Politica Operaria 125

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MAIO / JUNHO 2010 Nº 125

Fundador: Francisco Martins Rodrigues

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Contra o bloqueio a Gaza O “interesse nacional” No dia 8 os deserdados deste país vão poder manifestar mais uma vez a sua discordância relativamente às gravosas medidas de combate à crise a que são alheios, para a qual não foram vistos nem achados, mas que estão obrigados a pagar por determinação dos ricos e poderosos que comandam os destinos da União Europeia e dos seus serventuários de serviço no nosso país. E é apenas disso que se trata, de dizer que discordamos, e de forma ordeira. Nada de copiar os gregos, com ocupações de ministérios, paralisar o país com greves gerais (o mau exemplo já chegou a Madrid), de sequestrar patrões até ver os direitos satisfeitos, com têm feito com êxito os trabalhadores franceses e chineses. Depois da gigantesca manifestação de dia 29, quando era expectável que se endurecessem as formas de luta e as reivindicações, se começasse a mobilizar para uma greve geral nacional e pelo derrube do governo e da coligação não declarada que o sustenta e mantém refém, os nossos bonzos sindicais resolveram-se por uma jornada de luta, que não se sabe bem para que servirá. Dirão que é a cobardia típica dos reformistas e burocratas traidores. Nós dizemos que é uma lógica de classe e que quem anda enganado são os que ainda confiam na possibilidade de um dia os dirigentes do PCP, do BE e dos sindicatos caírem em si e dizerem basta. Não é por acaso que o PCP não cessa de dizer que “o país precisa de uma política patriótica e de esquerda” e de se manifestar “em defesa da produção, da justiça social e da soberania nacional”. É como se não existissem classes, mas só portugueses bons e honrados. Eleva-se a moral, rebaixa-se a política e elimina-se a consciência de classe. Não por acaso, agora a grande moda da classe política nacional é invocar o “patriotismo, depois de terem feito o seu percurso a “democracia e mercado”, o “imperativo nacional” e a “ética republicana”. Num momento em que a conflitualidade social se acentua, não deixa de ser estranho que a nossa esquerda ordeira actue à margem dos conflitos de classe, como se tudo pudesse ser resolvido através da harmoniosa negociação entre os que beneficiam com a crise e as suas vítimas.

Israel não consegue evitar a revolta palestiniana e perde terreno na cena internacional. A resistência em Gaza e na Cisjordânia, o boicote aos produtos israelitas no exterior, a exigência de sanções internacionais e a condenação da política sionista favorecem a causa palestiniana, mas não travam a passividade da ONU e dos Estados árabes e o apoio dos EUA a Israel nos seus crimes contra a humanidade.(Pág. 13)

Para quando a greve geral?

A caminho do trabalho forçado Perante a desorientação do governo PS, Pedro Passos Coelho toma cada vez mais a condução do bloco central. É de facto esta aliança não declarada entre o PS e o PSD quem comanda os destinos do país, obedecendo aos que detêm o poder real – o grande patronato. (Pág. 3)

“Ir buscar aonde o há” Belmiro de Azevedo saiu-se com esta: “Quando o Povo tem fome tem direito a roubar”. Esta surpreendente bravata deve ser entendida, antes de tudo, como diagnóstico e espelho da impunidade de classe de que a burguesia e o patronato desfrutam. (Pág. 9 )

SUPLEMENT SUPLEMENTOO PO 25 de Abril: o proletariado deixou escapar a crise de poder FRANCISCO MARTINS RODRIGUES

Rumo à Quinta Internacional ÂNGELO NOVO

Eleições no Brasil VALÉRIO ARCARY


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} A TROPA VAI ACABAR? – Ficamos sem palavras quando

Otelo aparece a defender uma tropa ao serviço das populações estilo MFA, ou o folclórico professor Agostinho da Silva aconselha aos militares a afectuosidade em vez da arrogância… Os seja, acham bom que se arranje uma tropa que não seja tropa… A quem serve esta sublimação utópica da função celerada do exército, quem ganha com a ilusão de que a tropa pode ser reconvertida, se ela nasceu para oprimir e matar?… A tropa não pode ser desarmada e extinta sem derrubar e expropriar a burguesia. Este é o problema prático que está posto e nele devemos concentrar atenções e esforços. É a isso que fogem os que tratam o problema da tropa como uma questão moral e não de classe.

} O 1º DE MAIO PODE VOLTAR A SER UMA JORNADA

DE LUTA CONTRA O CAPITAL – A burguesia tem o Dia do Trabalhador domesticado. O poder das multinacionais cobre o mundo como um cancro e, combinando a repressão com a miragem do “bem-estar geral”, transforma a humanidade numa dócil massa assalariada. A derrocada dos regimes de Leste – cujos dirigentes, depois de terem andado a reprimir e explorar os operários em nome do socialismo, acabaram por chegar à conclusão que o que lhes convém é o capitalismo – põe a burguesia eufórica. Convencem-se de que ficaram livres para sempre da ameaça da revolta operária e só pensam em enriquecer depressa.

} O CONGRESSO ESTÁ GANHO – O PIOR É EXPLICAR A

“PERESTROIKA” – Se os membros do PCP ainda conseguissem raciocinar perguntariam como pode em qualquer país “consolidar-se o Estado socialista” ao mesmo tempo que se instaura o poder arbitrário e repressivo sobre o povo. Então o socialismo não exige por definição precisamente o poder dos trabalhadores?! E, se se reconhece agora que os trabalhadores não detinham “o poder efectivo”, que estranho poder foi então esse que teria feito avançar apesar de tudo o socialismo? E se agora já não há dúvidas para o PCP de que o poder dos sovietes não existe na URSS (visto que vai ser “reconstituído”), como pensa que possa ser de novo instaurado sem uma nova revolução semelhante à de 1917?

} A CAPITULAÇÃO – Os fiéis pró-albaneses do PC(R) e da UDP reagiam com indignação às críticas que temos vindo a fazer ao PTA; encontravam razões para justificar a política externa nacionalista, a estagnação ideológica, o tenebroso caso Mehmet Shehu, etc. E agora, como reagem à perestroika albanesa? No último número de Bandeira Vermelha, o PC(R) congratula-se, numa extravagante saudação, cheia de adjectivos e floreados, com os novos “tremendos avanços” do socialismo albanês! Na PO 25, Maio/Junho de 1990: - 25 Abril – 10 verdades incómodas; - Centrais sindicais - Somar ronha com paleio compensa?; - Debate comunista (A situação internacional e o estado do comunismo; Tarefas do comunismo operário durante a derrocada do revisionismo; Uma proposta para o debate sobre o socialismo; Algumas lições do colapso do capitalismo de Estado).

LER COM GOSTO É sempre com alegria e prazer que recebo a “nossa Política Operária”. Leio-a com todo o interesse e, uma vez lida, passo-a a um colega e amigo das lides do ensino, o qual também a lê com gosto. Li atentamente este número de Março/ Abril, que refere o 2º aniversário da morte daquele grande militante comunista que foi o saudoso Francisco Martins Rodrigues. Estou plenamente de acordo com o que a revista diz, nomeadamente no desmascaramento de Sócrates e Manuel Alegre. Fiquei chocada com as torturas a que são sujeitos, em Espanha, os activistas bascos. Enjoa-me que Portugal a apoie. Gostei de ver e ler o texto do nosso amigo padre Mário de Oliveira sobre a pedofilia na Igreja Católica. Repugna-me o que no seu seio se passa. Fátima Pitta Dionísio – Funchal OS “CAMARADAS” POLÍCIAS A difusão electrónica do comentário aos incidentes registados na manifestação da CGTP de dia 29, que publicamos na página 5 com o título Os “camaradas” polícias, suscitou algumas reacções de que damos conta: Jamais esquecerei uma das maiores sovas políticas que levei até hoje, na já distante manif da Inter de 27 de Junho de 1981. O bloco revolucionário, onde estavam os sindicatos da Corrente Sindical “O Trabalho”, gritava então “contra o Amaral e o Carneiro, parar o país inteiro”, com muitos panos pela greve geral; o maior era o do sindicato dos marinheiros mercantes. Primeiro as provocações do useiro carro de som, depois a troca de palavras e finalmente a carga dos jagunços, armados de paus, canos de ferro dos panos deles, navalhas e até pistolas. O nosso bloco foi totalmente desfeito. O próprio Tomé levou porrada. Nos minutos que se seguiram era um corrupio de ambulâncias a carregar malta para dentro. Lembro-me que fui cercado e derrubado por uma matilha duns quatro, a soco e pontapés, um deles arrastou-me pelos pés para a estátua do Marquês, onde me fotografou, enquanto outro me apontava uma pistola. Cenas do “movimento sindical unitário”, sempre cedendo aos direitistas e por isso selvático para com a sua ala esquerda, que jamais esquecerei. Paulo Jorge – Mercês

os “rapazes” da CGTP. Para quem anda nisto desde as primeiras manifs de 197475, este é um filme que se repete e não augura nada de bom. Também naquele tempo tivemos de disputar ao soco e ao murro o nosso direito de estarmos dentro dos desfiles da central sindical, sob acusações como sermos cúmplices da extrema-direita, fazermos o jogo da reacção e sermos agentes da CIA. Ganhámos essa batalha, mostrámos a todos quem somos e durante todo este tempo, embora contra vontade por parte dos mais sectários, não nos puderam expulsar. Agora que se agudizam as contradições na política e se avizinha um período de maior conflitualidade e exasperação da luta de classes, aí estão os gorilas outra vez, mandados de cima – não tenhamos dúvida – para nos intimidar e fazer ver que quem manda no movimento são eles. Preparam-se para repetir a operação de tentar isolar-nos, evitar que nos acerquemos da base de apoio deles para não a disputarmos, fazer calar as nossas ideias e palavras de ordem, nem que seja à cacetada, e impor a sua “lei” antidemocrática. Será preciso voltar a recordar-lhes que o movimento sindical não é nenhum partido comunista, não pertence a ninguém, é um conjunto muito diversificado de trabalhadores com as mais variadas ideias e práticas e ninguém lhe pode vir impor nada que não tenha sido democraticamente votado. Todos os que se identificam com os objectivos gerais têm o direito de fazer ouvir a sua voz singular, mesmo que não digam exactamente aquilo que queremos. Penso que aqueles indivíduos e/ou formações políticas que foram agredidos e provocados se devem encontrar para dirigir uma carta à direcção da Intersindical a relatar os factos e a exigir uma tomada de posição contra esses abusos. Para que conste e para que não se diga que não estavam ao corrente. A. B. – Lisboa

Não tenho a certeza de que pertencessem ao sindicato do PSP. Fiquei com a impressão que era a equipa de seguranças profissionais que assegura as zonas mais importantes da festa do Avante! E também o ouvi dizer por algumas pessoas do PCP. Também fiquei com a impressão de que a decisão de os meter ali foi tomada fora das estruturas sindicais, provavelmente na Soeiro Pereira Gomes. Quanto à carta à mesa nacional da CGTP, sou um pouco céptico. Mas que avance Já partilhei com alguns de vocês a minha quem acha que isso pode ser importante. preocupação sobre os incidentes na manif Um abraço do 1º de Maio e agora estes de dia 29 com Ricardo – Lisboa

dinopress@sapo.pt Colaboraram neste número: Ana Barradas, António Barata, António Doctor, Ângelo Novo, José Borralho, Maurício Castro, Paulo Jorge Ambrósio, Ricardo Noronha, Rui Mendes, Valério Arcary, Vítor Colaço Santos Propriedade: Cooperativa Política Operária Correspondência: Apartado 1682 - 1016-001 LISBOA | TM: 960 135 270 | Periodicidade: Bimestral | Tiragem: 1100 exemplares Publicação inscrita na DGCS com o número 110858

