Suplemento Politica Operaria 124

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SUPLEMENTO

MAR /ABR 2010 Nº 124

A culpa foi do esquerdismo? FRANCISCO MARTINS RODRIGUES

Na passagem de mais um aniversário do 25 de Abril e do 11 de Março, publicamos um texto de 1994 em que Francisco Martins Rodrigues refere o papel do “esquerdismo”.

“O esquerdismo facilitou a contra-revolução”, repetiu há dias, pela centésima vez, Carlos Brito, numa assembleia do PCP consagrada ao 25 de Abril. É bom que continuem com a cantilena, que equivale a uma confissão. Na verdade, a campanha contra os malefícios do “esquerdismo” contém muito mais do que a busca dum bode expiatório, ou a tacanha arrogância de quem se julga dono do movimento e não tolera o desrespeito pelas suas “directivas”; ela resume a linha política real do PCP melhor do que todos os quilómetros de resoluções do comité central. O caso é que o PCP ainda não conseguiu, e provavelmente nunca conseguirá, digerir este facto, assombroso e desnorteante à luz do seu “marxismo”: a vaga popular espontânea que galgou os limites da democratização fixados pela Junta de Salvação Nacional e modificou anarquicamente todas as regras do jogo. Apenas uma semana após o 25 de Abril, Cunhal e os seus amigos descobriam com apreensão e alguma amargura que os trabalhadores, manifestando-lhes reconhecimento pelo seu passado de resistência ao fascismo, não se contentavam com a liberdade outorgada e davam ouvidos às mais estranhas ideias. Os factos políticos começaram a ser criados na rua e nos plenários, ao sabor de agitadores de ocasião – desde o saneamento de administradores à ocupação de casas, à proposta de igualização dos salários ou à exigência de independência imediata para as colónias. Comissões ad hoc, eleitas em assembleia e com uma composição imprevisível, assumiram a direcção dos acontecimentos. E, facto alarmante para o PC, as iniciativas vanguardistas, provenientes de pequenas minorias, popularizavam-se prontamente e em breve se tornavam corrente dominante, sem ter em conta os ritmos previstos e deitando por terra os equilíbrios laboriosamente negociados ao nível do governo ou da Junta. O PC encontrou-se assim na situação desconfortável de ter que pedir às massas que se comportassem ordeiramente para não comprometer a sua credibilidade perante os parceiros do governo. Como não foi obedecido, criou a psicose das “provocações esquerdistas”, que transviavam o bom-senso dos trabalhadores. Ora, os “esquerdistas”, pulverizados em grupos e grupinhos (maoistas, anarquistas, anarco-sindicalistas, anarco-comunistas, guevaristas, leninistas...), numericamente insignificantes, sem experiência política, só deviam a sua inesperada influência ao facto de irem ao encontro do estado de espírito da vanguarda. E foi assim ao longo de todo o primeiro ano,

até às eleições para a Constituinte, como mostram numerosos episódios entretanto apagados e hoje esquecidos de quase todos. O “PARTIDO DE VANGUARDA” FICA PARA TRÁS Quem se lembra de que, pouco mais de um mês após o 25 de Abril, José Magro, dirigente do PC, foi expulso dos CTT por acusar a greve (que nós apoiávamos) de pretender “fomentar um clima de descontentamento e de revolta que só à reacção e ao fascismo aproveitam”? Ou de que a primeira resposta da Intersindical às greves que proliferavam como cogumelos foi considerá-las “inoportunas” e “encorajadas pela reacção”, enquanto Cunhal admoestava que “a greve generalizada pode levar ao caos”? Ou de que o slogan “nem mais um só soldado para as colónias”, lançado pelos maoístas, foi adoptado pelo povo nas manifestações, apesar da desaprovação do PC? Nesse Verão, enquanto os “esquerdistas” ajudavam febrilmente os moradores das barracas a ocupar casas, faziam piquetes à porta da Penitenciária para não deixar soltar os pides, exigiam a libertação dos primeiros presos políticos da democracia, activavam as primeiras ocupações, o PC afadigava-se a cuidar dos sindicatos e do MDP, a prevista “frente popular” que acabou como refúgio de democratas moderados, ou enredava-se nas tricas do Conselho de Estado e do Governo Provisório, sem perceber que a corrente popular derivara para outros canais. Com os operários das multinacionais (Timex, ITT, Applied, etc.) a lutar contra a sabotagem económica, o Avante deitava água na fervura, assegurando que “o investimento estrangeiro tem ainda vastas possibilidades de uma vantajosa e larga retribuição”. A greve da TAP, que formulou reivindicações avançadas, foi difamada em comunicados do PCP. Em Setembro, quando os operários da Lisnave puseram Lisboa em estado de choque, desfilando a exigir o saneamento dos administradores comprometidos com o fascismo, andava o PC a ver se apaziguava Spínola com uma manifestação de homenagem... O “partido de vanguarda” dava conselhos de prudência que não eram escutados, anunciava “conquistas” que o movimento já tinha deixado para trás, e, a cada passo, via com desgosto os seus militantes deixarem-se envolver pelos “esquerdistas”. O perigo de contágio tornou-se evidente na euforia do 28 de Setembro, que pôs lado a lado militantes “comunistas” e


“esquerdistas”, nas barragens contra a “maioria silenciosa” e no assalto às sedes dos grupos fascistas. Alarmados com esta confraternização, os chefes do PC passaram a ter que manobrar em todas as frentes: dentro do governo e do MFA, com a rua, junto da sua própria base... num esforço esgotante de “desdobramentos tácticos”. Para criar uma atmosfera de confiança no Governo, Cunhal assinou a lei antigreve (que acabou por não ser aplicada devido ao repúdio dos trabalhadores); apelou à oferta dum dia de trabalho “para a Nação”; aconselhou os monopólios a “tirar uns tostões dos seus próprios bolsos para satisfazer as justas reivindicações dos trabalhadores”; condenou as primeiras ocupações de herdades no Alentejo, apoiadas pelos “esquerdistas”. EM DEFESA DA ORDEM Ao entrar o ano de 75, quando a pressão do PS e PPD já provocava sinais de clivagem no seio do MFA, o PC endureceu a batalha anti-esquerdista. O cerco ao congresso do CDS no Porto, levado a cabo pelos “esquerdistas” com largo apoio popular, uma das acções que mais fizeram progredir a consciência política dos trabalhadores do Norte, foi condenado como “acto desordeiro”. No 7 de Fevereiro, com milhares de operários a protestar na rua contra a entrada no Tejo da esquadra da NATO, Octávio Pato veio para a televisão comparar a manifestação à da “maioria silenciosa” e pedir um acolhimento amistoso aos marinheiros americanos! Às vésperas do 11 de Março estava Joaquim Gomes no Pavilhão dos Desportos a dizer aos oficiais da PSP e da GNR “confiamos em vocês e esperamos que confiem em nós”. No decurso do golpe, enquanto os “esquerdistas” acorriam ao Ralis e saqueavam a casa de Spínola, o PC ordenava aos seus militantes a máxima contenção, para não agravar as desinteligências entre os militares. Em 19 de Maio, para mostrar à GNR que não havia que temer radicalismos, Miguel Urbano Rodrigues sentou-se ao lado deles numa homenagem a Catarina Eufémia, em Baleizão! Se o 25 de Abril foi algo mais do que uma vulgar liberalização, isso deveu-se à irrupção popular incontrolável desses primeiros meses. O PCP opôs-se-lhe, por ver nessas iniciativas uma ameaça à “consolidação da democracia”: ou porque poderiam dividir o MFA, ou hostilizar as classes médias, ou cair numa provocação imperialista... Para os líderes do PC, o “desenvolvimento do processo revolucionário” consistia num trabalho exaustivo de atracção dos sectores moderados, de neutralização de adversários, de hábeis manobras de cúpula. Cultivavam uma imagem de “vanguarda responsável” que sabe para onde vai e obtém avanços sem necessidade de desordens, o que agradava à massa moderadamente “progressista” mas à custa dum corte crescente com a vanguarda do movimento. Assim, num período de agitação revolucionária, em que tudo dependia do protagonismo da vanguarda com o resto a vir por arrasto, o PC distanciou-se dela e hostilizou-a. É isto que permite apontá-lo como o responsável pela derrota do campo popular face à direita. 2

