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Rômulo Gomes Fonini

COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES ENTRE OS ÓRGÃOS DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO BRASIL

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública, oferecido pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais em parceria com o Centro Universitário Newton Paiva, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista “lato sensu” em Inteligência de Estado e de Segurança Pública. Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco


Belo Horizonte Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais 2010


Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública Monografia intitulada “Compartilhamento de Informações entre os Órgãos de Inteligência de Segurança Pública do Brasil”, de autoria de Rômulo Gomes Fonini, considerado aprovado, com a nota 80 (oitenta), pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________________ Presidente – Profesor Doutor. Denilson Feitoza Pacheco – Orientador

____________________________________________________________ Professor Mestre Roger Antônio Souza Matta

____________________________________________________________ Professor Especialista José Eduardo da Silva

Belo Horizonte/MG, 21/maio/2010.

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto 30140-062 - Belo Horizonte - MG Tel: 31-3295-1023 www.fesmpmg.org.br


AGRADECIMENTOS

À minha esposa e filhos, direção e sentido de tudo... Aos meus inimigos e desafetos, pois meu crescimento nos planos terreno e espiritual sempre se deu em razão de suas vãs tentativas em me obstaculizar...


RESUMO Como atingir o amplo compartilhamento de informações de Inteligência de Segurança Pública no conjunto de órgãos e instituições da área de inteligência, no Brasil? Este estudo visa encontrar formas de atingir um melhor compartilhamento de informações interagências e interinstituições de Inteligência de Segurança Pública no Brasil a partir da compreensão do ambiente de relacionamento interpessoal onde interagem os agentes e as instituições da área de inteligência. A partir de uma revisão do panorama atualizado da doutrina de compartilhamento de informações no âmbito da inteligência brasileira e através de uma análise sociopsicológica aplicada à área de inteligência, abordamos a questão sob prisma inovador, buscando elucidar o real comportamento dos indivíduos deste grupo, as condições as quais se submetem enquanto atores sociais do ponto de vista individual e coletivo e seus conflitos no campo emocional interno e externo enquanto profissionais. Nesta sistemática consideramos a experiência americana e sua reflexão após os acontecimentos do “11 de setembro”, a análise de caso prático na experiência inédita do CAISP 2003.2 e mergulhamos no campo sociológico da Janela de JOHARI, sempre buscando a aplicação destes conhecimentos à compreensão da realidade do profissional e das instituições de Inteligência de Segurança Pública, como forma de proporcionar novas experiências, qualificadas e alternativas de relacionamento, capazes de sugerir e alterar a dinâmica de intercâmbio no serviço de inteligência brasileiro. Desta forma, propomos o redirecionamento do eixo, sob o qual gira de forma pragmática toda a doutrina de inteligência brasileira, insensível ao aspecto humano e absolutamente indiferente ao trágico efeito da compartimentação sobre os resultados profissionais da produção do conhecimento.


ABSTRACT

How to achieve the huge sharing of Public Security Intelligence information in the group of institutions and organs of the intelligence area in Brazil? This study aims to comprehend the interpersonal relationship environment where agents and intelligence institutions interact, trying to find ways to achieve better information sharing inter-agencies and inter-institutions of security intelligence in Brazil. Making a review of the current scenario of the doctrine of information sharing within the intelligence of Brazil and through a social-psychological analysis applied to the area of intelligence, we addressed the issue under innovative prism, trying to clarify the actual behavior of individuals of this group, the conditions which they undergo as social actors in terms of individual and collective points of views and their internal and external emotional conflicts as professionals. For that we considered the American experience and its reflections after the 9/11 events, the analysis of a case in the new experience of CAISP 2003.2 and we plunged into the sociological field of the “Johari window”, always trying to apply this knowledge to understand the reality of the professionals and institutions of security intelligence, as a way to offer new experiences and qualified alternative relationships that will be able to suggest and change the dynamics of information exchange in the Brazilian intelligence service. This way, we suggest reshaping the direction in which rotates, in a pragmatic way, the whole doctrine of the Brazilian intelligence, insensitive to human aspects and absolutely indifferent to the tragic effect of the subdivision on the professional results of knowledge production.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................8 PARTE I – PANORAMA DA INTELIGÊNCIA ............................................................................... 12 2 DIAGNÓSTICO – A INTELIGÊNCIA BRASILEIRA......................................................................13 3 A EXPERIÊNCIA DOS EUA................................................................................................................16 3.1 O PLANO NACIONAL DE COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES CRIMINAIS DOS EUA................. 17 3.2 A ESTRATÉGIA NACIONAL DE INTELIGÊNCIA E CONTRAINTELIGÊNCIA DOS EUA .......................... 18 3.3 O PLANO DE 100 DIAS........................................................................................................................20 3.4 O PLANO DE 500 DIAS........................................................................................................................21 4 A EXPERIÊNCIA DO CAISP 2003.2─RELATO DE UM CASO PRÁTICO.................................23 4.1 DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURAÇÃO DO PROJETO ..................................................................... 23 4.2 O CURSO E SEU ENFOQUE PEDAGÓGICO ........................................................................................ 25 PARTE II – ANÁLISE SOCIOPSICOLÓGICA DA ÁREA DE INTELIGÊNCIA ......................... 31 5 ESTUDO DO COMPORTAMENTO EMOCIONAL .................................................................... 32 6 A JANELA DE JOHARI........................................................................................................................40 7 PROCESSOS DE INTERAÇÃO...........................................................................................................43 8 A APLICABILIDADE DO COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES NO CONTEXTO BRASILEIRO ATUAL.............................................................................................................................47 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

...........................................................................................................53

REFERÊNCIAS.........................................................................................................................................55


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1 INTRODUÇÃO Como melhorar o nível de compartilhamento de informações no âmbito da inteligência de segurança pública no Brasil? Talvez, nas demais tipologias de inteligência, como: inteligência de Estado, inteligência competitiva, inteligência doméstica etc, o interesse da autoridade não permita o compartilhamento interagências e interinstituições, uma vez que seus objetivos pessoais ou institucionais possam ser refratários aos objetivos dos outros grupos. Porém, no trato da inteligência de segurança pública (ISP), diferentemente das demais tipologias, o interesse geral de todas as agências oficiais do país e das autoridades para as quais trabalham obrigatoriamente converge para um só objetivo comum, qual seja, combater o crime organizado, auxiliando na formação de prova, desbaratando as quadrilhas e levando seus integrantes à condenação nos tribunais. E este é, ou presume-se que deva ser, o objetivo dos serviços de Inteligência de Segurança Pública das Secretarias dos Entes Federados, dos serviços de ISP de suas Polícias Civis e Militares, bem como do serviço de ISP da Polícia Federal, Rodoviária Federal e, inclusive, das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e a própria Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), quando sua coleta intersecciona com questões policialescas, ressalvadas suas missões constitucionais. Assim, verificamos que, por definição, a Inteligência de Segurança Pública se constitui na única modalidade de inteligência capaz de permitir que, na relação institucional interagências, exista, por conceito comum, um nível real de permeabilidade de informações com fluxo constante e permanente. Nesse sentido, o processo de reconhecimento da ISP como tipologia específica no arcabouço da inteligência geral deve ser considerado como um passo decisivo na direção do compartilhamento de informações, na medida da necessidade de desenvolvimento de uma adaptação doutrinária desta nova modalidade, com suas peculiaridades e especificidades. Este simples reconhecimento permite que a ISP desenvolva um redesenho das relações interagências e interinstituições capaz de catalisar o processo de


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compartilhamento de informações de forma peculiar e voltado ao universo real da ISP no Brasil. É interessante observar que ao analisarmos o fenômeno do não compartilhamento de informações interagências ou interinstituições, independentemente de sua motivação, percebemos, de pronto, que tal comportamento se dá no plano prático, uma vez que a doutrina clássica nos coloca abundantemente da necessidade do compartilhamento de informações, estendendo-se este espectro conceitual a todos os ramos e momentos da história da inteligência. Devemos avaliar, portanto, quais as reais motivações que definem as ações de proteção que levam à compartimentação das informações no seio das agências, impedindo o processo colaborativo, por vezes, até mesmo dentro de uma mesma instituição. Tal motivação se dará no âmbito orgânico institucional, como desdobramento dos interesses da organização, ou em realidade os motivos têm sua gênese no elemento humano, e nas complexas hostes das relações interpessoais, induzidas por interesses políticos, sociais e econômicos do indivíduo, que, no objetivo de almejar pretensões pessoais, utiliza-se do poderoso gerenciamento da máquina pública e/ou privada como instrumento capaz de possibilitar o alcance das vantagens perseguidas. O presente estudo pretende navegar, de forma exploratória, sobre o universo das relações interinstitucionais e interpessoais que compõem o campo de atuação da Inteligência de Segurança Pública no Brasil, buscando compreender como se processam, no ambiente prático e em sua forma real, criando enormes gargalos, até hoje não superados, e que impedem que os serviços de ISP no país consolidem o salto de qualidade que certamente nos colocaria em outro patamar técnico e profissional. Nossa pesquisa nos remete para uma exploração do ambiente social na área de inteligência, mesclando técnicas próprias da pesquisa qualitativa, exploratória e fenomenológica no universo do dissenso da ciência social, que não produz resultados explicativos imediatos, mas não impede a produção de conhecimento racional. “As condições definidoras da crise do paradigma nas ciências naturais são a rotina nas ciências sociais, disciplina em estado de profundo desacordo e revolução teórica” (ALEXANDER, 1987, p.7).


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Na linha das dificuldades que a pesquisa social apresenta para o estabelecimento das afirmações ideográficas, dependentes de tempo e espaço, e do estabelecimento de verdades empíricas de suas proposições quando confrontadas com dados, buscamos encarar esta exploração do ponto de vista da possibilidade de avaliar o processo compartilhamento/compartimentação

interagências

no

universo

social

do

relacionamento interpessoal e intercoletivo em ambientes restritos, buscando a compreensão e a identificação dos reais motivos do comportamento excessivamente protetivo dos agentes no trato das informações, em relação a indivíduos de mesmo grupo e status social e profissional semelhantes. “É mais difícil controlar as variáveis porque é mais difícil controlar os homens que as coisas” (HOMANS, 1970, p.57). Já as características do enfoque qualitativo nos induzem a construir a realidade, entendendo que as ciências sociais não podem ser quantificadas, “trabalhando com o universo de crenças, valores, significados e outros construtos profundos das relações que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2003, p.16-18). A pesquisa qualitativa traz características bastante peculiares que a distinguem do universo pragmático das técnicas utilizadas no trato das ciências exatas, e que a recomendam para a observação específica do meio social humano. Não procura enumerar ou medir os eventos estudados e não utiliza estatísticas para o estudo dos dados, valorizando os dados descritivos de pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada. Ela “considera o ambiente como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento chave; possui caráter descritivo; o processo é o foco principal de abordagem e não o resultado ou o produto; a análise dos dados foi realizada de forma intuitiva e indutivamente pelo pesquisador; não requereu o uso de técnicas e métodos estatísticos; e, por fim, teve como preocupação maior a interpretação de fenômenos e a atribuição de resultados” (GODOY, 1995, p.58). De outra parte, fundamentamos esta pesquisa nas bases do conceito etnometodológico que trabalha com a perspectiva da pesquisa compreensiva em oposição à noção explicativa. “A etnometodologia considera que a realidade


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socialmente construída está presente na vivência cotidiana de cada um e que em todos os momentos podemos compreender as construções sociais que permeiam nossa conversa,

nossos

gestos,

nossa

comunicação,

etc.”(WIKIPÉDIA,

http://pt.wikipedia.org/wiki/Etnometodologia) A etnometodologia compreende a consciência que os indivíduos possuem da sua ação como constitutiva do seu próprio sentido, valorizando a especificidade dos fenômenos sociais, propondo uma metodologia diferente tanto para sua explicação como para sua descrição e compreensão. Neste método não se exige a isenção do pesquisador em relação ao fenômeno, podendo, o pesquisador, ser parte deste. Assim, estabelecemos algumas diretrizes que devem nortear o nosso estudo e auxiliar-nos em nossa busca do entendimento e da compreensão do processo de “travamento” das relações, no universo da Inteligência de Segurança Pública no Brasil.