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10 números

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Problemas sobre problemas A desvantagem actual do capitalismo é que não só não consegue debelar as crises que ele próprio cria, como se limita a transferi-las de um lado para o outro: a crise dos bancos ou do défice orçamental passam a ser crises do país e mais especificamente das suas camadas populares, que ficam na obrigação de as compensar à sua própria custa, através de redução de salários e prestações sociais. O sistema financeiro, em roda livre há vários anos, levou muitos capitalistas a transferir património para os paraísos fiscais, ao mesmo tempo que, no plano das relações laborais, tentavam disciplinar os sindicatos e retirar direitos aos trabalhadores para fazer baixar os custos com a mão-de-obra. Mas com isto criou novos problemas: se os salários estagnam ou depreciam-se e o poder de compra dos consumidores diminui. Onde é que o capital pode ir recolher os lucros que derivam do mercado? Na mente dos magos das finanças, a resposta é fácil: cria-se um mercado fictício, o do crédito a juros assassinos, a conceder a quem nada tem e imagina poder assim ganhar acesso a bens de consumo a que aspira, sem se dar conta do que significa o facto de ter de levar toda a vida a pagá-los. A compra de casa própria, dantes considerada o eldorado de qualquer família desejosa de ascender, é agora a pedra ao pescoço que a afunda na dívida permanente ou, na pior das hipóteses, em grupo de sem-abrigos. Outros produtos igualmente imaginários — futuros, derivados, tradings — completam o quadro da alucinação especulativa em que tudo é virtual, menos os lucros que apesar de tudo os bancos vão arrecadando. A grande ironia de tudo isto é que os adeptos do neoliberalismo e do menos-Estado são precisamente os que revelam uma dependência completa em relação ao Estado em momentos de crise. Cada governo corre em seu socorro, empresta aos bancos faltosos em vez de os sancionar, empenha os recursos públicos para os salvar, para depois apresentar a factura aos trabalhadores. Nem por isso a crise é superada, bem pelo contrário. A sobreprodução, o crescimento negativo e a estagnação económica sufocam o sistema e geram níveis de desemprego de longa duração como nunca se viu antes. Este dado novo parece ter vindo para ficar: mesmo com uma retoma, o emprego tal como o conhecíamos antes é já uma relíquia do passado. Enquanto o sistema gera a catástrofe, o único caminho que se abre aos trabalhadores é seguir o exemplo dos seus companheiros gregos — que bem se esforçam por os incentivar a levantarem-se em luta — e recusarem-se a pagar a crise, exigindo emprego digno para todos como um direito político garantido por lei. A não ser assim, os trabalhadores devem concluir que, se o capitalismo não pode atender a esta reivindicação elementar, então mais vale livrarmo-nos dele. Como disse Marx, as ideias transformam-se em forças da história quando são apropriadas por uma classe social. Chegou a altura de o fazermos.

A caminho do trabalho forçado Perante a inépcia e a desorientação do governo socialista, o PSD, pela mão do seu novo líder Pedro Passos Coelho, toma cada vez mais a condução do bloco central. Ainda que não formal, é de facto esta aliança não declarada entre o PS e o PSD quem comanda os destinos do país, obedecendo aos verdadeiros donos da nação, aos que detêm o poder real – o grande patronato. Obrigados a entender-se, mesmo que contra vontade e em prejuízo das respectivas clientelas, PS e PSD têm de “aguentar o barco”, pelo menos até às presidenciais, e pôr de lado rivalidades e ambições pessoais. A ordem do grande patronato é para não se derrubar o governo – nada pior para os negócios que “somar à crise económica uma crise política”, dizem. Com Sócrates e o seu cada vez mais desacreditado governo na defensiva, é Pedro Passos Coelho quem de facto dita as linhas orientadoras da governação e do combate à crise e empurra as coisas para a frente. Com a vantagem de que quem está a ser alvo do descontentamento popular, a “desgastar-se” e a ser perseguido por vaias onde quer que apareça é Sócrates e o seu governo, para desespero dos incompreendidos socialistas. Enquanto o “pagode” se diverte com o mundial de futebol e vê a sua atenção desviada para coisas menores como saber se Sócrates mentiu ao parlamento sobre o imbróglio PT/TVI, o PSD trata de avançar com o que realmente importa ao grande patronato. Depois de agendar a revisão da Constituição, de ter inspirado e dado o aval ao mais recente pacote anticrise (o PEC2), agravando as anteriores medidas de combate à crise mesmo antes de terem sido postas em prática, o PSD levou agora à Assembleia da República um novo “pacote de combate ao desemprego” que, se for aprovado, reduz a nada os cada vez mais escassos e formais direitos dos trabalhadores, deixando-os completamente à mercê dos caprichos e da vontade discricionária do patronato: o alargamento dos contratos a prazo dos actuais 18 meses para quatro anos, cuja renovação sem limite significa na prática o fim dos contratos de trabalho efectivos, passando a só haver trabalho precário. Depois de aprovada a disposição que obriga os desempregados que estão a receber subsídio de desemprego a aceitar um trabalho qualquer, chegou a vez da precarização total. A serem aprovadas tais disposições, iremos assistir a um abaixamento contínuo dos salários, dado que com elas se inicia um ciclo de despedimento-subsídio-novo trabalho-despedimento-subsídio…, em que o trabalhador vê o salário reduzido em cerca de 40% a cada novo emprego. Por outro lado, não deixa de ser cu-

rioso que o grande patronato continue a insistir na política de baixos salários, da degradação das condições de vida e dos direitos dos trabalhadores. Sempre que se realizam debates sobre a crise, sobre o atraso crónico e os constrangimentos da economia portuguesa, este modelo é alvo da crítica do patronato e das suas associações, de académicos, especialistas e fazedores de opinião, políticos e governantes como o principal factor da falta de competitividade, atraso e falência do modelo de desenvolvimento seguido no país após a adesão à União Europeia – sendo esta uma das matérias em que se regista o maior consenso nacional, cobrindo todo o leque partidário, da extrema-direita àquela coisa invertebrada que no nosso país se intitula esquerda, com destaque para o PCP e o BE. A ladainha é: não podemos competir com a China, a Índia, o Norte de Ãfrica e outras regiões onde não existe direito à greve, onde os trabalhadores não têm quaisquer direitos e protecção social, existe trabalho infantil e escravo, etc., pelo que temos de nos virar para a inovação e as novas tecnologias, qualificar a mão-de-obra e criar mercadorias de valor acrescentado, etc. A discrepância dá um bom retrato de mentalidade retrógrada e mesquinha da classe dominante portuguesa, sempre pronta a disfarçar com grandes e bonitas palavras a sua tacanhez e imobilismo, sem outra ambição que não seja parasitar os fundos comunitários e viver à sombra das obras públicas e benesses do Estado, razão pela qual ela é um dos elos fracos do bloco imperialista que dá pelo nome de União Europeia. O que nos coloca, a nós revolucionários, perante o desafio de saber se estamos à altura dos acontecimentos e das responsabilidades históricas que se nos apresentam. ANTÓNIO BARATA


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O mês em relance SÓCRATES - Rosto do PEC2. Apertou ainda mais o pescoço aos mesmos. Ordenou: “Temos de pagar”. Temos, quer dizer: não todos. Os que podem – de facto! – pagar, não pagam e ninguém lhes vai à bolsa… Tramaram-nos. Estamos cada vez mais pobres, desesperados, sem esperança, e não há culpados, embora eles andem aí… Uma quadrilha de ex-ministros das finanças – grande parte do problema actual – foi apresentar “soluções” ao presidente da República… Transpirou para o povoléu “ignorante” que os embusteiros estavam amortalhados. Coitados! Falavam como se não tivessem sido (des)governantes; outros, decisores. Nenhum disse que a crise é do sistema. Podia lá ser! Marx explicou. Continua a explicar. O governo é o que há: uns dizem uma coisa, outros dizem outra, exactamente ao contrário. O descrédito é total e a indiferença acompanha essa totalidade. Vão-nos derretendo em lume brando, a nós, que somos as principais vítimas desta ruína, que vivemos (os que vivem) com pouco mais do que o ordenado minimíssimo nacional. O governo vive algemado a um conjunto de compromissos políticos, arranjinhos, promessas, vassalagens, dívidas que paga em quilómetros de auto-estradas, túneis e, agora, em TGV com paragem em todas as estações e apeadeiros do poder local (desenhado em cima do mapa da volta a Portugal em bicicleta). Já sabemos que Portugal tem mais quilómetros de auto-estradas que muitos países mais desenvolvidos. Entretanto o discurso da oposição, que defende a suspensão das grandes obras públicas, mais parece salivar em vésperas de poder, um desafio para que se guarde o melhor vinho para depois das eleições – e não uma verdadeira preocupação com as finanças, ou seja, com o nosso dinheiro. Além das vassalagens, não podemos esquecer os papa-reformas, profissionais da acumulação de reformas públicas, semipúblicas e semiprivadas. Basta ver o caso do Banco de Portugal. Há gente até com carreiras contributivas virtuais, sem trabalho e com promoções – dizem que para isto são muito boas a Emissora Nacional/RTP e a Carris… Tudo, como sempre, feito ao abrigo da lei. É que isso dos crimes contra a lei é para os sucateiros. O problema é que a lei que dá é refém dos beneficiários que tiram e da sua ética. Melhor dizendo: os pol(h)íticos são os verdadeiros sucateiros. PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA - Quer transformar o trabalho numa esmola dos patrões ao pretender acabar com o direito constitucional que proíbe o despedimento sem justa causa. É o sonho desta (extrema) direita que quer um país de salários baixos, um país desqualificado, em que não há regras para quem trabalha. Caso esta regra seja aplicada, ficaremos numa situação semelhante à da China, onde os operários recebem 100 euros por mês. Amanhã, trabalharemos por uma malga de arroz, debaixo de chicote! E por favor…

EDUCAÇÃO - “É criminoso não encerrar escolas com menos de 21 estudantes. Vamos encerrá-las, com vista a combater o insucesso escolar” – Sócrates. A recente medida do governo de encerrar 900 escolas com até 21 alunos – o interior vai ficar mais pobre e mais deserto – muito preocupa qualquer observador nas questões da qualidade e na relação e articulação com o bem-estar dos principais interessados, os alunos. Diz a ministra da Educação: “Medidas de racionalização dos custos e a melhoria do serviço prestado”. Acenar com as estatísticas de maior insucesso em escolas pequenas é falácia. Basta um par de classificações negativas numa escola com 15 alunos para se terem valores indesejáveis, esquecendo-se que esse insucesso resulta quase sempre da falta de meios e não da dimensão da escola. Propõem que aos seis anos a miudagem seja mandada das suas aldeias para ser levada para a sede do concelho, a dezenas de quilómetros de distância, regressando ao século XIX. Há cem anos a escola estava em expansão, agora em brutal regressão. Depois de fazerem 30 ou 40 quilómetros aos tombos, não chegam à “nova” escola nas mesmas con-

A TETA DA GALP – Recentemente vieram a público as nomeações amigas, os prémios e vencimento milionários auferidos pelos gestores de empresas do Estado. Aqui ficam alguns casos “esquecidos”, envolvendo a GALP e alguns figurões que – sinal dos tempos – agora acham obscenas as nomeações, os ordenados, os prémios e as reformas milionárias dos gestores públicos e clamam pela “moralização do Estado”. Freitas do Amaral foi consultor entre 2003 e 2005. Recebeu 6.350 euros mensais e um seguro de vida igual a 70 meses de ordenado. Manuel Queiró, do PP, recebia 8.000 euros mensais como administrador da área imobiliária. Em 2006 foi substituído por um administrador espanhol, tendo sido indemnizado com a oferta de 15 anos de salários, pagamento da casa e do colégio dos filhos, entre outras regalias. Guido Albuquerque, cunhado de Morais Sarmento (PSD), saltou da Esso para a Galp, convencido pela oferta de 17 anos de salários a título de indemnização quando sair da Galp, ordenado de 17.400 euros e seguro de vida igual a 70 meses de ordenado. Ferreira do Amaral, presidente do conselho de administração. Como este é um cargo não executivo, não tem direito a salário, sendo simbolicamente remunerado com 3.000 euros por mês, pelas presenças, e a oferta de PPRs no valor de 10.000 euros, o que dá um ordenado “simbólico” de 13.000 euros/mês. QUEM TEM AMIGOS… – José Manuel Branquinho de Oliveira Lobo, juiz desembargador, reformou-se em Setembro de 2002, depois de se ter apresentado a uma junta médica em Abril desse ano, a qual detectou uma doença do foro psiquiátrico e o considerou incapaz para estar ao serviço do Estado, o que foi determinante para a sua passagem à reforma, no valor de 5.320 euros mensais. Em 30 de Julho de 2004, o Conselho de Ministros do Governo de Santana Lopes nomeia Branquinho Lobo como director nacional da Polícia de Segurança Pública. Desde então acumula a sua pensão de aposentação por incapacidade com o vencimento de director nacional da PSP.