O VERÃO DA AGONIA Os seis meses seguintes, geralmente apresentados como o “auge da revolução”, foram na realidade a sua agonia tumultuosa. Tudo fora jogado e perdido no primeiro ano. Se até aí o movimento fizera uma avançada fulgurante, isso devera-se à cobertura das unidades militares afectas à esquerda. Nunca tivera que defrontar uma oposição séria; as duas tentativas da direita foram tão ineptas que ainda favoreceram mais a radicalização do processo. Por isso, quando, com as eleições, a burguesia e a vasta massa popular sob sua influência afirmaram, com a votação maioritária no PS e no PPD, o anseio de pôr termo à “bagunça”, a esquerda ficou desamparada. Se o povo não queria a revolução, podiam os revolucionários impô-la? Na realidade, a convocação precipitada de eleições, antes de estarem cumpridas as tarefas primárias de liquidação da ditadura – prisão e julgamento dos fascistas, criminosos de guerra e reaccionários; reconhecimento da independência das colónias: expropriação do grande capital; reforma agrária – foi uma cedência do MFA à pressão imperialista e uma oportunidade graciosamente oferecida à burguesia para restaurar a ordem. Fortalecida com a autoridade do voto popular, a burguesia retomou a iniciativa e lançou-se na acumulação de forças para a contra-revolução. Nesta nova etapa, revelou-se toda a fragilidade da extrema esquerda, que alimentara não poucas ilusões no guarda-chuva militar e não se preparara de forma alguma para o momento inevitável da luta pelo poder. As suas ruidosas acções de força que se multiplicaram durante o “Verão quente” (República, Renascença, manifestação pelo Copcon...) chocavam-se contra o muro da conspiração contra-revolucionária que avançava passo a passo. Com uma parte dos grupos maoístas negociando a fusão num partido único no pior momento; com outra parte (AOC e MRPP) a fazer causa comum com o PS e com os Nove, ou seja, efectivamente ao serviço da reacção; com outros ainda (PRP, MES) embrenhados em conspirações de quartel e na disputa de caudilhos militares, com os anarquistas exibindo a sua soberana indiferença pelas necessidades reais do movimento – a extrema esquerda não foi capaz de reganhar a iniciativa, apesar da justeza de acções pontuais como o assalto à embaixada de Espanha, a defesa das sedes no Porto, ou o lançamento, tarde demais, de uma organização independente de soldados. Do lado do PC, todavia, o problema não era de fragilidade ou de imaturidade mas de busca calculista de uma saída airosa da balbúrdia que lhe garantisse uma posição estável na futura democracia. Vendo a sua cotação como pára-raios popular baixar vertiginosamente à medida que a burguesia readquiria confiança em si própria, escorraçado do governo pela assembleia de Tancos, com as sedes queimadas pelos fascistas, empurrado para diante pela onda de ocupações de terras no Alentejo e Ribatejo, nem por isso o PC se aproximou dos “esquerdistas”, embora uma parte dos militantes o desejasse. A táctica seguida visou essencialmente conduzir os trabalhadores às boas à resignação face ao “restabelecimento da ordem” e negociar um entendimento qualquer com os militares golpistas. As “grandes jornadas de massas” de Agosto, o cerco à Assembleia, etc.,

serviram à direcção do PC apenas para regatear as condições desse acordo. AS CULPAS DO PC A nossa resposta à acusação de que “o esquerdismo facilitou a contra-revolução” pode resumir-se assim: 1) Desde o primeiro dia, havia que apostar tudo na livre expansão da iniciativa da rua, numa ofensiva permanente que desse confiança aos explorados, mantivesse os reaccionários à defesa, não lhes desse fôlego para se reorganizar, desarticulasse os aparelhos de poder e paralisasse a instabilidade dos sectores intermédios. Em vez disso, o PC envolveu-se num tortuoso jogo duplo, buscando contentar os trabalhadores e o governo, os operários e os patrões, os soldados e os oficiais – e com isso desorganizou a vanguarda e permitiu o reagrupamento da direita. 2) A chave da táctica do PC, a celebérrima “aliança Povo-MFA”, com a qual esperava fomentar a confiança e colaboração mútuas entre a oficialidade e o movimento popular, teve como resultado o prolongamento das ilusões da massa trabalhadora no MFA, alargando o espaço de manobra do Grupo dos Nove para a preparação do golpe de direita. 3) Ao participar no Conselho de Estado e nos governos provisórios, a direcção do PC gabava-se, com típica miopia reformista, de estar a garantir posições de força para o movimento operário; na realidade, estava a constituir-se em refém da burguesia e garante da manutenção da ordem; só por isso exigiu a burguesia a sua presença nos órgãos de poder enquanto lhe foi necessária. 4) Amarrado ao respeito pela legalidade democrática, ansioso por agradar aos sectores intermédios, o PC não podia fazer a campanha revolucionária que se impunha pelo adiamento das eleições até serem completadas as tarefas essenciais de extirpação da herança fascista-colonialista. (É verdade que, neste ponto, a extrema esquerda demonstrou igual cegueira). 5) Perante a ofensiva combinada da social-democracia, dos liberais e dos fascistas para pôr termo às conquistas populares, o PC apostou no clássico arsenal dos oportunistas à beira do abismo: tentar meter medo à direita sem preparar os trabalhadores para a disputa do poder, o que conduziu o movimento a cair na armadilha do “contragolpe” e à bancarrota. 6) Esta sucessão de erros não foi resultado de uma má avaliação das possibilidades; inscreveu-se num plano global de democratização burguesa, que Cunhal baptizara pomposamente de “revolução democrática e nacional” e para o qual preparara o partido por um longo percurso reformista sob o fascismo. Apontando o dedo acusador ao “esquerdismo”, os chefes do PC revelam pois involuntariamente a sua postura intermédia, reformista – isto é, burguesa –, hostil às potencialidades revolucionárias do movimento. O ingénuo general Vasco Gonçalves deixou-o escapar uma vez mais na assembleia referida no início deste artigo: “Os soldados, generosos e inexperientes, queriam dum dia para o outro o céu e a terra e nós não tínhamos quadros preparados dentro do Exército para combater o esquerdismo”. Podem felicitar-se por ter ganho a batalha.


