Dircurso Juridico da Mulher

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ANÁLISE DO DISCURSO JURÍDICO DE PROCESSOS DE AGRESSÃO CONTRA A MULHER

Cláudia Madalena FEISTAUER UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

As diferenças sociais que existem entre homem e a mulher em nossa sociedade são cada vez mais questionadas por várias camadas da população. O que se entende por subordinação feminina? É uma realidade social de três dimensões: econômica, política e simbólica. Basta olhar em torno e constatarmos que em nossa sociedade as mulheres não têm acesso às mesmas profissões que os homens ou não progridem tanto quanto eles na mesma profissão. No plano político, mulheres, que formam um pouco mais da metade da nação, possuem menos de 10% dos representantes do país na Assembléia Nacional. Enfim no plano simbólico, cada dia os meios de comunicação de massa nos mostram imagens contrastadas do homem mulher, do homem-sujeito e da mulher-objeto. Os estereótipos são ensinados na mais tenra idade e estruturam de antemão a percepção da realidade social. A imagem da mulher como ser inferior, circunscrita ao espaço do lar com papéis bem determinados: esposa, mãe, ―rainha do lar‖ da qual se espera atitude submissa se consolidou ao longo dos séculos e persiste até os nossos dias. As contradições entre os sexos são certamente mais as que as contradições entre as classes e não foram que deram origem àquelas. Mas, se as contradições os sexos não deram também origem às contradições as classes, elas se desenvolveram juntas, sem por isso se confundirem, mas se favorecendo mutuamente. Na sociedade feudal, por exemplo, um plebeu, mesmo livre, mente não podia se casar — nem mesmo tocar — com uma aristocrata. Esta desfrutava de um status social bem mais elevado que o de um plebeu, e evidentemente que o de uma mulher do povo. Um nobre, ao contrário, tinha direitos sobre as mulheres de seus dependentes; e os acumulava com os que tinha sobre as mulheres de sua própria linhagem, em que o matrimônio aparecia como elemento decisivo de sua estratégia para manter o poder e aumentar suas riquezas. Muitos senhores feudais intervinham diretamente no casamento de seus camponeses, forçavam-nos a se casarem com mulheres de seus domínios, obrigavam as viúvas em idade de trabalhar a se casarem de novo o mais cedo possível, para fazer funcionar plenamente sua exploração agrícola, que necessitava da cooperação dos dois


sexos na produção A cada vez, a contradição entre os sexos se transforma, segundo a natureza das contradições entre as classes. Vale salientar que a mulher, ao longo da história, foi vitimizada de diversas maneiras. Um dos estigmas que a marcaram foi a sua inferiorização frente ao homem. O conceito de masculinidade é construído pelo homem por meio de crenças culturais enraizadas na sociedade centralizadas na idéia de um estereótipo do homem ―macho‖ que não deve ser frágil, não deve demonstrar sentimentos, etc. Dessa forma, eles têm que cumprir uma série de expectativas culturais, que, uma vez incorporadas, os levam a manifestar o papel de comando que foi determinado para eles. O discurso machista de origem patriarcal concedeu ao homem o direito de dominar, manipular a mulher e para exigir os direitos aos quais considera seus, é capaz de agredir. A violência contra a mulher é resultado de um processo de construção histórica. A violência física é parte de um processo amplo de opressão no ambiente da vida social e tem raízes muito antigas. As mulheres historicamente em muitas situações se calaram, não denunciaram, assumindo uma atitude conformista diante do sofrimento. O silêncio é visto pela Análise do Discurso como um discurso e, como tal, produz efeitos de sentido. Orlandi (2007, p. 50), afirma que ―Compreender o silêncio não é pois, atribuir-lhe um sentido metafórico em sua relação com o dizer (―traduzir‖ o silêncio em palavras), mas conhecer os processos de significação que ele põe em jogo. Conhecer os seus modos de significar‖. Assim, pensar o silêncio das mulheres agredidas é perceber que ele se dá pela situação de dominação que muitas mulheres vêm sofrendo ao longo da história. A ONU (BRASIL, 2005, p. 01) define violência contra a mulher como ―qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimento e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada‖. Esse tipo de violência contra a mulher é praticado pelo homem, para dominá-la e tê-la sob o seu poder. De acordo com Ardaillon (1987), violência contra a mulher quer dizer o uso de força física, psicológica ou intelectual para obrigar pessoa do sexo feminino a fazer algo que não está com vontade. A violência contra a mulher pode envolver desde pressão e chantagens psicológicas, ameaças de diversas naturezas, espancamentos, ou até mesmo a morte, e constitui-se como uma violação dos direitos humanos


