser utilizada, e dos cuidados que devem ser tomados para formular políticas que possam ser implementadas de maneira adequada e para que elas sejam implementadas de forma a alcançar os objetivos e os impactos visados. Este tema, entretanto, não será abordado em detalhe. Mais do que os demais, ele tem sido tratado de forma exaustiva por muitos autores. Não obstante, o conteúdo apresentado nas seções que precedem a 6.8 constitui-se num subsídio tão importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar e também avaliar) políticas públicas, que se espera de um profissional situado no interior do aparelho de Estado, que omiti-las seria algo assim como esperar que alguém que nunca pisou numa cozinha possa fazer um bom bolo apenas com uma receita (por melhor que ela seja). Em outras palavras, seria aceitar a proposição tecnocrática de que a elaboração de política pública pode ser encarada como a simples operacionalização de um conjunto de normas, procedimentos e passos de um manual. A seção 6.10 é uma espécie de resumo das anteriores (com exceção seção 6.8) e pode ser usada como um guia para a Análise de Políticas. A intenção deste capítulo é, então, construir uma ponte entre as metodologias de planejamento usualmente adotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têm sido insistentemente apontada, e conteúdos relacionados aos aspectos políticos da elaboração de políticas.

6.1. Explorando o conceito de Análise de Política Antes de qualquer coisa, um lembrete: A Análise de Políticas não necessariamente implica numa identificação do analista com os objetivos daqueles que controlam o processo político. A subversão do status quo demanda, talvez mais do que sua preservação, o seu correto entendimento. Esta extensa seção procura dar conta da complexidade do conceito de Análise de Política introduzindo o leitor, simultaneamente, à bibliografia produzida pelos principais

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autores que se dedicam a este campo e à forma como se vão estabelecendo (e alterando) os demais conceitos com ele relacionados. 6.1.1. O conceito de política Easton (1953:130) nos diz que “uma política (policy) é uma teia de decisões que aloca valor”. Mais especificamente, Jenkins (1978:15) vê política como um ”conjunto de decisões inter-relacionadas, relacionado à seleção de metas e aos meios para alcançá-las, dentro de uma situação especificada”. Segundo Heclo (1972:84-85), o conceito de política (policy) não é “auto-evidente”. Ele sugere que “uma política pode ser considerada como um curso de ação ou inação (ou “não-ação”), mais do que como decisões ou ações específicas”. Wildavsky (1979:387) lembra que o termo política é usado para referir-se a um processo de tomada de decisões, mas, também, ao produto desse processo. Ham e Hill (1993:13) analisam as “implicações do fato de que a política envolve antes um curso de ação ou uma teia de decisões que uma decisão”, destacando aspectos como:  Há uma rede de decisões de considerável complexidade;  Há uma série de decisões que, tomadas em seu conjunto, compreende o que é a política;  Políticas mudam com o passar do tempo e, em conseqüência, precisar o término de uma política é uma tarefa difícil;  O estudo de políticas deve deter-se, também, no exame de “não-decisões”. Os autores colocam, ainda, que o estudo de não-decisões tem adquirido importância crescente nos últimos anos. Uma forma de resumir as características do conceito é dada por três elementos:  Uma teia de decisões e ações que alocam (implementam) valores;  Uma instância que, uma vez articulada, vai conformando o contexto no qual uma sucessão de decisões futuras serão tomadas;  Algo que envolve uma teia de decisões ou o desenvolvimento de ações ao longo do tempo, mais do que uma decisão única localizada no tempo. Ao trabalhar com Análise de Políticas há que levar em conta que o termo política pode ser empregado de muitas maneiras. Por exemplo, para designar: i) Campo de atividade ou envolvimento governamental (social, econômica), embora com limites nem sempre definidos; ii) Objetivo ou situação desejada (estabilidade econômica); 128


iii) Propósito específico (inflação zero) em geral relacionado a outros de menor ou maior ordem; iv) Decisões do governo frente a situações emergenciais; v) Autorização formal (diploma legal), ainda que sem viabilidade de implementação; vi) Programa (“pacote” envolvendo leis, organizações, recursos); vii) Resultado (o que é obtido na realidade e não os propósitos anunciados ou legalmente autorizados); viii) Impacto (diferente de resultado esperado); ix) Teoria ou modelo que busca explicar a relação entre ações e resultados; x) Processo (os nove acima são “fotos” é necessário um “filme”: enfoque processual). As definições e os cuidados que se deve tomar mostram que na Análise de Política há levar em conta que  Os political aspects (aspectos políticos) são inerentes ao processo de elaboração de políticas (tradução para o termo em inglês policy process);  E que a política envolve uma teia de decisões e o desenvolvimento de ações no tempo, mais do que uma decisão isolada. Para resumir pode-se criar um “decálogo” como o que segue que nos lembra que para entender o conceito de política, sempre entendido na sua acepção de policy ou política pública, é necessário ter presente: i) A distinção entre política e decisão: a política é gerada por uma série de interações entre decisões mais ou menos conscientes de diversos atores sociais (e não somente dos tomadores de decisão); ii) A distinção entre política e administração; iii) Que política envolve tanto intenções quanto comportamentos; iv) Tanto ação como não-ação, podendo assumir, inclusive o caráter de política simbólica; isto é, que uma política cujo objetivo é mais gerar um impacto político favorável para quem a formula do que ser implementada de fato; v) Que a política pode determinar impactos não esperados; vi) Que seus propósitos podem ser definidos ex post: racionalização; vii) Que ela é um processo que se estabelece ao longo do tempo; viii. Que envolve relações intra e inter organizações; ix) Que é estabelecida no âmbito governamental, mas envolve múltiplos atores x) Que é definida subjetivamente segundo as visões conceituais adotadas. 129


6.1.2. O conceito de Análise de Política Embora várias definições tenham sido cunhadas por autores que se têm dedicado ao tema, pode-se iniciar dizendo que a Análise de Políticas pode ser considerada como um conjunto de conhecimentos proporcionado por diversas disciplinas das ciências humanas utilizados para buscar resolver ou analisar problemas concretos em política (policy) pública (BARDACH, 1998). Para Wildavsky (1979:15), a Análise de Política recorre a contribuições de uma série de disciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e conseqüências da ação do governo, em particular, ao voltar sua atenção ao processo de formulação de política. Ele considera, ademais, que Análise de Política é uma sub-área aplicada, cujo conteúdo não pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por uma abordagem que pareça apropriada às circunstâncias do tempo e à natureza do problema. Segundo Lasswell (1951:3), essa abordagem vai além das especializações existentes. Segundo Dye (1976:1), fazer “Análise de Política é descobrir o que os governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz”. Para ele, Análise de Política é a descrição e explicação das causas e conseqüências da ação do governo. Numa primeira leitura, essa definição parece descrever o objeto da Ciência Política, tanto quanto o da Análise de Política. No entanto, ao procurar explicar as causas e conseqüências da ação governamental, os cientistas políticos têm-se concentrado nas instituições e nas estruturas de governo, só há pouco se registrando um deslocamento para um enfoque comportamental. Ham e Hill (1993:5) ressaltam que “recentemente a política pública tornou-se um objeto importante para os cientistas políticos. O que distingue a Análise de Política do que se produz em Ciência Política é a preocupação com o que o governo faz”. O escopo da Análise de Política, porém, vai muito além dos estudos e decisões dos analistas, porque a política pública pode influenciar a vida de todos os afetados por problemas das esferas pública (policy) e política (politics), dado que os processos e resultados de políticas sempre envolvem a vários grupos sociais. E, também, porque as políticas públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que têm no aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão. A Análise de Política engloba um grande espectro de atividades, todas elas envolvidas de uma maneira ou de outra com o exame das causas e conseqüências da ação governamental. Assim, uma definição correntemente aceita sugere que a Análise de 130


Política tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de política (policy makers) e como objetivo auxiliar o seu equacionamento através do emprego de criatividade, imaginação e habilidade.

6.1.3. O surgimento da Análise de Política como campo acadêmico Ham e Hill (1993) apontam que a preocupação com as políticas públicas, que dá origem ao surgimento da Análise de Política, acentua-se no início da década de 1960 e tem origem em duas vertentes de interesse:  As dificuldades porque passavam os formuladores de política frente à complexidade cada vez maior dos problemas com que se deparavam, fato que os levou paulatinamente a buscar ajuda para construção de alternativas e propostas para soluções;  E a atenção de pesquisadores acadêmicos em ciências sociais (Ciência Política, economia, sociologia) que progressivamente passaram a trabalhar com questões relacionadas às políticas públicas e procuraram construir e aplicar conhecimentos à resolução de problemas concretos do setor público. Foi, assim, a escala dos problemas com que, nos anos de 1960, deparavam-se os governos das sociedades ocidentais industrializadas o que levou a um crescente interesse pela Análise de Política. Por outro lado, a dificuldade de tratar problemas fez com que pesquisadores acadêmicos, sobretudo da área de ciências sociais, se interessassem, progressivamente, por questões relacionadas às políticas públicas e procurassem aplicar seus conhecimentos na sua elucidação. Ao longo dos anos, surgiram programas e cursos universitários,

novas

disciplinas

e

publicações

acadêmicas

sobre

o

tema.

Simultaneamente, agências de governos dos países avançados começaram a empregar analistas de políticas e a adotar novas práticas, como a análise de custo e benefício, o orçamento por programa e a análise de impacto. Em alguns círculos, a Análise de Política nasce como área de pesquisa, contrapondose à administração pública. Não obstante, o formato inicial dos cursos (nos EUA, nos anos de 1960) a ela dedicados (focalizados na análise organizacional, métodos quantitativos etc.) não enfatizavam com propriedade a questão dos valores, intrínseca à Análise de Política. Em outros círculos, a Análise de Política se estabelece por diferenciação/exclusão em relação ao de Ciência Política, determinando uma inflexão no seu enfoque, concentrado na

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análise das organizações e estruturas de governo. Isto é, deslocando o foco da análise do institucional para o comportamental. Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sido realizadas por cientistas sociais, o que é novo é a escala em que elas passam a ocorrer a partir dos anos de 1970, e o ambiente mais receptivo que passa a existir por parte dos governos. De fato, pesquisadores, como Keynes e Marx, já se tinham interessado por questões inerentes à atuação do governo e às políticas públicas. Esse movimento recente, entretanto, caracterizou-se por oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas atinentes aos cursos de Ciência Política, que tomaram por modelo áreas da administração pública ou deram excessiva ênfase a métodos quantitativos combinados à análise organizacional. Segundo alguns os pesquisadores que fundam o campo, a “policy orientation” é o que distingue a Análise de Política da administração pública. Seu caráter normativo (no sentido de explicitamente portador de valores) revela uma preocupação acerca de como as idéias que emergem da análise podem ser aplicadas no sentido de alavancar um projeto social alternativo. Neste caso, a melhoria do processo político através das políticas públicas que promovam a democratização do processo decisório é assumida como um viés normativo. Mas segundo eles a Análise de Política é também problem-oriented, o que demanda e suscita a interdisciplinaridade. A Análise de Política caracteriza-se, assim, pela sua orientação aplicada, socialmente relevante, multidisciplinar, integradora e direcionada à solução de problemas, além da sua natureza ao mesmo tempo descritiva e normativa. Nos anos de 1980, o debate Estado vs. mercado, privatização, e a consideração da incapacidade do Estado para resolver os problemas sociais, levaram à utilização de técnicas de administração desenvolvidas no setor privado. A subestimação das dificuldades relacionadas à implementação de políticas é um traço marcante da postura da administração.

6.1.4. Uma tipologia da Análise de Política: a tensão entre descritivo e o prescritivo Sobre a tensão entre descritivo e o prescritivo, Ham e Hill (1993) classificam os estudos de Análise Política (abordagens, perspectivas) em duas grandes categorias: 1) A análise que tem como objetivo desenvolver conhecimentos sobre o processo de elaboração políticas (formulação, implementação e avaliação) em si mesmo ─ estudos

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sobre as características das políticas e o processo de elaboração de políticas ─ que revelam, portanto, uma orientação predominantemente descritiva; 2) E a análise voltada a apoiar os fazedores de política, agregando conhecimento ao processo de elaboração de políticas, envolvendo-se diretamente na tomada de decisões, revelando assim um caráter mais prescritivo ou propositivo. Já Dye (1976) se refere ao tema dizendo que a Análise de Política tem um papel importante na ampliação do conhecimento da ação do governo e pode ajudar os “fazedores de política” (policy makers, no original) a melhorar a qualidade das políticas públicas. Com isso, ele corrobora a visão de outros autores, como Lasswell (1951) e Dror (1971), segundo a qual, a Análise de Política é tanto descritiva, quanto prescritiva. Na visão de Wildavsky (1979:17) “o papel da Análise de Política é encontrar problemas onde soluções podem ser tentadas”, ou seja, “o analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possível alguma melhoria”. Portanto, a Análise de Política está preocupada tanto com o planejamento como com a política (politics). Assim, dois termos que podem ser encontrados reiteradamente na literatura anglosaxã são: i) Analysis of policy, referindo à atividade acadêmica visando, basicamente, ao melhor entendimento do processo político; ii) Analysis for policy, referindo à atividade aplicada voltada à solução de problemas sociais. A Figura 6.1.4.1 que segue, que aparece em Hogwood e Gunn (1981 e 1984), e está baseada, por sua vez, em Gordon, Lewis e Young (1977), propõe uma tipologia da Análise de Política que abrange um amplo espectro. Ele vai desde os estudos descritivos - “análise do conteúdo da política” ─ até os francamente normativos ─ “defesa de políticas”. FIGURA 6.1.4.1: TIPOLOGIA DA ANÁLISE DE POLÍTICAS Estudo do conteúdo da política

Estudo do Estudo dos processo de resultados elaboração da política de política

Avaliação

Informação Defesa de para a processos formulação de políticas Analista como ator político

Estudos de política (Conhecimento do processo de elaboração de políticas)

Defesa de políticas

Ator político como analista

Análise de políticas (Conhecimento no processo de elaboração de políticas)

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FONTE: Hogwood e Gunn, (1981 e 1984). Essa tipologia distingue sete tipos de Análise Política e esclarece muitos dos termos usados correntemente na área: i) Estudo do conteúdo das políticas (study of policy content), no qual os analistas procuram descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento de políticas, isto é, determinar como elas surgiram, como foram implementadas e quais os seus resultados; ii) Estudo do processo das políticas (study of policy process): nele, os analistas dirigem a atenção para os estágios pelos quais passam questões e avaliam a influência de diferentes fatores, sobretudo na formulação das políticas; iii) Estudo do resultado das políticas (study of policy output), no qual os analistas procuram explicar como os gastos e serviços variam em diferentes áreas, razão por que tomam as políticas como variáveis dependentes e tentam compreendê-las em termos de fatores sociais, econômicos, tecnológicos e outros29; iv) Estudo de avaliação (evaluation study), no qual se procura identificar o impacto que as políticas têm sobre a população30; v) Informação para elaboração de políticas (information por policy making): neste caso, o governo e os analistas acadêmicos organizam os dados para auxiliar a elaboração de políticas e a tomada de decisões; vi) Defesa de processos (process advocacy): os analistas procuram melhorar os sistemas de elaboração de políticas e a máquina de governo, mediante a realocação de funções, tarefas e enfoques para avaliação de opções; vii) Defesa de políticas (policy advocacy), atividade exercida por intermédio de grupos de pressão, em defesa de idéias ou opções específicas no processo de políticas.

6.1.5. A postura do analista de políticas É possível identificar três tipos de analistas: - O “técnico”: interessado em pesquisa policy-oriented, é um acadêmico preocupado com a (ou atuando na) burocracia; - O “político”: interessado em Análise de Política na medida em que lhe permite aumentar sua influência política;

29

Tais estudos têm recebido muita atenção nos E.U.A., Europa e Reino Unido. Esse tipo de estudo pode ser descritivo e prescritivo e marca a fronteira entre a “análise de política” e a “análise para política”. 30

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- O “empreendedor” interessado em usar a Análise de Política para influenciar a política. O caráter de policy orientation da Análise de Política sugere que a preocupação do analista seja mais direcionada à “análise da determinação da política” (postura normativa) do que à “análise do conteúdo da política” (postura descritiva). A posição não-engajada, puramente acadêmica, é válida na medida em que a isenção permite uma análise mais rigorosa. Ela não deve impedir o cumprimento do objetivo maior (normativo), que deve ser a melhoria do processo político. Esta não necessariamente implica numa identificação com os objetivos daqueles que controlam o processo político. A subversão do status quo demanda, talvez mais do que sua preservação, o seu correto entendimento. Análises neutras, desprovidas de valores, são um mito. A pesquisa é sempre influenciada pelos valores do analista. É difícil, mas necessário, que ele não se converta num “político” (policy advocate). Wildavsky (1979:7) destaca que a Análise de Política envolve um certo aprendizado, a partir da experiência, especialmente da experiência do fracasso e da correção dos erros cometidos. Segundo Ham e Hill (1993:22), os analistas não se deveriam restringir a examinar como políticas podem ser melhoradas, dentro das relações sociais e políticas já existentes: essas próprias relações deveriam ser parte do campo de investigação. Se a análise política está localizada na estrutura existente de relações sociais e se o escopo é limitado a questões já postas na agenda para discussão, então questões significativas podem ser ignoradas e as necessidades de grupos particulares podem ser negligenciadas. Uma postura cética, que questione os pressupostos dos tomadores de decisão é aconselhável. Não fazê-lo leva a uma posição conservadora. Buscar simplesmente a melhoria das políticas (e não do processo político) no âmbito das relações sociais e políticas existentes termina levando à adoção de um critério de qualidade enviesado: a boa política é aquela que pode ser implementada (viável). Restringir o foco de análise aos problemas já contemplados pela “agenda (de discussão) política” leva a excluir questões que interessam a grupos política e socialmente desfavorecidos. A percepção de que as políticas, mais do que o mercado, são os responsáveis pelo progresso social, envolve o questionamento das relações sociais e políticas existentes; a consideração tanto das decisões tomadas como das “não-decisões”. 135


Mesmo a analysis for policy, que supõe um interesse não (apenas) acadêmico e aplica o instrumental da administração visando à sua consecução, demanda a analysis of policy como etapa prévia. Caso contrário, se o policy process (processo de elaboração da política) não for entendido como um political process, esse instrumental será ineficaz (não adaptado ao mundo real). A postura do analista deve, em suma, levar em conta que a Análise de Política envolve tanto a melhoria do entendimento acerca da política e do processo político como prescrições visando a melhores políticas.