Kollontai, dissidente ou estalinista? ANA BARRADAS Alexandra Kollontai (1872-1952) foi uma das figuras mais destacadas da revolução russa, em particular pelos seus contributos teóricos e práticos sobre a relação entre o socialismo e a condição feminina. Teve um trajecto político singular e exemplar. Com um passado prestigiado de velha bolchevique e notabilizada pelo papel que desempenhou como comissária do povo após a Revolução de Outubro, bem como pelas ideias que defendeu sobre o casamento patriarcal, o amor livre e a sexualidade, a partir de 1924 fez uma carreira virada para a política externa – a primeira mulher no mundo a ser embaixadora – em que acompanhou todos os decisivos momentos preparatórios e subsequentes da II Grande Guerra, para terminar os seus dias ignorada e solitária num pequeno apartamento em Moscovo. No entanto, Alexandra Kollontai tinha sido poupada às purgas dos anos 30 e seguintes e foi a única que se salvou entre os velhos bolcheviques. De facto, em 1939, do Comité Central de 1917 de Lenine, só estavam três membros vivos: Estaline, Trotski (assassinado a 20 de Agosto de 1940) e ela. Todos os outros tinham sido executados ou levados ao suicídio, tirando Lenine e Sverdlov, desaparecidos por morte natural. Por isso ainda hoje se colocam questões sobre a sua atitude em relação ao regime de Estaline. Ter-se-ia ela rendido ao terror reinante e abjurado das posições anteriores? Até que ponto teria colaborado com as várias oposições que sucessivamente a abordaram? Como julgar do ponto de vista ético o seu percurso, desde o momento em que chefiou a facção da Oposição Operária, em 1920, até àquele em que, nos anos 50 e com Estaline ainda vivo, se recolheu em silêncio à privacidade da sua casa? ETERNA EXILADA Apesar de as teses da Oposição Operária terem sido rechaçadas no XI Congresso do partido em Agosto de 1922, Kollontai manteve-se nas suas posições. Ela e os restantes dirigentes da oposição foram criticados e o comité central recomendou a sua expulsão, coisa que o Congresso vetou. Em Outubro desse ano, foi mandada para Oslo, por ser demasiado incómoda dentro da URSS. Em Maio de 1923 foi nomeada como embaixadora da União Soviética na Noruega. Nesse mesmo mês e apesar de o seu afastamento do país ter sido uma maneira airosa de a neutralizar, escreveu uma série de artigos para o jornal da juventude comunista em que defendia as suas ideias sobre a liberdade sexual. Causava assim mais um escândalo, porque pu-

nha em confronto a relação contraditória entre o poder político e as ideias sociais da revolução que ainda subsistiam nas consciências em luta contra os costumes antigos. Já não cabia na ideologia do partido a ideia de que o amor livre – ideal da Revolução de Outubro – não fora possível na sociedade capitalista porque a noção de propriedade privada penetrara no casamento e fizera das mulheres uma das formas dessa propriedade. Kollontai defendia nesses artigos que o amor nunca fora um fenómeno apenas biológico, mas também um factor social, com formas legais que diferiam segundo o tipo de sociedade e as suas necessidades. Tratava-se agora de encontrar a forma de amor adequada às condições proletárias, um amor multifacetado e não exclusivo, feito de simpatia, amizade e compreensão entre camaradas e reconhecimento de direitos mútuos, em vez da escravatura doméstica da mulher, da prostituição e da perversão burguesas. Terá sido nesse momento que Alexandra Kollontai selou o seu destino de eterna exilada. Com a defesa activa dessas ideias “deslocadas”, ela, figura prestigiada e com provas dadas na prática, no seu país e a nível internacional, passou a ser vista como uma ameaça contra o poder do partido, que abandonara já o programa da “nova moral” preconizado pelos bolcheviques e não estava disposto a que se instalassem mudanças sociais radicais que estabelecessem o que via como o “caos social permanente”. Para complicar a sua situação, no Verão de 1923 Alexandra Kollontai esteve em Moscovo e avistou-se com uma delegação da Oposição Operária. Estaline soube da entrevista e, quan-

do a embaixadora regressou a Oslo, chamou os responsáveis por esse encontro à Comissão Central de Controle para lhes pedir satisfações. Noutra viagem que fez a Moscovo, certa noite Kollontai foi convocada à mesma comissão e questionada sobre as suas relações com os elementos da oposição. Finalmente, num entrevista com Estaline, queixou-se: “Que querem eles de mim? Todas as noites tenho de me justificar diante da Comissão Central de Controle por uma actividade política que abandonei”. Estaline prometeu estudar a questão e, como que por coincidência, cessou a campanha contra ela no Pravda e nos órgãos do partido. Em 1925, Kollontai terá desabafado com o francês Marcel Body (1894-1984), seu amigo íntimo, confidente e colega na embaixada: “Como lutar, como defender-me contra as calúnias? Eles dispõem de tantos meios para as pôr a circular!” A campanha voltou a acender-se em 1926. Kollontai foi acusada de tentar destruir a família com vista a disseminar entre os jovens uma sexualidade desenfreada. Tinha-se formado um bloco de opositores à política de Estaline e os adeptos deste não podiam permitir que um membro influente desse sector exprimisse ideias contrárias à linha do partido, tanto mais que se preparava a publicação de um novo Código da família anulando o de 1918, do qual Kollontai tinha sido a principal responsável. Em Outubro de 1926, Kollontai esteve em Moscovo entre duas missões diplomáticas. Foi contactada por um representante de Trotski, que a convidou a juntar-se à oposição. Recusou e nesse período não se pronunciou publicamente nem a favor dele, nem de Estaline, ao contrário de Chliapnikov e Medvedev, seus antigos parceiros da Oposição Operária, que assinaram na altura uma confissão pública e receberam o perdão de chefe supremo. No XV Congresso do Partido, no Outono de 1926, Estaline anunciou aos delegados que Nadia Krupskaia tinha renunciado à oposição. No entanto, esta declaração pareceu pouco credível, já que, semanas antes, a 18 de Outubro, Krupskaia tinha promovido a publicação no New York Times do testamento de Lenine, muito desfavorável a Estaline. A 20 de Maio de 1927, provavelmente pressionada pelo regime, Krupskaia publicou no Pravda uma carta em que, tendo em conta a grave ameaça externa, apelava ao fim da oposição. Em Novembro de 1927, Trotski foi expulso do partido. Tendo-se avistado com Trotski quando este abandonou a URSS e ainda se encontrava na Europa, Kollontai discordou das suas teses e, na qualidade de embaixadora do governo soviético, solicitou a expulsão de Trotski da Noruega. (Aliás, todas as tentativas de

