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Graciele de Rezende Almeida

O EMPREGO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO ENFRENTAMENTO ÀS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E O SIGILO PROFISSIONAL DO DEFENSOR Monografia apresentada no Curso de Pós-graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública, da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, em parceria com o Centro Universitário Newton Paiva, sob a orientação do Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista.

Belo Horizonte Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais 2010


Centro Universitário Newton Paiva Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais Curso de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública

Pesquisa intitulada “O emprego da atividade de inteligência no enfrentamento às organizações criminosas e o sigilo profissional do defensor”, de autoria de Graciele de Rezende Almeida, considerada aprovada, com a nota 96 (noventa e seis), pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________________ Presidente- Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco

____________________________________________________________ Professor Mestre Roger Antônio Souza Matta

____________________________________________________________ Professor Especialista José Lúcio Neto Teotônio Gontijo

Belo Horizonte/MG, 22/maio/2010. Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, bairro Barro Preto 30140-062 - Belo Horizonte - MG Tel: 31-3295-1023 www.fesmpmg.org.br


Pelas bênçãos e graças diárias, pelas oportunidades e pelas pessoas cuidadosamente colocadas em minha vida, agradeço a Deus. Ao Xande, pelo amor com que me incentiva a transformar os meus sonhos em projetos. Aos meus pais, por me ensinarem o valor dos estudos e por todos os sacrifícios pessoais feitos em favor de minha formação. Ao Gu, por ser o meu exemplo, e à Ismênia, pela carinhosa proteção. À Sandra, Tânia e Telma que, com o carinho de sempre, contribuíram para a elaboração desse trabalho. Ao Dr. Denilson Feitoza Pacheco, por transformar essa nova interseção em nossas vidas em algo tão enriquecedor para mim. Aos colegas da 3ª turma, pelo compartilhamento de experiências e pelas risadas em sala de aula. Aos professores da Fundação Escola Superior do Ministério Público, pela valorosa contribuição na minha busca pelo aperfeiçoamento pessoal e profissional. À Lidiane e Marli, que nos acompanharam nas sextas-feiras e sábados de aula com invariável alegria e presteza.


RESUMO Seria legítimo que o Estado utilizasse a atividade de inteligência para mitigar o sigilo profissional do defensor a fim de promover o enfrentamento às organizações criminosas? A resposta a essa indagação é o objetivo perseguido pelo presente trabalho, que considerou a dificuldade dos órgãos incumbidos de resguardar a segurança pública em promover a prevenção e a repressão aos crimes perpetrados por sociedades delituosas. A sofisticada atuação desses entes exige que as ações estatais excedam aquelas tradicionalmente utilizadas no combate aos crimes. Entretanto, o Estado está vinculado à necessidade de respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão - assegurados na Constituição da República. Dentro desse contexto, procuramos abordar o papel da atividade de inteligência no fornecimento de subsídios para o enfrentamento ao crime organizado, analisando se a metodologia e as técnicas operacionais que lhe são peculiares podem incidir na relação existente entre o defensor e o investigado, sendo este integrante de organização criminosa.

Palavras-chave: atividade de inteligência, segurança pública, sigilo profissional, defensor, enfrentamento, organizações criminosas.


ABSTRACT Would it be legitimate that the State used the inteligence activity to mitigate the defender’s professional secrecy in order to promote the facing up to the criminal organizations? The answer to this question is the gol pursued by the present study which considered the difficulty of the bodies responsible for safe guarding public security to promote the prevention and repression of crimes carried out by criminal societies. The sophisticated work of these people requires that the state’s actions must be beyond those traditionally used in combating crimes. However, the State is linked to the need of respecting the citizens’ rights and fundamental guarantees – assured in the Republic Constitution. Considering this context, we addressed the role of intelligence activities in the provision of subsidies to face organized crime, analysing whether the methodology and the operational techniques that are peculiar to them can concern the relationship between the defender and the investigated that is part of criminal organization.

Key Words: inteligence activity, public security, professional secrecy, defender, facing up, criminal organizations.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................8 2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA....................................................................................................10 2.1 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA STRICTO SENSU ..................................................................................11

2.1.1 Conceito......................................................................................................... 11 2.1.2 O ciclo de inteligência ................................................................................... 14 2.2 CONTRAINTELIGÊNCIA .....................................................................................................................16

2.2.1 Conceito......................................................................................................... 16 2.3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL ......................................................................................17 3 A SEGURANÇA PÚBLICA .................................................................................................................21 3.1 NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO ........................................................................................................21 3.2 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA ................................................................24 4 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ...............................................................................................28 4.1 CONCEITO .........................................................................................................................................28 4.2 BREVE HISTÓRICO.............................................................................................................................31 4.3 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA ..................................................................................................................32 4.4 CARACTERÍSTICAS ............................................................................................................................35 4.5 O ENFRENTAMENTO ..........................................................................................................................38

4.5.1 Prevenção e repressão.................................................................................... 38 4.5.2 Os meios especiais de obtenção de provas .................................................... 40 4.5.2.1 A ação controlada ................................................................................... 41 4.5.2.2 Acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais........................................................................................................... 43 4.5.2.3 A captação/interceptação de comunicações ambientais ......................... 44 4.5.2.4 Infiltração................................................................................................ 48 4.5.2.5 Outros procedimentos............................................................................. 50 5 O SIGILO PROFISSIONAL................................................................................................................52 5.1 NATUREZA JURÍDICA ........................................................................................................................52 5.2. MITIGAÇÃO .....................................................................................................................................55


7 CONCLUSÃO .......................................................................................................................................61 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................62


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1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo responder ao seguinte objeto de pesquisa: É legítimo que o Estado se utilize da atividade de inteligência para mitigar o sigilo profissional do defensor a fim de promover o enfrentamento às organizações criminosas? Exemplos quase diários de atuação de organizações criminosas nos são fornecidos pela mídia nacional, seja quando é noticiado mais um dos infindáveis capítulos dos esquemas de corrupção incrustados nas entranhas do poder público, seja quando são divulgadas ações violentas lideradas por grupos de detentos recolhidos nos presídios das grandes cidades do país. Sob qualquer forma de manifestação, a criminalidade organizada gera na população a sensação de insegurança, expondo a fragilidade do próprio Estado Democrático de Direito. À vista dessa realidade, a necessidade de enérgico combate ao crime organizado desponta como consenso, transfigurando-se em verdadeiro clamor social, conduzido, na maior parte das vezes, pela imprensa escrita e falada. O presente trabalho foi desenvolvido observando exatamente esse contexto social. Não se questiona sobre a efetiva necessidade de se combaterem as organizações criminosas. Sem dúvida, o enfrentamento estatal a entes estruturados de modo empresarial para a prática de infrações penais é um dos mais importantes desafios dos órgãos incumbidos da segurança pública, tendo em vista o grande potencial destrutivo que aqueles podem alcançar. Sob esse aspecto, uma realidade é incontestável: o Estado não pode se valer tão somente das ferramentas utilizadas para lidar com a chamada criminalidade comum. Deve lançar mão de instrumentos especiais, que lhe garantam alcançar, com eficiência, o resultado pretendido, que é a prevenção e a repressão ao crime organizado. Dentro dessa conjuntura, a atividade de inteligência se apresenta como importante ferramenta estatal para a obtenção dos fins colimados. Entretanto, se o combate às organizações criminosas precisa ser eficiente, não é menos verdade que ele também precisa ser legítimo, conformando-se aos princípios e às regras positivadas no ordenamento jurídico nacional. Como consequência inarredável, o manejo da atividade de inteligência deve se feito de forma a garantir resultados satisfatórios, sem, contudo, violar a ordem jurídica.


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Nesse sentido, a eterna dicotomia entre a eficiência e a legitimidade das atividades estatais que visam à manutenção da ordem pública é, nesse trabalho, transportada para uma questão pontual. Analisa-se a natureza do sigilo profissional, verificando se a sua flexibilização, por meio do emprego da atividade de inteligência, conduziria a um resultado ideal, alcançando o enfretamento eficiente e legítimo às organizações criminosas. Assim como a mencionada dicotomia que inspirou a elaboração do problema, não há simplicidade na resposta, que pode, inclusive, contar com soluções diversas.


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2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA Livre da pretensão de uma abordagem ampla, focando especificamente a atividade de inteligência desenvolvida no Brasil, não há como deixar de mencionar a aura de desconfiança e preconceito que a envolve. Pouco se estuda sobre o tema. Os debates a respeito da matéria ainda são incipientes, predominando a associação automática da atividade com a espionagem e a intromissão indevida na vida do cidadão. A vinculação da atividade de inteligência a conceitos pejorativos se deve ao fato de que, ao longo dos anos, por vezes, o “serviço secreto” brasileiro foi utilizado de forma equivocada, como ferramenta de manutenção de governantes, fossem eles democráticos ou autoritários. É certo que os desvios foram potencializados e elevados ao grau máximo no período do regime militar, mas sucessivos escândalos ocorridos, antes e mesmo após a ditadura,1 demonstram que a atividade de inteligência, também em regimes democráticos, foi utilizada com finalidade diversa da que foi concebida. Abstraindo os demais sentidos do vocábulo inteligência2 e visualizando-o como atividade de produção de conhecimento útil para assessorar a tomada de decisões estratégicas e salvaguardar esse conhecimento, pode-se afirmar que sua vocação não é a blindagem dos ocupantes do poder. Na verdade, a atividade de inteligência possui aptidão para ser desenvolvida em diferentes searas, possibilitando ao Estado, a uma instituição, a um órgão ou entidade não apenas o desempenho de suas funções, como também proteção contra eventuais ameaças internas e externas, de forma mais eficiente. A realidade atual destaca-se pelo compartilhamento quase instantâneo de informações, sem observar os limites de artificiais fronteiras físicas. A sofisticação e

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Apenas para exemplificar, oportuno consignar que, durante a elaboração do presente trabalho, ganhou destaque na mídia nacional a suspeita de que o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, acusado de comandar um esquema de corrupção, teria se utilizado de grampos ilegais para interceptar conversas telefônicas de deputados distritais de oposição. 2 Gonçalves (2009, p. 07-08), citando a clássica sistemática cunhada por Sherman Kent, a qual concebe a inteligência sob três facetas: como conhecimento (produto), organização ou atividade (processo), leciona que: “inteligência como produto, conhecimento produzido: trata-se do resultado do processo de produção do conhecimento e que tem como cliente o tomador de decisão em diferentes níveis. Assim, o relatório/documento produzido com base em um processo que usa metodologia de inteligência também é chamado de inteligência. Inteligência é, portanto, conhecimento produzido. Inteligência como organização: diz respeito às estruturas funcionais que têm como missão primordial a obtenção de informações e produção de conhecimento de inteligência. Em outras palavras, são as organizações que atuam na busca do dado negado, na produção de inteligência e na salvaguarda dessas informações, os serviços secretos. Inteligência como atividade ou processo: refere-se aos meios pelos quais certos tipos de informação são requeridos, reunidos (por meio de coleta ou busca), analisados e difundidos,e, ainda, os procedimentos para a obtenção de determinados dados, em especial aqueles protegidos, também chamados de dados negados. Esse processo segue metodologia própria, a metodologia de produção de conhecimento, ensinada nas escolas de inteligência por todo o globo.


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popularização da tecnologia3 tornam cada vez mais fácil o acesso aos mais variados dados sobre diversificados temas. Nesse sentido, é indiscutível que o responsável pelos rumos a serem seguidos por qualquer organização deve estar devidamente municiado com informações precisas, garantindo, assim, que as decisões estratégicas tomadas atendam, com maior eficácia, aos fins colimados pelo ente, sendo essa a função da atividade de inteligência, em seu sentido estrito. Igualmente necessária se faz a proteção a conhecimentos sensíveis, impedindo a sua disseminação e, por conseguinte, prejuízos à entidade que o produziu. A salvaguarda desse patrimônio imaterial constitui exatamente a tarefa da contrainteligência. Como corolário, tem-se que a atividade de inteligência, integrada por suas duas facetas, isto é, a atividade de inteligência stricto sensu e a contrainteligência, constitui ferramenta essencial na sociedade contemporânea. Todavia, é preciso evitar a tentação de práticas passadas. Modificar velhas concepções e romper com arcaicas tradições, afinando a atividade aos princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, é o único meio de se descortinarem os véus que a obscurecem, permitindo-lhe assumir seu indispensável papel nos tempos atuais.

2.1 Atividade de inteligência stricto sensu 2.1.1 Conceito Para o ordenamento jurídico nacional, inteligência, em sentido estrito, é a “atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.” O conceito acima transcrito, veiculado no art. 1º, § 2º da Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999, recebeu críticas4 por ser por demais genérico, dificultando a delimitação do âmbito de incidência da atividade e, por conseguinte, o seu controle.

3 Em outubro de 2009, a Anatel divulgou dados informando que, em setembro daquele ano, o Brasil ultrapassou a marca de 166,1 milhões de aparelhos celulares habilitados. Essa notícia, que tem como cenário o Brasil, reflete uma realidade mundial, ilustrando bem a idéia de disseminação e popularização da tecnologia. Os aparelhos de telefone celular, hoje, como se sabe, muito mais do que a clássica função de efetuar e receber chamadas, estão munidos de equipamentos de gravação de sons e imagens, não sendo de se estranhar que minutos após a ocorrência de determinados fatos, estes já estejam disponíveis para serem vistos por milhares de pessoas, em todo o mundo, nos sítios da internet. 4 Conferir a esse respeito: Almeida Neto (2009, p. 32).


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Diante das lacunas do conceito legal, necessário se faz o recurso aos ensinamentos da doutrina. Todavia, é importante que se diga que escapa aos objetivos do presente trabalho uma análise pormenorizada das divergências doutrinárias que cercam o conceito de atividade de inteligência.5 Para os fins propostos, é suficiente salientar que uma respeitável corrente defende a identificação da aludida atividade com o segredo. De acordo com essa visão, apenas quando necessária a obtenção e a análise de dados sigilosos, chamado de dado negado, é que se estaria realmente diante da atividade de inteligência. Nesse sentido, alinhando-se a doutrinadores como Abram Shulsky6 e Mark Lowenthal7, Gonçalves (2009, p. 11-12) sustenta que, “de fato, é essencial à atividade de inteligência o trabalho sob a égide do ‘segredo’. O manuseio do dado sigiloso, bem como as técnicas sigilosas para a obtenção do dado negado, são inerentes à atividade de inteligência.” Outra vertente, com a qual nos alinhamos, envergada por Jennifer Sims8 e Denilson Feitoza Pacheco9, entende que o segredo, embora comum, não é nota definidora da atividade. Nesse sentido, é importante mencionar os seguintes registros de Almeida Neto (2009, p. 23-24): O fato de a inteligência ter que trabalhar, não raro, com o segredo (seja no que diz respeito ao que se busca, seja no que tange ao que se pretende proteger) não justifica a limitação do seu conceito à coleta, apenas, de informação secreta. A atividade de inteligência não opera com dados obtidos a partir de fontes fechadas (indisponíveis sem o emprego de uma técnica operacional de busca), mas também, e em larga escala, com dados colhidos de fontes abertas (disponíveis sem a necessidade de emprego de técnicas operacionais de busca), os quais, aliás, são os mais abundantes.

