Comunicação nas Organizações

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número temático

Comunicação nas Organizações Editores do número temático Maria Cláudia Perdigão Andrade Joana Lobo Fernandes José Pedro Cerdeira


Corpo Editorial Director Ana Maria Sarmento Coelho

Editores do número temático Maria Cláudia Perdigão Andrade, Joana Lobo Fernandes e José Pedro Cerdeira

Conselho Científico Pedro Balaus Custódio - Educação/Formação Maria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências Empresariais Francisco Rúbio - Artes e Humanidades

Comissão editorial José Pacheco (CIC/NDSIM) Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI)

Produção edição online - José Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Pacheco

Ficha Técnica EXEDRA: Revista Científica Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra Periodicidade: Semestral ISSN 1646-9526 | ISBN 978-9898486-01-1 | D.L. 324363/11

Copyright A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.

Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos: EXEDRA: Revista Científica Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra - Portugal Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461 exedra@esec.pt | www.exedrajournal.com


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Comunicação nas Organizações Editores do número temático Maria Cláudia Perdigão Andrade Joana Lobo Fernandes José Pedro Cerdeira



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Editorial

Maria Cláudia Perdigão Andrade, Joana Lobo Fernandes e José Pedro Cerdeira 11-40

A responsabilidade social das empresas: incursão ao conceito e suas relações com a cultura organizacional

Alexandra Leandro e Teresa Rebelo 41-54

Work-Life Balance: condições de trabalho facilitadoras da integração do papel profissional e familiar

Maria Cláudia Perdigão Andrade 55-78

Promoting a path for organizational competitiveness: the role of internal communication

Daniel Roque Gomes, Joana Lobo Fernandes e Rosa Maria Campos Sobreira 79-92

Qual o papel do jornalismo nas democracias contemporâneas? Jornalismo publico e deliberação política

Gil Baptista Ferreira 93-106

Perspectivas sobre os discursos da comunicação pública da ciência1

Joana Lobo Fernandes 107-126

O mix de comunicação das marcas de moda

João Morais 127-138

Confiança, cidadania e responsabilidade social nas organizações

139-162

Do paradigma das relações públicas para o paradigma da comunicação estratégica das organizações

José Pedro Cerdeira e Paula C. Neves

Rosa Maria Campos Sobreira


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Missão e Objectivos A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta. A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração. Forma e preparação de manuscritos Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40 páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10, espaço simples e no mesmo formato das figuras. Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de 1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação institucional). Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail. Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere: Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias. 6


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Referências bibliográficas A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial 10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão “et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores obedecendo ao formato dos seguintes exemplos: a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall. b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms. Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/ journals/kuhn.html c) Capítulo de livro: Hughes, D., & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds), Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum. d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from 1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última versão. Citações As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização (página).

Submissão de artigos para publicação A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado.

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Editorial O título desta publicação Comunicação nas Organizações pretende mostrar como o domínio dos estudos sobre a Comunicação se constitui, no presente, com olhares múltiplos, mas de modo nenhum divergentes nos seus objectivos fundamentais. É precisamente do resultado desta multiplicidade de saberes para o qual confluem os estudos acerca da comunicação nas organizações que dá conta este número da Revista Exedra. A organização deste número temático espelha a complementaridade de áreas do conhecimento e de temáticas que confluem na formação que é ministrada há mais de uma década pela Escola Superior de Educação de Coimbra, na sua licenciatura de Comunicação Organizacional. O reconhecimento da especificidade do ensino superior politécnico enquanto formação de cariz profissionalizante trouxe para o centro de interesse a compreensão do fenómeno da comunicação aplicada ao universo organizacional, a sua expressão através das diferentes profissões que emergem num vasto domínio que contempla a gestão das pessoas (colaboradores), a divulgação de um produto ou de um serviço e ainda a construção e a transmissão da identidade corporativa de uma organização. Os oito artigos deste número temático revelam diferentes linhas de pesquisa e investigação que contribuem para adequar e dar resposta aos desafios que os mercados e a sociedade colocam actualmente aos comunicadores das organizações. No primeiro artigo, A responsabilidade social das empresas: Incursão ao conceito e suas relações com a cultura organizacional, as autoras Alexandra Leandro e Teresa Rebelo reflectem em torno da responsabilidade social das empresas enquanto conjunto de políticas e práticas concertadas, alinhadas com os objectivos estratégicos das mesmas, que pretendem dar resposta às exigências internas, do mercado e da comunidade, tendo como diapasão o interesse comum. Assim, sabendo que as empresas socialmente responsáveis têm de ter como princípios de actuação a ética, a qualidade e a geração de valor, as autoras propõem a necessidade de clarificar, por um lado, o próprio conceito de responsabilidade social e, por outro, de explorar a relação entre este e a cultura organizacional. No artigo, Work-Life Balance: Condições de trabalho facilitadoras da integração do papel profissional e familiar, Cláudia Andrade refere e analisa os primeiros estudos efectuados sobre o tema das relações trabalho-família destacando o papel do conflito entre o exercício do papel profissional e familiar e suas repercussões ao nível individual, profissional, familiar e social. Na segunda parte a autora apresenta um conjunto de estudos que denotam o modo como as organizações, através suas políticas, podem actuar no sentido de criarem condições que, não só potenciam a redução dos níveis de conflito trabalho-família como o exercício concomitante dos diferentes papéis de vida integrado 8


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na óptica do Work-Life Balance. Daniel Gomes, Joana Lobo Fernandes e Rosa Sobreira, no artigo Promoting a path for organizational competitiveness: the role of Internal Communication partem de uma investigação efectuada numa organização para avaliar a pertinência de averiguar o poder preditivo da Comunicação Interna na qualidade de algumas relações individuoorganização. Os autores concluem que a comunicação interna influencia positivamente a forma como se entende a equidade de procedimentos na organização, o que levará ao estabelecimento de um vínculo afectivo entre colaboradores e a sua organização, donde se extrai a existência de mais-valias da articulação das práticas profissionais de comunicação interna e de gestão de recursos humanos beneficiando os públicos internos das organizações. O autor Gil Baptista Ferreira, no seu artigo Qual o papel do jornalismo nas democracias contemporâneas, propõe-se discutir o papel do jornalismo público na relação que estabelece com as instituições democráticas contemporâneas. Para esse fim, toma como principais referências o modelo de democracia deliberativa e as expectativas geradas nas últimas décadas pela ideia de jornalismo público (ou cívico), para, a partir daqui, avaliar a compatibilidade entre os dois paradigmas. Conclui que o papel dos jornalistas na promoção da democracia assume hoje uma natureza diferente e possui um campo de acção mais restrito do que os defensores do jornalismo público acreditam. Nas Perspectivas sobre os discursos da comunicação pública da ciência, Joana Lobo Fernandes vem analisar o exercício da comunicação pública da ciência enquanto relação de comunicação entre produtores e utilizadores do conhecimento científico indicando de que modo esse exercício reproduz e sustenta, predominantemente, a existência de um fosso cognitivo que vem inibindo o reconhecimento da necessário complementaridade de saberes, científico e leigo. Conclui indicando que o campo da divulgação científica coloca na agenda a necessária redefinição do sujeito sugerindo a vantagem de o entender enquanto parte interessada no processo. No artigo, O mix de comunicação das marcas de moda, João Morais discute a importância que a comunicação de marketing tem para uma marca de moda. O autor explora as diferentes ferramentas e formatos que poderão ser usados para comunicar as ditas marcas de modo a transmitir uma identidade e um posicionamento que potencie uma imagem de marca forte e distintiva. Deste modo, promove a reflexão em torno das práticas, tal como estas se exercem em meio empresarial e enuncia igualmente as tendências futuras da comunicação de marketing, cruzando-as com os desenvolvimentos mais recentes da Comunicação em geral e da comunicação aplicada à estratégia mercadológica. José Pedro Cerdeira e Paula Neves, no artigo, Confiança, Cidadania e Responsabilidade

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Social nas Organizações, tomando como ponto de partida a discussão da natureza do processo de globalização e das suas consequências na erosão do contrato social de confiança entre as empresas e outras instituições, defendem um novo entendimento para a concepção estratégica da responsabilidade social nas organizações, no qual o desenvolvimento de boas práticas orientadas pela partilha dos valores da confiança e da cidadania desempenhe um papel central. reconhecendo que a dinâmica e o sucesso de uma economia depende directamente, entre outros, de instituições democráticas livres e de sociedades civis participativas. No último artigo, Rosa Sobreira analisa a passagem do paradigma das Relações Públicas para o da Comunicação estratégica das Organizações, integrando numa reflexão sobre o campo das ciências da comunicação nas últimas décadas do século XX, onde se assiste a um processo de fragmentação intenso, com o aparecimento de múltiplas formas de relacionamento com os públicos organizacionais, ferramentas de comunicação inovadoras e novas concepções sobre o que deve ser a comunicação no contexto organizacional. Conclui que a emergência de um novo paradigma comunicacional está centrada na integração e no alinhamento estratégico da comunicação das organizações. É nosso desejo que este volume temático se constitua como denominador comum numa área do conhecimento que é por definição aberta a diferentes disciplinas de estudos e perspectivas de análise. E que traduza a pluralidade de olhares que na Escola Superior de Educação de Coimbra entendem e constroem a Comunicação Organizacional. Coimbra, 30 de Março de 2011

Maria Cláudia Perdigão Andrade Joana Lobo Fernandes José Pedro Cerdeira

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A responsabilidade social das empresas: incursão ao conceito e suas relações com a cultura organizacional Alexandra Leandro

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Teresa Rebelo

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação - Universidade de Coimbra Resumo A responsabilidade social das empresas é um conjunto de políticas e práticas concertadas, alinhadas com os objectivos estratégicos das mesmas, que pretende dar resposta às exigências internas, do mercado e da comunidade, tendo como diapasão o interesse comum. Uma empresa socialmente responsável é, por isso, geradora de valor para todos os seus stakeholders. Pretende ser um agente de mudança, de diferenciação e inovação. Assim, sabendo que as empresas socialmente responsáveis têm de ter como princípios de actuação a ética, a qualidade e a geração de valor, este trabalho espelha a necessidade de clarificar, por um lado, o próprio conceito de responsabilidade social e, por outro, explorar a relação entre este e a cultura organizacional. Palavras-chave Responsabilidade social, Cultura organizacional, Ética empresarial, Stakeholders Abstract Corporate social responsibility (CSR) concerns an ensemble of management’s policies and practices embedded on the company’s strategy and goals. CSR aims to meet the internal, market and community demands, having the common interest as its backbone. Thus, a socially responsible company generates value to all its stakeholders. Such a company wishes to present itself as an agent of change, differentiation and innovation. Acknowledging that socially responsible companies must have principles such as ethics, quality and value-generation, we intend to, on one hand, clarify the concept of CSR, and, on the other hand, how it relates to the corporate culture. Key-words Corporate social responsibility, Corporate culture, Business ethics, Stakeholders 11


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Introdução A responsabilidade social das empresas (RSE) tem vindo a ganhar relevância no campo da gestão, principalmente na última década. Apesar da RSE ser multi-dimensional e ter uma face muito visível na esfera pública, interessa-nos particularmente o aspecto menos mediático da RSE – a sua dimensão interna, enquanto estratégia deliberada para a gestão responsável das pessoas e dos recursos, criando ambientes de trabalho saudáveis, construindo empresas que geram valor para os seus colaboradores. O objectivo principal deste artigo é, então, fazer uma viagem pelo conceito de RSE, olhando a sua história e os seus fundamentos, conceptualizações e fronteiras, e, também, perceber qual o campo comum com a cultura das organizações.

1 Enquadramento teórico 1.1 Génese do conceito

Corporate responsibility is the newest «old» thing in business management. Blowfield e Murray (2008, p.36) A responsabilidade social, no seu âmbito mais restrito – a devolução à sociedade de parte dos lucros acumulados pelas empresas, em forma de caridade, solidariedade, não é recente. Muito antes de a responsabilidade social ser sistematizada, já era prática dos grandes magnatas da indústria como Carnegie, Lever ou Cadbury (Blowfield e Murray, 2008; Lantos, 2001; Post et al., 2002), reconhecidos filantropos. Na era pós-revolução industrial, foram muitos os casos em que estes gestores tentavam colmatar a falta de condições socioeconómicas dos seus empregados, criando verdadeiras “cidades” dentro das suas empresas, com escolas, hospitais, casas, e todo tipo de infraestruturas necessárias ao bem-estar dos seus trabalhadores. Mais perto da nossa contemporaneidade, e um provável quadro a repetirse nesta altura de crash económico-financeiro, também nos anos 70 os países da Europa Ocidental usaram de práticas de responsabilidade social como forma de combate aos problemas da economia de mercado (Abreu et al., 2005). Mais recente, contudo, é a sua absorção enquanto componente estratégica (e não meramente táctica) das empresas modernas e o seu consequente estudo e análise. Este processo de inclusão de práticas de responsabilidade social por 12


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parte das empresas deve-se, em grande medida, à relevância que estas ganharam enquanto organizações, como afirma Post et al. (2002) que, apoiando-se em Korten (1996), refere que os negócios se tornaram, na segunda metade do século XX, a mais poderosa instituição do planeta. Ora, a instituição mais preponderante tem de tomar responsabilidade por todos, as decisões que tomam têm de ser vistas à luz de uma responsabilidade desse calibre. Srour (2000) também concorre para esta ideia, afirmando que a perda de protagonismo das ditas instituições tradicionais (Estado, Igreja, Família), compõe o palco para uma actuação mais preponderante por parte das empresas. De facto, a ideia de responsabilidade social enquanto novo paradigma da gestão, enquanto repensar das estratégias, processos, políticas é algo incipiente, que iniciou a sua edificação nos anos 90 (Neto, 1999). Essa linha não é fácil de traçar, a linha que separa a mera filantropia corporativa da assunção holística da responsabilidade social. Muitos autores sugerem que essa divisão se dá quando as acções pontuais se tornam sistemáticas e estratégicas e fazem parte de uma atitude gestionária que afecta toda a empresa, usando recursos da mesma, fazendo mais do que lhe é exigido pelo quadro legal e preocupando-se em ser proactiva e não apenas reactiva quando lhe surgem conflitos de necessidades pela frente. Blowfield e Murray (2008, p.55) sistematizam desta forma a diferença entre estes dois conceitos: o que distingue a maior parte da responsabilidade corporativa actual da filantropia corporativa é o envolvimento que as empresas demonstram na implementação de políticas e programas que, mais do que apenas devolver à comunidade, modificam as práticas de gestão. Acrescentam ainda que esses programas não são necessariamente exigidos por lei. Carroll (1991) argumenta até que a filantropia é altamente desejável e apreciada, mas, de facto, é menos importante que as outras três camadas da pirâmide da responsabilidade social por ele enunciadas, isto é, do que as camadas das responsabilidades éticas, legais e económicas. Zenone (2006, p.11) contribui para esta discussão, ao afirmar que uma será parte da outra, mais abrangente e global: “… a filantropia passa a ser apenas uma pequena parcela do conceito de ser socialmente responsável, que inclui um extenso leque de questões que envolvem toda a gestão, ou seja, sua acção deixa de ser individual e passa a reflectir uma acção conjunta da empresa em prol da cidadania.” Reforça o mesmo autor que a empresa que actua desta forma, contribui “de maneira transformadora para a elevação do meio social em que se insere”. Por isso, com o pensamento de Cortina (2005) a apoiar-nos, a responsabilidade social não pode nunca ser encarada como mera filantropia ou conjunto de acções 13


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concretas de caridade, isoladas no tempo e de carácter táctico. Deve ser sempre tomada como uma “ferramenta de gestão, como uma medida de prudência e como uma exigência de justiça” (Cortina, 2005, p.2). Um dos problemas que afecta a sedimentação da responsabilidade social enquanto novo paradigma da gestão é precisamente esta faceta caritativa com grande potencial de mediatização que lhe é atribuída inúmeras vezes. Frankental (2001), por exemplo, conclui o seu artigo dizendo que a responsabilidade social é uma invenção das relações públicas. Outra fraca concepção, ainda ligada à filantropia e à faceta mais visível da responsabilidade social, é reduzi-la ao marketing social ou marketing de causas sociais (Michel & Lampert, s/data; Zenone, 2006 ). Isto significa que o facto de algumas das acções e práticas da responsabilidade social, precisamente por lhes ter sido dado tanto espaço nos media, são confundidas com o todo e acabam por ajudar os seus detractores a induzir que não é para além do lucro que as empresas socialmente responsáveis actuam, mas antes visando o mesmo. Enquanto Zenone define marketing social como uma “ferramenta estratégica cujo foco é a transformação social através da realização responsável de acções sociais por parte das empresas.” (2006, p.24), Michel e Lampert (s/data) clarificam os conceitos, tecendo a distinção entre a responsabilidade social como o compromisso e esforço das empresas em adoptar comportamentos éticos, na relação com os seus colaboradores e famílias destes, contribuindo para a sua qualidade de trabalho e de vida; na relação com os seus clientes, na criação de produtos e serviços de qualidade; na relação com a comunidade envolvente e com a sociedade, gerando progresso económico. Já o marketing para causas1 é, segundo os mesmos autores, uma “ferramenta estratégica de marketing e de posicionamento que associa uma empresa ou marca a uma questão ou causa social relevante, em benefício mútuo.” (p.1). Nos antípodas destas dissociações face à responsabilidade social, está a ligação materna à ética e, mais particularmente, à ética dos negócios (business ethics). Se em cima descrevemos a face mais visível da responsabilidade social e o que a sua mediatização causa, falemos agora daquilo que se pode considerar o embrião do conceito: a ética. Embora sejam distintas, a ética e a responsabilidade social estão intrinsecamente ligadas - “There is no debate: ethical behavior is a prerequisite assumption for strategic CSR.” (Werther & Chandler, 2006, p.10). Sendo certo que a ética pertence ao core da responsabilidade social, não a esgota. Não podendo sobrepor-se os dois conceitos, devemos considerar que a ética está na base da construção da responsabilidade social, sem, no entanto, os nivelar semanticamente. 14


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Rego et al. apontam que o termo responsabilidade social das empresas é utilizado com mais frequência na literatura sobre gestão do que na literatura sobre ética dos negócios, referindo ainda que alguns autores julgam os dois conceitos como coincidentes (responsabilidade social e ética dos negócios), embora esta ideia não seja de todo consensual no mundo académico. Adiantam os mesmos autores ainda que o Instituto Ethos, do Brasil, afirma que “a ética é a base da responsabilidade social, expressa nos princípios e valores adoptados pela organização. Não há responsabilidade social sem ética nos negócios.” (Rego et al., 2006, p. 25). Assim sendo, é importante esclarecer que a ética é condição sine qua non para a existência de uma responsabilidade social plena numa organização, mas não uma e a mesma coisa. Sendo a ética a ciência da moral, a ética nos negócios expressa-se por uma obediência às “morais” que vigoram no âmbito empresarial em que determinada empresa actua (Srour, 2000). Ora, a responsabilidade social não pode existir se não houver uma gestão ética, no entanto, uma empresa pode ser ética sem ser socialmente responsável. Afirmamos isto porque, no cumprimento estrito das suas obrigações legais e éticas, não se incluem, por exemplo, as responsabilidades económicas e filantrópicas que, no mínimo, e como veremos mais à frente, compõem os restantes domínios das preocupações da RSE (Carroll, 1991).

1.2 Responsabilidade social das empresas: definições2

Corporate Responsibility begins where the law ends. Davis (1973, cit in Blowfield & Murray, 2008, p.12) O que é, então, a responsabilidade social das empresas? Comecemos por aquilo que não é: não é uma acção de caridade dirigida a uma qualquer instituição, não é apenas a atribuição de um prémio anual aos colaboradores, não é o cuidar dos lixos tóxicos, não é reciclar tinteiros, não é a publicação do relatório de contas anual, não é o estrito cumprimento dos requisitos legais. Não é nenhuma das supra referidas isoladamente. Responsabilidade social das empresas é tudo isso, e mais ainda, usadas de maneira orquestrada e contínua. Diz o Livro Verde da Comissão Europeia “Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas” (2001), que é este um conceito pelo qual as companhias voluntariamente contribuem para uma melhor sociedade e para um melhor ambiente, assegurando assim o cumprimento da chamada triple bottom line3. Muitos autores acenam positivamente a esta descrição, acrescentando que este conceito, pela sua amplitude e profundidade, se pode observar nas múltiplas dimensões que alicerçam todas as 15


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organizações com fins lucrativos: a económica, a legal, a social e a ambiental. Antes de avançarmos para uma definição de responsabilidade social das empresas propriamente dita, devemos aqui introduzir um dos tópicos de grande discórdia na produção científica desta temática: conceitos que são adjacentes ao da responsabilidade social mas que muitas vezes aparecem coincidentes. Se bem que Blowfield e Murray (2008) fazem desde logo o alerta, dizendo que o que queremos dizer com responsabilidade corporativa está constantemente a mudar, porque a própria sociedade evolui e isso afecta as nossas expectativas face às empresas e à sua relação com a sociedade. Assim, e tendo em conta que a definição se torna difícil de perenizar devido à própria mutação das sociedades ao longo do tempo, a responsabilidade social tem aparecido descrita como cidadania empresarial ou corporativa (corporate citizenship), accountability, corporate social responsiveness, numa discussão que se revela mais sintáctica ou semântica do que de conteúdo. Digamos e assumamos que, na nossa investigação, corporate social responsibility (responsabilidade social corporativa) equivale à responsabilidade social das empresas e que, consequentemente, usamos ambas as terminologias, sem prejuízo de rigor, porque aqui a distância é apenas de tradução (corporation, empresa). Werther e Chandler (2006) apontam ainda mais epítetos encontrados que se confundem com a responsabilidade social: business responsibility; corporate citizenship ou global business citizenship, corporate community engagement, community relations, corporate stewardship. Isto para dizer que o debate anunciado por Votaw em 1972, renovado por Geva (2008, p.1) continua válido: a responsabilidade social corporativa “significa alguma coisa, mas nem sempre a mesma coisa para todos”. Apesar dos múltiplos estudos que têm vindo a contribuir para a uma sólida literatura sobre esta matéria, a sua conceptualização permanece num plano de conflito terminológico e semântico. (Geva, 2008; Lantos, 2001). Em relação ao conteúdo da responsabilidade social, ou melhor, em relação à validade da sua proposta, as questões adensam-se e agravam-se. A revisão feita à literatura releva desde logo uma cisão entre aqueles que olham a responsabilidade social de soslaio, como camada de verniz na senda do retorno económico (seguidores claros da teoria de Milton Friedman); e os outros que a lêem como uma tentativa dos negócios de se assumirem como cidadãos, com uma ética pura, plena de direitos e deveres e com um papel activo na construção de uma sociedade mais justa, mais equilibrada, mais preparada para os desafios. Digamos que Friedman constitui uma das escolas de pensamento sobre responsabilidade social das empresas e os outros, liderados por Carroll, tomam-se da escola conceptualmente oposta (Schwartz & 16


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Carroll, 2007). Temos então aqueles que, nas palavras destes autores, defendem que as empresas apenas são obrigadas a produzir lucros dentro das mínimas obrigações legais e éticas, por exemplo, Friedman (1970) e Levitt (1958), e aqueles que sugerem um leque mais alargado de obrigações das empresas para com a sociedade, como Andrews (1973); Carroll (1981); Davis e Blomstrom (1975); Epstein (1987) e McGuire (1963). Post et al. (2002) concluem que o verdadeiro desafio das empresas é equilibrar todas as suas responsabilidades, numa verdadeira estratégia de empresa, sem perder nenhuma das obrigações. E continuam, reiterando que há alturas em que estas diversas frentes não poderão ser atendidas sem perdas laterais, assim como haverá alturas em que o facto de a empresa cumprir com as suas responsabilidades sociais lhe trará benefícios económicos. Não há, no entanto, motivo para pensarmos que o lucro cresce ao ritmo dos investimentos em termos de responsabilidade social das empresas. O reverso é, contudo, verdade. Sabemos que a responsabilidade social exige investimentos, e que esses investimentos a terem retorno, tê-lo-ão a longo prazo. A perspectiva de Friedman (1970) é que há apenas uma responsabilidade social dos negócios: usar os seus recursos e desenvolver actividades que maximizem os seus lucros dentro das regras do jogo, ou seja, actuar em concorrência aberta e livre sem recorrer à fraude. Pelo contrário, Lantos (2001) concorda com Carroll (1979), que acredita que devemos julgar as empresas não apenas pelo seu sucesso económico, mas também por critérios não económicos. Assim, como refere Zenone (2006), uma empresa que queira fazer perdurar o seu negócio no tempo, tem de enveredar por uma estratégia que acrescente valor na tripla dimensão – económica, social e ambiental. As acções de cariz social têm de ter, para que a empresa possa ser efectivamente bem sucedida nesse ensejo, periodicidade, método e sistematização, para constituir uma verdadeira gestão estratégica de responsabilidade social. Claro que a questão mais básica que aqui se põe prende-se com a relação entre a empresa e a sociedade. E é fundamental para o apuramento da definição de responsabilidade social que o analisemos, já que, como diz Moir (2001), citando Wood (1991, p. 16) “the basic idea of corporate social responsibility is that business and society are interwoven rather than distinct entities.”. Geoffrey Lantos (2001) mostra na Tabela 1 a forma como é visto o papel das empresas na sociedade por quatro autores, corporizando assim a visão de cada um sobre a responsabilidade social.

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Tabela 1: Espectro dos pontos de vista sobre o papel das empresas na sociedade Autor

Posição face ao papel das empresas na sociedade

Albert Carr (1996)

Maximização do lucro pura – RSC4 económica: o mundo dos negócios tem padrões de ética mais baixo do que a sociedade e não tem qualquer responsabilidade social excepto a da mera obediência à lei.

Milton Friedman (1970)

Maximização do lucro forçada – RSC económica: a empresa deve maximizar a riqueza dos seus accionistas, obedecer à Lei e ser ética.

Edward Freeman (2001)

Visão socialmente consciente – RSC ética: as empresas devem ser sensíveis às consequências potencialmente prejudiciais das suas acções nos vários grupos de stakeholders.

Archie B. Carroll (2001)

Visão de serviço à comunidade/ perspectiva da performance social da empresa – RSC altruística: a empresa deve usar os seus vastos recursos em prol do bem social. (Fonte: Adaptado de Lantos, 2001, p.602)

Temos optado até aqui por não abordar a questão da cidadania corporativa. Contudo, pela sua proximidade com a responsabilidade social, julgamos importante esclarecer o conceito. Blowfield e Murray (2008) recorrem a Waddock (2001, cit in Blowfield & Murray, 2008, p.17) para o efeito: - A adopção pela empresa de políticas, procedimentos e processos baseados na integridade e que permitem construir práticas baseadas em valores; - A capacidade da empresa para perceber e avaliar as consequências a longo prazo do seu comportamento e a sua vontade de fazer sacrifícios a curto prazo para concretizar ganhos a longo prazo.

Abreu et al. (2005) remetem para Joyner et al. (2002) para afirmar que o comportamento de uma empresa no que respeita a sua responsabilidade ética e social é importante para a sociedade em geral e permite-nos entender como é que essa empresa aplica os seus valores, que são a fundação das suas tomadas de decisão. Se não nos arriscamos a afirmar uma conexão directa entre o sucesso económico e a responsabilidade social5, parece haver mais consenso na comunidade científica nos reflexos que a responsabilidade social das Empresas tem no comportamento dos seus stakeholders (Burchell & Cook, 2006; Carroll, 2004; Viswesvaran et al., 1998). A responsabilidade social, a existir, é assumida por e para os stakeholders. Cortina (2005) afirma que aquilo que parece um descentramento contra-natura (partilhar 18


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a atenção exclusivista prestada aos shareholders com os restantes stakeholders) é o grande benefício das empresas socialmente responsáveis. Isto é, ao colocar no topo das suas prioridades o bem-estar dos seus colaboradores, a relação de qualidade com os seus fornecedores, o estreitamento de laços com os media relevantes, a confiança e satisfação dos seus clientes, etc, a empresa está, de facto, a responder à preocupação primordial dos seus accionistas: viver muito tempo, gerando lucro e mantendo uma imagem positiva junto dos grupos de influência. Werther e Chandler (2006) definem a responsabilidade social corporativa como o espectro de acções que cobrem as relações entre a empresa (ou outras organizações) e as sociedades com as quais interagem. Argumentam ainda que a responsabilidade social corporativa inclui também as responsabilidades inerentes em ambos os lados destas relações. Já George e Jones (2005) sintetizam a responsabilidade social como a forma que os gestores e os colaboradores de uma empresa vêem o seu dever e a sua obrigação de tomar decisões que protejam, realcem e promovam o bemestar de todos as partes interessadas e da sociedade em geral. Mais, estes autores propõem uma síntese das abordagens possíveis à responsabilidade social, que nos parece pertinente expor. De acordo com estes autores, existem quatro abordagens principais à responsabilidade social: Abordagem obstrucionista – baixa responsabilidade social: nesta abordagem, os gestores optam por não ser socialmente responsáveis. Pelo contrário, actuam de forma pouco ética e fazem tudo para que esse comportamento não seja público. Abordagem defensiva – média responsabilidade social: a abordagem defensiva indica que há, pelo menos, um comportamento de obediência à lei e nada mais para além disso. Este comportamento pode, e muitas vezes o faz, desdobrar-se em comportamentos pouco éticos. Abordagem acomodada - média responsabilidade social: é tomada por empresas que actuam de forma ética e legal, e gerem os conflitos com os diversos stakeholders conforme a necessidade assim o exija. Abordagem proactiva – alta responsabilidade social: nesta abordagem as empresas abraçam activamente o facto de serem socialmente responsáveis. Fazem por saber que necessidades têm os diversos stakeholders e preencher essas necessidades, usando os recursos da organização para as satisfazer. Uma das vantagens em ser socialmente responsável é que, ao demonstraremno, a empresa está a investir na sua reputação, isto é, está a angariar a confiança e boa-vontade dos outros na empresa e a promover a vontade de interagir com ela. A definição de Carroll (1979) tornou-se numa das mais citadas e consensuais, 19


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ao sistematizar que empresas socialmente responsáveis são aquelas que actuam de acordo com as expectativas que a sociedade tem delas, num dado momento, ao nível das suas acções económicas, legais, éticas e discricionárias. Abreu et al. (2005) citam também Drucker (1984, cit in Abreu et al., 2005, p. 4) que refere que a responsabilidade social, ao ser assumida pelas empresas, torna os problemas sociais em oportunidades e benefícios económicos, em capacidade produtiva, em competência humana, em empregos bem pagos e em riqueza. Moir (2001) recorre ao WBCSD (World Business Council for Sustainable Development) para definir a responsabilidade social das empresas como o comportamento ético de uma organização perante a sociedade. Mais: é a gestão que age de forma responsável nas relações que tem com os seus stakeholders e, também, o compromisso contínuo das empresas em contribuir para o desenvolvimento económico enquanto melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e das suas famílias, assim como da comunidade local e da sociedade em geral. Com muitas afinidades com esta definição, encontramos a de Grajew (1999, p.1) que diz que, quando falamos em responsabilidade social das empresas, falamos em “relação ética, da relação socialmente responsável da empresa em todas as suas acções, em todas as suas políticas, em todas as suas práticas, em todas as suas relações. Isso significa responsabilidade social da empresa em relação à comunidade, aos seus empregados, aos seus fornecedores, (…) ao meio ambiente, ao governo, ao poder público, aos consumidores, ao mercado, aos accionistas.” Lantos (2001) apresenta-nos várias definições de diferentes origens. Uma, que o autor cita directamente do Journal of Consumer Marketing (2001, cit in Lantos, 2001, p.600), diz-nos que a responsabilidade social é: “An organization’s obligation to maximize its positive impact and minimize its negative effects in being a contributing member to society, with concern for society’s long-run needs and wants. CSR means being a good steward of society’s economic and human resources.” Esta afirmação parece-nos mais próxima do desenvolvimento sustentável do que da responsabilidade social. Admitimos que isso aconteça por ser tão vaga e com uma tónica forte no impacto que a empresa tem ou pode ter. Outra das definições propostas por Lantos (2001) é a de Bloom e Gundlach (2001, cit in Lantos, 2001, p.600), que indica a RSE como as obrigações da empresa para com os seus stakeholders, obrigações essas que vão para além dos requerimentos legais e deveres da empresa para com os accionistas. A atribuição formal e fundacional do termo dá-se, segundo Carroll (1999), com a obra de Howard Bowen datada de 1953 - “Social responsibilities of the businessman”, considerado o “pai” da responsabilidade social das empresas. Tem 20


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sido o próprio Archie Carroll, no entanto, que se tem destacado internacionalmente como investigador nesta área, primeiro com a proposta da pirâmide da responsabilidade social (1991) e, mais recente, com o modelo VBA6, em conjunto com Mark S. Schwartz (Schwartz & Carroll, 2007). Mesmo na própria compreensão da evolução do conceito, Carroll tem estado na vanguarda, tendo feito a revisão de literatura mais reconhecida no meio académico (Dahlsrud, 2008), começando precisamente com o artigo de Bowen. Dahlsrud menciona também as análises de Moir (2001), que continua o trabalho do Carroll, acrescentando as definições mais utilizadas na literatura dos negócios e de Joyner e Payne (2002) e Carter e Jennings (2004). O próprio Dahlsrud publica em 2008 um interessante estudo de análise de 37 definições de responsabilidade social corporativa, cuja base são as cinco dimensões que o autor encontrou na revisão efectuada. As cinco dimensões que, segundo Dahlsrud, tecem a base de todas as definições de responsabilidade social corporativa podem ser observadas na Tabela 2.