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deste de se coligar ou obter apoio de vários opositores do estalinismo se goraram.) Embora não existam nenhuns documentos a corroborar estes factos prováveis, que alguns quiseram fazer passar por capitulação, em 1930 Kollontai terá admitido a necessidade do sistema estalinista e tê-lo-á defendido contra a oposição de direita. De 1930 a 1945, foi embaixadora da União Soviética na Noruega e no México e nunca mais se manifestou contra o regime. Pelo seu prestígio de veterana e talvez por estar, na maior parte do tempo, longe do terror estalinista, a verdade é que sobreviveu às purgas sem grandes embaraços, tanto mais que o regime necessitava muito da sua actividade diplomática. DISSIDENTES SILENCIADOS Foram várias as figuras que se dobraram ao regime e muito vasto o leque de cedências que cada um aceitou fazer. Um dos casos foi o de Nadia Krupskaia, que se afastou do grupo Oposição Operária e acabou por ser isolada politicamente pelos estalinistas. Outro caso impressionante é o de Antonov-Ovseienko, eleito membro do Comissariado do Povo para Assuntos de Guerra e de Marinha na Frente Interna. Em fins de 1923, aderiu à Oposição de Esquerda. Em virtude disso, foi destituído do comando militar e afastado, em 1925, da luta política. Continuou na Oposição Operária até 1928, quando capitulou, repudiando em tribunal as suas “ilusões trotskistas” e pronunciando-se a favor da punição de todos os acusados. Em Outubro de 1937, foi preso na sua casa em Moscovo, sob a acusação de prática de “crime contra o Estado soviético”. Negou-se a assinar uma “confissão” falsificada por Vischinsky, foi condenado a 10 anos de prisão e torturado até à morte. Clara Zetkin, refugiada na União Soviética, nunca disse uma palavra contra Estaline. Anna Larina, a viúva de Bhukarine, explica esses fenómenos de submissão ao regime por

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parte de figuras históricas de grande envergadura política: “Havia uma verdadeira fórmula mágica que actuava imediatamente: a ameaça de exclusão do Partido… Tanto uns como outros, os ‘trotskistas’ como os ‘direitistas’, à custa de serem humilhados, à custa do achincalhamento da sua própria dignidade, procuravam a todo o preço não romper com o PCR(b), não pensavam senão regressar ao Partido a despeito de Estaline. Mas, entretanto o Partido tinha-se tornado o partido de Estaline. Ficando nele, os antigos oposicionistas, gente de espírito crítico, submeteram-se, em nome da manutenção da unidade, ao diktat de Estaline. Nisto reside, parece-me, uma das causas essenciais do destino trágico que conheceram os velhos bolcheviques”. Caso raro, Gabriel Ilich Miasnikov (18891945), outro dissidente famoso, nunca se submeteu. Expulso do partido em 1922, formou uma facção chamada Grupo dos Operários do Partido Comunista Russo, composto sobretudo por antigos membros da Oposição Operária. Preso por três vezes, em 1927 foi exilado para a Arménia, de onde fugiu para o Irão. Novamente preso, foi deportado para a Turquia. Em 1930 emigrou para a França. Em 1945 foi sequestrado pela polícia política soviética e recambiado para a Rússia, onde foi executado. Tinha perdido os três filhos na frente de batalha contra os nazis e a mulher, enlouquecida pelas provações, só lhe sobreviveu poucos meses. Ao contrário de muitos, Miasnikov nunca deixou de defender o seu ideário: a criação de sovietes de produtores para gerirem a economia e a total liberdade de expressão para todos os trabalhadores. Foi reabilitado em 2001. Alexandra Kollontai, pelo seu lado, terá acabado por prometer a Estaline não se envolver em política para assim assegurar a sobrevivência física, segundo Marcel Body, que aliás muito a incentivou nesse sentido. Nunca fez nenhuma declaração pública de louvor ao regime nem apontou o dedo ou denunciou ninguém, mas

resignou-se à omnipotência burocrática: “Não podemos ir contra o aparelho. Pelo meu lado, arrumei num canto da minha consciência os meus princípios e executo o melhor possível a política que me indicam”, confidenciou em 1929. Essa consciência que refere não estava totalmente adormecida. Isabel de Palencia, embaixadora na Suécia da Espanha republicana, conheceu Kollontai, que lhe disse ter escrito uma autobiografia detalhada, bem mais completa do que o resumo publicado na Revolução Proletária russa de 1921, este conhecido como Autobiografia de uma mulher emancipada e mil vezes retocado e censurado pelos estalinistas. Esta informação sobre um diário autobiográfico é corroborada por Marcel Body. Mas em 1944. Vladimir Petrov, um agente do MVD destacado para a embaixada, foi encarregado de encontrar e fotografar o manuscrito que a diplomata guardava no seu apartamento. Enviou o filme para Moscovo, aparentemente sem o conhecimento da embaixadora. A investigadora A. M. Itkina, que fez uma monografia sobre Kollontai, afirma que esses documentos e outros papéis pessoais e apontamentos, ainda inéditos, estão na posse do Instituto Marx-Engels. Talvez a sua consulta nos desse mais esclarecimentos sobre o verdadeiro alcance do silenciamento de Kollontai. A verdade é que, rodeada de espiões e delatores, ao mesmo tempo que continua a ser apontada como alguém de quem a União Soviética se pode orgulhar, a diplomata Alexandra Kollontai fica presa numa armadilha paradoxal da qual não mais se virá a desenvencilhar: passa a ser um troféu do regime, o mesmo regime que deu cabo das grandes conquistas da emancipação feminina conseguidas nos primeiros anos da Revolução de 1917, em grande parte graças ao seu genial desempenho enquanto dirigente do PCUS e comissária do povo. A nova concepção de família propagandeada pelos revolucionários de Outubro e a “nova vida” anunciada como bandeira dos direitos das mulheres passavam a ser apresentadas como relíquias do passado e tomadas como excessos que era preciso corrigir. Restaurado o patriarcado sob novas vestes adaptadas às necessidades do estalinismo, ressurgia o que havia de pior na sociedade antiga. Kollontai só pode ter morrido na maior amargura, a 9 de Março de 1952, de enfarte do miocárdio, um ano antes de Estaline e a menos de um mês de completar 80 anos. Foi enterrada no sector reservado aos diplomatas e não no que se destinava às figuras históricas do partido, como lhe era devido. Ainda lá está.