dições daqueles que vivem a minutos da escola. Não percebe a srª ministra Alçada que os está a colocar em desigualdade de oportunidades desde que saem de casa, com menos uma hora de sono e ao chegarem a casa com outra hora a mais? Acha que é uma biblioteca maior que compensa o desenraizamento? Este é o tipo de decisão política economicista cega, falsamente fundamentada, anti-social e totalitária, que revolta. Este é o maior atentado contra a educação de que há memória. A ministra anterior respondia às questões com autoritarismo boçal, aplicando medidas tão ridículas quanto salazarentas. Isabel Alçada, com o seu sorriso de plástico, seguelhe o rasto. E os meninos? Desinteressaram? JORNALISMO - A ajudar à festa deste capitalismo putrefacto, temos uma imprensa cada vez mais subjugada aos interesses financeiros – não há um único órgão de imprensa que não esteja ligado a um grande grupo económico – onde o jornalismo é maioritariamente idiota. Salvam-se poucos jornalistas, honradamente. Se não fossem alguns destes, Portugal era um sítio isento de banqueiros ladrões – perdão, engenheiros financeiros –, corrupções, abusos sexuais e pedofilia, de crimes violentos, de jus-

tiça coxa... e de apitos de “latão”! Tantos jornalistas, que não se submetem aos ditames, vão sendo colocados em “prateleiras” mal pagas. Outros abandonam a profissão com frustrações e depressões. O jornalista estagiário nem sabe quanto vai ganhar… Paga para trabalhar. Não admira a pobreza de análise que caracteriza o jornalismo português. Este jornalismo não emerge por acaso, e não está ausente da distinção entre segurança interior e segurança exterior. A inexistência de espírito crítico possui o sabor amargo da servidão. “Haverá sempre um grupo de bandalhos que causa o opróbrio a uma nação; mas levantar-se-á contra ele uma minoria de homens de bem. Serão estes, talvez, injuriados; nunca serão escarnecidos pelo futuro”, disse Alexandre Herculano – também jornalista – em Opúsculos. FISCO - O fisco aplicará 1% e 1,5% sobre a totalidade dos rendimentos de 2010. Ao impor apenas duas taxas, o governo impede que o agravamento seja proporcional, pois quanto maior o rendimento, menor o impacto do acréscimo. Em geral, o aumento médio é de 2,5%, em 2010 mas, para um contribuinte com o rendimento anual de 100 mil euros, o agravamento efectivo é de 2,2%. Mais uma repartição “justa” dos sacrifícios. Quem ganha mais, paga menos! VÍTOR COLAÇO SANTOS


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Sete teses anti-alegristas 1º - O PS apoia o único candidato que pode garantir-lhe uma vitória segura porque refaz a sua imagem de esquerda ao contar com o apoio do BE, dos renovadores e da considerável faixa do eleitorado que não se revê nos outros concorrentes. É um bom favor que lhe fazem. Mas a paga que terão vai sair-lhes amarga, como acontece com quem fica refém do PS. 2º - A direita “socialista” está a prazo no poder, com ou sem Cavaco, com ou sem Alegre, tal é a erosão da política socrática a que o seu candidato agora se associa abertamente, como aliás já tinha avisado quando disse que não o veriam pôr-se contra o seu partido – trinta anos de cumplicidade o comprovam. De qualquer forma, o trabalho que a direita precisaria de fazer já está completado por este governo que temos. Os que se seguirem só têm que consolidá-la. 3º - Por causa desta aliança Alegre-PS, o fogo que os seus adeptos terão de fazer contra o candidato soarista terá de ser disparado pela direita, porque Mário Soares parece estar agora à esquerda do socratismo. É triste, mas é assim mesmo. 4º - Fiéis à teoria do mal menor, pensam os apoiantes do candidato Alegre que ele vai ajudar a suavizar a nossa austeridade lançando uma parte dela sobre os que mais lucram com a crise. Santa ingenuidade! E chamam a seu favor a manifestação da CGTP a 29 de Maio, como força de pressão para reforçar este efeito. Apontam o dedo à direita, como se o PS fosse de esquerda e não tivesse toda a responsabilidade sobre tudo quanto tem acontecido desde que é governo. O que é que não lhe pode ser imputável? Estar agora a culpar os especuladores e a UE, como fez Alegre, é uma bela maneira de sacudir a água do capote do PS, que assim, de uma penada, é eximido de toda a carga

negativa da sua política anterior e vê refeita uma falsa virgindade, passando à posição de vítima das potências europeias. Ainda por cima, o candidato tem o descaramento de apelar à esquerda e aos sindicatos para se juntarem ao PS-PSD na aplicação dos PECs, como se de uma tarefa patriótica se tratasse. O frete não podia ser maior. Quem o apoiar terá de carregar também esse ónus. 5º - Pelo menos no BE o desconforto é grande, depois deste apoio manhoso do PS. É sinal de que os seus membros ainda não foram conquistados de vez. Pode ser que abram mais os olhos e retirem o apoio a um candidato que se vende e os vende com a maior desfaçatez. 6º - No PCP devem estar contentes por terem candidato próprio e não se enlearem com o PS. Isso vai dar-lhes votos. Mas como será se tiverem de apoiar Alegre na segunda volta? Mais um sapo para engolir... 7º - O que uma esquerda decente deveria ter feito era coligar-se para ter um candidato independente seu, mesmo que não fosse para ganhar, mas que pudesse ser a consciência ética e a reserva moral dos trabalhadores que andam esmagados com a vida angustiosa que lhe oferecem e castigasse igualmente PP-PSD e PS, os partidos do capital que nos obrigam a pagar a crise. Ainda estaremos a tempo? ANA BARRADAS

Cavaco e o 10 de Junho A ascensão ao poder do dr. Cavaco durante dez anos, como primeiro ministro, determinou a substituição do sonho pelo “pragmatismo”. Este não transmite saber, dá cobertura a todas as vilezas políticas porque ausente de qualquer sobressalto moral. Normaliza e formata. Tudo direito, como soldadinhos de chumbo. A partir daqui, foi o quadro de nefasta mediocridade em que vivemos até à actualidade: mentiras, ausências, ignorância, alienação, impunidade aos prevaricadores, enriquecimentos ilícitos…

Cavaco Silva, discursou no 10 de Junho – dia de Portugal – apelando à coesão: “… é necessário um contrato social de unidade e solidariedade entre empresários e trabalhadores”. Concordaram com a mensagem os patrões dos patrões da CIP e AIP – Pudera! Cavaco quer o regresso da União Nacional. Não falou na repartição dos sacrifícios de forma justa, entre os que se apoderaram da riqueza e os explorados. Fez um discurso socialmente arrogante. VÍTOR COLAÇO SANTOS

Polícia em todo o lado, justiça em lado nenhum Os relatos das agressões a que foram sujeitos dois jovens da Cova da Moura, numa madrugada de Junho, às mãos da PSP da Amadora, e algumas discussões que deles resultaram parecem-me passar ao lado da questão mais importante. Abusos, agressões, insultos, são coisas comuns nos subúrbios de Lisboa e poucos serão os que nunca foram maltratados pela polícia por estarem sentados num banco de jardim à noite, fumando tranquilamente a sua ganza e/ou bebendo a sua litrosa. Mas o caso aqui é distinto e bastante mais significativo. Hezzbolah e LBC são dois militantes e activistas da luta contra a repressão polícial. Não se limitam a lamentá-la ou a sofrê-la em silêncio: denunciam, lutam, organizam, produzem conflito social. Organizaram uma manifestação quando foi assassinado Edson Sanches no ano passado. Dinamizam a Plataforma Gueto. Acompanham a situação política e assumem uma posição face a ela. Não por acaso, desceram a Av. da Liberdade a 29 de Maio, integrados na manifestação da CGTP, como o fizeram outras pessoas que acorreram à concentração anticapitalista. E é por isso mesmo que já há algum tempo relatam a perseguição a que são submetidos pela polícia no sentido de os intimidar e dissuadir de lutar. O que aconteceu domingo na Amadora não foi um “incidente” mais, que se possa colocar na longa lista de abusos policiais. É um sinal político de que a mobilização de pessoas das classes sociais mais pobres e subalternas assusta os responsáveis pela repressão e os leva aos mais desesperados actos de crueldade. Eles foram torturados numa esquadra para que se deixem de “políticas”. Para que fiquem no seu canto. Para que parem de lutar. Não houve nenhum equívoco na actuação daqueles polícias. Tratou-se de uma operação táctica. Eles batem porque têm medo e têm razão em ter medo.

RICARDO NORONHA

Os “camaradas” polícias Já tinham feito a sua aparição na manifestação do 1º de Maio, ao tentarem impedir que o bloco dos precários entrasse na Alameda. Agora, com mais desenvoltura, determinação e menos discretos, vestindo e despindo os coletes que os indicavam como da CGTP, os “camaradas” dos sindicatos da PSP que participaram na manifestação da CGTP de dia 29 puserem a sua experiência profissional ao serviço dos burocratas da central sindical inaugurando um peculiar serviço de ordem. Com um postura entre o pidesco e o segurança de discoteca, mantiveram sob apertada vigilância os blocos e grupos de manifestantes que não estavam enquadrados pelas estruturas sindicais da CGTP. Ao BE e aos precários só lhes foi permitido entrar no fim da manifestação. Aos outros, os “esquerdistas e anarquistas”, nem isso. Só a muito custo e depois de muito insulto e empurrão, quase a rondar a violência física, ao longo do percurso, é que conseguiram entrar e desfilar. O tom já tinha sido dado nas reuniões sindicais, onde apareceram vozes dizendo que as manifestações da CGTP não “podiam ser uma bandalheira, em que cada um faz o que quer”. Daí que também não tenha sido de estranhar a hostilidade sectária de alguns manifestantes. Para além das cenas lamentáveis protagonizadas pelos jagunços contratados pelos controleiros da CGTP, o que interessa reter do ponto de vista político é o facto de, perante uma situação de crise em que os factores de conflitualidade social se tendem a agudizar, a preocupação do PCP e da sua corrente sindical se vire para o controlo político do descontentamento dos trabalhadores e para o abafamento das tendências mais radicalizadas. Que temem eles?


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A luta segue dentro de momentos Todos viram o poder dos sindicatos quando se resolvem a tomar partido pela luta e deixam por momentos o incurável burocratismo, apesar da dessindicalização, da burocratização, do reformismo e da incipiência das alternativas de um sindicalismo de combate. A imensa manifestação do dia 29 de Maio contou com milhares de trabalhadores, grande maré humana protestando contra as medidas reaccionárias do governo. Centenas de autocarros, enquadrados pelos sindicatos, transportaram os manifestantes, a que se juntaram os trabalhadores de Lisboa e margem sul do Tejo. O rol das malfeitorias do capital que, em nome do combate à crise, o partido do Sócrates assume, tem provocado o ódio dos trabalhadores porque as medidas anticrise estão a ser descarregadas sobre eles e os reformados e pensionistas de mais baixos rendimentos, enquanto os burgueses são poupados. Impostos, cortes nos direitos, despedimentos e congelamento salarial para os de baixo. Não tributam as empresas com lucros até dois milhões de euros, poupam os bancos apesar de continuarem a apresentar lucros, moralizam as mordomias dos gestores, que continuam impunes, nadando em milhões de euros. Por isto mesmo, não surpreendeu a

grandeza da manifestação, nem o ódio dos manifestantes ao governo. Começa a ficar claro para grande parte da população que vivemos dirigidos por um sistema de ladrões que, para lá dos lucros do capital, delapidaram e enriqueceram com os milhões vindos de Bruxelas que se destinavam ao desenvolvimento do país. Repetimos: ladrões os do PSD, com milhões nas contas dos Loureiros, Oliveira e Costa, e outros milhares de ladrões do partido que quer ser hoje a alternativa ao PS. Ladrões os do CDS, com as corrupções dos casos dos submarinos, da Portucale, etc. Ladrões os do PS, com os Melancia, o Freeport, os Vara e os Penedos, multiplicados por milhares. A ladrar ficaram os da UGT, enquanto a caravana passava. O ódio dos pobres aos ricos tem mais que razão de ser. O ódio de classe aos culpados da crise e ao sistema de exploração faz com que tudo se possa alterar na luta social. Muitos comentadores perceberam este ânimo das massas e apressaram-se a tranquilizar o poder segredando em voz alta que, enquanto Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, se mantiver nas negociações não há perigo de outras formas de luta surgirem descontroladas. Não abona em favor de Carvalho da Silva, mas eles lá sabem do que falam!

A real imbecilidade “Tornar obrigatória a educação sexual resume-se a dizer: forniquem à vontade.” (Duarte Pio, “rei” de Portugal, Notícias Sábado, 13 Maio).