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PARTE I – PANORAMA DA INTELIGÊNCIA


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2 DIAGNÓSTICO ─ A INTELIGÊNCIA BRASILEIRA Não é pretensão deste trabalho fotografar o que seria a atividade de inteligência no Brasil na atualidade, discutindo doutrina, classificações, tipologias, categorias, funções ou legislação. Nosso diagnóstico pretende, à luz de alguma doutrina clássica da atividade, tentar, através da observação acumulada do que seriam os padrões aceitáveis de comportamento do ponto de vista do compartilhamento dos agentes enquanto indivíduos ou enquanto coletivo profissional em seus microambientes, encontrar metodologias para o atingimento de um melhor nível de compartilhamento interagências e interinstituições. E passamos a avaliar o conhecimento teórico acumulado a partir de seu âmago doutrinário, que é seu conceito. Muitos autores escreveram e teceram sua impressão conceitual para esta “bíblica” atividade ─ indivíduos de diversas origens, nacionalidades, instituições e corporações, experientes agentes e ocupantes de cargos de alta relevância nacional e internacional. Todos eles conhecedores da realidade da área de inteligência e de suas interconexões com o mundo político, econômico e social. Da mesma forma, as diversas instituições brasileiras, que por dentro de suas missões constitucionais, de uma forma ou de outra, colaboraram na construção da doutrina vigente no país, estabeleceram suas diretrizes e normas próprias, enriquecendo de forma diversificada o mosaico doutrinário da atividade, no Brasil. Entretanto, examinando esta diversidade ideológica, verificamos que é intrínseca à própria doutrina uma rigidez conceitual que manteve de forma coesa e dogmática os principais vetores constitutivos da teoria do serviço de inteligência no país por décadas, garantindo-lhe uma espécie de continuidade e longevidade com base em uma espinha dorsal dura e de pouca flexibilidade. Do ponto de vista da presente pesquisa, curiosamente, percebemos que a diversificada base doutrinária nunca omitiu posição no que se refere ao fomento ao compartilhamento das informações, inclusive, como forma de ampliar o espectro dos dados obtidos sejam eles negados ou não.


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Interessantes as observações contidas no antigo Manual Básico da Escola Superior de Guerra (ESG), que também trata de informações (inteligência) como conhecimento, organização e atividade. Sobre inteligência como conhecimento, a ESG assinala que a “Política Nacional (...) deve ser estabelecida e conduzida à luz de uma série enorme e variada de dados impossíveis de caber em um só cérebro, em condições de serem utilizados a qualquer momento e com um mínimo de probabilidade de erro. Tais conhecimentos, na realidade, são fruto de um método técnico-científico de raciocínio e devem permitir o acompanhamento dos fatos parciais obtidos, para relacioná-los com as variações que ocorrem, As informações assim produzidas, em resumo, devem traduzir a situação do próprio país, os antagonismos, as vulnerabilidades, as possibilidades, as pressões e outros fatores concernentes, bem como conhecimentos relativos a outros países: tudo isso atualizado e projetado para o futuro, com base em dados e informes devidamente atualizados e interpretados. É evidente que tais informações, embora não esgotem o assunto sobre o qual incidem, representam uma espantosa e variada massa de conhecimentos, diuturnamente ampliada [GONÇALVES, 2009, p.9].

Portanto, vê-se que, do prisma conceitual da inteligência de estado praticada pela Escola Superior de Guerra, há que existir contínuo compartilhamento de informações como forma de alimentação permanente do complexo quadro dos fatos e a relação entre eles. Parecendo um raciocínio óbvio, Joanisval Gonçalves também nos afirma: “International Dictionary of Intelligence define inteligência como o produto resultante da reunião e processamento de informação...”. Após, conclui: O Departamento de Defesa (DoD) dos EUA converge com esse entendimento, definindo inteligência como o produto resultante da coleta, processamento, integração, análise, avaliação e interpretação de informações disponíveis referentes a países ou áreas no exterior.

Ainda acrescenta a CIA: O processo de produção de conhecimento de inteligência envolve a reunião acurada e sistemática dos fatos.

Conceitos como “reunião”, “integração” e “reunião acurada e sistemática dos fatos”, quando vinculados à idéia de informação, indicam claramente o caminho do compartilhamento como método capaz de ampliar em curto espaço de tempo e com grande eficácia a quantidade de dados obtidos, potencializando os resultados de qualquer análise. Expressões como “sendo reunida, refinada e direcionada” (LOWENTHAL, op. cit., p. 1-2) ou “processo informacional proativo e sistemático” (www.abraic.org.br),


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ou, ainda, “reunião de informação” (GILL; PHYTIAN, 2006, p.7) quando ligadas ao conceito de informação, nos remetem indiscutivelmente ao compartilhamento. Joanisval Gonçalves nos acrescenta, ainda: Destarte, apesar de não se confundir com a atividade policial, a inteligência interna deve atuar em cooperação com aquela em um contexto de segurança pública. Afinal, muitas vezes os alvos dos serviços de inteligência interna estão envolvidos diretamente com atividades criminosas, sendo de interesse de ambos os setores do Poder Público. Isso se dá em especial quando essas pessoas, grupos ou organizações vinculam-se ao crime organizado e ao terrorismo. Daí a necessidade de cooperação, tanto no compartilhamento de informações estratégicas – e algumas vezes táticas – quanto no desenvolvimento de operações conjuntas entre polícia, fisco e serviços secretos[GONÇALVES, 2009, p. 46].


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3 A EXPERIÊNCIA DOS EUA No dia 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos da América foram surpreendidos com a mais ousada investida do terrorismo nos tempos modernos. O ataque ao World Trade Center praticamente colocou em colapso o sistema de segurança nacional norte-americano, que se sentia impotente diante dos acontecimentos e, de outra parte, compreendeu, imediatamente e da forma mais traumática, as profundas deficiências daquele que, até então, apresentava-se como o mais eficiente serviço de inteligência do mundo. As bases históricas e tecnológicas da nação americana foram decisivas para que, tão rapidamente como os ataques se consumassem, se organizassem, paralelamente, as primeiras reuniões que passariam a definir, por etapas, uma reavaliação geral das políticas de segurança nacional dos EUA e de seu serviço de inteligência nacional propriamente ditos, consumando uma mudança de postura e um alerta mundial para os novos tempos de enfrentamento do terrorismo e do crime organizado. Já nas primeiras semanas de investigação sobre o ocorrido, ficou patente que o sistema de inteligência nacional havia coletado dados de forma compartimentada, que antecipavam o ato terrorista, mas que não foram seriamente trabalhados e, principalmente, não foram confrontados com outros dados, deixando evidente a grande deficiência do sistema de inteligência americana, dentre outras: a fragilidade do compartilhamento das informações entre os organismos governamentais de inteligência. Seguiu-se uma série de providências que abordaremos rapidamente, formatando o marco teórico desta pesquisa, ao mesmo tempo em que reunimos elementos para nossas conclusões finais, tais como: o “NCISP ─ The National Criminal Intelligence Sharing Plan – EUA”, o “NIS – The National Intelligence Strategy of the United States of América”, o “100 Day Plan for Integration and Collaboration – EUA” e o “500 Day Plan for Integration and Collaboration ─ EUA”.


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3.1 O Plano Nacional de Compartilhamento de Informações Criminais dos EUA Nasceu com base no ataque terrorista ao World Trade Center, levando em consideração os acúmulos adquiridos: na Conferência Anual da Associação Internacional dos Chefes de Polícia (IACP) – Toronto/Canadá, 2001; na Reunião de Cúpula sobre o Compartilhamento de Inteligência Criminal – Virgina/EUA, março/2002; nas Recomendações da Reunião de Cúpula de Inteligência do IACP – Compartilhamento de Inteligência Criminal: Plano Nacional para o Policiamento Orientado pela Inteligência, nos níveis local, estadual e federal, na proposta de criação do Plano Nacional de Compartilhamento de Inteligência Criminal; na Formação do Grupo de Trabalho de Inteligência (GIWG); na Iniciativa Global de Compartilhamento de Informação da “Justiça” (Global). A participação estendeu-se a órgãos governamentais, associações e redes, como CDX, CISA, IACP, IALEIA, LEIU, RISS, redes estaduais de inteligência de segurança pública (LEIN) etc. Baseou-se no levantamento realizado pela Major Cities Chiefs Association para estabelecer os cinco principais obstáculos ao fluxo da informação de inteligência, “reconhecendo, em primeiro lugar, que a falta de comunicação e compartilhamento de informação se deve à falta de inteligência oriunda das agências federais” (FEITOZA, 2009, Palestra) e, posteriormente, estabelecendo a necessidade de criação de um Conselho de Coordenação da Inteligência Criminal, composto por entidades locais, estaduais, “tribais” e federais, “que proporcionará e promoverá um processo amplamente inclusivo de compartilhamento e de geração de inteligência criminal” (FEITOZA, 2009, Palestra). E ainda conclui pela “necessidade de incrementar a disponibilidade de informação de sistemas classificados para agências de segurança pública, locais e estaduais” (FEITOZA, 2009, Palestra), com o fim de prevenção e investigação de crimes em suas jurisdições, flexionando, para além do combate às ações terroristas, a necessidade do combate diário às ações do crime organizado. Por fim, o plano reconhece a necessidade de “identificar uma capacidade de compartilhamento – de informação de inteligência – que possa ser amplamente acessada por agências de


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segurança pública (law enforcement) locais, estaduais, tribais e federais” (FEITOZA, 2009, Palestra). O Plano Nacional de Compartilhamento de Informações Criminais dos EUA friza, ainda, a necessidade de a tecnologia garantir o compartilhamento de informações de forma segura e integrada entre os diversos sistemas utilizados, e segue buscando reunir toda gama de subsídios necessários à estruturação de um plano-modelo de longo prazo para um compartilhamento de inteligência oportuno e confiável.

3.2 A Estratégia Nacional de Inteligência e Contrainteligência dos EUA A Estratégia Nacional de Inteligência dos Estados Unidos da América foi elaborada pelo Escritório do Diretor Nacional de Inteligência em 2005, estabelecendo a necessidade de uma drástica revisão a ser realizada pela comunidade de inteligência dos EUA, com a finalidade de criar um novo sistema de compartilhamento de informações com base na Estratégia de Segurança Nacional publicada em 2002. Traduziu-se na construção de quinze objetivos estratégicos de uma nova legislação, classificados como objetivos da missão e objetivos empresariais. É importante salientar, com vistas ao enfoque do compartilhamento, que para derrotar o terrorismo, combater a proliferação de armas de destruição em massa e sustentar as novas democracias mundiais, do ponto de vista da premissa de que os estados não devem servir como refúgio ou como ambiente de reprodução do extremismo, a Estratégia Nacional de Inteligência passou a buscar um aumento de sua capacidade analítica reforçando o papel estratégico da previsão, o que nos remete à qualificação no trato e no conhecimento comum dos dados obtidos. Também em seus objetivos específicos (enterprise objectives), a estratégia introduz, inicialmente, a intenção de “integrar as unidades de inteligência do Departamento de Justiça e Departamento de Segurança Interna (DHS) para a comunidade de inteligência” (The National Intelligence Strategy/USA, 2005, p. 11), fazendo referência à racionalização do processo de partilha de informações, respeitadas


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as liberdades civis, requerendo a cooperação da comunidade de inteligência estadual, local e do setor privado.