Tabela 2: As cinco dimensões da RSE, aplicação do sistema de codificação, e expressões-exemplo Dimensões

A definição está codificada na dimensão se se referir a

Expressões-exemplo

Dimensão ambiental

Meio-Ambiente

“um ambiente mais limpo” “hospedagem ambiental” “preocupações ambientais nas suas operações de negócio”

Dimensão social

Relação entre as empresas e a sociedade

“contribuir para uma sociedade melhor” “integrar preocupações sociais nas suas operações de negócio” “considerar o pleno espectro do seu impacto nas comunidades”

Dimensão económica

Dimensão dos stakeholders

Aspectos socioeconómicos ou financeiros, incluindo a descrição da responsabilidade social em termos de uma operação de negócio

“contribuir para o desenvolvimento económico”

Stakeholders ou grupos de stakeholders

“interacção com os seus stakeholders”

“preservar a geração de lucro” “operações de negócio”

“como as organizações interagem com os seus empregados, fornecedores, clientes e comunidades” “lidar com os stakeholders da empresa”

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Dimensão do voluntariado

Acções não prescritas por lei

“baseado em valores éticos” “para além das obrigações legais” “voluntariamente”

(Fonte: Adaptado de Dahlsrud, 2008, p.4)

Destas cinco dimensões, concluiu Dahlsrud no seu estudo, que as mais incluídas nas citações estudadas são as dimensões dos stakeholders e a social (88% ambas), seguidas pela dimensão económica (86%), pela do voluntariado (80%), sendo que, a alguma distância, aparece a dimensão ambiental (59%). Este estudo vem, de algum modo, contrariar a vox populi da responsabilidade social. É mais comum associar a RSE ao comportamento ambientalmente correcto, a uma atitude “verde” – vertente que aparece em claro último lugar na análise de Dahlsrud. A outra associação mais comum ao comportamento filantrópico, de voluntariado, de caridade – aparece em terceiro lugar. Assim, podemos inferir uma visão algo distorcida que a opinião pública e os media, grandes contribuidores para a sua formação, têm tido; podemos também constatar que tem havido um esforço por parte da comunidade científica em cimentar o conceito nos seus alicerces mais profundos: a responsabilidade social é, antes de mais, a procura da relação transparente e sólida com os seus stakeholders. Já Moir (2001, p.17), optou por elencar as áreas em que a responsabilidade social deve actuar baseando-se na compilação da CSR Europe7: local de trabalho (colaboradores), mercado (clientes, fornecedores), ambiente, comunidade, ética e direitos humanos. Carroll, em parceria com Schwartz, construiu recentemente (Schwartz & Carroll, 2007) um modelo - o modelo VBA (value, balance, accountability) - para tentar encontrar o core-concept dos vários termos e um terreno comum, quer teórico, quer de actuação. Vem acrescentar valor ao modelo piramidal que Carroll havia sugerido antes (1991) e, de alguma forma, substituí-lo. O modelo de 1991 estruturava a responsabilidade social em quatro estratos numa forma piramidal, cuja base são as responsabilidades económicas, ou seja, a obrigação de a empresa ser lucrativa; o estrato seguinte são as obrigações legais, isto é, cumprir a lei; a camada seguinte resume as obrigações éticas; e, por fim, o topo da pirâmide são as responsabilidades filantrópicas da empresa. Carroll acreditava que esta pirâmide ilustrava as diferentes peças que compõem a RS. Este novo modelo, contudo, propõe, resumidamente e de forma mais complexa, que apenas o equilíbrio entre a geração de valor, o balanço adequado entre a função base das empresas e os valores humanos e a responsabilização pelas suas acções, podem garantir um papel 22


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apropriado das empresas na sociedade. É esse o tripé basilar que sustenta a relação entre o mundo dos negócios e a sociedade, segundo os autores. É neste sub-campo comum que se agregam conceitos como o da responsabilidade social das empresas, da cidadania corporativa, da sustentabilidade, da gestão dos stakeholders e da ética das empresas. Ou seja, é na confluência concêntrica dos três vértices fundamentais que encontramos os cinco possíveis enquadramentos que as empresas podem adoptar para a sua gestão (Figura 1). Argumentam os autores que o modelo VBA pode servir para analisar e relacionar campos como a gestão estratégica e a corporate governance que, nos últimos anos, têm vindo a ligar cada vez o campo dos negócios com a sociedade.

Figura 1: O Modelo VBA – Cinco enquadramentos das empresas e da sociedade e os seus três conceitos principais

Nota: VBA = valor, equilíbrio, responsabilização [value, balance, accountability ]; CSR = responsabilidade social corporativa [corporate social responsibility]; BE = ética dos negócios [business ethics]; SM = gestão dos stakeholders [stakeholder management]; SUS = sustentabilidade [sustainability]; CC = cidadania corporativa [corporate citizenship]. (Fonte: Adaptado de Schwartz & Carroll, 2007, p.175)

De tudo o que vimos até agora, concluímos que ainda não chegou o tempo do consenso na definição de responsabilidade social das empresas, que lhe confira 23


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total consenso e universalidade. Contudo, e ainda que se configure numa tarefa quase inglória, podemos concluir que a responsabilidade social das empresas nasce de uma atitude ética das empresas perante a sociedade em geral e vai mais além: pretende que todas as suas decisões e acções afectem de forma positiva todos os grupos de pessoas e entidades que com ela lidam, mais do que lhe é exigido legalmente. A empresa socialmente responsável sabe que a sua existência depende da geração de lucro, mas não aceita esse repto a qualquer custo; mantém com todos os seus stakeholders uma relação sólida, baseada na confiança e na transparência. Não procura ser caritativa mas justa, nomeadamente com os seus colaboradores, a quem potencia uma verdadeira qualidade de vida no trabalho e uma relação equilibrada com a sua vida pessoal. Também sabe que tem de responder em primeira mão a quem alimenta a sua existência – os accionistas – e, por isso, luta por ter uma empresa perene e lucrativa, que sobrevive aos “ventos e tempestades” do mundo actual. A empresa socialmente responsável tem sempre em conta que tem de explorar o mundo que a rodeia em prol do seu progresso e não da sua deterioração e por isso não desperdiça, não estraga e não maltrata o ambiente. Entre outras tantas atitudes que definem uma empresa socialmente responsável, não ficamos sem assinalar uma das que esteve na base da sua adopção e crescimento enquanto estratégia válida: a responsabilidade social também é devolver à sociedade parte dos lucros que este ajudou a gerar.

1.3 Rede política, legal e financeira de apoio à RSE Com a crescente preocupação das empresas face à sua longevidade, neste tempo em que rapidamente tudo se altera, é visível o esforço que o tecido corporativo mundial tem feito para acompanhar as mudanças de paradigma de gestão e forçar alterações ao nível estratégico, do topo para a base. Aquilo que começou por ser uma “luta popular” pós-revolução industrial, assume-se agora como prioridade das elites da gestão. Simultaneamente, também as directrizes para as boas práticas nesta matéria começam a surgir, desde o Livro Verde da CE (já citado) à OCDE. A história da rede de apoio à responsabilidade social confunde-se com o alerta para as questões relativas ao desenvolvimento sustentável. De facto, a internacionalização de ambas as temáticas dá-se em 1972, com a Declaração de Estocolmo a ser aprovada na Conferência das Nações Unidas. Sendo o desenvolvimento sustentável um conceito bastante mais amplo do que a responsabilidade social, abarca-o na medida em que o primeiro envolve todos – particulares e empresas – a tomarem parte activa na boa preservação do mundo e dos seus recursos, para as gerações futuras. Segue-se o denominado Relatório Brundtland – “O nosso futuro comum”, 24


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de 1987 e a Conferência das Nações Unidas do Ambiente e do Desenvolvimento, de 1992, da qual se extrai a Agenda 21. Em 1999, Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas que, como vimos pela rápida incursão histórica, tem sido um organismo altamente dinamizador da responsabilidade social, lança um inovador repto ao mundo empresarial no Fórum Económico de Davos (Cortina, 2005), repto esse que deu origem ao Pacto Global das Nações Unidas (United Nations Global Compact), cujos dez princípios são tidos como cartilha essencial para as empresas que voluntariamente aderiram à rede. Neste momento8, os apoiantes-empresas do Pacto Global ultrapassam os 5000, dos quais 26 são empresas portuguesas. Os dez princípios9 presentes no código de conduta são relativos aos direitos humanos, ao direito do Trabalho, à protecção ambiental e contra a corrupção. Em relação aos direitos humanos, os princípios são “respeitar e proteger os direitos humanos” e “impedir violações dos direitos humanos”; em relação ao direito do Trabalho, o Pacto Global enuncia como fundamentos “apoiar a liberdade de associação no trabalho”, “abolir o trabalho forçado”, “abolir o trabalho infantil” e “eliminar a discriminação no ambiente de trabalho”; face à protecção do Ambiente, o código implica “apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais”, “promover a responsabilidade ambiental” e “encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente”; o último princípio alerta para a importância de “combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e suborno10.” Em 2001, a Comissão Europeia compila o Livro Verde “Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas”, tendo o Conselho Europeu feito no ano imediatamente anterior, na Cimeira de Lisboa, uma relação directa e exponencial entre as boas práticas em sede da responsabilidade social e o sucesso da União Europeia enquanto palco para a competitividade com excelência. Depois do surgimento da Social Accountability 8000 (SA 8000) – certificação por boas práticas em algumas áreas da responsabilidade social, juntou-se recentemente a ISO 26000, uma norma guia internacional sobre responsabilidade social nas organizações. Precisamente no âmbito do desenvolvimento da ISO 26000, foi aconselhado a cada país ou região que gerasse um documento consonante com a sua realidade para que as organizações tenham ferramentas adequadas localmente para a definição e implementação da RS. Assim, e na sequência desta recomendação surgiu recentemente a norma portuguesa NP 4469-1:2008 - Sistema de Gestão da responsabilidade social. Esta é uma norma que especifica os requisitos para um sistema de gestão da responsabilidade social que permita à organização desenvolver e implementar uma política e objectivos, tendo em consideração os pontos de vista 25


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dos stakeholders e todas as informações necessárias sobre a responsabilidade social.

Desde então, inúmeras organizações têm nascido à luz deste novo paradigma empresarial. Importa mencionar, pela sua importância reconhecida, o Instituto Ethos (Brasil), fundado em 1998, que tem funcionado como impulsionador da ética empresarial ao nível mundial, estudando regularmente o fenómeno. É este Instituto que clama que as empresas socialmente responsáveis são agentes de nova cultura empresarial e de mudança social; produzem valor para todos os stakeholders; são diferenciadoras e têm maior potencial de sucesso e de longevidade. Em 2002, a Comissão Europeia articula a estratégia para o Desenvolvimento Sustentável na comunicação “CSR: a business contribution to sustainable development”. Do leque de acções propostas neste documento, destaca-se a criação de um fórum multistakeholder, com o objectivo de discutir a responsabilidade social das empresas, apurando instrumentos e ferramentas de uso comum e convergente. Também neste ano, e na sequência da revisão da Agenda 21, as Nações Unidas emitem a Declaração Millenium, onde estão cifrados os oito grandes objectivos a cumprir até 2015, no que concerne a melhoria das condições sociais e ambientais. Desde então, algumas iniciativas, nomeadamente da Comissão Europeia, têm reforçado o papel importante que a responsabilidade social das empresas representa no quadro geral de sustentabilidade dos negócios e da competitividade, mostrando assim a sua relevância e perseverança no mundo e no léxico gestionários, e contribuindo para ultrapassar a ideia embrionária de que a responsabilidade social seria uma moda passageira. Para além desta rede criada por instâncias supra-nacionais que têm sido vitais na corporização do conceito de responsabilidade social, também outros organismos surgiram que, de alguma forma, vêm trazer mais consistência às práticas de responsabilidade social de e nas empresas. Alguns, como o Instituto Ethos, já referido, ultrapassaram as barreiras geográficas e vêem cumprida a sua missão além-fronteiras. É o caso da CSR Europe, fundada em 1995, cuja congénere portuguesa é a RSE Portugal, que pugna pela ligação entre as empresas, tendo em vista a partilha das melhores práticas de responsabilidade social corporativa, a inovação em projectos entre as empresas e os seus stakeholders a formatação dos negócios actuais de acordo com a agenda da sustentabilidade e competitividade11. Outra organização é o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), oficialmente fundado em 1995, representado em Portugal pelo BCSD Portugal, cuja missão é definida como “to provide business leadership as a catalyst for change toward sustainable development, and to support the business license to operate, 26


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innovate and grow in a world increasingly shaped by sustainable development issues.”12 Outro dos catalisadores da responsabilidade social tem sido o investimento socialmente responsável (ISR). Essencialmente, este tipo de investimento distinguese do tradicional por ter como objecto as organizações com um comportamento social e ético comprovado. Adiantam Rego et al. (2006, p.194) que este tipo de investidores procura também “resultados financeiros superiores” e evitar riscos desnecessários. O ISR tem tido um percurso notável, nomeadamente nos Estados Unidos da América, onde o seu valor quadriplicou nos últimos dez anos. Um indicador do amadurecimento do ISR é também a adesão dos grandes investidores institucionais, como fundos de pensões e seguradoras. Este facto não é de admirar: Campbell (2007, p.948) sugere ser mais fácil para empresas sólidas prosseguirem com um programa de responsabilidade social - “(…), I argue that basic economic factors, including the general financial condition of the firm, the health of the economy, and the level of competition corporations face, are all likely to affect the degree to which corporations act in socially responsible ways.” O ISR está intrinsecamente ligado ao crescimento dos índices de “desenvolvimento sustentável” ou de “responsabilidade social”. Tornou-se desejável para todas as grandes empresas ao nível mundial estarem presentes também nestes índices que lhes agregam a faceta socialmente responsável à sua cotação em Bolsa. Os mais significativos destes índices são o Dow Jones Sustainability Indexes (DJSI)13 e o Financial Times Stock Exchange for Good Indexes (FTSE4Good)14. Afirmam Rego et al. (2006, p.197) que “não há razão para supor que o ISR seja menos bem remunerado do que o investimento convencional”. Frankental (2001, p.19) afirma não existir prova irrefutável que o preço das acções de uma empresa é afectado pela falta de responsabilidade social. Por outro lado, garante o autor que a responsabilidade social das empresas só poderá ganhar raízes quando for recompensada pelos mercados financeiros. Parece-nos que, nos últimos anos, este crescimento e maturidade dos índices socialmente responsáveis e o homónimo crescimento do ISR vêm pôr fim às excessivas cautelas com o valor inegável que uma postura holística de responsabilidade social traz às empresas cotadas em Bolsa. Não podemos, no entanto, discordar do mesmo autor quando este enuncia, de forma rígida, que a RSE continuará a ser uma “invenção das Relações Públicas” e sê-lo-á enquanto não forem tratados os paradoxos que, segundo Frankental (2001), permanecem por resolver: a responsabilidade social das empresas só poderá ter substância real quando todos os stakeholders da empresa forem tidos em conta, 27


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quando houver alterações nas leis económicas relativas à governança (governance), quando os objectivos se relacionarem com a sustentabilidade social e ecológica e a sua implementação for objecto de benchmarking e auditoria, quando estiver aberta ao escrutínio público, quando estiverem a funcionar mecanismos de cumprimento e adequação homogénea e estiver de facto entranhada em toda a organização, horizontal e verticalmente.

1.4 A responsabilidade social interna: o foco nos colaboradores e a sua relação com a cultura organizacional 1.4.1 O stakeholder colaborador Partindo da excelente base já tecida pelos muitos investigadores sobre a cultura organizacional, propomo-nos compreender como se podem relacionar a responsabilidade social e a cultura das empresas socialmente responsáveis. Sabemos que a cultura é uma construção dos actores organizacionais e que se faz por acumulação histórica, o que significa que muda muito lentamente. Algumas questões parecem-nos relevantes: como são absorvidas as práticas de responsabilidade social pela cultura? Se podemos afirmar que a cultura é, também, o bem-fazer de determinada organização, então, que conhecimentos operativos traz a RSE para essa organização? Por outro lado, também consideramos pertinente perceber como é que a cultura organizacional pode facilitar a implementação desta práticas, ou ainda, que preocupações a gestão estratégica deve ter para que a cultura da sua empresa não se torne um obstáculo à responsabilidade social. Antes de mais, teremos de afirmar aqui que os stakeholders, a sua afirmação, concepção e teoria, são centrais para o desenvolvimento e implementação da responsabilidade social. Como “pai” da teoria dos stakeholders, Freeman definiuos como todos aqueles que afectam ou são afectados pelos objectivos da empresa (Werther & Chandler, 2006). No fundo, são os grupos que têm uma parte importante nas operações da empresa e que são afectados por elas. Zenone (2006, p.13) acrescenta ainda que a sua centralidade à RSE é formatadora da diferença face à filantropia: “Ao contrário da filantropia, que somente olha para os menos favorecidos e lhes estende a mão, a responsabilidade social olha também para dentro da empresa e observa suas relações com todas as partes interessadas”. Rego et al. (2006) propõem uma visão multipolar das partes interessadas da empresa, cujo centro se configura nos colaboradores, e à sua volta os fornecedores, os concorrentes, os clientes, o Estado, os investidores ou accionistas e a comunidade local. Mais afastada do centro, com uma função agregadora, aparece a sociedade 28


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em geral. A proposta destes autores é tradicional e demonstra a forma como a teoria de Freeman tem sido desenvolvida pela maioria dos utilizadores do conceito de stakeholders. Por outro lado, a Figura 2 demonstra uma tipologia de stakeholders que investe numa classificação mais detalhada, sem deixar de ter no seu core os colaboradores, inserindo-os no sub-grupo de stakeholders organizacionais. Assim, é fácil concluir que um dos grupos mais visados pelas boas práticas emergentes da responsabilidade social das empresas são os colaboradores. Rodrigo e Arenas (2008) dizem que, independentemente da classificação apresentada, há um stakeholder que de tão relevante tem sempre de ser incluído: os Recursos Humanos da organização. Uma das organizações internacionais acreditadas para auditar essas boas práticas – a Great Place to Work®15 – efectua já há vários anos uma análise e parametrização dos comportamentos das ditas empresas perante os colaboradores, ao ponto de produzir uma listagem por país e outra mundial de onde se extraem os “melhores locais para trabalhar”. Para limitar o âmbito deste nosso trabalho, sentimos desde logo necessidade de distinguir, como aliás faz o Livro Verde da CE (2001), responsabilidade social interna e responsabilidade social externa. Assim, é nosso intuito focalizar esta investigação na importância, processos e consequências da responsabilidade social das empresas nos colaboradores, isto é, interna.

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Figura 2: Os stakeholders da empresa

(Fonte: Adaptado de Werther & Chandler, 2006, p.4)

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A Great Place to Work analisa as seguintes dimensões internas da RSE (Rego et al., 2006, p.255): credibilidade, ou seja, as percepções dos colaboradores acerca das práticas em matéria de “comunicação, da competência e integridade seus dos líderes”; a justiça, relacionada com as percepções que os colaboradores têm sobre “a equidade, imparcialidade e justiça”; o respeito, percepções dos colaboradores face à sua valorização por parte da liderança, tanto como “seres humanos como profissionais”; orgulho (ou brio) que os colaboradores sentem na “empresa e no trabalho, tanto individualmente como em grupo”; e camaradagem, na medida em que o ambiente de trabalho lhes “proporciona sentimentos de hospitalidade, amizade e comunidade”.

1.4.2 A cultura organizacional Se os colaboradores devem ser o primeiro dos públicos a serem tratados no âmbito da responsabilidade social interna, são eles também o grande foco de atenção da cultura organizacional (CO). Breve percurso histórico do conceito A cultura organizacional partilha, no entanto, “dores” de crescimento semelhantes à da RSE. A relação da cultura, conceito de raiz antropológica, com as organizações ganhou relevo nos anos 80 do século passado, com a sua disseminação pelos meios académicos e empresariais e, consequentemente, a fazer eco da sua importância na opinião pública (Gomes, 2000). O contexto que favoreceu o alastrar do conceito tem a ver com a falência dos modelos de gestão ocidentais e a oponente supremacia de desempenho das empresas orientais, designadamente das japonesas (Gomes, 2000). Ora, Rebelo (2006) aponta a “fórmula japonesa” de Evans (1983) como raiz dessa alta competitividade. É dessa forma que a mise en scène se deu para o conceito de cultura organizacional ser entendido por muitos como uma solução de sucesso. Desde então, a CO tem sido alvo de inúmeras controvérsias, reflexões, plataformas convergentes de conhecimento, objecto de estudos multidisciplinares e conquistou, sem margem para dúvidas, um lugar sólido nos temas mais relevantes das ciências aplicadas às organizações.

Ideias-força do conceito A miríade de definições de cultura organizacional é representativa da quantidade de estudos que sobre ela se têm feito, isto é, como afirma Rebelo (2006), baseandose em Sackmann (1991a, cit in Rebelo, 2006, p.32), há quase tantas definições de 31


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cultura organizacional quantos autores que se dedicaram ao seu estudo e análise. Podemos, contudo, desenhar uma estrutura comum, ideias-força que sustentam todas essas definições, fruto do processo de sedimentação que o conceito já sofreu, ao contrário da responsabilidade social. Assim, destacamos que a CO é, desde logo, um shared meaning system (Louis, 1985; Pfeffer, 1981, cit in Rebelo, 2006, p.33), isto é, a cultura de uma organização deve ser vista como um sistema de significados, significados esses que, ao serem partilhados por um ou mais grupos de indivíduos, tomam a forma de sentidos. Daqui se infere também que a cultura é um “conceito inerente a um colectivo, não sendo, portanto, um atributo do indivíduo” (Rebelo, 2006, p.33). No caso específico da CO, ela emana de um colectivo em particular – a organização. Usando a nomenclatura de Lundberg (1985ª, cit in Rebelo, 2006, p.33), Rebelo (2006) afirma que a cultura é também um social constructed system of shared meaning, o que significa que a CO é uma realidade própria, idiossincrática, da organização em causa, é uma construção dos actores organizacionais e, como tal, é única, distintiva e marca indelével da sua origem. A cultura, a sua criação/ construção e a sua transmissão, baseia-se no pressuposto que a mesma é aprendida pelos sujeitos de uma dada organização, que lhes serve de framework para o seu comportamento por ser constituída por conhecimentos acumulados dos dos and dont’s da organização e, por isso mesmo, é o retrato fiel da “forma de fazer as coisas” nessa mesma organização (Rebelo, 2006). É disso que falavam de forma enfática Deal e Kennedy (1982), quando definiram cultura organizacional como the way we do things around here. Esta ideia reveste-se de total importância para o nosso estudo: é nesta plataforma que nos movemos quando falamos de responsabilidade social também – a forma de fazer as coisas de uma determinada organização.

O modelo de Schein Um dos autores de referência do estudo da cultura organizacional é Schein. Rebelo (2006) remete para Schein (1985, cit in Rebelo, 2006, p.34) esta definição de cultura: um “padrão de pressupostos básicos (inventados, descobertos, ou desenvolvidos por um determinado grupo enquanto aprende a enfrentar os problemas da adaptação externa e integração interna) que funcionou suficientemente bem para ser considerado válido e que, por isso, foi instituído e passado aos novos membros como a forma correcta de perceber, pensar e sentir relativamente a esses problemas.” Parece-nos que o modelo de Schein (Figura 3) pode servir de base para uma hipótese de relação entre a responsabilidade social e cultura organizacional. Esse modelo (Schein, 1985, 1992) apresenta a cultura como 32


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um composto de camadas sucessivas: os artefactos, os valores e os pressupostos básicos. Os artefactos são o que de mais visível e tangível tem a cultura e podem ser verbais (linguagem, estórias, léxico utilizado), comportamentais (rituais) e físicos (ambiente, decoração). Os valores são os princípios manifestos, afirmados, expressos, como critérios válidos das acções dos actores organizacionais, por exemplo, a missão e a visão da empresa. Os pressupostos básicos é o nível mais profundo que têm a ver com as teorias implícitas, os actores não têm plena consciência da sua consecução e estão associados a rotinas. São as tais soluções que para Schein corporizam a cultura da organização, soluções construídas pela aprendizagem, que se tornam “verdades”, que todos assumem como a maneira correcta de agir, pensar e sentir, sem que alguém o tivesse questionado à partida.

Figura 3: Níveis da cultura organizacional

(Fonte: Adaptado de Schein, 1992, p.17 e ss)

1.4.3 Cultura organizacional e responsabilidade social: Que relação? Se encararmos a responsabilidade social como Zenone (2006, p.11), como algo que a empresa “…cultiva e pratica livremente um conjunto de valores, muitas vezes explicitados em um código de ética, que formata consensualmente a cultura interna, funcionando como referência de acção para todos”, faz todo o sentido relacionar 33


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a cultura organizacional com a responsabilidade social. O mesmo autor, aliás, vai mais além e diz que quando a RS é encarada no seu sentido mais amplo, é algo que envolve toda a empresa e não está a ser germinada apenas pelo líder da organização. Chama-lhe a “soma das vontades individuais” e consente que é esse consenso que faz com que a responsabilidade social seja corporativa, e que é essa a razão pela qual deve ser adoptada como cultura de gestão (Zenone, 2006). A coincidência de algumas das ideias-força da cultura organizacional e da responsabilidade social é óbvia: também a RS não pode ser uma iniciativa individual, mesmo que esse indivíduo seja o topo da gestão. A responsabilidade social não será ampla e plena enquanto não estiver absorvida nas práticas dos indivíduos que trabalham na e com a empresa que assume essa postura. Outra das similitudes tem a ver com a escolha deliberada de comportamentos a ter ou não ter. De valores assumidos e cartilha ética. A grande diferença situa-se na construção inevitável versus a imposição desejada da cultura organizacional e da responsabilidade social, respectivamente. De facto, sendo a cultura uma construção dos actores organizacionais, inevitável e marcadamente única, a responsabilidade social redunda num conjunto de políticas e práticas impostas e/ ou sugeridas pela gestão de topo da organização, com a expectativa que esta seja disseminada por todos os actores. Ainda que consideremos possível iniciativas individuais de responsabilidade social, nunca essas acções isoladas poderão configurar-se numa autêntica postura socialmente responsável, integral e estratégica. Embora sejam poucos os estudos que suportam esta matéria, já há evidências (Rodrigo & Arenas, 2008; Strautmanis, 2008) que, de facto, a RS tem efeitos na cultura das organizações e que a própria cultura dessas mesmas organizações pode ser um factor facilitador ou inibidor das práticas de responsabilidade social.

1.5 Síntese final Neste artigo propusemo-nos a apresentar o conceito de responsabilidade social, a sua evolução, polémicas e consensos. Como vimos, o termo está ainda longe de cristalizar, quer pela própria definição de RSE, quer pela confusão que persiste sobre a sua semântica. Vimos também que a responsabilidade social carece de esclarecimento e diferenciação face a conceitos próximos. Parece-nos também que há uma clara “sobreposição” entre RS e cultura organizacional, que pode (e deve ser estudada), para que se apure se as práticas de RSE podem imbuir-se na cultura de uma organização e, a seu tempo, corporizar uma cultura de responsabilidade social. 34


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práticas de responsabilidade social corporativa, a inovação em projectos entre as empresas e os seus stakeholders. 8

http://www.unglobalcompact.org/ParticipantsAndStakeholders/search_participant. html?pc=250&submit_x=page, acedida em Março de 2009.

9 Tradução feita pela APEE em http://www.apee.pt/portal/index.php?option=com_con tent&view=article&id=46&Itemid=47, página acedida em Março de 2009. 10 “Propina” no original (português do Brasil). 11 Tradução livre feita a partir de http://www.csreurope.org/pages/en/about_us.html, acedida em Março de 2009. 12

Retirado de http://www.wbcsd.org/templates/Template WBCSD5/layout. asp?type=p&MenuId= NjA&doOpen=1&ClickMenu=LeftMenu, página acedida em Março de 2009

13 “Launched in 1999, the Dow Jones Sustainability Indexes are the first global indexes tracking the financial performance of the leading sustainability-driven companies worldwide.” (retirado de http://www.sustainability-index.com/, em Março de 2009) 14 Lançado em Julho de 2001, o “FTSE Group (FTSE) is a world-leader in the creation and management of over 120,000 equity, bond and alternative asset class indices.” (retirado de http://www.ftse.com/About_Us/index.jsp, em Março de 2009) 15 Great Place to Work® é um instituto de investigação e consultoria sedeado nos Estados Unidos da América que se dedica há mais de 20 anos ao estudo da “confiança” nas empresas, e, consequentemente, ao estudo aprofundado sobre o que faz de uma empresa um “excelente local para trabalhar”.