Deus o guarde “Não há muitos exemplos de divórcios de veludo. Voltar para trás é voltar ao passado de conflito, de má vizinhança, de guerra… o projecto europeu pode salvar-nos.” (Rui Tavares, eurodeputado do BE, no colóquio Europa dos Cidadãos, na Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira, 14 de Maio).

Recado chuchalista “O PS deve estar atento ao que diz Passos Coelho e não entrar em guerra nessa matéria (medidas de austeridade). Porque já se viu que com o BE não se vai a parte nenhuma, sem ser ao protesto de rua.” (Mário Soares, Expresso, 12 de Junho)

Patronato deprimido Como “já foi muita gente despedida”, a prioridade deve ser “criar condições para os empresários voltarem a ter coragem para empregar gente.” (Carlos Pinto Coelho, presidente da Confederação do Turismo de Portugal, em apoio às medidas de precarização dos trabalho, Metro, 17 de Junho).

DESTAPOU-SE A PANELA, SAIU A PRESSÃO, E AGORA? Pouco mais de uma semana após a manifestação, reuniu a central sindical e decidiu avançar com uma jornada de luta nacional composta por greves sectoriais e manifestações em diferentes cidades. P’rá frente é que é o caminho, ontem já era tarde! Estamos de acordo com o avanço da luta, tudo faremos para que o proletariado se sinta confiante em que é possível derrotar a ofensiva reaccionária e não é uma fatalidade que sejam os trabalhadores a pagar a crise. É possível remeter o governo, os partidos da direita e os patrões para a defensiva! Mas não será no parlamento burguês que a ofensiva da direita será travada, como se comprova pela aprovação das medidas dos sucessivos PECs, como não será com ilusões na concertação com o patronato que os direitos dos trabalhadores serão garantidos. As forças capitalistas só recuarão mediante a força da luta de massas, numa corrente imparável a partir das empresas na defesa dos mais elementares direitos dos trabalhadores: direito ao emprego e ao salário, a horários de trabalho que respeitem o trabalhador, aos subsídios complementares e que fazem parte do salário. A mobilização dos trabalhadores contra o que o capital está a impor só terá êxito se os objectivos da luta estiverem perfeitamente claros aos olhos de todos, porque ninguém luta desmobilizado, e todos pressentem que o futuro imediato não é risonho. O capitalismo está mergulhado numa crise mundial, provocada pelo enriquecimento brutal dos burgueses e pela irracionalidade do sistema que, para lá do lucro, acrescentou o roubo financeiro em larga escala. O que se apresenta com uma crueza indisfarçável é que a crise financeira que estoirou lá para as bandas do tio Sam veio pôr a nu a crise da economia capitalista : a crise de sobreprodução, a incapacidade de crescer através da exportação de mercadorias, a baixa da taxa de lucro, a dependência em relação aos bancos, o endividamento das empresas e dos Estados burgueses. Daí surge a necessidade de

lançar milhões de trabalhadores no desemprego, de destruição do chamado Estado social, da liquidação dos direitos conquistados por mais de um século de lutas. Quanto à pequena burguesia de esquerda, toda ela é propostas para a superação da crise através do desenvolvimento económico, numa ampla frente dos trabalhadores com as pequenas e médias empresas. É caso para perguntar; se mais de 90% das empresas em Portugal são pequenas e médias e a esmagadora maioria do emprego está dependente delas, que atitude tomar: vamos com os patrões para a greve e levamo-los à manifestação? Temos dó deles e não fazemos greve? Respondam aos trabalhadores os defensores dos pequenos e médios empresários. Quanto a nós, não temos dúvidas: de um lado o trabalho, do outro o capital. Este veneno conciliador está a servir de tampão à procura de uma saída revolucionária para a crise. Não tenhamos dúvidas: ou caminhamos para construir uma solução anticapitalista, ou soluções mais à direita serão impostas ao povo. Quais devem ser os objectivos da luta operária e popular? Na perspectiva de uma corrente comunista e não revisionista, a solução para os problemas dos trabalhadores passa por rejeitar as ilusões no parlamento e na conciliação com as confederações patronais. Esta é a questão central! Ali só nascem governos contra o povo e cedências ao capital. O objectivo comum a todos os trabalhadores é a recusa a aceitar as medidas de austeridade impostas pelo governo e pelos partidos da direita. Revogação dos PECs! Não foram os trabalhadores que provocaram a crise mas sim os patrões, os ricos que a paguem! Pleno emprego e a redução da idade da reforma sem perda de direitos! Trabalhador despedido, subsídio garantido enquanto não tiver novo posto de trabalho! Não toquem nos nossos salários e subsídios! Direitos iguais para os trabalhadores imigrantes! Tirem as patas do Serviço Nacional de Saúde e dos outros Serviços Sociais! Impostos sobre o capital, as grandes fortunas e as mordomias dos gestores e administradores. Façamos da jornada de luta no dia 8 de Julho uma demonstração de recusa às políticas de direita. Se não endurecermos a luta, tudo será pior. Preparemos desde já a realização de uma greve geral, unindo a luta dos trabalhadores portugueses à luta de todos os trabalhadores europeus! Internacionalismo proletário militante contra a ofensiva do capital! JOSÉ BORRALHO


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Megamanifestação de 29 de Maio – fita dejà vue E o filme repetiu-se. Mais uma vez. Mecânica e inexoravelmente. A mais uma megamanifestação não sucedeu aquilo que, lógica e naturalmente, se esperaria: um crescendo de lutas e greves culminando com a marcação da greve geral que alguns sindicatos e sindicalistas da orla da CGTP já vêm reclamando há meses. Ao invés, em vez de aproveitarem esta maré de vontade, de puxarem pelo movimento, encorajando-o a atingir metas mais audaciosas, os chefes sindicais reformistas – trombeteando os useiros anátemas sobre o radicalismo e o aventureirismo – optaram pelo inuendo, decretando o afunilamento e diluição dessa imensa mole de 300 mil almas de 29 de Maio numa mansa e serôdia “jornada de luta nacional” a 8 de Julho, luta mais simbólica que real, porque só alguns sectores estarão em greve. Nem sendo preciso recuar mais anos, basta lembrarmo-nos de que já no ano passado, com a megamanifestação de 13 de Março, tinha sucedido exactamente o mesmo: depois do dia 13 seguiu-se… o vazio. “Mas não achas que, se em vez de 300 mil, tivessem sido meio milhão a desfilar em Lisboa, teria sido diferente?”, perguntaram-me alguns camaradas mais ingénuos. Estou convencido que seria irrelevante. A decisão de esvaziar o protesto estava tomada. Aliás, era bem visível nas televisões o engulho e a gaguez que assaltava os dirigentes da central, sempre que jornalistas legitimamente lhes perguntavam: “Então, e depois desta enorme manifestação, o que se segue? A greve geral? Sim, porque essa é a pergunta mais indesejável que pode colocar-se aos chefes reformistas: Que fazer a seguir? Porque esta simples pergunta projecta luz sobre o seu vazio, sobre a imensa distância que os separa já de qualquer veleidade insurreccional ou de qualquer projecto revolucionário de transformação social, em suma, ela ilumina como poucas o afastamento desta gente do próprio marxismo. Por isso a máquina sindical reformista vive deste pára-arranca. Assim como se alimenta de traições cíclicas à mesa negocial. Não por ser intrinsecamente corrompida, podre ou má. Fá-lo quase por uma questão de sobrevivência, por lhe estar na massa do sangue. Por ser essa a sua natureza ideológica e a sua missão histórica: enquadrar e enredar nas suas malhas o operariado, a pequena burguesia assalariada; conter a indignação em reservatórios estanques, facilmente manipuláveis, banalizar e ritualizar a sua exteriorização; capitalizar a ira popular para a aplacar depois, em sede de concertação social, com o arranque de algumas migalhas. E tudo isto sem sobressaltar, beliscar ou muito menos pôr em causa este sistema criminoso e a sua matriz genética: o silencioso esbulho pelos

detentores do capital e dos meios de produção da riqueza criada pela mão-de-obra assalariada. Uma delegação da CGTP chefiada por Carvalho da Silva foi participar pacatamente no segundo congresso da reaccionária e ultra-reformista CSI, em Vancouver. Mais uma prova de que, no nosso país, a máquina sindical reformista funciona com eficácia. Por cá, com um mar de desempregados, precários de todo o tipo e miséria e fome crescentes

ao ritmo dos PECs, friamente aplicados por Sócrates, não há qualquer greve geral no horizonte. Muito menos greves gerais combativas, que rebentem os espartilhos legais dos serviços mínimos e requisições civis e onde os piquetes levantem barricadas e promovam ocupações. Estamos, de facto, muito longe dos gregos… PAULO JORGE AMBRÓSIO

O povo não baixa a cabeça “Nunca vi tanto povo junto!”, “Nem na manif dos professores estavam tantos!”, Éramos mais do que no primeiro 1º de Maio de 1974!” — palavras ouvidas no final da grandiosa manifestação de 29 de Maio. Jamais se viu tanto aparato policial e helicópteros no ar a “guardar” a manifestação… A fome é boa conselheira. Mais de 300 mil desfilaram pela Avenida da Liberdade até aos Restauradores numa demonstração de raiva, revolta e indignação contra este pântano podre em que o capitalismo bolsista e de casino nos atolou. Gritámos bem alto que não queremos esta política que nos atira para a miséria e a fome. Foi o povo, sim senhor, quem lá esteve — o povo não baixa a cabeça! Lutou-se com ambição e valentia por um outro futuro, mas… a manif, que pretendia ampla coesão a uma voz, teve (outra vez) caciques do partido dito comunista a tentar pela força controlar os sectores independentes. O PCP é como o catolicismo: quem não é da cor deles, excomunga-se. Vão longe? Não! Exigia-se que após a manifestação a CGTP mobilizasse os trabalhadores e se convocassem novas jornadas de luta, mas a próxima foi marcada para Julho… É inconsequência?! Percebe-se?

VÍTOR COLAÇO SANTOS


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PROFESSORES

Arregaçar as mangas e partir para a luta! O X Congresso da FENPROF, a 23 e 24 de Abril, caracterizou-se pelo afunilamento do debate, pelas manobras e golpes tendentes à eliminação das moções, propostas ou adendas oriundas dos sectores minoritários, em benefício das já cozinhadas pelo aparelho, apesar da qualidade e radicalismo da intervenção organizada dos delegados precários e daqueles afectos ao “Autonomia Sindical” ou à ex-lista D do SPGL. Assim, as oposições ficaram-se por escassos ganhos parcelares na versão final do Plano de Acção oficial e pela aprovação a ferros de uma moção contra a prova de ingresso na carreira, reivindicação abandonada em Janeiro pelas cúpulas sindicais, em sede de acordo com o ministério. O aparelho – ao contrário do que tinha sucedido no IX congresso – desta vez apresentou-se unido em torno do secretário-geral, Nogueira, numa única lista ao conselho nacional e secretariado, tendo reforçado posições nesses órgãos de cúpula, por

essa via, “socialistas”, independentes, bloquistas de direita e renovadores. Um sinal claro desta deriva à direita foi o saneamento logo operado pelo secretariado recém-eleito no X Congresso no Grupo da Precariedade da FENPROF, donde afastou sem aviso prévio seis dos seus membros contratados e desempregados, ficando este colectivo agora constituído quase exclusivamente por efectivos, simultaneamente chefes sindicais do aparelho. Isto, apesar de este grupo ter sido fundado para representar o precariado junto do secretariado nacional e do conselho nacional da FENPROF, onde actualmente, no meio de 85 e 24 efectivos respectivamente, têm assento, também respectivamente, um e zero precários. Mas estas blindagens e saneamentos pretendem ir mais longe: impedir que se repitam concentrações ou acções de protesto organizadas de forma autónoma pelos precários (e seus ór-