6.1.6. A Análise de Política e o contexto da política Ham e Hill (1993), citando Minogue (1983), ressaltam que dado que as políticas públicas produzem efeitos sobre a economia e a sociedade qualquer teoria que as explique satisfatoriamente deve também explicar as inter-relações entre Estado, política e sociedade. Para entender o processo de elaboração de políticas, Easton (1953) baseia-se num paradigma semelhante ao sistema biológico. Ele propõe que a atividade política seja analisada em termos de um sistema abarcando uma série de processos que devem permanecer em equilíbrio a fim de que a atividade sobreviva. Assim, a teoria dos sistemas proposta por Easton (1953), considera a vida política como um processo que engloba inputs (entradas ou perguntas), que vêm do ambiente externo (econômico, religioso, cultural etc.), que se transformam em outputs (saídas ou respostas) ─ as decisões políticas ─ os quais, por sua vez, retroagem sobre o ambiente circundante, provocando, assim, sempre novas perguntas (BOBBIO, 1993). A Análise de Política, dado que deve levar em consideração o contexto social, econômico e político no qual se inserem os problemas enfocados, tem seu objeto representado por alguns autores pelo Esquema 6.1.6.1 proposto por Easton (1953) como segue.

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ESQUEMA 6.1.6.1: ESQUEMA DE EASTON Ambiente

Ambiente

Demandas

SISTEMA POLÍTICO

Entradas

Decisões e ações

Saídas

Apoio, recursos

Ambiente

Ambiente

FONTE: Easton (1953). Ham e Hill (1993) dizem que uma das vantagens do paradigma adotado por Easton está em que a teoria dos sistemas oferece uma forma de conceituar complexos fenômenos políticos. Ao enfatizar os processos, em oposição a instituições ou estruturas, o enfoque de Easton representa um avanço, em relação a análises mais tradicionais, no âmbito da Ciência Política e da administração pública. Esta visão permite que se defina um setor de política como “um grupo de organizações complexas, conectadas umas às outras por dependência de recursos”. Ela permite abordar a dependência de uma organização em relação à outra através do exame do fluxo de recursos financeiros. Ao fazê-lo, destaca três características da Análise de Política:  As organizações são influenciadas pelas sociedades nas quais operam;  É necessário assegurar que a análise do Estado seja baseada na compreensão de sua relação com a sociedade;  As atividades do Estado nas sociedades modernas é essencialmente uma atividade organizacional. De fato, aplicada às organizações, a teoria dos sistemas permite analisá-las como conjunto de entidades mais ou menos interdependentes e constituídas de partes, que são variáveis mutuamente dependentes. Além disso, alguns temas são mais ou menos comuns às teorias da organizarão e dos sistemas: os agregados de indivíduos inseridos no sistema, as relações entre os indivíduos e o ambiente do sistema organizacional, as

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interações dos indivíduos dentro do sistema e as condições necessárias para garantir a estabilidade do sistema. Ham e Hill (1993), porém, fazem algumas críticas à concepção geral do modelo sistêmico. A primeira destaca que ele faz uma excessiva redução lógica dos processos, em termos de demandas e apoios convertidos em saídas, o que raramente ocorre de modo tão simples, no mundo prático da elaboração de políticas. O reconhecimento de alguns processos (manipulação de linguagem, criação de crises, imposição de agendas para autoridades ou mesmo simulação de políticas, por exemplo) é um importante corretivo de ingênuas hipóteses encontradas na teoria dos sistemas. Um segundo comentário ressalta que o enfoque sistêmico enfatiza a importância do processo central de conversão ─ a caixa preta (black box) ─, isto é, da tomada de decisões e, no entanto, dá-lhe pouca atenção, ao compará-lo às demandas e apoios externos. Isso indica a necessidade de os estudos basearem-se não apenas na análise de sistemas, mas também na dinâmica da tomada de decisões. Uma terceira crítica refere-se ao fato de o sistema e, em particular, a forma em que os processos ocorrem dentro da caixa preta constituírem o próprio objeto da ação política. A relação entre as entidades de governo está sujeita a ajustes contínuos, na medida em que obrigações e orçamentos são alterados. Reapresentações sistemáticas do processo de políticas tendem a dar aos conflitos a aparência de jogos. Nesse caso, o problema reside na possibilidade de a política tratar tanto da garantia de um resultado específico, quanto da mudança nas regras do jogo. Para Ham e Hill (1993), a própria ênfase da teoria sistêmica na idéia da black box (caixa peta) é ilustrativa: a imagem salienta que os processos implícitos na caixa preta dificilmente são penetrados e pesquisados. Tomando os três modelos de Allison (1971), que ajudam a entender os processos, Ham e Hill (1993) lembram que há o modelo do ator racional, o modelo do processo organizacional e o modelo de políticas burocráticas. No primeiro, os agentes devem escolher, entre alternativas, as metas e objetivos da ação, de modo que suas conseqüências sejam as maiores possíveis. No segundo, a ação é vista como resultado do comportamento organizacional, estabelecido pelas rotinas e procedimentos operacionais. O terceiro considera a ação como resultado de acordos entre grupos e indivíduos, no sistema político. Uma outra contribuição importante à compreensão dos processos políticos abordados nesta pesquisa é a metodologia desenvolvida por Matus (1996). No seu trabalho “Política, 138


Planificación y Gobierno”, a preocupação implícita é com a análise para a política. Entretanto, algumas das suas críticas dos pressupostos básicos do planejamento sistêmico exibem elementos interessantes para a abordagem da análise de política. Como decorrência da discussão das falácias da teoria sistêmica, o autor introduziu dois novos conceitos, um dos quais foi adotado no presente estudo, como se abordará a seguir. De acordo com Matus (1996:72), “o modelo sistêmico tradicional tende a tratar o próprio sistema como algo estático e incontestável ou, pelo menos, sujeito a raras mudanças fundamentais”. Considera, como pressuposto, que, nesse modelo, o “ator que planeja está fora ou sobre a realidade que planifica”. O ator “não coexiste nessa realidade com outros atores, que também planejam”. Isso leva “o planejador sistêmico, ao não aceitar que sua teoria se baseia neste pressuposto básico, coloque-se diante do seguinte dilema: ou aceita o pressuposto mencionado, e tem uma teoria consistente, mas irreal nos seus pressupostos, ou o rechaça por ser irreal, mas então sua teoria é inconsistente”. Apoiando-se na suposição anterior, Matus (1996:76-80) deduz, como postulados do modelo sistêmico, que: 1. Sujeito é diferençável do objeto; 2. Não pode haver mais de uma explicação verdadeira; 3. Explicar é descobrir as leis que regem o objeto; 4. O poder não é um recurso escasso; 5. Não existe uma incerteza mal definida; 6. Os problemas a que se refere o plano são bem estruturados e têm solução conhecida. Todos esses pressupostos têm regido as teorias em que se baseia a prática do planejamento, na América Latina e, exceto nos meios acadêmicos, não são questionados. A explicação, que se tem procurado para os irrisórios efeitos alcançados pelos planejadores, passa ao largo da crítica a tais postulados, contentando-se com apontar a precária qualidade dos planos, as deficiências das estatísticas, o escasso poder dos órgãos de planejamento, a inexperiência dos economistas, a deficiência de sua formação e o desinteresse político. O trabalho de Matus (1996) vai mais além, ao sustentar que os poucos resultados do planejamento tradicional latino-americano devem ser procurados naqueles pressupostos, que conduzem a um conceito restrito de planejamento e de planejador e a uma prática economicista e tecnocrática, que se isola do planejamento político e do processo de governo. 139


Matus (1996:76-80) rejeita, de início, a suposição de que o ator que planeja está fora da realidade e que a realidade planejada é um objeto planificável, que não contém outros sujeitos criativos, que também planejam. Com isso, abrem-se novas portas para reformular, teoricamente, o planejamento, a função do planejador e a Análise de Políticas. Ao assumir que o ator está inserido numa realidade, em que coexiste com outros, que também planejam, Matus (1996) propõe alguns postulados: 1) Sujeito não é distinto do objeto; 2) Há mais de uma explicação verdadeira; 3) Os atores sociais geram possibilidades, em um sistema social criativo que, só em parte; 4) Segue leis; 5) O poder é um recurso escasso e limita a possibilidade do “deve ser”; 6) Existe uma incerteza mal definida, que domina todo o sistema social; 7) Os problemas, a que se refere o plano, são quase-estruturados31. Com esses postulados, supera-se também a exigência de que o sistema esteja em equilíbrio, a fim de que a atividade sobreviva. Se uma das vantagens do modelo sistêmico “é que ele chama a atenção entre sistemas políticos e outros sistemas” (HILL, 1993:17), a abordagem de Matus (1996), introduzindo uma nova conceituação de “meio-ambiente”, vai bem mais além, ao considerar que os atores e os outros sistemas são elementos intrínsecos ao modelo de planejamento. Matus (1996) ainda introduz dois conceitos importantes: o de situação e o de momento32. Este último será extensamente utilizado, dado que possibilita um recorte dinâmico e mais adequado ao enfoque analítico usado, a Análise de Política. Evitou-se a adoção do primeiro conceito, porquanto envolveria uma postura acadêmica um tanto controversa, na medida em que implica diferentes leituras e explicações de uma mesma

“Problema quase-estruturado” é o que não se pode definir nem explicar com precisão; por isso, não se sabe bem como enfrentá-lo e, muito menos, se conhecem os critérios para escolher entre as opções concebidas para enfrentá-lo. A primeira dificuldade com tais problemas está em reconhecê-los (MATUS, 1993:580). 32 Estas duas expressões, adotadas e empregadas neste capítulo foram definidas por Matus (1996:584) como segue. “Situação” é a realidade explicada por um ator, que vive nela e a interpreta em função de sua própria ação. Por isso, cada ator pode ter uma explicação diferente de uma realidade. “Momento” é uma instância repetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS, 1996:577). Em texto anterior, Matus detalha esse conceito, explicitando que ele não tem uma característica meramente cronológica e que indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos. Enfatiza que a passagem do processo por um momento determinado é apenas o domínio transitório desse momento sobre os outros, que sempre podem estar presentes (MATUS, 1996:577). 31

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realidade. Além do mais, a opção pela Análise de Política facultou uma compreensão satisfatória do problema proposto, nos termos do enfoque de Ham e Hill (1993), com a achega do conceito de momento, de Matus (1996).

6.1.7. A Análise de Política e os níveis de análise O analista das políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política (politics) de maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões relacionadas à função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder entre diferentes grupos sociais. Para uma análise adequada é necessário explorar três níveis. Níveis que podem ser entendidos, ao mesmo tempo, como níveis em que se dão realmente as relações políticas (policy e politics) e como categorias analíticas, isto é, como níveis em que estas relações devem ser analisadas. São eles: i) Do funcionamento da estrutura administrativa (institucional). É o nível superficial das ligações e redes intra e inter agências, determinadas por fluxos de recursos e de autoridade etc., em que a análise está centrada no processo de decisão no interior das organizações e nas relações entre elas. É o que se pode denominar nível da aparência ou superficial; ii) Do processo de decisão. É o nível, em que se manifestam os interesses presentes no âmbito da estrutura administrativa, isto é, dos grupos políticos presentes no seu interior e que influenciam no conteúdo das decisões tomadas. Dado que os grupos existentes no interior de uma organização respondem a demandas de outros grupos externos, situados em outras instituições públicas e em organizações privadas, as características e o funcionamento da mesma não podem ser adequadamente entendidos a não ser em função das relações de poder que se manifestam entre esses grupos. É o que se pode denominar nível dos interesses dos atores; iii) Das relações entre Estado e sociedade. É o nível da estrutura de poder e das regras de sua formação, o da “infra-estrutura econômico-material”. É o determinado pelas funções do Estado que asseguram a acumulação capitalista e a normatização das relações entre os grupos sociais. É o que explica, em última instância, a conformação dos outros dois níveis, quando pensados como níveis da realidade, ou as características que assumem as relações a serem investigadas, quando pensados como níveis de análise. Este nível de análise trata da função das agências estatais que, em sociedades capitalistas 141


avançadas é, em última análise, o que assegura o processo de acumulação de capital e a sua legitimação perante a sociedade. É o que se pode denominar nível da essência ou estrutural. FIGURA 6.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANÁLISE DE POLÍTICAS E SEUS NÍVEIS

FONTE: elaborado pelo autor. A Figura 6.1.7.1 acima ilustra o Ciclo Iterativo da Análise de Política e os seus respectivos Níveis de Análise. Ela mostra que análise deve desenvolver-se de forma reiterada (em ciclos de retroalimentação) do primeiro para o terceiro níveis e vice versa buscando responder as perguntas suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como indicado, é no terceiro nível onde as razões últimas destas perguntas tendem a ser encontradas, uma vez que é ele o responsável pela manutenção da estabilidade política e pela legitimidade do processo de elaboração de políticas. No momento de formulação da política é quando, através da filtragem das demandas, seleção dos temas e controle da agenda, ocorre um processo de enfrentamento entre os atores com ela envolvidos cujo grau de explicitação, pelas razões que se explora nas seções que seguem, é bastante variável. Ele vai desde uma situação de conflito explícito, onde há uma seleção “positiva” das demandas que se refere às funções que são necessárias para manutenção de formas de dominação na organização econômica, como suporte à acumulação de capital e resolução de conflitos abertos até uma de “não-tomada de decisão”, que opera no nível “negativo” da exclusão dos temas que não interessam à estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrária), selecionando os que entram ou não na agenda através de mecanismos que filtram ideologicamente os temas e os problemas.

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Nos momentos da implementação e da avaliação outros mecanismos de controle político se estabelecem tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como âmbito maior e mais complexo de determinação, o terceiro. É através do trânsito entre estes três níveis que, depois de várias reiterações, é possível conhecer o comportamento da “comunidade política” presente numa área qualquer de política pública, e desta maneira chegar a identificar as características mais essenciais de uma política. Este processo envolve examinar a estrutura de relações de interesses políticos construídos pelos atores envolvidos; explicar a relação entre o primeiro nível superficial das instituições e o terceiro nível mais profundo da estrutura econômica. Para ilustrar este ponto, pode-se dizer que a análise de uma política implica, primeiramente, em identificar as organizações (instituições públicas) com ela envolvidas e os atores que nestas se encontram em posição de maior evidência. Em seguida, e ainda no primeiro nível (institucional) de análise, identificar as relações institucionais (isto é as sancionadas pela legislação, públicas etc.) que elas e seus respectivos atores-chave mantêm entre si. Passando ao segundo nível, passa-se a pesquisar as relações que se estabelecem entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse existentes no interior de uma organização e de grupos externos, situados em outras instituições públicas e em organizações privadas. As relações de poder, coalizões de interesse, formação de grupos de pressão, cooptação, subordinação etc., devem ser cuidadosamente examinadas de maneira a explicar o funcionamento da organização e as características da política. A determinação de existência de padrões de atuação recorrente de determinados atoreschave e sua identificação com o de outros atores, instituições, grupos econômicos, partidos políticos etc., de modo a conhecer os interesses dos atores, é o objetivo a ser perseguido neste nível de análise. O terceiro nível de análise é, finalmente, o que permitirá, mediante uma tentativa sistemática de comparar a situação observada com o padrão (estrutura de poder e das regras de sua formação) conformado pelo modo de produção capitalista ─ sua “infraestrutura econômico-material” e sua “superestrutura ideológica” ─, explicá-lo. É através do estabelecimento de relações entre a situação específica que está sendo analisada ao que tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado (ou periférico, no caso latinoamericano) que se pode chegar a entender a essência; isto é, entender porque as relações

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que se estabelecem entre as várias porções do Estado e destas com a sociedade são como são. Pode-se entender o percurso proposto neste capítulo, e de resto por muitos dos pesquisadores da Análise de Política, como uma tentativa sistemática de percorrer este “caminho de ida e volta” apoiando-se sempre no “mapa” que este terceiro nível de análise proporciona.

6.2. Visões do Estado e Análise Política A natureza do modelo que o analista utiliza para entender as relações entre Estado e sociedade é crucial para os resultados que se obtêm ao analisar (e elaborar) uma política pública. A tal ponto, que os resultados que muitas vezes se obtém podem variar consideravelmente segundo a visão que se adote. É claro que a escolha da visão a ser adotada como guia para a análise não é neutra. Mesmo quando se trata apenas de descrever e não de prescrever, neste caso como em outros que envolvem uma escolha onde a postura ideológica dificilmente pode ser colocada de lado, a opção realizada não é simplesmente metodológica. Não obstante, a escolha deve dar-se tendo em vista as características específicas da política em análise. O que implica dizer que mesmo a visão particular do analista acerca do conjunto dos órgãos e políticas que conformam o Estado seja mais próxima a uma das quatro visões (entendidas, sempre e como em outros casos em que modelos de análise são propostos, de situações extremas), ele não deve descartar a possibilidade de que a análise da política em foco tenha, como guia metodológico, uma das outras visões. Esta seção apresenta as visões Pluralista, Marxista, Elitista e Corporativista.

6.2.1. A visão Pluralista A visão Pluralista enfatiza as restrições que colocam sobre o Estado um grande espectro de grupos de pressão dotados de poder diferenciado nas diversas áreas onde se conformam as políticas públicas (embora nenhum possa ser considerado dominante), sendo estas um resultado das preferências destes grupos. O Estado (ou seus integrantes) é considerado por uma de suas variantes como um entre estes grupos de pressão. Esta visão tem como interlocutor a visão Marxista clássica, contrapondo-se a ela e reafirmando a democracia como valor fundamental e o voto como meio de expressão

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privilegiado dos indivíduos. A poliarquia (“democracia real”) e a ação de grupos de pressão é adotada, entretanto, como uma concepção mais realista. A aceitação da interpretação Pluralista implica na adoção de uma visão incremental (em oposição à racional) sobre o processo de elaboração de políticas, como se verá posteriormente.