Em outro item, a estratégia americana ressalta: A necessidade de mudar a cultura da – necessidade de conhecer – e a necessidade de ter partes - aumentando a colaboração em todos os níveis, o que exige reverter a percepção de como a informação é divulgada. A comunidade de inteligência deve abraçar uma – necessidade de partilha de mentalidade – em vez de uma – necessidade de saber , com a finalidade de permitir que os responsáveis políticos possam encontrar e acessar informações em tempo hábil. Novas ferramentas de colaboração são necessárias para atingir este objetivo. [The National Intelligence Strategy/USA, 2005, p. 10].

Outro ponto importante trata da criação padronizada de novas práticas de segurança, sugerindo a reclassificação de dados para tornar mais fácil compartilhar. Deverá haver um padrão de menor restrição à informação e uma reciprocidade política de autorizações de segurança entre as agências. Além disso, os esforços de contra-espionagem conduzidos por diferentes agências estão aumentando seus esforços de colaboração. [The National Intelligence Strategy/USA, 2005, p. 10].

A Estratégia Nacional de Contrainteligência dos Estados Unidos da América (2007), da mesma forma, apresenta suas conclusões no sentido do fomento ao compartilhamento das informações como forma de fazer frente à constatação de que o país não consegue compatibilizar suas atividades e recursos com uma política nacional unificada de contra-espionagem. O “National Counterintelligence Executive (NCIX)” é responsável pela orientação do processo de integração da comunidade de contrainteligência estabelecendo sua responsabilidade de identificar, avaliar, priorizar e combater as ameaças de inteligência contra os EUA. Assim, em consulta com o “National Counterintelligence Policy Board”, o NCIX iniciou processo de moldagem e definição das prioridades para um amplo programa unificado de contraespionagem nacional que passou a orientar o comportamento destas atividades no território dos EUA. Inclusive envolvendo-se com outros setores da comunidade de inteligência como o setor privado, o acadêmico e outros, dentro de um espectro de reconhecimento pleno de que, somente através de uma abordagem unificada pode-se reunir os elementos necessários para que o governo federal norte-americano


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possa executar com sucesso a missão de qualificar a segurança da nação, mantendo a integridade do sistema de inteligência, garantindo a capacidade nacional de competitividade para a obtenção de vantagens econômicas, protegendo a incolumidade das Forças Armadas, e possibilitando a tranqüilidade para a execução dos processos decisórios pelo governo constituído. A estratégia ressalta, “cada agência e departamento, no contexto nacional, irão contribuir, com sua capacidade própria, com sua autoridade e com seus recursos individuais em nome de um esforço unificado” (The National Counterintelligence Strategy/USA, 2007, p.5). Assim, o sistema nacional de inteligência, de forma integrada, fornecerá o conjunto de informações confiáveis para o Governo dos EUA.

3.3 O Plano de 100 dias Produzido com base nos fundamentos estabelecidos pela Estratégia Nacional de Inteligência dos Estados Unidos da América, o “100 Day Plan for Integration and Collaboration”, é constituído de iniciativas específicas e tarefas a serem executadas de acordo com as prioridades estabelecidas pelo Diretor Nacional de Inteligência. O objetivo é viabilizar as mudanças na comunidade de inteligência de forma ágil, impulsionando o processo de integração. Prevê-se, na seqüência, a criação do plano de 500 dias, que deverá alinhar-se ao Plano de 100 dias, integrando-se às atividades em curso, bem como às atividades previstas, não incluídas neste último. O Plano enfoca seis áreas de transformação, com vistas à nova dinâmica de integração, ressaltando já de início, a preocupação com a criação de uma cultura de colaboração, onde as chamadas forças de trabalho (forças-tarefa), seriam envolvidas no “espírito americano” ambientando-se em um clima favorável à aceitação de mudanças culturais. O Plano reconhece que “dos esforços de transformação, poucos tem sido bem sucedidos quando não abordam a cultura” (100 Day Plan for Integration and collaboration, 2007, p.2). De outra parte, o quinto enfoque do plano aborda os imperativos para as mudanças pretendidas deixando evidente a necessidade de uma avaliação detalhada sobre regras de classificação de programas de gestão e comportamentos que se


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formataram ao longo de mais de meio século. O Plano propõe, a partir de esforços do gestor de programas e relativo ao fluxo de informações, “a migração de uma ─ necessidade de saber ─ para a ─ responsabilidade de proporcionar ─ por parte de nossos coletores e analistas” (100 Day Plan for Integration and Collaboration, 2007, p. 9). O Plano deverá repensar regras de classificação, normatizações e mudanças de comportamentos culturais, propondo que se altere, nos agentes, a sensação de “propriedade dos dados”, o que inibe o compartilhamento, buscando reescrever as políticas de modo a garantir a proteção da informação sensível, minimizando o risco destas mesmas informações acabarem por não chegar àqueles que delas necessitam. Esforços foram realizados para reforçar a partilha da informação na Central de Inteligência, bem como para a criação de centros de fusão. Por fim, o Plano dos 100 dias, expressa que os comportamentos não podem ser proscritos. A intenção é mudar a partir da necessidade atual de saber: “criando a tensão adequada em um sistema mais eficaz para equilibrar a – responsabilidade de fornecer ao mesmo tempo em que se responde à necessidade de proteger fontes e métodos” (100 Day Plan for Integration and Collaboration, 2007, p. 9).

3.4 O Plano de 500 dias Na esteira do Plano de 100 dias e dando início à fase seguinte, o Plano dos 500 dias para a Integração e Colaboração foi concebido para sustentar e acelerar o ritmo de implantação do processo com um conjunto alargado de iniciativas e uma maior participação da coordenação. O Plano dos 500 dias centra-se em seis áreas distintas, dentre as quais se destacam, de maneira relevante a esta pesquisa, o mantenimento e aprofundamento da intenção de criação da cultura de colaboração na comunidade de inteligência, bem como a aceleração do processo de compartilhamento de informações. A idéia central está focada no aprofundamento da integração das pessoas da comunidade de inteligência, dos processos e das tecnologias. Enquanto o núcleo prevê lideranças “sênior” com o objetivo de concentração de atenções sobre os esforços mais


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críticos de transformação, o conceito de “habilitação” busca fomentar as iniciativas essenciais para a consecução da visão de um sistema integrado de inteligência empresarial. A comunidade de inteligência irá trabalhar colaborativamente para executar o Plano de 500 dias por “cross-organizacional” dos grupos de trabalho para cada iniciativa, concluindo que a colaboração é fundamental para o sucesso da missão.


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4 A EXPERIÊNCIA DO CAISP 2003.2 – RELATO DE UM CASO PRÁTICO 4.1 Desenvolvimento e estruturação do projeto Buscando

historiar

o

desenvolvimento

e

estruturação

do

Curso

de

Aperfeiçoamento em Inteligência de Segurança Pública da SENASP, queremos considerar aquela que deve ter sido a experiência introdutória dos estudos em Inteligência de Segurança Pública no Brasil, bem como o primeiro projeto pedagógico brasileiro voltado para o fomento ao compartilhamento de informações interagências e interinstituições. Ao serem traçadas, no início do ano de 2003, as diretrizes propositivas de ações e produtos a serem desenvolvidos na Coordenação de Ações de Integração em Segurança Pública do Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Recursos Humanos da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça, uma série de reuniões internas de trabalho foram desencadeadas. Como resultado destas reuniões, dentre outras tantas premissas, ficou patente que, a área de inteligência no âmbito das Unidades Federativas necessitava de uma maior coordenação, capaz de promover uma rede de integração nacional de forma metodológica e baseada em princípios de credibilidade e confiança entre as polícias estaduais e federais, bem como com outros órgãos afetos ao sistema. De outro lado, ficou também evidente, a necessidade de aporte técnico para a estruturação dos diversos núcleos de inteligência estaduais já criados ou potencialmente planejados. Tal necessidade tornou-se óbvia na medida em que, nos primeiros meses do ano de 2003, constatou-se o grande número de solicitações dos Entes Federados buscando o apoio da SENASP para orientarem-se a respeito. A idéia passou a ser, a partir daí, inverter o fluxo de demanda e oferta de forma que se pudesse privilegiar o atendimento coletivo das instituições em detrimento de uma política de atendimento individual, a qual vinha despendendo recursos e energias


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desnecessárias, além de não atender o critério de agilidade no cumprimento do cronograma de atividades. Nesta ótica, nasceu a idéia de promover um curso na área de Inteligência de Segurança Pública que fosse capaz de, rapidamente, atender as demandas técnicas dos Entes Federados podendo agregar-lhes, ainda, capacidade de integração e qualificação, além de revisar os aspectos axiológicos e operativos, intensificar e padronizar o uso da Rede Nacional de Inteligência de Segurança Pública (RENISP), a qual estava, então, em fase de implementação, adequar e padronizar as estruturas, refocar o papel da inteligência aplicado ao campo da Segurança Pública, colher sugestões para implementação tecnológica, revisar padrões éticos e legais, aprofundar o potencial analítico e induzir a compreensão da análise de problemas sociais complexos e com impacto potencial sobre a ordem pública. Como metodologia de trabalho o CAISP considerou a intenção de construção coletiva do desenvolvimento da idéia, tendo sido proposto, à época, uma dinâmica que proporcionou encontros de trabalho capazes de propiciar ambiente de agregação do conhecimento na área específica, bem como a contratação de consultoria na área específica de ISP. Inicialmente, foi realizado, em 14 e 15 de julho 2003, o “I Workshop” – Inteligência em Segurança Pública – Formulação de Propostas, em Brasília, o qual contou com 08 (oito) participantes externos de universo executivo, todos de notável saber na área de inteligência, e com 06 (seis) integrantes da SENASP. Posteriormente, foi realizado, em setembro 2003, o “II Workshop” – Inteligência em Segurança Pública – Formulação de Propostas, em Brasília, o qual contou com 14 (quatorze) participantes externos de nível executivo, todos de notável saber na área de inteligência, e com 06 (seis) integrantes da SENASP. Por fim, foi realizada, em outubro 2003, a “I Reunião de Coordenação de ensino de Inteligência do CAISP 2003.2”, a qual contou com 09 (nove) participantes externos, todos já integrados ao corpo docente do supramencionado curso, e com 05 (cinco) integrantes da SENASP (Coordenações: Geral de Ensino da SENASP, Geral de Ensino de Inteligência, Pedagógica e Executiva).


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Cabe salientar, ainda, que a referida proposta foi avaliada na Reunião dos Diretores de Rede da RENISP no Brasil, ocorrida no Ministério da Justiça, com a presença de quase a totalidade dos Entes Federados. Possibilitado o processo de imersão cultural e técnica na vivência policial reunida nos “Workshop”, bem como na orientação da consultoria contratada na especificidade de ISP, foi produzido um Anteprojeto de Curso, sugestão que, após revisão da área técnica de Inteligência da SENASP e também da Coordenação de Ensino da SENASP, transformou-se no Projeto CAISP 2003.2. Nessa perspectiva, seguiu-se o processo de implementação, que culminou com o início das aulas na Turma “A” em Porto Alegre (RS), em 13 Out 2003, e da Turma “B” em Natal (RN), em 20 Out 2003, as quais integravam no corpo discente os Diretores do Subsistema de Inteligência dos 27 Entes Federados, bem como os representantes do Subsistema de Inteligência Penitenciária e convidados de outros órgãos (Relatório da Coordenação de Inteligência da SENASP/MJ, 2004, p. 4). Já nas avaliações preliminares relativas às disciplinas do primeiro módulo e posteriormente, nas avaliações finais do CAISP 2003.2, observou-se, claramente, que os objetivos centrais foram plenamente atingidos, inclusive gerando desdobramentos importantes relativos ao processo de integração e compartilhamento dos atores que compõem o Sistema de Inteligência de Segurança Pública no Brasil.