} “Os portugueses comuns (os que têm média de 700 por mês. Entre 2006 e trabalho) ganham cerca de metade (55%) 2009 essa média situava-se nos 100 pedido que se ganha na zona euro, mas os dos/mês. Nos bairros municipais exisnossos gestores recebem, em média: tem 572 fogos vagos, estando 120 a ser mais 32% do que os americanos; mais reabilitados. (Pelouro da Habitação da CM 22,5% do que os franceses; mais 55% de Lisboa). do que os finlandeses; mais 56,5% do No primeiro trimestre do ano, a taxa que os suecos”. (Manuel António Pina, }de desemprego subiu 1,7 pontos perJornal de Notícias, 24/10/09). centuais, fixando-se nos 10,6%, relativa} Em 2008 o salário médio em Portugal mente ao período homólogo de 2009, era de 1.150 euros, enquanto o salário registando um novo recorde de desemmédio na Zona Euro atingia 2.558, ou pregados em Portugal. Relativamente seja, 2,2 vezes mais (OCDE). Em Outu- aos mesmos períodos, o número de bro de 2009, o salário médio em Portu- pessoas empregadas caiu 1,8%, sobretugal era apenas de 918,2 euros e o ganho do nos sectores da indústria, construmédio mensal 1101,9. (Boletim Estatístico ção civil, energia e água (INE, Maio). de Maio de 2010 do Ministério do Trabalho). Subiu para 2,8% (3,89 mil milhões de }As remunerações sem encargos sociais }euros), em Março, o crédito mal parado representam, em média, apenas 11,7% concedido pela banca a particulares, ou dos custos totais das empresas portugue- seja, aquele que as famílias portuguesas sas e, se se incluir as contribuições soci- já não conseguem pagar. Um mês antes ais, essa percentagem aumenta para 15%. situava-se nos 2,78%. Estes valores inci(INE, 2010). dem principalmente no crédito ao con}Entre 2003 e 2008, a percentagem de sumo (7%), o valor mais elevado desde patrões com escolaridade inferior ao Dezembro de 1997. No sector da habitasecundário aumentou de 79,6% para ção, as dívidas de cobrança duvidosa 81% (com os trabalhadores verificou-se recuaram para 1,72% relativamente ao o inverso, pois diminuiu de 71% para mês anterior. No entanto, se compara65%), e o nível de escolaridade secun- das com o período homólogo de 2009, dária baixou de 12,4% para 10%. Com cresceram 1,61%. No crédito para ouescolaridade superior, em 2008, eram tros fins, o mal parado subiu para os apenas 9% (Trabalhadores:18%). (INE). 7,11%, o valor mais elevado dos últimos 11 anos. (Boletim Estatístico do Banco de Nos primeiro cinco meses deste ano Portugal, 20 de Maio). }deram entrada na Câmara Municipal de Lisboa 3.132 pedidos de habitação, uma

gãos sindicais) sem autorização ou sem controle férreo do aparelho sindical reformista, que pretende sufocar a contestação. E não só na federação isto se passa, mas também nos seus sindicatos membros, com realce para o SPGL, onde a direcção tentou fazer censura às moções aprovadas no último plenário de contratados e desempregados de 22 de Maio, nomeadamente a moção em defesa da greve geral e outra exigindo a publicação das actas negociais do acordo de princípios de 8 de Janeiro e reafirmando a condenação daquele acordo com o ministério – ambas as moções aprovadas por unanimidade. Entretanto, como se previa, o ministério ganhou a batalha nos tribunais e manteve a avaliação para efeitos de concurso. Mas há males que vêm por bem: as direcções sindicais estão a ser assim desmascaradas pela vida no que toca à alegada bondade do acordo que assinaram com a tutela, a troco de quase nada, estoirando deste modo com a imensa mobilização de manifestações de mais de 100 mil professores e greves a mais de 90 por cento, que tiveram como alvo número um precisamente o cego modelo pseudoavaliativo e economicista imposto pelo governo. Governo que entretanto avança a todo o vapor com o fecho de milhares de escolas, com a imposição no terreno de megaagrupamentos, com o reforço dos directores que implementam já um clima de medo e repressão, típico do 24 de Abril, em muitas escolas. Fruto desta funesta acção reformista das direcções sindicais, a mobilização bateu no fundo e ainda não recuperou, como comprovam as escassas dezenas de professores na concentração de 19 de Abril e os cerca de somente dois mil na megamanifestação nacional da CGTP de 29 de Junho – que contou com mais de 300 mil trabalhadores. A resposta dos quadros e activistas que não aceitam este estado de coisas continua a ser só uma: lutar internamente pela democracia sindical, arregaçar as mangas e remar contra a maré, pela base, nas escolas, unificando a revolta e a disposição para a luta. Mas luta a sério. PAULO JORGE AMBRÓSIO


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DESEMPREGADOS

“Ir buscar aonde o há”? No passado dia 19 de Maio, Belmiro de Azevedo, o patrão dos patrões, numa palestra do Instituto Superior de Gestão saiu-se alarvemente com esta: “Quando o Povo tem fome tem direito a roubar”. Esta surpreendente bravata além dum autêntico escarro na cara dos actuais 720 mil trabalhadores, trabalhadoras (e respectivas famílias) lançados para o desemprego involuntário, deve ser entendida, antes de tudo, como diagnóstico e espelho da total impunidade de classe de que a burguesia e o patronato desfrutam desde o já distante 25 de Novembro de 1975, resultado do refluxo e perda de consciência e autonomia do nosso movimento operário e popular, e das estratégias reformistas, nomeadamente dos nossos sindicatos, que – debaixo da canga dos PECs – nem no seu último plenário nacional de sindicatos e da megamanifestação de 29 de Maio avançaram para a greve geral, ao contrário dos seus congéneres gregos ou espanhóis. E é ainda este clima de impunidade que permitiu ao governo Sócrates, por entre a censura platónica dos sindicatos, anunciar a 28 de Maio a retirada do tímido “apoio ao emprego” a 186.400 trabalhadores e desempregados, mesmo antes da sua entrada em vigor, a 1 de Julho. São assim anulados a extensão do subsídio social de desemprego por seis meses, a majoração em 10 por cento do

subsídio pago aos desempregados com filhos, a redução do tempo mínimo de descontos necessário para ter direito ao subsídio (que era de 365 dias e passará aos 450 dias anteriormente exigidos pela lei) e o termo do pagamento de um valor adicional ao abono de família, que agora se manterá somente para os agregados mais desfavorecidos do primeiro escalão. Mas voltando à tonitruante frase de Belmiro, ela remete-nos quase forçosamente para a memória histórica do início dos anos 40 do século passado, em que Portugal, atingido pelo ricochete da II Guerra Mundial, entra numa crescente conjuntura espiral de desemprego, fome e racionamentos dos alimentos de primeira necessidade, e em que algumas parcelas de desapossados, trabalhadores rurais e urbanos caídos num desemprego absolutamente miserável, excluídos da acção demagógica e impotente do “Socorro de Inverno” e do apoio social simbólico caritativo da igreja, organizam “marchas da fome” e se viram, por estado de necessidade e desespero próprio dos famintos, para o roubo quotidiano, nomeadamente assaltos nocturnos ou diurnos a padarias, armazéns, quintas e pomares, praticados de forma individual ou colectiva, estes últimos algumas vezes enquadrados por militantes comunistas, que lhes imprimem sentido político e cons-

ciência de classe. É pois compreensível que, neste quadro, o próprio comité central do PCP tenha caucionado esta “ofensa” à propriedade privada, tendo então, por alturas das grandes greves de Julho e Agosto de 1943, lançado a nível nacional e no Avante! palavras de ordem como “Abaixo a fome! “, “Géneros para o povo!” e a significativa “Ir buscar aonde o há”. Contudo esta era, para o bem e para o mal, outra época histórica, outro quadro da luta de classes e outro PCP, sem dúvida – em tudo diferentes dos actuais. PAULO JORGE AMBRÓSIO

A rua como futuro Os balcões das delegações da segurança social começaram a indeferir ou a não renovar muitos pagamentos de rendimento de inserção social, para choque de muitas pessoas ainda desconhecedoras das últimas medidas de crivo e corte nos apoios sociais e que agora ou vão pedir, ou roubar. Foi evidente o medo de focos de revolta com efeito de contágio, por parte dos jornalistas que noticiaram o ambiente que se viveu no primeiro dia de aplicação das tais medidas. Entretanto, da parte de algumas forças políticas, em particular do PP, Partido Popular, tem havido uma tentativa de criar uma imagem de criminalidade em relação aos beneficiários do rendimento mínimo e do subsídio de desemprego, com acusações de subsidiodependência, de não quererem trabalhar, de viverem à custa do Estado, etc., como se fossem delinquentes preguiçosos e aproveitadores. O efeito pretendido é socavar a solidariedade por parte dos restantes trabalhadores e preparar o terreno para reduzir estes benefícios. Esta campanha não é original. Paulo Portas e outros aprenderam-a com Margaret Thatcher e Blair, que sempre assumiram que os desempregados simplesmente não querem trabalhar.

O que na realidade acontece é que há extensas zonas do país em que não há mesmo trabalho de espécie alguma. Quanto à referência à “criação de emprego”, é apenas retórica e ilusória, porque o que os patrões têm andado a fazer nestes últimos dois anos é diminuir a força de trabalho, para explorar com menos custos os seus assalariados, que assim passam a trabalhar mais. Entretanto, todos os dias patrões, governantes e a direita nos enchem os ouvidos com o discurso sobre os malandros dos “desempregados que não querem trabalhar e só querem é viver à custa do subsídio de desemprego e do Rendimento Mínimo de Inserção”. Aqui fica a história de um desses “malandros”. Iliassa Jaló, guineense, 61 anos, trabalhou até ser despedido, em Janeiro de 2009, na CUF- Adubos de Portugal, SA, em Alverca, nas limpezas. Desde que foi despedido, alimenta-se com uma refeição que vai buscar todos os dias à cozinha do IAC, Instituto de Apoio à Comunidade, no Forte da Casa, concelho de Vila Franca de Xira. Viúvo, vive sozinho no Forte da Casa. Sofre de uma incapacidade de 15%, que com o tempo se vai agravando devido aos ferimentos sofridos em 1972 na guerra colonial ao serviço das forças armadas portuguesas e pela

qual não recebe nada. Em Janeiro deste ano deixou de receber os 486 euros de subsídio de desemprego com que pagava os 400 euros de renda mensal, mais a água e a luz. Agora corre o risco de ser despejado por não ter qualquer rendimento com que possa pagar a renda de casa. Em desespero, recorreu ao GAI, Gabinete de Atendimento Integrado da Junta de Freguesia do Forte da Casa, que o remeteu para o IAC. Além da refeição diária, aquilo que conseguiu foi a promessa vaga de que iriam tentar que lhe fosse adiantado o Rendimento de Inserção Social, para

poder pagar as rendas em atraso, e uma certeza: vai ser despejado. Está por saber se para a rua ou para uma dessas pensões manhosas onde a Segurança Social costuma “depositar” temporariamente os desalojados. Desalentado, diz: “Só tenho a segunda classe e com a minha idade é muito difícil arranjar emprego. Eu não tenho medo de trabalhar. Sempre trabalhei. Não tenho para onde ir e não tenho como pagar a renda. Nem sequer tenho dinheiro para comer. Se me puserem na rua, vou para onde? Para baixo da ponte? De um momento para o outro fiquei sem nada.”


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ESPANHA

Trabalho escravo

O proletariado em maré baixa Se é certo que o capitalismo necessitou de instituições democráticas que substituíssem as do feudalismo para propiciar a criação de empresas, a libertação dos servos para dispor de mão-de-obra, a simulação de uma justiça independente e o livre jogo dos partidos políticos para se enfrentarem periodicamente nas urnas, pode dizer-se que o seu desenvolvimento posterior foi gastando todos estes “valores”, até os transformar numa caricatura de si mesmos, numa construção teórica que nada tem já a ver com a vida real. Passaram para não mais voltar os tempos em que se podia referir sem corar uma “ética do capitalismo” (a acumulação primitiva e as suas vítimas por trás do cenário). São dignos de lástima os jornalistas e escritores (não sei se ingénuos ou simples vigaristas) que salpicam os periódicos com colunas de opinião que tentam – como resposta aos apertos em que se encontram hoje os que aparentemente dirigem o barco e como remédio face ao mar de corrupção que impregna todas essas instituições – voltar-se para trás incensando os valores perdidos, sem notar que aquele capitalismo só podia ser uma fase do seu desenvolvimento, que levava nos genes o monstro em que se transformou. E não há marcha-atrás: esse capitalismo em que crêem é uma utopia irrealizável. Os seus últimos movimentos trouxeram à luz do dia o extremo a que se chegou, o aberto e descarado controlo dos governos de qualquer quadrante por parte da máfia dos especuladores. A encarnação do homem no capitalismo é a do empreendedor que monta um negócio, cria trabalho, etc. A imprensa espanhola de hoje dá-nos conta diariamente das ajudas, subvenções, etc. que tanto o governo central como os autonómicos puseram em marcha para estimular os jovens (homens e mulheres) a enveredar por esse caminho. Mas as oportunidades que há não têm nada a ver com as que havia há 100 anos. Deixando de lado o pequeno comércio ou bares e tabernas (terreno totalmente saturado), o que fica são serviços para as empresas, que só lhes interessa se lhes sair mais barato que com empregados próprios. Porém, a campanha faz efeito e são milhares os empreendimentos que nascem, e mais os que morrem, nos últimos anos. Mas o facto é que o clima social se ressente, a figura do operário ou empregado se degrada e os valores históricos que a acompanhavam (orgulho de ser trabalhador, criador da riqueza, companheirismo, solidariedade) vão para o baú das recordações. E não importa se compõem a maioria da população. Assim, o ataque que o governo lançou a trabalhadores e pensionistas (de uma en-