Correspondência Alexandra Leandro Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra aleandro@esec.pt Teresa Rebelo Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra Rua do Colégio Novo Apartado 6153 39



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Cláudia Andrade • Work-Life balance: condições de trabalho facilitadoras da integração do papel profissional e familiar

Work-Life balance: condições de trabalho facilitadoras da integração do papel profissional e familiar Maria Cláudia Perdigão Andrade

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Resumo Nos últimos anos o tema da Work-Life Balance tem sido reconhecido, nomeadamente ao nível da União Europeia como um dos maiores desafios das sociedades modernas, sobretudo em tempos de instabilidade nos contextos laborais trabalho e familiares. A revisão da literatura aqui apresentada está organizada em duas partes. Na primeira parte faz-se alusão aos primeiros estudos efectuados sobre o tema das relações trabalhofamília centrando a sua análise no conflito entre o exercício do papel profissional e familiar. Considerando-se que este conflito potencia o desenvolvimento de problemas que se iniciam numa dimensão individual, ao nível do trabalhador e que facilmente se expandem a um âmbito mais alargado como a família e a sociedade, algumas evidências empíricas são apresentadas para ilustrar estes efeitos. Na segunda parte apresentase um conjunto de estudos que denotam o modo como as organizações, através suas políticas, podem actuar no sentido de criarem condições que, não só potenciam a redução dos níveis de conflito trabalho-família como o exercício concomitante dos diferentes papéis de vida integrado na óptica do Work-Life Balance. Palavras-chave Conflito trabalho-família, Facilitadores organizacionais Abstract Over the last years, Work-Life Balance has been recognized, at the European Union level, as one the major challenges for modern societies specially due the latest turmoil in family and labor contexts. The review of the literature presented is divided into two sections. The first part address the research done in the field of work-family relations and is focused on the inter-role conflict. It addresses the ways how conflict enhances problems starting at the individual and professional level, and how they spill over at the family and society levels. Research focusing on these issues is presented. The second part aims to analyze how organizational, through policies, can act towards creating settings to buffer work-family conflicts and to promote Work-Life Balance. Key-words Work-family conflict, Organizational facilitators 41


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Introdução Desde os anos 80 do século XX que diversos estudos identificam a dificuldade na conciliação entre trabalho e família como sendo um factor que potencia o surgimento de problemas que se iniciam numa dimensão individual, ao nível do trabalhador e que facilmente se expandem a um âmbito mais alargado como a família e a sociedade. Nesta linha, a temática do Work-Life Balance tem sido reconhecida como um dos maiores desafios das sociedades modernas, sobretudo em tempos de instabilidade nos contextos laborais tendo-se mesmo tornado um dos principais assuntos da agenda da Comissão Europeia. Até ao momento, as recomendações deste organismo têm-se centrado, acima de tudo, na melhoria dos aspectos estruturais de cada país (por exemplo, existência de serviços de prestação de cuidados infantis e a idosos) embora também envolvam questões mais específicas associadas às práticas laborais (por exemplo, flexibilização dos horários de trabalho). Para além destes aspectos, e como sugere Ferreira (2002), estas acções têm consistido também na atribuição de subsídios e incentivos às organizações, entre os quais se destacam a criação de infra-estruturas e serviços de apoio e de prestação de cuidados à família; elaboração de diagnósticos organizacionais para a identificação de práticas discriminatórias; obrigatoriedade de elaboração de planos para a igualdade; formação específica para mulheres de modo a minimizar as desigualdades nas condições de acesso ao emprego e à ascensão na carreira profissional; e, criação de novos direitos laborais para os homens, com alargamento e introdução de novas licenças de paternidade, entre outras. Não descurando a importância destes aspectos estruturais constata-se que, apesar do esforço legislativo que incentiva a definição de políticas sociais e organizacionais “amigas da família” (Family-Friendly Policies), as relações entre papéis profissionais e familiares no dia-a-dia nem sempre estão isentas de conflitos. Estes, caso tenham um carácter prolongado no tempo, são responsáveis pelo desencadear de um conjunto de efeitos ao nível individual, familiar e social, condicionantes do bemestar e da qualidade de vida tanto no trabalho como nas restantes esferas de vida do indivíduo. Deste modo, a crescente atenção que a literatura tem dedicado ao estudo das relações, muitas vezes conflituosas, entre o trabalho e a família, assim como o destaque que a comunicação social dá à temática, são testemunhas das responsabilidades crescentes e muitas vezes competitivas entre o trabalho e a família. 42


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De facto, o equilíbrio entre a vida profissional e familiar continua a constituir-se como um dos maiores desafios na vida das famílias de duplo-emprego ou de duplacarreira permanecendo, na literatura da especialidade, como uma temática de grande actualidade (Edwards & Rothbard, 2000, Frone, 2000b; Grzywacz, Almeida & McDonald, 2002; Milkie & Peltola,1999; Voydanoff, 1999).

Trabalho-família enquanto objecto de estudo das ciências sociais e humanas O interesse pelas relações entre o desempenho de papéis profissionais e familiares remontam aos anos 60 do século XX no contexto norte-americano e surgem em consequência do incremento do número de mulheres que começou a aliar ao seu papel na família um papel profissional (Edwards, 2001). Na origem desta realidade estão, por um lado, um aumento de oportunidades de emprego para as mulheres e, por outro lado, as crescentes exigências económicas para a manutenção da família, que se traduziram na necessidade de ambos os elementos do casal contribuírem para obter o bem-estar económico da família. Deste modo, o tipo de família em que só o elemento masculino tinha o papel de “ganha-pão” e o elemento feminino tinha um papel exclusivo de manutenção da família e do lar, deu progressivamente lugar a um modelo em que o rendimento familiar provém do exercício de uma actividade profissional, por parte dos dois elementos do casal (Edwards, 2001). Esta nova configuração familiar levou os cientistas sociais a preocuparem-se com as possíveis consequências da competição, para as mulheres, entre o exercício de uma actividade profissional e a organização da vida familiar, sobretudo ao nível dos cuidados com o lar, mais concretamente na execução das tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. Os primeiros estudos surgem neste contexto sendo designados por “estudos sobre famílias de duplo-emprego ou dupla-carreira” onde a temática central prendiase com a análise do conflito entre o trabalho e a vida pessoal. Na época, o trabalho e a família eram encarados como domínios separados, existindo apenas uma ligação conceptual entre estas duas áreas de vida dos sujeitos. Posteriormente, surge a necessidade de se considerar que estes dois domínios são interdependentes e estão sob a influência dos papéis de género, dado que estes definem a divisão de papéis, tanto na família como no trabalho. Deste modo Rosabeth Kanter, 1977, elabora uma primeira revisão de estudos sobre as interacções entre o exercício dos papéis profissionais e familiares na sociedade americana, contribuindo, de forma decisiva, para a divulgação desta temática enquanto domínio de investigação. Inaugura-se, assim, uma nova vaga de estudos, que se centram na identificação das determinantes sociais que orientam tanto a vida familiar como os contextos de trabalho e que tipificam as relações entre estes dois contextos de 43


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vida. Surge, ainda, a preocupação com as práticas de equidade de género, tanto no trabalho como na família, temática também largamente explorada pelas correntes feministas, a partir dos anos 80. Estes estudos, na sua globalidade, vieram dar às relações trabalho-família uma ênfase particular enquanto objecto de estudo científico, o que não tardou a traduzirse em intervenções sociais em áreas específicas. Para exemplificar, no domínio sóciopolítico, o interesse pelas relações entre trabalho e família manifestou-se, a partir dos referidos anos 80, pela publicação das leis da igualdade de oportunidades. É, contudo, de realçar que as práticas sociais nem sempre acompanharam os esforços legislativos e, em termos práticos, ainda hoje, a igualdade não está completamente garantida, nem no domínio do trabalho, nem no domínio da família. No domínio familiar, igualmente a persistência mais ou menos generalizada de modelos culturais que identificam a mulher com o seu papel na família e no lar, acaba por gerar assimetrias na participação de homens e mulheres na vida familiar e tende a sobrecarregar estas últimas, sobretudo em virtude da acumulação dos papéis profissionais e familiares, criando por vezes o chamado dilema trabalho-família (Edwards, 2001). Não restam dúvidas de que as relações entre o desempenho de papéis profissionais e familiares continuam a ser uma temática de particular interesse na actualidade. No ponto que se segue vamos analisar com maior detalhe o conflito entre papéis familiares e profissionais e suas implicações ao nível pessoal, familiar e profissional.

O conflito entre os papéis profissionais e familiares Uma das perspectivas mais referenciadas na literatura, pelo seu carácter precursor no estudo das relações entre papéis familiares e profissionais, é a análise do conflito de papéis. De facto, a maioria das famílias tem os dois elementos do casal a trabalhar fora do lar, o que por um lado permite que a família usufrua de um conjunto de benefícios, por outro faz com que a gestão das obrigações familiares e profissionais não exclua a possibilidade de emergência de conflitos (Andrade, 2006; Andrade, 2010; Andrade, 2011; Frone, Russel & Cooper, 1992; Frone, Yardley & Markley, 1997a; Frone, 2000a; Frone, 200b; Frone, Russel & Cooper, 1997b; Greenhaus & Beutell, 1985; O’Neil, Greenberger, & Marks, 1994). De facto, o exercício dos papéis de vida, como os papéis profissionais e familiares, está interligado. Os aspectos negativos, associados ao desempenho de um dos papéis de vida do sujeito, não podem deixar de ter um impacto no exercício dos outros papéis, através do negative spill-over effect. É o que sucede quando o desempenho de um dos papéis dificulta o desempenho do 44


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outro que suscita um conflito entre eles (Greenhaus & Beutell, 1985). Os estudos sobre este conflito têm-se centrado, tanto na transmissão de atitudes, ou “estados de humor negativos”, de um domínio para o outro (Grzywacz, Almeida & McDonald, 2002; Parry, 1987;), como nos efeitos da competição na utilização dos recursos, como, por exemplo, o tempo disponível para o exercício concomitante dos vários papéis de vida (Carlson, 1999; Carlson & Kacmar, 2000; Frone, Russel & Cooper, 1992; Frone, 2000a; Frone, 200b; Frone, Yardley & Markley, 1997a; Frone, Russel & Cooper, 1997b; Greenhaus & Beutell, 1985; 0’Neil, Greenberger, & Marks, 1994). O modelo de Edwards e Rothbard (2000) descreve a existência de três tipologias de conflito: o conflito baseado no tempo, que surge quando os sujeitos não dispõem do tempo que consideram suficiente para o cumprimento satisfatório das obrigações associadas a cada um dos papéis de vida; o conflito baseado na pressão associada ao exercício concomitante de papéis, que ocorre quando a insatisfação no exercício de um papel dificulta a resposta às exigências do outro papel. Por último, o conflito comportamental, que surge quando os comportamentos aprendidos e mesmo reforçados no exercício de um dos papéis não são válidos para o desempenho de outros papéis, sendo mesmo disfuncionais, pois o indivíduo tem dificuldades em adaptar-se às novas exigências do outro papel. Para ilustrar o primeiro tipo de conflito, baseado no tempo, o estudo de O´Neil, Greenberger e Marks (1994) concluiu que, quando o indivíduo dedica muito tempo ao exercício de um dos papéis, seja profissional, familiar ou outro (por exemplo, um papel de carácter social ou político), surgem sentimentos de esgotamento ou sobrecarga, que vão influenciar o desempenho dos outros papéis de vida. Este sentimento de sobrecarga, associado ao desempenho de um dos papéis, é apontado como um dos principais factores responsáveis pelo desencadear do conflito de papéis (Greenhaus & Beutell, 1985; O’Neil, Greenberger, & Marks, 1994) e pode fazer-se sentir tanto no exercício do papel profissional, como no exercício do papel familiar, o que desencadeará um conflito, que se direcciona do trabalho para a família ou da família para o trabalho. Contudo, e independentemente da origem do conflito se situar no trabalho ou na família, os estudos indicam que o conflito de papéis é sentido de forma mais notória quando se exerce uma actividade profissional a tempo inteiro (Almeida, Wethington & Chandler, 1999, Crouter, Bumpus, Maguire, & McHale, 1999). Para além deste aspecto, as tipologias de papel profissional são também muitas vezes identificadas pela literatura como podendo ter um impacto negativo na relação entre a vida profissional e familiar sendo consideradas “stressores” do papel profissional. Como refere Voydanoff (2004) as expectativas ou normas associadas ao papel profissional envolvem um esforço físico e psicológico podendo produzir tensão e irritabilidade e, consequentemente, de dificuldades de conciliação trabalho-família. A referida 45


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autora reporta-se, em particular, à percepção de conflito de papéis onde, tanto a sobrecarga de tarefas como a ambiguidade no papel profissional estão associados à percepção de uma interferência negativa do papel profissional no papel familiar. Quando a pressão advém do sentimento de sobrecarga o conflito trabalho-família tende a revelar-se em sentimentos de “muitas tarefas para realizar e pouco tempo para as cumprir” (Aryee, et al., 2005; Frone, et al., 1997a; Greenhaus & Beutell, 1985; Greenhaus, et al., 1989; Grzywacz & Butler, 2005; Grzywacz & Marks, 2000b; Parasuraman et al., 1996). Para além deste aspecto deve ainda considerar-se que a sobrecarga associada ao papel profissional, tanto real como sob a forma de percepção, suscita sentimentos de falta de energia ou fadiga fazendo decrescer a motivação para responder às diferentes exigências de outros papéis, nomeadamente o papel familiar (Aryee, et al., 2005; Demerouti, Bakker & Schaufeli 2005). Deste modo, tanto o stress como o sentimento de sobrecarga têm sido identificados como variáveis preditoras do conflito trabalho-família (Bedeian, Burke & Moffett, 1988; Parasuraman et al., 1996; Wayne et al., 2004). Frone (2000a) acrescenta que tanto as exigências de cada um dos papéis (por exemplo, em termos de tempo disponível para exercer o papel e tempo desejado pelo sujeito para o envolvimento psicológico com o papel), como as características do próprio sujeito (por exemplo, níveis elevados de neuroticismo e depressão) são variáveis que contribuem para o aumento da conflitualidade entre papéis. Em qualquer dos casos o conflito entre papéis profissionais e familiares apresenta, quase sempre, consequências ao nível do bem-estar individual, familiar e profissional (Almeida, Wethington & Chandler, 1999; Carlson & Frone, 2003; Crouter, Bumpus, Maguire, & McHale, 1999; Frone, 2000b). Alguns autores identificam consequências ao nível do indivíduo (por exemplo, desenvolvimento de depressão, baixa autoestima, fraca saúde física e consumo de substância aditivas) (Frone, 2003a), como ao nível da dinâmica familiar (por exemplo, insatisfação geral com a família e com a relação conjugal, fraca participação nas actividades familiares, ausência em momentos importantes da vida familiar e dificuldades de interacção com os filhos) (Crouter et al., 1999; Frone, 2003a). Estas consequências são cumulativas quando o conflito é bidireccional, ou seja, trabalho-família e família-trabalho, ou quando o sujeito apresenta determinadas características de personalidade, como, por exemplo, introversão, elevado neuroticismo e baixa auto-estima (Carlson & Frone, 200; Frone, 2000a). Em síntese, pode constatar-se que os efeitos do conflito de papéis não só se manifestam ao nível do desempenho dos próprios papéis, como podem ter consequências ao nível do bem-estar individual, no desempenho desses papéis e ainda ao nível da vida da família em geral e dos filhos em particular. 46


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Impactos no domínio profissional do conflito trabalho-família Vários estudos documentam que, para o domínio profissional, as consequências do conflito trabalho-família fazem-se sentir ao nível da menor satisfação com o trabalho (Adams et al., 1996; Bedeian, et al., 1988), nas intenções de abandonar a actividade profissional (Greenhaus, Parasuraman & Collins, 2001), num menor compromisso organizacional, fraco desempenho profissional e redução da produtividade (Frone, et al., 1997a; Greenhaus & Beutell, 1985). Podem ainda surgir situações de absentismo, diminuição da qualidade da vida profissional e stress profissional (Frone et al., 1992a). Para ilustrar alguns destes aspectos pode destacar-se a investigação de Parasuraman et al., (1996) que constatou que uma menor satisfação profissional está associada a uma elevada percepção de conflito de papéis. Já o estudo de Kossek e Ozeki (1998) verificou, não só que estes resultados são apoiados também pelos seus dados como, que esta percepção de conflito se efectua através de sentimentos de “invasão” da vida profissional na vida familiar. Numa meta-análise efectuada por Allen, Herst, Bruck e Sutton, (2000) a intenção de abandonar o emprego é a variável que melhor caracteriza o conflito trabalho-família, ao nível das suas repercussões no indivíduo e no seu desempeno profissional. Este dado parece, assim, indicar que o indivíduo tem em consideração a fonte de stress quando decide abandonar o emprego. Este resultado é ainda melhor percebido se considerarmos os estudos de Frone et al. (1992a; 1997a) que verificaram que o conflito do trabalho para a família é essencialmente devido a pressões profissionais. Assim, abandonando o emprego (fonte de tensão), o indivíduo poderá, com maior probabilidade, reduzir o seu nível de stress. Para além disto verifica-se que o nível de envolvimento profissional modera a relação entre stress profissional e intenção de abandonar o emprego, ou seja, os indivíduos mais facilmente deixam o emprego em caso de conflito, quanto menos estiverem envolvidos com a sua carreira profissional. De facto, o estudo de Greenhaus et al. (2001) refere que para profissionais muito envolvidos com a sua carreira a interferência do trabalho na sua vida familiar é mais tolerada porque consideram que este é o preço a pagar por uma profissão que lhes traz recompensas sociais e remuneratórias. Por outro lado, no que se refere à satisfação profissional, os estudos indicam que elevados índices de conflito estão associados, como previsto, a menores índices de satisfação profissional (Kossek & Ozeki 1998). Esta relação mantém-se para diferentes grupos profissionais e ocorre em diferentes culturas e países, como Estados Unidos, Israel, China e Canada (Allen et al., 2000). Em suma, as consequências do conflito trabalho-família são diversas e tal como a literatura acima referida indica revelam-se, principalmente, na insatisfação profissional, no aumento do stress, na diminuição da produtividade, no absentismo e na intenção de abandonar o trabalho. 47


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Como podem os contextos laborais promover as boas relações trabalhofamília? Integrados numa linha dos estudos sobre os recursos sociais e organizacionais que fomentam a redução do conflito entre o exercício do papel profissional e a vida familiar, tem havido alguma preocupação em descrever as estratégias organizacionais e individuais que contribuem para essa realidade. Se bem que algumas das estratégias estejam também associadas a especificidades dos contextos sociais e laborais destes profissionais, a principal particularidade reside no facto de serem fruto de escolhas individuais e, por vezes, familiares, ou de negociação no âmbito do contexto profissional, com vista ao desenvolvimento do Work-Life Balance. Apesar de haver muitos estudos que relatam esta preocupação de forma articulada com a especificidade do contexto organizacional e cultural, faremos alusão apenas a alguns, não só pelo seu carácter pioneiro, como pela importância das conclusões para a temática das relações trabalho-família.

Gestão flexível do tempo e apoio da supervisão A flexibilidade no local de trabalho enquanto característica da cultura organizacional está frequentemente associada a sentimentos de autonomia e apoio, nomeadamente, para o cumprimento das obrigações familiares. O estudo realizado por Jacobs e Gerson (2004) revela que os profissionais que escolheram reduzir o seu investimento profissional, por exemplo, assumindo um horário de trabalho em tempo parcial, apesar de temporariamente, apresentam dificuldades de progressão na carreira, entre outras, quando retomam a sua actividade profissional de acordo com os padrões que tinham anteriormente. Assim, muitas vezes as políticas de apoio à família, nas quais se incluem a possibilidade de redução de horários, podem ser percebidas pelos trabalhadores como penalizadoras para o seu progresso profissional. Apesar deste aspecto os estudos proclamam, de forma inequívoca, que um maior controlo sobre os horários de trabalho e uma cultura organizacional apoiante da família, diminui a percepção de conflito entre a vida profissional e a vida pessoal (Byron, 2005; Greenhaus, Parasuraman, Granrose, Rabinowitz & Beutell, 1989). Para além deste aspecto Staines e Pleck (1986) demonstraram que a existência de horários de trabalho não regulares aumenta a possibilidade de conflito de papéis, sobretudo para as mulheres. Também o estudo de Hill (2005) demonstrou que os contextos profissionais com maior flexibilidade e possibilidade de controlo sobre os horários de trabalho estão associados não apenas a menores tensões percebidas pelos trabalhadores entre a profissão e a vida familiar com a um aumento da satisfação 48


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profissional. De facto, a flexibilidade dá ao trabalhador um sentimento de controlo sobre o seu trabalho e maior poder de decisão sobre como cumprir as obrigações familiares. Jacobs e Gerson (2004) demonstraram que, quando existem benefícios associados à gestão do tempo de trabalho para o apoio a família (por exemplo, semana de trabalho comprimida) os trabalhadores tendem a usá-los. Contudo, a implementação destas medidas deve ser ajustada às possibilidades da empresa. Por exemplo, para uma determinada organização pode ser mais efectivo disponibilizar o tele-trabalho do que reduzir o horário semanal de trabalho. No que se refere à percepção de apoio por parte do supervisor directo Jacobs e Gerson (2004) referem que as estratégias de apoio à família usadas estão muitas vezes dependentes do critério dos supervisores. De facto, a existência ou a percepção de existência de apoio por parte do supervisor no local de trabalho pode atenuar as consequências perniciosas do stress profissional, constituindo-se como um importante amortecedor dos efeitos do conflito. Segundo as referidas autoras, pode também funcionar como promotor da integração dos papéis profissionais e familiares, na medida em que promove a flexibilidade e a ajuda directa para esta integração (Jacobs & Gerson, 2004). Nesta linha, alguns estudos confirmam que o apoio percebido por parte da supervisão está relacionado com menores percepções de conflito trabalho-família, índices mais baixos de stress individual bem como maiores índices de satisfação com a vida e satisfação profissional (Grzywacz & Marks, 2000a; Hill, 2005). Também os estudos de Barnett (1998) e de Jacobs e Gerson (2004) evidenciam que a percepção de apoio do supervisor directo em relação a questões familiares, mesmo que de natureza informal, tem também um impacto na redução do conflito entre o domínio profissional e familiar.

Reflexões finais Apesar do exercício do papel profissional ser indispensável à manutenção económica da família, a gestão das obrigações familiares e profissionais não está isenta de conflito. Como se viu anteriormente o estudo da integração das relações trabalho-família tornou-se uma temática que tem vindo a dar origem a um conjunto de quadros de análise conceptual e de estudos empíricos em diferentes contextos e culturas. Estes estudos, salientam, em geral, que as dificuldades sentidas na articulação entre papéis profissionais e familiares são, não só frequentes, como estão associados a um mal estar pessoal, profissional e familiar. Contudo, ao caracterizar os conflitos de papéis vividos por indivíduos provenientes de famílias de duplo-emprego ou dupla carreira evidenciam-se não só os antecedentes e consequentes ao nível profissional da ocorrência deste conflito 49


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como, também, aspectos dos contextos de trabalho que permitem minimizar a sua ocorrência. É nesta linha de análise que o presente trabalho apresenta, do ponto vista das evidências empíricas trazidas pela literatura, algumas estratégias e medidas que as organizações podem aplicar ou desenvolver de modo potenciar o Work-Life Balance dos seus profissionais que, quando integrados numa política de recursos humanos responsável, potencia a qualidade de vida e o bem-estar dos seus profissionais.

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Correspondência Cláudia Andrade Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra mcandrade@esec.pt

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C o m u n i c a ç ã o

n a s

O r g a n i z a ç õ e s

Daniel Gomes, Joana Fernandes & Rosa Sobreira • Promoting a path for organizational competitiveness

Promoting a path for organizational competitiveness: the role of internal communication Daniel Roque Gomes, Joana Lobo Fernandes e Rosa Maria Campos Sobreira

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Abstract Internal Communication has a unique remit of conceptualization and action when discussing Organizational Communication. Knowing how to manage internal communication represents an important value for competitive organizations by allowing cohesion and internal inclusion. When analyzing the aims of Internal Communication, it is pertinent to question in what way promoting its articulation with Human Resource Management supports an improved organizational performance directed towards the organizations’ internal publics. This study sustains the pertinence of understanding the predictive abilities of Internal Communication regarding some important individual-organizational relations, which are usually studied by Human Resource Management and Organizational Behavior analysts. It assumes the empirical interest in clarifying whether Internal Communication predicts the workers’ commitment, as well as to clarify if organizational procedural justice intervenes in this relation. Participants of this study were 153 workers of an organization in the hotel business industry, which voluntarily responded to a questionnaire composed by measures of organizational commitment, internal communication and procedural justice. Main results have evidenced that internal communication predicts the workers’ affective commitment towards the organization. Results have also evidenced that organizational procedural justice mediates this relation. We conclude that internal communication influences the way how the equity of the organizations’ procedures is perceived by the workers, which leads to the building of an affective bound between the workers and the organization. These results and conclusions are discussed and interpreted in what relates to its theoretical, empirical and practical added-value. We also discuss the benefits of the articulation between internal communication and human resource management in order to improve professionals’ practices towards the organizations’ internal publics. Key-words Internal communication, Human resource management, Affective organizational commitment, Organizational procedural justice 55


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Resumo A Comunicação Interna tem um espaço próprio na articulação das diferentes dimensões da Comunicação Organizacional. Gerir eficazmente a comunicação interna representa uma margem de conquista de inclusão, coerência e de uniformização interna indispensáveis para qualquer organização competitiva. Dadas as finalidades da Comunicação Interna, é pertinente questionar de que forma a promoção da sua proximidade com a Gestão de Recursos Humanos beneficia uma actuação profissional direccionada para os públicos internos articulada. O presente estudo sustenta a pertinência em averiguar em que medida a Comunicação Interna tem poder preditivo sobre a qualidade de algumas relações individuo-organização, tendencialmente trabalhadas pela Gestão de Recursos Humanos e pelo Comportamento Organizacional. Assume o interesse de esclarecer se a Comunicação Interna é preditora da vinculação de colaboradores, e procurará clarificar de que modo a justiça procedimental intervém nesta relação. De forma a cumprir os objectivos apresentados, participaram neste estudo 153 colaboradores de uma organização do sector industrial, que responderam voluntariamente a um questionário composto por medidas de comunicação interna, implicação organizacional afectiva, e percepção de justiça procedimental. Os resultados evidenciam que a comunicação interna activa processos de vinculação afectiva entre colaborador-organização. Evidenciam ainda que a percepção de justiça procedimental exerce um efeito mediador no contexto desta relação. Conclui-se que a comunicação interna influencia positivamente a forma como se entende a equidade de procedimentos na organização, o que, consequentemente, leva ao estabelecimento de um vínculo afectivo entre colaboradores e a sua organização. A importância destes resultados e destas conclusões é interpretada sob os pontos de vista teórico, empírico e prático. Serão discutidas as mais-valias da articulação das práticas profissionais de comunicação interna e de gestão de recursos humanos de forma a beneficiar uma actuação mais integrada junto dos públicos internos das organizações. Palavras-chave Comunicação interna, Gestão de recursos humanos, Implicação de colaboradores, Percepções de justiça

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1 Introduction It’s not possible to have organizations without people, and without minimum efforts to manage them and to manage their communication (Bach & Sisson, 2000; Orlitzky, 2007). The realism of this assumption has lead academics to develop wide debates concerning the ways of achieving competitiveness based on this human side of organizations. This discourse has been acknowledged by managers, as they are increasingly gaining awareness regarding the importance of people for organizations’ competitiveness. This is surely related to the fact that both academics and entrepreneurs have showed for quite some time, that organizations need to have efficient procedures when dealing with their workers (Orlitzky, 2007). It’s quite usual to find entrepreneurs and academics mentioning that the human factor is nuclear for organizations to find ways of positive differentiation, and to achieve higher goals (Neves, 2002; Hitt, Bierman, Shimizu & Kochlar, 2001). This discursive plethora has in its root the building of a path towards quality and performance, starting in the internal publics, that is to say, in the organizations’ workers. This reality seems to have gained influence in nowadays global and harsh markets’ contexts, as it has been strongly boosted by current economic trends that force organizations to be better than their competitors. The “war for talent” issue (Michaels, Hanfield-Jones & Axelrod, 2001), the internal competitive demands issue, and the strategic sense attributed to Human Resources and of their management (Pickles, Bookbinder & Watts, 1999; Orlitzky, 2007), represent unequivocal evidences of the positive differentiation construction, based on internal competitiveness demands. When referring to the ways organizations deal with their workers, usually, Human Resource Management (HRM) or Organizational Behavior (OB) issues are being discussed. The purpose of the study, however, is different. We intent to show that the way organizations deal with their workers is beyond HRM or OB discussions. Alternative paths to promote the internal organizations’ competitiveness exist, notably, the ones related with organizational internal communication (Smith, 2008). We will show how and why Internal Communication (IC) is important for promoting organizations’ competitiveness based on its unique approach regarding organizations’ internal publics. Consequently, we will show why dealing with workers should not be exclusive of HRM or OB remits, and will support argumentation promoting the benefits of articulation of HRM, OB, and IC on internal competitiveness.