6.2.1.1. A visão Elitista A visão Elitista pode ser considerada como uma derivação/ extensão da Pluralista. O esforço de superação das óbvias limitações (e irrealismo) da visão Pluralista levou à aceitação da existência de elites, proposta como fundamento teórico da visão Elitista. A visão Elitista (ou neopluralista) ressalta o poder exercido por um pequeno número de bem organizados interesses societais e a habilidade dos mesmos para alcançar seus objetivos.

6.2.1.2. A visão Marxista A visão Marxista aponta a influência dos interesses econômicos na ação política e vê o Estado como um importante meio para a manutenção do predomínio de uma classe social particular. Entre as suas subdivisões é importante destacar: - Instrumentalista: Entende o Estado liberal como um instrumento diretamente controlado “de fora” pela classe capitalista e compelido a agir de acordo com seus interesses (ela rege, mas não governa). Capitalistas, burocratas do Estado e líderes políticos formam um grupo coeso em função de sua origem de classe comum, estilos de vida e valores semelhantes etc.. (afinidade com a visão Elitista). (Miliband); - Estado como árbitro: Quando existe relativo equilíbrio entre forças sociais, a burocracia estatal e líderes político-militares podem intervir para impor políticas estabilizadoras que, embora não sejam controladas pela classe capitalista, servem aos seus interesses. Em situações normais (que não as de crise) o Estado atua como árbitro entre frações da classe dominante. A burocracia estatal é vista, diferentemente da corrente funcionalista, como um segmento independente/distinto da classe dominante, embora a serviço de seus interesses de longo prazo. (Poulantzas); 145


- Funcionalista: A organização do Estado e a policy making é condicionada pelo imperativo da manutenção da acumulação capitalista. Funções: preservação da ordem, promoção da acumulação de capital, e criação de condições para a legitimação. Os gastos governamentais para manter essas funções são: “gastos sociais”, “investimento social” (para reduzir custos de produção), e “consumo social”. Enfatiza os processos macro e não, por exemplo, a questão do caráter da burocracia ou das elites (O’Connor); - Estruturalista: O Estado é visto como um fator de coesão social, com a função de organizar a classe dominante e desorganizar as classes subordinadas através do uso de aparatos repressivos ou ideológicos (Althusser); - Escola da “lógica do capital”: Deduz a necessidade funcional do Estado da análise do modo de produção capitalista. O Estado é entendido como um “capitalista coletivo ideal”. Ele provê as condições materiais gerais para a produção; estabelece as relações legais genéricas; regula e suprime os conflitos entre capital e trabalho; e protege o capital nacional no mercado mundial (Altvater); -

Escola

“de

Frankfurt”:

O

Estado

é

entendido

como

uma

“forma

institucionalizada de poder político que procura implementar e garantir o interesse coletivo de todos os membros de uma sociedade de classes dominada pelo capital”. Combina as visões funcional e organizacional (Offe).

6.2.1.3. A visão Corporativista A visão Corporativista, mantendo a ênfase na atuação de grupos de pressão (organizações de trabalhadores e patrões), coloca que estes passam a ser integrados no Estado. Este é entendido como um mecanismo de controle de conflitos entre os grupos, subordinando-os aos interesses mais abrangentes e de longo prazo dos Estados nacionais num ambiente de crescente concorrência internacional e busca de competitividade e diminuição do crescimento econômico dos países capitalistas. Embora os primeiros Estados corporativos tenham sido autoritários, depois de 1945, vários adotaram o neocorporativismo como forma de concertação. A premissa em que se apóia esta visão é a de que os indivíduos podem ser mais bem representados através de instituições funcionais/ocupacionais do que através de partidos políticos e mesmo do que unidades eleitorais geograficamente definidas. Trabalhadores, 146


através de sindicatos; empregadores, através de federações: fazendeiros, através de câmaras de agricultura. As unidades de categorias são reconhecidas pelo Estado como possuindo monopólio de representação (podendo assim ser por ele controladas) e responsabilizadas por funções administrativas em lugar do Estado.

6.2.2. Um quadro sinóptico A Figura 6.2.2.1.que segue oferece um quadro sinóptico das visões acima caracterizadas.

VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO

FIGURA 6.2.2.1: VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO PODER CONCENTRADO RELEVÂNCIA DA BUROCRACIA

PODER DISTRIBUÍDO DEMOCRACIA = VOTO

AUTONOMIA RELATIVA

poder “nãoeconômico”

ELITISTA poliarquia poder moderador da burocracia

PLURALISTA

MARXISTA internalização do conflito

CORPORATIVISTA

inexistência de interesses de classe

FONTE: elaborado pelo autor. Nele as quatro posições estão colocadas em situações opostas, querendo indicar-se com isto as diferenças ideológicas que guardam entre si. O traço vertical separa ─ à esquerda ─ as que aceitam a hipótese de existência de um poder concentrado. A importância da burocracia no controle do aparelho de Estado e a autonomia relativa deste em relação à classe dominante. As flechas, finalmente, indicam as possibilidades teóricas de derivação das visões. Assim, a visão Elitista pode ser considerada como uma extensão da Marxista, uma vez que considera outros fatores que não os econômicos como determinantes na formação de elites políticas. A visão Corporativista pode ser considerada como resultado da ênfase colocada pelas interpretações neo-Marxistas no papel central do Estado no processo político. Por outra via, convergente, da ênfase colocada pela interpretação Elitista no papel das “state elites”. 147


As visões Pluralista, Elitista e Corporativista são ao mesmo tempo visões/ interpretações e propostas normativas de organização da sociedade e da economia no capitalismo. A Marxista, pelo contrário, constitui-se numa crítica à formação social capitalista. A proposta normativa que apresenta transcende os limites do capitalismo.

6.3. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo O estudo das organizações deve muito a Max Weber, com seu enfoque da burocracia no Estado moderno. Ele desenvolveu proposições sobre a estrutura das organizações, em que a administração se apóia na racionalidade formal. Segundo Ham e Hill (1993:132-133), Weber ─ objetivando estabelecer um tipo genérico de organização e explicar por que motivo ela cresce em importância ─ apontou as seguintes características definidoras de burocracia: i) Uma organização contínua, com uma ou mais funções específicas, cuja operação é delimitada por certas regras: a consistência e a continuidade, no interior da organização, são garantidas pelo registro de todos os atos, regras e decisões inerentes à organização; ii) A organização dos funcionários está na base da hierarquia: o escopo da autoridade, no interior dessa hierarquia, é claro, definindo os direitos e deveres dos funcionários, em cada nível hierárquico então especificado; iii) Os funcionários são separados da propriedade dos meios de administração e produção: eles são livres, estando sujeitos à autoridade somente no que diz respeito a suas obrigações oficiais, enquanto funcionários de uma organização; iv) Os funcionários são indicados, não eleitos, baseando-se essa indicação em critérios impessoais, e são promovidos por mérito; v) Pagam-se salários fixos aos funcionários e as regras de emprego e relações de trabalho são previamente definidas: a escala de salários é graduada de acordo com a posição dos funcionários na hierarquia, e o emprego é permanente, estando garantida uma certa estabilidade e previsto o pagamento de pensões após a aposentadoria. A discussão sobre o papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo pode ser entendida a partir do ideal Weberiano nele introduzindo os “desvios” impostos pela realidade. Balizam esta discussão perguntas como:  Quem controla a burocracia? 148


 Os políticos, as elites, a opinião pública?  Ela está submetida apenas a controles internos?  Como atua a burocracia?  Ela age segundo seus próprios interesses (bureau maximazing, bureau shaping)?  Em termos econômicos funciona como um monopólio administrador de preços e quantidades em seu próprio interesse (public choice);  Como se organiza? A reflexão sobre a burocracia dá-se num contexto marcado pelo embate capitalismo x socialismo (que terminaria por extinguir o Estado e a própria burocracia). Não terá a benevolência do “marxismo oficial” ante a burocracia soviética neutralizado a crítica que deveriam fazer seus partidários à burocracia das sociedades capitalistas. À pergunta de como se afasta a burocracia “real” do paradigma ideal Weberiano, ou o que é, hoje, um bom burocrata, autores como Chapman respondem:  A burocracia pode ser um instrumento que permite atenuar o poder econômico da burguesia ─ defendendo a democracia ─ (visão pluralista);  Ou, agir em conformidade com ele ─ autonomia relativa ─ (visão elitista). Muitos advogam que, pelo menos nos países capitalistas avançados, o poder decisório da burocracia no processo de policy making parece ser capaz, em situações normais, de contrabalançar os interesses econômicos. Mas até que ponto a burocracia pode atuar num ambiente distinto? Não estará ela presa às formas de dominação existentes (conservadorismo “intrínseco”)? O fato é que ela possui um poder cada vez maior de definir o caráter das políticas públicas no âmbito de um sistema presidido por Estado crescentemente corporativo, que combina a propriedade privada dos meios de produção com o controle público exercido por uma burocracia constituída de “filhos da classe média” que acedem a privilégios no âmbito do Estado de Bem-estar. A corrente da public choice que propõe a privatização e a reforma do Estado parece visualizar, na sua versão mais de “direita”, o mercado como “regulador” da burocracia, enquanto que uma visão mais de “esquerda” entende a participação e controle públicos como antídotos eficazes ao poder da burocracia. Em suma, as contribuições teóricas a respeito das organizações e da burocracia pública ultrapassaram a perspectiva do formalismo idealizado por Max Weber. Alguns estudos, ao longo das últimas décadas, deslocaram a ênfase para o ambiente das 149


organizações, enquanto outros deram prioridade às regras e às estruturas, bem como às relações entre as organizações, os indivíduos e as estruturas informais. A evolução das abordagens evidenciou as conexões entre questões organizacionais internas e o contexto externo.

6.4. Poder e tomada de decisão O estudo dos processos de decisão é um importante ponto de partida para entender as relações de poder. A análise sobre poder e decisão parte do debate entre elitistas e pluralistas, que diferem nas concepções sobre a distribuição do poder na sociedade atual, como também nos métodos de análise que devem ser usados para proceder a investigação. Num dos estudos seminais acerca das “elites governantes”, Robert Dahl (1958) tomou como ponto de partida os resultados do trabalho, por um lado, de Floyd Hunter (1953) sobre o poder local (concluindo que o controle estava nas mãos de um pequeno grupo de indivíduos-chave) e do estudo de e Wright Mills (1956) a respeito do poder nacional, nos EUA (que apontava a existência de uma elite formada pelos militares, corporações e agências estatais). Segundo ele, os métodos utilizados por Hunter e Mills não foram suficientemente rigorosos para justificar suas conclusões a respeito da existência de elites. Defendendo um ponto de vista pluralista (em contraposição ao elitista), ele entende que os pesquisadores deveriam analisar casos em que existam diferenças de preferência entre os atores: quem estuda o poder deve analisar decisões reais, envolvendo atores que possuam preferências diferentes, e explorar se as preferências de uma hipotética elite dominante são adotadas no lugar das de outros grupos. Isso porque, para Dahl (1958:203), “a tem poder sobre B, na medida em que ele pode levar B a fazer algo que, de outra forma, não faria”. E conclui: “Atores cujas preferências prevalecem em conflitos sobre questões políticas-chave são os que exercem o poder em um sistema político”. Segundo outros autores, existe consenso de que os conflitos sobre assuntos-chave fornecem evidências sobre a natureza da distribuição de poder, mas estas evidências precisam ser suplementadas por análises de não-tomada de decisão. Em alguns casos, a não-tomada de decisão assume a forma de decisão e, ao contrário do que postulam os pluralistas, pode ser investigada com a metodologia que estes propõem. Mais complicado é estudar o poder quando exercido como formador de opinião. Essa dimensão é 150


considerada por muitos como sendo a mais importante e o aspecto mais difícil da pesquisa de poder. Esta discussão metodológica é o que leva Ham e Hill (1993) a chamar a atenção para o fato de que muitas vezes os debates sobre a distribuição de poder na sociedade desenvolvem-se no terreno das metodologias de pesquisa utilizadas e definições, desviando o foco da natureza e estrutura do poder. De modo a tornar mais focada a discussão, estes autores descrevem o debate travado entre os analistas vinculados às vertentes elitista e pluralista, a partir de meados da década de 1950, englobando as relações que podem ser estabelecidas entre o poder e sua determinação ou influência sobre as decisões tomadas em âmbito governamental. Embora se adote aqui o roteiro de apresentação por eles formulado, vale uma lembrança, que talvez pareça óbvia. Neste caso, como em tantos outros que se apresenta ao longo deste capítulo, e que envolvem escolhas metodológicas, a opção do analista não deve dar-se em função de qualquer consideração normativa. Trata-se de escolher um modelo descritivo; isto é, que melhor descreva a realidade existente. Algo que represente, explique, o que é e não o que deve ser. Assim, embora o enfoque de apresentação que adota o capítulo procure revelar o embate ideológico que preside a discussão acadêmica, isto não deve ser tomado (pelo contrário!) como uma intenção de sugerir ao analista que seu trabalho de análise deva implicar escolhas que não aquelas baseadas exclusivamente na fidedignidade, da aderência em relação ao mundo real.

6.4.1. O debate entre pluralismo e elitismo Este debate revela as divergências de posição entre os estudos de Dahl (1958), por um lado, e os de Hunter (1953) e Mills (1956), por outro, sobre a existência de uma elite dominante, beneficiária das decisões e dos resultados das políticas públicas em cidades norte americanas, nos trabalhos de Dahl e Hunter, e para todos os EUA, no estudo de Mills. Em seu trabalho, Dahl (1961) aponta que os métodos de pesquisa utilizados por Hunter e Mills não foram suficientemente rigorosos para justificar suas conclusões. Utilizando a metodologia que propôs, no seu estudo empírico acerca de New Haven (publicado sob o título de “Quem governa”), ele conclui as desigualdades (cumulativas ou não) em recursos de poder, a forma de tomada de decisões importantes e o padrão de 151


liderança (se oligárquico ou pluralista). E concluiu que, no período de 1780 a 1950, ocorreu uma transição gradativa, em New Haven, da oligarquia para o pluralismo. Outros estudos sobre educação e saúde concluíram que o poder não estava concentrado em grupos particulares, como teóricos elitistas haviam suposto. Pelo contrário, devido ao fato de os recursos, que contribuem para o poder, estarem dispersos na população, o poder estava fragmentado entre diferentes atores. Embora apenas algumas pessoas tivessem influência sobre questões-chave, a maioria tinha influência indireta, através do poder do voto. Essa abordagem evidenciou a importância de considerar como decisões-chave são tomadas e como as preferências, não só da elite, mas também dos outros grupos de atores, atuam no processo. Dahl (1961) afirma não haver encontrado evidências da existência de uma elite que seria beneficiada por decisões e orientações das políticas públicas. Diferentemente, Mills (1956) afirmara, antes dele, que uma elite de poder composta de militares, corporações e agências de Estado governava os EUA, e Hunter (1953), examinado a distribuição do poder em Atlanta, relatara ter observado que o poder nesta cidade se concentrava sob o controle de um certo número de indivíduos-chave. A crítica de Dahl (1961) aos estudos elitistas concentra-se no fato de que os trabalhos que afirmam haver encontrado evidências da existência de beneficiários de políticas públicas teriam examinado a “reputação de poder” (posição ou status) de indivíduos em sua comunidade ou organização. Segundo Dahl (1961), estas pesquisas não teriam se detido sobre as decisões reais que teriam sido tomadas e se, nestas decisões, as preferências expressas por algum grupo de poder teriam sido de fato atendidas em lugar das de outros grupos. Estas seriam as bases da metodologia proposta por Dahl (1961) para o exame da influência do poder nas decisões.

6.4.2. As duas faces do poder Ham e Hill (1993) afirmam que os trabalhos de Dahl (1958), longe de resolverem as pendências entre elitistas e pluralistas, teriam aberto uma nova perspectiva de estudos sobre o exercício do poder quando Bachrach e Baratz (1963), criticando as conclusões de Dahl (1958), afirmam que o exame do poder não poderia ficar restrito a decisões chave ou a um comportamento efetivo.