vergadura desconhecida em todo o tempo que levamos de “democracia”), agravada pelo facto de todos saberem a que bolsos foram parar os dinheiros de que o governo necessita agora, não parece encontrar a resposta lógica por parte dos trabalhadores. Na Catalunha, Galiza, Andaluzia e País Basco, sindicatos e partidos políticos da esquerda clamam por uma greve geral, mas os apoios que recebem para agitar o ambiente com concentrações, manifestações, etc. não conseguem levantar o ânimo o suficiente para forçar as CC OO e a UGT, pilares deste regime, a enfrentar quem lhes dá de comer. E o simples facto de todos estarem à espera deles é uma manifestação do borreguismo a que nos levaram. A apatia que presidiu aos cortejos do 1º de Maio, um momento idóneo para lhes mostrar os dentes, é outra demonstração da lamentável situação a que chegámos, com uma classe operária que em grande parte se chama a si própria “classe média” e embarcou em apartamentos de 100 metros quadrados a pagar em 50 anos. O medo de perder dinheiro com a greve é um dos travões mais potentes. Para rematar, o Partido Comunista, tão activo na Grécia, em Espanha continua a manter, contra ventos e marés, as CC.OO como sua referência sindical. E os que ganham menos de 1000 euros por mês, os que trabalham na economia subterrânea, em condições lastimosas, os despejados por falta de pagamento da casa, por muitos que sejam, só tiram o sono aos afectados e às suas famílias. Os outros lançam-lhes o mesmo olhar que aos mendigos que se põem à porta dos supermercados. ANTÓNIO DOCTOR

Muitos dos 67 mil trabalhadores, na sua maioria mulheres, empregados nas 15 zonas francas viradas para a exportação estão sujeitas a um tratamento que vai do insulto verbal e das ameaças aos maus tratos físicos e ao assédio sexual, revela um estudo recente da Confederação Sindical Internacional sobre o trabalho em El Salvador. Há uma clara política anti-sindical e de despedimentos de quem tente sindicalizar-se ou formar um sindicato. Muitos consideram que as condições de trabalho nas zonas francas se assemelham a trabalho forçado. Os trabalhadores do sector público estão proibidos de se organizar e viram o exercício do seu direito à greve de tal forma restringido que, na prática, esta é impossível. Os trabalhadores do sector privado também se debatem com numerosos e complicados procedimentos burocráticos quando se querem sindicalizar ou criar um sindicato. Em El Salvador as mulheres ganham menos 88% do salário médio dos homens e têm grandes dificuldades em aceder aos empregos qualificados e mais bem pagos. O trabalho infantil está generalizado, sendo preocupante a sua incidência no fabrico de fogo de artifício, nas lixeiras e na prostituição. Segundo os dados oficiais, 67% das crianças trabalham. Nas zonas rurais, as meninas e os meninos trabalham na agricultura e no comércio. Nas urbanas, dedicam-se à venda ambulante e à manufactura. Em 15 de Janeiro de 2010, Victoriano Abel Veja, secretário-geral do SITRAMSA (Sindicato dos Trabalhadores e Empregados Municipais do Município de Santa Ana) foi assassinado a caminho de San Salvador, onde ia a uma reunião sindical para preparar uma queixa relativa ao despedimento injustificado de vários empregados do município. Tinha recebido ameaças de morte devido à sua actividade sindical e por ter condenado os despedimentos. (Adaptado de Resumen Latinoamericano, nº 105)


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Capitalismo de desastre Naomi Klein tocou num dos aspectos mais sinistros do funcionamento do sistema moderno quando classificou de “capitalismo de desastre” a prática corrente que consiste em apavorar as pessoas explorando situações de crise, calamidade pública e desastre: a gripe A, a nuvem de cinzas do vulcão islandês, o perigo dos incêndios incontrolados, a criminalidade à solta, etc. O medo apodera-se das pessoas e dos grupos sociais e o capital domina-as ainda mais, ao mesmo tempo que se aproveita da situação para obter maiores lucros. O exemplo mais flagrante é o tsunami do Sudeste Asiático, em cujas praias até então sustentáveis e entregues a pacatas comunidades de pescadores se instalaram grandes grupos turísticos e económicos depois da catástrofe. Também o furacão Katrina originou a expulsão da população que morava em terrenos que depois foram afectados à construção de bairros de classe média, geradores de proventos importantes para o capital imobiliário. No caso do Haiti, são os grandes interesses económicos que determinam o formato do programa de recuperação em curso depois do terramoto, em detrimento dos reais interesses da população. As guerras também permitem ao grande capital o domínio de áreas que até então não controla-

va em absoluto (Iraque, Afeganistão, possivelmente o Irão em breve, etc). No caso das ditaduras, a imposição conseguida pela repressão, prisão, tortura e exílio, e o consequente efeito de choque e medo desarticulam a resistência e entregam ao capital o domínio, pela força, de actividades que não controlava ou permitem-lhe embarcar em cruzadas belicistas para as quais ainda não encontrara justificação. Assim, o 11 de Setembro nos EUA foi o pretexto para desencadear a ocupação do Afeganistão, a “guerra santa” contra os suspeitos de terrorismo e a nova doutrina da segurança nacional, pela qual os governantes norte-americanos se arrogam o direito de interferir e atacar onde bem lhes apete-

REFORMADOS ITALIANOS NA MISÉRIA 71,9 % dos reformados italianos receberam menos de mil euros mensais em 2008, segundo dados difundidos pelo Instituto de Estatística Italiano (ISTAT). 45,9 % dos reformados recebe menos de 500 euros de pensão mensal e 26% entre 500 e 1.000 euros. Quanto à reforma médio em Itália, é de pouco mais de mil euros por mês e a das mulheres é inferior à dos homens em 30,5%: 17.137 euros anuais para os primeiros e 11.906 para as segundas. (Argenpress.info, 11/06/2010)

IRÃO CONTRA A ARMA NUCLEAR O ministro dos Assuntos Exteriores do Irão, Manouchehr Mottaki, reiterou que o programa nuclear iraniano tem carácter pacífico, ao dizer na cimeira da Organização de Coope-ração de Shanghai (OCS): “Proclamamos a consigna: energia nuclear para todos, arma nuclear para ninguém”. Ressaltou ainda que “o uso pacífico da energia nuclear é um direito inalienável de todos os signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear”. Ao mesmo tempo, o chanceler iraniano deplorou a adopção pelo Conselho de Segurança da ONU de novas sanções contra o seu país, ao passo que o ataque de Israel contra a frota humanitária para Gaza e a morte de vários activistas ficou sem resposta adequada. (Argenpress.info, 11/ 06/2010)

RECORDE VIOLENTO CONTRA SINDICALISTAS A Confederação Sindical Internacional (CSI) apresentou o seu informe anual sobre direitos sindicais, onde revela que a Colômbia foi o país no mundo onde mais sindicalistas foram assassinados, com 48 mortes, seguido da

cer, para isso multiplicando as suas bases militares (Colômbia), reforçando o apoio aos regimes autoritários da sua confiança e criando novas academias de formação das forças repressivas (não só nos EUA mas também na Hungria, Tailândia e Botswana), ampliando os seus dispositivos bélicos de alcance mundial (Africacom, 4a e 7a Esquadra) e interferindo nas decisões de governos nacionais supostamente soberanos. Naomi Klein considera que se é imperioso um trabalho ideológico para as pessoas se aperceberem destes mecanismos que fazem perigar a sua segurança e liberdades cívicas. Há que explicarlhes que este capitalismo de desastre, mais agressivo do que nunca, faz parte da crise actual, é a resposta imperialista à crise. Não procura reformar o sistema, mas sim que os efeitos desastrosos do neoliberalismo sejam controlados pelos Estados: para superar a crise financeira, os bancos falidos recebem financiamento dos governos e o défice público é pago à Guatemala com 16, devido à escalada de violência. Cem custa do aumento de impostos e à sindicalistas foram assassinados em 2009, 30% mais que descida do nível de vida dos de baixo. no ano anterior; no caso da Guatemala, devido a uma Por todo o mundo há quem reaja escalada de violência que se desenvolve há anos, similar contra a situação, mas sem elementos à situação das Honduras, com 12 homicídios. (Argenpress. de unificação e homogeneidade dessas info, 11/06/2010) lutas, elas mantêm-se fragmentadas e condenadas ao isolamento, a nível ESPANHA NA BOCA DO TUBARÃO nacional e internacional. Klein cita O periódico alemão Financial Times Deutschland assegura contudo formas de resistência que que a União Europeia está a preparar o resgate de Esconsidera promissoras: gera-se uma panha. Segundo a informação (não se citam fontes), Brucultura difusa que é uma forma de xelas dispõe de um fundo de resgate de 750.000 milhões enfrentamento, muitas vezes surdo e de euros para tal fim, se a situação espanhola piorar, e o mal expresso, mas de qualquer certo é que há motivos para pensar que não melhorará. A maneira uma manifestação de dissimaior preocupação da UE é, além do défice, o excessivo dência e insatisfação pela apropriação endividamento do sector privado causado pelo rebendos excedentes para fins criminosos tamento da bolha imobiliária, e todo isso apesar de a por parte de uma camada que não banca privada ter recebido dinheiro do governo, tanto recua diante de nada para levar avante que este ficou sem um euro em caixa. (Argenpress.info, 11/ os seus desígnios. A manipulação da 06/2010) consciência dos cidadãos através do medo é um sintoma de que as desvantagens são tantas para as massas que já só assim é possível mantê-las em respeito. Comparados com estas perversidades, os tão vituperados mecanismos de capitalismo estatal de Cuba, Vietname, Venezuela, etc. acabam por ser benévolos: garantem aos cidadãos educação, saúde e segurança social e não os colocam num estado de pavor propício às piores manipulações e atropelos. ANA BARRADAS


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O que iguala esquerda e direita Tem que suceder algo de extraordinário, inesperado e fora do comum para que apareçam de repente aspectos da realidade que estão presentes mas a “normalidade” do dia a dia não nos deixava ver. É como um terramoto que de repente nos deixa ver o que temos debaixo dos pés. Surge esta reflexão perante o sucedido na Câmara de Deputados na votação sobre as medidas de austeridade propostas pelo governo para reduzir o défice do Estado. Que a esquerda proponha medidas de direita e que a direita as rejeite tomando a bandeira dos reformados não é o mais importante neste pitoresco país, mas sim outros aspectos que parecem não ter importância para os inefáveis comentaristas de nossos meios de comunicação. A primeira a colocar na galeria dos horrores é a servil obediência dos membros de todos os partidos à sua cúpula dirigente. Nenhum parlamentar recordou a sua consciência na hora de votar. Nenhum se demarcou, nenhum empregou a sua tão espanhola honra a desmontar o tão laboriosamente construído castelo de naipes. Que é o que isto mostra de forma clara? Simplesmente que tanto os que a aprovaram como os que a rejeitaram tinham os olhos postos numas eleições antecipadas, uns para provocá-las, outros para impedi-las. Por mais leituras que se façam do episódio, a única coisa que explica de maneira rotunda e sem paliativos essa obediência cega – que leva inclusive a desmentir hoje o que se disse ontem, atirar pela borda fora de repente os supostos princípios que dizem ser a razão dos partidos políticos – é a colocação da luta pelo poder acima de qualquer outra consideração. Tudo vale, até a destruição da própria imagem pública. A auto-estima, a coerência, a dignidade, o respeito por si mesmo, tudo isto se sacrifica para continuar a gozar de altos salários e prebendas. Não é – o que legitimaria a luta pelo poder – que se queira receber para pôr em marcha um projecto de sociedade: os especuladores e o servilismo em relação a eles da própria UE eliminaram toda a possibilidade de se sair do guião escrito por eles. Já só podem actuar como gestores, não como políticos, o que significa que desejar o poder político nestas circunstâncias só pode ser para enriquecer. Se, examinando seriamente o sucedido, alguém encontrar outras razões de peso para explicá-lo, que o faça. Por outro lado, com que cara pode qualquer partido político apresentar depois disto um programa de acção para as eleições? A não ser que o apresentem com a ressalva de que tem de receber a aprovação do FMI, ou que façam constar que se vão confrontar com ele com todas as conse-

quências. Este é o triste final a que estava destinada a democracia burguesa na Europa. Nem os que se apoderaram dos mercados com o sonho fútil da Europa comunitária (Alemanha, França...) se salvam. ANTÓNIO DOCTOR