8 DE MARÇO

Clara Zetkin, a pioneira ANA BARRADAS

É na acção pioneira de Clara Zetkin que se pode encontrar a matriz original do modelo de feminismo adoptado pelos partidos comunistas no período efémero que vai desde o início do século XX até à contra-revolução estalinista. Foi graças ao seu voluntarismo e acção afirmativa que o 8 de Março passou a simbolizar a luta pela emancipação feminina. Com efeito, foi por proposta de Clara Zetkin que o 8 de Março foi proclamado o Dia Internacional da Trabalhadora pelas mais de 100 mulheres de 17 países presentes na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em Copenhaga, em 1910 : “As socialistas de todas as nações organizarão um Dia da Mulher específico, cujo primeiro objectivo será promover o direito de voto das mulheres. É preciso discutir esta proposta ligando-a à questão mais ampla das mulheres numa perspectiva socialista.” A 8 de Março de 1911, um milhão de mulheres manifestaram-se sob os lemas “O direito ao voto para as trabalhadoras” e “Unir forças pela luta pelo socialismo” na Alemanha, Áustria, Dinamarca e Suíça. Nesse mesmo ano, em Portugal, a médica Carolina Beatriz Ângelo, presidente da Associação de Propaganda Feminista, viúva e mãe, votou nas eleições para a Assembleia Constituinte da República recém-instituída, invocando a sua qualidade de chefe de família, o que provocou a posterior alteração da lei, reconhecendo o direito de voto apenas aos homens. Nessa altura Clara Zetkin era já uma figura respeitada, secretária internacional das mulheres socialistas e chefe de redacção do prestigiado jornal feminino Die Gleichheit (A Igualdade). Já em 1907 e apesar de, dentro da Internacional, se levantar uma oposição sistemática ao voto feminino, visto como uma forma de desviar as forças revolucionárias das mulheres e considerado como uma reivindicação burguesa, as 58 delegadas de 14 países reunidas em 1907, em Stuttgart, na Alemanha, na 1ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, encabeçadas por Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai, tinham elaborado uma moção que comprometia os partidos a envolver-se na luta pelo voto feminino. A 8 de Março de 1917 (23 de Fevereiro no calendário russo), as mulheres de Petrogrado saíram às ruas a exigir pão e paz. Ao juntar-se ao meio milhão de trabalhadores em greve – entre os quais as tecelãs, costureiras e operárias têxteis – esta manifestação maciça de mulheres foi decisiva para obrigar o czar a abdicar e para desencadear a Revolução de Fevereiro. Desde então, o Dia da Mulher, com as suas consignas feministas, ficou consagrado nos partidos comunistas como dia de luta pela emancipação feminina. Estava demonstrado que as trabalhadoras se podiam organizar sob bandeiras próprias, ampliando assim a luta do

proletariado. A organização feminina dos socialistas alemães dirigida por Clara Zetkin era o principal exemplo pelo qual se guiava o movimento internacional. Desde então, duas conquistas principais ficaram adquiridas até aos dias de hoje: o princípio emancipador do trabalho da mulher fora do lar e o direito de voto. BURGUESAS E OPERÁRIAS O que distinguia este movimento das comunistas dos restantes na Europa e nas Américas – na altura muito activos mas implantados sobretudo na pequena burguesia – era que as revolucionárias insistiam em que só o proletariado estaria em condições de criar as condições para a emancipação feminina, através do comunismo. Segundo elas, existe uma ligação inquebrantável entre a posição social e humana da mulher e a propriedade privada dos meios de produção. Ao salientar este dado objectivo, as comunistas traçavam uma forte linha de demarcação com o movimento burguês pela libertação. Ao mesmo tempo, passavam a dispor de uma base para analisar a questão feminina como parte integrante da questão da classe operária e para a associar firmemente à luta de classes e à ideia da revolução. Definiam o feminismo comunista como um movimento de massas integrado no movi-

mento geral, não só dos proletários, mas de todos os explorados e oprimidos, de todas as vítimas do capitalismo ou da classe dominante. Daí derivava a noção do grande significado que teria o movimento feminista para a luta do proletariado e a sua missão histórica: a criação de uma sociedade comunista. Embora orgulhosas de terem nos seus partidos a fina-flor das revolucionárias, as comunistas sabiam que o decisivo era ganhar para essa luta pela emancipação milhões de trabalhadoras das cidades e dos campos que viessem a perceber que a construção de uma sociedade comunista seria a sua salvação. Sem essas mulheres, não poderia haver um verdadeiro movimento de massas. Segundo um relato de Clara Zetkin, o próprio Lenine comentou um dia com ela, em 1920: “Temos de combinar o nosso apelo político à consciência das massas femininas com os sofrimentos, as necessidades e os desejos das trabalhadoras. Todas devem saber o que a ditadura do proletariado significará para elas: a total igualdade de direitos com os homens, quer legais, quer na prática, na família, no Estado e na sociedade, e que isso corresponderá também ao aniquilamento do poder da burguesia.” O movimento sufragista burguês não tinha uma perspectiva tão grandiosa, em nada o preocupava a libertação social das operárias e nunca aprofundava a análise das causas da desigualdade dos sexos, pois lhe escapava a noção de que o sistema capitalista era o gerador de todo o feixe de contradições contra as quais se insurgia. Apesar da sua pujança e projecção de massas, nesse aspecto estava muito mais atrasado do que o feminismo socialista. Embora partilhando em muitos aspectos a sua condição de oprimidas, de facto as mulheres estão separadas entre si pelas suas respectivas classes, cujos interesses se revelam intransponíveis. Patroas e assalariadas nunca se poderiam irmanar em tudo, antes se haveriam de opor justamente por causa das posições antagónicas em que se encontravam do ponto de vista social. No relato já citado de uma conversa com Lenine, Clara conta como lhe expôs a ideia de que ia propor ao congresso das mulheres socialistas a realizar em breve. Tratava-se de chamar a uma grande reunião internacional não só as militantes dos partidos comunistas, mas também muitas outras que se destacavam na

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luta pelos direitos das mulheres: as líderes das operárias organizadas nos respectivos sectores laborais, as trabalhadoras envolvidas em temas políticos ou sociais, todas as organizações das mulheres burguesas, independentemente do seu pendor, e por fim professoras, médicas, escritoras e outras figuras de destaque. O congresso, que devia ser um “corpo representativo popular”, discutiria primeiro o direito de acesso das mulheres a todas as actividades e profissões. Ao entrar por este tema, automaticamente levantaria outras questões: desemprego, salário igual para trabalho igual, jornada de trabalho de oito horas, protecção laboral para as mulheres, organização de sindicatos, assistência social às mães e crianças, medidas sociais para aliviar a carga de trabalho e responsabilidades das mães e donas de casa, o estatuto da mulher no casamento, na legislação sobre a família e nas leis em geral. Quando Lenine lhe perguntou se tinha a certeza de que as comunistas seriam capazes de sustentar esse debate com as não comunistas – que estariam em superioridade numérica e eram feministas muito batidas na luta política, com grande prestígio e poder de argumentação – Clara respondeu-lhe que sim, desde que se providenciasse uma boa preparação prévia e trabalho de equipa, porque além disso tinham a seu favor a admirável experiência da revolução na Rússia no que tocava à emancipação das mulheres. E concluiu: “Mesmo que as nossas propostas não sejam aprovadas, o simples facto de termos travado esse combate porá o comunismo num primeiro plano e terá um grande efeito em termos de propaganda. Além disso, dar-nos-á pontos de partida para um trabalho subsequente.” Infelizmente a ideia de Zetkin não mereceu a aprovação da reunião das mulheres socialistas, sobretudo por causa da oposição das delegadas búlgaras e alemãs, que dirigiam os maiores movimentos de mulheres comunistas fora da União Soviética. Quando mais tarde Clara informou Lenine desta decisão, este comentou: “Que pena, que grande pena! As camaradas perderam uma excelente oportunidade de dar uma nova e melhor perspectiva de esperança às massas de mulheres e assim atraí-las para as lutas revolucionárias do proletariado. (...) Sem a actividade organizada das massas sob liderança comunista não se pode vencer o capitalismo e construir o comunismo. É por isso que as massas femininas ainda adormecidas têm de ser finalmente postas em movimento.” AS MULHERES, A GUERRA E A LUTA ANTIFASCISTA Na primeira década do século XX, começavam a acumular-se as tensões que iriam dar origem à Primeira Guerra Mundial. O Congresso Internacional Socialista de Sttutgart de 1907 foi aquele em que Lenine, Rosa Luxemburgo e Martov travaram um debate aceso sobre a necessidade de os comunistas não apoiarem as tendências belicistas das suas burguesias. Infelizmente, o movimento dos partidos comunistas da época orientava-se já no sentido do social-patriotismo. Em 1912, no Congresso Socialista Interna6 cional realizado em Basileia, Clara Zetkin fez