4.2 O curso e seu enfoque pedagógico A proposta do CAISP 2003.2 beneficiou-se das elaborações prévias feitas pela própria equipe da SENASP, além de discussões realizadas nos workshop Inteligência e Segurança Pública, realizados em Brasília nos meses de julho e setembro de 2003, bem como de discussões com profissionais da área de inteligência das secretarias de Segurança Pública e Justiça de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, somando-se às experiências agregadas pela consultoria técnica.


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Tendo em vista a otimização dos recursos disponíveis para a realização da versão piloto do curso no segundo semestre de 2003, nesta versão, o curso foi delimitado em 240 horas-aula. A carga horária foi dividida em 120h presenciais (três semanas de trabalho de cinco dias, com oito horas-aula por dia) e 120h de ensino a distância (seis semanas de trabalho de cinco dias, com quatro horas-aula por dia). Todas as disciplinas foram planejadas com 20 horas-aula. Cada semana de trabalho presencial foi seguida de duas semanas de trabalho caracterizada por ensino a distância. As semanas presenciais tiveram uma carga diária de trabalho de oito horas-aula. As duas disciplinas de cada módulo presencial foram ofertadas simultânea ou seqüencialmente. As semanas dos módulos à distância tiveram uma carga diária de trabalho de quatro horas-aula. Como as disciplinas dos módulos à distância, (dividiram-se em dois tipos: trabalhos individuais e trabalhos em grupo), elas foram cursadas seqüencialmente. Para redução dos custos e facilitação do fluxo logístico, o curso dividiu-se em duas turmas que funcionaram em Natal (RN) e Porto Alegre (RS), respectiva e concomitantemente. Todas as unidades de programa foram elaboradas para um público-alvo formado pelos dirigentes dos órgãos de inteligência das Secretarias Estaduais e/ou pelos analistas mais experientes de cada órgão, bem como para seus homônimos do Sistema Penal de cada Unidade Federativa e polícias federais, e ainda, Forças Armadas e Agência Brasileira de Inteligência. Isto quer dizer que, mesmo os conteúdos apresentados de maneira introdutória foram problematizados e analisados criticamente pelos professores e alunos nos módulos presenciais como preparação para que os módulos à distância ajudassem efetivamente a avançar a fronteira do conhecimento prático sobre os usos da atividade de inteligência na área de segurança pública no Brasil. Supô-se ainda, que o público alvo fosse usuário proficiente da Internet e de ferramentas eletrônicas de processamento de texto, de planilha eletrônica e de apresentação. A modalidade de ensino a distância (EAD) adotada, caracteriza-se por comunicação mediada por computador (CMC) em modo assíncrono e distribuído, utilizando programa de correio eletrônico criptografado na RENISP. Esta modalidade de EAD somente é recomendada para turmas até 40 (quarenta) alunos e tem como


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principal vantagem o baixo custo operacional, pois não demanda uma plataforma (“software”) especializada de educação à distância para sua utilização. Também, permite ao aluno uma maior flexibilidade no uso do tempo de aprendizagem. Por outro lado, ao contrário de outras formas de interação possibilitadas pelas atuais tecnologias de educação a distância (teleconferência, “videoweb”, sala de aula “on-line” etc) a EAD por correio eletrônico caracteriza-se por taxas mais baixas de interação entre professor e aluno e por uma forte ênfase na auto-aprendizagem. Para minimizar as desvantagens desta modalidade de EAD a equipe responsável pelo CAISP reforçou o nível de coordenação entre os professores do curso e construiu uma comunidade colaborativa entre os alunos e entre os alunos e professores, com o objetivo de manter um alto nível de motivação, o qual foi crucial para o sucesso da modalidade de ensino aplicada. Aliás, a motivação dos participantes e a integração entre eles foram preocupações permanentes da equipe responsável pelo curso, tanto nas disciplinas, fossem elas, à distância ou presenciais, quanto nos momentos extraclasse. A coordenação pedagógica do curso deu especial atenção para que as dinâmicas de ensino-aprendizagem e de socialização do grupo estivessem adequadas ao duplo objetivo do curso e também que fossem adequadas ao tipo de público-alvo. Metodologicamente é preciso destacar o perfil de saída segundo objetivos de aprendizagem especificados para cada par de módulos. Os pontos de partida para a definição dos objetivos específicos traduziram-se nos dois objetivos gerais do curso: a efetiva integração das polícias e demais agências de segurança pública e a capacitação dos gestores da área de inteligência para liderarem o processo de formulação e implementação de um modelo brasileiro de Inteligência de Segurança Pública (ISP). Com isso, estabeleceram-se como objetivos específicos do curso, primeiramente, que ao final dos dois primeiros módulos (um presencial e outro à distância) esperava-se que os alunos fossem capazes de identificar as comunalidades e também as especificidades doutrinárias, organizacionais e procedimentais da ISP, tanto em relação à chamada inteligência estratégica de Estado, quanto em relação aos modelos de gestão do conhecimento/inteligência competitiva utilizados nas organizações empresariais. Esperava-se ainda, que os alunos estivessem habilitados para estabelecer requisitos


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básicos para as TICS de apoio ao novo modelo de ISP; em segundo lugar previa-se que ao final do quarto módulo os alunos fossem capazes de conceber, planejar e gerenciar operações sustentadas de inteligência contra o crime organizado. Esperava-se, ainda, que eles estivessem habilitados para montar e gerir unidades de inteligência conscientes dos desafios na área de segurança e contra-inteligência; por fim, ao final do módulo seis, esperava-se que os alunos fossem capazes de gerir unidades de análise gerando vários produtos analíticos segundo as demandas dos usuários e controlados por avaliações de qualidade e de legalidade/legitimidade. Imaginava-se, ainda, que os alunos tivessem desenvolvido habilidades para a gestão do uso de ferramentas eletrônicas para processamento, análise e disseminação de produtos de ISP. Esses três principais objetivos específicos deveriam ser atingidos por meio de aulas expositivas dialogadas (com utilização de ajudas visuais de apresentação), estudo individual e forte ênfase nos trabalhos em grupo. É preciso também dizer que a avaliação do grau de consolidação dos objetivos de aprendizagem do curso foi realizada por meio dos trabalhos individuais e em grupo previstos nos módulos à distância. Ao final de cada módulo presencial os alunos receberam instruções para a disciplina de trabalho individual e formaram os grupos que executaram a disciplina de trabalho em grupo. Os trabalhos individuais consistiram em relatórios de três a dez páginas sobre o tópico da disciplina. Os trabalhos em grupo consistiram em um relatório de três a dez páginas. A avaliação dos trabalhos seguiu os seguintes critérios: pontualidade, clareza na exposição de idéias, encadeamento lógico do conteúdo, grau de conhecimento sobre o tema e consistência analítica do trabalho. Nos módulos presenciais foram avaliadas, a presença e a participação dos alunos. Como a bibliografia específica sobre a área de Inteligência de Segurança Pública é bastante escassa e foi produzida quase toda ela em inglês, estabeleceu-se que os professores de cada disciplina deveriam preparar, com base nos textos disponíveis e segundo uma alocação de horas-aula específica para esta tarefa, uma apostila que foi disponibilizada para os alunos juntamente com as apresentações das aulas em formato eletrônico. Nos Programas de Unidades Didáticas do CAISP descritos posteriormente


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neste documento, fica posto que para cada disciplina foram indicadas algumas referências bibliográficas, obrigatórias ou complementares. Outro aspecto importante do CAISP 2003.2, o qual corroborou sobremaneira para o enriquecimento da experiência, agregando maior credibilidade aos resultados positivos do projeto, foi a diversidade da discência, no que se refere à origem institucional dos alunos. Embora as vagas tenham sido oferecidas aos entes federados de forma direcionada aos Diretores do Subsistema de Inteligência e Subsistema Penitenciário, surpreendeu-nos a diversidade de instituições das quais aqueles indivíduos eram orgânicos, como: Delegados de Polícia Federal, Delegados de Polícia Civil, Oficiais das Forças Armadas, Oficiais de Polícia Militar, Inspetores de Polícia Rodoviária, Promotores de Justiça, etc, além de outras vagas destinadas a outras instituições como Agência Brasileira de Inteligência, Gabinete de Segurança Institucional, Ministério da Defesa e Secretaria Nacional de Justiça – MJ. Evidentemente que tal heterogeneidade do grupo proporcionou uma dinâmica de relacionamento interpessoal extremamente rica considerando todo um universo diferenciado de culturas e saberes dos indivíduos conflitando em um campo único de atuação e balizados por uma doutrina ortodoxa de uma área restrita, contrastada com propostas inovadoras de revisão doutrinária e de relacionamento interpessoal e interinstitucional, fundamentado na confiança mútua e no compartilhamento de vivências, de idéias e de informações oriundas dos seus nichos e estados. No que diz respeito aos resultados conclusivos do projeto CAISP, a turma de formandos do CAISP 2003.2 terminou por atingir plenamente os objetivos propostos de forma geral, e mais especificamente no que tange ao aprofundamento do processo de integração dos discentes entre si e com o corpo doscente, verificou-se um significativo estreitamento das relações institucionais, em que pese à diversidade de suas origens, obtida em razão direta do aprofundamento dos laços de amizade e confiança nas relações interpessoais. Estes resultados são sentidos no campo da inteligência brasileira até os dias de hoje (mesmo já passados sete anos). É importante salientar que durante a cerimônia de formatura (início de 2004), nasceu, inclusive, o Instituto Brasileiro de Inteligência Criminal (INTECRIM), que como entidade privada e tendo como fundadores os formandos e professores da turma do CAISP 2003.2 reúne hoje, entre


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seus associados, uma plêiade respeitável de técnicos da área de inteligência de todo o Brasil e do mundo. Os resultados desta experiência indicaram, objetivamente, a potencialidade de compartilhamento que um trabalho de aproximação dos indivíduos, por mais distintos que sejam entre si, pode obter, dentro da área de inteligência no Brasil. E demonstra que muito podemos avançar na exploração das dinâmicas de grupo, como ferramenta para obtenção dos resultados oriundos do compartilhamento de informações a partir do aumento do grau de confiabilidade entre os indivíduos e conseqüentemente entre instituições.


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PARTE II – ANÁLISE SOCIOPSICOLÓGICA DA ÁREA DE INTELIGÊNCIA


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5 ESTUDO DO COMPORTAMENTO EMOCIONAL Agora passaremos a uma abordagem sociopsicológica focada no comportamento dos agentes de inteligência de forma individual e coletiva buscando encontrar padrões comportamentais e parâmetros de compreensão que nos possibilitem interpretá-los e compreendê-los: Ao falar de – cultura - temos em mente os entendimentos convencionais, manifestos em ato e artefato que caracterizam as sociedades. Os entendimentos - são significados atribuídos a atos e objetos. Os significados são convencionais, e, portanto, culturais, à medida que se tornaram típicos para os membros dessa sociedade em razão da intercomunicação entre si. Uma cultura é, por conseguinte, uma abstração: é o conjunto de tipos ao qual tendem a se conformar os significados que os diferentes membros da sociedade atribuem a um mesmo ato ou objeto. Os significados são expressos em ações e nas produções de ações, a partir dos quais os inferimos; podemos assim identificar também a – cultura – como a medida que o comportamento convencional dos membros da sociedade é o mesmo para todos. [BECKER, 1960, p.89].