Racismo e sobrexploração O racismo nos EUA cria as condições materiais e ideológicas da sobreexploração capitalista. Aliás, por todo o mundo o capitalismo marginaliza negros, latinos, imigrantes, etc., desenvolvendo novas teorias raciais para justificar a sobreexploração e dividir e controlar a classe operária. De facto, apesar de todo o alarido em torno da eleição de um presidente negro, a sobrexploração racista é uma realidade em todo o mundo. Todos os trabalhadores são explorados, recebendo o estritamente necessário à sua reprodução como força de trabalho; porém, os trabalhadores negros e latinos ainda são mais explorados. A realidade do racismo manifesta-se nos números sobre o desemprego. Em Abril de 2010, a taxa oficial de desemprego era de 8,8% para os brancos,16,5% para os negros, e 12,6% para os hispanos. Mas estes números não revelam toda a verdade, porque a taxa de desemprego para os negros de Detroit é de 50%. Em 2004, uma família típica negra tinha um rendimento equivalente a 73% do de uma família branca. Antes da actual depressão, 75% das famílias brancas tinham casa própria, contra 48% das negras. O racismo deprecia os salários dos trabalhadores, e isso é evidente nos estados com um historial esclavagista, onde os salários dos trabalhadores negros, branco e latinos são os mais baixos do país. Por exemplo, nos últimos meses de 2009, a Boeing anunciou a abertura de uma fábrica na Carolina do Sul, para montar o seu novo avião de passageiros. Aí utiliza peças feitas na Califórnia por subcontratados e não sindicalizados, levando a que recentemente, na Carolina do Norte, os trabalhadores votassem o abandono do sindicato. A Carolina do Sul espera atrair mais produção da Boeing oferecendo baixos salários, trabalhadores não sindicalizados e, mais importante, com um baixo nível de militância, como atesta o The Economist de 9/1/2010, que referia que em 2008 os patrões da Carolina do Sul não perderam dias de produção devido a greves. (Adaptado de Challenge, 23 Junho)


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Contra o bloqueio a Gaza A intervenção de Israel contra a frota de apoio a Gaza em águas internacionais não é novidade, pois há mais de trinta anos inspecciona navios entre Beirute e Chipre. Desta vez, porém, procedeu a um assalto particularmente selvagem, no pânico de fazer abortar uma operação de solidariedade que fragiliza sobremaneira aos olhos do resto do mundo a sua teimosia em perpetuar o bloqueio criminoso a Gaza. A brutalidade do acto indispôs o mundo inteiro contra Israel e fez-lhe perder parte do apoio do seu eterno aliado, os Estados Unidos. Sob pressão internacional, viu-se forçado a levantar parcialmente o bloqueio, numa manobra que o Hamas classificou como “propaganda mediática”. O governo de Gaza exige a abertura de todas as entradas para anular o bloqueio imposto desde 2007, numa evidente tentativa de impedir o Hamas de levar a cabo uma experiência estatal, quando esta organização islâmica venceu as eleições e passou a governar. Isto de nada valeu a Israel. Apesar do terrível agravamento das condições de vida e da decomposição social a que se assiste, o Hamas, que gasta 70 milhões de dólares ao ano em assistência social, continua a gozar de uma popularidade indesmentível. Está provada a inviabilidade do programa de dois Estados. Tornou-se impossível a entrega das terras aos camponeses expropriados em 1948. Israel não consegue evitar a revolta palestiniana e perde terreno na cena internacional. A resistência popular em Gaza e na Cisjordânia, o boicote comer-

cial aos produtos israelitas no exterior, a exigência de sanções pela ONU e a condenação generalizada da política sionista favorecem a causa palestiniana, mas não impedem a passividade da ONU e dos Estados árabes e o apoio dos EUA a Israel nos seus crimes contra a humanidade.

Numa situação de impasse total, só uma acumulação de forças que resulte na socialização dos meios de produção num Estado único poderá constituir uma saída viável. O caminho está aberto e a solidariedade é uma arma certeira, como se viu agora.

Onde pára o inimigo? Em Novembro reúne-se em Lisboa a cimeira da NATO, para aprovar o novo conceito estratégico da aliança, o que não deixa de ser estranhamente sintomático numa aliança militar imperial que se encontra envolvida há anos em sangrentas

guerras nos Balcãs e na Ásia Central e é o braço armado do banditismo e do terrorismo de Estado do EUA e do seu parceiro europeu, a União Europeia. Criada nos anos da “guerra fria” para conter a “ameaça comunista”, a NATO ficou como que sem inimigo após a implosão do Bloco de Leste e a dissolução do Pacto de Varsóvia. De repente, ficaram sem préstimo, por falta de alvo, milhares e efectivos e meios militares dos mais sofisticados e mortíferos, mais o complexo industrial e de espionagem que lhes estava associado. E, como esteve fora de questão abrir mão de uma força militar das mais poderosas, sempre útil quando se trata de dar consistência aos planos geoestratégicos das grandes potências ocidentais, havia que desencantar um inimigo. Tem sido um ver-se-te-avias algo trapalhão e inconsistente. Com a “libertação” do Kuwait desco-briu-se a “ameaça do Sul”, em substituição da “ameaça do Leste”, a que se seguiu a teoria do “choque de civilizações”, do “terrorismo” e da “proliferação nuclear” (Irão, Iraque, Coreia do Norte). Pelo meio flutuam as “ameaças, desafios, incertezas, crises, riscos, mutações,

interesses” em prol da democratização com origem nos “Estados falhados”. Agora, em tempo de crise económica e financeira nos grandes centros imperialistas ocidentais, chegou a altura de rever a estratégia de forma a assegurar a manutenção da hegemonia imperial pelo terror armado. Isto passa por abandonar definitivamente a ideia de um inimigo principal – agora ele está em todo o lado, até dentro de portas – e acautelará a emergência de novas potências regionais que, a prazo, possam pôr em perigo a hegemonia norte-americana e europeia do mundo. Pelo que se vai sabendo, e tendo em conta as orientações estratégicas de defesa nacional da administração de Obama (porque os EUA continuam a ser o patrão), os novos conceitos estratégicos da NATO deverão andar em torno da ameaça terrorista, da utilização dos meios electrónicos, nomeadamente a internet, pelos inimigos das democracias, e o desenvolvimento das “armas inteligentes”, dado que há uma cada vez maior oposição popular às aventuras guerreiras ocidentais e uma fraca tolerância relativamente a baixas militares – nada como fazer a guerra à distância, como um jogo de vídeo, com escassos efectivos militares, mas grandes meios tecnológicos e financeiros, em que só morrem (anonimamente) os outros. ANTÓNIO BARATA


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GAITA ARMADA, Estaleiro do Som, Galiza.

Em dois CD reúnem-se cerca de meia centena de cantigas galegas e algumas portuguesas. São cantos populares uns, outros popularizados, que expressam a vivência e a cultura das classes despossuídas. São cantos para cantar em grupo nas tabernas, nas festas e em momentos de camaradagem e de luta. Esta é uma edição cuidada, com notas explicativas sobre as canções, os seus autores, e as histórias que muitas delas carregam, que os responsáveis aconselham a ser copiada, difundida, pirateada… Um trabalho de grande qualidade, recheado de nomes que são referências da música e da cultura popular galega e portuguesa, como Fuxam os Ventos, José Afonso, Luís Cília ou Voces Ceibes. A CANTIGA É UMA ARMA, POIS CANTÉ, …E VIRA BOM, …RONDA DE ALEGRIA!, GAC - Grupo de Acção Cultural – Vozes na Luta, edição e distribuição iPlay Som e Imagem, sob licença da Valentim de Carvalho, Maio 2010.

Esgotadas há mais de 25 anos, foi agora reeditada a totalidade das gravações do GAC, um grupo sem paralelo no nosso país, cujas canções estão na memória da geração que viveu os tempos turbulentos que se seguiram ao 25 de Abril. Criado em cima do 25 de Abril pela generalidade dos cantores de intervenção, conhecerá sucessivos afastamentos motivados pelas opções políticas e ideológicas dos seus integrantes. Os primeiros a sair serão os cantores ligados ao PCP (Luís Cília, Adriano Coreia de Oliveira, José Jorge Letria, Manuel Freire), após o concerto realizado no dia 7 de Maio de 1974. Após isso o grupo radi-

caliza-se e reorienta a sua actividade para o apoio às lutas operárias e revolucionárias, ligando-se à movimentação popular avançada – greves, lutas pelo saneamento de fascistas, ocupações de terras e casas, lutas de soldados, etc. Colectivo cultural de intervenção política, que desde a primeira hora se liga ao movimento comunista marxista-leninista e à UDP/PCP(R), entendia que a “a canção, a poesia, são uma bomba e uma bandeira”. Avesso aos grandes palcos, actuava gratuitamente na rua, em quartéis, fábricas, bairros populares, herdades agrícolas ocupadas, apoiando as lutas dos trabalhadores, moradores pobres, soldados e marinheiros. Fruto da efervescência e da “desordem” revolucionária aberta pelo 25 de Abril, o GAC entrou em crise e desagregação, acompanhando o refluxo do movimento popular e da corrente política e ideológica em que se integrava – o maoísmo de esquerda. Desapareceu após 4 anos de intensa actividade em que percorreu o país de norte a sul, deixando uma obra de grande qualidade, reconhecida mesmo por aqueles que se encontram nos antípodas de qualquer ideia de subversão revolucionária da ordem burguesa.

SARROUNIA, Med Hondo, 1986

Sarrounia é um filme sobre uma rainha africana que governou na região dos Haúças, da África Ocidental, no século XIX. Passou recentemente no Institut Franco-Portugais, inserido num ciclo de cinema africano. Sarrounia combateu as tropas coloniais francesas em 1899, ao contrário dos outros reinos, que capitularam sem luta e colaboraram com elas para a derrotar. Num violento ataque à capital fortificada de Lougou, os franceses ocuparam a fortaleza e espalharam o terror pelas aldeias e cidades, enquanto os guerreiros retiraram para depois flagelarem os franceses numa táctica de guerrilhas, obrigando-os a abandonar o projecto de “pacificação” do reino.

O realizador é famoso em África: trata-se de Med Hondo, que adaptou ao cinema o romance Sarraounia (Harmattan, 1980) do nigeriano Abdoulaye Maman. O filme foi premiado no Festival Pan-Africaino de Cinema de Ouagadougou.