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2 Organizational competitiveness and internal communication Over the years, numerous scientific disciplines have dedicated to build scientific knowledge concerning the strategic management of organizations. As research that investigates these subjects does not fit into a sole area or discipline, the diversification of scientific areas concerning strategic management issues is wide (eg.: Human Resource Management; Public Relations). Despite scattered across diversified fields, significant amount of knowledge has been produced regarding the paths for promoting organizational competitiveness. For instance, human resource management have called for the importance of the effectiveness in applicants’ attraction to organizations in recruitment (eg.: Barber, 1998; Carless, 2005; Gomes & Neves, 2010), as well as the relevance of learning evaluation in training (Barbier & Lesne, 1986; De Ketele, Chastrette, Cros, Mettelin & Thomas, 1994) or the diversified performance appraisal systems approaches’ discussions (Morhman, Resnick-West & Lawler, 1989; Caetano, 2008). Following similar line of reasoning, Public Relations have been calling for the importance of the strategic management of communication for organizational image development purposes (Caillouet & Watkins, 1996; Wan & Schell, 2007), as well as the relevance of crisis response (Herrero & Pratt, 1996; Benoit, 1997; Coombs & Holladay, 2001). These approaches for promoting organizational competitiveness have a common bond among them: they all assume that current organizational dynamics pressure organizations to know how to deal with the complexity and the challenges that characterize the harsh global markets’ environments where they are embedded (Ulrich, 1998). A way of promoting competitiveness is to look at the organizations’ resources and to manage them with a strategic sense. This is the main premise of the RBV1 (Resource Based View) (Barney, 1991) of the firm frame. The Barney’s RBV is an economic theory holding that organizations can earn sustainable returns if they have superior resources that are protected by mechanisms preventing their diffusion throughout industry. It strongly suggests that it’s the resources that a firm has that allow sustaining competitive advantages. There is no doubt that the human resources were reasoned as a target of attention by management, viewing them as a strategic pathway of response to promote competitiveness (Rose & Kumar, 2006). Accordingly, this line of reasoning has had numerous supporters, who collected and proved based on empirical data, a link between human resources and organizational performance (eg.: Ferris, Hochwarter, Buckley, Harrel-Cook & Fink, 1999; Harris & Ogbonna, 2001). The current state of awareness regarding the role of the human assets for organizational growth and development is very clear and widely accepted by 58


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academics and managers (eg.: Luthans & Sommer, 2005; Orlitzky, 2007). These conclusions are outcomes of several decades of research and practical awareness, which were grounded on dissimilar (yet complementary), fields of research, notably, Human Resource Management (HRM) and Organizational Behaviour (OB) (eg.: Colquitt, Conlon, Porter & Ng, 2001; Vieswesvaran & Ones, 2002; Martin-Alcázar, Romero-Fernandez & Sanchez-Gardey, 2008). These specific fields of research have jointly contributed for the building of theoretical and empirical knowledge regarding the role of the human factor on organizations. As such, several kinds of debates have been developed under the human factor remit, notably, regarding the importance of specific HRM practices: recruitment (eg.: Posthuma, Morgeson & Campion, 2002; Gomes & Neves, 2010); performance appraisal (eg.: Klimoski & Inks, 1990; Caetano, 2008); training (….); and organizational behaviour prediction and rationalization: organizational commitment (eg.: Allen, Shore & Griffeth, 2003); organizational justice (eg.: Folger & Konovsky, 1989); person-environment fit issues (Kristoff-Brown, Zimmerman, & Johnson, 2005). Surprisingly, when compared to other issues in discussion, neither HRM nor OB literature have build fluent debate concerning the importance of Internal Communication (IC) for promoting organizational competitiveness. As IC deals with the human assets of the organization (the internal publics), it would be expected to have collected, over the years, wide attention of both HRM and OB’ researchers. On the reverse, this seems to be, almost, an exclusive thematic of the organizational communication field of research with large association with Public Relations, as IC deals with the organizations’ internal publics (eg.: Kunsch, 2003). Internal Communication is clearly a strategic side of organizational communication, bringing important competitive contributes for organizations (D’Almeida & Libart, 2000). It involves all communication acts and strategies that are produced inside an organization (Westphalen, 1998), and as such, IC’s characteristics differ for organization to another, as IC is highly dependant on the reality of the organization where it is being applied. This specific side of organizational communication deals with the type of information that is directed towards the internal publics of an organization, based on a sequence of strategic “communication processes through which an organization creates, manages and develops itself” (Almeida, 2003, p.24). As such, IC brings remarkable competitive contributes for organizations, based on the building and on the sharing of comprehension regarding the reality of organizations (Kunsch, 2003). This is definitely connected with the building of organizational competitiveness based on internal publics of an organization. It is highly connected with the building of the organizational culture, organizational image (eg.: Brault, 1992) and cohesion (Thévenet, 1997), for instance. 59


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These contributes-premises were recognized through the last few decades, as several authors have cumulatively established that IC offers unique inputs to organizations (eg.: Thévenet, 1997; Westphalen, 1998). The main idea of these authors was to promote the awareness that IC delivers a set of exclusive contributes that, when properly managed and applied, help to promote organizational competitiveness. For instance, according to Myers and Myers (1982), IC has three primary functions: (1) production activities’ coordination and regulation; (2) socialization and newly-hired workers’ integration; (3) innovation supporter. Further on, Brault (1992) mentions that IC has seven main functions that offer precious inputs for competitive organizations: (1) informative; (2) integrative; (3) retroactive; (4) signalling; (5) behavioural; (6) organizational change promoter; (7) image management. Westphalen (1998) states that IC has three main global functions attached to itself: (1) information exposition and presentation; (2) information transmission; (3) to explain and to include the workers in the organization’s reality and purposes. Globally, these functions imply that IC has the characteristic of contributing for a wide array of activities that happen in an organization, having strong strategic impact on its functioning. However, and important to mention at this point, is that, these functions do not exist by simply existing IC in organizations. IC has to be properly managed in order to achieve all these contributes to promote competitiveness. An important concern when IC is being applied in organizations relates with the content of the communication that is directed towards the organizations’ internal publics, as it must be strategically prepared and reasoned. As such, IC should not be developed isolatedly, that is to say, IC should be aligned with a two-way strategic reference pillar: (1) the organizational communication policy; (2) the organizational global development policy. This two-way reference helps to ground the strategic designing of the IC in any given organization, and supports the fulfilment of the functions and contributes commonly attributed to IC. In what concerns to the organizational communication policy, it deals with all strategic communication designing and activities that are developed by organizations. The organizational communication policy (OCP) should have the quality of programming integrated strategic organizational communication. This means that IC must be integrated in this OCP, as when this does not happen, it will result in incoherent communication that will have severe internal and external implications. Disregarding the integration demand should result in strict efficiency, image and reputation problems (Van Riel, 1995, Van Riel & Frombrun, 2007). This integration demand has been widely requested by several researchers, whom have claimed for the need of organizations to have a broad, and yet, integrated 60


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communication (eg.: Van Riel, 1995, Van Riel, 1995; Kunsch, 2003, 2007; Argenti et al., 2005; Van Riel & Fombrun, 2007). This means that all communication goals of an organization must be strategically aligned with the identity of the organization and to be reasoned considering the diversity of audiences who will receive that very same communication (Kapferer, 1994; Van Riel, 1995, Argenti et al., 2005). Regarding this integration demand, and especially by considering the importance of IC on the OCP, Kunsch’s (2003) Integrated Communication Model (ICM) should be highlighted, as it presents a very interesting framework in order to understand the content and the extension of organizational communication, as well as its relation to organizational competitiveness issues. The model proposes an organizational communication compound which integrates four main communication components: (1) Administrative Communication - referring to the type of communication that is processed within the organization in the remit of the administrative functions, and makes viable the entire organizational system with its fluxes and networks (Kunsch, 2003, p. 152). The organizational structure, the coherence between identity, mission, the values, vision and the image are widely assured here; (2) Internal Communication – refers to the amount of communication efforts that are directed towards the internal publics of the organization; (3) Market communication – has the remit of producing messages regarding the marketing purposes of the organization. As such, this area integrates a wide range of techniques that aim to attain the organizations’ product promotion and services; (4) Institutional communication – is directed towards the corporate image and identity building through strategic public relations management. As such, it intends to establish long-lasting goodwill and trustworthiness relations among all who relate with the organization. It has the main focus of promoting the organization’s image, based upon the mission, the vision, and the values. The organizational global development policy deals with all the strategic guidelines for organizational development purposes. It assures the maximum effectiveness of the organization based on thorough analysis of the organization’s evolving environment, searching for opportunities and ways of gaining leverage regarding main competitors. It is based on this policy that every organizational management sub-system (eg.: financial; marketing; human resource management) acquires a main guideline input. The organizational development policy provides strong strategic and action inputs for IC. It offers guidance regarding the fundaments of the mission and the vision of the organization, and as such, allows for the building of the IC’s mission and vision, which is relevant for the IC’s development in organizations. In addition, the participation in the designing of these organizational inputs is critical and materializes an important step for the 61


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pronouncement of the IC’s strategic status in organizations. Furthermore, IC is also embedded in the values the organization has to develop. These are critical inputs for organizations, and relate with the components of the organizational culture. The IC’ strategic alignment with the organizational development policy leads to important contributes for the management and development of the organization and allows for the fulfilment of its functions on organizations. For these reasons, IC is beyond the simple actions that an organization performs with the purpose of informing its internal publics. It has a strong strategic focus and should be embedded and aligned with, but has relative independence regarding this 2-way reference pillar. Nevertheless, the strategic sense of IC is not limited to this 2-way alignment. This strategic importance also happens in practice, as IC is rich on own tools and actions, in order to assure that the functions and contributes of IC are materialized in organizations. Regarding its range of action, IC is primarily concerned with the organization’s discourse about itself. For this reason, IC puts in practice an exercise of self-communication, while having the purpose of creating impact in the structure of the organization (Henriet & Boneu, 1990). By doing so, the IC reveals the organizational model in which is embedded with, and makes the organizational system viable, by permitting its development and survival (Kunsch, 2003). By having the attributes described above, IC enhances the circulation of pertinent information regarding the workers of the organizations, and as such, has different kinds of ranges (Henriet & Boneu, 1990). It can have an operational sense when it intends to support leadership purposes in organizations by creating communication top-down fluxes, as well as stimulating bottom-up communication fluxes whenever its organizational culture permits so. IC can also have a motivational sense as it has clear concerns in transmitting communication contents affecting commitment and the organizational dynamic. It also makes possible for the growing of informality in organizations which naturally co-habits with the formal communication. An issue that should be recalled and highlighted here, is that the current organizational dynamics have build a positive demand for employees empowerment (Crozier, 1994; Peters & Waterman, 1995), pressuring organizations to renew their practices of employees’ inclusion in the organization’s management and development systems, and to promote the workers’ active citizenship behaviors within the organizations (Srour, 2000, 43). This is also an important reason for the pronouncement of this strategic sense consistently attributed to IC (Freeman, 1991; Friedman, 2006). Having this set of information in mind, IC has the core responsibility of managing the search and the offer of communication within the 62


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organization (d’Almeida & Libaert, 2000) and to promote the integration of the human resources in the organization’s development purposes (Mercier, 1999). This is mostly performed with the concern of producing IC in organizations with a double-reference: the act of positioning the individual in the collective; the collective act of permitting the articulation and the integration of the individuals within the organization (Henriet & Boneu, 1990). In order to make this possible, Henriet and Boneu (1990) describe four IC axis that systematize this double IC dynamic in all its range: (1) Comprehension axis – communication directed towards the understanding of the organization and for the individual to understand itself within the organization; (2) Circulation axis – by facilitating the circulation of information in the organization and with it, the articulation of the organization; (3) Confrontation axis – promotes the individual contribution and the informed participation within the organization; (4) Cohesion axis – promotes the cohesion within the workers, and stimulating higher identification with the organization. This four C’s matrix places strong emphasis in understanding the organization has a network of information, which is a subject of systematic pressures underlying the individual-organization relation (Thévenet, 1997). The joint articulation of the axis makes the functions and the IC purposes visible in organizations (Détrie & Broyez, 2001), and allow: organization’s global development orientation; positive image development; organizational culture strengthening; stimulates the dialog between workers and organization (Thévenet, 1997). For these reasons, IC does never selfexist in organizations, as it should be properly prepared, stimulated and re-invented along the demandings the organization faces in all its existence (Smith & Mounter, 2005).

3 Internal communication and the individual-organization relation’s quality As mentioned earlier, over the last century, numerous researchers have built fluent and significant knowledge over diversified subjects regarding the strategic management of organizations. The plethora of scientific areas concerning the strategic management issues is quite obvious, notably the ones concerned with the organizational competitiveness issue (e.g. organizational psychology; industrial management; marketing management; sociology; organizational communication). A critical balance of existing research, namely the ones referring to the human aspect of organizations, reveals that the human factor is a critical element that contributes for organizational competitiveness (e.g. Baron & Armstrong, 2007). The actuality of this conclusion regarding the management of organizations’ current 63


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paradigm is quite obvious and is widely shared both by academics and managers. Empirically, the human factor importance issue was grounded on two main articulated fields of research: (1) human resource management; (2) organizational behaviour. As for the first one (human resource management), it has been mostly dedicated to understand in what way the human resource management practices bring addedcompetitiveness to organizations, as well as on understanding how to manage and develop the human side of organizations. This has been a serious concern of this abundant field of research, notably, since the early days of personnel management to the current days of strategic human resource management. It is possible to outline major research traditions (which include personnel management issues and strategic human resources issues) that have cumulatively and consistently called for the human factor importance on organizations. Based on Bach and Sisson’s (2000) frame, for instance, on the personnel management side it is possible to outline the Prescriptive, the Labor Process and the Industrial Relations traditions, each with specific research characteristics and contributes for the current strategic relevance of the human factor in organizations. Based on Boxall, et al.’s (2007) frame, on the strategic human resource management side, it is also possible to identify three main research traditions, each with specific characteristics and contributes for the pronouncement of the human aspect importance for organizations: the Micro HRM; Strategic HRM; International HRM. Interesting to see is that the organizational behavior literature is clearly embedded with these research traditions, both when the human resources were seen and managed following personnel management or strategic human resource management guidance. A possible cut point here may be established if considered the level of analysis used by researchers. The trend is that the human resource management researchers have a clear tendency of researching using the organizational level of analysis, and the organizational behavior ones, using the individual level of analysis. Having this cut point in perspective, it is possible to outline several critical discussions regarding the importance of several variables that assure the individualorganization relation’s quality. For instance, affective organizational commitment (Allen & Meyer, 1990), organizational justice (Colquitt, Conlon, Porter, & Ng (2001), the relevance of the fit (Kristoff-Brown, 2000), workers’ motivation or workers’ satisfaction (Campion, 1988) are all critical indicators that are almost exclusive of OB remits of research. As such, and surprisingly, it is unknown if and in what way IC predicts these kinds of elements, and, consequently, if IC has a significant contribute for the improvement of the individual-organizational relation quality. The only evidences that point for the IC contribution for organizations are strongly based on 64


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an organizational level of analysis, and following the organizational communication literature. That said, the benefits of IC on workers behavior and attitudes are, at least, unclear, as we can only assume positive and significant relations.

4 Hypotheses and model of Analysis As mentioned, the quality of the individual-organization’s relation has been a clear focus of research mostly stimulated by human resource management (HRM) and organizational behavior (OB) researchers. This fact has lead to a clear research opportunity, based on the idea of understanding if IC has in fact predictive abilities over some main individual-organization relation’ variables that are consistently pointed has being critical by HRM and OB researchers. Accordingly, the main goal of our research is to understand the predictive abilities of IC over two critical elements that assure the individual-organization relation: affective organizational commitment and organizational justice. In addition, we intent to clarify whether IC predicts a process leading to organizational commitment and to clarify how organizational justice intervenes in this process. Having this last issue in mind, we are invited to think that IC should be related with organizational justice, namely, procedural justice, as IC has in its nature set of functions and activities that have the ability to include the workers in the organization (Thévenet, 1997; Henriet & Boneu, 1990). Supporting this argument, we also know that workers who are best included in the organization usually reveal higher procedural justice levels, as it may represent a form of indirect control over organizations’ decision making processes (Thibault & Walker, 1975; Caetano & Vala, 1999). Lastly, we may also assume that IC may lead to commitment, as when the workers feel included in the organization and aware of its activities, the likeliness of having committed employees is high. Following this rationale, our first hypothesis is: IC is positively and significantly associated with organizational procedural justice and affective organizational commitment. In addition, having an exploratory aim in mind, we suggest that IC may have the ability of predicting a process leading to organizational commitment, which is mediated by organizational procedural justice. We propose that IC has the ability of including the workers in organizations, and as such, will lead to procedural justice perception. This process will result in committed employees. Following this rationale, our second hypothesis is: Organizational procedural justice mediates the relation between IC and Organizational Commitment.

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Figure I presents our simplified model of analysis.

Figure I: Model of Analysis Procedural Justice (PJ) Internal Communication (IC)

Organizational Commitment (OC)

5 Method 5.1 Sample and Procedure A total of 153 workers of an organization of the business industry voluntarily participated in this study. In terms of the sample’s characteristics, it had predominantly male participants (55%), and integrated all the work areas of the organization (5 main work areas). Education degrees varied from basic instruction (30%), mandatory graduation (50,7%) to higher education and master degree (19,3%). Regarding the procedure, the participants responded to a questionnaire that contained the measures of the study. The instructions informed that they were participating in a study that was designed to understand how they evaluate their organization. Several procedural cautions were taken into consideration for minimizing and controlling the impact of potential systematic errors. In order to do so, we have followed Podsakoff, Mackenzie, Lee and Podsakoff’s (2003) recommendations. Accordingly, our concerns were focused on controlling errors derived from: (1) items characteristics (item adaptation; we have assured the equidistance between all points of the scales); (2) context of the items (we’ve had instrument dimension optimization concerns in order to exclusively accomplish the study purposes; combinations of items of different constructs in the same sections of the questionnaire).

5.2 Measures Internal Communication perception. Three items were built for accessing this variable. Sample item includes: “The information circulates well in this organization”. The items were measured using seven point likert scale from 1 (Strongly Disagree) 66


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to 7 (Strongly Agree). Affective organizational commitment. Five items were taken from Meyer and Allen (1997), and Caetano and Vala (1999) were used to build this measure. Sample item includes: “I feel myself affectively bonded to this organization”. Items were measured using a seven point likert scale from 1 (Strongly Disagree) to 7 (Strongly Agree). Procedural Justice perception. Six items were taken from Caetano e Vala (1999). Sample item includes: “It is allowed for the workers to participate in work-related decision making processes”. All items were measured using a seven point likert scale from 1 (Strongly Disagree) to 7 (Strongly Agree).

6 Results We have performed the Harman test in order to assure that the collected data do not account for a significative amount of common method bias (Podsakoff, Mackenzie, Lee & Podsakoff, 2003). Subsequently, we have also performed an exploratory factorial analysis (EFA) with varimax rotation, including all the items of the variables of the model of analysis. With this procedure, we have assured the dimensionality of the questionnaire and to guarantee that each variable constitutes an independent construct for this sample. All severe outliers were previously deleted.

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Table I: Factor analysis of the variables included in the study (varimax rotation)

Table I shows the results of the EFA performed, with all items loaded, which resulted in a three factor structure. This has corresponded to the study variables, and accounted for 68% of the common variance. We have built the composite variables based on the EFA results. We have based on the factorial weights in order to do so (items with factorial weights above .40 (meaning that the items are relevant for interpreting the factor in reference (Hair, Anderson, Tatham and Black, 1998) were admitted in the corresponding factor). Table II shows the means, standard deviations, and reliabilities for all variables. The scales reliability were all good. It is possible to verify that internal communication is positively and meaningfully correlated with affective organizational commitment (r = ,35), as well as with procedural justice (r = ,61). As expected, this evidence provides support for the study’s first hypothesis. 68


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Table II – Descriptive statistics and correlations

In order to test the mediation hypothesis proposed in this study, we followed Baron and Kenny’s (1986) linear regression method2. According to their guidance, there is a set of three conditions to assure the existence of a mediation effect: (1) the predictor variable should affect the mediator variable in the first regression equation; (2) the predictor variable should be affected by the dependent variable in the second equation; (3) the mediator variable should affect the dependent variable in the third regression equation. Following these steps, we’ve verified that internal communication and organizational procedural justice (step one) were positively related (β=,608; p<.01) (Table III). Table III– Regression of the mediator on the predictor

Then, we’ve verified that internal communication and affective organizational commitment (step two) have revealed positive and significant relation (β=,349; p<.01; R2 Adjust.=,116) (Table IV). When controlling procedural justice (table IV), the relation between internal communication and affective organizational commitment (step three), became non-significant (β=,167; p>.05), and the effect of procedural justice in affective organizational commitment was positive and significant (β=,299; p<.01; R2 Adjust.=,168), revealing a full mediation of procedural justice in this relation.

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Table IV– Regression of the predictor variable on the criteria, controlling the mediator

These results mean that IC stimulates procedural justice perceptions, and this will lead to organizational commitment. It seems that IC has the ability of including the workers in the organization. With this perceived inclusion, the workers perceive procedural justice, has they have the feeling of belonging and participating in the organization. This explains an affective bond with the organization. This result is consistent with some researchers’ assumptions, stating that procedural justice may be explained by the quality of the feeling of inclusion that is provided by an organization and the relation with indirect control over the organizations’ procedures (eg.: Thibault & Walker, 1975; Caetano & Vala, 1999). The workers usually feel procedural justice if they have the perception of being part of the organization and anticipate the ability of influencing the very same organization. This will result in committed employees.

7 Discussion and Conclusions The importance of IC for organizations is well-addressed by organizational communication researchers and theory. The consensus is that IC is a nuclear component of the organizational communication global policy, and that it is important to conceive strategic IC practices, in order to stimulate organizational competitiveness. Clearly, over the years, several academics from the organizational communication area of research have associated IC with a wide array of functions for organizations (eg.: Thévenet, 1997; Henriet & Boneu, 1990). In thesis, these functions should stimulate and contribute for organizational competitiveness. Despite this apparent consensus surrounding the IC importance for organizational competitiveness issues, one comes to question in what way the virtues that have been congruently associated with IC influence the workers’ attitudes and behavior. This is an apparent blank in existing research, as researchers that have examined 70


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the predictors, processes or contexts that influence organizational behavior have clearly left out the IC issues in this matter (eg.: Colquitt, et. all, 2001; Campion, 1988; O’Reilly, Chatman, & Caldwell, 1991; Allen, Shore, & Griffeth, 2003). Following our analysis, we can point out two possibilities to explain this. First of all, the remit of research that is balanced to the analysis of the individual-organization relation has been stimulated and developed by Organizational Behavior (OB) or Human Resource Management’ (HRM) researchers, not quite by organizational communication ones. Secondly, because organizational communication researchers usually follow an organizational level of analysis, and OB and HRM’ researchers the individual one. As such, the existing knowledge regarding the individualorganization relation may have interesting benefits with the building of bridges between OB, HRM and Organizational Communication researchers in this matter. This has represented a clear research opportunity for us, as it is very pertinent to have an organizational communication perspective using an individual level of analysis regarding IC. The gains of combining different research remits regarding a common issue of concern can surreally be materialized in benefits for organizations. Bringing our reasoning and evidences collected all together, we believe that this study has theoretical, empirical and practical contributes that should be highlighted. Has mentioned earlier, and according to our theoretical discussions, IC must not be structured isolatedly in order to have a strategic sense. IC should have a twoway strategic reference pillar: (1) the organizational communication policy; (2) the organizational global development policy. However, as IC deals with the internal publics of an organization, we have come to question the gains of a widening IC’s reference pillars, notably, by proposing an approach to HRM development policy. This means that we have come to realize that an articulation between IC and HRM could easily be built, meaning that IC could work in organizations having a three-way reference pillar: (1) the organizational communication policy; (2) the organizational global development policy; (3) the human resource management policy. We say this based on our empirical evidences showing the effects of IC on workers’ attitudes, which may very well contribute to stimulate a debate surrounding the issue of the articulation between IC and HRM. Noticing that both IC and HRM deal with the human assets of organizations it is quite possible to anticipate gains of an articulation that surely stimulate the building of inclusive theoretical models, which should be able to anticipate these gains. Empirically, we have made an effort in understanding in what way may IC be related with important variables that assure the quality of the individualorganization (IO) relation. We have presented rationale supporting the importance 71


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of organizational procedural justice and organizational affective commitment as two representative variables of this IO relation. We then presented evidences regarding the way IC may activate a process explaining organizational affective commitment. We have showed that IC leads to organizational procedural justice perception and lastly, to organizational affective commitment. With these results, we hope to have provided a stimuli regarding following researchers whom may have interest in assuming subsequent research challenges of understanding the consequents of IC on workers attitudes and behaviours. As for the practical contributes, it is important to state that the idea of articulating HRM and IC does not imply any kind of overlap between them, as both have different practices that call for the use of different instruments when dealing with the workers. This simple idea is clearly consistent with current trends of organizational work arrangements that continuously mention the importance of diversity and interdisciplinary teams in organizations (eg.: Passos, 2002). Taking this into account, we think that the articulation between these practices may bring positive contributes when dealing with the workers, as it will surely stimulate diversity practices for human resources. We also believe to be important for organizations to make efforts of using the strategic IC axis reference when communicating HRM results and events, that is to say, organizations may have gains when communicating HR results with a strategic IC axis alignment. For instance, this communication may take place regarding simple issues as: promotions; performance appraisal results; internal publications; satisfaction and motivation monitoring results. Like all studies, our study has limitations. The conclusions of this study should be read with conditionings. We highlight two main ones: (1) it is important to make clear that despite all procedures to minimize and control potential systematic common method errors. Additionally, (2) it is also important to say that along with our study, we have present several ideas that may encourage assuming causality. Important to clarify is that the model is recursive as it was theoretically driven. As such, further studies are surely welcomed in order to better acknowledge the stability of these results, for instance, using samples with different characteristics. Bibliography Allen, D., Shore, L., & Griffeth, R. (2003). The role of perceived organizational support and supportive human resource practices in the turnover process. Journal of Management, 29, 99-118. Allen, N. J., & Meyer, J. P. (1990). The measurement and antecedents of affective, continuance and normative commitment to the organization. Journal of 72


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Daniel Gomes, Joana Fernandes & Rosa Sobreira • Promoting a path for organizational competitiveness

randomized variables; independency of the residual randomized variables.

Correspondence Daniel Roque Gomes, Joana Fernandes e Rosa Maria Campos Sobreira Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra drmgomes@esec.pt; joanaf@esec.pt; rsobreira@esec.pt

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Qual o papel do jornalismo nas democracias contemporâneas? Jornalismo publico e deliberação política Gil Baptista Ferreira

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Este artigo pretende discutir o papel do jornalismo público na relação que estabelece com as instituições democráticas contemporâneas. Para este fim, toma como principais referências o modelo de democracia deliberativa e as expectativas geradas nas últimas décadas pela ideia de jornalismo público (ou cívico), para avaliar a compatibilidade entre os dois paradigmas. Sustentado pela literatura, o artigo conclui sugerindo que o papel dos jornalistas na promoção da democracia será hoje de natureza diferente e com um campo de acção mais restrito do que os defensores do jornalismo público acreditam. Palavras-chave Mass media, Jornalismo público, Democracia deliberativa, Participação política

Abstract This article discusses the role of public journalism on the relationship with the contemporary democratic institutions. To achieve this goal, it takes as main reference the deliberative model of democracy and the expectations generated in the recent decades by the idea of public (or civic) journalism, to evaluate the compatibility between the two paradigms. Supported by the literature, the article concludes suggesting that today the role of journalists in promoting democracy is different in nature and with a narrower field of action than the promoters of public journalism believe. Key-words Mass media, Public journalism, Deliberative democracy, Political participation

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A relação entre a democracia e a comunicação de massas é, há largas décadas, tema de um conjunto significativo de discussões, que, tanto no meio académico como nas práticas profissionais, questionam os fenómenos que envolvem a comunicação pelos media. Entre os vários perfis que os media assumem no que se refere à promoção das instituições democráticas, o jornalismo, com todas as funções e características que lhe são atribuídas (nomeadamente como catalisador de difusão da informação), ocupa um lugar relevante – desde logo por prover um reportório informacional que possibilita a interpretação de factos, a avaliação de argumentos e, em última instância, a promoção de acções racionalmente motivadas. No âmbito dos debates mais gerais levados a cabo, as últimas décadas assistiram igualmente a propostas muito concretas nos dois campos aqui interligados, desenhadas a partir de um conjunto de questionamentos bem preciso e delimitado: de um lado, o debate sobre a democracia (que entender por participação democrática, que esperar dos cidadãos numa democracia moderna, etc.); do outro lado, igual trabalho de reflexão sobre a essência do jornalismo (para que serve, que funções deve cumprir, qual a natureza cívica desta prática profissional). Muito embora as propostas emergentes possuam alguma heterogeneidade dentro de cada um dos campos (jornalismo e democracia), podemos de forma sintética situar o debate a partir de dois modelos que, em grande medida, têm pautado as discussões académicas mas igualmente os desenvolvimentos práticos a que temos assistido: referimo-nos ao jornalismo público e à democracia deliberativa. A apresentação e a discussão de ambos os modelos encontra-se amplamente desenvolvida, e, tratando-se embora de modelos normativos, ainda em busca de refinamento conceptual, a verdade é que têm vindo a servir de inspiração a tendências quer do jornalismo contemporâneo quer da discursividade política mais corrente – também elas suficientemente documentadas. Os objectivos deste artigo são muito mais específicos, e centram-se numa questão muito particular: tomando como referência os ideais normativos associados à democracia deliberativa, qual o papel dos jornalistas na promoção das instituições democráticas? Noutros termos: numa perspectiva de jornalismo público, deverão os jornalistas constituir-se em interlocutores das instituições políticas? Ou ainda: deverão os jornalistas servir de mecanismo de ampliação da voz dos cidadãos, promovendo-os enquanto actores num processo deliberativo? Nesta medida, o presente artigo começa por questionar a relação entre jornalismo e democracia, e avaliar o carácter essencial desta ligação. Trata-se de variáveis interdependentes? Que sinergias se estabelecem nesta relação mútua? E, neste âmbito, que funções democráticas pode/deve exercer o jornalismo? Passa 80


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depois à análise do alcance e dos pontos críticos da deliberação democrática para, em seguida, identificar as promessas democráticas do jornalismo público. Será a partir daqui, pela apreciação da compatibilidade dos dois modelos, que poderemos, por fim, enquadrar a discussão principal deste artigo – as funções democráticas do jornalismo.

1 Jornalismo e democracia Desde as declarações da Primeira Emenda norte-americana que à imprensa são reservadas quatro funções: a) proporcionar um fórum para a discussão de ideias muitas vezes contraditórias; b) dar voz à opinião pública; c) ser os olhos e os ouvidos dos cidadãos para avaliar a cena política e o desempenho dos políticos; e d) agir como “vigilante” que avisa quando detecta sinais de mau comportamento, corrupção e abuso nos corredores do poder. Todo um vasto conjunto de outros requisitos é mencionado ocasionalmente, mas podem ser classificados nas quatro categorias básicas anteriores (Blumler, J. e Gurevitch, 1995). Estas expectativas baseiam-se no pressuposto de que a democracia ideal equivale à democracia participativa, em que os cidadãos bem informados jogam um papel activo em termos de decisão política. Contudo, esta suposição, presente em modelos que datam da Grécia antiga, é hoje questionável por vários motivos. Desde logo, a própria funcionalidade de modelos de democracia participativa é problemática quando os públicos são demasiado grandes para permitir a existência de debates políticos, onde os cidadãos se possam fazer ouvir. Outro factor é a complexidade das questões que enfrentam as sociedades modernas, as quais, muitas vezes, requerem conhecimentos baseados em níveis elevados de conhecimento técnico. Por fim, tem hoje que ser considerada a relutância dos cidadãos em participarem nos próprios debates sobre matérias de natureza política (Ferreira, 2010). Como é sabido, muitos dos textos-chave da fundação da teoria democrática, ou das próprias práticas democráticas, não fazem quaisquer referências ao jornalismo. Não havia imprensa na Grécia Antiga, e, mais tarde, para os inspiradores das revoluções americana e francesa, muito embora fizessem uso de panfletos impressos e até de jornais, era secundário o papel que este meio desempenhava. Foi numa fase mais recente, com maior incidência no último quartel do século passado, que os próprios jornalistas passaram a reivindicar a importância crucial do seu trabalho para o bem comum – a importância da liberdade de expressão em sociedades que se reivindicavam como sociedades liberais mostrava como óbvia a importância do jornalismo para a democracia.