Neste complexo universo social podemos classificar como “outsiders” aqueles indivíduos que, mesmo em grupos estáveis, desenvolvem uma cultura e um modo de vida suficientemente extravagante e não convencional, que lhes conferem um perfil característico dentro de uma sociedade convencional. A realidade do dia-a-dia de uma agência de inteligência talvez se constitua em um dos maiores exemplos de um grupo de indivíduos nestas condições. Profissionais de vida discreta, pouco relacionamento social, grande acúmulo de conhecimento reservado, vivem o seu dia-a-dia por entre dissimulações e estórias-cobertura que lhes mantém quase que permanentemente em uma realidade paralela, onde, em suas relações interpessoais, estão permanentemente tangenciando a linha entre a mentira e a verdade, entre a fantasia romântica e arriscada de seus disfarces profissionais e o pragmatismo do mundo real. Tais condições de vida fazem do ambiente profissional da agência de inteligência um rico laboratório para a pesquisa comportamental. Sempre que um grupo de pessoas tem parcialmente uma vida comum com um pequeno grau de isolamento em relação a outras pessoas, uma mesma posição na sociedade, problemas comuns e talvez, alguns inimigos comuns, ali se constitui uma cultura”. [BECKER, 1960, p. 90].


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Um problema enfrentado em comum por um grupo capaz de interagir e se comunicar entre si, de maneira eficaz, suscita cultura. Entretanto, membros dos chamados “grupos desviantes” muitas vezes não obtêm a compreensão da sociedade em geral em relação às suas atividades características, as quais só são compreendidas pelos seus pares. Aqui, entenda-se o coletivo abordado, como o microuniverso da agência de inteligência. Portanto, considera-se como natural admitir que, mesmo dentro de uma mesma instituição, mesmo dentro da área de inteligência e até mesmo dentro de uma única coordenação-geral, talvez encontremos grupos em permanente tensão e com dificuldades comuns de aceitação mútua, convivendo em um clima permanente de desconfiança, onde não há o mínimo espaço para o compartilhamento humano no seu sentido geral, sepultando de forma irreversível qualquer possibilidade específica de compartilhamento de informações. A própria doutrina de inteligência, voltada para a necessidade permanente de proteção dos dados obtidos, acaba, dentro de uma disciplina de controle, por fomentar a compartimentação, na medida em que não autoriza os acessos que não forem absolutamente necessários, criando níveis de conhecimento diferenciados e, portanto, ferindo suscetibilidades em um ambiente comum de trabalho, o que resulta, em última análise, em mais um elemento de tensão e descrédito no grupo. Assim, observa-se que o material humano em análise constitui-se em grupos de características absolutamente distintas do conceito geral de grupos sociais. Tal conceito é lembrado no clássico: “Estudos de Sociologia do Desvio ─ OUTSIDERS”, que, analogamente, investiga os músicos de casa noturna: Estou lhe dizendo, os músicos são diferentes das outras pessoas. Falam de maneira diferente, agem de maneira diferente, parecem diferentes. Simplesmente não são como as outras pessoas, só isso... Sabe, é difícil deixar a profissão de músico porque a gente se sente tão diferente dos outros. Os músicos vivem uma vida exótica, como numa selva ou coisa parecida. Quando começam, são garotos comuns de cidades pequenas – mas, depois que entram nessa vida, mudam. É como uma selva, com a diferença que a selva deles é um ônibus quente, apinhado. Você vive esse tipo de vida durante um tempo e fica completamente diferente. É ótimo ser músico, nunca vou me arrepender. Compreendo coisas que os quadrados nunca compreenderão. [BECKER, 1960, p.90]

Ao analisarmos a realidade social dos músicos noturnos profissionais, do ponto de vista de sua inserção na sociedade em geral, percebemos que, analogamente, a


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comunidade de inteligência também convive em um universo de exceção a regras comuns de relacionamento humano. Entretanto, ressaltando que os músicos convivem em um relacionamento social de absoluta liberdade de ação no que diz respeito ao produto de sua especialidade profissional ─ a liberdade musical ─ ainda que em momentos distintos. Já o agente de inteligência lida, por tempo integral, com um produto de especialidade profissional elaborado em ambiente de secretismo e reserva ─ informações, dados, operações veladas etc. Por óbvio, constitui-se em um campo de relacionamento truncado, obscuro, turvo, de muita desconfiança, absoluta prudência e que não admite, em momento algum, o acionamento de qualquer “válvula de escape” capaz de distencionar os efeitos devastadores desta condição de pressão imposta pela natureza da profissão. De outra parte, a obra “Aspectos do trabalho policial”, referindo-se ao estudo do “código do silêncio” na comunidade policial, complementa: Os objetivos humanos normalmente estão associados a um espírito de camaradagem muito intrincado, que não apenas impregna as relações pessoais, mas também acrescenta, ao objetivo, características que, em si e por si só, ele não apresenta. De fato, não é incomum que algumas atividades, em si não prazerosas, passem a ser desejadas ao serem realizadas em um espírito de solidariedade fraternal. Os policiais, freqüentemente observam que um dos aspectos mais apreciados da ocupação deles é o espírito de – um por todos e todos por um. Na medida em que o espírito fraternal liga os membros da polícia, ele também os segrega do resto da sociedade. Esta não é, portanto, uma bênção sem contradição, mesmo à primeira vista. Mas, também por outras razões, a fraternidade entre os policiais tem estado sob a inspeção crítica. O antigo Chefe de Polícia William Parker considerava-o como o principal obstáculo contra a reforma policial e fez tudo que estava a seu alcance para acabar com ele no Departamento de Polícia de Los Angeles. Naturalmente, Parker não era contrário à prática louvável de correr em auxílio uns dos outros; de fato ele exigia isso de seus subordinados em qualquer caso. Ao contrário, sua oposição era baseada na percepção de que, assim como um policial sempre pode contar com o fato de que o pessoal fechará fileiras e apresentará um fronte unido contra críticas vindas de fora, do mesmo modo poder-se-ia esperar, também, que táticas similares seriam empregadas no departamento. Isto é, ao se relacionarem, os níveis funcionais dos departamentos fechavam fileiras, criando obstáculos contra a integração no trabalho, e subordinavam as hierarquias próximas contra seus superiores, evitando o controle eficaz. Desse modo, o que à primeira vista parecia um espírito de corporação uniforme funcionava, principalmente, como uma variedade infinita de arranjos conspirativos contingentes, que sempre unia todo o pessoal contra as pessoas de fora, mas também solidificava um excesso de rupturas e conspirações internas. [BITTNER, 2003, p. 155,156].


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Egon Bittner examina, aqui, a possibilidade de o pequeno coletivo de policiais boicotar as orientações para um ambiente de integração com outros coletivos, mesmo internamente. Na agência de inteligência, este fenômeno por certo se repete, travestido das características intrínsecas à área e estabelecendo a conhecida reatividade ao compartilhamento dos dados ou das informações (o bem mais valioso e produto principal destes profissionais). As pesquisas de Bittner assumem especial relevância ao nosso estudo, considerando que, embora com características absolutamente distintas, enfim, sobretudo os agentes de inteligência de segurança pública são também policiais de carreira. Assim, podemos concluir que as dificuldades na partilha de informações e na prática de políticas de integração dentro da comunidade de inteligência certamente estão sedimentadas na necessidade de autoproteção e de proteção mútua daqueles que desempenham atividades conjuntas, diariamente, dentro de um microambiente de agência, e que fazem do conhecimento secreto de dados e informações uma espécie de reserva técnica ou “carta na manga” a ser utilizada no momento oportuno diante de qualquer tipo de ataque externo ou interno ao pequeno grupo. Vale também a pena examinarmos o comportamento coletivo dos grupos sociais, alcançando interpretá-los não somente por suas funções manifestas, como também pelas funções latentes. Merton aborda a questão, tomando o exemplo da “dança da chuva” praticada na tribo dos “Hopi”: Assim, as cerimônias dos Hopi, destinadas a produzir abundante chuva, podem ser rotuladas como uma prática supersticiosa de gente primitiva e isso permite encerrar o assunto. Deve-se notar que isso, de modo nenhum explica o comportamento do grupo. Dado o conceito de função latente, contudo, lembramo-nos de que este comportamento talvez possa realizar uma função para o grupo, embora esta função possa ser muito afastada da finalidade declarada da conduta. [MERTON, 1968, p.131]

Esta abordagem talvez explique a conduta coletiva da opção pela compartimentação, mesmo contrária à doutrina e à norma. Portanto, trata-se de uma função que tem importância vital para a unidade do grupo, mesmo sem apresentar avanço ou qualidade no trabalho que a justifique no que tange ao enfoque profissional. Significa, simplesmente, que a cerimônia não tem este uso técnico, que esta finalidade da cerimônia e suas conseqüências reais não coincidem:


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Com o conceito de função latente, continuamos nossa investigação e examinamos as conseqüências da cerimônia, não para os deuses da chuva ou para os fenômenos meteorológicos, mas para o grupo que realiza a cerimônia. E então se pode verificar como muitos observadores já o indicaram que o cerimonial tem realmente funções, mas funções latentes ou não deliberadas. [MERTON, 1968, p.131].

Propõe-se, assim, que a relevância das cerimônias tem, na realidade, a unidade do grupo como “pano de fundo”. Nas agências e instituições, portanto, a união do grupo se fundamenta na proteção da informação extensiva a toda a realidade organizativa, mais como um símbolo da cultura tribal do que propriamente em razão de sua finalidade. Enfocando

a

questão

de

forma

complementar,

podemos

abordar

o

comportamento do líder no ambiente das agências de inteligência. Do líder de nível gerencial, nível executivo, até a liderança do mandatário máximo da nação. Daniel Goleman no seu “O Poder da Inteligência Emocional” apresenta o uso da agressividade pelo líder e suas consequências no grupo subordinado, salientando que este formato deve ser utilizado com parcimônia: Se mal aplicada, ou em excesso, no entanto, ou se empregada na situação errada, a abordagem agressiva pode levar os funcionários a se sentirem demasiado pressionados pela demanda implacável do líder. Assim, como os agressivos não tendem a ser muito claros no estabelecimento de diretrizes – presumindo que as pessoas saibam o que fazer – seus seguidores, não raro têm que adivinhar o que o líder quer. O resultado é que o moral despenca, pois os funcionários acham que seu chefe exige demais – ou pior, que não confia neles o suficiente para permitir que executem o trabalho à sua própria maneira. Ademais, os lideres agressivos podem concentrar-se de tal modo em seus objetivos que talvez pareçam não se importar com as pessoas das quais dependem para atingi-los. Resultado líquido: dissonância. Nossos dados mostram que não é incomum que o método agressivo envenene a atmosfera – devido principalmente a seus custos emocionais, quando sua utilização é exagerada. Basicamente, o dilema do líder agressivo é o seguinte: quanto mais pressão por resultados ele fizer, mais ansiedade provocará. [GOLEMAN, 2002, p. 72-73].