A violência ocorre em progressão geométrica e se manifesta com maus-tratos físicos e/ou psicológicos e tem como finalidade manter o poder e o controle da relação da pessoa violenta sobre a pessoa violentada. A violência psicológica não se manifesta de forma física e por isso deixa marcas visíveis e, portanto, é mais difícil de ser detectada. Expressa-se através de reprovações constantes e/ou indiferença. Entretanto, todas essas manifestações passam uma mensagem de desvalorização da mulher e de sua não legitimação como um ser com vontade própria. Uma das modalidades de violência de gênero que expressa de forma mais explícita e incisiva a disparidade nas relações entre homens e mulheres em contexto privado é a violência conjugal. Nesse caso, o marido ou o parceiro figura como o principal agressor, sinalizando assim, que o espaço doméstico é o lugar propício para o exercício da violência de gênero habitual, pois o agressor tem acesso privilegiado à vítima. A violência está intimamente ligada aos hábitos, costumes e comportamentos sócio-culturais. A tal ponto que, as próprias mulheres encontram dificuldade de romper com situações de violência, e entre outras coisas, por acreditarem que seus companheiros têm direito de puni-las, se acham que elas fizeram algo errado ou infringiram as normas que eles determinaram. O autores dos casos de agressões como indivíduos, por sua vez, interpelados em sujeitos, pela ideologia, em um processo simbólico, agora enquanto sujeitos, determinam-se pelo modo como na história, terão sua forma individualizada concreta (..)devem responder como sujeitos jurídicos (sujeito de direitos e deveres) frente ao estado e aos outros homens (ORLANDI, 2005, P. 107) De acordo com dados apresentados por Piovesan apud Viola (2006), somente 2% dos acusados em casos de agressão são condenados. Segundo pesquisa da Human Rights Watch, a cada cem brasileiras assassinadas, 70 o são no âmbito de suas relações domésticas. Estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo indica que apenas 10% das vítimas de violência sexual prestam queixa à polícia. Este reduzido universo revela, de um lado, o desconhecimento de delegacias especializadas e, por outro, o temor de humilhação e maus-tratos. Os motivos principais da violência, segundo a pesquisa são o uso do álcool (45%) e o ciúme dos maridos (23%). Dados da ONU demonstram que a violência doméstica é a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo, sendo que no Brasil uma a cada


quatro mulheres já foi vítima de violência doméstica. A violência doméstica compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e 10,5% do PIB do Brasil.Ainda de acordo com as mulheres que sofreram agressões, os maridos e companheiros foram os responsáveis por 87% dos casos de violência doméstica. Em relação ao tipo de violência sofrida, 59% apontaram a violência física, 11% sofreram violência psicológica e 17% já vivenciaram todos os tipos de violência. Recentemente foi criada a Lei Maria da Penha que considera cinco tipos de violência doméstica: a física, a moral, a psicológica, a patrimonial e a sexual. Vale salientar que, que para 28% das mulheres agredidas a violência doméstica é uma prática presente que traz uma sombra sobre a tranqüilidade do lar. Essas situações de violência tem gerado inúmeros processos judiciais, mas esse número, não corresponde à realidade, pois muitas mulheres continuam não denunciando por terem uma relação de co-dependência que pode ser financeira ou emocional, psicológica. Entretanto, os processos na maioria das vezes não têm solução favorável às mulheres vítimas. O que se observa é que na maioria dos casos a mulher é culpabilizada pela agressão e a imagem do homem é que fica resguardada. BLAY (2003) afirma que de um total de 8.805 processos judiciais analisados na cidade de São Paulo apenas 14% dos réus foram julgados e condenados. 50% foram arquivados (basicamente porque os criminosos não foram identificados); 24% estão suspensos (porque o réu está foragido), em dois casos foram impronunciados (pois as provas eram insuficientes) e em três foram absolvidos. Os processos, em média, não ficam muito tempo nos Tribunais: 46% ficam de um a dois anos. Mas o andamento, o excesso de vezes que as testemunhas devem ser ouvidas, as possibilidades de idas e voltas certamente facilita a fuga dos réus e a perda de contato com as testemunhas. O problema, então, parece não estar na provável morosidade da justiça, mas na capacidade de utilização da linguagem em nome da ampla defesa dos réus dos aplicadores do Direito que subestimam a extensão e gravidade da violência praticada contra a mulher. SILVA (1991, p. 27) justifica: "no Tribunal do Júri, o que se julga é o homem, muito mais do que o crime". Cabe ao defensor, portanto, munir-se de todas as informações possíveis para defender seu cliente. O bom advogado deve penetrar nos