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Para uma visão mais detalhada: Cepik, (2003). Segundo Antunes (2002, p. 19), Abram Shulsky “restringe a área de atuação da atividade de inteligência e a vincula à sua forma de organização, ao segredo e à competição entre os Estados.” 7 De acordo com Gonçalves (2009, p. 12), Mark Lowenthal, ao diferenciar informação e inteligência anota que “informação é gênero, e inteligência é espécie. Toda inteligência é informação, mas nem toda informação é inteligência. Demais disso, inteligência envolve, necessariamente, componentes sigilosos em sua produção, sendo obtida a partir de ‘dados negados’- no todo ou em parte.” 8 Antunes (2002, p. 18) anota em sua obra que “Em meio ao debate que surge na década de 1990, Jennifer Sims afirmou que a inteligência não estaria envolvida apenas com o segredo, e que quaisquer tipos de informações coletadas para o processo de decisão seriam considerados inteligência.” 9 Para Pacheco (2005, p. 972), “A pesquisa científica, as atividades e operações de inteligência, a investigação criminal e o processo penal buscam a verdade. A evolução de seus métodos, técnicas e instrumentos de busca da verdade, portanto, podem ser reconduzidos a um modelo único de comparação. Por exemplo, a técnica de pesquisa denominada observação (participante ou não), utilizada na pesquisa científica, é uma idéia básica que se denomina vigilância, na inteligência, e campana, na investigação criminal. As diferenças fundamentais são os critérios de aceitabilidade da verdade, objetivos, marcos teóricos e regras formais específicas de produção.” Ou seja, para o doutrinador, o traço característico da atividade de inteligência não é a lida com o “secreto”, mas, sim, o estabelecimento de uma metodologia de coleta, análise e produção de conhecimento que pode ser reconduzida ao modelo científico. 6


13 Muitas vezes, a coleta de dados disponíveis em fontes abertas (principalmente a partir da rede mundial de computadores) e a devida análise, condicionada aos princípios da oportunidade e da atualidade (frente a uma demanda de um decisor), mediante o método de produção do conhecimento de inteligência (com suas técnicas próprias), revela-se suficiente para produzir uma informação de absoluta relevância para a tomada de uma urgente decisão governamental sem que se possa afirmar que tal informação não seja um típico produto de tal atividade.

A atividade de inteligência seria identificada, sob essa ótica, pelo seu aspecto metodológico, caracterizando-se como procedimento técnico-especializado, orientado por princípios específicos10, em que dados, ostensivos ou sigilosos, são obtidos, analisados e transformados em conhecimento/inteligência, que será difundido ao decisor, para que sirva de lastro à tomada de decisões estratégicas. Traduzindo essa segunda corrente doutrinária, Almeida Neto (2009, p. 28) cunhou o seguinte conceito de atividade de inteligência: [...] atividade permanente e especializada de obtenção de dados, produção e difusão metódica de conhecimentos, a fim de assessorar um decisor na tomada de uma decisão, com o resguardo do sigilo, quando necessário para a preservação da própria utilidade da decisão, da incolumidade da instituição ou do grupo de pessoas a que serve.

Ao optar por uma conceituação genérica, parece que o legislador brasileiro não restringiu a atividade de inteligência àquelas hipóteses em que se faz presente o dado negado, sendo, assim, perfeitamente compatível com o conceito legal a ideia de que toda informação analisada de acordo com um método próprio, útil à tomada de decisões pertinentes à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado, seria concebida como atividade de inteligência.

10 Gonçalves (2009) enumera nove princípios norteadores da atividade de inteligência, consignando que os quatro primeiros são tidos como fundamentais. São eles: 1) Princípio da objetividade, segundo o qual todo conhecimento produzido e toda operação desencadeada deve ter caráter objetivo; 2) Princípio da oportunidade, o qual preconiza que as informações devem ser produzidas e difundidas dentro de prazo que possibilite sua completa e adequada utilização; 3) Princípio da segurança, que estatui que o planejamento, a produção e a difusão de inteligência devem ter o acesso limitado àqueles que tenham efetiva necessidade de conhecer; 4) Princípio da imparcialidade, em que se apregoa que o conhecimento de inteligência deve ser desvinculado das convicções pessoais do analista; 5) Princípio do controle relaciona-se com a supervisão e acompanhamento adequado das ações de inteligência, que deve ser realizado no plano interno, orgânico, e também externamente, por meio do Poder Legislativo; 6) Princípio da clareza, segundo o qual as informações devem ser claras a ponto de permitir imediata compreensão de seu significado; 7) Princípio da simplicidade apregoa que o produto da inteligência deve ser simples, de forma a conter apenas conhecimentos essenciais; 8) Princípio da amplitude, segundo o qual exige que a inteligência produzida seja tão completa quanto possível, de modo a conter conhecimentos amplos e exatos, obtidos de todas as fontes disponíveis; 9) Ética, exigindo-se que a atividade de inteligência seja pautada em preceitos éticos, respeitando as limitações impostas pelas normas constitucionais e legais, observando os fundamentos do Estado Democrático de Direito.


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2.1.2 O ciclo de inteligência De acordo com o que foi acima consignado, a atividade de inteligência pode ser entendida como um método de produção de conhecimento útil à tomada de decisões estratégicas. Trata-se, segundo Gonçalves (2009, p. 67), de “processo por meio do qual a informação é reunida, convertida em inteligência e disponibilizada aos consumidores – ou seja, aos tomadores de decisão.” Esse processo/método de transformação é conhecido como “ciclo de inteligência”. A identificação das fases que compõem esse ciclo não é feita de forma homogênea na doutrina. Apenas para ilustrar a variação, Cepik (2003, p. 70) aponta dez fases11, ao passo que, segundo Almeida Neto (2009, p. 52), Washington Platt identifica somente sete.12 Na verdade, a ausência de uniformidade na identificação das fases que integram o “ciclo de inteligência” não possui relevância para além de fins didáticos. O que realmente importa – e constitui consenso na doutrina – é o reconhecimento de que o conhecimento é obtido através de um processo. Nesse sentido, utilizando a acadêmica perspectiva de Pacheco (2006, p. 632), é possível consignar que o ciclo tem o seu início com a “identificação das necessidades informacionais do usuário final”, isto é, o tomador de decisão irá apresentar, por meio de uma ordem, uma demanda de conhecimento sobre determinado assunto. Um segundo passo será a realização de minucioso “planejamento da obtenção dos dados/informações requeridos”. Nesse momento, deverão ser definidos os aspectos essenciais a serem informados, os prazos que devem ser observados para que o conhecimento produzido seja útil ao usuário, a finalidade do conhecimento, bem como a forma13 de obtenção dos dados e os meios necessários para tanto. 11

Seriam elas: 1) Requerimentos informacionais; 2) Planejamento; 3) Gerenciamento dos meios técnicos de coleta; 4) Coleta a partir de fontes singulares; 5) Processamento; 6) Análise das informações obtidas de fontes diversas; 7) Produção de relatórios, informes e estudos; 8) Disseminação dos produtos; 9) Consumo pelos usuários e 10) Avaliação (feedback). 12 Conforme Almeida Neto (2009, p. 52-53), Washington Platt identifica as seguintes fases: 1) Levantamento Geral; 2) Definição de Termos; 3) Coleta de informes; 4) Interpretação dos informes; 5) Formulação de hipóteses; 6) Conclusões e 7) Apresentação. 13 De acordo com Gonçalves (2009, p. 77-90), os dados são obtidos por meio de fontes, que podem ser qualificadas quanto à sua confidencialidade, em fontes abertas - acessíveis ao público- e fontes classificadas; ou quanto à origem dos dados, sendo, nessa segunda hipótese, classificadas como fontes humanas e fontes técnicas. A fonte humana (denominada pelos anglo-saxões como humint) seria aquela proveniente de pessoas, sendo que as informações são extraídas de depoimentos, interrogatórios, denúncias e entrevistas com colaboradores e informantes. As fontes humanas podem ser oficiais/orgânicas (pertencente aos serviços de inteligência) ou não oficiais/não orgânicas (“agentes” estranhos aos quadros do serviço secreto, conscientes ou não de sua condição), podendo, ainda, serem catalogadas quanto ao seu grau de confiabilidade. As fontes técnicas (denominadas techint na doutrina dos Estados


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Feito isso, torna-se importante o gerenciamento dos meios técnicos de obtenção. Nesse sentido, caso os dados devam ser extraídos de fontes técnicas, deverá ser verificado se a tecnologia se encontra disponível, se está em perfeito estado de funcionamento, se não há empecilhos ou obstáculos à sua utilização no local visado, evitando-se surpresas e inconsistências. Encerrada essa análise, é chegada a hora da obtenção (coleta ou busca) dos dados/informações. Segundo diferenciação encontrada na doutrina brasileira, coleta constitui procedimento de obtenção de dados14 em fontes abertas, coincidindo, assim, com a pesquisa a informações que se encontram acessíveis ao público, na rede mundial de computadores, nos livros, nas revistas, nos documentos públicos entre outros. A busca15, em outra vertente, seria o procedimento utilizado para a obtenção de dadonegado, isto é, não acessível, que exigiria o emprego de técnicas operacionais16. Obtidos os dados, deverá ser realizado o seu processamento, por meio de organização, avaliação e armazenagem. O passo seguinte é a efetiva produção do conhecimento17, mediante a análise, interpretação e síntese dos dados. De acordo com Almeida Neto (2009, p. 53-54), Na fase de análise, como o próprio nome sugere, o analista verificará o valor dos dados/informações obtidos, decompondo-os, primeiro, em frações significativas (estruturas minimamente capazes de informar algo a respeito do que se pretende conhecer) e procedendo, em seguida, à sua avaliação com a aplicação da técnica de avaliação de dados (TAD). A TAD nada mais é que uma técnica capaz de viabilizar ao analista a classificação de sua avaliação (ou de sua “crítica de dados” como quer SHERMAN KENT) da fonte do dado/informação e do seu conteúdo. Ao julgar a fonte do dado, o analista atribuirá uma letra (geralmente de A a F), conforme o grau de idoneidade da mesma, o que se afere verificando sua autenticidade (se a fonte presumida é, de fato, a fonte de que provém o dado), sua confiança (qual o interesse da fonte em fornecer o dado, quem é a fonte, quais seus antecedentes, quais suas vulnerabilidades, qual a relação anterior com a unidade de inteligência e qual contribuição já deu) e sua competência (se a fonte tinha condições de perceber e transmitir os dados da forma como

Unidos) são aquelas provenientes da tecnologia. A fonte técnica é subdividida em categorias na doutrina estrangeira, com destaque para a inteligência de sinais (sigint), coincidente com a interceptação de ondas eletromagnéticas. Podem ser citadas, a titulo de exemplo, a inteligência de imagens (imagery) ou fotográficas (photint), proveniente de fotografias e interpretação de imagens, a inteligência de comunicações (communication intelligence - comint), inteligência eletrônica (eletronics intelligence – elint), telemétrica (telemetry intelligence - telint). 14 Dado é a informação não submetida à análise, síntese e interpretação 15 A busca pode ser exploratória ou sistemática. A primeira visa colher, em curto lapso de tempo, dados sigilosos necessários à produção de um conhecimento sobre um fenômeno específico e devidamente delimitado no tempo. A busca sistemática, ao revés, tem por escopo a produção de conhecimento contínuo e prolongado sobre um fenômeno complexo, que demanda acompanhamento permanente, tornando-se necessária a elaboração de operações devidamente concertadas. 16 Técnicas operacionais seriam ações planejadas para a obtenção de dados não ostensivos. Alguns exemplos de técnicas operacionais seriam a estória-cobertura (EC), a observação, memorização e descrição (OMD), a entrada, a vigilância, o recrutamento operacional e a interceptação de comunicações. 17 O conhecimento, por fim, são os dados e informações devidamente analisados.


16 foi feita, quais as condições em que o dado foi obtido). Ao julgar o conteúdo, por sua vez, o analista atribuirá um número (geralmente de 1 a 6) conforme o grau de veracidade (e confiabilidade) do conteúdo, o que se afere verificando a sua semelhança (se existe um dado oriundo de outra fonte com conteúdo semelhante), a sua coerência (se o dado contém contradições, internas, em seu próprio conteúdo) e sua compatibilidade (se o dado se harmoniza com o que se sabe sobre o fato; ou seja, se o dado está conforme o seu contexto e o que se sabe sobre ele).

Após o exame das frações significativas, deverá o analista integrá-las e analisá-las de forma holística, em seu conjunto, extraindo as conclusões sobre o tema pesquisado, produzindo, assim, o conhecimento demandado, que também é chamado de inteligência. O conhecimento/inteligência deverá, então, ser difundido ao tomador de decisões, encerrando-se o “ciclo da inteligência” com o uso do conhecimento e com a avaliação do ciclo.

2.2 Contrainteligência 2.2.1 Conceito Ao definir o segundo segmento da atividade de inteligência, considerada a sua acepção ampla, o art. 1º, § 3º da Lei nº 9.883/1999 consignou que “entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa.” O conceito, por demais indefinido, foi mais bem lapidado no art. 3º do Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002. De acordo com esse dispositivo legal: Entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a inteligência adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem.

Compete,

portanto,

à

contrainteligência

proteger

conhecimentos

estratégicos, bem como pessoas e instalações, de modo a impedir a captação de saber sensível. Nas palavras de Gonçalves (2009, p. 62), “A contrainteligência tem por objetivo, portanto, tornar tão difícil quanto possível as ações adversas, tomando medidas de segurança que impeçam o acesso a tudo que se deseja manter sob sigilo e protegendo pessoas e instalações.” Para cumprir tal desiderato, no que se apresenta como a pedra de toque com a atividade de inteligência em sentido estrito, a contrainteligência precisa, constantemente, produzir conhecimento, não apenas sobre o inimigo, mas também sobre


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a própria entidade a serviço de quem está a atividade. Nesse sentido, cabe ressaltar o registro de Almeida Neto (2009, p. 57): A contra-inteligência, constantemente, precisa produzir conhecimentos a respeito não apenas da inteligência adversa, mas também em torno das próprias vulnerabilidades da organização, tarefa essa que acaba implicando a necessidade de um completo conhecimento desta e uma permanente busca (em sentido lato) de conhecimento sobre as potencialidades lesivas que vão sendo disponibilizadas no mercado diariamente.

Diferenciando, todavia, as duas atividades, Cepik (2003, p. 56) consigna, [...] enquanto a inteligência procura conhecer o que os comandantes e governantes que a dirigem necessitam saber sobre as ameaças e problemas relativos à segurança do Estado e dos cidadãos, a contra-inteligência procura proteger as informações que, uma vez obtidas por um adversário ou inimigo, poderiam tornar vulneráveis e inseguros o Estado e os cidadãos.

A tarefa de proteção de conhecimentos sensíveis, tradicionalmente, se subdivide em segurança ativa e segurança orgânica. A primeira seria identificada com ações destinadas a prevenir e obstruir ameaças, internas ou externas, ao ente. Competiria, portanto, à segurança ativa detectar vazamento de informações, sabotagens, atividade de espiões e, em contrapartida, adotar medidas de reação, como a contrapropaganda, contrassabotagem, contraespionagem, contraterrorismo, entre outras. Sob essa perspectiva, a contrainteligência possui uma postura ativa. De outro lado, a salvaguarda ao patrimônio imaterial (conhecimento sensível) exige intensificada proteção também ao material humano e patrimonial da organização. À segurança orgânica incumbiria, assim, medidas de natureza propriamente defensiva, competindo-lhe a identificação, avaliação e combate às vulnerabilidades internas, seja no que diz respeito às pessoas vinculadas ao órgão, seja em relação à segurança das áreas, instalações e materiais da organização, impedindo, por conseguinte, acesso aos conhecimentos sensíveis da entidade.

2.3 A atividade de inteligência no Brasil A atividade de inteligência no Brasil, inicialmente chamada de “atividade de informações”, apenas passou a ser uma preocupação governamental no início do século XX. Antes, como destacado em artigo da lavra de Chiroli e Araújo (2009, p. 60), “mesmo vivendo sufocado por revoltas desde a sua descoberta, o país pouco desenvolveu no que tange à criação de órgãos que se baseassem na prevenção, contra espionagem ou influências que colocassem em risco a soberania do país.”