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Estes autores formularam um “complemento” à definição de Dahl (1958) sobre o poder afirmando que “o poder também é exercido quando um ator A utiliza suas forças para criar ou reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais que venham a restringir o debate a questões que possam ser politicamente inócuas à A”. Esta definição dá origem aos conceitos de mobilização de opinião ou de conformação do processo político a questões seguras. Desta forma, os autores apontam para a existência de duas faces do exercício do poder:  Uma explícita, atuando no nível dos conflitos abertos sobre decisões chave;  E outra, não aberta, em que os grupos jogam para suprimir os conflitos e impedir sua chegada ao processo de elaboração da política (à agenda de política). Bachrach e Baratz (1963) contribuíram para o surgimento de uma nova fase do debate sobre a decisão e o poder, ao sustentar que pesquisar o poder não envolve simplesmente o exame de decisões-chave, como propunha a metodologia de Dahl (1958). Para eles, o poder é também exercido, quando A utiliza suas energias para criar ou reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais que limitam o escopo dos processos políticos à consideração pública somente das questões inócuas para A. Citam, como exemplo, as questões sobre preconceito de cor, nas quais se vêem claramente as duas faces do poder: uma operando nos conflitos abertos sobre decisõeschave, e a outra, buscando suprimir conflitos e fazendo de tudo para o assunto não entrar no processo político, mediante o que Bachrach e Baratz (1963) denominam de “nãotomada de decisão”. A idéia forte dos autores no campo metodológico é que a metodologia de Dahl (1958) para pesquisar o poder é inadequada ou, pelo menos, parcial. Isto porque a teoria pluralista é baseada numa concepção liberal que iguala os interesses das pessoas a preferências por elas expressadas. Mas se os interesses das pessoas forem entendidos não como aquilo que elas afirmam ser, a natureza destes interesses pode ser inferida através da observação da ação e da não-ação políticas Assim, uma análise completa deve perceber tanto o que de fato acontece como aquilo que não acontece, e revelar os meios pelos quais a mobilização de opinião atua para limitar o escopo do debate. Bachrach e Baratz (1963) definem a não-tomada de decisão como sendo a prática de limitar o alcance real da tomada de decisão a questões seguras, através da manipulação de valores dominantes na comunidade, mitos, procedimentos e instituições políticas. A 153


não-tomada de decisão existe quando os valores dominantes, regras do jogo aceitas, as relações de poder entre grupos e os instrumentos de força, separadamente ou combinados, efetivamente previnem que certas reclamações transformem-se em assuntos maduros que exijam decisão, diferindo de assuntos que não se devem tornar objeto de decisão (entrar na agenda de política). Nesta caracterização, convém chamar a atenção ainda para que a conceituação apresentada pode ser distinguida de situações como a decisão de não agir ou a decisão de não decidir. Nestes dois casos, os temas ou assuntos focos de debate são explicitados. Isto é, entram na agenda e são objeto de uma decisão de não agir. Na situação de nãotomada de decisão sequer se permite que as questões e demandas venham a se tornar temas para uma eventual decisão. Autores como Easton (1965a), ao trabalhar com seu enfoque sistêmico do processo político também apontam o fato de que existe um modo de regulação de demandas políticas que busca proteger e preservar a estabilidade de sistemas políticos, e adotando um ponto de vista bastante semelhante, discute a existência de “gate-keepers” que ajudam a controlar o fluxo de assuntos para dentro da arena política. Bachrach e Baratz (1963) vão mais além ao enfatizar os meios pelos quais os interesses estabelecidos se protegem pela não-tomada de decisão. Assim, a regulação da demanda não é uma atividade neutra, mas, sim, contrária ao interesse das pessoas e grupos que procuram uma realocação de valores. Segundo eles, então, a forma como certos interesses presentes no processo político protegem-se dos que pretendem alterar o status quo são as estratégias de não-tomada de decisão. O processo de regulação de demandas seria, portanto, uma forma de atuação política fundamentalmente não “neutra” buscando, de fato, favorecer ou preservar interesses de pessoas ou grupos. Esta posição está inserida no interior de uma concepção para a ação política onde a distribuição de poder é percebida como muito menos equilibrada do que acreditam Dahl (1958) e os autores da vertente pluralista. Crenson (1971) corrobora, através de um estudo de caso, as críticas de Bachrach e Baratz (1963) aos pluralistas e afirma que a ação observável oferece um guia incompleto para pesquisar o exercício do poder. De fato, ao colocar que como uma das implicações das suas análises, que a distribuição de poder tende a ser menos equilibrada que a referida pelos pluralistas, a visão elitista nega no terreno metodológico a afirmação de que as não-decisões serão não-pesquisáveis quando não se puder identificar reclamações 154


encobertas e conflitos que não entram na agenda de política. Isto é, se nenhuma queixa ou conflito puder ser descoberta pode-se afirmar que a não-tomada de decisão pode não ter ocorrido. Assim, respondendo à réplica dos pluralistas, que afirmavam que a não-tomada de decisões seria “não pesquisável”, Bachrach e Baratz (1963) apresentam a possibilidade de seu estudo através do levantamento de demandas, reclamações ou conflitos que não entraram na arena política: se nenhuma queixa ou conflito puder ser descoberta, então existiria uma situação de consenso político e uma situação de não-tomada de decisão não teria ocorrido. Diante das críticas de que sua metodologia e seus conceitos não seriam adequados para investigar (e contribuir para resolver) questões relativas a conflitos potenciais ou emergentes, e que assim era legítimo considerar a não-tomada de decisão como um tipo de decisão, os partidários da visão elitista foram reformulando suas posições. É preciso examinar não apenas os conflitos abertos, mas o sistema de dominação: “quem ganha em uma organização não o faz somente através de batalhas”. Na verdade, quem conquista vantagens, beneficia-se dos valores dominantes, que agem como padrões ou critérios para a operação de uma organização. Dessa forma, o poder é exercido, ainda que conflitos abertos possam não ocorrer. É nesse ponto que a chamada segunda dimensão do poder “descoberta” por Bachrach e Baratz (1963) começa a dar lugar a uma nova visão. Aquela que enfatiza que o poder pode ser usado para manipular os interesses e preferências das pessoas e, assim, aumentar ainda mais o poder de quem o detém. É isto que diferencia a posição de Lukes (1974), examinada a seguir, daquela assumida por Bachrach e Baratz (1963).

6.4.3. A terceira face do poder Segundo Lukes (1974), o poder pode ser estudado em três dimensões: - A dos conflitos abertos entre atores sobre assuntos-chave, quando o exercício do poder pode ser observado através da metodologia proposta pela concepção pluralista; - A dos conflitos encobertos, quando ocorre a supressão das reclamações impedindo que cheguem a ser incluídas na agenda de decisão, como em Bachrach e Baratz (1963), com a não-tomada de decisão;

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- A dos conflitos latentes, quando o exercício do poder se dá conformando as preferências da população, de maneira a prevenir que nem conflitos abertos nem encobertos venham a se manifestar (conflitos latentes ou “potenciais”). Lukes (1974) chama a atenção para algo distinto ao conceito de “não-tomada de decisão”. Algo distinto de decidir, não decidir ou decidir não agir porque os assuntos nem sequer se tornam matéria de decisão (permanecem encobertos). Para esclarecer sua posição, Lukes (1974) formula uma nova definição de poder que é por ele utilizada: “A exerce poder sobre B na medida em que A influencia ou afeta B de um modo que contraria os interesses de B”. Ele se refere, portanto, a uma situação em que o poder é usado de forma abrangente, mas difusa e sutil, para impedir que até mesmo conflitos encobertos e assuntos potenciais que poderiam vir a entrar na agenda de política se conformem. Uma situação em que se manifesta a terceira face do poder ocorre quando os valores dominantes, as regras do jogo, as relações de poder entre grupos, efetivamente impedem que determinados desacordos possam vir a se transformar em disputas que demandem decisões. Neste tipo de situação, a existência de consenso não indica que o poder não esteja sendo exercido. As “preferências” das pessoas (tal como entendidas pelos pluralistas) já seriam conformadas pela sociedade em que vivem (socialização pela educação, mídia etc.), dando lugar a uma situação em que estas poderiam ser significativamente diferentes de seus “interesses reais”. Estes, então, só poderiam ser por eles percebidos como tais, dando margem a conflitos abertos ou mesmo encobertos, em situações de elevada autonomia relativa dos atores sociais sobre os quais atua este processo de mobilização ─ ou manipulação ─ de opinião.

6.4.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e decisão A discussão que se estabelece entre as duas visões ─ pluralista e elitista ─ no plano metodológico, se torna ainda mais complexa e interessante com a contribuição de Lukes (1974) quando ele afirma que o poder teria que ser estudado segundo aquelas três dimensões. Isto explicita a existência de mais um grau de dificuldade de análise das situações e processos concretos através dos quais políticas são formuladas. Visto que o interesse dos cidadãos é apontado pela visão pluralista como o fundamento principal das escolhas realizadas, a proposição de que os interesses 156


manifestos, os que aparentemente (mas não efetivamente, segundo os elitistas) estão em jogo, podem ser apenas o resultado da manipulação de interesses “reais”, coloca para aquela visão um problema metodológico insolúvel (“impesquisável”). A pesquisa do poder teria então que se valer de outros conceitos e relações, senão alternativos, suplementares aos propostos pela visão pluralista. Um deles seria o de sistema de dominação: o sistema de valores dominante que atua na sociedade e, em particular, no interior das organizações, em favor de certos grupos. Outros seriam os mecanismos ideológicos de difusão do sistema de crenças e valores; os quais não devem ser entendidos como uma manipulação simples, evidente e nem mesmo consciente. Eles conformam uma situação em que as elites não precisam “lutar” para exercer o poder. É evidente que o exercício do poder tende a beneficiar os grupos que o detêm. O que esses conceitos pretendem desnudar é o fato de que mesmo as ações pontuais de um determinado grupo subordinado poder podem não ser tentadas devido à postura fatalista de que suas reclamações nunca serão atendidas. É oportuno lembrar, entretanto, que mudanças econômicas ou políticas numa determinada sociedade podem tornar possível a inclusão na agenda de política de assuntos até então não considerados porque envolvidos na penumbra que caracteriza a terceira face do poder. Mudanças que permitam um aumento do grau de autonomia relativa dos atores sociais subordinados em relação aos dominantes, ou mais precisamente, ao processo de mobilização de opinião que estes instrumentalizam ─ o que se poderia referir como um ganho de consCiência Política ─ faria com que conflitos latentes pudessem emergir. No decorrer do debate entre as duas visões, os pluralistas passam a admitir que é necessário examinar as relações entre poder, interesses das pessoas e as preferências por elas manifestas. Isto é, relaxa-se a posição pluralista extrema, baseada na concepção liberal, que iguala os interesses das pessoas às suas preferências expressas, de que os interesses das pessoas são o que elas afirmam ser. E, desta forma, altera-se também a premissa metodológica de que a natureza desses interesses não pode ser inferida pela observação de situações de não-tomada de decisão. Essa argumentação coloca dois problemas: o primeiro refere-se às situações em que as pessoas agem ou não, contrariamente aos seus interesses (quando as elites conseguem controlar suas opiniões e preferências); o segundo é que o modo mais efetivo de dominação de um “grupo de poder” é prevenir o surgimento e crescimento de conflitos. 157


Os mecanismos ideológicos são caminhos através dos quais as pessoas interpretam o mundo, transmitem e perpetuam um sistema de valores e verdades. Esses mecanismos resultam na dominação de uns grupos por outros, cujos interesses estes grupos passam também a defender ou servir. Torna-se ainda mais complexa a situação quando se tem em conta que “ideologias dominantes refletem a experiência de vida de todas as classes e são consenso, porque refletem o modo de vida da sociedade, como um todo” (SAUNDERS, 1980). Ademais, a manipulação consciente faz da ideologia uma força poderosa, subjacente à aderência da comunidade a um conjunto de normas e metas aparentemente auto-impostas, auto-reguladas ou “naturais”. Mecanismos de seleção de assuntos, típicos do capitalismo regulado pelo Estado, incluem tanto os de tipo ideológico e comportamental, como os de tipo repressivo (polícia, justiça) e estruturais (limites impostos pelas demandas da acumulação capitalista que podem ser tratados pelo Estado). Do ponto de vista metodológico, argumenta a visão elitista, que como o Estado capitalista, para melhor servir aos objetivos da acumulação, precisa aparentar neutralidade, ele deve adotar um padrão consistentemente enviesado de filtragem de assuntos; o que torna realmente difícil pesquisar situações de conflito encoberto ou latente. Como situações em que existe cooptação, ou que envolvem a delegação de poder de decisão a comissões que nunca se reúnem, ou ainda que envolvem a conformação de interesses mediante mecanismos de controle ideológico podem ser pesquisadas? É interessante, embora possa ser considerada hipócrita, a reação pluralista ao conceito desenvolvido por Lukes (1974): a pesquisa dos “interesses reais” poderia ser feita através de avaliações acerca de quem ganha e quem perde em determinadas situações. Mas, a pergunta de “quem se beneficia?”, apesar de interessante, pouco tem a ver com a de “quem governa?” De acordo com essa formulação, examinar quem ganha e quem perde, em uma comunidade ou sociedade particular, revela aqueles cujos interesses reais foram ou não contemplados. Tanto Saunders (1980) quanto Bachrach e Baratz (1963) concordam em que a questão central, nas pesquisas sobre o poder, diz respeito a quem se beneficia. Segundo Polsby (1980:208), saber quem se beneficia é tema interessante e frutífero para a pesquisa, mas difere da questão relativa a quem governa. Para ele, mesmo demonstrando que um dado status quo beneficia algumas pessoas de forma desproporcional, isso não prova que tais beneficiários possam, no futuro, vir a agir 158


efetivamente, para impedir mudanças; isto é governar. Seria isso um lembrete útil de que indivíduos se podem beneficiar, de forma não-intencional, da elaboração de políticas. Quando o poder é exercido como formador de opinião, torna-se mais complicado estudá-lo. No entanto, este ângulo é o que mais importa. Por isso, a despeito dos problemas de realizar a sua pesquisa, um grande esforço vem sendo feito e alguns caminhos foram apontados, em particular o do emprego simultâneo de teorias aparentemente conflitantes. Segundo Blowers (1984:250-251) “é óbvio que perspectivas diferentes iluminam aspectos diferentes do conflito do poder e cada uma delas é incompleta”. Essa observação põe em relevo a importância da multidisciplinaridade e interdisciplinaridade nas pesquisas sobre o poder. As abordagens disciplinares tradicionais da Ciência Política revelam bastante força analítica quando se trata da fase ativa do conflito e quando há evidências para embasar a idéia da existência de participação, de receptividade e do papel dos atores. A crítica neoelitista é, de certa forma, complementar. O estruturalismo com raiz na abordagem da economia, com sua ênfase na natureza de classe dos interesses e das forças econômicas subjacentes e com sua negação da importância da ação individual na explicação da natureza dos resultados dos conflitos leva a análise adiante. Ela pode auxiliar, mesmo sem os determinantes de “interesses de classe” ou “forças econômicas”, porquanto bastaria o conceito de “grupos de poder”, que incluem elites profissionais e burocráticas. Ressalte-se, porém, que as estruturas não são fixas e imutáveis: ao invés disso, elas se modificam pela ação e algumas ações podem ser, de propósito, direcionadas à tentativa de modificação das estruturas. A ordem reinante é renegociada, incessantemente. Essa renegociação, decerto, não constitui um processo fácil, mas, ao abordar os determinantes da tomada de decisões, ela não deve ser, em absoluto, desconsiderada. O Quadro 6.4.4.1 que segue sistematiza a proposição de Ham e Hill (1993) que, reunindo a contribuição de Bachrach e Baratz (1963) e de outros autores, sugerem cinco formas que a não-tomada de decisão pode assumir e que deveriam ser tomadas como guia para a pesquisa. QUADRO 6.4.4.1: ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO (AS TRÊS FACES DO PODER)

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O ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO (as três faces do poder) tipos de conflito: abertos (DAHL: visão pluralista)

encobertos (BACHRACH e BARATZ)

latentes (LUKES)

concepções de poder: A tem poder sobre B, na medida em que A leva B a fazer algo que de outra forma não faria

A cria ou reforça valores e práticas institucionais que restringem o debate a questões politicamente inócuas à A

A exerce poder sobre B quando influencia B de um modo que contraria seus interesses

pesquisa sobre situações de: conflitos abertos e decisões-chave

não-tomada de decisão

limitação do alcance da tomada de decisão através da manipulação de valores

FONTE: Ham e Hill (1993). 6.5. Os modelos de tomada de decisão: o confronto entre o racionalismo e o incrementalismo Como indicado acima, a expressão “elaboração de políticas” dá conta de três processos ligados através de laços de realimentação, que denominamos de momentos, mas que são mais comumente (embora equivocadamente, no nosso entender) referidos como fases ou etapas. Esses processos são usualmente separados, para fins de análise, em formulação, implementação e avaliação de políticas. O debate acerca do grau de objetividade e racionalidade com que deve ser efetivado o primeiro destes processos ─ o processo decisório ou da formulação de políticas, ou ainda, o momento de definição preliminar de objetivos e estratégias ─ através da ação dos analistas, fazedores de política ou mesmo dos dirigentes públicos, é um tema importante da Análise de Políticas. A posição aparentemente predominante no debate entre a visão racional e a incremental é aquela que atribui a esta última um maior peso aos fatores de ordem política (politics) nas escolhas que são efetivamente realizadas no decorrer do processo decisório. Podem ser encontradas na literatura diversas abordagens que buscam verificar os limites e relações entre racionalidade, poder e decisão e desta forma fazer com que a Análise de Política possa de fato ser um suporte às decisões e uma ferramenta para a melhoria do processo de elaboração de políticas.