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Um dos pensadores sobre o jornalismo mais importantes dos últimos anos, James Carey, afirmava que jornalismo e democracia são uma só realidade, na medida em que “o jornalismo como prática apenas é concebível no contexto da democracia; de facto, jornalismo pode ser com vantagem entendido como outro nome para democracia” (Carey, 1995: 332). Uma outra leitura do conceito de jornalismo é proposta por Michael Schudson, que, caracterizando a noção de jornalismo de Carey como “normativa” e “romântica”, considera peremptoriamente que “democracia e jornalismo não são a mesma coisa” (Schudson, 2008: 11): demonstra-o o facto de ter havido, na história mais ou menos recente, democracias sem jornalismo, e igualmente jornalismo sem democracia (citando a este propósito o Chile dos anos 70 e 80 e a Espanha de Franco, sendo que a própria imprensa americana precedeu a democracia). A conclusão importante a retirar é que “a democracia não produz necessariamente jornalismo nem o jornalismo produz necessariamente democracia” (Schudson, 2008: 12). Contudo, nas sociedades onde há democracia, o jornalismo encontra-se ao seu serviço, podendo provê-la de um conjunto de funções com potencial para contribuir para a sua estabilização e aprofundamento. Sabemos hoje que a importância dessas funções, assim como a sua natureza, mudam ao longo do tempo, e variam com as particularidades de cada democracia, como demonstram hoje as transformações que a era digital trouxe quer ao jornalismo quer às formas de comunicação mediada em geral. Contudo, não obstante todo o discurso generalizado no senso comum acerca dos elevados méritos do jornalismo para a democracia, persiste alguma indefinição acerca dos contornos exactos das funções e do estatuto que o jornalismo pode e deve ocupar – contornos esses estreitamente dependentes quer dos modelos de jornalismo que considerarmos, quer da própria noção de democracia que tivermos sob perspectiva. Seguindo a proposta de Michael Schudson (2008: 11-26), tomamos como ponto de partida seis funções – a que se acrescenta uma sétima – que geralmente o jornalismo assume em sociedades democráticas, umas mais previsíveis e outras mais matizadas, e que poderão ser encontradas em diferentes combinações e com diferentes graus. Em primeiro lugar, a notícia possui um papel vital na tarefa de informar o público, na que será talvez a afirmação mais comum sobre o papel da imprensa numa democracia. A segunda função que identifica refere-se à investigação da acção dos diversos agentes de poder, entre eles o poder político. A terceira função dos jornalistas é uma função de análise, através da qual os jornalistas fornecem quadros de interpretação que tornem compreensíveis e coerentes aspectos mais complexos 82


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do mundo. Schudson designa como empatia social a quarta função, que consiste na transmissão de histórias de interesse humano provindas da diversidade de pontos de vista e modos de vida que compõem o mundo – concedendo aqui espaço às vozes menos favorecidas pelas restantes instâncias sociais. O papel seguinte entende o jornalismo como gerador de espaço público, sendo a internet, enquanto suporte de comunicação, um elemento cada vez mais importante no cumprimento desta função. A sexta função é, a nosso ver, explicada de forma mais obscura: tomando como modelo a história da imprensa partidária, refere-se ao papel do jornalismo como agente de mobilização, advogando a favor de determinadas perspectivas ou programas políticos, e mobilizando as pessoas no sentido da acção em acordo com esses programas. Uma última função do jornalismo em relação à democracia poderá ser ainda identificada: trata-se afinal da divulgação da própria democracia – mais concretamente da democracia representativa. A partir desta enunciação, Schudson assume um compromisso firme por um lado com a protecção dos direitos das minorias, e por outro lado com o combate a um jornalismo populista, fomentado a partir dos avanços de algumas versões de democracia liberal. Defende, assim, um papel para o jornalismo que seja “democrático mas não populista”, por considerar que a “realização da vontade popular não garante a melhor governação, mesmo que houvesse um modo de determinar qual é essa vontade” (Schudson, 2008: 26).

2 Jornalismo público: de uma ideia a uma prática profissional Por seu lado, o “jornalismo público” baseia-se, principalmente, na premissa de que jornalismo e democracia estão intrinsecamente ligados ou, mais precisamente, são mutuamente dependentes. Nesta medida, uma das ideias centrais do “jornalismo público” tem inerente a intenção de colocar os ideais da democracia deliberativa no âmago da prática do jornalismo, sendo parte do papel do jornalista a promoção do debate público – enquanto modo de promoção da própria democracia. Esta abordagem ganhou força no início dos anos 1990, principalmente entre um número de jornais de âmbito local e regional norte-americanos (o Wichita Eagle e o Charlotte Observer, entre outros), e foi marcada por dois impulsos principais. Em primeiro lugar, pela percepção de um afastamento significativo e progressivo dos cidadãos em relação aos actores políticos e às políticas por eles desenvolvidas. O jornalismo tradicional teria fomentado uma lacuna na participação dos cidadãos na vida pública, afastando-os do processo democrático, com o declínio da participação nas eleições políticas e contribuindo para o declínio da vida comunitária. Sobretudo a campanha presidencial de 1988 – marcada por discursos políticos altamente cautelosos e calculados - viria a reforçar de forma vincada o sentimento de alienação 83


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de uma larga fatia do público em relação à política, sendo a comunicação política mediatizada sustentada por uma elite minoritária. Ora, se esta alienação era um problema político, era igualmente um problema económico, na medida em que resultava numa redução do número de leitores de jornais que versassem sobre questões públicas. Era, por fim, também um problema de carácter individual, pois muitos jornalistas sentiam-se isolados quer como agentes públicos quer como cidadãos. Progressivamente, muitos jornalistas formaram a crença de que as campanhas políticas se teriam tornado sem sentido, e que a própria governação não serviria os principais interesses públicos. Outro impulso a favor do jornalismo público foi a depreciação da imagem da imprensa. Estudos desenvolvidos ao longo da década de 1990 mostraram que muitas pessoas colavam a imprensa à imagem da classe política, igualmente afastada das reais preocupações das comunidades. Na verdade, mais que o problema da alienação das instâncias políticas antes referido, terá sido sobretudo este segundo aspecto a determinar a urgente reflexão acerca do papel do jornalismo e da sua agenda política nas democracias contemporâneas. É a partir daqui que se torna necessário compreender qual o lugar específico que o jornalismo deve ocupar nas democracias – sobretudo a partir do momento em que a noção de democracia deixa de ser equacionada em termos de níveis de participação eleitoral. Que o jornalismo deveria ser um meio de fortalecimento da democracia será um truísmo, tanto para jornalistas como para os seus críticos; porém, mais que apreciações taxativas e apressadas sobre o estatuto normativo dos media - e do jornalismo em concreto na democracia, impõe-se antes que a questão seja problematizada nos termos que reproduzimos a partir de Schudson (2008: 3), “académicos, jornalistas e cidadãos devem aprender a reconhecer os modos através dos quais as instituições podem facilitar ou ser um entrave a uma governação democrática.” Tomando como inspiração movimentos como o do “jornalismo público”, alguns autores vieram mais recentemente – nos últimos 10 anos – conceder à imprensa o papel “crucial no cultivo da deliberação” (Levine, 2002: 79). De um ponto de vista da teoria política, o jornalismo público poderia constituir-se num dos espaços onde aspectos normativos associados ao ideário da democracia deliberativa pudessem manifestar-se em termos práticos – desde logo uma das suas ideias primordiais, a defesa da discussão pública enquanto mecanismo de produção e legitimação das decisões políticas. Escrevia a este propósito um dos principais defensores do movimento do jornalismo púbico que: “nós temos conversado, mas não da forma correcta de conversação. O jornalismo público procura criar o espaço ainda em falta onde os cidadãos se possam encontrar e conversar num sentido real e construtivo” (Charity, 1995: 151). Noutros termos: o jornalismo público poderia constituir-se no 84


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elemento decisivo - catalisador – da democracia deliberativa, não obstante a pouca atenção atribuída pela generalidade dos teóricos deliberativos ao papel dos media (e mais concretamente do jornalismo) no processo democrático. Na base deste papel encontra-se uma constatação simples: a de que quando pensamos ou discutimos sobre assuntos públicos, é à imprensa e à televisão que recorremos para obter elementos que informem essa reflexão ou discussão, a que acrescem as páginas do leitor e todo um leque de programas ou secções que se configuram como fóruns para a deliberação pública. Além disso, apenas pela sua mera existência, os media nacionais evitam fenómenos de balcanização discursiva, prevenindo o risco de as discussões locais se tornarem insulares ou desinformadas, pela ligação de discussões de pequena escala a um público deliberativo nacional. Como consequência destas expectativas sobre o seu trabalho, os próprios jornalistas reinterpretam a função básica de tornar a informação acessível aos cidadãos. Como escrevem dois destacados jornalistas, “o principal objectivo do jornalismo é proporcionar aos cidadãos a informação de que necessitam para serem livres e autónomos” (Kovach e Rosenstiel, 2001: 17). Na verdade, é esta mesma convicção fundamental que leva os críticos das práticas do jornalismo a questionar se a informação que os cidadãos recebem atende realmente às suas necessidades de liberdade e auto-governo. É a partir desta abordagem que o jornalismo público viria a adoptar uma nova perspectiva de relação com os factos: os jornalistas resistem às histórias sobre a ‘competição’ política, a favor de artigos sobre temáticas, dando cobertura a questões de deliberação pública que ocorrem na sociedade civil, definindo como notícias não apenas os episódios da luta quotidiana entre os diversos actores políticos e sociais, mas sobretudo a troca de ideias no âmbito de um debate racional cujo interesse ultrapasse a circunstância do epifenómeno. Por fim, e aqui o ponto mais controverso, os jornalistas instigam a própria deliberação, convocando os cidadãos para se pronunciarem sobre assuntos de carácter público, ou recrutando pessoas para comporem painéis de cidadãos que colaborem com os jornalistas na eleição dos temas a tratar, ou das questões a colocar numa determinada entrevista. Os promotores do jornalismo público defendem que a promoção de diálogo informado, marcado por padrões de racionalidade, deverá ser parte do papel a desempenhar pelos jornalistas nas sociedades democráticas. Christopher Lash radicaliza mesmo esta ideia, quando considera que “o que a democracia requer é debate público, não informação (...). Claro que necessita de informação, também, mas o tipo de informações necessárias apenas pode ser gerado no âmbito de um debate popular vigoroso” (Lash, 1990 apud Ettema, 2007: 143). Noutros termos: não sabemos aquilo que necessitamos de saber até colocarmos as questões certas; mas, por seu lado, apenas conseguimos identificar as questões certas se submetermos as 85


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nossas próprias ideias ao teste da controvérsia pública. Nesta óptica, a informação, habitualmente tida como pré-condição para o debate, pode ser antes entendida como um seu subproduto. Importa no entanto considerar que, ao compelir os agentes políticos ao debate com cidadãos, entre outras acções de natureza semelhante, o jornalismo público acaba por promover determinados processos democráticos (Levine, 2002).

3 Um papel circunscrito É justamente a partir daqui, da integração do jornalismo – e do jornalismo público em concreto – no âmbito das práticas democráticas, que se impõem algumas questões. Desde logo, e de um ponto de vista normativo, importa especificar qual o lugar e as funções do jornalismo – e deste modelo particular de jornalismo – no contexto de uma sociedade democrática e, sobretudo, identificar que contribuição efectiva podem as práticas discursivas que permeiam o jornalismo, entendido numa perspectiva mais lata, trazer à política contemporânea. Tomando como referência, concretamente, o jornalismo público e a sua relação com a teoria democrática deliberativa, Albert W. Dzur defende que ao jornalismo estará reservado – primeiro um papel mais circunscrito e – segundo – um papel diferente na promoção de práticas deliberativas do que os promotores do jornalismo público defendiam (Dzur, 2002). Um papel circunscrito porque os vários modelos de democracia deliberativa não reservam a qualquer actor institucional o estatuto de, por si só, ser o “catalisador democrático”. Imbuído de um sentido “messiânico”, o jornalismo público atribui à imprensa o desígnio de salvador da democracia (Peters, 1999: 111). Ora, a divisão do trabalho deliberativo é condição necessária à sua própria concretização, na medida em que as exigências normativas da razão pública – que a deliberação seja racional, respeitadora, responsável, inclusiva e justa – são exigências que implicam para a sua satisfação um vasto conjunto de instituições políticas e sociais, cada uma no desempenho das suas funções específicas. Nenhuma dimensão discursiva (ou de outro tipo), isolada, será capaz de explorar o potencial necessariamente plural da deliberação. Por esse motivo, a democracia deliberativa implica todo um sistema no qual múltiplos tipos, modos e níveis de deliberação são distribuídos por várias instituições e sistemas (Warren, 2007). Nesse sistema, a imprensa, essencial para a democracia, continua a ser apenas uma das muitas instituições e práticas da vida pública. De igual modo, ao caracterizar-se como um fórum discursivo, isto é, como arena de visibilidade e de debate público por excelência, um jornal estará a assumir funções de deliberação democrática que será incapaz de cumprir de forma satisfatória. 86


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James Bohman, um dos autores fundamentais na definição dos pressupostos da democracia deliberativa, ao mesmo tempo que reconhecia o papel relevante da comunicação de massa para os processos deliberativos, tecia notas de cautela quanto à necessidade de atentar nas dificuldades e circunstâncias que podem impedir o funcionamento dos media do ponto de vista político. Nesta medida, questiona a capacidade dos media para garantir a pluralidade de perspectivas razoavelmente adequada à avaliação de diferentes opiniões e visões do mundo, que envolvem cada problema (Bohman, 1998). Em grande medida, os defensores do jornalismo público terão, por um lado, subestimado as dificuldades em satisfazer os requisitos de representatividade essenciais à deliberação, nomeadamente os que se referem à existência de uma comunidade de interesses, num sentido prático e ético; por outro lado, a ideia de democracia que têm em mente toma como adquiridas as melhores formas de comunicação, esquecendo as dimensões problemáticas de outras formas de comunicação – ligadas, por exemplo, à questão do reconhecimento intersubjectivo, entre outras – que enfermam o sonho da democracia participativa (Peters, 1999). Assim, os jornalistas “constroem os fóruns públicos sem se protegerem contra a manipulação estratégica ou contra desigualdades deliberativas – dois obstáculos óbvios à deliberação na política contemporânea” (Dzur, 2002: 334). Uma outra linha crítica dirigida ao jornalismo público assinala que a sua ênfase nas “pessoas padrão” pode levar à exclusão ou denegrir pessoas das margens políticas e culturais (Levine, 1996). Ora, a vida democrática é também uma vida de atenção aos que não podem participar na conversação (o estrangeiro, o idoso, a criança, o dissidente ou o analfabeto). Uma perspectiva de democracia entendida nestes termos remete assim para “algo abaixo (a solidariedade) e para algo acima (testemunho) da conversação”, enquanto elementos necessários a uma política justa (Peters, 1999: 106). Por fim, importa assumir as consequências de uma premissa decisiva: “a verdade não é produto da conversação do público, ou de investigações jornalísticas” (Carey, 1995: 390). Se, em resultado, reconhecerem as exigências gerais e complexas de racionalização, inclusão e justiça, tanto mais fácil será aos jornalistas ajustarem os seus desígnios a partir da interacção com órgãos de governação, com movimentos sociais ou com peritos (Dzur, 2002). Com efeito, nesta perspectiva, e a contrapelo do espírito do jornalismo público, o conhecimento especializado (dos peritos) e a concentração do poder (em políticos ou tribunais) são ingredientes necessários à democracia – e, assim, será melhor entendida como função democrática o controlo dos peritos que a eliminação do conhecimento especializado. Esta será mesmo uma 87


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tarefa fundamental, diz-nos Schudson (2008: 3): “se conseguirmos compreender tudo isto, estaremos em condições de melhor entender as potencialidades do jornalismo para a democracia” Sem dúvida que a argumentação a favor do papel do jornalismo – e, mais concretamente, do jornalismo público - enquanto catalisador democrático é apelativa. Por um lado, a formação de grupos de discussão nas comunidades ou a criação de fóruns de discussão pública nas páginas dos jornais terá vindo preencher um vazio democrático, que outras instituições não quiseram ou conseguiram preencher (Charity, 1995). Depois: “quem pode objectar a mais informação pública responsiva e responsável? E a um vigoroso debate e discussão entre cidadãos? Os ideais do jornalismo público são tão nobres que pode parecer ingrata qualquer crítica amigável” (Peters, 1999: 99). Não obstante, existem objecções de fundo quanto à natureza de alguns pressupostos que vêm enquadrar esta discussão. Tomemos um exemplo paradigmático, citado por Levine (1996): se a missão do jornalismo público é promover o debate, então faz sentido para o jornalismo público a adopção de uma postura anti-racista. Afinal de contas, o racismo é um entrave à deliberação, ao pôr em causa a igualdade e o respeito mútuo que (entre outras coisas) distinguem a deliberação de formas menos valiosas de discurso. Mas também se pode argumentar que a oposição ao racismo é um objectivo político - ainda que louvável. Ora, é neste ponto preciso, ao assumir objectivos políticos – tarefa que pode assumir-se com fronteiras em inúmeros casos de difícil determinação e justificação - que o jornalismo terá excedido os seus limites. É nesta medida que se torna forçoso reconhecer que, ao contrário daquele que é um dos princípios básicos do jornalismo público, “a noção da imprensa enquanto instigadora do diálogo público distorce a visão da imprensa e extravasa o seu papel na sociedade” (Peters, 1999: 107).

4 Um papel diferente É a partir deste enquadramento que se torna necessária a definição de um papel diferente para a imprensa. Atendendo a toda a problemática identificada acima, é possível considerar uma proposta muito concreta: em vez de actuar como fórum público ou promotor de fóruns, a actuação da imprensa deverá ser antes no sentido de pressionar as instituições a quem, nos dias de hoje, compete a aplicação dos requisitos – legais e outros – necessários à existência de deliberação democrática – nomeadamente os órgãos de poder político (Dzur, 2002). A montante deste objectivo programático, encontra-se um vício de que enferma 88


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o jornalismo público desde a sua génese: o jornalismo público terá ignorado a importância das instâncias de governação na promoção de compromissos no plano da comunidade, ao entender essas instâncias “não como a voz das pessoas mas como órgão de burocratas ou elites, significativamente desligado da vida comunitária” (Schudson, 1999: 128). Os defensores do jornalismo público terão negligenciado a inevitabilidade da representação – representação que passa quer pela designação de representantes para uma assembleia, quer, no momento seguinte, pela aceitação tácita de “formas de acção e de cultura não-interactivas” (Peters, 1999: 108). Assim: “governação e comunidades devem ser complementares, mais que antagonistas” (Schudson, 1999: 129) ou concomitantes. Ao jornalismo, enquanto instituição social, caberá o papel de identificar questões de relevância pública que estejam a ser ignoradas por parte das instâncias de governação, para que mecanismos como “pressões editoriais” possam ser aplicados sobre as instituições estatais, fomentando a criação de comissões apartidárias e agindo no sentido da libertação de recursos públicos que promovam a deliberação. Num segundo momento, os jornalistas podem acompanhar os fóruns que então surjam, para aferir em que medida eles são racionais, responsáveis, inclusivos e justos (Dzur, 2002). Nesta perspectiva, aos jornalistas estará reservado um papel diferente do proposto pelo jornalismo público – um papel que Albert Dzur (2002) designa por vigilância deliberativa-democrática, e que resulta da combinação de uma postura de envolvimento comunitário com uma atitude de atenção crítica adversarial. Tomando como referência a atitude adversarial, será possível proceder à denúncia de movimentos de estratégia política que procurem manipular os fluxos de informação dirigidos ao público. A partir da vigilância exercida por grupos de interesse, organizações comunitárias e outras provenientes da sociedade civil será possível verificar como a visibilidade pública é de enorme importância – mesmo que poucas pessoas leiam as notícias. Desde que a informação esteja publicamente disponível, os actores políticos tenderão a comportar-se como se o escrutínio seja uma realidade – a este efeito chama Peters o efeito do público como ficção robusta (1995: 25). Entendendo os media – e o jornalismo – como um sistema, é tacitamente aceite por parte de todos os intervenientes (actores políticos, media e cidadãos) a ideia de que também os jornais não são “canais” ou “provedores neutros de informação”, mas instituições híbridas, ao mesmo tempo políticas, económicas e com culturas profissionais, que estabelecem relações tensas, conflituosas, com outros actores sociais (Maia, 2008). Por outro lado, da inspiração do jornalismo público sublinhase a importância do uso de outras fontes que não os chamados públicos fortes, 89


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para além do envolvimento no meio comunitário - envolvimento este que permite determinar “o que” e “quem” foi excluído das discussões públicas e das decisões formais. É esta dimensão que é assinalada por Benhabib, em entrevista a WahlJorgensen (2008) quando refere o seu interesse pelo poder das “narrativas mais estruturadas”, as “public narratives” e o simples “contar histórias” na formação de uma perspectiva mental mais alargada, que ampliam a capacidade de aceitar o ponto de vista do Outro no decurso dos processos deliberativos. Nesta medida, “há um lugar e um papel especial para este tipo de jornalismo,” que “torna presente e representa aqueles cujas histórias não podemos ouvir ou compartilhar na primeira pessoa” (Wahl-Jorgensen, 2008: 970). A partir da combinação destas atitudes, o jornalismo será decisivo para esclarecer deficits de racionalidade e identificar a existência de ideias ou posições políticas importantes não representadas nas análises de peritos ou no mero debate público. No decurso deste papel, cabe aos jornalistas traduzirem a linguagem dos peritos em termos acessíveis à sua apreciação pelas massas no espaço público. Com o cumprimento desta função, isto é, com a publicitação e a justificação dos processos de tomada de decisão, o jornalismo cumpre simultaneamente o objectivo de envolver os cidadãos com o desígnio de exercer vigilância crítica sobre peritos e decisores (Carey, 1995), funcionando igualmente como instrumento de responsabilização institucional das instâncias de poder – uma função em relação estreita com os ideais deliberativos (Ettema, 2007). Neste sentido, na parte final do livro The Good Citizen (1998: 309) defendia Schudson há mais de 10 anos que, se é verdade que “o modelo do cidadão bem informado (...) ocupa ainda um lugar apreciado na nossa matriz de valores políticos”, é um facto que ele “requer algumas modificações”. A proposta que então faz é conhecida, e aponta para um modelo mais realista em que a maioria dos cidadãos regularmente monitorize o ambiente político e social, necessitando para essa tarefa de adquirir informação suficiente para estar “pronta para agir se a acção for necessária” (Schudson, 1998: 311). Muito embora reconheça a existência de “uma linha de ignorância voluntária que, por sua vez, marca a própria democracia”, acrescenta que “o ensino e o aperfeiçoamento da democracia nunca devem parar”. Na situação presente, a sua proposta é clara: apela à necessidade de termos “em vista objectivos plausíveis que integrem as competências dos cidadãos com as competências especializadas de peritos” (idem: 311-12). Por outro lado, e considerando embora a dependência dos cidadãos em relação aos profissionais da comunicação que tornam a informação disponível, verifica-se que a comunicação mediada instiga a formação de um “público racional” (Bohman, 2000: 55), que regula e corrige, através de um conjunto de mecanismos, distorções e enviesamentos por parte dos media – o que acaba por demonstrar como a própria 90


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comunicação mediada pode melhorar os níveis da comunicação existente na deliberação pública. Em suma, reafirma-se nesta ideia uma noção da democracia que, ao invés de maximizar o envolvimento popular nos processos de tomada de decisão, assegura antes um papel à participação popular na revisão e avaliação do desempenho das instituições políticas – através da protecção dos direitos individuais, da liberdade de expressão, de petição e de associação, contribuindo para a preservação de uma cultura pluralista (Schudson, 2008). Assim entendida, a função do jornalismo percorrerá alguns dos temas marcantes da teoria democrática deliberativa: ao contribuir para a “criação de uma mentalidade alargada, ao ensinar-nos a ver do ponto de vista dos Outros, mesmo quando não concordamos com eles. Estendemos os limites da nossa simpatia através da compreensão das condições de outros que podem ser radicalmente diferente de nós. No seu melhor, o jornalismo faz isso, expande a visão do mundo, fazendo ver o mundo através dos olhos dos Outros (...), ao longo do tempo e do espaço. O melhor jornalismo tem essa capacidade de unir com empatia a dignidade do Outro generalizado com o Outro concreto” (WahlJorgensen, 2008: 970).

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Correspondence Gil Baptista Ferreira Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra gilbferreira@gmail.com 92


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Perspectivas sobre os discursos da divulgação da ciência Joana Lobo Fernandes

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens - FCSH-UNL

Resumo Entende-se por comunicação pública da ciência o exercício através do qual os produtores do conhecimento científico – cientistas – dão a conhecer o resultado do seu trabalho a destinatários não-especialistas – leigos. Os objectivos subjacentes a este exercício são díspares embora tenham em comum a preocupação de divulgar o conhecimento científico junto dos que não integram a comunidade de cientistas e assim fomentar uma maior compreensão da mesma. A apresentação dos modelos de divulgação da ciência que caracterizam as últimas décadas bem como dos pressupostos subjacentes a cada um destes permite perceber as problemáticas que ocorrem, os soluções experimentadas bem como os resultados atingidos. Palavras-chave Comunicação pública da ciência, Públicos, Modelos de comunicação

Abstract Public communication of science is the way through which the producers of scientific knowledge - scientists - make known the result of their work to laypeople. The goals of this exercise are disparate nevertheless they have in common a concern for popularizing scientific knowledge at people that don’t belong to the scientific community, fostering a better understanding of it. The presentation of public communication of science models that characterize the last decades and also the underlying presupposes of each one of these models allows a comprehension of the related problems, the attempted solutions and the results achieved. Key-words Public communication of science, Publics, Communication models

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Introdução De acordo com Gregory e Miller (1998), a divulgação científica é tão antiga quanto a própria ciência. Estes autores sugerem ainda que a distinção entre ciência (enquanto campo de produção do conhecimento científico) e o público (e a partir do momento em que se estabelece a existência de uma distinção estamos já a colocar o público enquanto exterior ao processo de produção do conhecimento científico) começou com a formação de uma comunidade científica, ou seja, com a institucionalização da ciência enquanto actividade com participantes específicos, regras e práticas acordadas, que a separam das demais actividades (Gregory & Miller, 1998). Esta separação ocorreu no século XVII, com a revolução científica e desde então, o esforço de divulgação orientado para o público tem sido uma constante. Este processo de institucionalização da actividade científica teve uma dupla consequência: por um lado assistiu-se a uma fragmentação ou parcelização dos saberes e ao surgimento de disciplinas científicas específicas e distintas, por outro, ao aparecimento de uma separação entre cientistas e público. Em comum as duas consequências têm a emergência de um fosso cognitivo embora de dimensão distinta: no primeiro caso entre cientistas de diferentes disciplinas e por outro entre cientistas-peritos e públicos-leigos. O que fez com que Kunth (1992) propusesse uma distinção entre três exercícios na comunicação da ciência, que correspondem a outros tantos destinatários: 1. difusão de informação científica especializada: a que ocorre entre investigadores da mesma disciplina científica; 2. difusão científica interdisciplinar: a que ocorre entre investigadores mas de disciplinas científicas diferentes; 3. divulgação científica: a que ocorre entre cientistas e grande público.

Este artigo explora a questão da distinção (e da distância) entre cientistas e leigos, a preocupação em perceber o discurso da divulgação da ciência bem como o objectivo de interpretação das práticas de comunicação (pública) da ciência. A divulgação científica esteve, desde cedo, associada a uma missão de educação social. É necessário recuar até ao movimento enciclopedista do século XVIII, com Diderot e D’Alembert, para contextualizar essa missão. O propósito da Enciclopédia era o de transmitir para a posteridade o que se sabia até então, onde encontramos a ideia de progresso em paralelo às ideias de conhecimento e de moral. É necessário colocar este projecto na tríade saber, virtude e felicidade, pois entendia-se que o conhecimento combatia o preconceito, e este último tinha a capacidade de afectar as esferas do cognitivo, da moral e da política. Donde se retira a associação de 94


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conhecimento à ideia de justiça. A ignorância poderia ser um obstáculo ao progresso, daí que o espírito enciclopedista corresponda a uma consciência do impacto social do saber e da sua virtude libertadora (Jeanneret, 1994). Este entendimento indica que a divulgação (do conhecimento) era compreendida como discurso militando por uma certa concepção de sociedade, onde a ciência e a tecnologia têm um papel determinante, com uma orientação argumentativa, o que é mais do que comunicação de um saber pois entramos no domínio da retórica, isto é, um discurso portador de estratégias e de ideologias, contribuindo para instituir certos tipos de relacionamentos sociais (Jeanneret, 1994). Nessa lógica, a(s) resposta(s) que justificam a razão de ser da divulgação científica têm diversas implicações sociais.