18

Em 20 de novembro de 1927, durante o governo de Washington Luís, por meio do Decreto 17.999, foi criado o Conselho de Defesa Nacional (CDN), com a missão de produzir e analisar informações relativas à proteção do Estado. Nas palavras de Figueiredo (2005, p. 13), o referido órgão “estava longe de ser um serviço secreto, mas foi seu embrião.” Durante a “Era Vargas”18, por meio do Decreto 23.873, de 15 de fevereiro de 1934, o governo modificou a organização do CDN, instituindo a Comissão de Estudos de Defesa Nacional, a Secretaria Geral da Defesa Nacional e as Seções de Defesa Nacional, revelando preocupação em produzir conhecimentos que garantissem a defesa do estado19. Com a promulgação da Constituição de 1934, o CDN passou a chamar-se Conselho Superior de Defesa Nacional. Dentro do contexto internacional da incipiente Guerra Fria, o então generalpresidente Eurico Gaspar Dutra criou, pelo Decreto-Lei nº 9.975, de 06 de setembro de 1946, o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI), o qual possuía a função de coordenar as atividades dos demais órgãos de inteligência existentes no país. Embora de modo ainda rudimentar, o SFICI realizou importantes avanços, iniciando o estabelecimento de padrões terminológicos e procedimentais, com a edição do Glossário de Informações, em janeiro de 1960, e com o lançamento do manual Noções sobre operações clandestinas, em abril daquele mesmo ano, além da organização de substancioso arquivo de informações. O SFICI perdurou nos governos de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), Juscelino Kubitschek (1956-1961), Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Entretanto, não sobreviveu ao regime militar que acabara de se instalar no país. A Lei nº 4.341, de 13 de junho de 1964, criou o Serviço Nacional de Informação – SNI, cuja finalidade, nos abrangentes termos do art. 2º do referido diploma legal, era a de superintender e coordenar, em todo o território nacional, as atividades de informação e contrainformação, em particular as que interessassem à Segurança Nacional. 18

De acordo com a enciclopédia livre Wikipédia, a “Era Vargas é o nome que se dá ao período em que Getúlio Vargas governou o país por 15 anos, ininterruptos (de 1930 a 1945). Essa época foi um divisor de águas na história brasileira, por causa das inúmeras alterações que Vargas fez no país, tanto sociais quanto econômicas.” Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_Vargas. Acesso em 13 jan. 2010. 19 Em 1930, Getúlio Vargas assumiu o governo, como líder incontestável da Revolução, gozando de poderes extraordinários. Lentamente, Vargas cuidou de reforçar o seu poder pessoal, exercendo atribuições inerentes ao executivo e legislativo, dissolvendo o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, sendo que o incremento do serviço secreto, na realidade, tinha muito mais a função de defesa do regime instalado do que propriamente a defesa da nação. Entretanto, o CDN e, posteriormente, o Conselho Superior de Defesa Nacional, não possuía eficácia prática, razão pela qual, segundo Figueiredo (2005, p. 42), “Getúlio converteu a Polícia do Distrito Federal (comandada pelo protofacista Filinto Müller) e o Ministério da Guerra, dirigido por Eurico Gaspar Dutra, em verdadeiros serviços secretos clandestinos.”


19

Sobre a atuação do SNI, Antunes (2002, p. 85) registra: O SNI interceptava correspondências, roubava documentos, fazia escuta telefônica e acompanhava a vida das pessoas, tanto dos adversários políticos e suspeitos de subversão, como de integrantes da equipe governamental. Infiltrava pessoas tanto nas organizações clandestinas quanto nos organismos legalizados de oposição ao regime. O SNI inseriu agentes nos setores políticos de oposição, como era o caso do MDB e nos movimentos sindicais e estudantis.

O SNI, embora estivesse no centro do sistema, desempenhando a função de coordenação, não foi o único órgão de informações responsável pela repressão aos dissidentes nos chamados anos de chumbo. Como leciona Antunes (2002, p. 83-84) A partir do final da década de 1960 a comunidade de informações se tornou uma complexa rede, que tinha como principal função acompanhar os vários campos da ação governamental. Na realidade, esta “rede” acabou por se inserir de forma institucionalizada nos vários níveis da nossa organização social. Atrás da justificativa de que a conjuntura social do país exigia uma entidade capaz de manter a ordem na sociedade, as Forças Armadas se inseriram no combate à subversão e na “preservação da lei e da ordem.” Passaram não só “a controlar a oposição armada, mas também a controlar a própria sociedade.”

Realça-se, assim, a intensa atuação dos serviços de informações da Marinha, o CENIMAR, do Exercito, o CIE, e da Aeronáutica, o CISA, na manutenção do regime militar, tornando-se oportuno transcrever o seguinte registro feito por Antunes (2002, p. 84) Apesar de criados como órgãos de informações, os serviços de informações, principalmente o CISA e o CIE foram estabelecidos como órgãos responsáveis pela segurança do país e pela preservação da ordem. A comunidade de informações atuou de forma bastante independente no período de maior fechamento do regime militar, extrapolando as funções de um intelligence service e desenvolvendo um grande setor policial/operacional. Como reconhecem alguns militares “um setor que cresceu muito mais do que o necessário.”

Em 04 de julho de 1990, sob o pretexto de adequar o serviço secreto ao Estado Democrático de Direito, o então Presidente da República Fernando Collor de Melo extinguiu o SNI, reduzindo a atividade de “informações”, daquele instante em diante denominada “inteligência”, ao Departamento de Inteligência (DI), subordinado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Os órgãos de informações das Forças Armadas tiveram que se reorganizar, redirecionando suas atividades para a área de inteligência militar, abandonando, assim, as atuações políticas. Iniciou-se, naquela data, o momento da história nacional de maior ostracismo que a atividade conheceu desde a criação do CDN, em 1927, o qual perdurou até a promulgação da Lei nº 9.883, em 07 de dezembro de 1999.


20

A aludida Lei nº 9.883/1999 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN – e criou formalmente a Agência Brasileira de Inteligência- ABIN. Àquele, a nova legislação delegou a função de planejamento e execução das atividades de inteligência do país, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional, desempenhando, assim, a chamada inteligência “clássica” ou de “estado”.20 A ABIN foi concebida como órgão central do SISBIN, estando subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.21 Entre os decretos22 que regulamentaram a Lei nº 9.883/1999, o de nº 3.695/2000 criou o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública/SISP no âmbito do SISBIN, possuindo como órgão central a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), vinculada ao Ministério da Justiça. Além da SENASP e do Ministério da Justiça, compõem o SISP os Ministérios da Fazenda, da Defesa e da Integração Nacional, além do Gabinete de Segurança Institucional do Presidente da República, podendo, também, os órgãos de inteligência de segurança pública dos estados e do distrito federal integrar o subsistema de inteligência ora tratado.

20

Art. 1º da Lei n º9.883/1999. Art. 3º da Lei nº 9.883/1999. 22 Decreto nº 3.448, de 07 de maio de 2000; Decreto nº 3.493, de 29 de maio de 2000; Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000, Decreto nº 4.376, de 15 de setembro de 2002 e Decreto nº 6.408, de 24 de março de 2008. 21


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3 A SEGURANÇA PÚBLICA 3.1 Natureza jurídica e função A leitura do art. 5º, caput23da Constituição da República revela que a segurança, em sua acepção ampla, foi inscrita como direito fundamental do cidadão, traduzindo-se, assim, como direito subjetivo, indisponível e inalienável, revestido de especial proteção do ordenamento jurídico nacional. Uma das vertentes do aludido direito fundamental pode ser traduzida como o direito de cada indivíduo à sua própria incolumidade e de seus bens, além da existência em uma sociedade pacífica. Trata-se do chamado direito à segurança pública, sendo que o último aspecto invocado, isto é, direito a uma existência pacífica, denota a transcendência do caráter individual para uma acepção universal. Os direitos fundamentais têm como característica a historicidade, o que significa dizer que não surgiram simultaneamente, sendo consagrados de acordo com as demandas existentes em uma determinada época. Por essa razão, a doutrina costuma dividi-los em dimensões (gerações), que tem como referência o período de sua positivação nas diversas constituições. O lema da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – prenunciou o conteúdo e a sequência histórica das primeiras gerações de direitos. Assim, os direitos fundamentais de primeira dimensão, relacionados ao valor liberdade, coincidiam com os direitos civis e políticos. Conhecidos como direitos de defesa, opunham-se precipuamente ao Estado, exigindo deste um dever de abstenção, de molde a impedir a ingerência na autonomia dos indivíduos. A segunda geração de direitos fundamentais está vinculada aos direitos prestacionais, com o intuito de concretizar o valor igualdade. Desse modo, criou-se a consciência de que as desigualdades existentes no plano fático deveriam ser combatidas com prestações positivas do Estado, que garantiriam a implementação dos direitos sociais, econômicos e culturais. A terceira dimensão de direitos fundamentais se encontra vinculada à fraternidade, coincidindo com a proteção do próprio gênero humano. De acordo com Bonavides (2009, p. 569), “Emergiram eles da reflexão sobre temas referente ao 23 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.


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desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” Os direitos de quarta dimensão seriam aqueles introduzidos pela globalização política neoliberal na esfera da normatividade jurídica, como o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Por fim, os direitos de quinta dimensão seriam, na perspectiva de Bonavides, capitaneados pelo direito à paz. Nas palavras do citado constitucionalista (2009, p. 590); Com efeito, em nosso tempo a alforria espiritual, moral e social dos povos, da civilizações e das culturas se abraça com a idéia de concórdia. Essa idéia cativa a alma contemporânea, porque traz, consoante é mister, do ponto de vista juspolítico, uma ética que tem probabilidade de governar o futuro, nortear o comportamento da classe dirigente, legitimar-lhe os atos e relações de poder. Tal elemento de concórdia, aliás, vai deveras além da presente direção, propelido da necessidade de criar e promulgar aquele novo direito fundamental: direito à paz enquanto direito de quinta geração. Estuário de aspirações coletivas de muitos séculos, a paz é corolário de todas as justificações em que a razão humana, sob o pálio da lei e da justiça, fundamenta o ato de reger a sociedade, de modo a punir o terrorista, julgar o criminoso de guerra, encarcerar o torturador, manter invioláveis as bases do pacto social, estabelecer e conservar, por intangíveis, as regras, princípios e cláusulas da comunhão política. O direito à paz é o direito natural dos povos. Direito que esteve em estado de natureza no contratualismo social de Rosseau ou que ficou implícito como um dogma na paz perpétua de Kant. Direito ora impetrado na qualidade de direito universal do ser humano.

O direito fundamental à paz, embora não esteja restrito a esse aspecto, se encontra intimamente vinculado à ausência de lutas, violências ou perturbações sociais, traduzida na ideia de tranquilidade pública e, consequentemente, na ausência de delitos. Uma realidade, contudo, não pode ser ignorada: o crime24 é um fato ordinário, sendo utópica qualquer política voltada ao seu extermínio. Nessa medida, se não é possível 24

Sem adentrar no debate que cerca o conceito analítico de crime e tomando como referência aquele predominante na doutrina brasileira, tem-se que o delito pode ser definido como fato típico, ilícito e culpável. Para não fugir aos limites desse trabalho, fato típico, em sua acepção formal, é aquele previamente definido em lei como infração penal. Ilícito é o fato que contraia o ordenamento jurídico sem o amparo de causa excludente de antijuridicidade, que pode ser legal, isto é, estado de necessidade, legítima defesa e o estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito (art. 23 do Código Penal), ou supralegal, como o consentimento do ofendido. Por fim, culpável é o fato praticado por agente imputável (maior de 18 anos), que detenha a potencial consciência da ilicitude, sendo capaz de se autodeterminar de acordo com esse entendimento.


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erradicar a criminalidade, plausível e necessário controlá-la razoavelmente, constituindo essa exatamente a função da segurança pública. Na lição de Silva (2009, p. 777-778) Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes. Convivência pacífica não significa isenta de divergências, de debates, de controvérsias e até de certas rusgas interpessoais. Ela deixa de ser tal quando discussões, divergências, rusgas e outras contendas ameaçam chegar às vias de fato com iminência de desforço pessoal, de violência e do crime.” A segurança pública consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos limites de gozo e reivindicação de seus próprios direitos e defesa de seus legítimos interesses. Na sua dinâmica, é uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas.

À segurança pública que, na dicção do art. 144 da Constituição Federal, constitui dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, incumbe mais do que preservar, individualmente, a incolumidade física e o patrimônio dos cidadãos. Constitui sua tarefa a eficiente manutenção ou restauração da ordem pública, sendo esta vislumbrada sob o mais moderno enfoque constitucional como corolário do direito à paz. Oportuno lembrar que a ideia de desempenho eficiente não se confunde com um conceito fluído ou indeterminado. Ao contrário, a atuação eficiente do poder público decorre de imposição de norma jurídica, identificada com o princípio da eficiência, expressamente previsto no art. 37 do Texto Constitucional. Assim, constitui dever do Estado perseguir, de forma legal, neutra e ética, o melhor resultado possível, que deverá ser alcançado com o mais racional dispêndio de recursos públicos. Segundo registra Moraes (2005, p. 300) em sua obra: [...] princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência, dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação de serviços sociais essenciais à população, visando à adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum.

Sob essa ótica, os órgãos incumbidos de promoverem a segurança pública devem buscar todos os instrumentos legais e moralmente legítimos para o eficaz desempenho de sua função. Como consequência, devem eles se abster de uma atuação


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amadora e isolada, investindo na produção e compartilhamento de conhecimentos que permitam antever e, também, reprimir ações delituosas. Dentro desse contexto, a atividade de inteligência desponta como poderosa ferramenta de concretização de direitos fundamentais.

3.2 A atividade de inteligência de segurança pública Conforme já exposto, a atividade de inteligência, em seu sentido estrito, tem a finalidade de produzir inteligência, sendo esta entendida como conhecimento útil para assessorar a tomada de uma decisão estratégica. Certo é que tal atividade, da forma como hoje é conhecida, teve o seu berço com a chamada inteligência clássica ou inteligência de Estado, destinada a orientar os governantes na tomada de decisões políticas e militares25. Entretanto, com o passar dos tempos, essa atividade conheceu a diversificação de suas funções, expandindo seus horizontes para outros setores, inclusive, fora dos contornos estatais. Como bem observa Gonçalves (2009, p. 21), O escopo da atividade de inteligência diz respeito à obtenção e análise de informações que venham a subsidiar o processo decisório de diferentes níveis de atividades. Daí que praticamente tudo pode ser objeto da análise de informações: questões de política externa, assuntos internos, problemas estratégicos contemporâneos, temas fiscais, segurança pública, produção industrial agrícola, meio ambiente, epidemias e saúde pública, política energética.

Importante, para os fins desse trabalho, destacar a chamada inteligência de segurança pública, cuja conceituação foi elaborada pela Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP (Brasil, 2007), nos seguintes termos: A atividade de Inteligência de Segurança Pública (ISP) é o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para prever, prevenir e reprimir atos delituosos de qualquer natureza ou relativos a outros temas de interesse da Segurança Pública e da Defesa Social.

Lapidando a definição, Melo (2009) concluiu que: 25

Almeida Neto (2009, p. 28) destaca que a atividade de inteligência clássica institucionalizada teve a sua origem com a formação dos Estados Modernos, porém, registros bíblicos já demonstravam que, milhares de anos antes, já se fazia presente a clara noção de que a coleta e análise de dados sobre determinado alvo seria essencial à tomada de decisões. Nesse sentido, citando GELIO FREGAPANI, o doutrinador consignou o seguinte excerto bíblico, usualmente invocado para demonstrar a remotas origens da atividade “...falou o Senhor a Moisés, dizendo: `envia homens que espiem a terra de Canaã, que Eu hei de dar aos filhos de Israel`. Enviou-os pois Moisés a espiar a terra de Canaã; e disse-lhes: `subi por aqui para a banda sul, e subi a montanha; e vede que a terra é, e o povo que nela habita; se é boa ou má e como são suas cidades, se arraias ou fortalezas`. Retornando da missão, as pessoas dela incumbidas passaram a relatar os dados obtidos: E contaram e disseram: `fomos à terra que nos enviastes; e verdadeiramente mana leite e mel, e este é o fruto. O povo porém que habita a terra é poderoso e as cidades fortes e mui grandes. Vimos ali os filhos de Enaque.`” Na mesma esteira, Figueiredo (2005, p. 167) anota em sua obra que cursos ministrados na Escola Superior de Guerra (ESG), nos idos de 1967, insinuavam que “até Noé utilizara técnicas de espionagem durante o Dilúvio: Noé enviou uma pomba ‘para ver se as águas haviam se retirado da face da terra.’”


25 A atividade de Inteligência de Segurança Pública consiste no exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para prever, prevenir e reprimir quaisquer delitos ou aqueles relativos a temas de interesse da Segurança Pública, numa atitude proativa e não somente reativa. Ela é constituída como um serviço à causa pública, submetida aos princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade, da eficiência e da legalidade, em especial, tendo em vista a observância da ética, dos direitos e garantias individuais e sociais e do Estado Democrático.