Nessa linha, Daniel Goleman enfoca a abordagem agressiva do líder como fator possível de desencadeamento de processos de ansiedade. Entenda-se agressividade, na abordagem do autor, como a busca de altos padrões de desempenho, exigindo que tudo se realize de forma a obter resultados cada vez melhores e mais rapidamente. Na transcrição para o ambiente de inteligência, podemos agregar aos fatores causadores do “stress” a profundidade qualitativa da pressão que pode ser impressa nos agentes, como


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a exigência natural da manutenção do sigilo, da conduta no relacionamento interpessoal interno e externo e do enquadramento absoluto do agente, ora no cumprimento estritamente legal das suas funções, e ora exigindo-se o tangenciamento da legalidade de forma extraoficial em ações operacionais ou administrativas que limitam ou, até fogem, à cobertura do arcabouço legal brasileiro. Caracterizando os estragos que tal espécie de liderança pode causar no ambiente profissional, o autor conclui: Apesar de seus muitos efeitos negativos, porém, os lideres coercitivos são surpreendentemente abundantes, um legado das antigas hierarquias de comando e controle, características das empresas do século XX. Tais organizações adotaram um modelo militar de liderança – descendente do tipo, eu ordeno você obedece – que, na verdade, seria mais adequado para o campo de batalha. Mesmo nas mais modernas organizações militares de hoje, o estilo despótico é contrabalançado por outros em favor da criação de comprometimento, espírito de corpo e trabalho em equipe. [GOLEMAN, 2002, p.77]

Depreende-se, portanto, que, no ambiente da inteligência brasileira, talvez uma maior preocupação com os processos de formação das lideranças e uma modificação do padrão de chefia possa funcionar como um fator facilitador na intensificação de uma cultura de compartilhamento. De fato, a cultura brasileira na área de inteligência, por razões históricas, cresceu e desenvolveu-se com forte influência do meio militar, e guarda certas características em sua condução formal que, talvez, não proporcionem o flexionamento necessário ao trato gerencial visando um ambiente com maior teor de participação, mobilidade criativa e comprometimento pessoal dos agentes nas decisões gerenciais. Por fim, no campo de responsabilidade do líder com seus liderados, é preciso considerar o que os cientistas referem-se como “natureza em loop aberto do sistema límbico”, que se trata do permanente estado de interação aberta do nosso centro emocional cerebral, que permite influenciar e sermos influenciados constante e mutuamente, promovendo o que se pode chamar de “regulação límbica interpessoal”. As emoções podem difundir-se como vírus, mas nem todas são transmitidas com a mesma facilidade. Um estudo da “Yale University School of Management” descobriu que, em equipes de trabalho, a alegria e a cordialidade disseminam-se com mais


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facilidade, ao passo que a irritabilidade é menos contagiosa e a depressão praticamente não se espalha. Essa maior taxa de difusão dos estados de espírito positivos tem implicações diretas para os resultados das empresas. O humor, segundo o estudo de “Yale”, influencia na eficácia do trabalho; as tendências construtivas estimulam a cooperação, a justiça e o desempenho profissional. O riso, em particular, demonstra o poder do – loop aberto – em ação e, portanto, a natureza contagiosa de todas as emoções. Ao ouvir risadas, automaticamente sorrimos ou rimos também, gerando uma reação em cadeia espontânea que percorre todo o grupo. A facilidade de disseminação da alegria deve-se à existência de – loops abertos – no cérebro humano que servem especificamente para detectar sorrisos e riso, e fazer-nos rir em resposta. O resultado é um seqüestro emocional positivo. Analogamente, de todos os sinais emocionais, os sorrisos são os mais contagiosos; detêm um poder quase irresistível de fazer os demais sorrirem em resposta. Tamanha potência deve-se ao seu papel benéfico na evolução: os cientistas especulam que os sorrisos e o riso tornaram-se uma maneira não verbal de consolidar alianças, indicando que o indivíduo está relaxado e receptivo, não na defensiva ou hostil. [GOLEMAN, 2002, p. 10].

Com isso, concluímos que, principalmente no nível gerencial, onde a liderança é exercida de forma direta, a responsabilidade do gerente, em relação ao relacionamento interpessoal mais positivo possível, pode constituir-se na consecução objetiva da consolidação de alianças, na medida em que garante um ambiente relaxado e receptivo, criando as condições essenciais para o estabelecimento de confiança e o consequente compartilhamento mútuo de emoções, antecipando a partilha de informações.

Goleman segue: Em termos neurológicos, o riso representa a distância mais curta entre duas pessoas porque faz a interconexão imediata entre os sistemas límbicos. Essa reação involuntária automática implica segundo um pesquisador – a forma mais direta possível de comunicação entre pessoas: cérebro a cérebro. Nosso intelecto apenas se deixa levar, no que poderíamos chamar de – trava límbica. Não admira, pois, que aqueles que apreciam a empresa uns dos outros sejam de riso fácil e freqüente; aqueles que não confiam ou não gostam uns dos outros, ou encontram-se em conflito, praticamente não riem juntos. Assim sendo, em qualquer ambiente de trabalho o som de risos indica a temperatura emocional coletiva, constituindo sinal certo do envolvimento não só das mentes, mas dos corações de cada um. Além disso, o riso no trabalho pouco tem a ver com o fato de se contarem piadas: em um estudo de 1.200 episódios de riso em interações sociais, verificou-se que ele quase sempre ocorre em resposta a alguma observação corriqueira, do tipo – prazer em conhecê-lo – , não a uma pilhéria qualquer. Uma boa risada transmite uma mensagem reconfortante: estamos na mesma sintonia, nós nos damos bem. Denota confiança, conforto e uma percepção compartilhada do


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mundo; como o ritmo em uma conversa, o riso indica que, por enquanto, está tudo bem. [GOLEMAN, 2002, p. 11]

Talvez, uma superação de paradigmas doutrinários seja necessária, no sentido de uma melhor exploração do relacionamento profissional interagentes e interagências, a partir do relacionamento social, nos encontros informais que podem ser induzidos institucionalmente e interinstitucionalmente. Tais iniciativas, se originárias no âmbito do poder público, sobretudo na União, constituir-se-iam, por certo, em poderosas ferramentas indutivas do compartilhamento de informações no seio da rede de inteligência brasileira. É o trato desmistificado e pragmático de um tema pouco formal e nada doutrinário, mas que, se encarado com a seriedade merecida, tem potencial para estabelecer um marco na história da inteligência, refazendo a axiologia de sua base doutrinária e criando talvez um “divisor de águas” na eficácia do serviço de inteligência do Brasil, qualificando-o em níveis ainda não atingidos no mundo.


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6 A JANELA DE JOHARI Os estudos promovidos por Joseph Luft e Harry Ingham, profissionais da sociopsicologia, envolvendo as questões pertinentes ao comportamento humano e seus reflexos, nos apresentaram um modelo conceitual do relacionamento interpessoal que decidiram chamar “a janela de JOHARI”. Tal visão imagina uma janela com quatro vidraças distintas, representando quatro quadrantes do relacionamento humano denominados de área livre (eu aberto), área cega (eu cego), área oculta (eu secreto) e área ignorada (eu desconhecido). Como nos demonstram Luft e Ingham na descrição das áreas, a área livre ou arena mostra o que é conhecido de nós mesmos e dos outros, o que somos capazes de mostrar conscientemente; é o nosso eu aberto. Ela se abre à medida que a confiança e a verdade aumentam, facilitando o compartilhamento das informações pessoais. É a troca livre e aberta de informações, sugerindo a redução de erros de interpretação, respeitando norma de franqueza e espontaneidade, em ambiente de confiança mútua, com criatividade e menor gasto de energia. A área cega ou mancha cega indica o que não nos damos conta sobre nós mesmos, mas que os outros percebem de forma cristalina. Nós revelamos de forma inconsciente. É o eu cego, egocêntrico, exagerado nas convicções, autoritário, crítico e gerador de hostilidade. A área oculta ou fachada ou, ainda, conhecida por área secreta, é o que conhecemos de nós mesmos, mas não revelamos. É o nosso eu oculto, que procuramos esconder, sobre o qual não queremos opiniões, pareceres ou julgamentos e do qual não queremos que transpareçam os sentimentos, as reações ou os pensamentos. É um “eu” que pergunta sobre si, conhece a posição dos outros, relativiza sentimento de rejeição em ambiente de baixo risco, buscando o controle dos outros indivíduos com desconfiança, reserva, irritação e retraimento. Por fim, a área desconhecida ou ignorada, traduz-se na parte desconhecida de nós mesmos e também dos outros. É a nossa parte inconsciente, nosso eu desconhecido. Compõem-se de nossas motivações inconscientes, áreas inexploradas, criatividades


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reprimidas, capacidade de relacionamento interpessoal latente, comportamento rígido, aversão a riscos, e caracteriza-se por um “eu” observador e burocrata. Conhecidas e reconhecidas as diferentes posturas de cada “eu” existentes em nós, Joseph Luft e Harry Ingham buscam, inicialmente, desembaraçar este intrincado emaranhado emocional que, de forma complexa, baliza o relacionamento humano, para que, a partir da compreensão do indivíduo, se possam buscar o desenvolvimento de técnicas específicas de abordagem e dinâmicas de grupo capazes de proporcionar um novo patamar de autoconhecimento ao indivíduo, dando-lhe melhores condições de relacionamento e uma possibilidade de qualificar sua capacidade de compartilhamento humano. A relevância do estudo comparativo entre a realidade interior do indivíduo com a realidade interior de seu semelhante, bem como o nível de conhecimento que cada qual atinge em relação a si mesmo, define a qualidade do relacionamento possível entre eles. Nesse patamar investigativo, é possível identificar disfunções de comportamento, reações a críticas e a mudanças, sensibilidade ao trato dos sentimentos do outro e de seus próprios sentimentos, sua capacidade de defender seus conceitos e opiniões e sua condição de ouvir e utilizar sua criatividade. O conjunto de possibilidades de qualificação do patamar de relacionamento interpessoal passam por pesquisa direcionada a medir o relacionamento no ambiente de trabalho destinada a proporcionar padrões regulatórios de abertura e de “feedback”. A partir dos resultados obtidos serão adotadas as estratégias adequadas e melhor indicadas para a ampliação da competência interpessoal. Segundo os estudos de JOHARI, no caso da diminuição da área cega, indica-se o recebimento de “feedback”; no caso de diminuição da área secreta, trabalhar-se-á a abertura do indivíduo aumentando seu “feedback” em relação ao grupo; se houver diminuição da área desconhecida, induziremos o indivíduo a autodescoberta, e assim sucessivamente. A ferramenta “feedback” constitui-se em um processo de apoio para a mudança de comportamento, é onde o indivíduo recebe informações sobre como sua atuação está afetando outras pessoas. Nesse sentido, para oferecer “feedback” o indivíduo será orientado a ser direto, abordar fatos do presente, dando ênfase no ato individual, buscando ser descritivo e não avaliativo e enfatizando seu objetivo de facilitação das


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mudanças; de outra parte, ao concordar em receber “feedback”, o indivíduo será orientado a adotar atitude receptiva e não defensiva, buscando esclarecer o que ouviu enquanto procura fazer checagem com outros indivíduos ao mesmo tempo em que solicita exemplos das impressões lançadas. Por abertura, entende-se exatamente o estado de compartilhamento das informações que possuímos e que os outros indivíduos desconhecem. São idéias, sentimentos, opiniões e intenções. Estes compartilhamentos, para que sejam considerados efetivos, precisam ser apropriados à situação e autênticos; devem também evitar colocar-se de maneira exibicionista, incompleta, sem suporte e não devem referirse ao passado como uma abordagem histórica. Desta maneira, se desenvolverá o processo de ajustamento dos indivíduos no coletivo, com a finalidade derradeira de atingimento da maior qualidade possível no relacionamento interpessoal com vistas à ampliação da confiabilidade mútua e conseqüente aumento do fluxo de compartilhamento de informações a níveis de excelência. Nossa visão nos remete a acreditar que uma maior preocupação com o trato do relacionamento humano nas agências de inteligência brasileiras pode elevar, de forma indelével, a capacidade de compartilhamento de informações entre os agentes de inteligência de mesmos órgãos e de órgãos distintos. Nessa lógica, até mesmo a estrutura clássica que subdivide, invariavelmente, as agências em departamento administrativo, departamento de inteligência, departamento de contra-inteligência e departamento de operações, talvez devesse ser acrescida de um departamento de relacionamento humano, com o fito de monitorar permanentemente seus efetivos, mantendo canal aberto de relacionamento com departamentos assemelhados em outras coordenações, órgãos e instituições.