Para quê comunicar a ciência (ao grande público)? O que se pretende realmente divulgar quando falamos de comunicação da ciência? Que resultados se pretendem atingir junto dos receptores da actividade de divulgação científica? No discurso sobre a divulgação das ciências (ou da sua popularization, no mundo anglo-saxónico, e vulgarisation, no francófono) encontramos vozes com opiniões muito díspares. Refira-se aliás que a escolha ao nível da terminologia contém propósitos explícitos, que ora colocam o enfoque no objectivo dessa comunicação ora no seu conteúdo de cariz científico tais como a vulgarização das ciências (que, de acordo com Jacobi (1999, p. 11) foi uma expressão que se impôs para designar “as tentativas de difusão da ciência junto do homem comum”1), difusão científica, cultura científica, comunicação científica, popularização das ciências ou ainda discurso sobre as ciências ao invés de um discurso da ciência (Cheveigné, 1997; Roqueplo, 1974). Mas em todas, trata-se de abordar a questão da comunicação que se dá, ou não, entre o mundo da ciência e todos aqueles que se situam no seu exterior, enquanto processo visando construir um estado de compreensão naqueles que não o têm e que por isso não pertencem ao mundo da ciência. Veremos que o que pode diferir são os propósitos/objectivos que requerem essa compreensão e não a vontade explícita de conseguir que se estabeleça a mesma (compreensão). Para a Royal Society of London, e a partir do seu Relatório fundador para o debate em torno da Compreensão Pública da Ciência, Public Understanding of Science ou o acrónimo PUS (Bodmer, 1985), aquilo que o público deve saber sobre ciência são os seus métodos, os seus feitos bem como os da tecnologia mas também os seus limites. Deve ainda estar apto a fazer uma apreciação relativa às implicações práticas e sociais da ciência e tecnologia, tais como riscos, incertezas e a variabilidade dos resultados científicos. E isto porque a ciência e a tecnologia impregnam a vida quotidiana, trazem um conhecimento necessário para se compreender alguns dos 95


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fenómenos que aí se passam e são parte integrante do dia-a-dia de sociedades desenvolvidas. A natureza e a extensão da compreensão da ciência pelo público têm que ser adequadas a uma democracia fortemente industrializada (Bodmer, 1985), atendendo ao lugar central ocupado pelo conhecimento e pelos produtos que resultam do desenvolvimento cientifico-tecnológico. Resumidamente, este Relatório apresentava uma concepção do que deve ser a compreensão, do lugar que o público ocupa (na distribuição do conhecimento) e ainda dos modelos de comunicação que melhor servem o que fora definido em relação à compreensão e aos públicos da ciência. O modelo proposto correspondia a uma determinada concepção de ciência que era, e é ainda em diversas ocasiões, dominante, apoiada numa estruturação disciplinar do saber e na afirmação do lugar único ocupado pelos investigadores, como produtores exclusivos desse mesmo conhecimento. Consequentemente, o modelo da Royal Society of London propunhase traduzir este entendimento através da justificação que apresentava sobre a necessidade de haver compreensão, na identificação dos emissores que legitimava (cientistas) e nas práticas de comunicação que apontava como adequadas. O modelo da Royal Society (Bodmer, 1985) definiu-se como modelo dominante da compreensão pública da ciência e tinha por alicerce (e justificação) a existência de défice cognitivo e portanto de uma desigualdade entre cientistas e leigos. Segundo este Relatório, os cientistas têm a responsabilidade social de comunicar com o público, uma vez que a sua actividade é subsidiada pelos impostos dos contribuintes. Parece ser consensual, e aceite, que existem determinados conhecimentos científicos que devem ser património comum, e que funcionam como meio de acesso ao exercício da cidadania. E ainda que, para que este conhecimento fosse acessível a todos, seria suficiente o cientista disponibilizar algum do seu tempo para os transmitir ao cidadão comum e este último, se tivesse a oportunidade de “ser tocado” por esse conhecimento, o adquiriria sem entraves. Contudo, Brian Wynne (1995) questiona o porquê do predomínio do chamado modelo do défice, mesmo quando hoje já se propõem modelos alternativos assentes numa lógica de interacção (von Grote & Dierkes, 2000). Este apresenta uma atitude crítica em relação ao rumo que a pesquisa sobre a Compreensão Pública da Ciência tomou, na medida em que carece de um paradigma estruturante, sendo essencialmente um instrumento pensado para servir interesses políticos dominantes. Para Wynne (1995), o campo de investigação da PUS tem sido, pelo menos desde os anos oitenta e nos países do ocidente, em grande parte moldado por interesses políticos, uma vez que se tornou necessário obter a legitimação das políticas de Ciência e Tecnologia por parte do público. Yearley (2000) sugere, igualmente, que a crescente preocupação com a PUS a partir da década de oitenta terá surgido da 96


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conjugação de interesses políticos e económicos, já que o desinteresse dos públicos por matérias científicas começa a ter implicações ao nível do ensino, da indústria, verificando-se uma atitude de descrença em relação à instituição científica e à comunidade de cientistas, traduzindo-se também numa falta de apoio às políticas de ciência. A superação do modelo dominante da comunicação da ciência faz-se a partir do lugar ocupado pelo receptor passando o público a ser entendido como utilizador da informação científica e das inovações tecnológicas. Wynne (1995) introduz nesta óptica a ideia de negociação, o que exprime a implicação activa dos sujeitos ditos leigos no processo de aquisição de informação sobre ciência e tecnologia. Sorenson, Aune e Hatling (2000) propõem recentrar o estudo da Compreensão Pública da Ciência nos utilizadores e não nos produtos científicos, como o caso no modelo dominante. Voltar-se para o utilizador é, então, entender a divulgação na óptica dos seus destinatários. Esta mudança de perspectiva não pode, aliás, ser dissociada da emergência de modos de produção do conhecimento assentes nos pressupostos da inovação e na rede de actores e recursos que mobiliza entrecruzando diferentes competências. Gibbons (2001) caracteriza assim o modo 2 de produção do conhecimento (por oposição ao modo 1, que se orienta por uma estrutura disciplinar o que, por sua vez, aprova e reproduz a afirmação do especialista, residindo neste a garantia do avanço do conhecimento): “no Modo 2, o conhecimento é produzido em contexto de aplicação. É transdisciplinar, envolve uma variedade de competências na resolução de problemas e utiliza estruturas organizacionais mais flexíveis. (…) é mais socialmente responsável [social accountable no original] e solicita a utilização de um conjunto de perícias nos seus processos de controlo de qualidade” (Gibbons, 2001, p.37). Entende-se que o conhecimento é produzido com vista a ser útil para alguém, na indústria, no governo ou na sociedade, sendo a definição dessa utilidade o motor de produção do conhecimento. De onde se conclui que este modo seja atravessado por uma negociação em torno da definição de utilidade, sendo essa a definição de “contexto de aplicação”. A perspectiva do público enquanto utilizador de informação sobre ciência e tecnologia decorre desta reconceptualização e tem naturais implicações na forma como se pensa a comunicação da ciência para este público. Nesta lógica, sugere-se o recurso a um conceito da gestão organizacional para exprimir o novo público do modo 2: o conceito de stakeholder (Fernandes, 2008). Entende-se por stakeholder (Friedman & Miles, 2006; Phillips, 2003; Post, Preston & Sachs, 2002) um parceiro ou parte interessada numa organização, embora não detendo a sua propriedade mas sendo todavia parceira da mesma. O stakeholder pode situar-se fora ou dentro da organização já que o que o define é o facto de afectar e de ser afectado pela 97


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acção organizacional (Post et al, 2002). Distingue-se no entanto pelo seu grau de actividade, menor ou maior, logo pela sua possibilidade de afectar, mais ou menos a organização. A vantagem deste conceito é o de ilustrar o modo de relacionamento com a ciência e os seus produtos por parte do público e a forma como isso afecta a relação de comunicação entre cientistas e leigos. Sugere também a heterogeneidade do (grande) público, uma vez que ele se define pela relação que estabelece com o saber em questão, pela avaliação que cada indivíduo faz do que espera obter ao deter determinado conhecimento. Nesta óptica, o estudo da PUS deve concentrar-se nas estruturas de referência (Dierkes et al, 1980, citado por von Grote e Dierkes, 2000), que explanam em que condições se gera o conhecimento, a relevância do mesmo para o sujeito e as estratégias de uso activo desse conhecimento para lidar com problemas específicos. Para concluir que este conhecimento é forçosamente do tipo contextual ou situacional. Neste contexto de coabitação entre dois modelos, o modelo dominante e o modelo da superação, superação essa que ocorre pela perspectiva de uma “ciência interactiva”, “em contexto de incerteza do conhecimento científico” e na impossibilidade de separar “a ciência do seu contexto social e institucional” (Einsiedel, 2000, p.205) é possível compreender as diferentes perspectivas de interpretação do fenómeno da comunicação pública da ciência: comunicacional, sociológica e interdiscursiva.

Perspectiva comunicacional da divulgação científica Aquela a que Roqueplo (1974) chama de concepção oficial da divulgação científica estrutura-se em torno da figura do “terceiro homem” sendo este último, ao mesmo tempo, mediador e missionário. Este mediador corresponde a um lugar intermédio no processo de divulgação, aquele que traduz a linguagem hermética do cientista para a linguagem do quotidiano, que o leigo compreende. O jornalista científico é tradicionalmente o “terceiro homem” que opera esta mediação. Nesta óptica, adquire um papel primordial na sociedade. No entanto, a importância real deste tem vindo a ser questionada (Nelkin, 1995), à medida que as próprias teorias da comunicação de massas vão-se afastando de um determinismo behaviourista. Revela-se uma figura fundamental na medida em que faz a ponte entre dois mundos distintos. Segundo Bauer (2000), é no jornalismo científico que se formam as imagens que condicionam as atitudes em direcção à ciência. Mas, é ainda Roqueplo (1974, p.53) que questiona se este mediador não será necessário porque a divulgação da ciência não ocorre nos “itinerários naturais da transmissão do conhecimento”, ou contextos de utilização da ciência, tais como o trabalho ou o lazer. Esta é, resumida e transversalmente, a 98


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ideologia que exalta o empreendimento divulgador. Vista sobre este prisma, a divulgação científica é abordada segundo uma via comunicacional (Schiele & Jacobi, 1988), cujo objectivo primordial é restabelecer o elo que a ciência moderna quebrou, ao criar o seu próprio “mistério” (Schiele & Jacobi, 1988, 15), ao fechar-se num discurso matemático e rigorosamente estanque a toda a incursão do senso comum. A “torre de marfim” ergueu ameias suficientemente altas para criar e alimentar a opacidade do discurso científicotecnológico e para fomentar a imagem extra-ordinária do homem da ciência. O paradigma comunicacional da divulgação científica procura restabelecer esse elo quebrado, desmistificando e humanizando a ciência (Schiele & Jacobi, 1988), “uma ideia de ciência [onde] os divulgadores acrescentarão não apenas a ‘carne’ mas também a roupagem da vida quotidiana” e ainda, onde “... o discurso do divulgador preencherá a sua tarefa de mediação referindo-se de forma ostensiva a duas práticas: uma que colocará em cena, a dos cientistas, outra que invocará para ser efectivamente acolhido e aceite como real, a da vida quotidiana” (Roqueplo, 1979, p.119). Assiste-se a um processo de destruturação do saber objectivo e posterior reestruturação desse mesmo saber, para que se dê a sua integração na realidade quotidiana, bem como, e sobretudo, a aceitação da legitimidade daquele discurso e daqueles que o proferem. É através desse processo que a ciência é disponibilizada culturalmente e é assim que é consumida pelos leigos. A divulgação científica transforma o saber num sistema de representações sociais, de que o conjunto é constituinte da realidade de cada um, sendo que a representação social é a “apropriação do mundo exterior, a procura de um sentido onde se pode inscrever a sua acção” (Roqueplo, 1974, p.130). O que faz então a divulgação, nas palavras de Roqueplo (1974)? “… permite dar à ciência a sua única modalidade cultural que lhe é possível fora do mundo científico propriamente dito, a saber: o estatuto de representação social ” (Roqueplo, 197, p.6). Esta perspectiva recupera a teoria das representações sociais de Moscovici (1976, citado por Jesuíno e Diego, 2002, p.238), que permite abordar a problemática dos “discursos circulantes”. A teoria estuda os processos através dos quais as representações se constroem e reconstroem através das múltiplas formas de comunicação, da interpessoal à mediática, que constantemente se multiplicam e adensam” (Jesuíno e Diego, 2002, p.238). Neste entendimento, Logan propõe mesmo um novo modelo para a ciência nos media a que chama de secularização e que parte do princípio que “para que a comunicação pública da ciência seja bem sucedida [...] deve rejeitar a autoridade científica e reconhecer o valor das opiniões, crenças e valores da audiência. Nesse sentido, é secular; rejeita a quase-religiosa primazia da ciência” (Logan, 1991, citado por Lewenstein, 1995, pp.349-350). 99


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Roqueplo (1974, p.105) exprime uma perspectiva marcante e que coloca a temática da divulgação num patamar muito crítico: “o discurso não é a prática: enquanto a ciência for transmitida (ou não transmitida) apenas sob a forma de discurso, não nos podemos espantar que ... o senso comum, após três séculos, ainda confunda massa e peso!”. A tese deste autor é a de que a divulgação científica não corresponde a uma partilha de saber, e isto essencialmente porque “... é precisamente a alteridade irredutível entre a ‘narrativa’ e a ‘prática’ que me parece colocar de forma radical em questão o objectivo mediador do divulgador na medida em que, ao fim ao cabo, este dispõe apenas, para ultrapassar o fosso em causa, de letras do alfabeto, de sons e de imagens que o condenam a não fazer mais do que ‘narrar’ [logo] existe um equívoco entre o que um discurso científico, apesar de sob a forma de divulgação, evoca num espírito formado na prática experimental – no sentido científico do termo – e o que esse mesmo discurso evoca num espírito que, da experiência, apenas conheceu narrativas” (Roqueplo, 1974, pp.9091). Esta perspectiva coloca o empreendimento divulgador não como um processo cognitivo mas antes como um processo discursivo. E isto porque a narrativa que é a divulgação da ciência tem um efeito-espelho, funciona antes como um espelho e não como veículo de uma autêntica transferência de saber. Também não é tradução, sendo uma descontextualização, em relação ao local da sua produção que é o espaço do cientista e que “transforma a ciência na realidade do público” (Roqueplo, 1974, p.149). Por isso, são mais criadores do que tradutores. Umberto Eco (1972, citado por Schiele & Jacobi. 1988, 21) refere que “uma mensagem é ‘uma forma vazia à qual se podem atribuir diferentes sentidos’: é uma ‘fonte de mensagens-sentido possíveis’. É ao receptor que cabe atribuir um sentido, integrando as informações”. Por isso, a possibilidade de traduzir a ciência depara-se com uma impossibilidade estrutural que é a da desigualdade na distribuição do capital cultural (Schiele & Jacobi, 1988), logo da competência do interlocutor. Para Jeanneret (1994), toda a comunicação da ciência é transgressão obrigatória pois a ciência tem que comunicar fora do seu quadro habitual, doutra forma não existiria socialmente. Se a divulgação científica não é um discurso da ciência, ela é no entanto um discurso sobre a ciência, que procura colocá-la acessível ao senso comum (não o seu conteúdo mas antes o seu papel na sociedade). Daí o seu alcance ideológico, já que, sob a capa de promover a partilha de saberes, estará a perpetuar o não acesso de leigos ao saber. Partilhar um saber é partilhar um poder. “O problema começa por não ser um problema de comunicação mas um problema de conflito e de transgressão. Um problema de estrutura social. Um problema político” (Roqueplo, 1974, p.223). Estará a comunidade científica realmente disposta e preparada para partilhar esse poder? Este poder é o que permite agir sob outrem, de forma legitimada pelas práticas 100


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sociais. Reencontramos aqui a problemática do trabalho de fronteira ou boundary work (Gieryn, 1995) já que a disputa pela definição de uma fronteira entre ciência e não ciência é, na realidade, uma disputa pela autoridade. Disputa essa que só se coloca a partir do momento em que a linearidade sobre a qual devia assentar a comunicação da ciência, na perspectiva do cientista, é problematizada (este último espera aliás que o leigo não a questione).

Perspectiva sociológica da divulgação científica A problemática do trabalho de fronteira vem demonstrar que a divulgação da ciência não pode ser reduzida a um fenómeno comunicacional. Assim, a perspectiva sociológica foca a sua atenção na problemática dos usos sociais da ciência. Godin (1999) propõe uma concepção pluridimensional da cultura científica, fazendo coabitar uma dimensão individual e uma dimensão colectiva, definindo-a enquanto apropriação da ciência por uma sociedade e a expressão dessa mesma apropriação nos comportamentos individuais e das instituições. Deste modo, a cultura científica é parte integrante da cultura de uma sociedade, definindo-a. O significado de cultura científica evoca a questão da apropriação da ciência e da tecnologia, pelos indivíduos ou pela sociedade. Todo o discurso da e sobre a divulgação remete para esse processo. “A cultura científica começa por ser um discurso relativo aos conhecimentos científicos. De seguida, é um discurso de sensibilização que visa modificar comportamentos e em particular visa promover o interesse pela prática da ciência. Por último, é um discurso desenvolvido com a finalidade de se apropriar e de controlar a ciência” (Godin, 1999, pp.12-13). Assim, “a cultura científica é o saber produzido por uma comunidade de cientistas, um saber que estes falam e escrevem [Que a ciência seja ela própria um discurso já ninguém duvida (Godin, 1999, p.11)] e da maneira pela qual estes falam e escrevem sobre ele” (Godin, 1999, p.12). A cultura científica funciona também como interface entre o campo da ciência e o campo do social, não sendo dissociáveis os três objectos que a constituem, indivíduo, sociedade e cultura: “dispor de indivíduos cultos sob o plano científico é seguramente um meio, para uma sociedade, de se apropriar da ciência, ou seja, de desenvolver uma cultura científica” (Godin, 1999, p.84). Do ponto de vista do indivíduo, a cultura científica tem que ser personalizada, em função do seu papel social. Assim, a cultura científica é transversal a uma sociedade, está disponível para essa sociedade através dos dispositivos institucionais que são criados para esse fim, mas a sua apropriação é sempre individual e em consonância com a função desempenhada na sociedade. Além de que o processo de aquisição do conhecimento que é divulgado está, parcialmente apenas, controlado pelas instituições difusoras, “já que as pessoas 101


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compreendem o que desejam compreender e acreditam no que desejam acreditar. É a maneira de captar esse desejo e de o conduzir que constitui o trabalho dos divulgadores, e é na maneira de o desempenhar que as suas produções podem ser julgadas” (Jeanneret, 1994, p.30). Toda a aquisição de saber é reinterpretação criativa. A cultura científica é, então, repositório de conhecimentos, adquiridos através de práticas diversas, mais também de “saber-fazer e atitudes que, numa determinada função social, definirão a sua cultura científica” (Godin, 1999, p.87). Do ponto de vista colectivo, a cultura científica resulta das dinâmicas próprias que cada sociedade consegue gerar para promover a aprendizagem colectiva, a apropriação da ciência. Como vimos anteriormente, estas dinâmicas não são mero somatório de elementos ou de instituições, antes resultam de uma teia de apoios que se geram em torno de um mesmo fim, que aqui é o da promoção da cultura científica. Para Roqueplo (1974), a função de difusão da ciência através da divulgação científica encontra três tipos de obstáculos ao seu propósito de partilha do saber: epistemológicos, pedagógicos e sócio-políticos. Já referimos que o leigo não tem acesso ao saber mas a um discurso sobre o saber e sobre a instituição onde se constrói, que o modelo da difusão, que nas sociedades actuais é ocupado pelos mass media, é forçosamente unilateral e sempre desequilibrado em relação aos mecanismos de feed-back que permite e por fim, que os produtores do conhecimento científico, uma minoria na sociedade, não pretendem realmente abdicar do seu poder que o saber lhes traz. A divulgação científica torna a ciência presente no quotidiano mas inacessível e o seu discurso espelha a distância que separa cientistas e leigos. Como discurso sem sujeito (resultante da universalidade do conhecimento), a ciência apresenta-se como possibilidade de ser assumida por todos. Mas, ao usar a técnica do discurso retomado (o original é o discurso que constrói o facto científico, proferido por e entre cientistas) não há simples reprodução mas um trabalho sobre o mesmo, com influência da instituição que o faz e dos jogos de poder subjacentes, “Não existe o grau zero da difusão”, como afirma Roqueplo (1974, citado por Schiele & Jacobi, 1988, p.26).

Perspectiva interdiscursiva da divulgação científica Por último, esta perspectiva situa o discurso da divulgação num continuum discursivo, o que implica entender a produção científica enquanto processo discursivo, onde coabitam diversos discursos de uma mesma fonte. Estes discursos complementam-se, tendo em vista a construção da credibilidade e da legitimidade da autoridade científica. Jacobi (1999, p.12) lembra que “é pela sua [dos investigadores] preocupação de nunca reduzir a divulgação a uma retórica autónoma independente 102


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do campo científico” que se deve perspectivar a mesma inserida numa teoria da comunicação da ciência. O discurso da divulgação científica situa-se então na continuidade do campo científico, mas explana ao mesmo tempo a interferência entre as funções cognitiva e social do discurso, “poderia dizer-se que o cognitivo segrega do social e o percurso do intertexto é um bom revelador dessa fusão entre esferas por vezes cuidadosamente distintas” (Schiele & Jacobi, 1988, 41) leia-se, noutros registos discursivos. Nas palavras de Jeanneret (1994), “Escrever ciência é ter um discurso que dialoga com outros discursos, é propor um olhar sintético sobre certos aspectos da prática científica. Sintético, não tanto por totalizar os saberes científicos, nem mesmo por aquilo que poderia revelar de essencial. Mas sintético ao organizar-se, abertamente, como um ponto de vista de um autor sobre a ciência, um ponto de vista a partir do qual a ciência pode ser vista. O divulgador não é, mais do que o cientista, capaz de dizer a verdade sobre a ciência, mesmo que a sua perspectiva seja mais global” (p.78). Todo o discurso é sempre a manifestação de um ponto de vista (ponto de perspectiva) sobre a ciência, que sabe até certo ponto e é ignorante para lá dele. Todo o discurso corresponde a um enfoque, corresponde então a uma simplificação da realidade.

Conclusão O presente artigo permitiu apresentar o debate sobre as modalidades de interacção postas em prática pelos modelos de comunicação pública da ciência, debate esse que se esgrime entre duas tendências, a primeira unilateral e com um intuito de disseminar informação científica (Bodmer, 1985), e a segunda multilateral e visando a negociação de significados, convocando as diferentes racionalidades em jogo, centrada no propósito interaccionista (Wynne, 1995; 1996). Assim, a um modelo, que é dominante, assente na existência de um défice cognitivo no receptor da informação disseminada contrapõe-se um outro, preocupado com a complementaridade dos saberes e com a possibilidade de colaboração entre produtores e receptores (do conhecimento científico). O modelo que superou o dominante vem então contrapor argumentos que questionam de forma essencial os pilares do primeiro, retirandolhes o seu carácter imperativo. Vem sobretudo pôr em evidência que a relação com a ciência não se restringe a aspectos cognitivos, que a inserção da ciência no social é alvo de negociação e que a aquisição de conhecimento científico por parte dos leigos não esgota a possibilidade de emergirem outros processos de racionalidade, igualmente legítimos. Como se compreenderá, o modelo de comunicação que esta perspectiva põe em prática é radicalmente diferente, na medida em que “este modelo do ‘défice’ [cognitivo] foi sendo abandonado para um outro que se aproxima de uma perspectiva de 103


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‘diálogo’” (Dickson, 2000, p.921). As perspectivas apresentadas – comunicacional, sociológica e interdiscursiva – atravessam o processo de questionamento aqui sugerido ao apresentar a superação de um modelo por outro pelo que evidenciam as implicações do processo de comunicar a ciência ao (grande) público.

Este texto corresponde a uma revisão de um capítulo da tese de doutoramento subordinada ao tema “A Responsabilidade Social na Comunicação da Ciência nos Laboratórios de Estado Portugueses” defendida a 4 de Dezembro de 2008. Agradecimentos: agradeço a constante orientação da investigação ao Professor Doutor Fernando Cascais bem como a leitura atenta de revisão da Professora Doutora Cláudia Andrade.

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Correspondência Joana Lobo Fernandes Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra joanaf@esec.pt

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Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo O objectivo deste artigo é contribuir para uma melhor compreensão da importância que a comunicação de marketing desempenha para uma marca de moda. Como tal, são exploradas as diferentes ferramentas e formatos que poderão ser usados para comunicar as ditas marcas e assim transmitir uma identidade e um posicionamento que potencie uma forte e distintiva imagem de marca. Palavras-chave Comunicação integrada de marketing (CIM), Endorsement, Mix da comunicação de marcas de moda, Publicidade, Promoções de vendas, Product placement, Relações públicas, Marketing directo, Merchandising

Abstract The aim is to contribute to a better understanding of the importance of the marketing communication to a fashion brand. As such, we will explore the different tools and formats that may be used to communicate the fashion brands and give an identity and a positioning that adds a strong and distinctive brand image. Key-words Integrated marketing communications (IMC), Endorsment, Marketing communication mix of fashion brands, Advertising, Sales promotion, Product placement, Public relations, Direct marketing, Merchandising

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Introdução O principal desafio das marcas é obter notoriedade, recordação, mudar percepções, reforçar atitudes e ou criar uma relação com os clientes. Kapferer (1991), defende que a marca adquire, através da acumulação das suas diferentes forma de comunicação, uma cultura, uma personalidade, um reflexo, daí Aaker & Joachimsthaler (2000) apelarem para a utilização de planos de comunicação e de construção da marca, responsáveis pela criação e implementação da identidade, através da publicidade ou patrocínio, e assim façam destacar a identidade que de outra forma possivelmente não o seria e forneça um estímulo que faça perdurar a marca ao longo do tempo.

1 A Comunicação de marketing Durante vários anos, e em particular em Portugal até final dos anos 80, as campanhas de comunicação das marcas estavam única e exclusivamente assentes na publicidade nos media tradicionais (Lindon et al.,2004). O uso de qualquer outra ferramenta, como o Marketing Directo e ou as Relações Públicas eram vistas de uma forma independente. Em certos casos, o próprio orçamento de comunicação estabelecia uma clara distinção entre as diferentes ferramentas comunicacionais e, por exemplo no caso das Relações Públicas a sua aplicação limitava-se a uma vertente claramente institucional em detrimento de uma comunicação-produto. Com o aumento da competitividade, das exigências do mercado, desperta a obrigatoriedade de uma coordenação de vários elementos comunicacionais e outras actividades de Marketing que comuniquem com os clientes e consumidores da empresa (Belch & Belch,1998). Por um lado, também o facto dos fabricantes das grandes marcas estarem submetidos a pressões crescentes dos distribuidores para canalizarem fundos para acções promocionais. E por outro, em períodos de crise económica, as empresas privilegiarem ferramentas com efeitos de curto prazo nas vendas (como é o caso das promoções de vendas) em detrimento da publicidade, com efeito a médio longo prazo, contribuiu para o decréscimo da Publicidade em detrimento de outras formas de comunicar (Lindon et al.,2004). Conforme defende Ruão (2006), a Comunicação de Marketing sofre assim uma grande evolução pois a visão anterior em que só a Publicidade ou as Relações Públicas tinham um efeito persuasor, estava claramente limitado e não demonstrava toda a abrangência de um processo comunicativo empresa-mercado, em que tudo que possa ser emitido com referência à empresa ou marcas é vinculativo na criação da imagem. Nos finais da década de 1990, a substituição de “promoção” por “comunicação” para designar todo o composto, é determinante no assumir da bidireccionalidade de todo 108


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o processo comunicativo, não só com o envio de estímulos para o mercado como com a recepção de feed-back dos consumidores, dos seus próprios desejos e necessidades. Com a evolução do conceito, Comunicação de Marketing passa a ser o meio pelo qual as empresas procuram informar, persuadir e recordar aos consumidores, directa ou indirectamente o que comercializam. Representa a voz da marca, e estabelece um diálogo e constrói relacionamento com os consumidores. Também colabora com os consumidores, permitindo-lhes que conheçam e vejam como, quando, onde e por quem o produto é usado, e ainda receber um incentivo ou recompensa pelo uso. As percepções que os consumidores têm de uma marca são uma síntese do conjunto de mensagens que recebem ou que contactam, tal como os anúncios de media, preço, design do produto, marketing directo, promoções de venda, assessoria de imprensa, mensagens na Internet, material de ponto de venda e o próprio tipo de loja onde o produto é vendido (Schultz, 1993, citado por Belch & Belch, 1998). Deste modo, contribui-se assim para a definição da posição da insígnia na memória do consumidor e a criação de uma imagem de marca (Kotler & Keller,2005).

1.1 A evolução para a comunicação integrada de marketing (CIM) Ao emergir como um elemento estratégico, a Comunicação passa a ser fundamental para a transmissão da personalidade e a criação da imagem de marca. Como tal, as empresas passam a comunicar através de um processo de comunicação integrada, que envolve a coordenação de vários elementos comunicacionais e outras actividades de marketing que comuniquem com os clientes e consumidores (Belch & Belch,1998). Surge assim o conceito de Comunicação Integrada de Marketing, CIM (ver Figura 1), “ um conceito de planeamento de Comunicação de Marketing que reconhece a importância estratégica da variedade das disciplinas da Comunicação, caso da Publicidade, Promoções de Vendas, Relações Públicas, e a combinação das mesmas para assim assegurar com clareza e consistência um forte impacto na Comunicação” (American Association of Advertising Agencies, 1999).

Fonte: Belch & Belch (1998) Figura 1: Mix de Comunicação

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Para Shimp (2002) esta definição sugere cinco principais características: (1) A afectação do comportamento do consumidor, fazendo com que conheça a marca e os seus benefícios, para posteriormente ser influenciado, ter uma atitude e levá-lo à acção; (2) Conhecer o cliente ou potencial cliente, ao perceber quais as formas que melhor atendem as necessidades do cliente e o motivam a comprar a marca; (3) Usar todas as formas de contacto, os veículos da mensagem ou meios de comunicação, de forma a alcançar os clientes desejados e de apresentar a marca duma forma favorável; (4) gerar sinergia, através da coordenação das diferentes ferramentas de comunicação para atingir uma imagem de marca forte e levar os consumidores à acção; (5) construir relacionamentos, pois um processo de CIM bem sucedido exige a construção de um relacionamento duradouro entre a marca e o cliente. Para o autor e em consequência destas características, a comunicação das marcas ao adoptar o processo de CIM, necessita de adoptar algumas mudanças fundamentais: (a) Diminuição da crença da publicidade tradicional nos meios de comunicação de massa, pois para contactar os consumidores nem sempre esta é a forma mais eficaz ou financeiramente eficiente; (b) aumento da confiança nos métodos de comunicação dirigidos, pois poderão ser mais precisos que a vulgar publicidade em meios de massa; (c) oferta de serviços mais alargados dos fornecedores de comunicação de marketing; (d) aumento dos esforços para avaliar o retorno dos investimentos de comunicação, através de análises sistemáticas que determinem se os esforços de comunicação vão ao encontro do objectivo inicial. A estes considerações, Belch & Belch (1998), acrescentam ainda outros pressupostos que poderão originar a que as marcas comuniquem através de uma comunicação integrada: -- Escalada de guerra de preços, faz com que acções e orçamentos promocionais, particularmente no ponto de venda, conquistem terreno à publicidade. -- Fragmentação dos meios obriga a acções alternativas para atingir o público desejado. -- Retalhistas tradicionais são substituídos por as grandes cadeias/Marcas nacionais e internacionais, que por sua vez combinam as diversas ferramentas de Marketing com tecnologias de informação. -- Crescimento e desenvolvimento das bases de dados, com uma definição mais pormenorizada de consumidores, originando uma oferta mais direccionada segundo as preferências de consumo e à aplicação de acções mais dirigidas através de por exemplo, marketing directo. -- Alterações nas práticas de compra de espaços de media (mais intervenientes, menores comissões).