É preciso, nesse momento, consignar que a atividade de inteligência de segurança pública não tem como função precípua a produção de provas da materialidade e autoria de crimes. Essa missão compete à investigação criminal. Todavia, é possível, conforme lição de Pacheco (2005a), [...] adaptar e aplicar à investigação criminal, com resultados bastante significativos, vários conhecimentos consolidados da “investigação” de inteligência (operações de inteligência) e da investigação científica (pesquisa científica). A segurança pública teria resultados muito mais efetivos se os atores jurídicos envolvidos de uma forma ou de outra com a investigação criminal, como policiais e promotores de Justiça, substituíssem parte considerável de suas cargas horárias destinadas à dogmática jurídica por disciplinas como metodologia da pesquisa para ciências humanas ou sociais, métodos quantitativos para ciências humanas, métodos de pesquisa para “Justiça Criminal e Criminologia” e atividades de inteligência (análise, contrainteligência e operações de inteligência).

Assim, seja na clássica perspectiva de produção de conhecimento para assessorar decisões estratégicas que permitam ao poder público garantir a paz social, seja emprestando a sua metodologia para a investigação criminal, a atividade de inteligência constitui importante ferramenta para que o estado se desincumba, com eficiência, de sua missão de garantir a ordem pública. Em outras palavras: o emprego da atividade de inteligência auxiliará o Estado a se aproximar do objetivo de garantir a segurança pública. Concebido o conceito de eficácia como a relação entre as metas pretendidas e os resultados alcançados, possível é concluir que a utilização da atividade viabilizará uma atuação estatal mais eficaz. Mas não é só. A ação do poder público, mais do que eficaz, será eficiente. Isso porque, a atividade de inteligência, além de instrumentalizar a obtenção do resultado ideal, orientará sobre o modo mais racional de utilização dos recursos públicos disponíveis. Em sintonia com o exposto, Almeida Neto (2009, p. 85) concluiu: Ao se voltar para a produção de conhecimentos externos e internos à instituição, pertinentes à esfera de decisões que se procurar assessorar, a


26 inteligência fornecerá elementos suficientes para que o decisor possa cumprir com eficiência o seu mister, pois poderá realizar a ‘síntese equilibrada dos interesses públicos’ (com os conhecimentos que detiver a respeito das atividades de outros órgãos e entidades) e conseguir a ‘otimização da relação meio-fim’ (na medida em que conhecerá os recursos disponíveis de sua organização e já terá por norte objetivos estratégicos metodicamente traçados num determinado contexto normativo). Assim, ao possibilitar esse melhor sopesar dos interesses envolvidos e essa maior articulação dos meios disponíveis, a inteligência incrementa o cumprimento do princípio da eficiência, uma vez que reforça o núcleo da idéia de eficácia e eficiência em sentido estrito, respectivamente.

Não obstante, essencial se faz o registro de que o manejo da atividade de inteligência no âmbito da segurança pública não é livre de controvérsias, sendo, ao revés, permeado delas. A manutenção da paz social não pode ser obtida a qualquer custo, devendo a atividade de inteligência sujeitar-se aos princípios e regras postos no ordenamento jurídico, especialmente no que diz respeito aos direitos e as garantias fundamentais. Desse modo, a fim de garantir o direito fundamental à segurança, que exige prestações positivas por parte do Estado (direito de segunda geração), o poder público não pode praticar ações que violem, desproporcionalmente, outros direitos fundamentais, impondo-se, assim, ao ente estatal abstenções, em respeito aos conhecidos direitos de defesa (de primeira dimensão). Há, portanto, que se buscar um equilíbrio, de modo que a utilização da atividade de inteligência no campo da segurança pública ocorra de forma legítima. Sobre o conceito de legitimidade, Bobbio e col. (1909) enfatizam: Na linguagem comum, o termo legitimidade possui dois significados: um genérico e um específico. No seu significado genérico, legitimidade tem, aproximadamente o sentido de justiça ou racionalidade (fala-se na legitimidade de uma decisão, de uma atitude, etc.). É na linguagem política que aparece o significado específico. Nesse contexto, o Estado é o ente a que mais se refere o conceito de legitimidade. O que nos interessa, aqui, é a preocupação com o significado específico. Num primeiro enfoque aproximado, podemos definir legitimidade como sendo um atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos. É por essa razão que todo poder busca alcançar consenso, de maneira que seja reconhecido como legítimo, transformando a obediência em adesão. A crença na legitimidade é, pois, o elemento integrador na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado.

O consenso acerca da legitimidade da atividade de inteligência de segurança pública poderá ser alcançado com a submissão desta ao arcabouço de normas que compõem os princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito, consoante,


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inclusive, expressa determinação contida no art. 1º, § 1º da Lei nº 9.883/1999.26 Somente assim será a atividade de inteligência reconhecida como legítimo instrumento de concretização de direitos fundamentais, posto em favor da sociedade.

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Art. 1º. §1º O Sistema Brasileiro de Inteligência tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, as convenções, acordos e ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária.


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4 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Conforme já salientado, a manutenção da paz social, nos dias de hoje, não dispensa o debate sobre o necessário enfrentamento às organizações criminosas. Mas, afinal de contas, em que consistiriam essas organizações?

4.1 Conceito O legislador pátrio, em trivial omissão e falta de técnica, absteve-se de definir o conceito legal de organizações criminosas, corriqueiramente denominadas, especialmente pelos veículos de comunicação, como “crime organizado”. De fato, em 03 de maio de 1995, entrou em vigor a Lei nº 9.034 que, alterada pela Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, previu em seu art. 1º: Art. 1º. Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

A definição de quadrilha ou bando se encontra inscrita no art. 28827 do Código Penal. As associações criminosas, a seu turno, foram conceituadas em leis especiais, como a Lei nº 11.34328, de 24 de agosto de 2006 e a Lei nº 2.88929, de 02 de outubro de 1956. As organizações criminosas, todavia, não receberam o mesmo tratamento legislativo, não faltando vozes que professassem a inaplicabilidade da Lei nº 9.034/1995 nessas hipóteses. Tentando estabelecer padrões mínimos que permitissem uma definição, alguns doutrinadores passaram a se dedicar ao estudo empírico de organizações criminosas conhecidas, identificando os pontos de interseção existentes entre elas e partindo de pressupostos extraídos do crime de quadrilha ou bando, como o número mínimo de participantes e necessidade de estabilidade. Todavia, em 30 de maio de 2003, pelo Decreto Legislativo nº 231, o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, tendo o seu texto sido promulgado em 12 de

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Art. 288- Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Pena: reclusão de um a três anos. Parágrafo único: a pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. 28 O art. 35 da Lei Antidrogas assim prescreve os contornos da associação criminosa: “Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos no art. 33, caput e §1º, e 34 desta Lei. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1200 (mil e duzentos) dias-multa. 29 O art. 2º da Lei contra a prática de genocídios define: “Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para a prática dos crimes mencionados no artigo anterior. Pena: metade da cominada aos crimes ali previstos.


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março de 2004, por meio do Decreto nº 5.015. Este último, em seu artigo 2º, a conceituou "Grupo criminoso organizado" como: grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

A partir de então, tornou-se possível desvincular a definição de organização criminosa do conceito de quadrilha ou bando, outorgando-lhe contornos próprios, nos moldes expostos no tratado assinado e ratificado pelo Brasil, que, ao ser promulgado, foi recepcionado pelo ordenamento jurídico interno com o status de lei ordinária. A integração da Lei nº 9.034/1995 pelo Decreto nº 5.015/2004, com a identificação do conceito de organizações criminosas como “grupo criminoso organizado” vem encontrando aceitação na doutrina30. Gomes (2009, p. 165) anota que, [...] encerrando os debates no sentido de que a Lei n. 9.034/95 seria um corpo legislativo sem alma (pela ausência de definição legal de “crime organizado”), a Convenção de Palermo (Decreto n.5015/2004) preceitua a definição de grupo criminoso organizado e criminaliza, de forma mandatária para todos os 147 países que a subscreveram e a ratificaram, a participação individual ou coletiva nessa manifestação delitiva. [...] O direito internacional pôs fim a entendimentos doutrinários internos colidentes não apenas porque complementa a Lei n. 9.034/95 ao estabelecer a definição de crime organizado, mas porque encerra debates antes incessantes que procuravam “demonizar” e desacreditar a real existência de organizações criminosas.”

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Há, todavia, segmento doutrinário que resiste à utilização do conceito de “grupo criminoso organizado” veiculado na Convenção de Palermo. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes defende que “os tratados e convenções configuram fontes diretas (imediatas) do Direito internacional penal (relações do indivíduo com o ius puniendi internacional, que pertence a organismos internacionais – TPI, v.g.), mas jamais podem servir de base normativa para o Direito penal interno (que cuida das relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro), porque o parlamento brasileiro, neste caso, só tem o poder de referendar (não o de criar a norma). A dimensão democrática do princípio da legalidade em matéria penal incriminatória exige que o parlamento brasileiro discuta e crie a norma. Isso não é a mesma coisa que referendar. Referendar não é criar ex novo.” In. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12957. Acesso em 10 fev. 2010. O entendimento manifestado se apóia em frágil sustentação, que não resiste à mais superficial análise. O argumento de que não houve discussão do Poder Legislativo sobre a norma, além de falacioso, se apresenta como excessivamente formalista. O Parlamento, de fato, não elaborou as normas da Convenção de Palermo, mas, sobre elas debateu, decidindo referendar a Convenção por meio de decreto-legislativo nº 231/2003, permitindo, com tal atuação, a incorporação no ordenamento jurídico de matéria inovadora, que, apesar de promulgada por decreto presidencial, recebeu status jurídico de lei ordinária, assim devendo ser tratada. A recepção de tratados internacionais como lei ordinária, a exceção daqueles que versem sobre direitos humanos e que sejam aprovados em cada casa do Congresso Nacional por três quintos dos votos, os quais são recepcionados como emendas constitucionais (art. 5º, § 3º da CF/88), constitui questão pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, não havendo como negá-la, tampouco é legítimo dizer que sua eficácia se encontra restrita apenas às relações dos indivíduos com o ius puniendi de organismos internacionais. A norma jurídica foi incorporada ao ordenamento brasileiro, sendo, por conseguinte, aqui aplicável.


30

A jurisprudência dos tribunais superiores também vem acolhendo a definição veiculada no Decreto nº 5.015/2004. De fato, o Supremo Tribunal Federal, em 27 de agosto de 2007, recebeu denúncia que imputava aos supostos envolvidos no esquema criminoso conhecido como “mensalão”, dentre outras condutas criminosas, a tipificada no art. 1º, inciso VII da Lei nº 9.613, de 20 de fevereiro de 1998, que exige que a sua prática tenha sido realizada por organização criminosa. Na mesma esteira, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, conforme pode ser visto da seguinte ementa: HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL. 1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas fraudes – mormente estelionatos –, desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas, algumas por meio de“testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes. 2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente. 3. O recebimento da denúncia, que se traduz em mera admissibilidade da acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade, mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos todos seus pressupostos legais. 4. Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível, tampouco viável dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração cabal de provas contundentes pela acusação. Esse grau de certeza é reservado para a prolação do juízo de mérito. Este sim deve estar calcado em bases sólidas, para eventual condenação. 5. Mostra-se, portanto, prematuro e temerário o acolhimento do pedido da defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando do Estado, de antemão, o direito e, sobretudo, o dever de investigar e processar, quando há elementos mínimos necessários para a persecução criminal.


31 6. Ordem denegada.31

Ainda, Gomes (2009, p. 228) anota que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ expediu a Recomendação nº 03, de 30/05/2006, sugerindo a especialização de varas judiciais para o julgamento de crimes cometidos por organizações criminosas, salientando que estas deveriam ser definidas de acordo com a conceituação de “grupo criminoso organizado” veiculada na Convenção de Palermo. Assim, apesar da omissão legislativa, parece plausível conceber a organização criminosa de acordo com o conceito de “grupo criminoso estruturado”, devidamente posto na Convenção de Palermo.

4.2 Breve histórico A prática de crimes se confunde com a própria história da humanidade. Todavia, ao longo dos anos, as características dos delitos foram se modificando e evoluindo de acordo com o contexto histórico, social, econômico e político vigente. Crimes outrora cometidos essencialmente por agente único, em espaço territorial delimitado, passaram, não raras às vezes, a serem perpetrados por grupos de pessoas, devidamente estruturados, objetivando o lucro. Trata-se da chamada criminalidade organizada. No Brasil, a mudança no perfil da criminalidade não é novidade. Pereira André (2008, p. 2304) lembra que quando “vigorara primeiro o Código Penal de 1890 e depois a Consolidação das Leis Penais de 1932, iniciavam-se os já preocupantes furtos de automóveis, perpetrados por grupos de criminosos” No final do século XIX e primeira metade do século XX, o cangaço já se apresentava como embrião da criminalidade organizada. Algumas das características hoje apontadas como configuradoras do crime organizado ali já se faziam presentes. Os integrantes de aludido movimento, chefiados pelo lendário Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como “Lampião”, organizavam-se de modo hierárquico e praticavam atividades ilícitas, como saques, sequestros e extorsões, gozando de grande poder de intimidação e de corrupção de autoridades públicas, em busca de vantagens econômicas e domínio territorial.

31

Habeas Corpus nº77.771/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, publicado na imprensa oficial em 22 set. 2008.


32

Sobrinho (2009, p. 29-30) anota que a criminalidade nacional organizou-se de modo mais amplo e estável ainda em meados do século XX, com o chamado jogo do bicho, que foi tipificado como infração penal com a edição do Decreto-Lei nº 3.688/1941, conhecido como a Lei das Contravenções Penais. Segundo aludido doutrinador, Referido texto legal previu várias contravenções penais, entre elas o jogo do bicho, modalidade delituosa cujas descrições e penalização foram alteradas pelo Dec.-Lei 6.259/1944, que tratou sobre o serviço de loterias. Este texto legislativo dispôs expressamente que os intermediários, auxiliares, organizadores e demais envolvidos com o jogo do bicho, além do vendedor ou banqueiro e do comprador, seriam penalizados, facilitando punir aqueles que se envolviam a qualquer título com esse jogo proibido, capaz de movimentar muito dinheiro. Em meados dos anos 1980, auge do jogo do bicho, a estabilidade e o poder econômico dos grupos que comandavam esse negócio ilegal ficaram mais visíveis pela divulgação da constância da corrupção policial exercida pelos exploradores da contravenção em relação aos agentes públicos que deveriam coibi-la.

Nas décadas de 70 e 80 do século passado, surgiu uma nova forma de criminalidade organizada, isto é, aquelas gestadas dentro de grandes presídios. Como exemplo, é possível citar, no Rio de Janeiro, a Falange Vermelha, o Comando Vermelho e o Terceiro Comando. Em São Paulo, detentos recolhidos no presídio de segurança máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté se organizaram no Primeiro Comando da Capital (PCC). Ao lado das organizações criminosas emergentes do sistema prisional, muitas outras floresceram no território nacional. Nesse sentido, a realidade atual é pródiga em exemplos de grupos de indivíduos que se reuniram, de forma hierarquizada e empresarial, com o objetivo de obter lucros com toda a sorte de atividades ilícitas, sendo possível citar, a título meramente ilustrativo, as conhecidas “máfia do carvão”, “máfia dos combustíveis” e os famigerados “mensalões”, dentre tantos outros.

4.3 Evolução legislativa A breve análise histórica demonstra que o fenômeno da criminalidade no Brasil sofreu uma mutação em seu modo de atuar. Não se está afirmando que deixaram de existir delitos individuais, praticados por razões idênticas àquelas que impulsionaram violações ás mais antigas leis.32Tais crimes ainda ocorrem e são responsáveis pela maior

32

Basta para confirmar a assertiva tomar-se como paradigma o crime de homicídio. A Lei das XII Tábuas (ano 450451 a. C) dispunha que “se alguém matar um homem livre e; empregar feitiçaria e veneno, que seja sacrificado com o último suplício”. Já naquela época se praticavam homicídios, v. g., por motivos passionais e estes continuam a ser cometidos nos dias de hoje.