MAO EM DEBATE, Kultra/Ler Devagar

8 de Junho. A última de uma série de sessões sobre pensadores marxistas organizada pela Kultra na livraria Ler Devagar em Lisboa. Fernando Rosas era o orador convidado para a sessão sobre Mao Tsé-tung. Fez um exaustivo levantamento da vida e obra de Mao, centrado sobretudo na sua contribuição para a história da Revolução Chinesa e evitando as implicações internacionais. Rosas há muito que se afastou do maoísmo. Apesar disso, em toda a sua intervenção via-se que permanecia algum fascínio pela figura de Mao, tendo salientado a sua importância enquanto dirigente comunista e tendo destacado alguns dos aspectos mais inovadores da sua obra. Desde muito cedo, Mao compreendeu as particularidades da história e encruzilhadas da Revolução na China, mas também analisou a situação internacional e as lições e sobretudo as limitações da pouco antes vitoriosa Revolução Soviética que tinha criado a então única sociedade socialista do mundo. Desde o início da sua vida de dirigente comunista, Mao concluiu que a via da insurreição operária urbana tinha grandes dificuldades num país como a China, com uma população essencialmente rural, e soube ver o potencial das revoltas camponesas que surgiam e cresciam apesar da ausência de uma liderança comunista. Ao participar e liderar as campanhas militares da Revolução Chinesa, e em particular a heróica Longa Marcha, Mao desenvolveu a teoria militar das revoluções comunistas e, na realidade, a teoria militar em geral. Mais tarde,

ao analisar o desenvolvimento do socialismo na China, desenvolveu a sua teoria da continuação da luta de classes no socialismo e toda uma série de princípios para a edificação do socialismo, rumo ao comunismo, salientando o papel mobilizador da ideologia na transformação da sociedade. Durante a sua intervenção, Rosas descreveu em detalhe a vida de Mao, distinguindo as suas várias etapas e contribuições. Talvez devido à sua deformação profissional de historiador, por vezes perdeu-se demasiado nos detalhes, alongando desnecessariamente a palestra, embora raras vezes fazendo com que perdesse o interesse. Na maior parte do tempo, Rosas mostrou ter feito o trabalho de casa, citando muitas vezes fontes originais e referindo diversas interpretações da obra deste dirigente comunista. Infelizmente, nem sempre teve esse cuidado, por exemplo quando se referiu ao Grande Salto em Frente e, sobretudo, à Grande Revolução Cultural Proletária, aceitando acriticamente as interpretações burguesas, muito negativas em relação a esse períodos. Rosas saltou por cima dos factos, que não analisou, limitou-se a repetir as frases feitas e as generalidades normalmente citadas pelas fontes burguesas e a reproduzir as conclusões oficiais da liderança chinesa pós-Mao, nomeadamente da clique contra-revolucionária encabeçada por Teng Siao-ping. Na realidade, muitas fontes recentes, incluindo de participantes na Revolução Cultural, têm vindo a contrariar essa versão oficial. É o caso de Some of Us: Chinese Women Growing Up During the Mao Era, um livro publicado nos Estados Unidos com testemunhos de mulheres chinesas que actualmente vivem nos EUA sobre a sua experiência de jovens urbanas que se deslocaram para os campos para trabalharem com os camponeses. Apesar destas limitações, a sessão contribuiu para um melhor conhecimento da importância de Mao, e para realçar a sua obra e o papel determinante que desempenhou no movimento revolucionário e comunista do século XX, um papel que se tem vindo a tentar diminuir e denegrir, tendência que esta palestra certamente contribuiu para contrariar. Rui Mendes JORNADAS INDEPENDENTISTAS GALEGAS A décima quarta edição das Jornadas Independentistas Galegas contou com a presença de cinco dirigentes das esquerdas independentistas da Escócia, Galiza, Países Catalães, Córsega e Porto Rico. Os intervenientes analisaram os impactos da crise capitalista sobre lutas de libertação nacional no centro do sistema. As instalações do Centro Social


MAIO / JUNHO 2010 | 15 “O capital não entregará o seu poder aos representantes de nenhum partido anticapitalista ‘democraticamente eleito’ só para obedecer às regras do comportamento democrático e às ‘tradições democráticas’.” István Mészàros, Beyond Capital, 1995

À espera dos bárbaros O que esperamos na ágora reunidos? É que os bárbaros chegam hoje. compostelano Gentalha do Pichel acolheram no sábado 29 de Maio o importante evento de reflexão marxista que a organização Primeira Linha vem realizando de forma ininterrupta desde 1997. Do programa constaram as intervenções “Galiza e os Países Catalães frente ao assimilacionismo espanhol”, por Alberte Moço, porta-voz nacional de NÓS-UP (Galiza) e Aquiles

ÁLVARO CUNHAL, SETE FÔLEGOS DO COMBATENTE, Carlos Brito, Edições Nelson de Matos, 376 páginas, 25 euros.

Rubio i Villalvilla, da Endavant-OSAN (Países Catalães); “Escócia, Córsega e Porto Rico, três lutas anti-imperialistas, por Johanna Dind, do Scotish Socialist Party (Escócia), Paulu Antone Susini, da Corsica Libera (Córsega) e Salvador Tió, independentista e membro da presidência colectiva do Movimento Continental Bolivariano (Porto Rico).

Neste livro Carlos Brito faz um relato pormenorizado do trajecto partidário de Cunhal e de si próprio, quase sempre em sintonia mútua. Recorre a profusas referências às diferentes etapas ideológicas e políticas por que passou a política do PC sob responsabilidade do dirigente máximo e revela sem complexos todos os seus preconceitos em relação ao papel dos “esquerdistas” na crise revolucionária.

Por quê tanta apatia no senado? Os senadores não legislam mais? É que os bárbaros chegam hoje. Que leis hão-de fazer os senadores? Os bárbaros que chegam as farão. Por quê o imperador se ergueu tão cedo e de coroa solene se assentou em seu trono, à porta magna da cidade? É que os bárbaros chegam hoje. O nosso imperador conta saudar o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe um pergaminho no qual estão escritos muitos nomes e títulos. Por quê hoje os dois cônsules e os pretores usam togas de púrpura, bordadas, e pulseiras com grandes ametistas e anéis com tais brilhantes e esmeraldas? Por quê hoje empunham bastões tão preciosos de ouro e prata finamente cravejados? É que os bárbaros chegam hoje, tais coisas os deslumbram.

A revelação para nós mais surpreendente deste livro é que afinal Carlos Brito poucas ou nenhumas divergências teve com Álvaro Cunhal. Podemos até concluir que Cunhal, bem conversado, poderia figurar, se fosse vivo, entre os dirigentes renovadores da actualidade, tal foi a justeza, perspicácia, acerto e genialidade da sua actividade como dirigente comunista. Carlos Brito integrou a direcção política do PCP desde 1967 até 2002, data em que cindiu e co-fundou o Movimento Renovação Comunista, insatisfeito com a rigidez dos dirigentes “conservadores”, a falta de democracia interna, e a inflexibilidade em relação às alianças tácticas à sua direita, mais concretamente com o PS. Cunhal acusou-o de querer socialdemocratizar o partido, mas ele nega.

A Batalha, 239, Lisboa Abrente, 56, Compostela Boletim Anarco-Sindicalista, 35, Lisboa Challenge, 13, Nova Iorque Contropiano, 2/2010, Roma Dans le monde une classe en lutte, Mar., Paris Échanges, 123, Paris El Martinete, 23, Madrid Êxodo, 103, Madrid Il comunista, Abril, Milão Insurreiçom, 8, Galiza Lutte de classe, 128, Paris Lutte Ouvrière, 2184, Paris Monthly Review, Abril, Nova Iorque N+1, Abril, Turim O Arrifana, 108, Penafiel O militante socialista, Abril, Lisboa Octubre, 36, Madrid Partisan, 239, Paris Resumen Latinoamericano, Mar./ Abr., San Sebastian

Por quê não vêm os dignos oradores derramar o seu verbo como sempre? É que os bárbaros chegam hoje e aborrecem arengas, eloquências. Por quê subitamente esta inquietude? (Que seriedade nas fisionomias!) Por quê tão rápido as ruas se esvaziam e todos voltam para casa preocupados? Porque é já noite, os bárbaros não vêm e gente recém-chegada das fronteiras diz que não há mais bárbaros. Sem bárbaros o que será de nós? Ah! eles eram uma solução.

Konstantinos Kaváfis Nascido em Alexandria, no Egipto, é considerado o mais importante poeta grego do século XX. A sua poesia só foi publicada em livro postumamente, poucos a conheciam antes. O poeta imprimia folhas soltas com poemas e distribuía-as entre amigos. A obra também não é extensa: são apenas 154 poemas.


GRÉCIA

Quem vai pagar a crise? Convertida em protectorado da União Europeia, a Grécia cumpre a contragosto o programa de austeridade que reforça o aparelho de Estado ao serviço do interesse dos capitalistas, com o governo na posição de “comité executivo da classe dirigente”, como dizia Marx. Com a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha a liderar o processo grego, a União Europeia afirma-se assim como espaço de exploração dos seus Estados mais fracos. Foi notável a reacção combativa das massas gregas, mas o ajustamento preconizado para o país agravará a sua situação. A solução encontrada pelas cliques dirigentes europeias foi liquidar o sistema de segurança social, incluindo as reformas, e atirar os países para uma recessão prolongada. Porém, interessante é reter que as medidas tomadas demonstram o esgotamento da política de intervenção do Estado, como o próprio FMI assinalou ao afirmar: “A política monetária, em todas as suas formas, alcançou os seus limites”. Há indicadores de que as medidas de austeridade, conducentes a uma baixa do nível de vida, não serão aceites sem luta.

Tudo depende da maior ou menor determinação de resistir por parte do movimento popular grego, assim como da resposta que o resto da Europa dará ao apelo afixado no Parténon de Atenas: “Povos da Europa, levantem-se!” A ameaça que se faz agora à Grécia é que, a verificar-se a cessação dos pagamentos, será excluída da moeda europeia. Mas isso significaria o princípio do fim da União Europeia. O processo, aliás, já começou: a própria situação criada à Grécia é já uma manifestação dessa desagregação. Outros sintomas claros são a entrega pelo Tratado de Lisboa da defesa da Europa à NATO e o controlo pelo FMI da política financeira do continente. Além do mais, não se esqueça que há vida para lá do euro: de facto, o fim da União Europeia poderá ser mesmo uma bênção, na medida em que significar a suspensão de transferência para os bancos de fundos na ordem de milhares de milhões, fundos que nos pertencem e são confiados a irresponsáveis e predadores. A Grécia está afinal na frente do pelotão que pode levar de vencida todo este desastre que se abate sobre os trabalhadores.

Pobreza vai aumentar Caso o povo e os pobres de pedir não se oponham, de forma violenta de preferência – contra a violência reaccionária, exige-se violência revolucionária! – quem serão as vítimas? A generalidade da população, por via dos aumentos das taxas de IRS e das despesas por via do IVA. Os trabalhadores da função pública e das empresas do sector empresarial do Estado por via do congelamento directo dos salários. Os trabalhadores do sector privado da economia por via do boicote à contratação colectiva. Os desempregados pela

redução e perda do subsídio de desemprego. Os beneficiários dos regimes não contributivos da Segurança Social, bem como aqueles, que tendo efectuado descontos, beneficiam do complemento solidário para idosos e das pensões mínimas. Os dois milhões e 900 mil pensionistas e reformados do sistema público de Segurança Social. O acordo bicéfalo Sócrates-Passos Coelhos deu-nos isto. Dará mais? Se nós quisermos… VÍTOR COLAÇO SANTOS

Diário Liberdade: Novo espaço galego e lusófono de informaçom anticapitalista Pode parecer surpreendente que seja precisamente a partir do “elo fraco” do espaço internacional de fala galego-luso-brasileira que se lance umha ferramenta com vocaçom de unir informativamente as luitas, como o Diário Liberdade aspira a ser. Porém, nom é assim tam estranho, se tivermos em conta que é precisamente à Galiza que interessa de modo mais premente a afirmaçom como parte dessa área lingüística e cultural, face ao risco certo de assimilaçom que representam a nossa dependência de Espanha e o isolacionismo fomentado polas instituiçons espanholas em relaçom a Portugal. O núcleo que lançamos este site, com experiência no trabalho informativo no seio da esquerda anticapitalista galega e noutros sites internacionais, madureceu um projecto que acolhe todo o tipo de informaçons populares na voz dos seus protagonistas. Os critérios som claros: total prioridade para as iniciativas surgidas à margem das instituiçons, máxima abertura para todas as visons e projectos da esquerda nom domesticada, desde o anarquismo até as diferentes famílias comunistas e os novos movimentos sociais. Graças a um trabalho colaborativo de base, o site tem actualizaçons constantes e inclui nom só a reproduçom de conteúdos de organizaçons e militantes, mas também os conteúdos criados pola equipa redactora e as pessoas colaboradoras do próprio Diário Liberdade. Sabemos que nom é fácil integrar num mesmo espaço tantas diferenças e desconfianças como no seio da esquerda, mas achamos positivo permitir a livre expressom e o debate aberto sobre questons políticas, favorecendo no possível dinámicas de trabalho comum ali onde for possível. Com umha forte componente nacional, por surgir numha naçom oprimida como é a Galiza, o Diário Liberdade bebe do espírito internacionalista que sempre inspirou a esquerda digna de tal nome. Eis a dialéctica que nos guia no caminho da luita final que permita a derrota global do capitalismo. Bem sabemos que nom será um meio de comunicaçom que torne possível tam ambicioso objectivo como o indicado, mas sim vamos dar voz às e aos que luitam para esse fim no ámbito intercontinental dos povos que falam a língua de Rosalia, Camões e Machado de Assis. O projecto e o empenho som abertos no seio da esquerda anticapitalista. O convite a participar fica feito a quem nos lê. MAURÍCIO CASTRO

INFORMAÇÃO ALTERNATIVA

Diário Liberdade é um projecto jornalístico alternativo anticapitalista e anti-imperialista, virado para a realidade social e as lutas de classes na península Ibérica, América Latina e África de expressão portuguesa e castelhana www.diarioliberdade.org


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