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6.5.1. As origens do debate Ham e Hill (1993) utilizam um enfoque histórico que é o aqui adotado para entender as origens deste debate. Para tanto, examina-se os autores mais representativos das duas visões, estudando, especialmente, as abordagens críticas de Lindblom (1965), Simon (1945), Dror (1964), e Etzioni (1967), sobre os modelos racional-compreensivo, de racionalidade limitada, incremental e de análise estratégica, buscando pontos em comum e relações entre eles. Partindo das duas posições extremas, é possível mostrar como se pode ir gerando uma postura eqüidistante e eclética. Reconhecendo que os dois modelos ─ incremental e racional ─ são lentes conceituais irreconciliáveis enquanto tais, o objetivo é chegar a uma visão adaptável às diferentes situações encontradas na realidade. As duas devem, de fato, ser interpretadas como modelos idealizados do processo de tomada de decisão que se baseiam em posições no limite antagônicas acerca da estrutura de poder na sociedade capitalista, da concepção do Estado e do papel da burocracia. Para entender mais claramente a questão, cabe lembrar a distinção clássica entre: - Modelo ideal: é uma construção mental, um exercício artificial de raciocínio que consiste, inicialmente, em selecionar aspectos de uma dada realidade (ou sistema), que atuarão como variáveis do modelo, e imputar relações de causalidade entre estas. Ele é uma caricatura que, mais do que explicar a realidade, permite contrastá-la e explicá-la como um desvio em relação ao modelo; - Modelo descritivo: partindo do modelo ideal, e identificando os limites que condicionam o processo de decisão, pode-se chegar a modelos que descrevem satisfatoriamente a realidade; - Modelo prescritivo: supõe uma intenção acerca de como deve ser a realidade. Existe uma fundada associação entre o incrementalismo e a postura descritiva da análise política, e entre o racionalismo e a postura normativa. Não obstante é uma preocupação recorrente dos autores que pesquisam o tema formular um instrumento normativo que evite o irrealismo do racionalismo e a incompletude do incrementalismo. A visão incremental coloca que a ação de “partidários” de posições distintas interessados em influenciar as decisões no âmbito do processo político, ao provocarem um ajuste mútuo e contínuo entre suas posições, asseguraria o ideal democrático do

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pluralismo. Coloca, por outro lado, que o racionalismo, por não considerar os interesses políticos existentes na sociedade, conduziria à “engenharia social” e ao autoritarismo. Simon, em “O comportamento administrativo” (1945), ao concentrar a ênfase na busca por eficácia administrativa no interior das organizações para a análise do processo de decisão avança na caracterização das duas visões. Segundo ele, a visão racional envolve comparar (e escolher) as alternativas que melhor sirvam à obtenção de um dado resultado. Ela envolve: listar todas as estratégias alternativas; determinar todas as conseqüências que decorrem de cada estratégia alternativa; avaliar comparativamente cada um dos conjuntos de conseqüências. Simon (1945) reconhece que seu enfoque possui limitações. Isto porque, pergunta ele: Que valores devem ser usados para guiar o processo de escolha? Como identificar os valores das organizações? As organizações não são homogêneas? Os valores a elas imputados terminam sendo aqueles dos indivíduos nelas dominantes? A tomada de decisão não se processa da forma lógica, abrangente e objetiva inerente ao procedimento racional? Como separar fatos e valores, e meios e fins no processo decisório se os meios para tanto também supõem valores? Simon evolui, em 1957, para um conceito mais realista de bounded rationality: a alternativa escolhida não precisa ser a que maximiza os valores do tomador de decisão; só precisa ser boa o suficiente. Portanto, não todos os cursos alternativos de ação precisam ser ponderados. Lindblon (1959) parte da visão de racionalidade restrita de Simon para formular seu enfoque de “comparações limitadas sucessivas”. Ao invés de partir de questões básicas e construir a análise de baixo para cima (“método da raiz”), parte da situação existente buscando alterá-la incrementalmente (“método dos galhos”). Contrapondo-se a posições da abordagem racionalista, ele tem como preocupação central produzir uma análise ampla sobre as características do processo de tomada de decisões. O processo decisório é percebido como algo bem mais complexo do que propõe a abordagem racional, sem princípio ou fim e com limites um tanto incertos. A democracia é vista como determinando um processo contínuo de tomada de decisões relacionadas às políticas públicas que serão definidas, formuladas e implementadas e sobre problemas ou demandas sociais e políticas que serão ou não incluídas na agenda de decisões governamentais. Nesta configuração, o governo e a política são também vistos pelo autor como processos contínuos de decisão. 162


Ele aponta para o fato de que a preocupação da Ciência Política em produzir estudos sobre o processo decisório, então incipiente, havia-se iniciado devido a necessidade de uma maior racionalidade, controle e criação de possibilidades para a avaliação dos resultados obtidos na atividade pública (de governo). A preocupação com a racionalidade é, por isto, muito influente nos estudos sobre Análise de Políticas desde a sua origem. Segundo ele, a reflexão sobre o tema da racionalidade exige a resposta às seguintes perguntas: As decisões dos dirigentes públicos são, em alguma medida, sustentadas por um comportamento de caráter racional? Os analistas podem oferecer formas de trabalho científico que venham a garantir algum apoio contra a incerteza que caracteriza os processos de decisão em âmbito governamental? Respondendo a estas perguntas, Lindblon (1965) afirma que, nos sistemas políticos, as pessoas buscam apropriar-se de informações, estudos e resultados de investigações ou análises científicas para fortalecer suas próprias posições, ou de seus grupos de interesse, e justificar suas decisões. Este seria o principal obstáculo ao uso das ferramentas de Análise de Políticas ou métodos de trabalho de base racional no processo de elaboração de políticas. Este seria também o ponto desde onde se instauram os conflitos entre a análise e a política. Ainda que os estudos especializados, baseados em informações bem fundamentadas, sejam aceitos como componentes importantes nos processos decisórios, sua influência é limitada. Na visão do autor estes limites seriam: a própria Análise de Política, e as pessoas que a realizam, podem cometer erros; os processos de investigação baseada na ciência ou em métodos racionais são muito mais lentos e custosos do que o permitem os prazos e capacidade de financiamento na esfera pública. A análise por si só não é capaz de avaliar a importância social e política e selecionar os problemas que necessitam ser enfrentados prioritariamente, isto é, não se pode decidir os conflitos a respeito de valores e interesses apenas com estudos ou investigações que se apresentam como racionais, científicos ou metodologicamente corretos. Outro autor que contribuiu significativamente ao tema é Forester (1989). A partir dos estudos de Lindblom e March (1978 e 1982), ele apresenta uma sistematização que explicita as diferenças entre a posição racional-compreensiva e a vertente analítica que percebe limites à racionalidade no processo decisório. É baseando-se na sua importante contribuição, que se organizou o Quadro 6.5.1 apresentado a seguir: QUADRO 6.5.1: UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE Na

posição

racional-compreensiva

os Na visão baseada em uma racionalidade limitada: 163


analistas trabalhariam com: 1. problemas bem definidos 2. uma lista completa de alternativas para sua consideração 3. uma base completa de informação sobre contexto e ambiente 4. visão adequada sobre os impactos de cada alternativa 5. informação completa sobre os valores e interesses dos cidadãos e grupos de interesse 6. competências, recursos e tempo suficientes

os problemas são ambíguos e pouco determinados a informação para identificação de alternativas é precária e muitas alternativas são desconhecidas a informação sobre o contexto ou ambiente é problemática é incompleta os impactos das possíveis alternativas levantadas é desconhecido os interesses, valores e preferências não são bem estabelecidos o tempo, as competências e os recursos são limitados

FONTE: elaborado pelo autor. A posição de Forrester (1989) é que, dado a consciência dos limites da utilização de métodos inteiramente racionais para a tomada de decisão, o que se acaba fazendo em termos práticos é adotar esquemas simplificados para a busca de compreensão sobre cada situação. Em situações em que prevalecem os juízos e preconceitos estabelecidos, as tradições e práticas anteriores, e quando nem todas as alternativas para cursos de ação são examinadas, sendo escolhida a primeira que se apresenta como satisfatória e não a que seria ótima são a regra e não a exceção. A opção por adotar uma postura racional-comprensiva na formulação de políticas pode ser irrealista e inócua. Alternativamente, conceber a formulação como baseada na racionalidade limitada ou pior, na postura meramente incremental pode deixar o fazedor de políticas de “mãos atadas” e simplesmente reproduzir o passado.

6.5.2. Algumas propostas intermediárias Braybrooke e Lindblon (1969) formulam oito críticas ao modelo racional. Segundo eles, este modelo não é adaptado: 1. Às limitadas capacidades humanas para resolver problemas. 2. À inadequação da informação. 3. Ao custo da análise. 4. As falhas na construção de um método estimativo satisfatório. 5. Às estreitas relações observadas entre fato e valor na elaboração de políticas. 6. À abertura do sistema de variáveis sobre o qual ele opera. 7. À necessidade do analista de seqüências estratégicas de movimentos analíticos 8. As diversas formas em que os problemas relacionados às políticas realmente ocorrem. 164


O modelo que propõem (“análise incremental objetiva”) se diferencia do anterior porque: 1. Considera apenas as alternativas que pouco se afastam da situação observada (e das políticas existentes); 2. Não indaga acerca das conseqüências de alternativas; 3. Não analisa separadamente meios e fins, e fatos e valores; 4. Não parte da especificação de objetivos para a formulação de políticas que levem a um “estágio futuro ideal”. Propõe a comparação de políticas específicas “possíveis” tendo como referência sua aderência aos objetivos e o tratamento iterativo dos problemas visando a sua superação; 5. Considera que uma boa política não é aquela que passa no teste do racionalismo, mas aquela que maximiza os valores do tomador de decisão e que permite um acordo entre os interesses envolvidos; 6. Considera que, apesar de suas imperfeições, o incrementalismo é preferível a um futile attempt at superhuman comprehensiveness; 7. Considera que agindo incrementalmente pode-se alterar eficazmente o status quo ─ ainda que pouco a pouco ─ evitando os grandes erros que o modelo racional pode implicar; 8. Considera que o mútuo ajuste entre partidários de políticas atuando independentemente, adaptando-se a decisões tomadas no seu entorno, e respondendo às intenções de seus pares, é o melhor modo de alcançar uma coordenação compatível com a democracia. Apoiando a idéia de que uma racionalidade restrita no processo de políticas seria “o melhor que se poderia obter” ou que “é melhor do que nada”, Lindblom (1979) apresenta o conceito de análise estratégica como uma análise limitada a um conjunto de procedimentos para o estudo de políticas obtido a partir da escolha informada e atenta entre os métodos disponíveis para a simplificação de problemas complexos. Já Harrison, Hunter e Pollit (1990), por sua vez, propõem que uma seqüência de mudanças incrementais pode muito bem ocorrer num contexto no qual certos interesses são dominantes, e que, portanto, em situações como esta tenderia a não ocorrer um ajuste “mútuo”. Dror (1964) critica o conservadorismo do modelo incremental, e o apoio que confere às forças pró-inércia e anti-inovação. O incrementalismo seria adequado somente quando 165


existissem políticas razoavelmente satisfatórias e um alto grau de continuidade dos problemas e dos meios para tratá-los, isto é, quando existisse grande estabilidade social. O modelo que ele sugere (optimal method) combina o emprego de métodos “extraracionais” de identificação de preferências dos atores com o exame criterioso, ainda que seletivo, das opções e metas de política. Embora aceitando o modelo incremental como uma descrição aceitável da realidade, ele considera necessário adotar um modelo normativo mais próximo ao racional. O problema é como operacionalizar o modelo. Etzioni (1967) critica a idéia de Lindblom (1979) de que uma sucessão de pequenos passos podem produzir mudanças tão significativas quanto passos grandes mas pouco freqüentes, como implicitamente proposto pela visão racional. Nada garante que pequenos passos levem à acumulação de resultados ao invés de um movimento circular em torno da situação inicial, sem direcionalidade e de pouco impacto. Segundo ele, o ajuste mútuo entre partidários de interesses diferentes nem sempre é, de fato, mútuo e tende a estar enviesado em favor dos atores mais influentes e mais organizados (grandes corporações, por exemplo); inovações básicas a respeito de questões fundamentais tendem a ser negligenciadas. Ele sugere o método do mixed scanning: situações que envolvem grandes decisões, dado que sentam as bases para decisões incrementais futuras, devem ser analisadas de uma maneira mais cuidadosa, próxima à proposta pelo modelo racional. Desta forma, os aspectos negativos de cada modelo seriam minimizados. O problema é como identificar essas situações e distinguir as decisões fundamentais das incrementais. Muitas vezes ações são implementadas justamente porque “as coisas sempre foram feitas deste modo...” O “incrementalismo revisitado” de Lindbom (1979) e as críticas de Dror e Etzioni (1967) dão origem a três tipos de análise para a tomada de decisão; cada um deles embutido no seguinte de maior nível:  Análise incremental simples: envolve a consideração de alternativas que se diferenciam apenas incrementalmente do status quo;  Análise incremental objetiva: envolve a consideração de umas poucas alternativas conhecidas; da relação existente entre objetivos e valores, e os aspectos empíricos do problema. Supõe uma preocupação maior com o problema do que com os objetivos perseguidos e explora apenas algumas das conseqüências de uma dada alternativa. A análise é dividida entre vários participantes; 166


 Análise estratégica: envolve a consideração de estratagemas (algoritmos, indicadores etc.) capazes de simplificar problemas complexos de política. Ao invés de buscar uma análise racional sinóptica, considerada um ideal impossível, a proposta sugere a complementação do modelo incremental através de um alargamento do campo de análise, podendo até incluir uma busca especulativa sobre futuros possíveis, envolvendo prazos mais longos. O incrementalismo revisitado reconhece que o ajuste mútuo é eficaz para abordar questões corriqueiras. Mas que, ao contrário, as grandes questões ─ como, por exemplo, a distribuição de renda ─, acerca das quais existe uma manipulação ideológica por parte dos grupos dominantes, exigem tratamento distinto (análise estratégica). Desenvolvendo sua análise na direção de produzir subsídios para a Análise Política, Forrester (1989) compara a posição racional-compreensiva às diferentes vertentes compatíveis com a concepção da racionalidade limitada. Ele aponta cinco concepções analítico-teóricas ou modelos, que estudam as relações entre a racionalidade e os processos decisórios envolvidos na elaboração de políticas, e que poderiam ser usados para definir diferentes estratégias de resposta, ação e tomada de decisão para cada situação específica (ver Figura 6.5.2.1). FIGURA 6.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISÓRIO Modelos Elemento Compreensiva s (sem limites) Ator

Limitação Cognitiva – I um ator um ator racional decide nãoe executa racional, falível

Diferenças Sociais - II diversos atores e competências em cooperação

Pluralista III

- Limitação Estrutural – IV

atores competindo organizados em grupos de interesses Problema bem definido definido de interpretação múltiplas forma variável a definições imprecisa cada ator de valores, impactos e direitos Informaçã perfeita Imperfeita qualidade e contestada o acesso e aceita variados como manipulada Tempo infinito ou limitado limitado tempo é sempre poder suficiente

atores em estruturas políticas e econômicas com desigualdade definições em bases ideológicas

desinformação ideológica e vinculada ao poder é poder e é limitado conforme interesse dos atores 167


Estratégia tecnicamente prática perfeita, ótima

baseada atuação em baixas redes expectativa e satisfação

em incremental, com verificação e ajustes

baseada em antecipação, neutralização, organização

FONTE: Forrester (1989). As diferentes concepções apresentadas revelam o debate sobre as possibilidades do apoio racional às decisões e podem fixar os limites entre o mundo da política e as pretensões técnico-racionalistas dos analistas. Na posição IV, de limitação estrutural, podem ser encontradas as bases teórico-conceituais para a análise de muitas das políticas que são elaboradas em nosso meio. A imagem concebida por Ham e Hill (1993) sobre o ambiente de elaboração da política pública, resultante da extensa revisão e sistematização da literatura que realizam, aproxima-se do modelo IV de racionalidade limitada, com distribuição não eqüitativa de poder entre os diversos interesses em jogo, proposto por Forester (1989). Outros dois autores que realizaram um importante trabalho de sistematização são Hogwood e Gunn (1984). Para entender o processo político (penetrar na caixa preta do enfoque sistêmico) utilizam três modelos (idealizações) do processo de formulação de política: - Modelo racional: baseia-se na hipótese de que a formulação é um processo essencialmente racional, em que os atores tomam suas decisões apoiando-se numa seqüência de passos sistematicamente observada. No limite, os problemas são entendidos como “técnicos” (e não políticos), o ambiente, consensual, e, que o processo está permanente sob controle. - Modelo (burocrático) incremental: supõe que a formulação é um processo inescapavelmente político, no qual as percepções e interesses dos atores invadem todas as suas etapas. A implementação, mais do que a formulação, é vista como especialmente problemática. A política é o resultado de uma permanente barganha num ambiente conflitado. - Modelo do processo organizacional: interpreta as decisões e ações não como resultado de uma escolha racional, mas de um comportamento baseado em rotinas e procedimentos-padrão sistemática e previamente definidos. A opção de adotar o modelo racional como referência, com status normativo, não deve levar a uma desconsideração dos aspectos políticos inerentes ao processo de elaboração de políticas. Por outro lado, descartar esse modelo, seria compactuar com 168


aqueles que, cinicamente, desqualificam qualquer pretensão de tornar o processo de elaboração de políticas mais adequado para a solução dos problemas sociais. Com ressaltam Hogwood e Gunn (1984), o modelo racional é aplicado para resolver problemas de uma forma sistemática. Ele deve ser também usado para resolvê-los de uma maneira democrática. Do ponto de vista da análise, deve ser sempre lembrado que a opção por uma das interpretações impõe diferenças substantivas em termos da metodologia de pesquisa a ser usada e, portanto, hipóteses quanto à conformação das estruturas de poder que estão por trás da formulação das políticas. E que as metodologias empregadas condicionam o tipo de assuntos a serem pesquisados e os “achados” que podem ser descobertos.

6.5.3. O processo de Elaboração de Políticas Públicas e os modelos de análise Para terminar esta extensa seção, a segunda que trata do tema da formulação da política, parece conveniente apresentar um resumo sobre o processo de Elaboração de Políticas Públicas. Ele costuma ser dividido em três fases sucessivas ─ Formulação, Implementação e Avaliação ─ que conformam um ciclo que se realimenta. A política é, primeiramente, formulada. Isto é, concebida no âmbito de um processo decisório pelos “tomadores de decisão” que pode ser democrático e participativo ou autoritário e “de gabinete”; de “baixo para cima” ou de “cima para baixo”; de tipo racional e planejado ou incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atores intervenientes; com ou sem manipulação e controle da agenda dos atores com maior poder; detalhadamente definida ou deixada propositadamente incompleta para “ver se cola” e como é que fica “na prática”. Dependendo principalmente do grau de racionalidade do processo decisório, a fase de Formulação pode contemplar etapas como pesquisa do assunto, filtragem do assunto, prospectiva, explicitação de valores e objetivos globais Depois de formulada, inicia-se a Implementação da política, mediante os órgãos e mecanismos existentes ou especialmente criados, pelos burocratas. Dependendo, sobretudo, do grau de definição da política, eles exercem seu poder discricionário ─ variável principalmente segundo o nível em que se encontram na hierarquia ─ adaptando a política formulada à realidade da relação Estado-Sociedade e das regras de formação do poder econômico e político que estas impõem ao jogo entre os atores sociais. Finalmente, ocorre a Avaliação da política, quando os resultados ─ entendidos como produtos e metas definidos e esperados num âmbito mais restrito ─ e impactos ─ 169


entendidos como produtos sobre um contexto mais amplo e muitas vezes não esperados ou desejados ─ decorrentes de sua Implementação são comparados com o planejado. Ou, no limite, quando a Formulação se dá de forma totalmente incremental, aprovados através de um critério de satisfação dos interesses dos atores envolvidos. É o grau de racionalidade da fase de Formulação e o estilo de Implementação o que define como irá ocorrer a Avaliação. No extremo racional, em que existe uma intencionalidade da mudança de um determinado sistema, a Avaliação é condição necessária. É através dela que o trânsito do sistema de uma situação inicial a uma outra situação, tida como desejada, pode ser promovida. É a Avaliação que aponta as direções de mudança e as ações a serem implementadas num momento ulterior. Após a implementação dessas, e a avaliação dos resultados alcançados é que, iterativamente, serão propostas novas ações que levarão o sistema a aproximar-se do cenário desejado. Pode-se sintetizar a discussão colocada nesta seção dizendo que a associação entre incrementalismo e sociedades plurais e entre racionalismo e sociedades totalitárias é falsa. E que, muito importante, é necessário resgatar a questão central acerca do que significa o racionalismo em sociedades democráticas. Uma coisa é tentar definir os objetivos de uma determinada sociedade de uma forma racional. Outra é procurar implementar os objetivos democraticamente estabelecidos através de um modelo racional.