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1.2 A importância da Comunicação na gestão das marcas de moda A criação e a manutenção da identidade e do valor da marca pressupõem marcas com notoriedade e associações únicas, fortes e favoráveis, com a CIM a desempenhar um papel fundamental no atingir deste objectivo (Belch & Belch, 1998). Apesar disso, muitas empresas do sector utilizem a estratégia da «não comunicação», mesmo que necessitem de enviar mensagens para o mercado sobre os seus produtos (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). Citando Colbert e Cuadrado (2003), os autores relembram a importância estratégica da comunicação para as marcas de moda: -- Informar os consumidores da existência do produto e das suas características objectivas. -- Persuadir: Etapa essencial na moda, pois é quando entram em jogo o recurso à motivação e as estratégias de sedução tão características do sector. Convém não esquecer que o objectivo final de todas as empresas é vender os seus produtos, sendo a comunicação um elemento chave para estimular a procura. -- Educar: Proporcionar formaformatos para que os consumidores saibam avaliar e analisar a natureza do produto e os seus objectivos. -- A estes, poderá ser acrescentado um quarto que é a própria recordação. Há muitas marcas que o consumidor já conhece e cujos produtos consome. A comunicação é necessária nestes casos para que o consumidor reafirme as suas atitudes face à marca e mantenha a imagem na sua mente, não deixando que esse mesmo espaço seja invadido por marcas concorrentes. A persuasão é claramente o elemento mais perseguido pelas empresas de moda de forma a poderem diferenciar-se da concorrência, convencendo os potenciais consumidores das diferentes vantagens que lhes proporcionará o produto e o universo que os rodeia. No sector e para poder surtir o efeito devido, a comunicação deve ter em conta os sujeitos que influenciam a decisão de compra: o pioneiro, o influente, o decisor, o comprador e o usuário, podendo cada uma destas funções coincidir com uma única pessoa (casos da moda infantil, onde o comprador e o decisor são os pais).

1.3 O Mix de comunicação adaptado às marcas de moda - Publicidade Qualquer forma paga de comunicação não pessoal de uma organização, ideias, produto ou serviço por um anunciante identificado. Paga pelo facto de pressupor a compra de espaço ou tempo da mensagem e não pessoal pois envolve a vinculação 111


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da mensagem através dos meios a um elevado número de indivíduos e ao mesmo tempo. Na maior parte dos casos sem oportunidade para um feed-back imediato da mensagem, deve haver uma avaliação prévia de como a audiência irá interpretar e responder (Belch & Belch, 1998, p.14). Podem ser apontados vários motivos para explicar as razões pelas quais a publicidade continua a ser uma parte importante do mix promocional. Desde logo, o facto de poder ser visto por muitas pessoas em simultâneo, ao qual se poderão juntar: (a) o poder na criação de imagem da marca e apelos simbólicos e criativos à marca, especialmente importante em produtos com dificuldade em serem diferenciados pelos seus atributos funcionais; (b) Embora o principal enfoque seja a criação de uma imagem de longo prazo, poderá captar de imediato a atenção do consumidor e como tal ajudar nas vendas; (c) ao ser usada como o mote principal de toda a campanha de comunicação, poderá ser o suporte de todas as outras peças de comunicação, como o merchandising ou material de ponto de venda (Belch & Belch, 1998, pp. 15-17). Keller & Machado (2005), corroboram deste ponto de vista ao defenderem que a publicidade desempenha um papel importante na construção do valor da marca, pois é reconhecidamente um meio privilegiado para criar associações à marca e, embora os efeitos sejam difíceis de quantificar ou prever, vários estudos desenvolvidos ao longo do tempo demonstram o seu poder para influenciar vendas. No que diz respeito à comunicação das marcas de moda, a publicidade é a ferramenta de comunicação que impera no sector (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006), principalmente com a vinculação da mensagem nos canais convencionais para assim conseguir cobrir a maior parte dddda audiência, obter uma grande visibilidade e a recordação da marca (Diaz Soloaga, 2007,p.116). Embora exista a possibilidade de comunicarem em diferentes meios e suportes e várias marcas o fazerem, a preferência tende claramente para a publicidade exterior1 e para a imprensa escrita, pois assim consegue-se aceder a um elevado número de consumidores (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). As causas para tal decisão serão no primeiro caso, o facto de apresentarem uma imagem com impacto na rua (onde se realizam compras) e como tal aumentando a possibilidade dos consumidores elegerem a marca no ponto de venda (Diaz Soloaga, 2007). No segundo caso e pelas suas características singulares, as revistas femininas, os suplementos dos jornais diários e semanais2 e as revistas gratuitas3 dirigidas aos jovens são uma das mais utilizadas (Diaz Soloaga, 2007). Nas revistas dirigidas ao público feminino, Easey (1995) destaca o papel da revista Vogue à escala mundial, considerada a bíblia do estilo, pois o leitor representa um estilo consciente, gosta de um estilo de vida afluente, activo, jantando fora, com actividades culturais, férias frequentes e, naturalmente, fazendo compras em lojas de prestígio (p. 173). 112


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Ainda que o anúncio em meios impressos seja o formato mais comum da publicidade de moda, nos últimos anos assiste-se a uma perda de eficácia por saturação. Anunciantes e publicitários estão a recorrer a novos suportes e estratégias para captar a atenção de um consumidor que não quer perder tempo, que está informado e que quer que o surpreendam de forma continua. Estes novos formatos publicitários lutam pela eficácia num mercado em que os consumidores recebem milhares de estímulos diários, provocando uma certa fuga da publicidade (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). Sem fazerem uma relação directa com este facto, os autores apresentam o caso de certas empresas que optam por não efectuar qualquer tipo de publicidade. O exemplo mais flagrante é a Zara que só o faz e de uma forma informativa aquando dos saldos, recorrendo durante o resto do ano a catálogos, a elementos apelativos na interior (escaparates e decoração) e a imagens de moda que coloca no exterior da loja, permitindo uma comunicação boca a boca4.

- Promoções de venda Geralmente definidas como acontecimentos de Marketing focalizados na acção, cujo propósito é produzir um impacto directo no comportamento dos clientes das firmas (Blattberg & Neslin, 1990, citados por Weitz & Wensley 2004), e que também trazem um valor extra e/ou incentivo à força de vendas ou ao distribuidor (Belch & Belch, 1998). Conforme fica subentendido na própria definição e na perspectiva destes últimos autores, o uso desta ferramenta permite que o processo de vendas seja acelerado, maximizado o volume de vendas, motivando os consumidores a adquirirem uma quantidade superior da marca e encurtando o ciclo de compra do comércio e/ou estimulando os consumidores a comprarem imediatamente uma colecção. No entanto, Martinez Caballero & Vásquez Casco (2006), alertam para o facto de ao permitirem uma reacção dos consumidores a curto prazo, as promoções de vendas não deverem ser uma estratégia que se esgote em si mesma mas sim que permita estabelecimento de uma relação de continuidade com o consumidor. De facto, e enquadrando tais realidades no sector, confirmam-se todos os pressupostos enunciados pelos autores, por um lado com a instituição clara de uma época de descontos5 e por outro com as empresas a usarem a técnica de forma a venderem parte da colecção e obtendo espaço para nova mercadoria/colecção (Easey,1995). É corrente fazer a associação ao sector de uma tipologia de desconto, os saldos6 (Easey,1995) parte integrante da própria cultura ocidental consumista (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006), à qual se acrescentaram mais recentemente, as reduções de preço e os cupões de desconto. 113


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Por sua vez, os descontos mediante cartão ou cupão realizam-se através de campanhas mediáticas e necessitam do apoio dos distribuidores, aqueles que aceitam o vale e descontam a quantidade de dinheiro no produto (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). Já as amostras e para estas mesmos autores citando Kotler & Armstrong (1993), são ofertas de uma quantidade à prova de um produto, em alguns casos são gratuitas e noutros há que pagar um preço para compensar o investimento da empresa. Também em certas ocasiões, os criadores de moda com prestígio concebem um produto único com intenção comercial para assim ser oferecido ou comercializado com uma dada publicação, como foi o caso do faqueiro Silver criado por Fátima Lopes e comercializado pela revista Caras7.

- Relações Públicas As Relações Públicas são outra das ferramentas de comunicação utilizada pelas marcas de moda, e a par da Publicidade, uma das referências do mix de comunicação no sector (Martinez Caballero & Vásquez Casco,2006). Easey (1995), considera-as o método mais efectivo para as marcas de moda comunicarem. Para Belch & Belch (1998,p.23) citando Canfield & Frazier Moore (1977), podem-se considerar uma função de gestão que avalia as atitudes do público, identifica as políticas e os procedimentos de um indivíduo ou de uma organização para com o respectivo público-alvo, e planeiam e executam um programa de acção para ganhar a compreensão e aceitação do dito público. Assim, o objectivo passa a não ser a venda do produto, mas sim estabelecer e manter uma imagem positiva da organização junto dos seus diferentes públicos; (b) dirigir e conduzir de forma sistemática e profissional as actividades de empresa que sirvam para comunicar eficazmente à opinião pública o que faz, como e para que o faz; (c) servir para determinar o grau de satisfação do público que serve e para poder adequar, consequentemente, às suas exigências e satisfazer as suas legitimas expectativas. Daí, a moda em geral e as marcas de luxo acessível em particular deverem aplicar esta mesma ferramenta, sabendo como, quando e qual o momento oportuno para persuadir o público com informação adequada e difundi-la estrategicamente através dos meios adequados a todos os indivíduos, sociedade e opinião pública em particular, e de modo amplo e suficiente em prol do seu cliente (Martinez Caballero & Vásquez Casco (2006). Prosseguindo na perspectiva destes autores e embora defendendo que os formatos assumidos pelas Relações Publicas nas marcas de moda são variados, a principal acção no sector é a Publicity, uma comunicação não pessoal da organização 114


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ou produto que não é directamente paga ou tem a identificação do patrocinador. Geralmente surge na forma de notícia, editorial ou anúncio. A organização tenta que os media façam a cobertura duma história favorável ou produto, causa ou evento para assim conseguir consciência, conhecimento, opiniões e comportamento, utiliza para isso técnicas como comunicados e conferências de imprensa, produções fotográficas e de vídeo e artigos escritos (Belch & Belch,1998). Esta opção é especialmente importante para as marcas de moda pois ao proporem-se a chegar ao público-alvo, devem perceber que o consumo de moda é determinado em grande medida pela actividade desenvolvida pelos meios de comunicação (Diaz Soloaga, 2007).

Com a crise da publicidade tradicional, esta forma de comunicar assumiu um papel relevante ao estar o mais perto possível do comprador através dos conteúdos elaborados pelos jornalistas. Aos olhos do público a informação jornalística é considerada mais credível que a publicitária, com o receptor a considerar que há uma maior veracidade nas informações transmitidas por um jornalista pois pressupõe que não existam interesses comerciais, ao contrário do publicitário que defende os interesses de quem anuncia. Certo é que a audiência ignora por completo os interesses e relações comerciais, compromissos e acordos que todos os grupos editoriais, produtoras ou cadeias de TV e emissoras de rádio têm com o mundo empresarial. É habitual que uma qualquer marca faça um acordo de investimento publicitário no meio, e decorrente disso exija a presença noutros conteúdos editorais desse mesmo suporte, caso das páginas de shopping8 ou mesmo ao vestir o jornalista em reportagens (Diaz Soloaga, 2007).

Para esta mesma autora a Publicity pode assumir várias tipologias: (1) Quando a marca aparece nas reportagens de moda e o modelo é vestido com roupa e ou acessórios dessa mesma marca e é citada junta à foto, ou em situações em que os entrevistados vestem as roupas e acessórios da marca. (2) Quando as personagens que vinculam a marca aparecem nos meios numa qualquer situação da sua vida social ou profissional. Para Martinez Caballero & Vásquez Casco (2006), estas pessoas como líderes de opinião9, tem influência sobre sectores sociais que interessam à empresa e funcionam como um veículo poderoso para comunicar as vantagens do produto. A presença em eventos, desfiles ou estreias cinematográficas desenvolvem estas acções pois têm reflexos nos meios e como tal desenvolvem um papel importante na divulgação da marca. (3) Quando os jornalistas escrevem de uma forma espontânea sobre a marca, resultante da assistência a uma entrevista ou um qualquer evento especial. 115


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- Endorsement10 O patrocínio a celebridades é uma forma particularmente forte de comunicar e que começa a ser cada vez mais usado pelas empresas do sector. Ao ligar a marca a uma pessoa conhecida, admirada e que se destaca socialmente, a marca pode obter benefícios e tornar-se mais credível (Easey,1995). Para Diaz Soloaga (2007), independentemente do objectivo de comunicação, conseguir-se-á uma maior cobertura mediática com a presença de uma celebridade. Ao convidar ou contratar essas pessoas e informar os jornalistas acerca da sua presença, é possível de atrair a atenção dos meios.

- Product placement Uma das formas que mais tem aumentado é a vinculação dos produtos em filmes, séries ou programas de televisão. Através deste formato Belch & Belch (1998) destacam um conjunto de benefícios que as marcas poderão obter. Começando por: (a) contornar a habilidade demonstrada pelos consumidores em evitar o visionamento de anúncios comerciais, expondo o produto quer em salas de cinema quer mais tarde no mercado de aluguer de vídeo. (b) Também ao estarem vinculadas por exemplo, em séries televisivas, tem uma ampla oportunidade de exposições repetidas. (c) Muitas das vezes são o suporte de outras ferramentas ao comunicarem esta mesma vinculação. (d) Para além de aumentarem a notoriedade e relembrarem a marca, permitindo associações favoráveis ao produto. (e) O custo baixo face à elevada vinculação que tem. Focalizando-nos mais uma vez no caso das marcas de moda, Martinez Caballero & Vásquez Casco (2006), citam um conjunto de exemplos: o filme “A Ilha” (The Island, Michael Bay,2005), com os protagonistas a usarem roupa Puma e a Calvin Klein a fazer parte da paisagem urbana; O filme “Casino Royal”, em que James Bond surge na praia com calções de banho da marca La Perla; o filme “Maria Antonieta” (Sofia Coppola,2006), em que surgem umas sapatilhas All Star Converse, ou o caso mais recente do filme “Transformers” (Michael Bay, 2007), considerado um dos maiores casos de product placement no cinema, e onde são mencionadas marcas de moda como Dickies, Fila, Nike ou G-Star Raw11. Em qualquer uma destas situações, as empresas ou marcas poderão ter decidido o grau de uso que os actores ou apresentadores dariam ao produto, bem como determinar a inclusão (ou não) do logótipo e/ou o nome no fundo do programa ou se as personagens vão usar de forma activa o produto (Martinez Caballero & Vásquez Casco (2006), p.278). 116


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- Marketing Directo É um método de marketing baseado nos registos individuais do consumidor mantidos numa base de dados, sendo este o fundamento duma análise, planeamento e implementação dos programas de marketing e respectivo controlo (Tapp, 2005). Com o uso das bases de dados, a maior focalização nas especificidades do cliente ou a criação e a potenciação duma relação e a posterior oferta personalizada, há uma maior aproximação ao Marketing Relacional12. Esta proximidade é sustentada claramente com a preocupação das marcas de moda em potenciar programas de fidelização, principalmente através dos cartões de fidelização que permitem perceber o que o consumidor valoriza, para posterior oferta de produtos ou serviços, através duma comunicação personalizada. Retomando o enfoque comunicacional, destacaríamos como vantagens da utilização do Marketing Directo, a possibilidade de permitir uma conjugação de factores que poderão ir desde a selecção do grupo alvo e a possibilidade de o atingir com precisão, de ter como objectivo a obtenção de respostas concretas e imediatas e a respectiva mensurabilidade ou da personalização da mensagem, à própria comunicação interactiva (especialmente importante quando o publico alvo são os jovens) e ao estabelecimento de relações directas e continuadas entre a marca ou empresa e os consumidores reais ou potenciais.

Para a comunicação de marcas de moda os formatos habitualmente mais utilizados são: (1) correio directo, que consiste no envio personalizado por correio de uma carta, folheto, catálogo a um grupo de pessoas cujos contactos estão na base de dados (Brochand et al.,1999); (2) A Publicidade de resposta directa, anúncio através do qual o produto é promovido de forma a estimular o consumidor a comprar directamente do produtor; (3) correio electrónico e ou sms, com a utilização do e-mail e/ou do telefone móvel com enfoque comercial e como canal de comunicação com cliente actual e/ou potencial (Belch & Belch,1998).

- Internet As infinitas possibilidades que as novas tecnologias permitem, em particular a Internet e o correio electrónico, provocaram um conjunto de alterações nas ferramentas clássicas da comunicação (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006,p.312). Ao tornarem-se cada vez mais criativos, os sites13 servem para promover a imagem da marca, segmentar, oferecer promoções, comunicar, disponibilizar informação detalhada e permitir a venda de produtos/serviços (Belch & Belch,1998). O próprio consumidor ao decidir se quer (ou não) receber uma newsletter, clicar 117


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num banner14 com publicidade ou aceder o site dessa mesma marca, acabam por modificar a forma como as marcas vinculam mensagens e correspondentemente todo o mix comunicacional (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). Como tal Belch & Belch (1998) defendem que a Internet faz parte dum programa de Comunicação Integrada pois combina todas as ferramentas de comunicação: (1) É um meio de Relações Públicas quando disponibiliza noticias da marca, informação institucional e/ou de intervenção social, relatórios anuais ou mesmo quando desenvolve relações positivas via e-mail. Esta, é uma ferramenta que alterou as formas de contacto e os meios, pois por correio electrónico podem ser enviados convocatórias e comunicados à imprensa (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). (2) É um meio de Publicidade, como qualquer outro meio tradicional (televisão, imprensa, rádio) combina formas, desde o banner (a forma mais utilizada); a PopUps (pequenas janelas que aparecem aquando do acesso a determinados sites); a Pop-Unders (diferem das anteriores por aparecerem quando se deixa determinado site); a Tecnologias Push (“personificação” do site com determinada informação que interesse ao ser procurada e ainda colocação de anúncios relacionados com o que está a ser objecto de procura); a links (ligações); a newsletter, em que a maioria das marcas de moda disponibilizam no site um campo para os interessados deixarem o contacto de e-mail para posterior envio de informação; a microsites, pequenos sites dedicados à promoção de um evento ou produto com uma duração temporária (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). (3) É um meio de Promoções de Vendas, com ofertas especiais e exclusivas do site. (4) É um meio que apoia e suporta a Venda Pessoal.

- Venda pessoal São o conjunto de pessoas pertencentes ou vinculadas à marca e que se ocupam de todas as tarefas relacionadas com a venda fabricados ou distribuídos pela empresa (Ortega, 1997, p.515, citado por Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006, p. 288). A perspectiva de Belch & Belch (1998) em que, a venda pessoal é considerada uma ferramenta de comunicação pois envolve vender através de um processo de comunicação pessoal, está bastante presente no sector do vestuário pois a relação pessoal desenvolvida pelos vendedores da loja com os clientes por vezes é um elo essencial no processo da moda (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). A função de quem desempenha uma venda pessoal é informar das características dos produtos e marcas bem como transmitir a imagem e a filosofia da empresa e criar uma atitude favorável nos clientes face à marca. Consoante o tipo de negócios, uma cadeia de lojas, uma grande armazém ou uma boutique, o vendedor terá uma 118


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formação e função diferente. Em alguns casos é alguém que se limita a estar por trás da caixa e que fecha a transacção, noutros têm uma importante faceta de assessor. Ao contrário de outros sectores, em que a função informativa do vendedor é fundamental, no sector da moda é mais importante para transmitir o valor simbólico do produto. Exemplificando, um qualquer cliente que queira comprar uma peça de vestuário não necessita de excessivas explicações sobre o uso e conservação mas sim um aconselhamento, com reforços positivos, transmitindo-lhe confiança e credibilidade. A venda pessoal é uma ferramenta de grande eficácia, sobretudo no sector do luxo, em que a personalização da mensagem é uma necessidade neste nicho do mercado, e o contacto é o veículo ideal para a transmissão dessa mensagem (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006, p.289) Os autores citam o exemplo da ZARA e a importância que a empresa atribui ao colaborador na criação da imagem da mesma, realidade comprovada na consulta ao portal de emprego do grupo15, em que num dos anúncios publicados para empregado de loja é dito: “…tens a oportunidade de te antecipar, de conhecer o que há de mais novo, de te rodear do estilo mais internacional, com colecções que mudam continuamente. Contagia os nossos clientes com a tua paixão. Na Inditex, farás da moda a tua forma de vida. Agrada-nos que tenhas experiência, mas sobretudo apreciamos o teu interesse pela moda e a tua vontade de vivê-la em directo. Inicia connosco uma carreira repleta de possibilidades, integrando-te numa equipa com os melhores profissionais. Crescerás aprendendo. Chegarás tão longe quanto quiseres”. Ainda na perspectiva dos mesmos autores, actualmente a venda para as empresas de moda experimenta duas tendências opostas: a industrialização e a personalização. Se por um lado, se utilizam cada vez mais novas tecnologias para criar uma ambiente nas lojas, para identificar o produto, para realizar a cobrança e gerir o stock e também para fazer compras on-line, eliminando todo o contacto pessoal no processo de compra. Surge por oposição a personalização com diferentes processos. Em virtude do dinamismo do sector por vezes é difícil que o consumidor esteja a par de todas as tendências e em certas ocasiões sente-se perdido na hora de decidir o que comprar e como combinar a roupa de acordo com o seu estilo sem renunciar à moda. Segundo este ponto de vista, há um grande potencial para os vendedores, que se podem converter nos assessores de estilo dos seus clientes e conseguir que estes realizem um gasto maior, incrementando a sua satisfação e potenciando a fidelidade. Relacionada com esta oportunidade, em Portugal e conforme a tendência internacional, desenvolveu-se o conceito de personal shooper, isto é, alguém contratado para comprar para determinada pessoa, com maior incidência no sector da moda e em especial no segmento feminino (McBride et al, 2004) ou em compras para ocasiões especiais (Easey,1995).

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- Merchandising Para Diamond & Diamond (2004, p.5), o merchandising16 é apresentação da loja e da mercadoria de forma a atrair a atenção dos potenciais consumidores e motivá-los a fazerem uma escolha, servindo muitas das vezes para comunicar a marca e diferenciá-la da concorrência (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). A razão pelo qual se deve incluir no mix promocional é sustentado pela perspectiva da Associação de Marketing Americana (AMA) para o qual esta ferramenta não é mais do que a planificação e o controlo necessários para a comercialização de bens e serviços, nos lugares e nos momentos, nos preços e nas quantidades susceptíveis de facilitar a consecução dos objectivos de Marketing da empresa. Como tal, Vazquez Casielles et al.(2006) consideram que o merchandising pode assumir dois distintos formatos. Quando o propósito é determinar a disposição interna ou traçado da loja para optimizar a circulação dos consumidores e destacar ou assinalar um qualquer produto e subsequentemente activar as suas vendas no momento, é o merchandising de apresentação. Mas se envolver decisões que tornem o espaço atractivo, agradável e passível de transmitir entusiasmo, levando à repetição da visita, contribuindo para a fidelização e maximização das vendas, é o merchandising de sedução. Aplicando uma vez mais no sector e fundamentando-nos na perspectiva de Diamond & Diamond (2004), facilmente reconhecemos que amiúde se aplica a lógica da sedução, daí os autores sugerirem a gestão de um conjunto de componentes que combinem: a) Design da loja. Embora não haja um design tipo, pois envolve um trabalho de uma equipa multidisciplinar, entre outros arquitectos, designers e visual merchandisers, deve ter como propósito a criação dum ambiente original, único, funcional e amplo, onde o consumidor circule livremente e visualize claramente o produto. Nos grandes armazéns (department stores), há uma tendência crescente para a criação de pequenas lojas das marcas na própria loja, com a criação de um ambiente e utilização de material comunicacional específico dessa mesma marca. Em alguns casos pode tornar-se um espaço de socialização (meeting point) e de experiência com a própria marca, como será o caso das lojas da NIKE -NIKETOWN, o que obriga à oferta de serviços associados como uma cafetaria ou restaurante.

b) Montras A montra é um elemento muito poderoso e um grande suporte de comunicação, uma vez que não se limita a actuar quando a loja está aberta ou sobre quem entra. O seu objectivo é transmitir um conceito, um estilo de vida, para que o consumidor 120


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se sente atraído e entre, exercendo como tal um papel mediador entre os bens e os consumidores, entre a fantasia da loja e a realidade da rua (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). c) Manequins A par das montras é o elemento mais associado à decoração dum espaço comercial do sector. Podem assumir diferentes formas, desde as humanas (tradicionais e sofisticadas), armações, estilizadas, futuristas, étnicas entre outras. d) Materiais e suportes A lista de materiais e suportes utilizados na decoração do espaço comerciais são de uma enorme variedade, desde pedras, a árvores, bicicletas, cadeiras ou ambientes temáticos, há uma infinidade de elementos que ajudam na decoração das lojas, vejase o caso da cadeia de lojas londrina Topshop colocou sobre os muros das suas lojas silhuetas de insectos que, conjuntamente com uma bicicleta velha exposta na loja, recriam um ambiente vintage. e) Iluminação A iluminação, forte e não intensa, geral ou focada em determinado produto ou ponto da loja, também é um elemento a que as marcas recorrem de forma a dotar o espaço comercial dos efeitos pretendidos. Em alguns casos também pode ser adaptada ao estilo, personalidade, identidade e público-alvo da marca. f) Material de ponto de venda A utilização de displays, cartazes, painéis e sinalética ou expositores específicos (mais recentemente combinando elementos de media e/ou interactivo) também podem contribuir para a compra, nomeadamente através da organização do espaço e da clara identificação do produto ou categoria. g) Outros elementos A música ambiente, adaptada ao posicionamento e consumidores da marca e com intuito de minorar o ruído ou animar o ponto de venda, os aromas e as fragrâncias também são suportes a considerar.

- Os outros formatos de comunicação Dada a importância que desempenham para muitas marcas de moda, Diaz Soloaga (2007), destaca outros formatos de comunicação utilizados no sector, os catálogos, os desfiles de moda e o showroom. Este último é o local onde se exibe 121


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a colecção para que clientes (principalmente), criadores de moda e jornalistas (na tentativa de obter uma reportagem futura) possam contactar com ela. Aos desfiles de moda acodem os jornalistas responsáveis da secção de moda dos diferentes meios assim como jornalistas que trabalham em agências de notícias e que posteriormente vendem imagens e informação aos meios que não puderam assistir por falta de recursos humanos (Diaz Soloaga , 2007, p.120). Em função do género utilizado pelo jornalista, telejornal, programa social, crónica, ou reportagens de moda, os conteúdos têm um tratamento particular. Exemplificando, por hábito alguns telejornais costumam fechar as suas edições com notícias culturais de cinema, música, teatro ou outra expressão artística. Quando a noticia se refere a moda, possivelmente o jornalista transmitirá as propostas do criador ou da marca. No caso dos programas sociais é normal incluir entrevistas a famosos (patrocinados por marcas), reportagens sobre eventos e tendências de moda ou causas sociais e onde a marca é vinculada. Na perspectiva deste autor, curioso é verificar que cada vez mais é frequente nos meios audiovisuais o interesse em questões de moda. A reportagem audiovisual converteu-se numa oportunidade alternativa para a marca obter uma presença na televisão. Por fim o catálogo, peça que em muitos casos é o principal formato de comunicação das marcas do sector. Por norma é um elemento táctico, com duração temporária, que muda de colecção para colecção, e que transmite a imagem que a marca pretende obter. É um documento bastante rico em termos de informação pois vincula desde o tipo de produto e as diferentes variações, ao estilo fotográfico, à própria ideia conceptual. Muitas vezes combina estas diferentes variáveis, ao incluir uma fotografia com um texto argumentativo que explica os ambientes ou estilos em que a peça possa ser usada, caso de roupa mais informal para os fins-de-semana ou férias. Certas marcas utilizam o catálogo como parte integrante da sua estratégia de marketing relacional, enviando-o através de uma acção de correio directo. Ultimamente muitas têm sido as marcas que têm procurado formas alternativas de forma a transmitirem a identidade da marca e a obterem uma forte imagem de marca. Martinez Caballero & Vásquez Casco (2006) destacam para tal a importância do buzz marketing e o marketing de guerrilha. O primeiro conceito não é mais do que uma estratégia de comunicação que encoraja indivíduos a transmitirem a mensagem directamente, boca-a-boca, a outros indivíduos, não utilizando os meios tradicionais (Hughes,2005). Segundo a perspectiva deste autor, a estratégia pressupõem que sejam utilizados grupos de referência, vizinhos, colegas de trabalho, familiares ou muitas das vezes celebridades, para atrair atenção para a marca e para a dotarem de credibilidade. Dada a presença das tecnologias de informação nos hábitos de 122


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consumo actuais e do uso generalizado do e-mail, sites na Internet, blogs ou chats, a mensagem boca-a-boca está a transmitir-se com uma rapidez como nunca antes tinha sido. Também marcas do sector começam a optar pelo buzzmarketing, “a Reebok lançou uma linha de roupa e acessórios desportivos desenhados pela actriz Scarlett Johansson, e para a dar a conhecer desenvolveu uma parceria com a Glam Media, empresa especializada em conteúdos referentes a estilos de vida, desenvolvendo uma campanha de marketing dirigida a mulheres jovens que tinha desde o tradicional banner a acções menos tradicionais, como um questionário interactivo sobre a actriz e menções em blogues. Os banners estão, além do site da Glam, numa rede de 300 blogues, sites e revistas de temáticas similares. Em Março de 2007 a Glam Media teve dez milhões de visitantes únicos, convertendo-se na segunda maior comunidade dos Estados Unidos dirigida a mulheres” (Meios e Publicidade,2007). Relacionado em grande parte com técnicas de buzz marketing, o marketing de guerrilha também aposta em técnicas publicitárias pouco convencionais e que utiliza poucos recursos de tempo e dinheiro (Levinson,1984). Se inicialmente o conceito era aplicado por empresas pequenas que não tinham o orçamento dos líderes de mercado do seu ramo de negócio, actualmente, devido à generalizada descrença do consumidor no marketing tradicional, cada vez mais empresas líderes de mercado, que naturalmente dispõem de orçamentos mais altos, recorrem a este tipo de marketing.