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7 PROCESSOS DE INTERAÇÃO A janela de JOHARI pode, portanto, apresentar-se em diversas posições, bem como pode variar o estilo pessoal de cada indivíduo ─ estes são componentes que tornam absolutamente complexas as hostes do relacionamento humano. Daí deriva a não menos complexa condição de trabalhar dinâmicas de grupo através da aplicação de exercícios vivenciais, capazes de desenvolver o indivíduo dentro do coletivo, aprimorando suas capacidades de relacionamento humano e de sensibilidade em relação ao outro. Reputamos que a escolha do líder do grupo, como já citado em epígrafe, deve respeitar critérios estabelecidos para um novo momento de compreensão do serviço de inteligência. O gerente do processo deve estar apto a liderar e orientar o grupo em consonância com o trabalho técnico a ser desempenhado por profissional da sociologia ou psicologia, que será também membro orgânico da agência, titular do departamento de relacionamento humano. As experiências estruturadas que se encontram no trabalho não poderão ser aplicadas com eficiência se o animador do grupo não possuir três qualidades fundamentais: autenticidade, empatia e respeito para com os outros. Carl Rogers no seu livro: De Pessoa para Pessoa, descreve estas três qualidades como – congruência, empatia e consideração positiva. Rogers acredita que o – crescimento pessoal é facilitado quando o conselheiro, o professor ou animador do grupo é o que é, quando na relação com o cliente-aluno ele é autêntico, sem – máscara – ou fachada, e apresenta abertamente os sentimentos e atitudes que nele surgem naquele momento. Isto é congruência ou autenticidade. A segunda qualidade é a empatia. O conselheiro, o professor, o animador do grupo esteja vivenciando uma compreensão empática e exata do mundo íntimo do seu cliente-aluno, que seja capaz de comunicar alguns fragmentos significativos dessa compreensão. Perceber o mundo interior de sentidos pessoais, e íntimo de seu cliente-aluno como se fosse o seu, mas sem jamais esquecer a qualidade de – como se, é a empatia; e parece essencial para uma relação que provoque crescimento. A terceira qualidade é a consideração positiva, a respeito dos outros. O conselheiro, o professor e o animador do grupo vivenciam uma atitude afetuosa, positiva e de aceitação diante do que está no cliente. Isto significa que aprecia o cliente-aluno como pessoa. Se o animador do grupo for considerado pelos participantes como uma pessoa e como alguém que proteja autenticidade, empatia e respeito para com os outros, ele será considerado como um líder efetivo [FRITZEN, 1978, p.7].


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Assim, postas as condições de condução do trabalho, passamos a examinar algumas situações práticas relativas à possibilidade de exercícios vivenciais a serem propostos como dinâmica de grupo. Para dar e receber “feedback”: O animador explica a Janela de JOHARI e os objetivos do exercício, procurando centralizar a exposição sobre a importância de aumentar a – arena –, diminuindo a – mancha cega – e a – fachada. A seguir distribuirá uma cópia do – escore pessoal – para cada participante do grupo e formará subgrupos de oito a doze pessoas, caso o tamanho do grupo o exigir. O animador esclarece que um dos objetivos do exercício consiste em descobrir dados dos membros, sobre os quais não estão conscientes, ou seja, procurar diminuir a – mancha cega. A maneira de realizá-lo será através do processo de receber feedback, o que quer dizer mostrar-se receptivo ao feedback e solicitá-lo. Em continuação o animador pede que cada participante examine sua folha do – escore pessoal –, onde se observa uma escala de 1 a 9 que descreva a extensão que pode alcançar um feedback solicitado. Por indicação do animador, todos procuram recordar-se da última reunião do grupo, e pensar quantas vezes se lembraram no decorrer da sessão como eram observados pelos outros. Quantas vezes desejavam saber como os outros do grupo se sentiram e conseguiram permanecer no grupo. Em seguida o animador pede que todos observem novamente a folha do – escore pessoal – a fim de localizar na escala a posição que descreva o feedback solicitado atualmente durante esta reunião. É preciso enfatizar que todos devem registrar o número de vezes que solicitaram realmente o feedback, e não o número de vezes em que sentiram a necessidade do mesmo. Todos devem traçar uma linha vertical na Janela assinalando na escala onde no momento se localiza. O animador volta a acentuar que o exercício pretende um outro objetivo, ou seja, chegar a uma abertura maior, isto é, oferecendo dados ao grupo que por uma razão ou por outra guardamos em segredo. Em outros termos, diminuir a – fachada. O animador ilustra no quadro negro ou numa cartolina como alinha horizontal se abaixa quando a – fachada – diminui. A seguir o animador mostrará que, ao reduzirmos a – mancha cega – e a – fachada – mediante o processo de dar e receber feedback, estaremos, simultaneamente, aumentando o tamanho da nossa – arena. Todos poderão novamente olhar para a sua folha de – escore pessoal – e observar a escala de 1 a 9 na margem esquerda da folha, onde se mede a auto-abertura ou o feedback que alguém dá de si mesmo para o grupo. Todos devem, pois, recordar a última reunião do grupo e relembrarem-se quantas vezes no decorrer da sessão sentiam a necessidade de dar feedback ou de abrir-se ao grupo, expressando sentimentos pessoais ou percepções próprias. Todos procuram localizar na folha de – escore pessoal – na escala da esquerda a abertura dada atualmente no grupo. É preciso enfatizar que se deve registrar somente o feedback realmente dado e não o número de vezes que foi sentido. Uma vez localizada a posição na escala de 1 a 9, se traça uma linha horizontal através de toda a janela. Em seguida formam-se subgrupos de três, para, durante uns vinte minutos, partilhar com os colegas dos subgrupos o resultado do processo de dar e receber feedback, registrado na folha de – escore pessoal. No decorrer desta tarefa aconselha-se que procurem dar e receber feedback aos membros do subgrupo, em relação às colocações individuais feitas. Uma vez terminada esta etapa, as pessoas do subgrupo devem procurar identificar as forças do grupo que facilitam ou dificultam o


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processo de dar e receber feedback, procurando fazer uma lista dessas forças, para a seguir ser apresentada no plenário. Finalmente, no plenário segue-se a apresentação das forças que facilitam ou dificultam o processo de dar e receber feedback no grupo. Após a discussão dos mesmos, seguem-se os comentários e depoimentos sobre o exercício realizado. [FRITZEN,1978, p.28-31].

Este é um típico exercício de dinâmica grupal que, como vimos, cria um ambiente de envolvimento coletivo capaz de desenvolver as capacidades de dar e receber feedback, rompendo com as barreiras impostas no relacionamento interpessoal e, assim, facilitando o processo de aumento da confiabilidade entre os agentes e instituições. É evidente que tal dinâmica é aplicada a realidades específicas e destinada a obter resultados objetivos, desenvolvida de maneira responsável e profissional, não interferindo em treinamentos técnicos da área de inteligência, que muitas vezes buscam resultados exatamente opostos, capacitando o agente, nas situações pertinentes, à mais absoluta e necessária compartimentação da informação. A introdução deste trabalho na área de inteligência se dá em caráter genérico e visa criar o contraponto ao caráter secretista milenar que levou a área a uma realidade de desintegração no sistema, pela compartimentação generalizada e completa ruptura no campo do compartilhamento das informações, estabelecendo traços já culturais e comportamentais que nos indicam a necessidade de uma nova política capaz de recuperar a capacidade de conversação e confiabilidade entre agentes e órgãos de inteligência na busca de um patamar atualizado de relacionamento interpessoal e interinstitucional, revitalizando as condições de eficácia no combate à violência e ao crime organizado no Brasil. Nestas boas práticas, podemos sensibilizar os grupos discutindo o papel de suas expectativas, o que devemos observar no coletivo, avaliar o feedback baseado em símbolos, trabalhar atividades de comunicação não verbal, a questão do relacionamento do grupo e suas preferências sociais, o exercício de consenso grupal, o desenvolvimento do processo de integração do grupo, o processo de integração com a comunidade, o conhecimento mútuo, as opções de valores, um “feedback” sobre a confiança, os estilos de conflito, a consciência do nome, as interpretações pessoais, a avaliação dos próprios sentimentos, o desenvolvimento da amizade, a compreensão das necessidades dos


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outros, o conhecimento das necessidades básicas, a prioridade de gostos, o “eu” público e o “eu” privado, o uso eficaz do poder, remoção de barreiras etc. São inúmeras as possibilidades de enriquecimento das relações, ao mesmo tempo em que poderemos estar melhor preparando nossos agentes e instituições para os novos tempos, onde a dinâmica da criminalidade exige uma postura de comportamento, na área de inteligência, capaz de lidar com a informação, classificada ou não, de maneira mais complexa, emprestando-lhe a flexibilidade necessária para que lhe seja dado o caráter da oportuna utilidade na aceitação pontual de seu compartilhamento, sem que, necessariamente, percamos seu caráter secretista, na medida da necessidade da segurança da informação. Este grau de flexibilidade, indiscutivelmente necessário, coloca em cheque o perfil cultural de nossos agentes e instituições, hoje despreparados para este imprescindível exercício, exigindo novas posturas dos níveis de planejamento e dos níveis gerenciais, para a real adequação do processo. Assim, têm procedido os mais importantes serviços de inteligência do mundo que, neste instante, buscam a modernização de seus processos de compartilhamento de informações, por compreenderem que este é o “calcanhar de Aquiles” no caminho da superação do crime e da violência.


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8 A APLICABILIDADE DO COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES NO CONTEXTO BRASILEIRO ATUAL Inicialmente, é preciso considerar que o recente engajamento do conceito de Inteligência de Segurança Pública nos serviços de inteligência brasileiros trata-se de algo novo do ponto de vista legal, mas refere-se a uma experiência que vem sendo aprimorada há décadas. Por dentro do processo de redemocratização do país, os conceitos mais duros, utilizados durante o período da ditadura militar no Brasil, enrraizaram-se no seio das agências e das instituições. Elas tiveram, ao longo dos anos, de lidar com tais conceitos, em um processo permanente de humanização destes serviços, culminando, nos dias de hoje, com um trabalho técnico de absoluto respeito aos direitos humanos e à lei, mas que, ainda carece de uma série de modificações em sua estrutura e no escopo legal que o sustenta, para apresentar-se integralmente de acordo com as necessidades do mundo atual. A violência e a criminalidade evoluem na sociedade brasileira a “passos largos”, muitas vezes em “progressão geométrica”, levando nossas instituições policiais, mal remuneradas, logisticamente despreparadas, deficitárias em capacitação e com efetivos extremamente defasados em relação ao crescimento populacional e ao crescimento da insegurança social, a tornarem-se ineficazes na missão constitucional de provimento da segurança do cidadão e da manutenção da ordem pública. Nesta realidade social perturbadora é que buscamos compreender o papel das agências e instituições de inteligência de segurança pública, no momento ímpar em que um país como o Brasil cresce como nação no cenário internacional baseado em duas décadas de profundas modificações, sobretudo econômicas e sociais, que avalizam nossa “arrancada” na busca de melhores condições de vida para os brasileiros. Entretanto, em que pese a empolgante trajetória de crescimento do país, e em última análise também em razão dela, o crescimento da violência e das ações do crime organizado são latentes, tornando o cada vez mais efervescente ambiente de segurança pública em motivo de preocupação nacional do ponto vista estratégico do país. Anote-se que, na medida em que o Brasil convence o mundo de sua vocação desenvolvimentista e