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cifra de infrações às normas penais. Contudo, com o passar dos anos, seguindo uma tendência verificada em todo o mundo, vem ganhando espaço uma criminalidade cada vez mais profissionalizada, praticada por grupos de pessoas que atuam como verdadeiras empresas. Não obstante, somente em 1940 o legislador nacional se preocupou em incriminar de forma autônoma o fato de várias pessoas se associarem para o fim de cometerem delitos, introduzindo no ordenamento jurídico pátrio o crime de quadrilha ou bando, tipificado no art. 288 do Código Penal. Anteriormente, havia apenas a preocupação legislativa em alcançar o ajuntamento33 de pessoas, em concurso eventual, para a prática de crime. Nesse sentido, o Código Criminal do Império previa o concurso acidental ilícito em mais de uma disposição, conforme se visualiza, a título exemplificativo, no texto dos artigos 285 e 286: Art. 285. Julgar-se-ha commetido este crime, reunindo-se tres ou mais pessoas com a intenção de se ajudarem mutuamente para commetterem algum delicto, ou para privarem illegalmente a alguem do gozo, em exercicio de algum direito, ou dever. Art. 286. Praticar em ajuntamento illicito algum dos actos declarados no artigo antecedente.34

Por sua vez, o art. 119 do Código Penal de 1890 veiculava norma penal que incriminava a seguinte conduta: Ajuntarem-se mais de tres pessoas, em logar publico, com o designio de se ajudarem mutuamente, para por meio de motim, tumulto ou assuada: 1º, commetter algum crime; 2º, privar ou impedir a alguem o gozo ou exercicio de um direito ou dever; 3º, exercer algum acto de odio ou desprezo contra qualquer cidadão; 4º, perturbar uma reunião publica, ou a celebração de alguma festa civica ou religiosa”

Como observou Hungria (1958, p. 174), a incriminação realizada pelos revogados Códigos Penais não abarcava mais do que a “reunião acidental de sediciosos ou amotinados na praça pública, sem nenhum caráter de estabilidade associativa.” Pereira André (2008, p. 2.303), por sua vez, observou que Compreendido como conduta humana voluntária que lesa ou expõe a risco de lesão bens juridicamente tutelados, o crime é, até mesmo conceitualmente, atividade que pode desenvolver-se individualmente, nada exigindo, para a sua configuração, plurissubjetividade ativa. Talvez por isso, isto é,

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De acordo com Pitombo (2009, p.55-56), “Nas Ordenações Afonsinas, nas Manuelinas e nas Filipinas, encontra-se o instituto da assuada, bem definido por Pereira e Souza: “Qualifica-se Assuada o ajuntamento de dez pessoas para fazer mal a alguém.” 34 Texto extraído de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm. Acesso em 10 fev. 2010.


34 exatamente por bastar à existência do delito a ação de um único indivíduo, ter sido tardio o interesse do legislador pela capitulação, como criminosas, de condutas em que a tipicidade decorresse da simples associação destinada à prática do delito. Olvidou o legislador brasileiro, de fato, durante muitos anos, que uma tendência irrefreável do homem – a de associar-se – poderia levá-lo a criar (como o levara a criar o próprio Estado) outras sociedades, inclusive criminosas.

Somente, portanto, na década de 40 do século passado é que o legislador brasileiro atentou para a necessidade de tutelar, por meio do direito penal, a paz pública, criminalizando conduta antes entendida como ato preparatório, em reconhecimento ao fato de que a associação de pessoas visando à prática de infrações penais ocasiona alarde e inquietação social. Após a entrada em vigor do art. 288 do Código Penal, outros fatos similares foram tipificados como crimes no direito penal brasileiro, podendo ser citado o genocídio (art. 2º da Lei nº 2.889/1956), a associação para fins de tráfico de entorpecentes (art. 14 da Lei nº 6.368/1976), os delitos da Lei de Segurança Nacional (artigos 16 e 24 da Lei nº 7.170/1983). Ainda, com a edição da Lei nº 8.072, em 26 de junho de 1990, a pena prevista para o crime de formação de quadrilha ou bando foi majorada de 03 (três) a 06 (seis) anos, para os casos de práticas de crimes hediondos ou equiparados, isto é, tortura, tráfico ilícito de drogas ou terrorismo (art. 8º). Em 03 de maio de 1995, entrou em vigor a Lei nº 9.034, que dispunha “sobre meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”, sendo alterada pela Lei nº 10.217/2001, que, além de incluir novos procedimentos de investigação e produção de provas (art. 2º), estipulou o âmbito de abrangência da lei alterada, que passava a definir e regular “meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.” Surgiram outros importantes diplomas legais, como a Lei nº 9.613/1998, apelidada de Lei de Lavagem de Dinheiro e o Decreto nº 5.015/2004, que promulgou a chamada Convenção de Palermo e, portanto, goza do status de lei ordinária. O primeiro tipificou a conduta de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime praticado por organização criminosa” (art. 1º, inciso VII), assim como instituiu causa de aumento de pena quando a conduta típica é


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praticada de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa (art. 1º, § 4º). O segundo constitui importante instrumento para o combate a uma criminalidade cada vez mais complexa e sofisticada, na medida em que ajuda a identificá-la, estabelecendo os seus contornos.

4.4 Características Estabelecida a adoção do conceito moldado na Convenção de Palermo, as características das organizações criminosas podem ser extraídas de sua definição, identificada, conforme salientado, como “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.” O primeiro traço definidor de uma organização criminosa é a pluralidade de agentes, conclusão a que se chega pela análise da expressão “grupo estruturado de três ou mais pessoas”. De fato, para a caracterização desse ente delituoso, torna-se imperiosa a participação de, no mínimo, três pessoas, que devem estar reunidas sob o desenho de um “grupo estruturado”, “formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada.”35 Ao contrário do entendimento manifestado pela maior parte da doutrina, não nos parece que a existência de hierarquia entre os integrantes da organização criminosa seja imprescindível, pois, nos termos da definição de “grupo estruturado”, a formal distinção das funções de cada um de seus integrantes foi dispensada, assim como foi exonerada a necessidade de o grupo dispor de uma estrutura elaborada. Assim, mesmo sem a identificação de uma cadeia de comando, seria possível caracterizar uma organização criminosa. A segunda característica das organizações criminosas é a estabilidade e permanência,

inferida

da

fórmula

“existente

algum

tempo

e

atuando

concertadamente”. De forma análoga á quadrilha ou bando, mas diversa da associação

35

Conceito de “grupo organizado” insculpido no artigo 2º, alínea c da Convenção das Nações Unidas contra o Crime . Organizado Transnacional


36

criminosa definida no art. 3536 da Lei nº 11.343/2006, as organizações criminosas não se configuram quando haja uma reunião eventual de pessoas, sendo necessária a existência, nas palavras de Gomes (2009, p. 168), de “um arcabouço que garanta o êxito da empreitada ilícita, formada por integrantes que não se reuniram aleatoriamente e possuem afinidades e interesses ilícitos em comum.” Imperioso, contudo, se faz consignar duas ressalvas. A primeira delas é a de que a necessidade de permanência não significa a obrigação de atuação indefinida do grupo. Não é possível estabelecer um lapso temporal mínimo de ação do ente que o habilite a ser definido como organização criminosa. Na verdade, deverá ser feita uma análise caso a caso, verificando se o tempo de atuação identificado é razoável para lastrear a conclusão de que o grupo age de forma empresarial, por meio de atividades ilícitas devidamente planejadas e concatenadas. Ademais, é oportuno ressaltar que o conceito adotado, diferentemente do que ocorre com a quadrilha ou bando, não estabeleceu a necessidade de perpetração de vários crimes, contentando-se com a ocorrência de pelo menos uma infração grave.37 Na prática, parece difícil visualizar a caracterização de uma organização criminosa mediante o cometimento de uma única infração, mas a análise deve ser feita de forma casuística, diante do caso concreto. A segunda ressalva é a de que a estabilidade deve ser da atividade e não dos integrantes da organização. Como expressamente posto no conceito de “grupo estruturado”, a falta de continuidade em sua composição não o descaracteriza. Diferente, aliás, nem poderia ser, porquanto essa modalidade criminosa se notabiliza pela alta capacidade de mutação, mediante a utilização de terceiros conhecidos como “laranjas”, em cujos nomes são registradas empresas-fantasmas e contas bancárias, os quais são sumariamente descartados na medida em que não mais interessem à atividade. A terceira característica é revelada pelo seguinte excerto do conceito definido pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional: “propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção”. Coincide, portanto, com a necessidade de que o grupo se dedique a atividades ilícitas, definidas no ordenamento jurídico como crime apenado com sanção 36

A associação criminosa, nos termos do art. 35 da Lei Antidrogas, se configura com a reunião de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos no art. 33, caput e § 1º, e 34 da referida lei. Embora a jurisprudência venha, em reiterados casos, exigindo a estabilidade e permanência, tal cobrança parece ser contrária ao texto expresso da lei. 37 Segundo terminologia da Convenção de Palermo, infração grave é o ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior.


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igual ou superior a quatro anos (infração grave) ou aos delitos expressamente mencionados na Convenção, como participação em grupo criminoso organizado (art. 5º), lavagem de produto do crime (art. 6º), lavagem de dinheiro (art. 7º), corrupção (art. 8º) e obstrução à justiça (art. 23). Neste momento, é oportuna uma nova advertência. Para a caracterização de um grupo como organização criminosa não é necessário que as infrações penais praticadas extrapolem os limites do estado brasileiro. É certo que esses entes muitas vezes são notabilizados por extensa capilaridade, que lhes permite atuar, sem grandes obstáculos, também no cenário internacional. Operando como verdadeiras empresas imperialistas, essas organizações saem em busca de mercado, com o escopo de expandir os seus “negócios”, aumentando, por conseguinte, os seus lucros. Todavia, como ressalva Gomes (2009, p. 169), a atuação transnacional, nos termos adotados pela Convenção de Palermo, é dispensável: Quanto ao âmbito de atuação da organização criminosa em mais de um país, a própria CCOT[Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado trnsnacional], mais adiante, no seu art. 34, item 2, ao dispor a respeito da aplicação da convenção, dispensa a natureza transnacional dos delitos que elenca (lavagem de dinheiro, corrupção, participação em grupo criminoso organizado, obstrução à justiça), para a incorporação ao direito interno. Ou seja, nos termos da CCOT são perfeitamente aplicáveis aos ordenamentos jurídicos de cada país que a subscreveu, independentemente de a investigação criminal apontar atuação internacional da organização criminosa.

Da definição de organização criminosa adotada extrai-se a quarta característica do seguinte fragmento do texto: “a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.” Portanto, para a caracterização dessa manifestação delituosa é imprescindível o escopo de obtenção de uma vantagem.38 Segundo adverte Gomes (2009, p. 171), o intuito lucrativo constitui característica específica das organizações criminosas, pois, embora possa estar presente em associações delituosas e quadrilhas ou bandos, tal finalidade não lhes é indispensável: Frise-se que nenhum diploma legislativo exige que, para a associação criminosa ou quadrilha serem puníveis, faça-se presente o intuito lucrativo. Essa exigência passa a ser elemento do tipo para a Convenção de Palermo. Esse requisito é compreensível. A Convenção de Palermo pressupõe que os lucros auferidos pelo crime organizado não só autofinanciam a organização, 38

Gomes (2009, pp. 162-163) informa que um guia legislativo foi lançado pela ONU em 2004, com o intuito de orientar os países que quisessem ratificar a convenção de Palermo. Entre as orientações dadas, foi esclarecido que a vantagem a ser considerada “como objetivo do grupo criminoso organizado é a econômica ou material, para que assim seja considerada, por exemplo, a gratificação sexual (ONU, 2004, p.13-14, item 24 e SS.)”.


38 como também permitem a sua expansão, mediante corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução à justiça e, para tanto, prevê inúmeros mecanismos para bloqueio, confisco e perda de bens, além de medidas processuais invasivas da intimidade e que pretendem alcançar, primordialmente, o patrimônio do criminoso, por meio da descapitalização das suas atividades.

Na prática, não faltam exemplos da impressionante acumulação de riquezas experimentadas por organizações criminosas39. Como já salientado, esses grupos atuam como empresas capitalistas em agressiva luta por mercados, perseguindo a maximização de lucros e vantagens. As atividades, dada a sua própria natureza, são clandestinas e sustentadas pelo uso de violência, que serve como ferramenta para a eliminação de concorrência40e, também, para amedrontar aqueles que intentem se insurgir contra as práticas delituosas, desestimulando as denúncias e dificultando a colheita de prova, já que é conhecido o império da lei do silêncio. Técnica corriqueira e imprescindível para a garantia dos lucros ilícitos é, também, a corrupção de agentes e autoridades públicas, revelando verdadeira simbiose do crime organizado com o Estado. De fato, não fosse o alto poder de corrupção dos criminosos e a correlata disposição de representantes estatais em se deixarem corromper, seria mais difícil a geração de vultosas quantias pelas atividades ilícitas. É possível, portanto, mediante o conceito cunhado pela Convenção de Palermo, salientar as seguintes características das organizações criminosas: a) pluralidade de agentes; b) estabilidade e permanência; c) prática de infrações penais graves e d) intenção de obter, direta ou indiretamente, benefício econômico ou material.

4.5 O enfrentamento 4.5.1 Prevenção e repressão Sobre as organizações criminosas, um aspecto constitui consenso. O tratamento tradicional dispensado às infrações penais é ineficaz ao combate desse complexo fenômeno. Aliás, a concepção clássica de enfrentamento do crime se revelou inadequada até mesmo diante da mais simples violação à lei penal. Gomes (2008, p. 362), traduzindo obra de António Garcias-Pablos de Molina, registra que:

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Para citar apenas um exemplo, os bens do traficante colombiano Juan Carlos Abadia, preso no Brasil, levados a leilão, foram avaliados em mais de R$5.700.000,00. In. http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/O,,MUL2528455605,00.htm. Acesso em 12 fev. 2010. 40 São corriqueiras as notícias veiculadas na imprensa nacional de tiroteios, especialmente em favelas do Rio de Janeiro, por grupos criminosos rivais, que visam comandar o local.


39 A criminologia “clássica” contemplou o delito como enfrentamento formal, simbólico e direto entre dois rivais – o Estado e o infrator –, que lutam entre si solitariamente, como lutam o bem e o mal, a luz e as trevas; é uma luta, um duelo, como se vê, sem outro final imaginável que a incondicionada submissão do vencido à força vitoriosa do Direito. Dentro deste modelo criminológico, a pretensão punitiva do Estado, isto é, o castigo do infrator, polariza e esgota a resposta ao fato delitivo, prevalecendo a face patológica sobre o seu profundo significado problemático e conflitual.

No que tange ao crime organizado, conferir-lhe tratamento formal e simbólico afigura-se especialmente inapropriado. Sem a realização de uma intervenção estratégica em áreas sensíveis ou mesmo naquelas já dominadas por essa modalidade criminosa, não é possível pensar em um enfrentamento minimamente eficaz. A presença do Estado em espaços de considerável vulnerabilidade social, assumindo a responsabilidade de suprir necessidades básicas e de implementar políticas públicas, que ofereçam aos cidadãos alternativas à delinquência, constitui imperativo à prevenção e controle da criminalidade. É, ainda, essencial para se alcançar tais desideratos, o envolvimento da sociedade, que deve ser chamada a participar e se corresponsabilizar. Nessa difícil tarefa de prevenir, a atividade de inteligência ocupa papel de destaque. Conforme mencionado, a intervenção estatal não pode ser feita de forma aleatória, devendo considerar as específicas necessidades de cada comunidade e, em contrapartida, as ações mais eficientes para provê-las. Torna-se imprescindível, assim, que o tomador de decisões esteja devidamente municiado com seguras informações, possibilitando-lhe eleger os alvos da intervenção estratégica, bem como as políticas preventivas a serem adotadas, as quais deverão seguir os seguintes postulados: • A prevenção do crime caminha de mãos dadas com a educação – a educação é um elemento chave na prevenção, apoiada por disseminação através da mídia de informações sobre prevenção do crime com ênfase na população jovem. • A prevenção do crime é projetada para o futuro – Uma visão arrojada da prevenção do crime deve dirigir-se às causas do crime e seus efeitos na sociedade, além de estar atenta aos movimentos de adaptação dos criminosos aos novos cenários e tendências da criminalidade. • A prevenção do crime tem amplo espectro - o escopo da prevenção inclui proteção pessoal, dos lares e das comunidades. • A prevenção do crime deve ser conformada segundo as necessidades – a efetiva prevenção do crime deve ser desenhada para necessidades específicas de comunidades individuais. • A prevenção do crime é central ao trabalho policial. Já que os agentes de execução da lei constituem recursos primordiais de auxílio aos cidadãos na implementação da prevenção do crime, esta atividade deve ser central a todo trabalho policial. • A prevenção do crime é uma responsabilidade de Estado – Trata-se de uma responsabilidade de Estado em todos os níveis conduzir os esforços de prevenção comunitária do crime formulando a política, provendo liderança e recursos.