sentimentos que o levaram a cometer o crime, e, para captar estas emoções, deve servirse da literatura. Considerando a opacidade da linguagem, a mesma não é uma instituição abstrata mas o lugar onde a ideologia se manifesta. O discurso é esse lugar, ou seja, é o ponto de confluência dos processos ideológicos e dos fenômenos lingüísticos.

A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, é um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem material, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. [...] Como elemento de mediação necessária entre o homem e sua realidade e como forma de engajá-lo na própria realidade, a linguagem é lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais (BRANDÃO, 2004, p. 11)

O sistema jurídico ratifica a situação de desvalorização da mulher na sociedade como um todo, e reflete a visão masculina nas relações sociais. O homem sempre exerceu o papel de dominador e para legitimar sua posição muitas vezes recorre à força física. Produzido na e para a sociedade, o discurso jurídico como outros discursos, é um discurso que sofre influência dos acontecimentos sociais. Com intuito de analisar o discurso jurídico nos casos de agressão contra a mulher, no sentido de abordar a complexidade do tema, serão analisados três processos de agressão contra mulheres na cidade de Poções, dois ocorreram 2005 e o terceiro em 2006. A época, dos fatos, passado recente, já denuncia que a violência contra a mulher persiste como forma de manter o poder e o controle desde tempos imemoriais e ainda está presente em nossos dias, seja de forma sutil ou explícita como no caso dos processos. No primeiro caso relatado, a vítima sofreu agressão física do namorado quando estava numa boate conforme relato da vítima:

Disse que dia 08, sábado, por volta das 00:30 H a declarante se encontrava na Boate Nova Direção, próximo à Rua Primavera na companhia de uma conhecida por nome Luciana quando ao sair do banheiro se deparou com M. R. S, namorado da declarante, que a puxou para um lugar afastado


da boate, a derrubou no chão e começou a desferir vários golpes no rosto também tentando estrangulá-la. Que só parou quando viu se aproximar um veículo seguindo com a declarante até uma outra rua onde parou e passou a bater com sua cabeça num poste dizendo ―reza que você vai morrer‖. Que a declarante passou a gritar por socorro e foi ouvida por um casal que passava. Que correram assim que ouviram o pedido de socorro da declarante, fazendo com que o autor a soltasse. (Termo Circunstanciado nº 379)

Quando interrogado M. R. S, declarou que agrediu L. S. S por desconfiar que a mesma fazia uso de entorpecentes e que a encontrou com um cigarro de maconha nas mãos. O mesmo declarou que não faz uso de bebida alcoólica e que nunca foi detido. A imagem veiculada nesse discurso é de que o agressor é uma pessoa idônea, Já que nunca foi preso e não usa álcool ou entorpecentes. No entanto, a vítima não foi descrita como uma pessoa idônea em nenhum momento do processo. A vítima L. S. S. declarou que o namorado já havia lhe agredido outras vezes. Percebe-se aí o caso de silêncio. De acordo com Orlandi (1992) há muitas formas de silêncio; entre elas estão o ―silêncio imposto‖ e o ―silêncio proposto‖. O imposto significa exclusão, e é forma de dominação, já o proposto vem do oprimido e representa uma forma de resistência, e talvez caiba acrescentar que também pode significar uma forma de defesa ou de auto-proteção. O silêncio de L. S. S. se enquadra no segundo caso. Fica claro que a vítima calou para se proteger das represálias que possivelmente o namorado faria caso ela revelasse as agressões. E só revelou por ter sua vida em perigo. O resultado do processo é que a agressão não foi considerada grave como mostra o texto do processo, no qual foi exposto que ―efetivamente apesar da gravidade do fato, constatado por registro fotográfico, que não se configura a lesão como grave‖. Essa constatação foi legitimada pelo fato de que no momento do exame de corpo de delito, a vítima estava ―consciente e fisicamente bem‖. Como a vítima não se recorda do casal que presenciou a agressão não houve testemunhas do fato, nas audiências seguintes, ela não compareceu sendo o caso arquivado. O outro caso de agressão ocorreu com I. J. S. que recebeu uma pauldada na cabeça após uma discussão e que recebeu trinta pontos. O acusado V. B. N., que é vizinho e compadre da vítima, admitiu o fato, mas alegou que a vítima o ofendera com palavras de baixo calão. Em sua defesa o autor da agressão relatou que foi a primeira vez que a agrediu, que estava arrependido que não faz uso de álcool e entorpecentes. Nesse caso a vítima não compareceu para o exame de corpo de delito, nem sequer