6.6. Modelos para o estudo da implementação de políticas O estudo da implementação é às vezes denominado o “elo perdido” entre a preocupação com o policy making e a avaliação dos resultados e impactos da política. Ele pode ser resumido à pergunta; porque certas políticas são bem sucedidas (bem implementadas) e outras não? Dizemos que a implementação foi mal sucedida quando a política foi colocada em prática de forma apropriada sem que obstáculos sérios tenham-se verificado, mas ela falhou em produzir os resultados esperados. Neste caso, é provável que o problema (falha) da política não esteja na implementação propriamente dita, mas na formulação. Dizemos que há um hiato (gap) de implementação quando a política não pôde ser colocada em prática de forma apropriada porque aqueles envolvidos com sua execução não foram suficientemente cooperativos ou eficazes, ou porque apesar de seus esforços não foi possível contornar obstáculos externos.

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Para verificar de que tipo é a situação que se está tratando, a questão chave é escolher quais dos dois enfoques (top down e bottom up) é a ela mais adequado. Isto é, a qual destes dois extremos a política em análise se encontra mais próxima. Esta escolha deve dar-se em função de uma avaliação de conjunto que deve ser realizada tendo em conta as características que apresenta a política. Freqüentemente, inclusive porque ela é sempre uma solução de contingência, de compromisso (situações mistas podem ocorrer) e por aproximação, esta escolha pode se modificar ao longo da análise.

6.6.1. O enfoque top down O modelo ou enfoque top down aborda o porquê de certas políticas serem bem sucedidas (bem implementadas) e outras não, partindo de uma definição de implementação como um processo em que “ações de atores públicos ou privados são dirigidas ao cumprimento de objetivos definidos em decisões políticas anteriores”. A política é, assim, entendida como uma “propriedade” dos policy makers situados no topo das organizações, como atores que têm o controle do processo de formulação. O hiato entre as aspirações desses atores situados num plano central (federal, por exemplo) e realidades locais seria a causa dos déficits de implementação. Para que uma política de tipo top down seja bem implementada é necessário que dez pré-condições sejam observadas: 1. Que as circunstâncias externas à agência responsável pela implementação não imponham a esta restrições muito severas. 2. Que tempo adequado e recursos suficientes sejam colocados à disposição do programa. 3. Que não haja nenhuma restrição em termos de recursos globais e que, também, em cada estágio do processo de implementação, a combinação necessária de recursos esteja realmente disponível. 4. Que a política a ser implementada seja baseada em uma teoria de causa e efeito válida. 5. Que as relações de causa e efeito sejam diretas e em pequeno número. 6. Que haja uma única agência de implementação que não dependa de outras ou, se outras agências estiverem envolvidas, que as relações de dependência sejam pequenas em número e importância.

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7. Que haja entendimento completo, e consentimento, acerca dos objetivos a serem atingidos; e que estas condições persistam durante o processo de implementação. 8. Que ao mobilizar-se para o cumprimento de objetivos acordados seja possível especificar, em completo detalhe e perfeita seqüência, as tarefas a serem levadas a cabo por cada participante do programa. 9. Que haja perfeita comunicação e coordenação entre os vários elementos envolvidos no programa. 10. Que aqueles com autoridade possam exigir e obter perfeita obediência.

6.6.2. O enfoque bottom up O enfoque bottom up constitui-se a partir de críticas ao enfoque top down ou da introdução de restrições ao que se poderia considerar o caso perfeito, ideal, de elaboração de política. Elas são classificadas em: i) Relativas à natureza da política: A política entendida como instância que, ao ser definida (ou “indefinida”), “cria problemas” de implementação. Políticas deste tipo, que projetam conflitos (ou compromissos) não resolvidos, que não contemplam recursos para sua implementação, que envolvem relações pouco definidas entre organizações que as devem implementar, que envolvem a criação de novas organizações etc., são denominadas “simbólicas”; ii) relativas às relações entre a formulação e a implementação: A política entendida como uma instância e como um compromisso que se mantém e renova ao longo do processo de implementação; o que faz com que se torne difusa a interface entre formulação e implementação; iii) relativas às instâncias normativas adotadas pelos analistas. O enfoque bottom up parte da análise das redes de decisões que se dão no nível concreto em que os atores se enfrentam quando da implementação, sem conferir um papel determinante às estruturas pré-existentes (relações de causa e efeito e hierarquia entre organizações etc.). O enfoque bottom up parte da idéia de que existe sempre um controle imperfeito em todo o processo de elaboração de política, o que condiciona o momento da implementação. Esta é entendida como o resultado de um processo interativo através do qual uma política que se mantém em formulação durante um tempo considerável se

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relaciona com o seu contexto e com as organizações responsáveis por sua implementação. Segundo o enfoque bottom up: a implementação é uma simples continuação da formulação. Existiria um continuum política/ação no qual um processo interativo de negociação tem lugar entre os que buscam colocar a política em prática ─ aqueles dos quais depende a ação ─ e aqueles cujos interesses serão afetados pela mudança provocada pela política. Ele supõe (no limite) que a implementação carece de uma intencionalidade (racionalidade) determinada pelos que detêm o poder. Esse enfoque chama atenção para o fato de que certas decisões que idealmente pertencem ao terreno da formulação só são efetivamente tomadas durante a implementação porque se supõe que determinadas opiniões conflitivas não podem ser resolvidas durante o momento da tomada de decisão. Seria ineficaz (ou prematuro e por isto perigoso) tentar resolver conflitos aí, uma vez que são as decisões do dia-a-dia da implementação as que realmente requerem negociação e compromisso entre grupos poderosos e decisões-chave só podem ser tomadas quando existe uma percepção mais clara dos potenciais resultados da política à disposição dos “implementadores”. Assim, são os “implementadores” os melhor equipados para tomar essas decisões que “deveriam” ser tomadas no momento da formulação. O processo de implementação pode ser estudado segundo distintas perspectivas de análise: i) Organizacional: quando o tipo de organização é planejado em função do tipo de ação; ii) Processual: a implementação é um resultado de uma sucessão de processos; iii) Comportamental: há uma ênfase na necessidade de reduzir conflitos durante o processo; iv) Político: padrões de poder e influência entre e intra-organizações são enfatizados. Em situações em que uma política possui objetivos e contempla atividades claramente definidos, e mais ainda se os inputs e resultados são quantificáveis, é possível identificar déficits de implementação e o enfoque top down é aconselhável. Embora isto freqüentemente ocorra, a Análise de Política não deve privilegiar a análise do processo de implementação ou tomá-la com algo à parte. O estudo de aspectos relacionados ao estudo das organizações, ao papel da discricionariedade e dos street level

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bureaucrats, entre outros, são os passos seguintes do percurso para a análise do processo de elaboração de políticas.

6.7. O estudo das organizações e a Análise de Política O estudo das organizações e da formulação de políticas tem evoluído muito nas últimas décadas, desde Weber (1961), para quem “todo poder se manifesta e funciona como administração”, aos enfoques estruturalistas e comportamentais, que incorporam variáveis inerentes ao contexto externo ao âmbito interno às organizações. O crescimento das ciências sociais nos EUA, e, em particular, dos estudos sociológicos e psicológicos sobre o comportamento dos indivíduos no interior das organizações, teve como resultado uma crescente ênfase: à abordagem das relações humanas (atribuindo-se relevância à motivação, ao entusiasmo e às relações nos grupos de trabalho); ao enfoque dos psicólogos sociais (procurando explorar o conflito entre as necessidades humanas e os aparentes pré-requisitos das organizações formais); à “teoria da contingência” (proclamando a existência de uma interação complexa entre variáveis contingentes e estruturais, que relacionam o poder organizacional interno e o contexto externo).

6.7.1. A discricionariedade dos escalões burocráticos inferiores e a elaboração de políticas O conceito de discricionariedade reporta a uma situação em que um funcionário público possui um grau de poder de decisão que o torna capaz de escolher entre distintos cursos de ação ou “não-ação”. Neste caso, diz-se que ele poder discricionário. Existe uma diferença entre o conceito de “julgamento”, quando uma simples interpretação das regras é requerida, e “discricionariedade”, quando as regras conferem a um certo tipo de funcionário, em situações específicas, a responsabilidade de tomar decisões que ele considera apropriadas. Toda delegação de poder envolve facultar ao burocrata situado numa posição hierárquica inferior, discricionariedade. O conflito entre regra e discricionariedade é o outro lado da moeda do conflito entre autoridade dos chefes e a sua confiança nos subordinados. A delegação de poder remete a perguntas do tipo: Como atua a parte da burocracia que interage diretamente com os cidadãos no desempenho de suas funções, aquela que 174


se situa mais distante dos centros de decisão política e mais próximo à implementação das políticas, no “nível da rua” (street-level bureaucrat)? Este tipo de funcionário público costuma ter um considerável poder discricionário na execução de seu trabalho. Suas decisões, baseadas nas rotinas que estabelece, nos mecanismos que inventa para enfrentar as incertezas resultantes da pressão do trabalho, é o que determina a maneira como as políticas são efetivamente implementadas. Isso nos leva a indagar sobre até que ponto a política pública deve ser entendida como algo feito no legislativo ou nos gabinetes dos administradores de alto escalão, uma vez que, de uma maneira importante, ela é de fato feita nas repartições lotadas onde se dá o atendimento diário do público pelos street-level bureaucrats. O

poder

desses

funcionários

na

conformação

das

políticas

efetivamente

implementadas é consideravelmente superior ao de outros funcionários públicos de mesmo nível hierárquico e remuneração, mas que não atuam diretamente com o público. Isto faz com que possam ser considerados como os efetivos “fazedores da política”. Estes funcionários ─ os “implementadores” ─ quebram regras e estabelecem rotinas para poderem trabalhar. Caso operassem “segundo o regulamento” paralisariam o serviço. Que é o que ocorre em situações de conflito em que, freqüentemente, antes de entrarem em greve, realizam uma “operação tartaruga” como forma de boicote. Seu poder manifesta-se tanto em relação aos consumidores como em relação às agências às quais pertencem. Seu poder discricionário é tanto maior quanto: i) Maior a diferença entre a demanda e a oferta de recursos disponíveis para serem alocados; ii) Menos claras forem as determinações emanadas da direção da agência; iii) Mais pobre ou menos poderosa e difusamente organizada for a clientela. Como uma recomendação conclusiva para que a análise do comportamento dos burocratas chegue ao resultado esperado, cabe lembrar que eles muitas vezes entram na carreira com ideais que não conseguem realizar na prática. Passam sua vida produtiva num ambiente de trabalho corrompido. E, em geral, consideram que estão fazendo o melhor que podem, alocando recursos materiais e tempo sempre escassos para atender a uma demanda que pode ser entendida (segundo a teoria neoclássica) como virtualmente infinita, uma vez que o preço do serviço que prestam é nulo.

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6.7.2. Os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas As organizações são elementos centrais no processo de elaboração de políticas. São o lócus onde ocorre o processo decisório, o principal agente responsável pela implementação das políticas e, freqüentemente, onde se avalia o resultado das políticas que nela se formulam e implementam. Também no caso das organizações é possível “destilar” modelos capazes de serem usados para sua análise. Apoiando-se na contribuição de Elmore (1978), é possível classificar as organizações em quatro tipos tomando como referência particular o momento da implementação e referindo-os a quatro categorias de análise. Para cada um dos tipos, a implementação é entendida, respectivamente, como um sistema de gerenciamento, como um processo burocrático, como desenvolvimento organizacional e como um processo de conflito e barganha é referido a quatro categorias de análise - Princípio Central, Distribuição de Poder, Processo de Formulação de Políticas e o Processo de Implementação propriamente dito. Os Quadros 6.7.2.1, 6.7.2.2, 6.7.2.3 e 6.7.2.4 que seguem mostram as características de cada tipo de organização.

QUADRO 6.7.2.1: TIPO 1 – ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO

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Princípio Central

Distribuição de Poder

Formulação

Organizações operam como maximizadores racionais de valor. O atributo essencial é o procedimento direcionado a metas; as organizações são eficientes na medida em que maximizem seu desempenho em relação a seus objetivos e metas centrais. Cada tarefa que uma organização executa deve contribuir para pelo menos um dos objetivos que refletem os propósitos da organização. Organizações são estruturadas sobre o princípio do controle hierárquico. A responsabilidade pela formulação de políticas e controle completo sobre os sistemas operacionais recai sobre a alta gerência que aloca tarefas específicas e objetivos a unidades subordinadas e acompanha seu desempenho. Para todas as tarefas que a organização executa, existe uma alocação ótima de responsabilidade entre sub unidades que maximiza o desempenho da organização para o cumprimento de seus objetivos. A formulação consiste em encontrar este ponto ótimo e mantê-lo, ajustando continuamente a alocação interna de responsabilidades.

Consiste em definir de uma detalhada relação de metas que reflita exatamente os objetivos de uma política; determinar responsabilidades e Implementação padrões de desempenho para sub unidades consistente com seus objetivos; monitorar sistematicamente desempenho, e elaborar ajustes internos que melhorem a consecução das metas. O processo é dinâmico, não estático; o desenvolvimento impõe continuamente novas demandas que requerem ajustes internos. Mas a implementação é sempre direcionada a metas e maximizadora de valor.

QUADRO 6.7.2.2: TIPO 2 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO BUROCRÁTICO

Princípio Central

Distribuição de Poder

Formulação

As duas características centrais são discricionaridade (arbítrio) e rotina; todos os procedimentos importantes podem ser explicados a partir do irredutível arbítrio exercido por funcionários individualmente em suas decisões do dia a dia e a operação de rotinas desenvolvidas para manter e fazer crescer sua posição na organização. O domínio de arbítrio e rotina significa que o poder tende a ser fragmentado e disperso entre pequenas unidades que exercem estrito controle sobre tarefas específicas em sua esfera de autoridade. O controle que qualquer unidade pode exercer sobre uma outra, lateralmente ou hierarquicamente, se deve a que, como as organizações vêm se tornando crescentemente complexas, as unidades se tornam altamente especializadas e exercem grande controle sobre suas operações internas. Consiste em controlar o arbítrio e mudar rotinas. Todas as propostas visando mudanças são avaliadas por unidades organizacionais em termos de uma gradação de afastamento em relação às normas determinadas; desta forma, as decisões na organização tendem a ser incrementais.

Consiste em identificar onde a discricionariedade está concentrado e onde, no repertório de rotinas organizacionais, são necessárias mudanças, criando-se Implementação rotinas alternativas que representem o propósito da política e induzindo as unidades organizacionais a substituir velhas rotinas por outras novas.

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QUADRO 6.7.2.3: TIPO 3 – ORGANIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL Organizações devem funcionar para satisfazer as necessidades psicológicas e

Princípio sociais básicas dos que as constituem, a partir da autonomia e controle sobre seu Central próprio trabalho, da participação nas decisões que os afetem e do compromisso com os propósitos das mesmas. Organizações devem ser estruturadas para maximizar o controle individual, participação e compromisso em todos os níveis. Burocracias hierarquicamente estruturadas maximizam estes aspectos, mas para pessoas que se encontram nos níveis mais altos da organização, às custas dos que se encontram nos níveis inferiores. Portanto, a melhor estrutura é a que minimiza o controle hierárquico e distribui capacidade de decisão entre todos os níveis da organização.

Distribuição de Poder

Consiste na construção de consensos e sólido relacionamento interpessoal entre os membros do grupo. Depende da criação de grupos de trabalho efetivos. A qualidade das relações interpessoais determina em grande medida a qualidade das Formulação decisões. Grupos de trabalho efetivos são caracterizados por metas compartilhadas, comunicação aberta, confiança e apoio recíprocos entre membros do grupo, completa utilização das habilidades e controle de conflitos. Consiste na construção de consensos e acomodação entre fazedores de política e implementadores. O problema central da implementação é a dificuldade do processo resultar em consensos quanto às metas, autonomia Implementação individual e compromisso com as políticas por parte daqueles que devem executá-la.

QUADRO 6.7.2.4: TIPO 4 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA Princípio Central

Organizações são arenas de conflitos nas quais indivíduos e sub unidades com interesses específicos competem por vantagens relativas no exercício do poder e na alocação de recursos escassos.

Distribuição de Poder

Nunca é estável. Ela depende de habilidades transitórias de indivíduos ou unidades para mobilizar recursos para manejar os procedimentos dos outros. A posição formal na hierarquia é apenas um dos fatores que determinam a distribuição do poder. Outros fatores são conhecimento, controle de recursos materiais e capacidade de mobilizar apoios externos. O exercício do poder nas organizações é fragilmente relacionado à sua estrutura formal.