um apelo às mulheres para que lutassem contra este ambiente e se manifestassem claramente contra a guerra. Quando em 1914 e os deputados comunistas se prontificaram a votar nos respectivos parlamentos a favor dos créditos de guerra que permitiram o desencadear do conflito, Clara Zetkin aderiu sem hesitar à facção espartaquista de Rosa Luxemburgo e bateu-se pela defesa dos ideais internacionalistas, proletários e revolucionários. Em 1915, declaradas as hostilidades, Clara organizou a primeira Conferência Internacional das Mulheres pela Paz, em Berna, num país neutro, onde pela primeira vez se lançou a palavra de ordem da guerra revolucionária à guerra imperialista, se exigiu o fim das hostilidades e uma paz sem anexações nem conquistas. Foi uma das iniciativas mais importantes do período da guerra e foi também a partir daqui que se cavou a divisão que depressa se iria tornar patente entre os movimentos socialista e comunista, o primeiro a favor do apoio ao esforço de guerra, o segundo jurando combater todas as acções belicistas. Como principal dinamizadora da Conferência Internacional, Clara passou a ser alvo da atenção da polícia, juntamente com os seus companheiros da ala esquerda do SPD (o partido comunista alemão), os espartaquistas, o que a obrigou a passar à clandestinidade. Nem por isso se coibiu de criticar a orientação política do seu partido, afirmando: “A maior parte da social-democracia alemã não constitui hoje um partido proletário, um partido socialista de luta de classe, mas um partido reformista, um partido nacionalista que se entusiasma com as anexações e conquistas coloniais”. Acusada pelos dirigentes do SPD de violar os estatutos do partido, em Julho de 1915 foi presa e acusada de alta traição. Não obstante a repressão exercida pelas autoridades e pelos seus antigos companheiros de partido sobre os espartaquistas, Clara persiste nas suas posições, apesar de em 1917 ter de abandonar a direcção do jornal Gleichheit que fundara em 1891 por, segundo se alegava, não seguir “a linha política do partido”. Em Novembro de 1917 fundou o suplemento feminino do jornal espartaquista Leipziger Volkezeitung, e em 1920 foi eleita presidente do Movimento Internacional de Mulheres Socialistas. Participou nas jornadas revolucionárias de Janeiro de 1919 em que foram assassinados os seus melhores amigos, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Leo Jogiches. Em 1921, eleita para o comité executivo da III Internacional, denunciou o reformismo da direcção social-democrata e acusou-a de não lutar com a devida energia contra a sociedade capitalista. Fundado o Partido Social-Democrata Independente Alemão (USPD) a partir da ala de esquerda, entre 1920 e 1932 representou-o como deputada no Reichstag. Quando os nazis subiram ao poder em 1933, na sua última intervenção no parlamento fez um apelo à unidade contra o fascismo. Obrigada a exilar-se na Rússia – onde viveu um ano antes de morrer – adaptou-se ao estalinismo e, à semelhança de Nadia Krupskaia, viúva de Lenine, transformou-se numa prestigiada figura simbólica.

DEPOIS DE CLARA ZETKIN Na luta feminista, Clara teve como discípulas de destaque Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai. Ambas prosseguiram o seu combate na teoria e na prática. A primeira teve pouco tempo de vida e nunca pôde realizar todo o seu potencial. A segunda destacou-se entre todas como a mais capaz de encontrar, a partir das condições objectivas e com base nas premissas marxistas, o fio condutor teórico a seguir pelos comunistas para fazer avançar a causa feminista. Como comissária do povo do regime bolchevista, realizou uma obra social e política notável e produziu literatura institucional, literária e teórica de grande valor. Ainda hoje é preciso recorrer a ela para encontrar resposta a muitos dos problemas que se colocam na abordagem comunista às questões do feminismo. Lenine sintetizou bem o trabalho realizado: “Estamos a organizar cozinhas comunitárias e refeitórios públicos, lavandarias e oficinas de reparações, creches, infantários, lares para crianças e todo o tipo de instituições. Em suma, estamos muito empenhados em corresponder aos requisitos do nosso programa no sentido de transferirmos as funções domésticas e educativas do âmbito individual e caseiro para a sociedade. A mulher vai assim sendo libertada da sua velha escravatura doméstica e de toda a dependência em relação ao marido. Passa a ter a capacidade de dar livre curso às suas aptidões e inclinações. As crianças passam a ter oportunidades de desenvolvimento melhores do que em casa. Em relação à mulher, temos a legislação mais progressista do mundo e ela é posta em prática por representantes legítimos dos trabalhadores organizados. Estamos a abrir maternidades, casas para mulheres e crianças, centro de saúde materna, cursos de cuidados neonatais e infantis, fazemos exposições sobre cuidados maternos e infantis, e coisas assim. Esforçamo-nos ao máximo para prestar assistência a mulheres necessitadas e desempregadas.” Se nos alongámos na citação, foi porque quisemos mostrar a importância que Lenine dava a estes avanços e pôr em contraste esta atitude e situação com os tempos actuais, em termos estruturais muito mais gravosos para as mulheres e com tendência a piorar, tanto na esfera do trabalho como na vida privada. As conquistas feministas da revolução de Outubro estavam na continuidade da linha internacional sobre a emancipação feminina e continham o germe de uma verdadeira transformação futura. Todo esse processo foi interrompido e posto de lado pela contra-revolução estalinista, que retomou o essencial da velha ideologia patriarcal, adaptando-a aos interesses da nova burguesia surgida no regime pós-leninista. Também no Ocidente não deixou de se agravar desde então a opressão patriarcal e a exploração no trabalho. Persiste a dependência da mulher, mesmo nos países onde se alcançou algum desenvolvimento económico. Não se pense pois que foi por mero acaso que em 2007, a 18 de Março, se assistiu à demolição no bairro Noerrebo de Copenhague do edifício em que Clara Zetkin e outras proclamaram o 8 de Março como Dia da Mulher Trabalhadora.