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de sua capacidade atual de reposicionamento no cenário internacional, a comunidade internacional sensibilizada confere-nos responsabilidades do tamanho de nossas pretensões. Nos próximos anos sediaremos diversas competições e encontros considerados como grandes eventos, como: os Jogos Mundiais Militares em 2011, o Encontro do G-20 em 2012, a Copa das Confederações em 2013, a Copa do Mundo em 2014, os Jogos Olímpicos em 2016 e outros igualmente preocupantes como as Paraolimpíadas, o Mundial de Atletismo, o Mundial de Natação etc. São apenas componentes importantes de um cenário já conturbado, onde o controle é parcial e não vislumbramos, em curto prazo, soluções importantes. Nesse quadro é que nos deparamos com a constatação real de que os serviços de inteligência do país, embora burocraticamente organizados pelo Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) em um organograma irreparável, incluindo a totalidade das instituições públicas do país que labutam nessa área, simplesmente, não produz conhecimento conjunto. Isso ocorre na medida em que seus órgãos e instituições comportam-se como ilhas de produção de informações, onde, isoladamente, coletam, analisam e produzem conhecimento, o qual, embora de qualidade, ignora peremptoriamente as informações das agências e instituições coirmãs do sistema, até porque, mesmo que se tentasse o estabelecimento deste intercâmbio, o componente cultural, fatalmente, abortaria qualquer chance de uma colaboração mais efetiva. Neste

ponto,

questionamo-nos

do

porquê

da

arraigada

cultura

da

compartimentação, se a própria doutrina de inteligência, avaliada em sua amplitude máxima,

nacional

e

internacionalmente,

recomenda,

de

forma

objetiva,

o

compartilhamento de informações como regra natural de procedimento. Autores e instituições, ao longo da história da inteligência mundial e brasileira, sempre se posicionaram pelo compartilhamento como forma de enriquecimento natural do cabedal informativo e, por conseqüência, da produção do conhecimento. Buscamos também entender aquele que foi o episódio mais marcante da história recente da inteligência mundial, o “11 de setembro”, nos Estados Unidos, e de que forma ele interferiu na estrutura do sistema de defesa americano e, sobretudo, em seu serviço de inteligência. E constatamos que, após as avaliações necessárias, a falha foi detectada, exatamente, na falta de compartilhamento das informações entre os


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organismos de inteligência do governo americano. Nos meses e anos que se seguiram, depois de consumado o sinistro, certa quantidade de informações desconexas, dispersas nas mais variadas agências, constituiu uma “colcha de retalhos” que, se unidos em tempo, talvez pudessem ter proporcionado a ação de contenção capaz de evitar a tragédia. A partir daí, a estratégia americana tem passado seus dias a pensar e aprimorar o aumento

da

capacidade

de

compartilhar,

através

do

Plano

Nacional

de

Compartilhamento de Informações em consonância com a Estratégia Nacional de Compartilhamento de Informações, operacionalmente estruturados nos chamados “Plano dos cem dias” e “Plano dos quinhentos dias”. Também relevante foi trazer a experiência realizada em 2003 pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, que iniciava as discussões sobre Inteligência de Segurança Pública, ao mesmo tempo em que desenvolvia aquela que seria a primeira experiência de enfoque pedagógico da ISP, com o desenvolvimento de dinâmicas de grupo visando a facilitar o compartilhamento de informações entre agentes e instituições. O Curso de Aperfeiçoamento de Inteligência de Segurança Pública (CAISP 2003.2) ocorreu no segundo semestre de 2003 e teve como corpo discente os Diretores dos Subsistemas de Inteligência dos 27 Entes Federados, bem como seus Diretores dos Subsistemas de Inteligência Penitenciária. Agentes oriundos de diversas instituições de origem, reunidos em torno do ambiente didático sob orientação pedagógica e sociopsicológica, participaram de exercícios vivenciais e reciclagem técnica, proporcionando esta experiência única no país, com resultados extremamente positivos ao seu final. Todo este processo histórico induziu-nos a concluir que nossas necessidades prementes nos levam a uma abordagem sociopsicológica focada no comportamento dos agentes de inteligência, no sentido de conhecê-los enquanto profissionais, buscando encontrar padrões comportamentais e parâmetros de compreensão que nos permitam trabalhá-los no afinamento de suas relações interpessoais. Desta forma, o ambiente de relacionamento nas agências possibilitará um desempenho mais qualificado das relações, propiciando aumento da confiabilidade mútua, com reflexos diretos em uma


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dinâmica acentuada do compartilhamento de informações internas e em relação aos grupos externos. Nesse processo que visa mudança cultural, a preocupação com o perfil do líder e sua consonância com a nova figura orgânica do Diretor do Departamento de Relações Humanas são de importância estratégica, pois o trabalho sincronizado de ambos é o sustentáculo real das possibilidades de mudanças comportamentais dos agentes. Desse modo, o aprofundamento do conhecimento de nossos vários “eus” é que nos proporcionará as condições facilitadoras do relacionamento interpessoal. Isso possibilitará trabalho conjunto, realizado em absoluta sintonia entre planejador, gerente, facilitador e equipe e que, se bem realizado, resultará no novo perfil de agente: menos reativo e mais afetivo; menos isolado e mais participativo; menos renitente e mais flexível; menos distante e mais interativo. Este novo perfil estabelecerá a capacidade de flexibilizar o trato da informação: no limite da segurança que lhe é devida e do compartilhamento objetivo que lhe é exigido. Para

que

possamos

atingir

tais objetivos,

deveremos reciclar

nosso

comportamento, promovendo modificações culturais e doutrinárias com autenticidade, empatia e respeito mútuo, em ambiente seleto e sob condução responsável e profissional. As possibilidades de modificações positivas nas relações são generosas e nos seus princípios, garantem que uma mudança constatada em qualquer quadrante da Janela de JOHARI afetará, por certo, os demais quadrantes. Alguns enfoques técnicos sobre a “mudança” ou alteração de comportamento nos mostram como a técnica de dinâmicas grupais tem poder de qualificação dos indivíduos com reflexo direto nas relações do coletivo que se quer trabalhar. Dentro dela podemos perceber que existe gasto de energia ao esconder, negar ou ocultar uma conduta que se encontra envolvida em uma ação recíproca; e que uma ameaça tende a reduzir o conhecimento, e a confiança mútua tende a aumentá-lo. Podemos também afirmar que não é desejável e nem afetivo forçar um indivíduo a tornar-se consciente de certas coisas e que, cada aprendizagem interpessoal, levará à implicação da área livre e à redução das demais áreas. Saberemos que quanto menor o quadrante da área livre, mais pobre será a comunicação e que o quadrante do desconhecido, exerce verdadeiro


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fascínio, provocando uma curiosidade especial, mas que, todavia, se vê restringida por costumes, formação social, temores diversos, etc. É, sem dúvida, um campo complexo, na medida em que seu universo de atuação é a mente humana, entretanto é o típico desafio que merece ser enfrentado, não somente por sua implicação direta na solução dos problemas brasileiros na seara da Segurança Pública, o que, por si só já se justificaria, mas principalmente porque, estaremos aprimorando a qualidade do conhecimento no seu sentido “lato”, portanto, melhor assessorando as autoridades dependentes desta produção para as tomadas de decisões estratégicas das quais, em última análise, depende o futuro do país. Por fim, reputamos que este trabalho meramente buscou compilar subsídios técnicos, bem como reunir distintas visões sobre a realidade da compartimentação das informações entre os agentes e instituições de Inteligência de Segurança Pública do país, e a partir dela encontrar sugestões alternativas para a correção de rota necessária, na direção de um novo perfil de agente, de uma nova postura de relacionamento profissional e de uma nova política de planejamento e gerenciamento da área de ISP, com vistas a substancial melhoria do compartilhamento de informações para um enfrentamento capaz e atualizado da violência e das organizações criminosas no Brasil. Além disso, inaugurando esta discussão, que quebra antigos paradigmas, e por certo, redundará no debate polêmico, estamos solidificando as mais nobres intenções da neointeligência brasileira que de alguns anos para cá vem se lançando a pensar e repensar academicamente toda a história peculiar a esta área no Brasil, bem como seu processo de desenvolvimento, sua cultura e seu conteúdo legal, político e social, sem medo das verdades, sem vergonha do passado, com orgulho de nossa construção nacional e com especial confiança e muita esperança no futuro da Inteligência de Segurança Pública do país, talvez, nosso melhor caminho para o controle social no âmbito da violência, a redução dos índices criminais e a manutenção da ordem em nosso território. Assim, entendemos que este estudo pode colaborar para que as atenções se voltem para novos olhares sobre os velhos métodos e pedagogias, lançando as bases de mais e mais experiências e pesquisas, com certeza, o caminho mais seguro para o desenvolvimento da inteligência brasileira.


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No momento em que os principais serviços de inteligência do mundo convergem seus esforços na direção da excelência no compartilhamento, inclusive buscando qualificar este intercâmbio em nível internacional, o Brasil protagonista, candidato a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil candidato ao posto de 5ª maior economia do mundo em alguns anos, o Brasil sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o Brasil dos alvissareiros números sociais e econômicos, precisa encontrar, de forma ágil e responsável, suas próprias saídas, assumindo o controle da criminalidade pelo Estado e restabelecendo o “guarda-chuva” protetivo que as nossas polícias tem de estender sobre os cidadãos, oferecendo-lhes cuidado e segurança.


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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Objetivamente, estamos diante da necessidade de alteração de um processo cultural com quebra de paradigmas consolidados nos últimos cinquenta anos, a partir de uma visão adequada às dinâmicas sociais, políticas e econômicas que permeiam as relações humanas em um planeta atual, pragmático, globalizado e interconectado em tempo real. Se insistirmos na convicção de que nosso inimigo não está preparado para nos enfrentar, seremos extintos! Portanto, a revitalização das estruturas, dos processos e das metodologias de trabalho, na inteligência de segurança pública brasileira, é urgente. Este trabalho reuniu subsídios para a introdução desta discussão na área de inteligência de segurança pública. Assim, de forma não conclusiva, elaboramos algumas sugestões para este debate, como: a inclusão do Departamento de Relações Humanas no âmbito da estrutura das agências, tendo profissional da área de psicosociologia à sua frente, como protagonista orgânico deste novo processo, atuando permanentemente na construção do tecido de relacionamento interno e externo da agência. Sugerimos, também, uma revisão técnico-pedagógica, nos critérios de seleção do líder ─ aquele que deverá gerenciar os processos diretamente com os executores, buscando adequar seu perfil profissiográfico às novas orientações pedagógicas, em sintonia com a figura do Chefe do Departamento de Relações Humanas. No novo enfoque, a congruência ou autenticidade, a empatia e a consideração positiva (o respeito para com os outros) são as bases exigidas para a construção essencial de um harmonioso, generoso e interativo ambiente de trabalho que permitirá a consecução dos objetivos propostos. Inferimos que esta nova dinâmica consolidará a identidade da Inteligência de Segurança Pública no Brasil no melhor momento de sua afirmação como tipologia e que seu recente reconhecimento legal implicará substancial reforço aos seus novos métodos, enquanto, na contrapartida, estes últimos, consagrarão sua inserção objetiva no cenário nacional. Cremos que os novos procedimentos pedagógicos precisam entrelaçar interesses do público-alvo, proporcionando o estreitamento do relacionamento interpessoal e


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interinstitucional entre os agentes e agências, trabalhando suas realidades comuns por dentro de sua heterogeneidade. E isto já foi realizado com sucesso em 2003 pela Secretaria Nacional de Segurança Pública através do Curso de Aperfeiçoamento em Inteligência de Segurança Pública, piloto que utilizou de formato pedagógico que merece ser examinado e, quiçá, reeditado. Especulamos que a nova pedagogia em ISP busque aprofundar permanentemente os estudos do comportamento emocional aplicado aos agentes, como única forma de conhecê-los na medida da necessidade de orientação e indução do processo de compartilhamento, rompendo com as barreiras antiprodutivas da compartimentação. A administração de um “grupo desviante”, capaz de conduzir seus integrantes ao patamar de sucesso pessoal e profissional, requer conhecimento e habilidades específicas. Por fim, imaginamos que o novo ambiente da nova agência se constituirá em laboratório social ideal para processo contínuo de exercícios vivenciais de dinâmica de grupo, relações humanas e de sensibilidade, proporcionando aos indivíduos um maior, conhecimento do outro e de si mesmo, o que estará permanentemente qualificando as equipes a partir dos indivíduos e sua enriquecida capacidade de relacionamento interpessoal. Neste momento estaremos, por consequência, possibilitando o real compartilhamento das informações entre as instituições de Inteligência de Segurança Pública do Brasil.


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