40 • Descentralização – a execução das atividades de prevenção devem ser descentralizadas e adaptadas às condições específicas de cada estado e município e as prioridades da população • Universalidade – Todos os cidadãos tem o direito de acesso a ações de segurança pública incluindo aquelas de natureza preventiva.41

Sob outra vertente, relacionada mais ao aspecto processual, tem-se que o emprego de tradicionais técnicas de apuração de autoria e materialidade de delitos não é suficiente para a prevenção/repressão ao crime organizado. De fato, conforme já antes salientado, as organizações criminosas atuam com verdadeira mentalidade empresarial, alcançando considerável nível de sofisticação e diversificação de suas atividades. Do mesmo modo, esses entes cercam-se de cautelas para dificultar a colheita de provas dos crimes por eles perpetrados. Assim, não é raro que os grupos organizados se equipem com variados meios tecnológicos, como câmeras de vídeos, que lhes permitem acompanhar a aproximação da polícia, e aparelhos que neutralizam a interceptação de sons e dados. Ainda, a imposição da conhecida “lei do silêncio” e a colaboração de servidores públicos corrompidos, torna ainda mais tormentosa a tarefa de formação de um acervo probatório hábil a lastrear a persecução penal. Por conseguinte, para o combate às organizações criminosas, é necessário o uso de técnicas e procedimentos especiais de colheita de prova42, os quais, certamente, serão manejados com maior eficiência caso se espelhem na metodologia própria da atividade de inteligência.

4.5.2 Os meios especiais de obtenção de provas Andrade e Leite (2008, p. 160), citando a diferenciação entre meio de prova e meio de obtenção de prova feita por Juliana Garcia Belloque, com inspiração na doutrina italiana, registram que “Meios de prova” – diz a autora – “são modelos procedimentais descritos em lei, que – quando atuados pelo juiz e pelas partes, em contraditório – geram a introdução no processo de elementos aptos a influenciar o convencimento do magistrado sobre os fatos pertinentes à causa penal. Assim, o meio de prova

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Princípios expostos pela doutora em sociologia e política Andréa Maria Silveira, em aula ministrada no dia 15 de agosto de 2009, no curso de pós-graduação lato sensu de Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública, oferecido pela Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais em parceria com o Centro Universitário Newton Paiva. 42 42 Corroborando a assertiva, o art. 20 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional preceituou a conveniência de que o ordenamento jurídico nacional de cada país preveja a utilização de técnicas especiais de investigação para o combate às organizações criminosas, fazendo expressa menção á entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras formas de vigilância e operações de infiltração.


41 testemunhal, documental, pericial.” Por sua vez, os meios de obtenção de prova são ferramentas que possibilitam “o recolhimento de fontes de prova”.

No Brasil, a Lei nº 9.034/1995, em seu art. 2º, previu como meios de obtenção de provas de ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando, organizações ou associações criminosas: I) a ação controlada; II) o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais; III) a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial e IV) a infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. 4.5.2.1 A ação controlada A ação controlada é instituto similar à entrega vigiada43 e consiste “em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação da prova e fornecimento de informações.” Trata-se, portanto, de técnica investigativa que visa maior eficácia probatória, porquanto possibilita a identificação de maior número de integrantes da organização delituosa. A possibilidade de utilização do mesmo procedimento às associações criminosas constituídas para a prática de tráfico de drogas foi prevista no art. 53, inciso II44 da Lei nº 11.343/2006, que, de modo diverso do consignado na Lei nº 9.034/1995, exigiu prévia autorização judicial, após oitiva do Ministério Público. Para Sobrinho (2009, p.95), a autorização judicial “deve ser adotada em todos os casos de ação controlada, pois é eficaz para minimizar eventuais e possíveis violações da intimidade e vida privada das pessoas submetidas à mencionada técnica de

43 Definida pela Convenção de Palermo como “Técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática.” 43 Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes 44 Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: [...] II- a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. Parágrafo único- Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.


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investigação.” A esse posicionamento manifestamos adesão, pois parece-nos que a ação controlada deve integrar um conjunto de esforços empreendidos para o desbaratamento de uma organização criminosa que já seja alvo de investigação. De fato, o legítimo afastamento da norma prevista no art. 301 do Código de Processo Penal – que determina a autoridades e agentes policiais o dever de prender quem quer que se encontre em flagrante delito – precisa ser precedido de informações de que o ilícito descoberto constitui parte de atividades de uma associação ou organização criminosa. A existência de tais informações, incluídas também as exigidas no parágrafo único do art. 5345 da Lei Antidrogas, pressupõe prévia obtenção, inspiradas na metodologia das ações de coleta ou busca, de dados e informações, os quais, após serem devidamente processados, poderão produzir seguro conhecimento nesse sentido. Desse modo, não haveria como aceitar sem prejuízos ao ordenamento jurídico e aos direitos e garantias fundamentais que a polícia se mantivesse inerte diante de uma infração penal para, somente depois, descobrir se esta é, ou não, obra do crime organizado. Até porque concretas seriam as chances de produção de uma prova ilícita, sendo esta conceituada por Pacheco (2005, p.811) como aquela que viola “norma de direito material.” Prossegue o doutrinador lecionando que “As provas ilícitas dizem respeito à obtenção ou coleta da prova.” Caso a polícia deixasse de autuar um agente que estivesse em flagrante delito, buscando identificar também os seus comparsas em atividade diversa do tráfico de drogas, logrando, contudo, a identificação de apenas mais um infrator, a prova produzida contra este último padeceria de ilicitude. Isso porque, conforme mencionado, para a caracterização de uma organização criminosa, e, por conseguinte, para que seja possível a utilização da ação controlada, essencial se faz a participação de, no mínimo, três integrantes. Não verificado o requisito, o emprego da técnica investigativa é defeso.

45 A norma referida dispõe que, em relação às associações criminosas constituídas para prática dos crimes previstos no art.33, caput, § 1º e art. 34 da Lei nº 11.343/2006, a autorização judicial será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores. Nucci (2008, p. 361) adverte que “o conhecimento de quem são os comparsas do portador também é cautela necessária, embora não se deva exigir uma noção completa do agrupamento. Afinal, está-se investigando e buscando atingir o peixe graúdo, o que pode levar algum tempo. Logo, o importante é ter ciência de alguns agentes e/ou colaboradores, de forma a permitir à condução ao líder (ou líderes dos criminosos).”


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4.5.2.2 Acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais Após a ação controlada, a Lei nº 9.034/1995 menciona como procedimento investigativo especial o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais46. Andrade e Leite (2008, p. 160) explicam que “[...] a quebra do sigilo financeiro [e também os relativos aos demais dados] é meio para obtenção da prova documental. Esta, sim, é que pode conter elementos para a formação do convencimento do julgador.” A utilização desse meio de obtenção de prova permite, portanto, o acesso a dados que, devidamente processados e analisados, se transformarão em prova documental da atividade ilícita. Ainda, a prova documental produzida possibilitará ao Estado avaliar o patrimônio amealhado pela organização criminosa e por seus integrantes, tomando as medidas necessárias ao bloqueio, sequestro ou arresto, com o posterior perdimento de produtos do crime. Tal providência constitui medida imperativa ao eficiente combate ao crime organizado, conforme se infere das palavras de Gomes (2009, p. 186): Aliás, a moderna repressão à criminalidade organizada não pode prescindir da retirada do oxigênio das organizações criminosas que é o dinheiro, a vantagem patrimonial econômica ou financeira, que continua financiando o crime organizado ainda que o seu chefe seja substituído, morto ou preso, de nada adiantando cumprir dezenas de mandados de prisão e de busca e apreensão se o patrimônio do criminoso não for identificado e bloqueado, para posterior decretação do perdimento de bens com a sentença penal transitada em julgado, quando for o caso, independentemente da reparação civil ou pagamento de multas administrativas.

É importante consignar que a quebra do sigilo de determinados dados, especialmente fiscais e financeiros, poderá importar em uma enorme quantidade de informações, que, por se encontrarem em estado bruto, precisam, conforme já observado, ser devidamente analisadas, de molde a se transformarem em conhecimento útil para a persecução criminal. Como corolário, o recurso às bem definidas técnicas de produção de inteligência constitui medida salutar, permitindo não só o melhor aproveitamento dos dados coletados na formação de um conjunto probatório hábil a lastrear medidas cautelares, como também a própria deflagração da ação penal e eventual condenação dos integrantes de organizações criminosas.

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Para análise mais profunda sobre o tem cf. Pacheco (2005).


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4.5.2.3 A captação/interceptação de comunicações ambientais Conforme definição feita por Pacheco (2005, p. 931), comunicações ambientais são aquelas “realizadas diretamente no meio ambiente, sem transmissão e recepção por meios físicos artificiais, como fios elétricos, cabos ópticos etc,” podendo ser subdivididas, de acordo com o art. 2º, inciso IV da Lei nº9.034/95, em eletromagnéticas47, óticas48 ou acústicas49. Em sua obra, Nucci (2008, p. 253-254) anota: as comunicações entre pessoas podem ocorrer de diversas formas (ex: por telefone, por carta, de forma presencial, etc.). Quando se menciona o termo captação quer-se dizer que há a colheita de determinados dados, feita por um interlocutor em relação ao outro. Aliás, por isso se fala em captação ambiental, isto é, a conversa ocorre em um recinto qualquer (não pelo telefone, nem por carta), possibilitando o contato pessoal entre os interlocutores, enquanto uma delas colhe, por qualquer meio (gravação de voz, registro de imagem fotográfica, filmagem), o que se passa entre ambos. [..] Por outro lado, cuidando de interceptação quer-se dizer que um terceiro colhe dados referentes ao contato feito por outras pessoas, ou seja, atravessa conversa alheia ou registra de outra forma qualquer.

Uma vertente da doutrina50 apregoa a inconstitucionalidade da previsão legal de captação/interceptação de comunicações ambientais, ao fundamento de que a norma teria ampliado a exceção veiculada no art. 5º, inciso XII51 da Constituição da República, que somente permitiria a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, considerando as demais formas de comunicação como direito fundamental absoluto. Outro flanco da doutrina, todavia, realizando uma interpretação sistemática do Texto Constitucional, defende a inexistência de direitos absolutos, reconhecendo que, não raras vezes, haverá intervenção estatal em um direito fundamental. A medida interventiva, contudo, precisa ser pautada pelo princípio da proporcionalidade. Segundo uníssono entendimento, referido princípio possui sede

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Segundo Pacheco (2005, p. 932), “A expressão ‘sinais eletromagnéticos’ encontra-se, aqui [na Lei nº9.034/1995] , em sentido amplo, abrangendo as ondas hertizianas ou radioelétricas”, coincidindo estas com, por exemplo, “pessoas dialogando por meio de radiotransmissores” e aquelas com as “comunicações que utilizem as demais ondas eletromagnéticas com comprimentos de ondas diversas das radioelétricas e ópticas.” (p. 903) 48 Pacheco (2005, p. 902) ao tratar dessa modalidade, fornece o seguinte exemplo “comunicação entre duas pessoas, utilizando-se de dispositivos ópticos, cujos sinais de luz são códigos compreensíveis para ambas.” Ou, ainda, “uma conversa silenciosa com linguagem de sinais de surdos-mudos.” (p. 933) 49 Como exemplo de comunicação acústica, Pacheco (2005, p. 902) cita “uma conversa oral sonora entre duas pessoas, numa sala (comunicação ambiental verbal ou vocal).” 50 Registre-se, por todos, a opinião de Sobrinho (2009, p. 46) no sentido da inconstitucionalidade da técnica investigativa. 51 Art. 5º, inciso XII- É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.


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constitucional52 e impõe, conforme anota Pacheco (2007, p. 150), a fundamentação da intervenção, que deve ser feita metodicamente segundo a argumentação de idoneidade, necessidade e porporcionalidade stricto sensu, de molde a impedir que o Estado cometa excessos contra o direito do cidadão. Adotando, assim, o modelo cunhado por Denílson Feitoza Pacheco (2007) do princípio da proporcionalidade, é possível afirmar que constituem subprincípios deste a idoneidade, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, devendo cada qual ser analisado na ordem em que foram enumerados. A não configuração de um dos subprincípios prejudica a análise do subsequente. Como corolário, a fim de avaliar se a realização de captação e interceptação de comunicações ambientais constitui intervenção estatal proporcional, inicialmente, é preciso verificar a idoneidade da medida. Para tanto, duas exigências têm que ser satisfeitas. A primeira delas é a existência de um fim constitucionalmente legítimo e a segunda, a adequação (idoneidade) do meio para obter o fim almejado. No caso, o fim constitucionalmente legítimo é a formação de um acervo probatório apto a demonstrar a existência ou inexistência de ilícitos praticados por quadrilhas, bandos, associações ou organizações criminosas, permitindo, por conseguinte, que o Estado exerça a sua função de garantidor da segurança pública, mediante a adoção das medidas pertinentes, como v.g., decretação de prisões preventivas, deflagração de ação penal e etc. É inegável, nesse aspecto, que a captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos poderá redundar em importante prova da ocorrência de uma infração penal, constituindo, portanto, eficiente meio de formação do conjunto probatório. Satisfeitas, portanto, as duas exigências impostas, apropriado é afirmar a idoneidade da intervenção estatal em comento. Sendo idônea, torna-se imperioso verificar se a interceptação das comunicações ambientais é necessária, isto é, se não existem meios menos gravosos de se obter o fim ambicionado. Parece-nos que o requisito da necessidade também está satisfeito. De fato, para alcançar a difícil missão de reunião de subsídios que permitam identificar as

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Nesse sentido, importante ressaltar que Pacheco (2007, p. 89), após apresentar o entendimento de vários doutrinadores, como Paulo Bonavides, Raquel Denize Stumm, Mariângela Gama de Magalhães Gomes entre outros, a respeito da possibilidade de extração do princípio da proporcionalidade do Texto Constitucional, conclui que referido princípio constitui “uma implicação lógica do caráter jurídico da Constituição como norma rígida hierarquicamente superior, atribuitiva de proporções e impositiva de eficiência.”


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atividades de uma organização criminosa, a possibilidade de captação/interceptação de sons e imagens de diálogos, ainda que travados em linguagem não oral, que conte com a participação de integrantes do ente delituoso, é de suma importância. Isso porque, é possível que os interlocutores estejam combinando os detalhes de uma infração penal ou, ainda, que um deles esteja exatamente praticando um crime (como, por exemplo, um agente público que exige dinheiro para praticar/deixar de praticar determinado ato53em prol das atividades ilícitas de uma organização criminosa), sendo que a comprovação mais eficaz de tais fatos ocorrerá com o efetivo registro da comunicação. De tal sorte, a medida interventiva em análise é imprescindível, constituindo importantíssima ferramenta para a formação de um apto conjunto de provas54. Por fim, a medida de intervenção consistente na captação ou interceptação de comunicações ambientais atende, igualmente, ao subprincípio da proporcionalidade stricto sensu. O último dos subprincípios exige que seja realizado um juízo valorativo, uma ponderação entre o direito fundamental sacrificado e os resultados a serem obtidos com a medida. No caso, de um lado, imolado será o direito individual ao sigilo de comunicações; de outro, como resultado da flexibilização do direito enunciado, poderá ser alcançado o escopo estatal de reunir elementos hábeis a subsidiar ações de natureza preventiva e repressiva contra nefasta modalidade delituosa, constituída por quadrilhas e bandos, associações ou organizações criminosas. Por conseguinte, tem-se que o ônus obtido com a medida interventiva supera o prejuízo causado ao direito individual. Aliás, sob outra perspectiva de análise do princípio da proporcionalidade, não se pode descurar que a possibilidade de captação/interceptação de comunicações ambientais também visa à proteção de um direito fundamental, que é a segurança pública. Nesse sentido, o exame da proporcionalidade da medida interventiva deve considerar, igualmente, a necessidade do Estado de valer-se de instrumentos eficientes para se desincumbir de sua missão constitucional de assegurar a ordem pública, evitando, assim, de conferir proteção deficiente a um direito constitucional. Nesse sentido, Streck (2009) pondera: [...] a Constituição, na era do Estado Democrático de Direito (e Social) também apresenta uma dupla face, do mesmo modo que os princípio da proibição de excesso (Übermassverbot) e proibição de proteção deficiente 53

Configurando, assim, o crime previsto no art. 317 do Código Penal. Corroborando a assertiva e apenas a título de exemplo, oportuno consignar que, no dia 11 de fevereiro de 2010, o Superior Tribunal de Justiça decretou a prisão preventiva do Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, baseado, além de outros elementos de provas, em registro de sons e imagens captadas, que evidenciou a tentativa de suborno a uma testemunha de suposto esquema de corrupção encabeçado pelo chefe do Poder Executivo do Distrito Federal. 54


47 (Untermassverbot). Ela contém, ensina Ferreira da Cunha, os princípios fundamentais de defesa do indivíduo face ao poder estadual – os limites ao exercício do poder em ordem a eliminar o arbítrio e a defender a segurança e a justiça nas relações cidadão-Estado (herança, desenvolvida e aprofundada, da época liberal – da própria origem do constitucionalismo), em especial em relação ao poder penal. Mas, por outro lado, preocupada com a defesa ativa do indivíduo e da sociedade em geral, e tendo em conta que os direitos individuais e os bens sociais para serem efetivamente tutelados, podem não bastar com a mera omissão estadual, não devendo ser apenas protegidos face a ataques estaduais, mas também em face a ataques de terceiros, ela pressupõe (e impõe) uma atuação estadual no sentido protetor dos valores fundamentais (os valores que ela própria, por essência, consagra).