Nos primórdios do comunismo português ÂNGELO NOVO Em Portugal, a revolução soviética foi saudada unanimemente por todos os sectores operários revolucionários, mas não havia cultura política nem instrumental teórico para a apreciar devidamente. O poder soviétivo era uma ideia agradável aos próprios anarquistas mas foi retida especialmente, como exemplar, pelos militantes sindicalistas que nunca se deixaram conquistar completamente pela doutrina acrata, nomeadamente por dois dos envolvidos numa célebre polémica de 1913, Manuel Ribeiro e Carlos Rates. Também o cruel fracasso da greve geral de Novembro de 1918 exigia reflexão sobre a criação de veículos políticos próprios para preparar e consolidar a tomada do poder pelas classes trabalhadoras. Em Setembro de 1919 foi fundada a Federação Maximalista que, condicionalmente, sem abandonar os princípios acratas do sindicalismo revolucionário, aceitava, como “meras práticas experimentais, imediatas, sem qualquer carácter filosófico ou de sistema”, “tanto a ditadura proletariana como o regime dos soviets” (art.º 2 dos Estatutos). “Maximalistas” era o termo com que, na im-prensa portuguesa da época, se tentou traduzir bolcheviques (literalmente, os maioritários), denotando também que esses eram os que queriam conduzir a revolução russa ao seu máximo. O mais destacado fundador, secretário-geral desta organização e director do seu órgão próprio, Bandeira Vermelha, é o ferroviário Manuel Ribeiro (1871-1941), sindicalista já veterano, publicista, romancista de mérito e algum êxito, com lugar conquistado na história da literatura portuguesa. O Bandeira Vermelha saiu até Agosto de 1920, difundindo sempre as ideias do bolchevismo, como elas podiam ser entendidas por quem não tinha qualquer formação marxista. Publicou textos de Lenine, Trotski e Rosa Luxemburgo, além de documentos da Internacional Comunista e de partidos comunistas estrangeiros, acompanhou apaixonadamente as vagas revolucionárias húngara e italiana, propugnando também para Portugal uma “revolução imediata” que realize a palavra de ordem: “as terras para os camponeses e as oficinas e as fábricas para o operário!”(1). Em 1919 foi publicado A Rússia bolchevista: a doutrina, os homens, a propriedade, o regime industrial, política interna e externa, documentos oficiais de Etienne Antonelli, com tradução de Manuel Ribeiro, obra que teria ainda uma reedição em 1921. Manuel Ribeiro dirigiu então várias colecções de livros de divulgação “sovietista”, onde se publicaram A Rússia Nova de Henriette Roland, a Constituição Política da República dos Sovietes (precedida por um texto de Trotski), anunciando-se livros de Lenine,

Bukarine, Souvarine e o capitão Sadoul. Surgiram ainda, de diversos quadrantes, algumas outras brochuras de divulgação sobre a revolução russa e seus propósitos. Dissolvida a Federação Maximalista em Dezembro de 1920, cria-se o Partido Comunista Português (PCP) a 1 de Março de 1921. Alguns meses depois é constituída a sua Junta Nacional, secretariada por Caetano de Sousa. Manuel Ribeiro está na Comissão de Educação e Propaganda do partido e é “redactor principal” do seu semanário O Comunista, que todavia suspende a publicação, pouco tempo depois. O romancista – que caíra sob a influência do célebre padre Cruz durante uma prisão que sofreu por ocasião da grande greve ferroviária do Verão de 1919 – converte-se então ao catolicismo, abandonando a militância comunista activa, sem contudo trair a causa popular e os ideais socialistas. O Comunista retomaria a publicação em 1923, como quinzenário, sob a direcção de Carlos Rates, passando depois, a partir de meados de 1925, a ser dirigido pelo operário e sindicalista agrícola de Coruche Manuel Ferreira Quartel. Entretanto, de 1925 a 1926, publicou-se no Porto uma nova série de A Bandeira Vermelha, onde era editor o sapateiro José Silva (1894-1970), futuro autor das Memórias de um operário. Em Lisboa, o quinzenário A Internacional, dos partidários da Internacional Sindical Vermelha (ISV), publicou-se entre 1923 e 1926 sob a direcção de João Pedro dos Santos. Este jornal deu ainda à estampa uma colecção intitulada ‘Biblioteca da Internacional’, onde

se publicaram os Estatutos da ISV, dois livros de Alexandr Losovsky – A ditadura do proletariado (1924), Os sindicatos e a revolução (1925) - e Quinze dias na Rússia soviética de F. Liebers e J. B. Cornet. À altura da fundação do PCP, José Carlos Rates (1879-1945) aparece no seu Conselho Económico. Antigo marinheiro e operário conserveiro, natural da região de Setúbal, era um sindicalista experiente e combativo, que se destacara como articulista na imprensa operária e como organizador de sindicatos agrícolas nos campos alentejanos. Experimentara já duras penas de prisão e participara, em lugar de destaque, em todos os congressos operários. Tendo ascendido socialmente, adquiriu hábitos um pouco mais burgueses e um certo pendor para soluções administrativas e tecnocráticas para os problemas sociais, nomeadamente por via da conciliação com os reformistas e da negociação com o poder. Aderiu de imediato à revolução soviética e propugnou a ditadura do proletariado, mas procurando integrá-la nos seus pontos de vista de sindicalista revolucionário – conforme expôs numa longa série de artigos no diário A Batalha – não tendo por isso aderido à Federação Maximalista. Logo a seguir à fundação do partido formam-se as Juventudes Comunistas, lideradas pelo turbulento metalúrgico José de Sousa, que era secretário-geral das Juventudes Sindicalistas e arrastou consigo uma parte destas. As relações com a CGT azedam então definitivamente com a publicação do Manifesto do PCP, que acompanhava a publicação das 21 condições da adesão à Internacional Comunista (IC). Estes documentos são aberta e veementemente condenados nas páginas de A Batalha, dando-se então a cisão e dissolução final no campo sindicalista, com a CGT agora claramente cometida aos princípios anarquistas e os simpatizantes do bolchevismo a decidirem-se pela adesão ao PCP e/ou à ISV. O 3º Congresso Nacional Operário realizado na Covilhã, em Outubro de 1922, seria já profundamente marcado por esta cisão, que atingiu aí expressões de grande virulência, precisamente a propósito da filiação internacional do movimento sindical português, tendo então vencido maioritariamente a opção pela adesão da CGT na AIT, de inspiração anarquista, que aliás na altura ainda não estava sequer formada. Caetano de Sousa, secretário-geral do novo partido, parte para Moscovo em finais de 1922, chefiando uma delegação que participa no IV Congresso da IC. No seu regresso estala uma grave crise no partido, que só será resolvida com a realização do seu 1º Congresso, a 22-23