retirou a guia de encaminhamento. A testemunha do fato, filho do autor, não foi encontrada e após intimações para audiências, o caso foi arquivado. O último caso em ocorreu em 08 de outubro de 2006. O agressor era companheiro da vítima. ―A denúncia narra que o acusado teria, no dia 08 de outubro do ano de 2006, por volta das 16h30min, na fazenda Santo Antonio das Flores, agredido a vítima P.R.C., tendo sido ajudado por duas mulheres, a imobilizou e, inclusive, desferiu dois tapas no rosto da mesma‖ (Processo nº 611/2006). Entretanto, de acordo com os autos do processo a única prova testemunhal colhida a afirmar ser o acusado o causador das ofensas físicas causadas à vítimas, são as declarações da própria vítima (fl. 76), sua mãe (fl. 75) e sua irmã (fl. 77), sendo de ressaltar-se que as duas vítimas afirmaram ter conhecimento dos fatos por ouvir dizer da própria vítima. Em contrapartida, consta dos autos do processo (fl. 84) que foram ouvidas cinco testemunhas de defesa, em data de 26 de julho de 2007; três das testemunhas de defesa afirmaram ter presenciado o fato e afirmaram que o acusado não agrediu a queixosa, apenas cuidou de sua filha enquanto P.C.R. agredia com a irmã do acusado, motivo pelo qual foi arranhada pela mesma. O depoimento da única testemunha do sexo masculino foi adjetivado no processo como ―esclarecedor‖, o que denota a validade da palavra do homem e fica claro que esse depoimento foi decisivo para a solução do caso. Por isso, não havendo ―provas cabais‖ de ter o acusado praticado os fatos criminosos narrados na denúncia, o Juiz absolveu o mesmo da acusação de ter praticado delito. Os sujeitos falam de um lugar social. Este lugar no discurso é governado por regras anônimas que definem o que pode e deve ser dito. Somente nesse lugar constituinte o discurso vai ter um dado efeito de sentido. Se for pronunciado em outra situação que remeta a outras condições de produção, seu sentido, conseqüentemente, será outro. O juiz na posição de sujeito que lhe é conferida pelo cargo que exerce determina o destino do réu, mas embora baseado na lei, seu julgamento é entrecortado pela ideologia, no caso a Na perspectiva da Análise do Discurso, a noção de sujeito deixa de ser uma noção idealista, imanente; o sujeito da linguagem não é o sujeito em si, mas tal como existe socialmente, interpelado pela ideologia. Dessa forma, o sujeito não é a origem, a fonte absoluta do sentido, por que na sua fala outras falas se dizem. (BRANDÃO, 1993, p. 92).


A identidade do sujeito é um efeito do poder. ―A identidade, assim como o sujeito, não é fixa, ela está sempre em produção, encontra-se em um processo ininterrupto de construção e é caracterizada por mutações‖ (FERNANDES, 2005, p. 43). Um ponto de confluência entre os três é o fato das vítimas conhecerem seus agressores, dado já constatado em pesquisas que apontam que na maioria dos casos ao agressor é conhecido da vítima.. Nos dois primeiros casos também a imagem dos agressores é de homens idôneos, que não usam álcool e entorpecentes. As vítimas só tem voz nos depoimentos, depois disso, as provas é que falam alto, as testemunhas é que devem ser ouvidas. A figura da personagem principal – a mulher agredida fica apagada. Pode-se depreender pelo discurso dos processos especialmente no primeiro que a mulher está numa posição de pouca importância. A estrutura material da língua permite que ―sempre sob as palavras, outras palavras [sejam] ditas‖(AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 28). Nesse sentido, as outras palavras remetem à supremacia da força masculina que atinge mulheres de diferentes culturas, raças, etnias, classes sociais.