Portanto, a análise da previsão contida no art. 2º, inciso IV da Lei nº 9.034/1995 à luz do princípio da proporcionalidade, sob os seus dois enfoques (proibição de excesso x proibição de proteção deficiente), demonstra que a norma, abstratamente considerada, não é inconstitucional. A execução da medida, todavia, caso não seja cercada de cautelas específicas, poderá sê-lo. Nesse sentido, é preciso frisar que a captação/interceptação de comunicações ambientais somente tem espaço quando há indícios suficientes de autoria e materialidade de infração penal grave. Não se pode tolerar a violação de um direito fundamental diante de meras suspeitas, desprovidas de mínimos elementos de provas. Como corolário, nos moldes do exposto anteriormente em relação à ação controlada, é necessária a existência de um conhecimento prévio de que os interlocutores – ou pelo menos um deles – se dedicam a atividades ilícitas, praticadas por quadrilhas ou bandos, associações ou organizações criminosas. Essas informações podem ser obtidas com a utilização das chamadas operações de inteligência. A metodologia própria da atividade também deve ser observada, especialmente no aspecto concernente ao planejamento e gerenciamento dos meios técnicos de obtenção dos sons ou imagens. De fato, conforme rígido procedimento da atividade de inteligência, antes de, propriamente, partir para a captação/interceptação das comunicações ambientais, deverá ser verificado se a tecnologia necessária se encontra disponível e está em perfeito estado de funcionamento, se não há empecilhos ou obstáculos à sua utilização no local visado, evitando-se, assim, surpresas e inconsistências, que possam prejudicar a produção da prova. Além do mais, não é dispensável lembrar que, em se tratando de captação, em que um dos interlocutores faça o registro de sinais, sons ou imagens, é


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imprescindível a prévia autorização judicial55. No caso de interceptação, conforme adverte Nucci (2008, p. 254), o colóquio deve realizar-se em recinto aberto, de molde a permitir o contato entre as pessoas que têm a conversa devassada e o terceiro que promove o registro, não sendo tolerado o emprego da técnica operacional conhecida como “entrada”56, por importar em inconstitucional violação de domicílio. 4.5.2.4 Infiltração Por fim, a Lei nº 9.034/1995 elegeu como procedimento investigatório especial a infiltração policial ou de agente de inteligência. A técnica, cuja adoção foi recomendada pela Convenção de Palermo, como lembra Pacheco (2005, p. 967), foi bastante utilizada, numa fase de nossa história (anos 1960 a 1980), pelos serviços de informações (atualmente serviços de inteligência), os quais atuavam por meio de seus setores de operações, na busca de informações que pudessem antecipar os procedimentos de contra-informação (ou contrainteligência) necessários para obstruírem ou neutralizarem as ações ou atividades das organizações infiltradas.

A infiltração, da forma como tratada nesse momento, seria um meio de obtenção de provas, consistente na introdução de um agente policial ou de um agente de inteligência numa quadrilha, bando, organização ou associação criminosa, com o intuito de obter subsídios que permitam fazer cessar as atividades ilícitas praticadas pelo grupo, responsabilizando os seus integrantes. Parte da doutrina propala a impossibilidade de utilização dessa técnica de investigação em razão da ausência de regulamentação legal. Entretanto, apesar de a omissão legislativa ocasionar, de fato, várias dificuldades práticas, o princípio da liberdade probatória autoriza a infiltração, desde que devidamente avalizada pelos princípios da proporcionalidade e devido processo legal. O princípio da proporcionalidade, sob a ótica de seus três subprincípios já enunciados no item 4.5.2.3, ditará, por exemplo, os casos em que a infiltração poderá ser utilizada, assim como as infrações penais que poderão ser cometidas pelo agente infiltrado. É oportuno colacionar os ensinamentos de Nucci (2008, p. 254) sobre o tema: na realidade, a tarefa de investigação consiste na simulação da atividade criminosa como membro da quadrilha ou bando, organização criminosa ou 55 Para Nucci (2008, p. 254), a prévia autorização judicial é prescindível caso ocorra em ambiente público e sem que as partes demandem sigilo. Ainda, o princípio da proporcionalidade poderá ser empregado para permitir, diante de um caso concreto, a dispensa de prévia autorização judicial, como v.g., em casos em que servidores públicos, submetidos ao princípio da publicidade, praticam atos criminosos, ou quando um dos interlocutores esteja sendo extorquido ou chantageado, entre outras hipóteses. 56 Penetração em um domicílio de forma clandestina e fora das exceções previstas no art. 5º, inciso XI da Constituição da República, isto é, sem que se verifique situação de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.


49 outra associação delituosa. Nesse propósito, é lógico que o agente do Estado (jamais particular, por ausência de autorização legal) pode ser levado a praticar crimes em conjunto com seus asseclas, tudo a justificar a sua participação no antro criminoso. Como já ressaltamos anteriormente, é preciso respeitar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Não tem sentido o agente policial, v.g., matar uma pessoa para demonstrar aos pretensos comparsas a sua efetiva intenção de participar da organização. Por outro lado, se tiver que corromper um funcionário público, com o objetivo de evidenciar fidelidade ao grupo, parece-nos proporcional e razoável. Vale lembrar o alerta de Marcelo Batlouni Mendroni, ressaltando que, caso o agente seja obrigado pelos comparsas a matar alguém, sob pena de revelar a sua identidade e, com isso, ser eliminado, poderá ser absolvido com base na tese da coação moral irresistível, com o que concordamos (crime organizado, p. 74).

Contudo, a ponderação sobre a execução da infiltração e também sobre quais infrações penais poderão ser praticadas não poderá ser deixada ao alvedrio do agente infiltrado. Ao contrário, é imperioso que o procedimento investigatório seja previamente delimitado e guarde estrita observância ao princípio do devido processo legal, que, em última análise, permitirá o controle da operação e, por conseguinte, da própria persecução penal. Conforme já salientado, a lei nacional deixou de fornecer regulamentação detalhada à infiltração. Todavia, referida omissão não impede a observância do princípio do devido processo legal, desde que adotados os procedimentos utilizados em operações de inteligência. Nesse sentido, é importante transcrever o seguinte registro de Pacheco (2005, p. 970): A observância dos rígidos procedimentos de infiltração já utilizados pelo serviço de inteligência satisfaz, em níveis superiores aos previstos para os meios de prova em geral, às exigências de controle que são impostas pelo princípio do devido processo legal. Desse modo, o planejamento da infiltração, baseado em prévio estudo da situação, deve ser suficientemente rigoroso para se possibilitar a execução e controle da infiltração, bem como sua avaliação contínua e final. O planejamento deve, inclusive, antecipar as possíveis medidas posteriores ao encerramento da infiltração. No estudo da situação, devem ser feitas análise da organização, análise do ambiente operacional, análise do agente (perfil adequado para o desempenho da missão, compreensão da missão e dos riscos dela decorrentes, entendimento das normas e das ordens a que está submetido, provas de idoneidade, credibilidade e confiança demonstradas em missões ou operações anteriores e etc.), análise de risco (custo/benefício da infiltração do agente, riscos quanto à pessoa do agente infiltrado, riscos institucionais, medidas de segurança específicas e alternativas, medidas de controle especiais, ligações/comunicações de informações com oportunidade e segurança etc.).


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Mais adiante, o autor (idem, p. 971) prossegue os ensinamentos, consignando: O plano de infiltração, no processo penal, deverá conter as espécies de condutas típico-penais que eventualmente o agente infiltrado poderá praticar, dependendo das circunstâncias concretas, dentro da linha restritiva acima imposta. Em outras palavras, o plano deve definir o que o agente pode ou não fazer. O sigilo do plano de infiltração é necessário não-somente para o sucesso da operação, mas também para a proteção do agente infiltrado, que pode mesmo correr risco de vida. Assim, pensamos que deve ser elaborada uma versão sintética do plano de operações destinado à sua homologação judicial. O plano de infiltração sintético deve ser submetido à homologação judicial, com prévio parecer do Ministério Público. O plano de infiltração, devidamente aprovado judicialmente, é a base documental que o agente infiltrado terá para a execução da infiltração e, inclusive, para sua proteção, por exemplo, para comprovação, conforme a teoria, da ausência de dolo ou de ilicitude, na eventualidade de ser submetido a uma investigação criminal ou processo penal pelas condutas praticadas durante e em razão da infiltração.

Em síntese, a aplicação dos rigores das operações de inteligência ao procedimento da infiltração permitirá a elaboração de um plano que deverá estar em perfeita sintonia com o constitucional princípio da proporcionalidade. Aliás, a compatibilidade do plano de infiltração a esse princípio deve ser objeto de acurada análise pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Isso porque, uma vez aprovado, o plano de infiltração constituirá o próprio devido processo legal da técnica investigativa, que será desenvolvida e controlada de acordo com as regras estabelecidas, as quais deverão guardar compatibilidade com as normas constitucionais (princípios e regras). 4.5.2.5 Outros procedimentos A par de todos os meios de provas tradicionalmente regulamentados no Código de Processo Penal, a Lei nº 9.034/1995, além dos procedimentos especiais enunciados em seu art. 2º, previu, também, a chamada delação premiada, nos seguintes termos: Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.


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O instituto encontra previsão em vários outros diplomas legais e, sem dúvidas, constitui importante fonte de obtenção de informações que pode levar à elucidação da autoria e materialidade de infrações penais praticadas por grupos organizados. O mesmo resultado poderá ser alcançado por meio de interceptação de comunicações telefônicas, no modelo imposto pela Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. A realidade é que o princípio da liberdade probatória informa o processo penal e autoriza a utilização de qualquer meio lícito para a comprovação de um fato criminoso. O modo de colheita da prova, muitas vezes, não encontra delineamento legal. Nesse sentido, diante da inexistência de uma metodologia própria da investigação criminal, a utilização dos métodos específicos da atividade de inteligência contribui para maior eficiência da formação de um acervo probatório apto a lastrear a deflagração da ação penal, a decretação de medidas cautelares e, especialmente, os decretos condenatórios, que, além de sanções penais aos integrantes de uma organização criminosa, imponham a perda de seus bens, direitos e valores, que constituam proveito dos delitos praticados.


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5 O SIGILO PROFISSIONAL 5.1 Natureza jurídica Inicialmente, parece essencial definir a natureza jurídica do sigilo profissional. É importante, para tal fim, consignar a diferenciação entre segredo e sigilo feita por Sobrinho e Lacava (2008, p. 175): Utilizados normalmente como sinônimos, segredo e sigilo apresentam conotações diferentes. De Plácido e Silva, em Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. 4, p. 182 e 231, frisou que: `segredo do latim secretum (secreto, guardado em segredo), exprime o que se tem conhecimento particular, sob reserva ou ocultamente. ´ Quanto ao sigilo, depois de indicar idêntica origem, afirma ‘sigilum (marca pequena, sinalzinho, selo), é empregado na mesma significação de segredo. No entanto, imperando nele a idéia de algo que está sob selo ou sinete, o sigilo traduz com maior rigor, o segredo que não pode ser violado, importando, o contrário, em quebra do dever imposto à pessoa, geralmente em razão de sua profissão ou ofício.’ Assim, a relação entre segredo e sigilo se assemelha àquele encontrada entre conteúdo e continente, pois o segredo é o cerne da informação cuja revelação é indesejada, enquanto o sigilo representa o seu manto protetor.

Na esfera mais íntima de cada pessoa, são mantidas ocultas informações sobre determinados fatos e sentimentos. Essas informações não reveladas são conhecidas como segredos, que, entendidos como expressão da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, recebem proteção do ordenamento jurídico, sendo considerado direito fundamental do cidadão, por força do disposto no art. 5º, inciso X, da Constituição da República. Compete, assim, a cada indivíduo a decisão de confidenciar, ou não, os seus segredos a outrem, bem como eleger o momento adequado para revelá-los. Entretanto, em certas ocasiões, as pessoas precisam recorrer a determinados serviços essenciais, sendo, por essa razão, compelidas a revelar informações íntimas. Em situações assim, os profissionais a quem são confidenciadas tais segredos devem preservá-los, imprimindo-lhes o necessário sigilo. Torna-se oportuna, neste particular, a transcrição da seguinte lição proferida por Bruno (1972, p. 411): Na vida natural ou social, há problemas para cuja solução tem de se recorrer a certos homens de particular capacidade técnica ou funcional ou devotados a certos ministérios aos quais se confiam segredos da intimidade pessoal ou doméstica, fatos, relações, estados cujo sigilo tem de ser resguardados a bem de importantes interêsses de ordem natural, moral, social ou econômica. Assim, o médico, o advogado, o enfermeiro, o sacerdote, o funcionário para determinados atos, tornam-se confidentes necessários e necessáriamente têm


53 de ficar ligados ao dever de guardar sigilo, honrando a confiança que nêles se depositou.

O sigilo profissional pode, desse modo, ser entendido como o dever que certos profissionais possuem de preservar segredos alheios, cujo conhecimento foi obtido exclusivamente em razão do exercício de função, ofício ou ministério. A obrigação de respeito ao sigilo recebeu, inclusive, tutela penal. De fato, o art. 154 do Código Penal tipificou a conduta “revelar alguém, sem justa causa57, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”, cominando-lhe pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa. Se, de um lado, o respeito ao sigilo constitui dever do profissional, de outro, apresenta-se como verdadeiro direito dos chamados confidentes necessários, bem como da classe por eles integrada. Isso porque, caso a ordem jurídica não oferecesse proteção ao segredo alheio, determinados profissionais seriam invariavelmente chamados a relatar fatos que lhes foram confidenciados em razão do exercício de uma função específica. Tal circunstância acabaria por fulminar a credibilidade de toda a categoria de profissionais. Atento a isso, foi previsto no art. 207 do Código de Processo Penal que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.” Há de ser feita, contudo, a seguinte ressalva: nem sempre o fato de o interessado desobrigar o confidente necessário irá ser convertido no dever, ou mesmo possibilidade, de que este preste depoimento. Nesse sentido, cabível a transcrição da seguinte advertência feita por Nucci (2008a, p. 469): [...] há casos em que a desobrigação pela parte interessada não pode produzir efeito, porque o dever de guardar sigilo interessa à sociedade e não a alguém determinado. É o caso, por exemplo, do juiz que ouve a confissão de um réu no interrogatório que preside. Não pode, ainda que desobrigado pelo acusado, depor em outro processo, afirmando ter sentido verdadeira ou falsa a

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A leitura da norma incriminadora demonstra que a obrigação de resguardar o sigilo profissional não é absoluta, na medida em que a infração penal apenas se configura quando a revelação é feita sem justa causa. Havendo justificativa plausível para a quebra do sigilo, a conduta é considerada atípica, não configurando, assim, o delito. Nesse sentido, é oportuno consignar alguns exemplos de justa causa fornecidos por Mirabete (1996, p. 197-198): “Não comete crime: o médico que comunica à autoridade a ocorrência de moléstia contagiosa (estrito cumprimento do dever legal nos termos do art. 269) ou revela doença na cobrança de honorários ou na defesa pela imputação de crime de homicídio culposo (exercício regular de direito).”