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de Novembro, em Lisboa, onde intervém o delegado da IC Jules Humbert-Droz impondo Carlos Rates como secretário-geral, expulsando Caetano de Sousa e suspendendo José de Sousa por seis meses. O Comunista retoma a sua publicação em Maio de 1923, com Carlos Rates como “redactor principal” e artigos ou citações dos clássicos, de Lenine, Trotski, Zinoviev, Clara Zetkin e Lozovski(2). Tenta-se precisar no plano teórico o que será a sociedade comunista e distinguem-se os princípios do comunismo e do anarquismo. Propugna-se para Portugal, no imediato, um governo operário-camponês que previna a ascenção do fascismo(3). Em 1925 o partido português recebe a visita de dois agentes do Comintern, um dos quais o argentino Victorio Cordovilla, que passou então a ser o seu “controleiro”, a partir de Madrid. Inicia-se a “bolchevização” organizativa do partido, estabelecem-se relações regulares com a Internacional Comunista e seus organismos da juventude, sindical, de camponeses, bem como com o Socorro Vermelho Internacional. Para fazer face ao perigo do golpismo fascista, Carlos Rates advoga uma aliança com o Partido Radical e a Esquerda Democrática de Domingues dos Santos, mas a sua influência no partido já começara a declinar, acabando mesmo por ser expulso, por desviacionismo às directivas políticas da Internacional, no 2º Congresso do PCP, em Maio de 1926. Precisamente quando o fascismo batia à porta. Carlos Rates era um homem estudioso e reflectido, que deixou alguma obra teórica (O problema português: os partidos e o operariado, 1919; A ditadura do proletariado, 1920; A Rússia dos sovietes, 1925), que hoje tem apenas um interesse de curiosidade histórica. Depois da sua expulsão do PCP enveredou pelo jornalismo, publicou Democracias e ditaduras (1927) e acabaria por aderir à União Nacional salazarista em 1931, onde aliás não fez carreira visível. Interessou-se por questões coloniais (ele que tinha advogado a venda das colónias à melhor oferta) e escreveu dois romances. Da vida do PCP nos anos seguintes sabe-se que, sob a direcção de José de Sousa, participou em vários golpes e conspirações contra o novo regime, com destaque para a revolta militar democrática de 3 a 9 de Fevereiro de 1927. À excepção desta, onde aliás os comunistas participaram de forma subalterna e praticamente desarmados, as restantes foram sempre facilmente esmagadas, após alguns tiros, bombas, brados e correrias. O jovem partido sofreu então forte repressão, com centenas de prisões e deportações. Já nos anos 1930 haveria novamente algumas tentativas de “reviralho” com algum impacto, nomeadamente o golpe militar de 26 de Agosto de 1931. Segundo o duvidoso testemunho do ex-inspector da PIDE Fernando Gouveia, que cita documentação apreendida, o PCP terá firmado um “contrato” escrito com o major Sarmento de Beires para participar neste movimento, recebido armas para o efeito, já na previsão de, após a vitória, se rescusar a devolvê-las 8 ao directório vencedor, aproveitando a opor-

tunidade para “fazer a revolução social e implantar a ditadura do proletariado”(4). Uma delegação do PCP que inclui o jovem torneiro transmontano Bento Gonçalves (1902-1942), do Arsenal da Marinha, vai a Moscovo em 1927, ao Congresso dos Amigos da URSS, por ocasião do 10º aniversário da Revolução de Outubro, regressando com a incumbência de reorganizar o partido. Uma conferência realizada a 21 de Abril de 1929, nas instalações da Caixa de Previdência do Arsenal, toma em mãos essa tarefa, elegendo Bento Gonçalves como secretário-geral. O partido tem trinta membros organizados, abrindo-se nele um abismo em relação ao seu passado. Segundo alguns testemunhos, o barbeiro Júlio César Leitão, expulso do Brasil, e com alguma experiência de militância no PCB, introduz em Portugal o método de organização por “comités de zona”, com reuniões em plena rua. O método de agitação e propaganda mais comum desses dias era o chamado “comício-relâmpago”, em que, protegido por dois ou três companheiros armados, um orador discursava em público, por alguns breves minutos, procedendo-se a alguma distribuição de panfletos, dispersando todos depois em boa ordem. Por essa altura fixa-se em Lisboa um agente da IC de nacionalidade checa, Bernard Freund (“René”), que participa na direcção da federação da juventude (e talvez também do partido) até ser preso e expulso do país em 1932. A 15 de Fevereiro de 1931 começa a publicar-se o jornal Avante!. A linha geral do comunismo internacional na altura era a doutrina “classe contra classe”, mas começava-se a evoluir, com novas instruções, no sentido do que viria a ser a linha da “frente popular”, consagrada em 1935 no 7º Congresso da IC(5). Sem que alguma vez se tivesse disseminado na vanguarda operária organizada do país um mínimo de cultura marxista, sem um verdadeiro processo de “bolchevização” do PCP, começava o processo da sua normalização estalinista.

1) João G. P. Quintela, Para a história do movimento comunista em Portugal: 1. A construção do partido (1º período 1919-1929), Afrontamento, Porto, 1976, p. 30. 2) Podem ser visionadas em linha quinze primeiras páginas de O Comunista (entre 1921 e 1926), em http://www.pcp.pt/ partido/anos/80anos/o-comunista.html. 3) João G. P. Quintela, ob. cit., p. 58-61. 4) Fernando Gouveia, Memórias de um inspector da PIDE, Roger Delraux, Lisboa, 1979, págs. 59-61. 5) João Arsénio Nunes, ‘Sobre alguns aspectos da evolução política do Partido Comunista Português após a reorganização de 1929 (1931-33)’, in Análise Social, vol. XVII (67-68), 1981-3.º-4.º, p. 715-731.

RELENDO... ROSA A ilusão segundo a qual o parlamento é o eixo central da vida social, a força motriz da história universal, é uma ilusão que não só é possível explicar historicamente, como é necessária para a burguesia em luta pelo poder e ainda mais para a burguesia que o detém. O fruto natural dessa concepção é o famoso “cretinismo parlamentar” que, perante a verborreia satisfeita de algumas centenas de deputados numa câmara legislativa burguesa, fica cego perante as forças gigantescas da história mundial que agem no seu exterior, no fluxo da evolução social, e que nenhum caso fazem dos fazedores de leis parlamentares. Ora é precisamente este jogo das forças elementares brutas da evolução social, no qual as próprias classes burguesas participam sem o saber nem querer, que consegue reduzir constantemente não só o significado imaginário mas todo o significado do parlamentarismo burguês. (…) O parlamentarismo, longe de ser um produto absoluto do desenvolvimento democrático, do progresso da humanidade e de outras belas coisas do género, é, ao contrário, uma forma histórica determinada da dominação da burguesia e — isto é só o reverso dessa dominação — da sua luta contra o feudalismo. O parlamentarismo burguês só é uma forma viva enquanto durar o conflito entre a burguesia e o feudalismo. Logo que o fogo vivificante desta luta se extinguir, o parlamentarismo perde o seu objectivo histórico do ponto de vista da burguesia.(...) Os diferentes grupos da reacção feudal-burguesa dominante deixaram de ser, desde aí, decididos por provas de força no parlamento, mas por negociatas nos corredores do parlamento. Os resíduos dos combates parlamentares abertos da burguesia já não são conflitos de classe e de partidos mas, quando muito, em países retardatários como a Áustria, querelas de nacionalidades, isto é, de cliques cuja forma parlamentar adequada é a disputa, o escândalo. Com o fim dos combates entre partidos burgueses desaparecem igualmente as suas formas de expressão naturais: as personalidades parlamentares marcantes, os grandes oradores e os grandes discursos. O duelo de oratória como meio parlamentar só faz sentido afinal para um partido de combate que procure um apoio entre o povo. O discurso no parlamento é por essência sempre um discurso “à janela”. Do ponto de vista das negociatas de bastidores, que são o meio normal de regular os conflitos de interesses no quadro do compromisso feudal-burguês, os duelos de oratória são desprovidos de sentido e até importunos. Isso explica a indignação dos partidos burgueses suscitada pelas “verborreias” no Reichstag, o sentimento de paralisia e de abatimento perante a própria inutilidade que pesa como uma placa de chumbo sobre as campanhas oratórias dos partidos burgueses e que transforma o Reichstag num lugar de deserto espiritual dos mais mortais. (“Social-democracia e parlamentarismo”, Sachsischs Arbeiterzeitung, 1904)


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