Consiste em um processo de barganha no interior e entre unidades da organização. Decisões negociadas são o resultado de consenso entre atores com diferentes preferências e recursos. Negociação não requer que as partes entrem em acordo sobre objetivos comuns nem eventualmente requer que elas contribuam Formulação para o êxito do processo de negociação. A barganha exige apenas que as partes concordem em ajustar mutuamente sua conduta no interesse de preservar a negociação como um instrumento para a alocação de recursos. Consiste numa complexa série de decisões negociadas refletindo as preferências e recursos dos participantes. Sucesso ou fracasso não podem ser avaliados Implementaçãocomparando-se o resultado com uma simples declarações de intenção, porque uma lista de propósitos simples não pode gerar um enunciado consistente dos interesses das diversas partes participantes do processo. O sucesso só pode ser definido em relação aos objetivos de um ator no processo de negociação ou em termos de preservação do processo em si mesmo.

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6.8. Os Momentos da elaboração de políticas públicas A partir das considerações realizadas nas seções anteriores, que se referem quase que exclusivamente à análise, propriamente dita, do processo de elaboração de políticas e que buscam capacitar o leitor a analisar criticamente políticas cuja responsabilidade de formulação e implementação não é dele, cabe explorar um outro tema. Esta seção apresenta os procedimentos que devem ser seguidos para formular políticas que possam ser implementadas de maneira adequada e para que elas sejam implementadas de forma a alcançar os objetivos e os impactos visados. Ela visa à capacitação do leitor enquanto responsável pela elaboração, propriamente de políticas públicas. Este tema da elaboração de políticas enquanto “arte e técnica de governo” tem sido tratado de forma exaustiva por muitos autores, ao contrário do que ocorre com o objeto das seções precedentes. O fato de que o conteúdo apresentado nestas seções ser um subsídio tão importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar e também avaliar) políticas públicas, quanto aquele que se apresenta a seguir, é o que nos leva a abordá-lo com um detalhe comparativamente menor. Na verdade, a ênfase que damos aos dois tipos de conteúdo é coerente com a negação que temos feito da proposição tecnocrática de que a elaboração de política pública pode ser encarada como a simples operacionalização de um conjunto de normas, procedimentos e passos de um manual. A intenção desta seção é, por isso, construir uma ponte entre as metodologias de planejamento usualmente adotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têm sido insistentemente apontada, e os conteúdos apresentados até aqui. Ou, alternativamente, através da fundamentação proporcionada pela Análise Política, e seu emprego para desvelar os aspectos mais propriamente políticos envolvidos no planejamento, contribuir para tornar aquelas metodologias mais realistas e eficazes. Assim, esta seção apresenta os procedimentos sugeridos por diversos autores que buscam melhorar a maneira como o processo de elaboração de políticas se desenvolve no âmbito do Estado capitalista contemporâneo oferecendo aos profissionais ali situados, e interessados em construir alternativas aos cursos de ação tradicionais, um conjunto de categorias e métodos de análise. Há que ressaltar, entretanto, que talvez mais do que no caso das seções anteriores, a leitura desta seção não substitui a consulta às obras aqui referidas. Entre elas, recomenda179


se enfaticamente a consulta ao livro de Hogwood e Gunn (1984), Policy Analisys for the Real World. Para facilitar a consulta aos autores citados, talvez seja conveniente classificá-los em dois grupos. Um primeiro mais preocupado em construir categorias de análise e descrever processos de trabalho voltados ao conjunto do processo de elaboração de políticas (como Lindblom (1981) e Hogwood e Gunn (1964) e um outro grupo, com interesse mais focado no momento de formulação (como Dror (1983) e Bardach (1998)). Como método de trabalho para a compreensão do processo de elaboração de políticas, Lindblom (1981) em seu trabalho seminal propõe a sua divisão no que considera seus componentes principais. Disto resulta sua sugestão de que os seguintes passos sejam observados: 1. Os diferentes problemas e reclamações, sociais ou de governo, chegam ao processo decisório e se convertem em temas da agenda de política dos dirigentes; 2. As pessoas ou atores concretamente envolvidos com o processo concebem, formulam ou descrevem estes temas objeto da ação governamental; 3. Planejam-se a ação futura, os riscos e potencialidades envolvidas, as alternativas, os objetivos previstos e os resultados esperados. 4. Os administradores aplicam (implementam) a política formulada; 5. Uma determinada política pode ser avaliada, o que pressupõe a construção de metodologias específicas para este tipo de análise. Uma observação dos três primeiros passos remete ao processo de formulação de uma política. Muito embora a preocupação com a implementação, para que ela seja eficiente e eficaz, e também a definição dos processos de avaliação devam existir previamente à implementação da política, este processo de planejamento deve ser separado de sua execução propriamente dita. Estes cinco passos ou “instâncias” de análise apresentadas por Lindblom (1981) são desdobrados de modo didático e rigoroso, ao longo de nove capítulos de seu livro, por Hogwood e Gunn (1964). O percurso que adotam para organizar o trabalho do profissional encarregado da elaboração de uma Política Pública engloba um conjunto de nove fases:  Escolha de Assuntos para Definição da Agenda;  Filtragem de Assuntos (ou decidir como decidir);  Definição ou processamento do Assunto;  Prospecção ou estudo dos desdobramentos futuros relativos ao Assunto; 180


 Definição de Objetivos, Resultados e Prioridades da Política;  Análise de Opções ou Alternativas para Cursos de Ação;  Implementação da Política (incluindo seu monitoramento e controle);  Avaliação e revisão da Política;  Manutenção, sucessão ou encerramento da Política. Entre os trabalhos voltados à elaboração de políticas, merece ser destacada a análise realizada por Dror (1983) e que pode ser resumida, utilizando-se os termos do autor, como as etapas para um policy making ótimo: A - Meta Policy making: 1. Análise de Valores Sociais e de Atores envolvidos; 2. Análise da Realidade onde se pretende atuar; 3. Processamento de Problemas; 4. Desenvolvimento de Recursos; 5. Montagem do sistema de Formulação de políticas; 6. Alocação e definição de Problemas, Valores e Recursos; 7. Determinação da Estratégia; B – Policy making: 1. Alocação de recursos; 2. Estabelecimento de metas operacionais; 3. Estabelecimento de priorização de valores; 4. Preparação de um conjunto de alternativas; 5. Análise de custos e benefícios futuros; 6. Identificação dos melhores resultados por alternativa; 7. Avaliação de custos e benefícios das melhores alternativas; C – Post Policy making: 1. Incentivo à implantação da política; 2. Execução da política; 3. Avaliação da formulação de política. Dror (1964) propõe que todas estas 17 fases sejam apoiadas e interligadas por uma forte rede de comunicação e retroalimentação. Bardach (1968), ao sugerir uma seqüência de oito “passos” para a formulação de políticas, ressalta que ela não deve ser entendida como rígida ou completa e que em muitas situações é necessário realizar os passos em ordem diversa da apresentada. Além 181


disso, e tal como Hogwood e Gunn (1964), o autor afirma que o processo de formulação da política é sempre interativo e muitas das etapas repetem-se e algumas, como a obtenção de informação, pode ter sua execução realizada recorrentemente ao longo de todo o processo. Os passos propostos por Bardach (1968) são os seguintes: 1. Definição do Problema a ser enfrentado; 2. Obtenção de informação; 3. Construção de Alternativas; 4. Seleção de critérios para avaliar alternativas; 5. Projeção dos Resultados; 6. Confrontação de custos; 7. Tomada de Decisão; 8. Argumentação e defesa da Proposta: Comunicação. Todos os autores chamam a atenção para a existência de restrições ao processo de elaboração “perfeita” de uma política. Entre elas, são enfatizadas restrições como o tempo decorrido entre a decisão, a formulação e a verificação dos resultados obtidos; a subordinação da avaliação à obtenção de informação qualificada e em tempo oportuno; e a preponderância de valores e diferenças de visão política no decorrer dos processos. A estas haveria que agregar outras especialmente importantes nos países periféricos como o fato de que as políticas são aqui geradas e implantadas em um ambiente marcado por uma grande desigualdade de poder, de capacidade de influência e de controle de recursos entre os diversos atores sociais; o que por si só aponta as dificuldades para adotar rigorosamente as proposições feitas pelos autores.

6.9. Experiências de Planejamento Público Alguns processos concretos de planejamento realizados em organizações públicas de países latino-americanos, como a construção de Planos Institucionais, têm adotado metodologias de trabalho inspiradas no método do Planejamento Estratégico Situacional, do professor Carlos Matus (MATUS, 1993), e no método ZOPP33 (BOLAY, 1993). Métodos que se aproximam em muitos aspectos ao conteúdo apresentado na seção anterior. 33

Sigla em alemão para Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos. O método ZOPP incorpora o Logical Framework Approach, LFA, desenvolvido pela USAID nos anos de 1960. Posteriormente foi revisto pela GTZ, agência do governo alemão, para a apoio a projetos de desenvolvimento.

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Em geral, o desenvolvimento deste tipo de trabalho tem sido apoiado em consultoria externa especialmente contratada, uma vez que a “cultura” do planejamento estratégico encontra-se ainda muito incipientemente implantada nessas organizações. O processo costuma ter início com um encontro de planejamento envolvendo os atores relevantes à ação do órgão seguido da realização de seminários de planejamento organizados com técnicas participativas para tomada de decisões. De forma geral, o processo realizado pode ser resumido a partir das próprias instâncias de formulação, como segue: Conformação da Agenda:  Escolha dos participantes  Definição de objetivos do Processo  Definição da Missão da Organização  Levantamento dos Obstáculos ao Cumprimento da Missão  Definição do Problema Estratégico  Diagnóstico  Análise da situação problemática definida a partir do problema estratégico  Levantamento e análise de interesses para os Atores envolvidos  Explicação de cada problema na perspectiva de cada um dos atores envolvidos

Proposição:  Escolha dos cursos de ação  Definição de projetos de ação e resultados pelo Ator que planeja  Levantamento de Cenários futuros  Precisão de Resultados esperados

Estratégia:  Análise de posicionamento dos Atores relevantes em função dos resultados esperados  Estudos de viabilidade para cada um dos projetos de ação definidos  Formulação de cursos de ação para movimento junto aos atores  Montagem de grupos tarefa para detalhamento dos cursos de ação

Preparação da Implementação: 183


 Definição de mecanismos de implementação  Formação de equipe de suporte para o processo  Definição de mecanismos de controle e acompanhamento  Definição de procedimentos para avaliação e revisão permanente da Ação

6.10. Um roteiro para a Análise de Políticas Esta seção tem por objetivo oferecer ao leitor um roteiro de trabalho que o ajude a analisar uma área de atividade econômica, social etc. onde o governo possua um poder de influência elevado na definição dos rumos de seu desenvolvimento. Em outras palavras, uma área qualquer onde exista, ou possa ser explicitada a existência de uma política pública. Seu conteúdo é duplamente inespecífico. Primeiro porque esteja o analista situado no próprio aparelho de Estado ou fora dele, numa empresa privada ou no chamado terceiro setor, em todos os casos, ele terá que “... descobrir o que os governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz” (DYE, 1953). Para desempenhar seu trabalho de forma mais eficaz, ele terá que atuar (ou transformar-se) necessariamente num analista de política. Em segundo lugar, porque ele se adéqua a qualquer das áreas de atividade onde a atuação do governo é importante. Para desenvolver sua análise, o profissional (agora convertido em analista) deverá conhecer com alguma profundidade a área em que trabalha e o ambiente em que se insere. Se isto ocorrer, ele será capaz de identificar adequadamente os objetos, fatos, atores, organizações, relações, que correspondem aos elementos do marco analíticoconceitual ─ conceitos, modelos, fatos-estilizados ─ que se apresentou até aqui e que a seguir sintetiza-se. Pelo menos é este o desafio que esta seção procura enfrentar ao sistematizar a grande variedade de temas abordados pela também variada literatura consultada através de quadros sinópticos etc. Ao organizar esta seção adotou-se um estilo ao mesmo tempo “telegráfico” e abrangente coerente com a suposição de que o leitor não apenas conhece o conteúdo até aqui apresentado como terá condições de aprofundá-lo consultando a bibliografia indicada. Sua finalidade é que ele possa funcionar como um apoio metodológico quando não se conta ainda com elementos suficientes para realizar um trabalho mais focado e proporcionar insights e pistas de pesquisa que permitam iniciar o trabalho de uma forma

184


metódica, através do uso inter-relacionado dos conceitos próprios da Análise de Política com coerência e consistência.

6.10.1. Os instrumentos da Análise de Política A Figura 6.10.1.1 que segue ilustra a função do processo de análise de uma política no contexto mais amplo de um setor de atividade pública qualquer. Ela mostra como este processo, cujo objetivo é, por um lado apreender esta realidade e, por outro, fornecer indicações úteis para a elaboração propriamente dita da política, relaciona-se com a realidade. A característica policy oriented da atividade de análise é assinalada com a finalidade de enfatizar seu objetivo de, tendo em vista as restrições impostas por esta realidade, transformá-la buscando uma situação desejada. FIGURA 6.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS apreensão problem oriented

REALIDADE politics

mudança

ANÁLISE DE POLÍTICA

restrições POLICY

policy orientation

FONTE: elaborado pelo autor. O Quadro 6.10.1.2 oferece uma visão mais detalhada dessas duas funções da análise de política: apreender a realidade e atuar sobre ela. Eles devem ser vistos como uma síntese do conteúdo desenvolvido nas seções precedentes que busca proporcionar ao analista um guia para a análise assinalando a série de conceitos, relações e escolhas que deve manter-se no seu foco. Coerentemente com a característica desta seção, as expressões usadas não estão aqui definidas ou relacionadas a outras que, no entanto, contribuem a dar-lhes o significado que possuem.

QUADRO 6.10.1.2: FUNÇÕES DA ANÁLISE DE POLÍTICAS 185


para apreender a realidade: MODELIZAÇÃO  aspectos da realidade

 variáveis endógenas e exógenas

 relações de causalidade  fatos estilizados  comparações (diacrônicas e sincrônicas)  modelos descritivo e explicativo  determinações do contexto sócio-econômico

• para atuar sobre a realidade (policy) • modelos normativo e institucional • níveis de análise: atores e instituições, interesses e regras de formação do poder • processo de tomada de decisão: conformação da agenda, participação dos atores • “as três faces do poder”, racionalismo x incrementalismo, ‘non decison making’ • implementação: discricionariedade, “street level bureaucrat” déficit de implementação, enfoque top down x bottom up A Figura 6.10.1.3 que segue ilustra como a partir desses instrumentos é possível conceber um marco de referência para a análise da política. Seu entendimento, tendo em vista os conteúdos até aqui apresentados, não demanda muitos comentários. Parece necessário apenas salientar dois aspectos. Primeiro: é sobre o modelo produzido por meio do procedimento de modelização que a política é elaborada e, por isso, tudo se passa como se fosse sobre ele que o analista aplica marco de referência concebido; e é assim que ele pretende atuar sobre a realidade a ser modificada. Segundo: tanto quanto como o modelo, é importante para a concepção do marco de referência o ambiente institucional em que se dá o processo de elaboração da política.

FIGURA 6.10.1.3: CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK” 186


CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK”

MODELO

+

modelo

VARIÁVEIS endógenas e exógenas (SELEÇÃO) RELAÇÕES CAUSAIS (HIPÓTESE)

AMBIENTE INSTITUCIONAL

contexto

POLICY FRAMEWORK

MODELIZAÇÃO

sIstema sistema

realidade

FONTE: elaborado pelo autor. 6.10.2. Tipos de Análise de Política Entre as várias opções que deve realizar o analista no decorrer de uma análise de política, uma, crucial, é o tipo de trabalho que pretende desenvolver. O Quadro 6.10.2.1 que segue indica as sete variedades possíveis mostrando as respectivas características. A escolha do analista depende de sua perspectiva ideológica, objetivo, posição que ocupa no ambiente político etc. Freqüentemente, no entanto, o analista altera as características de seu trabalho, à medida que aumenta seu envolvimento com a política que analisa, podendo inclusive percorrer todo o espectro conformado pelas sete variedades abaixo indicadas.

QUADRO 6.10.2.1: VARIEDADES DE ANALISE DE POLÍTICA (1 ) Estudo do conteúdo das políticas

(2) Estudo da elaboração das políticas (3) Estudo do resultado das políticas

(4 ) Avaliação de políticas

analistas procuram descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento de políticas, isto é, determinar como surgiram, como foram implementadas e quais seus resultados; analistas dirigem a atenção para estágios pelos quais passam questões e avaliam a influência de diferentes fatores, sobretudo na formulação das políticas; explicar como os gastos e serviços variam em áreas diferentes, políticas interpretadas como variáveis dependentes entendidas em termos de fatores sociais, econômicos, tecnológicos e outros; identificar impacto que políticas têm sobre o contexto sócio-econômico, ambiente político, população;

(5) Informação para elaboração de políticas :

governo e analistas acadêmicos organizam os dados, para auxiliar a elaboração de políticas e a tomada de decisões;

(6) Defesa do processo :de

analistas procuram melhorar processos de elaboração de políticas e máquina de governo, mediante realocação de funções, tarefas e enfoques para avaliar opções; Atividade exercida por grupos de pressão que defendem idéias ou opções específicas no processo de elaboração de políticas.

elaboração da política 7) Defesa de políticas

FONTE: elaborado pelo autor.

187


6.10.3. Uma visão de conjunto dos três momentos da Elaboração de Políticas O Quadro 6.10.3.1 abaixo apresenta uma síntese do Processo de Elaboração de Políticas Públicas enfatizando aspectos dos seus três momentos. Ele pode ser usado como uma ajuda para a análise simplificada (e é claro, simplista e ainda pouco refinada) de uma política qualquer. Algo como um checklist. Sua utilização como uma espécie de guia de análise implica no procedimento de tentar “enquadrar” (ou classificar) cada um dos três momentos do processo de elaboração de uma dada política sob análise em um dos dois modelos estilizados extremos. Isto porque é tomando um dos dois como “caso puro, ideal” em relação ao qual se desvia o caso concreto que se está analisando é que se pode proceder de maneira segura à análise do processo concernente a cada momento. De modo a auxiliar a compreensão do quadro e facilitar seu uso, se realiza abaixo a sua “leitura por coluna”. Em cada coluna se indica os dois modelos ou aspectos extremos que costuma assumir, na realidade, o processo concernente a cada um destes momentos.