54 confissão prestada. O interesse é público de que o magistrado preserve o sigilo profissional.”

Ademais, o Estatuto da Advocacia consigna como direito do advogado, previsto no art. 7º, inciso XIX, “recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.” Ou seja, ainda que desobrigado, o causídico poderá recusar-se a depor, exatamente porque o sigilo profissional não constitui mero dever, tratando-se de verdadeiro direito, que tem por escopo preservar a credibilidade do profissional e de toda a classe de advogados. Nesse sentido, é importante registrar a observação feita por João Bernardino Gonzaga, devidamente anotada por Sobrinho e Lacava (2008, p. 175): [...] por via da proteção dispensada ao segredo particular, a norma busca também o seu escopo de garantir a confiança pública na lealdade dos confidentes necessários; o que, à sua vez, é indispensável na preservação da saúde coletiva, na distribuição da justiça, na moralidade dos negócios.

Certamente, a difusão de segredos, cujo conhecimento tenha sido alcançado pelo profissional em razão do exercício de determinada função, poderia ocasionar sérios transtornos à convivência entre as pessoas. Assim, a fim de evitar conflitos, os indivíduos procurariam não utilizar serviços essenciais como de médicos, de advogados, de padres e pastores, circunstância que ocasionaria riscos à coletividade. Como corolário, não se pode ignorar que o sigilo profissional tutela a própria convivência social. Nesse particular, possível é afirmar que o sigilo profissional, muito mais do que conferir proteção a segredos individuais, desempenha a indispensável missão de acobertar interesses sociais. Não por outra razão, Mirabete (2006, p. 196) o considerou como “uma instituição de ordem pública”, parecendo-nos ser essa, de fato, a natureza jurídica do sigilo profissional. Vocacionado à organização da vida social, segundo os preceitos do direito, o sigilo profissional constitui direito/dever que, se violado, afeta o interesse de toda a coletividade. É por essa razão que a ordem jurídica não o submeteu ao completo alvedrio das partes interessadas. Embora exista certa margem de manipulação pelos envolvidos, sendo detectada a presença de interesse público na preservação de determinado segredo, nem mesmo o seu titular poderá autorizar-lhe a revelação. Por


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conseguinte, caracterizado está o sigilo profissional como verdadeira instituição de ordem pública.

5.2. Mitigação Estabelecida a natureza jurídica, resta analisar se seria legítimo que o Estado utilizasse a atividade de inteligência para mitigar o sigilo profissional do defensor a fim de promover o enfrentamento às organizações criminosas. No que diz respeito à persecução penal, obrigatória se faz a transcrição do seguinte registro feito por Pacheco (2007, p. 03): O drama e a tragédia da persecução criminal transcorrem cotidianamente num cenário formado por duas forças diretivas que colidem tensamente, acarretando a contrariedade fundamental da persecução criminal: quanto mais intensamente se procura demonstrar a existência do fato delituoso e de sua autoria (princípio instrumental punitivo), mais se distancia da garantia dos direitos fundamentais, e quanto mais intensamente se garantem os direitos fundamentais (princípio instrumental garantista), mais difícil se torna a coleta e a produção de provas que poderão demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria.

Não há dúvidas de que, em se tratando de coleta de provas destinadas a um processo penal, resultados extremamente proveitosos poderiam ser extraídos com a flexibilização do sigilo profissional, mediante o emprego de técnicas investigatórias especiais, principalmente se observado o já consolidado método de produção de inteligência e as técnicas operacionais. De fato, afeiçoadas à busca do dado negado, as operações de inteligência poderiam servir como parâmetro para a obtenção de informações secretas reveladas pelo investigado – integrante de organização criminosa – a seu patrono. Apenas para exemplificar, após o meticuloso planejamento, um agente público, servindo-se de estória-cobertura58 em que figuraria como estagiário, poderia ser infiltrado em um escritório de advocacia, aproximando-se do alvo e, ao mesmo tempo, obtendo acesso a documentos sigilosos ou mesmo a conversas entre o assistido e seu defensor. Em outra vertente, o manejo da tecnologia permitiria a interceptação de comunicações ambientais estabelecidas, v.g., entre o advogado/defensor público e seu cliente nas dependências de uma delegacia de polícia, onde o investigado fosse ser

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A Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP) define estória-cobertura como a técnica de operação de inteligência de dissimulação, utilizada para encobrir as reais identidades dos agentes e das agências de inteligência, a fim de facilitar a obtenção de dados (e dos propósitos) e preservar a segurança e o sigilo.


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interrogado. Ainda, o monitoramento do telefone do defensor também poderia gerar importantes informações sobre determinado fato delituoso. De tal sorte, do ponto de vista do princípio instrumental punitivo, o emprego de procedimentos especiais de investigação que importem em relativização do sigilo profissional do defensor é altamente eficaz para a persecução penal relacionada a delitos praticados por organizações criminosas. Sob a ótica do princípio instrumental garantista, a mitigação do sigilo profissional do advogado/defensor público importaria restrição ao próprio direito de defesa do investigado. Isso porque as comunicações entre o assistido e seu patrono constituem parte indispensável à estruturação de estratégias de defesa, que, sob pena de se tornarem ineficazes, não devem ser propaladas. Nesse sentido, ainda, é importante frisar que a relação estabelecida entre o causídico e o cliente baseia-se na confiança. Assim, o investigado deve estar ciente de que, para uma defesa completa, sem surpresas, o defensor precisa conhecer a verdade sobre o fato, ou seja, os segredos eventualmente guardados em relação a determinado acontecimento. Todavia, ao proceder a essas necessárias revelações, o assistido é movido unicamente pela necessidade de se defender, não se preocupando com a prerrogativa constitucional de não se autoincriminar. Desse modo, diferentemente do que ocorre até mesmo em audiência formal, o investigado, durante uma conversa com o seu defensor, que estaria sendo interceptada, não seria advertido sobre o seu direito fundamental de permanecer em silêncio59. Nessa hipótese, o princípio coadunado no brocardo nemo tenetur se detegere, que sinaliza que ninguém é obrigado a acusar a si próprio, restaria sacrificado. Como corolário, é indiscutível que a flexibilização do sigilo profissional do defensor em prol da eficiência da persecução penal importaria em relativização do direito de defesa. A fim de verificar se tal procedimento é constitucional e, portanto, compatível com o Estado Democrático de Direito, torna-se imperioso examiná-lo à luz do princípio da proporcionalidade.

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O art. 5º, inciso LXII da Constituição da República dispõe que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogados.” Em sintonia com a norma constitucional, o art. 186 do Código de Processo Penal prescreve: “Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.”


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A primeira análise a ser feita diz respeito à idoneidade da medida, oportunidade em que é perscrutada a existência de um fim constitucionalmente legítimo e, ainda, a adequação (idoneidade) do meio para obter o fim almejado. No caso, o fim constitucionalmente legítimo é a formação de um acervo probatório apto a demonstrar a existência ou inexistência de ilícitos de dificílima comprovação, praticados por organizações criminosas, permitindo, por conseguinte, que o Estado exerça a sua função de garantidor da segurança pública, mediante a adoção das providências pertinentes, como v.g., decretação de prisões preventivas, deflagração de ação penal e etc. Nesse aspecto, é forçoso admitir que as comunicações entre defensores e investigados podem constituir fonte inigualável de prova da ocorrência de uma infração penal, configurando, portanto, eficiente meio de formação de um conjunto de provas. A mitigação do sigilo profissional, sob esse viés, atenderia a um fim legítimo e se apresentaria como meio idôneo para a obtenção dos resultados ambicionados. Sendo idônea, faz-se imperioso verificar se a flexibilização do sigilo profissional é necessária, isto é, se não existem meios menos gravosos de se obter o fim aspirado. Em relação a esse particular, parece-nos que a resposta apenas pode ser negativa. Em primeiro lugar, não se pode descurar que a Constituição da República, ao tratar da advocacia e da Defensoria Pública, dispôs em seus artigos 133 e 134, respectivamente: Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe à orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV.

Como corolário, o respeito à atuação profissional de advogados e de defensores públicos é considerado pela Lei Maior como pressuposto para o exercício da função jurisdicional do Estado. Nessa medida, para satisfazer o escopo de produção de um acervo probatório apto, seria possível o emprego de meios menos gravosos do que a vulneração do relacionamento entre o patrono e o assistido. De fato, todos os procedimentos investigatórios especiais descritos neste trabalho e qualquer outro meio de obtenção de prova podem e devem ser utilizados com o escopo de se definir a autoria e materialidade de delitos. Entretanto, as técnicas de


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coleta de provas devem obedecer ao princípio do devido processo legal, não podendo violar ou macular relações intrinsecamente lícitas, como é o caso da relação existente entre o investigado e o seu advogado/defensor público. Por conseguinte, não sendo satisfeito o subprincípio da necessidade, coerente é afirmar que a fragilização do sigilo profissional do defensor constitui medida inconstitucional, não podendo ser utilizada como técnica de enfrentamento aos ilícitos praticados por organizações criminosas. Diante de tal conclusão, torna-se dispensável a análise do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. Entretanto, apenas como exercício argumentativo, oportuno é consignar que, também à luz do terceiro componente do princípio da proporcionalidade, a mitigação do sigilo profissional para o fim de produção de prova de crimes se apresenta incompatível com o Estado Democrático de Direito brasileiro. Realmente, o subprincípio da proporcionalidade stricto sensu exige a realização de um juízo valorativo, uma ponderação entre o direito fundamental sacrificado e os resultados a serem obtidos com a medida. Sacrificados, conforme se demonstrou, seriam o direito à ampla defesa e o próprio respeito ao exercício profissional de advogados e de defensores públicos, exigidos pela Constituição Federal. Em contraposição, alcançado seria o escopo estatal de reunir elementos hábeis a subsidiar ações repressivas contra o crime organizado. Como efeito colateral, contudo, o Estado minaria as relações de confiança necessariamente estabelecidas entre assistidos e causídicos, dificultando as próprias relações sociais. Assim, sopesando benefícios e malefícios, tem-se que estes preponderam. Sobrinho e Lacava (2008, p. 180) consignam entendimento da lavra de Antônio Magalhães Gomes Filho, no mesmo sentido que ora se defende: Nesses casos, o professor argumenta que o interesse social que sustenta o segredo profissional deve prevalecer em relação ao interesse de obter dados probatórios, resultando em restrições importantes ao direito à prova. O raciocínio firmado com base na idéia de ‘ponderação de valores’ entre o direito à prova e a ‘proteção de certas atividades reconhecidamente úteis e necessárias à vida social’, conclui que ‘a possível exposição de fatos ocorridos nas relações profissionais, ou de crença religiosa, colocaria em risco a própria normalidade da atuação dos envolvidos.’ Ao final, o autor entende ser essa a razão da previsão, generalizada nos ordenamentos, da proibição da produção e do emprego da prova protegida por segredo profissional, seja de modo absoluto ou relativo, além de resultar na aplicação de outras sanções, citando como exemplo desse paralelismo as normas dos arts. 154 do CP e 207 do CPP brasileiros.


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Sob o ponto de vista da persecução penal, portanto, possível é afirmar que a utilização da atividade de inteligência para a flexibilização do sigilo profissional do defensor não se apresenta como medida legítima. Todavia, caso seja alterado o foco da questão, pensando não na produção de prova da autoria e materialidade de infrações penais, mas na utilização da atividade de inteligência com a finalidade de gerar conhecimento útil para assessorar a tomada de decisões estratégicas, a resposta ao problema da legitimidade poderá ser diversa. Isso porque as restrições apontadas no campo probatório, que demonstram, de acordo com a argumentação tecida, que a intervenção na relação entre o defensor e o assistido não resiste à análise dos dois últimos subprincípios do princípio da proporcionalidade – necessidade e proporcionalidade stricto sensu –, podem não ser aplicáveis. De fato, não tendo como objetivo produzir prova em um processo penal, a mitigação do sigilo profissional do advogado ou do defensor público, que poderia levar ao conhecimento de segredos de integrantes de organizações criminosas, não importaria em violação ao direito à ampla defesa, tampouco em vulneração ao princípio da não autoincriminação e desestabilização de relações sociais. Os dados obtidos serviriam para lastrear a produção de conhecimento/inteligência, não para a aplicação de sanção criminal. Desse modo, informações repassadas por envolvidos ao seu patrono poderiam subsidiar importantes decisões, relacionadas, por exemplo, à necessidade, ou não, de intervenção das Forças Armadas em determinada localidade. Além do mais, não se pode descurar que, para a definição de políticas públicas eficientes à prevenção do crime organizado, indispensável se faz a obtenção de dados sigilosos sobre a estrutura, o funcionamento e as atividades exercidas pelo ente delituoso em um local específico. Como corolário, pode ser necessário infiltrar um servidor público em determinado escritório de advocacia ou interceptar comunicações ambientais havidas entre o defensor e o seu assistido. Em tais hipóteses, não havendo outro meio de obter o dado negado, a medida interventiva é tida como necessária. Todavia, é preciso registrar uma ressalva. Caso o dado sigiloso pudesse ser eficientemente obtido por meio de operação de inteligência diversa, a intervenção na relação profissional existente entre o causídico e o seu cliente não seria indispensável. Consequentemente, a medida seria desproporcional, e, portanto, inconstitucional. Na


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prática, essa análise esbarra na dificuldade de controle da atividade de inteligência, transbordando, contudo, esse tema os estreitos limites do presente trabalho. Para os fins propostos, suficiente considerar que, sob o ponto de vista do princípio da proporcionalidade, a mitigação do sigilo profissional do defensor pela atividade de inteligência, visando à produção de conhecimento útil para assessorar decisões estratégicas, constitui providência necessária, satisfazendo, igualmente, as exigências postas pelo subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. De fato, realizado um exame valorativo, verifica-se a preponderância dos benefícios da medida, devendo ser ressaltado que os segredos obtidos pelos agentes de inteligência não seriam difundidos para além daqueles que, efetivamente, possuíssem a necessidade de conhecer a informação, ou seja, os tomadores de decisão. Por conseguinte, não haveria risco de exposição e perda de confiança da população na classe dos Advogados e dos Defensores Públicos. Traduzindo em poucas palavras, com o objetivo de se desincumbir de seu dever constitucional de garantir a paz e a tranquilidade social, evitando conferir proteção deficiente a um direito fundamental, é legítimo que o Estado se utilize da atividade de inteligência para alcançar segredos escondidos nos refolhos da relação constituída entre o advogado ou o defensor público e o cliente, sendo este integrante de organização criminosa. Entretanto, a informação sigilosa obtida apenas poderá ser utilizada para a produção de conhecimento necessário à tomada de decisões estratégicas, voltadas à escolha de eficientes políticas de enfrentamento às organizações criminosas.


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7 CONCLUSÃO Dependendo da ótica que se vislumbre a questão, a resposta ao problema proposto no presente trabalho cambiará entre dois extremos. Em determinada hipótese, nem mesmo a necessidade de enfrentamento às organizações criminosas autorizaria a relativização do sigilo profissional do defensor por meio do emprego da atividade de inteligência. Em outra circunstância, contudo, seria possível minar o sigilo que encapa a relação constituída entre o defensor e o seu assistido, com a finalidade de combater o crime organizado. A diferença entre uma e outra situação, capaz de gerar conclusões diametralmente opostas, fundamenta-se no objetivo perseguido pela utilização da atividade de inteligência. Caso a finalidade acossada seja a de constituir prova da autoria ou materialidade de infração penal praticada por organizações criminosas, o emprego da atividade deve ser entendido como ilegítimo, porquanto viola os princípios constitucionais da ampla defesa e da não autoincriminação, contrariando, ainda, o interesse social coadunado na manutenção da credibilidade coletiva no exercício profissional de advogados e de defensores públicos. Na hipótese, entretanto, de a atividade de inteligência guiar-se pela intenção de produzir conhecimento útil à tomada de decisões estratégicas, que garantam ao Estado planejar e executar políticas públicas eficientes à contenção dessa perigosa modalidade delituosa, a mitigação do sigilo profissional do defensor poderá ser possível, devendo a proporcionalidade da medida interventiva ser aferida diante do caso concreto.


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