Conclusão A palavra tem uma importância cabal em nossa sociedade. E ela não vem sozinha Os discursos que são veiculados na sociedade disseminam ideologias, ou seja, visões de mundo, crenças, formas de pensar sobre o mundo e sobre os homens, que manifestam de maneira mais, ou menos explícita, interesses de variada ordem que dizem respeito aos sujeitos sociais.Vê-se

claramente que as razões profundas da

violência não estão numa conspiração dos homens contra as mulheres, mas isso não pode ser uma razão para ignorarmos as responsabilidades dos homens por conservarem e aproveitarem as vantagens de que eles gozam. O discurso jurídico também traz em seu bojo as distinções de gênero. Os agentes jurídicos que avaliam comportamentos sociais penalizam ou não certas condutas. A prática jurídica responde às acusações de determinadas vítimas e não de outras. Nos casos de violência contra a mulher observa-se que mesmo com o ordenamento jurídico da Constituição Federal de 1988 que determina que todos são


iguais perante a lei na prática vê-se que a interpretação da lei está permeada pela subjetividade e por isso muitas vezes há um deslocamento do direito a partir da ideologia à qual o jurista está vinculado. Ecoam de forma intensa na sociedade

as vozes de mulheres que sofrem

violência mas seus clamores não são ouvidos. São mulheres que sentem-se impotentes para reagir e submetem-se às pressões externas que se expressam, principalmente, por meio de crenças culturais e familiares. É nesse cenário que emerge o silêncio descrito por Orlandi. Para Orlandi (1992), o silêncio o proposto produz uma ruptura desejada por ambos os lados, o do opressor e o do oprimido. Pode-se observar que a validade do discurso sobre a mulher, difundido nos processos analisados contrai efeitos de sentido a partir de outros discursos que circulam em sociedade e com os quais constitui laços, discursos esses que estabelecem alguns papéis sociais que as mulheres deveriam ocupar. É preciso que esses discursos que aprisionam os indivíduos em comportamentos baseados nas noções esteriotipadas de gênero sejam desconstruídos para homens e mulheres tenham uma uma nova visão do seu papel no mundo e das relações no processo

de

construção

de

uma

vida

digna

de

ser

vivida.

Parafraseando Marx, podemos dizer que, na maioria das sociedades, as idéias do sexo dominante são as idéias dominantes, associadas e misturadas às idéias da classe dominante. Hoje, em nossa sociedade, começou uma luta para abolir ao mesmo tempo, e sem esperar que uma preceda a outra, as relações de dominação de classe e de sexo.


Referências: ARDAILLON, Danielle; DEBERT, Guita Grin. Quando a vítima é mulher: análise de julgamentos de crimes de estupro, espancamento e homicídio. Brasília: CNDM, 1987. BLAY, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estud. av. vol.17 no.49. São Paulo Set./Dez. 2003. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do discurso. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2a. ed. rev. 2004. BRASIL. Senado Federal. Subsecretaria de pesquisa e opinião pública. Relatório de pesquisa:Violência doméstica contra a mulher. Brasília, 2005. FERNANDES, Cleudemar. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas: 2005. GODELIER, Maurice. As relações homem-mulher: o problema da dominação masculina- Encontros com a Civilização Brasileira. Rio de janeiro, n 26, p. 9-29, 1990. ORLANDI, E. P. Discurso e Texto. 2 ed. São Paulo: Pontes, 2005. ______________. As formas do silêncio. 6 ed. Campinas: UNICAMP, 2007. SILVA, Evandro L. A defesa tem a palavra. 3ª ed., Rio de Janeiro, Aide Editora, 1991.

Resumo: Considerando que as práticas sociais e as práticas discursivas se entrelaçam, este trabalho visa investigar como o discurso das sentenças judiciais em casos de violência contra a mulher representa e constrói o fenômeno da violência de gênero. Para tanto, serão utilizados os postulados da Análise do Discurso, uma vez que situando a mulher na sociedade não se pode prescindir de uma análise que leve em conta a exterioridade e a historicidade. A mulher na sociedade brasileira vem ao longo dos séculos protagonizando situações de exclusão, discriminação e violência. A prática jurídica, como as demais práticas sociais, é uma prática discursiva de poder, relacionada com os conceitos de classe, gênero. Assim, buscar-se explicitar os efeitos de sentido presentes no discurso jurídico dos processos que relatam agressões contra a mulher visto que as palavras possuem opacidade de sentido que pode e deve ser explicitada. Acredita-se que a Análise do Discurso constitui uma importante ferramenta potencializadora da investigação, pois permite desvelar as relações de saber-poder inerentes à problemática e seu estudo. Palavras-chave: Análise do Discurso, Mulher, Discurso Jurídico.


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