O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUADRO 6.10.3.1: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS FORMULAÇÃO

IMPLEMENTAÇÃO

INCREMENTAL (modelo descritivo = normativo)

RACIONAL (modelo explicativo = normativo)

BOTTOM UP

TOP DOWN

Negociação Ajuste

Interesses Valores Objetivos

“profissionais” decisores continuum discricionaridade

burocratas agências “manual”

“consenso” forçado pela segunda e terceira faces do poder

Plano como instância de explicitação de conflitos

AVALIAÇÃO RITUALÍSTICA

INDUTORA DE MUDANÇAS

Irrupção de conflitos Terceira face do encobertos na poder como formulação garantia de implementação

- o “bom é o possível, o que satisfaz a elite

- o “bom é o RESULTADOS, PRODUTOS que satisfaz o plano E IMPACTOS

- critérios ex-post, exógenos

- critérios ex-ante, endógenos

Monitoramento dos efeitos

Metas, prazos

Satisfação das Elites

comparação: metas x resultados

combinação mais usual

FONTE: elaborado pelo autor. Na primeira coluna, da Formulação, opõe-se os modelos incremental e racional, na segunda, da implementação, confrontam-se os modelos bottom up e top down e, na terceira, da avaliação, apresentam-se as alternativas da avaliação simplesmente ritualística e a que é, de fato, indutora de mudanças sobre o ambiente em que atua a política.

188


Existe uma óbvia correspondência entre o modelo situado à esquerda na segunda e terceira colunas com aquele situado à esquerda na primeira coluna. Ou seja, se o modelo que mais se adequai à realidade observada é o racional, é provável que a implementação da política tenha transcorrido de acordo com um modelo top down e deva ser por seu intermédio analisada. E, se este é o caso, é provável que a avaliação dos resultados da política possa se dar em torno às metas, objetivos etc., previamente definidos e que ela seja capaz de induzir mudanças no processo de formulação e, assim por diante, ao longo do “ciclo da elaboração de política”. Apesar disto, o procedimento que se aconselha é considerar esta correspondência como algo a ser testado. Isto porque situações mistas podem ocorrer. Voltando à Formulação, vemos que o processo decisório pode seguir (ou ser assimilado a) um modelo incremental, cuja ênfase é basicamente descritiva e, aparentemente sem conteúdo normativo, ou racional, cujo objetivo não é apenas descrever a realidade, mas explicá-la e, explicitamente, atuar sobre ela (prescrever). No primeiro modelo, o processo decisório caracteriza-se pela negociação e barganha, sem a utilização de qualquer metodologia específica de planejamento, por exemplo. Vigora apenas o diálogo entre partidários de interesses e cursos de ação distintos, todos eles dispondo, idealmente, de informação plena e poder indiferenciado. O resultado do processo é um ajuste entre eles, que tenderá a assumir uma característica incremental, na medida em que a situação a que tende a chegar o processo decisório diferencia-se de forma apenas marginal, incremental, da existente. A formulação tem como resultado um “consenso” de caráter freqüentemente ilusório e precário, posto que baseado em mecanismos de manipulação de interesses (segunda e terceira faces do poder) que constringem a agenda de decisão a assuntos “seguros” e conduzem a situações de não-tomada de decisão que costumam favorecer as elites de poder. Este “consenso” possui, ademais, um caráter efêmero, na medida em que se pode desfazer quando da implementação da política. Sua representatividade será, assim, tanto menor quanto mais desequilibrada for a correlação de forças entre os atores. A Implementação deste “consenso” é, na aparência, desprovida de conflitos. E, na medida em que não existe um elemento concreto como um plano, que explicite o acordo alcançado, o critério usado para a avaliação de seu resultado é: o “bom é o possível” ou, em outras palavras, o bom é o que satisfaz a elite.

189


O segundo modelo envolve a utilização de metodologias específicas de planejamento como apoio ao processo decisório. É através delas que se realiza uma minuciosa definição dos interesses, valores e objetivos de cada um dos atores (ou partidários) de interesses e cursos de ação distintos. O plano funciona, então, como uma instância que se levada a efeito de modo cabal obriga à explicitação de conflitos encobertos (segunda face do poder) e latentes (terceira face do poder). Neste caso, existe um elemento concreto ─ o plano ─ que explicita o acordo alcançado. Em conseqüência, o critério usado para a avaliação do resultado da política é a sua aderência aos objetivos planejados e aos impactos desejados: o “bom é o que satisfaz o plano”. Em termos do acompanhamento do processo de implementação da política, enquanto o primeiro modelo permite apenas o monitoramento de alguns efeitos (impactos) da política, o segundo contempla o monitoramento acerca do cumprimento das metas, prazos, utilização de recursos etc. Na segunda coluna, da Implementação, opõem-se os modelos bottom up e top down que devem ser escolhidos pelo analista para proceder a sua análise. Esta escolha deve dar-se em função de uma avaliação de conjunto que deve ser realizada acerca das características que apresenta a política e, freqüentemente, inclusive porque ela é sempre uma solução de contingência, de compromisso (situações mistas podem ocorrer) e por aproximação, ela se modifica ao longo da análise. Embora possa parecer óbvio, vale a lembrança: Neste caso, como no anterior ─ dos modelos racional e incremental ─ e em tantos outros que se apresenta ao longo deste capítulo, e que envolvem escolhas metodológicas, a opção do analista não deve dar-se em função de qualquer consideração normativa. Trata-se de escolher um modelo descritivo; isto é, que melhor descreva a realidade existente. Algo que represente, explique, o que é; e não o que deve ser. Os processos de Implementação de tipo top down possuem uma aparência mais “organizada”, planejada, racional. Teoricamente, eles seriam a conseqüência, no plano da implementação, da escolha do modelo racional para guiar (cuidado, não para analisar) o processo de formulação. Como existe neste caso uma nítida separação entre o dois momentos, a implementação só se inicia depois da formulação ter sido finalizada em todos os seus detalhes pelos policy makers. Burocratas operando agências com hierarquias, cadeias de comando, atribuições, atividades etc. bem definidas, sem superposições e rigorosamente consignadas em manuais são, neste caso, a regra. Havendo ou não 190


racionalidade no processo, o certo é que a existência de mecanismos de manipulação de interesses associados à “terceira face do poder” são uma garantia da implementação de processos tipo top down. Por oposição, no caso dos processos de tipo bottom up são profissionais com considerável poder de decisão sobre os assuntos-chave, de conformação da agenda, e elevada discricionariedade, os que implementam a política. Um continuum formulaçãoimplementação é típico neste caso e as organizações envolvidas (ver item seguinte nesta seção) possuem uma aparência e lógica de funcionamento totalmente distinta: muito mais “frouxa e desorganizada”. É freqüente em processos deste tipo que conflitos encobertos no momento da formulação, por impossibilidade ou inconveniência de que as decisões sejam de fato tomadas, irrompam com toda a força durante a implementação. A forma como os resultados, produtos e impactos são obtidos em cada caso, ao longo da implementação, é compreensivelmente variada. Por isso, na terceira coluna ─ momento da avaliação ─ sistematiza-se as duas situações extremas, correspondentes, conforme se apontou, aos modelos incremental e racional, respectivamente. No primeiro caso, do modelo incremental, uma vez que não houve uma preocupação prévia em definir indicadores (metas etc.) que pudessem mensurar os resultados alcançados, compará-los com os projetados, e assim avaliar em que medida o processo de implementação foi bem sucedido, a avaliação só poderá ser realizada, conforme apontado, através de um critério difuso, subjetivo, de satisfação dos atores envolvidos. Critérios ex-post, exógenos ao processo, são então adotados de modo a proceder ao que denominamos de avaliação ritualística, uma vez que ele é mais um processo de legitimação, não raro manipulador e demagógico, do que uma avaliação propriamente dita. No caso do modelo racional, ocorre o oposto. Uma vez que indicadores adequados foram definidos, e que critérios ex-ante, endógenos ao processo foram explicitamente adotados, a verificação de consecução das metas, resultados e impactos esperados se dá de modo transparente e inequívoco. Ao contrário do caso anterior, em que o parâmetro de avaliação é o grau de satisfação das elites que dominam o processo de elaboração da política desde a sua formulação, a avaliação pode ser realizada através da comparação entre metas e resultados, conduzindo a mudanças significativas no próximo “ciclo da elaboração de política”.

191


6.10.4. Uma tipologia das organizações É freqüente que a análise de uma política tenha que incluir a análise da organização(ões) com ela envolvida(s). Isto ocorre não apenas porque as organizações são unidades de análise mais suscetíveis de serem analisadas de maneira produtiva, transcendendo as idiossincrasias e subjetividades deste ou daquele ator interveniente. Como já ressaltado, elas são elementos centrais no processo de elaboração; são o lócus onde ocorre o processo decisório e o principal agente responsável pela implementação das políticas. Como ressalta Elmore (1978): "Uma vez que, virtualmente, todas as políticas públicas são executadas por grandes organizações públicas, somente através do entendimento de como funcionam tais organizações é que se pode compreender como as políticas são lapidadas em seu processo de implementação". Embora não exista um procedimento padrão para proceder a sua análise, mesmo porque a vertente da administração durante muito tempo considerou pouco relevante a pergunta de “por que as organizações não funcionam como deveriam”, é possível encontrar algumas pistas nas contribuições relativamente mais recentes à teoria das organizações. Uma importante contribuição neste sentido é a realizada por Elmore (1978), apresentada sobre os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas. A partir dela é possível caracterizar ─ a priori e tentativamente ─ as instituições que se pretende analisar. De fato, uma boa providência para iniciar a análise de uma organização, quando não se conta ainda com elementos suficientes para realizar um trabalho mais focado, é tentar classificá-la num dos quatro modelos ou “casos ideais” em relação aos quais o caso concreto que se está analisando pode ser considerado como um desvio. O Quadro 6.10.4.1 apresentado a seguir, provocativamente denominado “Grade para Identificação de Organizações”, fornece uma visão sintética da contribuição de Elmore (1978). Trata-se de uma “matriz de dupla entrada” com dezesseis células construída a partir da tipologia apresentada na seção acima indicada. Em conjunto com ela, o quadro proporciona pistas de pesquisa que permitirão iniciar o trabalho de uma forma metódica, através do uso das categorias do estudo das organizações. Seu objetivo é reforçar a recomendação de que as categorias que sugere sejam usadas para iniciar um processo de análise de uma organização qualquer. 192


QUADRO 6.10.4.1: “GRADE PARA IDENTIFICAÇÃO” DE ORGANIZAÇÕES I Implementação II III IV como um sistema Implementação como Implementação Implementação de gerenciamento um processo como como um burocrático desenvolvimento processo de organizacional conflito e barganha Princípio Central -maximizadoras de -discricionariedade dos -satisfação psico-instituição como valores funcionários social como objetivo arena de conflito -racionalidade: estabelecendo rotinas -autonomia, por poder e metas participação e recursos compromisso Distribuição de Poder

-controle hierárquico -top down

-fragmentado entre subunidades especializadas

-disperso: minimizar controle hierárquico e maximizar controle individual

Formulação (decisão) de políticas organizacionais

-encontrar o ótimo teórico e mantê-lo

-controlar a discricionariedade para alterar incrementalmente as rotinas

Processo de implementação

-adequação do comportamento a valores e metas

-identificação dos pólos de poder para coibi-los e possibilitar a mudança

-qualidade = F (sinergia entre grupos de trabalho efetivos) -consenso baseado em confiança e relacionamento interpessoal -acomodação entre formuladores (metas) e implementadores (autonomia)

-poder instável, dependente da capacidade de alavancar recursos e não da hierarquia -negociação permanente, não por metas mas para preservar mecanismo de alocação de recursos -êxito: preservação da negociação

6.10.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a Negociação O debate em torno das “bondades” do planejamento tradicional vis-à-vis a negociação é recorrente na literatura sobre o Planejamento e a Análise de Política. Como freqüentemente costuma ocorrer, este debate situa-se muitas vezes sobre bases falsas, imputando cada contendor ao outras posições que não correspondem à realidade. A tática de “construir um espantalho para derrubá-lo mais facilmente” faz com que às vezes fique difícil ao analista desvelar a realidade em meio à neblina ideológica que cerca debates deste tipo. O quadro abaixo procura ajudar o analista de políticas quando situado no extremo do “fazedor de políticas” do espectro da elaboração da política mais do que naquele a que se tem referido mais propriamente como da análise da política. Em outras palavras, ele é um guia metodológico que dialoga com alguns dos capítulos deste documento (e não com as demais seções deste capítulo) nas quais o analista se encontra tipicamente inserido numa

193


estrutura de elaboração de políticas (ou de planejamento) no interior do aparelho de Estado. O Quadro 6.10.5.1 sistematiza as diferenças mais notáveis que apresenta um processo de elaboração de política quando conduzido de acordo com o espartilho extremo do Planejamento Tradicional ou segundo o figurino ─ cuja aparência fashionable é entretanto, às vezes ilusória e demagógica ─ da Negociação.

Elaboração de Políticas PúblicasPÚBLICAS QUADRO 6.10.5.1: ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS Planejamento Tradicional

Negociação

Poder assimétrico

Agenda permeável

PROCESSO DECISÓRIO

2a e 3a faces do poder POLICY: valores objetivos meios

TOP DOWN

Conflitos abertos CONTINUUM

Agenda controlada

Modelo Explicativo Causal

Poder distribuído

FORMULAÇÃO

Marco Institucional Normativo

POLICY: bom é o possível

Ajuste mútuo entre partidários

Plano

IMPLEMENTAÇÃO RACIONALISMO

INCREMENTALISMO

CONCEPÇÃO ELITISTA

CONCEPÇÃO PLURALISTA

autoritarismo ou participação? tecnocracia ou transparência?

democracia ou manipulação? mudança ou status quo?

FONTE: elaborado pelo autor. Muitos dos conceitos e relações que nele aparecem são os utilizados no quadro anterior e foram apresentados no decorrer do capítulo. Por esta razão, e adotando um procedimento semelhante ao do item anterior, exploram-se os contrastes existentes entre as situações (concepções e modelos) extremas normalmente assimiladas ao Planejamento Tradicional e à Negociação. O quadro pode então ser entendido como um conjunto de critérios auxiliares para a decisão acerca de que cursos de ação deve tomar ─ Planejamento Tradicional ou Negociação ─ na presença de situações extremas tendo como pressuposto o compromisso inerente à postura normativa já referida, da melhoria do processo de elaboração de política. Assim, se o analista opera enquanto “fazedor de políticas” numa área de política pública em que o ambiente político é semelhante ao tipificado à esquerda, em que o poder 194


é assimétrico ou se encontra concentrado, e a presença de mecanismos de manipulação de interesses (segunda e terceira faces do poder) facultam um efetivo controle da agenda de decisão, sua escolha metodológica deverá estar pautada: - No que diz respeito à visão do Estado, pela concepção elitista e não pela pluralista; - No que tange ao modelo do processo de decisão (neste caso normativo e não descritivo), no racional e não no incremental; - No que respeita ao auxílio ao processo de decisão, o analista deve procurar construir um modelo explicativo causal da realidade observada que permita aos tomadores de decisão uma visão adequada das conseqüências de suas preferências e ações e não simplesmente aplicar o modelo normativo ou institucional já consagrado e que tende quase que inexoravelmente à reprodução do status quo; - Finalmente, e ainda no que concerne ao auxílio ao processo de decisão, o analista deve esforçar-se para que seja estabelecido um compromisso explícito entre os atores. Isto é, que seja concebido um plano o mais racionalmente detalhado possível (em que não somente metas e resultados sejam definidos, mas que sejam explicitados os valores e interesses dos atores intervenientes) e não confiar simplesmente que o “ajuste mútuo de partidários” leve a uma solução que assegure a melhoria das políticas. Por oposição, se o ambiente político com o qual se defronta o analista enquanto “fazedor de políticas” é semelhante ao tipificado à direita, sua opção metodológica deverá ser a oposta em cada um dos planos de escolha acima indicados. O estilo e atuação contracorrente, que aqui se recomenda ao analista “fazedor de política”, parece ser o mais coerente com o ideal burocrático weberiano e com uma proposição ideológica fundada em valores democráticos. Segundo ela, cabe aos servidores públicos privilegiar a transparência, a participação, a desconcentração do poder, a igualdade de direitos e oportunidades a todos os cidadãos em detrimento do autoritarismo, do comportamento tecnocrático, da manutenção do status quo, e da manipulação de interesses. Finalmente cabe ressaltar que este estilo parece ser, ainda mais do que em outras regiões, um objetivo a ser perseguido por aqueles que, na América Latina, percebem a extrema

concentração

de

poder

econômico

e

político

que

entrava

o

nosso

desenvolvimento.

195


CONSIDERAÇÕES FINAIS É urgente a necessidade de capacitar o gestor público para levar a cabo as tarefas colocadas pela atual conformação das relações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser construído. Fazê-lo através de um Curso de Especialização como este parece ser essencial para fazer com que essas relações sejam capazes de promover o país mais justo, igualitário e ambientalmente sustentável que todos desejamos. Ajustar o aparelho de Estado visando a alterar essas relações Estado-Sociedade, desde que respeitando as regras democráticas, é um direito legítimo de governos eleitos com o compromisso de levar a cabo suas propostas. Assumir explicitamente essa intenção não diferencia o atual governo de outros que ocuparam anteriormente o aparelho de Estado. O que sim o faz é o fato de que ela esteja sendo buscada através de um significativo esforço por aumentar quantitativa e qualitativamente a capacidade do corpo de funcionários públicos para implementar as suas propostas. Um Curso de Gestão Pública como o que aqui se discute parece ser uma condição necessária, inclusive, para assegurar que as mudanças sejam realizadas de forma competente, criteriosa, sem comprometer os êxitos anteriormente obtidos e com a máxima aderência aos consensos que alcançou a sociedade brasileira de respeito à participação cidadã, democrática e republicana de todos os seus integrantes.

196


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