Bibliografia Arnheim, R. (1971). Art and visual perception. Berkeley: University of California Press. Aaker, D. A., & Joachimsthaler, E (2000). Brand leadership. New York: The Free Press. Belch, G. & Michael (1998). Advertising and promotion: an integrated marketing communications perspective. Boston: McGraw Hill. Brochand, B., Lendrevie, J., Rodrigues, J. V., & Dionísio, P. (1999). Publicitor. Lisboa: Publicações D. Quixote. Cazeneuve, J. (1976). Guia alfabético de comunicação de massas. Lisboa: Edições 70. Diamond, J., & Diamond, E. (2004). Contemporary visual merchandising environmental design (3rd Ed.). New Jersey: Pearson Prentice Hall. Diaz Soloaga, P. (2007). Como gestionar marcas de moda, el valor de la comunicación. Madrid: Cie Dossat INTERBRAND. Easey, M. (1995). Fashion marketing (2nd Ed.). Oxford: Blackwell Publishing. 123


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Grönroos, C. (1994). Marketing y gestión de servicios. Madrid: Ediciones Díaz de Santos. Hines, T., & Bruce, M. (2001). Fashion marketing, contemporary issues. Oxford: Elsevier Butterworth- Heinemann. Hughes, M. (2005). Buzzmarketing: get people to talk about your stuff. Philadelphia: Portfolio. Kapferer, J.N. (1991). Gestão de marcas - capital de empresa. Lisboa: Edições CETOP. Kotler, P., & Keller, K. L. (2006). Administração de marketing (12ª Ed.). São Paulo: Prentice Hall Brasil. Levinson, J. C. (2005). What is guerrilla marketing? Consultado em Abril de 2008, htpp://www.gmarketing.com Lindon, D., Lendrevie, J., LEVY, J., Dionisio, P., & Rodrigues, J. V. (2004). MERCATOR XXI, teoria e prática do marketing. Lisboa: Publicações D. Quixote. Martinez Caballero, E., & Vásquez Casco, A. I. (2006). Marketing de la moda. Madrid: Ediciones Piramide. Mcbride, L. H., Gallanis, P. J., & Goulet, T. (2004). FabJob guide to become a personal shopper. Calgary: Fabjob. Meios e Publicidade (2007). Reebok usa buzz marketing para promover colecção desenhada por Scarlett Johansson. Consultado em abril de 2008, http://www. meiosepublicidade.pt Ruão, T. (2006). Marcas e identidades: guia da concepção e gestão das marcas comerciais. Porto: Campo das Letras. Shimp, T. (2002). Propaganda e promoção: aspectos complementares da comunicação integrada de marketing (5ª Ed.). Porto Alegre: Editora Bookman. Tapp, A. (2005). Principles of direct and database marketing. New Jersey: Pearson Prentice Hall. Weitz, B. A., & Wensley, R. (2004). Handbook of marketing. Thousand Oaks: Sage Publications.

Notas 1 O Mobiliário Urbano (abrigos, Mupi® -Mobiliário Urbano para informação-, colunas multiserviços) o Grande Formato (forma mais tradicional e a mais conhecida de publicidade exterior) e Transportes (publicidade nos aeroportos, nos autocarros e no metro, nas paragens de autocarro, estações de metro e comboio) são as três principais 124


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actividades da Comunicação Exterior (in www.jcdecaux.pt) 2 Em Portugal destaca-se o suplemento de moda do Jornal Expresso. 3 A revista gratuita mais utilizada pelas insígnias de moda para comunicar é DIF, revista mensal de tendências e guia cultural. Tendo como referência as edições número 52 e 53 (Outubro e Novembro de 2007), são vinculadas anúncios das marcas de moda: GAS, H&M, ADIDAS, CHEYENNE, LE COQ SPORTIF, LEVI’S, EASTPAK, DIESEL, FLY LONDON, CARHARTT, PEPE JEANS, REPLAY,LEE, KILLAH, FORNARINA, GURUe CONVERSE. 4 A Comunicação boca a boca (Word of mouth communication) refere-se à comunicação entre consumidores. Esta comunicação é muito comum em certos mercados, com a iniciativa a tender a ser muito credível e com efeitos positivos, podendo entre outros influenciar a compra ou procura de informação dos consumidores (Weitz, 2004). 5 Os descontos são uma redução do preço de venda ao público. Podem ser aplicados na etiqueta, na caixa, ou mediante a entrega de um vale. Geralmente têm uma duração limitada no tempo (Martinez Caballero & Vásquez Casco, 2006). 6

Devido à natureza sazonal da moda, os saldos de meados e de fim de estação são os métodos mais frequentes da promoção de vendas (Easey,1995, p.173).

7 In www.meiosepublicidade.pt/ 8 As revistas femininas normalmente através dum artigo tentam representar uma loja única onde a leitora pode fazer compras (Benson & Ugolini,2006) 9 Sector mais activo da população e mais decidido no processo de formação das atitudes (Lazersfled,1944). 10 Patrocínio a celebridades ou endorsment. 11 In www.brandchannel.com 12 Marketing que propõe manter e aumentar relações continuas com os clientes, desenvolvendo relações à medida dos seus perfis, necessidades e hábitos (Grönroos, 1994). 13 Local onde a informação é disponibilizada a todos os utilizadores da Internet 14 Banner é um formato de publicidade num site e que poderá ter uma hiper ligação ao site do anunciante. É muito comum que nos sites de lojas multimarca surjam banners de outras marcas. 15 In www.inditexjobs.com/pt 16 Considerado também como visual merchandising

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Correspondência João Morais Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra jmorais@esec.pt

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O r g a n i z a ç õ e s

José Pedro Cerdeira & Paula C. Neves • Confiança, cidadania e responsabilidade social nas organizações

Confiança, cidadania e responsabilidade social nas organizações José Pedro Cerdeira e Paula C. Neves

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Neste artigo, a partir da discussão da natureza do processo de globalização e das suas consequências na erosão do contrato social de confiança entre as empresas e outras instituições, defende-se um novo entendimento para a concepção estratégica da responsabilidade social nas organizações, no qual o desenvolvimento de boas práticas orientadas pela partilha dos valores da confiança e da cidadania desempenhe um papel central. Palavras-chave Globalização, Crise, Ética nos negócios, Confiança, Cidadania, Responsabilidade social, Partilha de valores

Abstract Departing from the discussion of the nature of globalization and its effect on the erosion of the social contract of trust (established between organizations and other institutions), this paper argues that a new understanding for the concept of organizational social responsibility is needed, in which the development of best practices should be guided by the shared values of trust and citizenship. Key-words Globalization, Crisis, Business ethics, Trust, citizenship, Social responsibility, Shared values

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Introdução Passado um par de anos sobre as falências da Federal National Mortage Association (Fannie Mae), da Federal Home Loan Mortage (Freddie Mac) ou do banco de investimentos Lehman Brothers, e vencida que foi a estupefacção inicial, parece começar a formar-se um entendimento, mais ou menos partilhado, sobre a real amplitude da crise aberta, sobretudo no que respeita ao ganho de consciência de que esta não é apenas uma crise financeira, sectorial e localizada, mas que é também uma crise que afecta algumas das instituições sociais mais importantes das sociedades liberais contemporâneas ou, por outras palavras, que é a expressão mais ou menos profunda de uma crise social de confiança (Pereira, 2009; Uslaner, 2010). Neste sentido, entende-se que não se trata de uma mera crise episódica e circunstancial, como tantas outras que já ocorreram no passado, mas sim de uma crise estrutural profunda. Tão profunda que teve o poder de se propagar por vários estados, por várias instituições e por vários sectores de actividade financeira e económica, fazendo assim abalar algumas das fundações das sociedades liberais e dos próprios estados que politicamente as definem e as regulam (Porter & Kramer, 2011). Muito embora não tenha sido a primeira crise associada ao rebentar de uma «bolha» financeira, já que foi antecedida por outras que quase a pareciam anunciar (Stiglitz, 2000), nem a primeira crise a debilitar a reputação de instituições (Braithwaite & Levi, 1998), foi contudo uma das primeiras grandes crises do processo de globalização e, particularmente, uma das primeiras crises a fazer evidenciar, numa escala inédita e nunca antes prevista, a relevância das questões éticas associadas à gestão da actividade empresarial e/ou organizacional (Frederiksen, 2010; Knippenberg & Jong, 2010). Deste ponto de vista, não é de estranhar que a análise das razões desta crise, bem como a estipulação das estratégias a usar para a debelar, se cruze com a discussão dos temas da ética nos negócios, da reparação da confiança perdida nas instituições, do reforço das práticas de cidadania organizacional e da valorização estratégica da responsabilidade social empresarial, organizacional ou corporativa.

A globalização da turbulência e da complexidade Muito embora o denominado processo de globalização das economias e das sociedades seja susceptível de alguma polémica, nomeadamente no que respeita à definição de um entendimento consensual capaz de o caracterizar com clareza, parece contudo ser aceite que há vários tipos de globalização, a ponto de se estabelecerem diferenças entre a «globalização financeira», a «globalização dos mercados e das estratégias de concorrência», a «globalização da tecnologia e do 128


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conhecimento», a «globalização dos modos de vida e dos padrões de consumo», a «globalização governativa e dos poderes de regulação» e a «globalização política» (Grupo de Lisboa, 2002, p. 45). O que significa que, antes do mais, a menção ao processo de globalização remete para um conjunto muito importante de mudanças, as quais, pelo facto de afectarem diversos planos da actividade empresarial, introduziram também uma turbulência contínua nos contextos ou nas envolventes de desenvolvimento dessas mesmas actividades. Ou seja, com a globalização (ou com as diversas globalizações), tanto as organizações, como até os próprios estados, deixaram de operar num contexto delimitado, estável e relativamente previsível, para, pelo contrário, passarem a actuar numa escala global (ou multi-nacional) que não tem fronteiras precisas ou conhecidas, que é bastante instável e, principalmente, turbulenta (Drucker, 1980; Kotler & Caslione, 2009). Num outro plano, parece também reconhecer-se a importância de um conjunto de diversos acontecimentos que, pela circunstância de terem contribuído para a multinacionalização das economias, são igualmente entendidos como relevantes para a compreensão da situação actual. Entre esses factores, destacam-se por exemplo aqueles que se associam aos programas de privatização do sector empresarial do estado (os quais, a partir da década de 70 do último século, conduziram à alienação de grandes empresas públicas em sectores estratégicos da economia: energia, transportes, comunicações, etc.), às políticas de celebração de acordos de livre comércio dentro do espaço europeu e de diversos outros tratados bi ou multilaterais de comércio livre (sobretudo, negociados com espaços económicos da Ásia, da América latina, do norte de África, etc.), às políticas de liberalização dos mercados de capital e de desregulamentação dos mesmos, às políticas de integração económica (e, nalguns casos, sociopolítica, por exemplo, no que refere à queda do muro de Berlim e ao fim da guerra fria), à massificação do acesso às redes de transportes e ao incremento dos fluxos migratórios, à instauração de uma sociedade do conhecimento assente numa revolução no domínio das tecnologias da informação e da comunicação, etc. (Held, 2005). Globalmente considerados, estes e outros factores contribuíram para a criação de fortes relações de interdependência entre os diversos planos de actuação das organizações e, até mesmo, entre os estados e as suas políticas, definindo as envolventes como imensamente complexas. Tão complexas que pequenas alterações num dado plano, num dado sector ou numa dada região podem produzir efeitos mais ou menos acentuados num outro plano, de um outro sector de actividade e de um outro estado, situado até numa outra região geográfica bastante distante e aparentemente independente. Com a globalização, praticamente tudo passou a depender de tudo, tornando a envolvente das organizações bastante complexa e imprevisível, senão mesmo caótica (Kotler & Caslione, 2009). 129


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Neste contexto de turbulência e de complexidade, já em tempos anunciado também por Drucker (1980), em que a diversidade e o número de variáveis com as quais as empresas têm de operar definem uma complexidade crescente das envolventes e em que o ritmo da mudança é extraordinariamente acelerado (Kotler & Caslione, 2009), os modelos de organização dos estados nacionais são postos em causa, sendo também questionados os próprios modos de conceber a estrutura, a missão e as funções institucionais das empresas. Assim, as economias globalizadas tornaram-se mais competitivas - chegando mesmo a ser consideradas «demasiado dinâmicas» e as empresas passaram a centrar-se predominantemente no curto prazo («nada de longo prazo») e na obtenção de ganhos tangíveis imediatos, as prioridades da gestão passaram a ser «mais orientadas para o consumidor» e o «capital ficou impaciente», na medida em que os accionistas (shareholders) ambicionam apenas o «retorno imediato» dos seus investimentos (Sennett, 2001, p. 34-35). Em consequência, os estados «retiraram-se» da economia e «emagreceram», reduzindo a sua dimensão e a sua burocracia ao mínimo comportável, as empresas «achataram-se», eliminando níveis hierárquicos e formando redes, as corporações e as grandes multinacionais expandiram-se por novos áreas de negócio e espaços geográficos, deslocalizandose para regiões económicas mais «atractivas», chegando mesmo ao ponto de aí ganharem um poder de influência superior ao dos próprios estados. Neste contexto, difundiu-se assim o entendimento de que «numa sociedade livre», a «doutrina da responsabilidade social» é «uma doutrina fundamentalmente subversiva», porque numa sociedade livre, caracterizada por um mercado livre, os gestores «têm uma só e única responsabilidade social nos negócios – a de se empenharem em actividades dirigidas para o incremento dos lucros, usando da melhor forma os recursos ao seu dispor e respeitando as regras do jogo, o que equivale a dizer, a de se empenharem numa competição aberta e livre sem incorrerem em fraudes e sem desiludirem» os accionistas (Friedman, 2002, p. 133). Deste ponto de vista, em que a avaliação das responsabilidades associadas a uma qualquer decisão empresarial se constrange apenas pelo respeito dos quadros legais e pela procura do máximo benefício para os accionistas, todos os resultados da actividade empresarial que, respeitando a lei, proporcionem vantagens materiais para os shareholders são moralmente julgados como bons e correctos (Schwartz & Carroll, 2003). O que significa que, numa ética egoísta ou até mesmo utilitarista, a única responsabilidade dos gestores é a de usarem o melhor que souberem e puderem os meios e recursos ao seu dispor para servirem os interesses exclusivos dos accionistas (ética egoísta) ou, quanto muito, para obterem o máximo benefício possível para todos aqueles que directamente deles dependem: accionistas, quadros da empresa e trabalhadores (ética utilitarista) (Frederiksen, 2010). O que significa 130


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ainda que as «práticas de responsabilidade social», na melhor das hipóteses, podem ser entendidas como mais um instrumento de gestão a ser usado para aumentar os benefícios da empresa. Neste sentido, por exemplo, a promoção de acções de patrocínio, de mecenato ou de divulgação pública de relatórios de responsabilidade social, na medida em que contribuam para a redução da carga fiscal ou para aliviar pressões sociais e políticas adversas, acabam por servir os propósitos de uma ética egoísta e/ou utilitarista, já que podem contribuir para reforçar directamente a reputação ou a marca da empresa e, indirectamente, aumentar também o próprio valor da empresa no mercado accionista ou no mercado de consumo (Belkaoui & Karpik, 1989; Watts & Zimmerman, 1978).

A globalização social das responsabilidades Contudo, a par da globalização económica e das suas consequências na redefinição da dinâmica das sociedades, também a revolução das tecnologias da informação e da comunicação, ao globalizar o acesso à informação, permitiu que qualquer um, em qualquer momento ou em qualquer região, aceda a qualquer informação e, simultaneamente, possa assim globalizar também a expressão da sua opinião. Em consequência deste ganho de influência, os meios de comunicação social viram reforçado o seu poder de escrutínio e contribuíram para a formação de uma opinião pública mais exigente e crítica, sobretudo no que respeita à reintrodução dos temas do desenvolvimento sustentado, da preservação do ambiente e da ética empresarial na agenda das discussões públicas e políticas sobre as responsabilidades a exigir aos accionistas, aos gestores ou às empresas e às organizações (Byrne, 2002; CabralCardoso, 2006). Da convergência entre estes dois processos resultaram pelo menos três grandes tipos de efeitos gerais. Em primeiro lugar, os media ocuparam-se cada vez mais com a denúncia de acidentes industriais graves (provocados por incompetência, incúria ou ganância), de falências fraudulentas, de casos de corrupção e de gestão irresponsável ocorridos em grandes empresas e organizações. Bons exemplos disso, foram os casos que envolveram várias corporações e empresas multinacionais e que foram amplamente discutidos nos media: Amoco Cadiz, Exxon Valdez, Union Carbide (Bhopal), Chernobyl, Nike, Tyco International, Arthur Anderson, Enron, Parmalat, WorldCom, Barings Bank, Fannie Mae, Freddie Mac, Lehman Brothers, Bernard Madoff (Kramer, 2009; Schwartz, 2001) ou os casos nacionais da queda da ponte de Entre-os-Rios, do colapso da Caixa Económica Faialense, do Banco Português de Negócios e do Banco Privado Português, etc. (Cabral-Cardoso, 2006). Em segundo lugar, a opinião pública mobilizou-se em diversos fóruns de debate 131


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e passou a participar mais activamente em múltiplos grupos de interesses e em Organizações Não Governamentais de vária ordem: associações de consumidores, associações ambientais, associações de direitos humanos, associações de trabalhadores, Instituto Ethos, Transparency International, Global Reporting Initiative, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Forum Europeu Multilateral, Business for Social Responsibility, World Business Council for Sustainable Development, Greenpeace, EarthWatch, WWF, etc. Em comum, estes diversos grupos de interesses, uma vez organizados na sociedade civil, ganharam um poder de influência crescente, tendo sido capazes de se constituírem como grupos de pressão na defesa de direitos legalmente estatuídos (e.g.: transparência no acesso à informação) e na defesa de diversas causas (e.g.: ambiente), a ponto de serem reconhecidos pelo poder político e pelas grandes empresas e organizações como interlocutores legítimos na discussão de processos de tomada de decisão das próprias empresas ou no desenvolvimento de acções de escrutínio sobre o quanto estas actuavam ou não em prol do bem comum das comunidades onde operavam. Em terceiro lugar, diversos estudos de opinião vieram paulatinamente revelar uma mais ou menos acentuada erosão da confiança nas empresas em geral e nas grandes empresas multinacionais em particular. Por exemplo, em Novembro de 2002 (na sequência dos casos Enron e WorldCom), a Gallup International (The Voiceof-the-People Survey: VOP1) realizou uma série de 36 mil entrevistas em mais de 47 países, onde solicitou aos inquiridos que assinalassem o seu grau de confiança na capacidade de 17 instituições «actuarem em benefício da sociedade». Da análise dos resultados, constataram que tanto as empresas que apresentam uma dimensão global, como os grandes grupos empresariais de dimensão apenas nacional, captam níveis de confiança bastante baixos (apenas 39% e 42% das respostas expressam alguma ou muita confiança, respectivamente), situando-se no fundo da lista de instituições avaliadas. O que parece significar que os cidadãos de todo o mundo cultivam um sentimento de reduzida confiança em relação à percepção subjectiva do modo como as grandes empresas subordinam (ou não) os seus interesses particulares em relação aos interesses colectivos das comunidades envolventes onde operam. Por contraste, constataram ainda que as Organizações Não Governamentais, nas quais se incluem grupos de defesa do ambiente e grupos de advogados associados à defesa de causas sociais, são referidas como merecendo a confiança de 59% dos inquiridos, situandose na segunda posição mais alta do ranking. Alguns anos mais tarde, em 2009, depois de aberta a crise financeira com a falência da Fannie Mae e da Freddie Mac, o Edelman Trust Barometer2 realiza um estudo de opinião, inquirindo cidadãos norte-americanos e europeus sobre o «quanto confiam que os gestores façam aquilo que está certo». Da análise dos resultados, identificam 132


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uma queda abrupta de vinte pontos percentuais no índice de confiança depositado pelos norte-americanos nas empresas (de 58% em 2008, o índice cai para 38% em 2009), atingindo um valor ainda mais baixo do que o valor atingido durante o caso Enron (44% em 2001-2002). Ao mesmo tempo, em França, no Reino Unido e na Alemanha, identificam uma tendência do índice de confiança se manter igualmente baixo (apenas 36% dos inquiridos expressam confiança nas empresas). Frente a estes dados, não é pois de estranhar que vários autores comecem a referir a instalação de uma crise social de confiança nas grandes empresas multinacionais (ou nas empresas de um modo geral) e, sobretudo, comecem a produzir insistentes alertas sobre os efeitos extraordinariamente nefastos desta crise para as economias globalizadas (Kramer, 2009). E a razão é simples, sem a confiança dos seus diversos grupos de interesses e dos agentes activos das comunidades (stakeholders) onde se inserem, as empresas terão maior dificuldade em desempenhar a sua função institucional e, por conseguinte, em realizar a sua própria missão empresarial, do que resulta, globalmente, uma perturbação sistémica nos mercados de bens de consumo e na própria economia. Sem confiança, as empresas perdem vantagens competitivas, as redes de cooperação entre empresas e entre estas e os seus diversos grupos de interesses deterioram-se, os índices de empreendedorismo e de inovação reduzem-se, a partilha e transferência de conhecimentos ficam limitados ao mínimo estritamente necessário, os custos das transacções são superiores, etc. (Barney & Hansen, 1994; Christen, 2004; Dyer & Chu, 2003; Uslaner, 2010; Zaheer et al., 1998).

A inevitável globalização da cidadania e da confiança Nesta nova conjuntura política e socioeconómica, caracterizada pela desregulamentação, pela complexidade, pela turbulência, pela competição global, pela interdependência, pela mudança constante e imprevisível e por uma opinião pública mais escrutinadora, mais influente e mais desconfiada, a definição do papel institucional a atribuir à empresa alterou-se (Scott & Walsham, 2005; Uslaner, 2010), tal como se alteraram também os próprios modelos referentes aos modos como estas definem a sua missão, como configuram a sua estrutura, como conceptualizam a sua gestão e, naturalmente, como concebem as suas responsabilidades para com todos aqueles que directa ou indirectamente dependem (ou interdependem) da sua actividade. Independentemente do sector de actividade onde operam (público, privado ou economia social) e independentemente da sua dimensão, as empresas e/ou as organizações são uma instituição social, na qual a sociedade deposita determinadas expectativas (produção de bens e serviços) que legitimam a sua 133


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actividade, mas à qual se associam também diversas responsabilidades públicas que não podem ser descuradas (Freeman & Gilbert, 1988; Joyner & Payne, 2002; McNabb & King, 2010; Wood, 1991). E isto por várias razões essenciais e básicas. Em primeiro lugar, porque a actividade das empresas e/ou das organizações beneficia imensamente do modo como as restantes instituições sociais desempenham adequadamente as suas funções; quanto mais não seja porque a qualidade, a dinâmica e o sucesso de uma economia depende directamente de instituições democráticas livres, de sociedades civis participativas, de sistemas de justiça céleres, de sistemas educativos e formativos qualificados, de sistemas de segurança e de saúde ajustados às necessidades, etc. Em segundo lugar, porque - por observância de um princípio genérico de reciprocidade ética (que funda o contrato social básico entre o desempenho das diferentes funções atribuídas às várias instituições sociais), aos direitos estatuídos e aos subsequentes benefícios colhidos pelas empresas correspondem os deveres de prestação de contas (i.e., o dever de responderem moral e publicamente pelas suas acções e pelas consequências das mesmas) e o dever de retribuição e de cidadania (i.e., o dever de participarem activamente na polis e na civitas) (Alves, 2005). Numa sociedade e numa economia globalizada, as organizações são um agente entre os vários que concorrem para a produção e preservação dos bens comuns, que globalmente proporcionam o progresso e o bem-estar colectivo, sendo, nessa exacta medida, agentes activos de promoção da cidadania. Neste sentido, as empresas e/ ou as organizações não podem deixar de se orientar por um referencial de cidadania organizacional, que ao colocar a gestão estratégica da responsabilidade social bem no centro de toda a sua actividade, lhes permita, conjuntamente com as comunidades envolventes, criarem valores partilhados, com vantagens competitivas importantes quer para umas, quer para outras, tanto no plano económico, como ambiental, como social (Porter & Kramer, 2006, 2011). Em terceiro lugar, tendo sido corrompido (ou inadvertidamente rompido) o contrato social de confiança entre as diversas instituições sociais e as grandes empresas multinacionais (ou as empresas, genericamente entendidas como uma instituição social), urge redefenir o papel a atribuir a cada uma das partes contratantes, sob pena da crise de confiança instaurada poder fazer soçobrar os benefícios mútuos que um tal contrato proporcionou no passado e que pode ainda proporcionar no futuro - sob a forma de um novo valor intangível inesgotável, que quanto mais se usa mais se reforça: o capital social (Fukuyama, 1996).

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Notas

1 [www.voice-of-the-people.net], consulta realizada em 1-02-2011. 2 [www.edelman.com/trust/2009], consulta realizada em 1-02-2011.

Correspondência José Pedro Cerdeira e Paula C. Neves Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra jpcerd@esec.pt, pneves@esec.pt

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C o m u n i c a ç ã o

n a s

O r g a n i z a ç õ e s

Rosa Sobreira • Do paradigma das relações públicas para o paradigma da comunicação estratégica das organizações

Do paradigma das relações públicas para o paradigma da comunicação estratégica das organizações Rosa Maria Campos Sobreira

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Resumo Nas últimas décadas do século XX, o campo das ciências da comunicação viveu um processo de fragmentação intenso, com o aparecimento de múltiplas formas de relacionamento com os públicos organizacionais, ferramentas de comunicação inovadoras e novas concepções sobre o que deve ser a comunicação no domínio organizacional. Este processo de fragmentação influenciou as características de identidade dos seus profissionais e o reconhecimento obtido pelos mesmos no contexto organizacional e social. Uma das principais evidências dessa fragmentação foi a incapacidade de resposta das relações públicas face aos desafios provenientes do meio, caracterizado por grande instabilidade e volatilidade, onde as organizações actuam e a emergência de um novo paradigma comunicacional centrado na integração e no alinhamento estratégico da comunicação das organizações. Palavras-chave Relações públicas, Fragmentação, Integração e comunicação estratégica

Abstract The field of communication sciences lived, in the last decades of the twentieth century, an intense process of fragmentation. This meant the appearance of multiple forms of relationship with the organizational publics, new communication tools and innovative ideas about what should be the communication of the organizations. This fragmentation process has influenced the characteristics of professional identity and recognition obtained by the professionals in the organizational and social context. The confirmation of this fragmentation was the inability of the public relations to face the changes from environments characterized by instability and volatility where the organizations operate. Other evidence was the emergence of a new communication paradigm focused on integration and strategic alignment of communication. Key-words Public relations, Fragmentation, Integration and strategic communication 139


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Introdução Neste trabalho procura-se analisar como as relações públicas se reconfiguraram no contexto do desenvolvimento observado nos factores organizacionais e de gestão. O primeiro objectivo consiste em demonstrar o esforço de reajustamento das relações públicas, no sentido de se imporem e ultrapassarem o processo de fragmentação que o campo da comunicação sofreu nas últimas décadas do século XX. Partindo dessa fragmentação, pretende-se, num segundo momento, esclarecer como se passou do paradigma das relações públicas (não estratégicas) para o paradigma da comunicação estratégica das organizações. Nesse sentido, abordase a diversidade de especialidades comunicacionais que necessitam de se articular em função da actuação organizacional e das pressões que os ambientes internos e externos colocam a essas organizações. E, sobretudo, pretende-se justificar a ênfase na dimensão estratégica e integrada dessa diversidade comunicacional das organizações.

Reconfiguração das relações públicas no contexto dos factores organizacionais e de gestão A emergência das relações públicas modernas nas primeiras décadas do século XX significa que o início do seu caminho de autonomia e legitimação ocorreu no âmbito das designadas teorias clássicas das organizações. Foi no ambiente das grandes indústrias, caracterizadas pelo formalismo, pela racionalidade e pelo controlo na forma de gerir as organizações que as relações públicas encontraram espaço para se autonomizar. Em termos de práticas profissionais, segundo Grunig e Hunt (2003), este momento corresponde ao período de informação pública unidireccional. Neste período, as relações públicas eram uma actividade orientada para responder aos ataques da imprensa e chamar a atenção sobre as organizações, os seus produtos e proteger a reputação dos seus dirigentes. Não se pode dizer que, nessa altura, constituíssem uma disciplina científica, uma vez que a sua prática assentava sobretudo na experiência adquirida pelos seus profissionais no contexto da imprensa (Grunig, 2001). O papel destes profissionais era, sobretudo, difundir e controlar a informação direccionada para imprensa, numa perspectiva da comunicação de massa. Para Hoy, Raaz e Wehnein (2007), o cariz propagandístico prevalecia e, portanto, as mensagens tinham ainda um conteúdo tendencialmente manipulativo. Mas foi nesta época que as práticas de relações públicas se reconfiguraram nos moldes definidos por Ivy Lee. Na declaração de princípios da agência de comunicação criada por este pioneiro era enunciado que o que objectivo 140


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era divulgar informação e não distribuir anúncios. Foi, ainda, no âmbito das teorias clássicas que ocorreu a segunda grande reconfiguração das relações públicas em termos de posicionamento face às organizações e aos seus públicos. Essa reconfiguração surgiu no momento em que a “Escola da Relações Humanas” procurava implementar novos modelos de funcionamento para as organizações. O movimento de reacção ao formalismo e rigidez das primeiras teorias das organizações procurava dotar as organizações de maior humanismo. Estas alterações tiveram implicações nas relações públicas, obrigando-as a reagir. Esta reconfiguração das relações públicas reside no facto de o fluxo de comunicação da organização para os públicos deixar de ser feito de forma unilateral, como nas primeiras décadas do século XX. A partir deste período, as relações públicas típicas do modelo de informação pública unidireccional passaram para o que Grunig e Hunt (2003) designam de “modelo assimétrico de duas vias”, com fluxos de comunicação bidireccional, assente num esquema de comunicação: emissão - recepção - retroacção. É no âmbito desta mudança que surgem os estudos sobre a opinião pública, na perspectiva empresarial, com o objectivo de auxiliar os profissionais de relações públicas a formar e avaliar atitudes (Grunig, 2001; Xifra, 2003). Mas, como o próprio nome indica, o modelo era assimétrico e a essa assimetria resultava do facto de os objectivos da prática profissional continuarem centrados, apenas, nos interesses da organização. Isto é, a pesquisa, a investigação e o “feedback” não eram realizados no sentido de modificar o comportamento da organização em função dos interesses desses públicos, mas sim modificar as atitudes e comportamentos dos públicos em função dos interesses das organizações. Neste período, as relações públicas comparavam a sua função à de um advogado de defesa da organização perante a opinião pública. E, como um advogado de defesa, não lhes cabia avaliar as motivações do seu cliente, apenas representar os seus interesses da melhor maneira e dentro dos limites da lei. Em simultâneo, também, nos EUA, iniciou-se o processo de conceptualização, em termos de formação académica de nível superior, e as relações públicas passam a integrar conhecimentos de outras áreas, para além do jornalismo, como os provenientes da psicologia e da sociologia. Para esta evolução, os contributos de Edward Bernays são apontados como fundamentais. Mas as inovações neste domínio, não se reflectiram apenas nas relações públicas. No âmbito das teorias mais humanistas, a comunicação como processo organizacional passou a receber uma atenção diferente da perspectiva da 141


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comunicação promocional, de formação de opinião pública e de atitudes, asseguradas pelas relações públicas ou pela publicidade. E este novo enfoque sobre a comunicação nas e das organizações tornou-se a génese daquilo que viria a ser considerado uma das áreas das ciências da comunicação mais dinâmicas actualmente: a comunicação organizacional. Esta área tem, desde então, vindo a ganhar terreno e é encarada como uma nova e promissora abordagem de estudo da comunicação em contextos organizacionais (Deetz, 1996; Jablin & Putnam, 2001; Ruão, 2008). Se o ambiente de maior humanização das organizações potenciou desenvolvimentos consideráveis quer no domínio das relações públicas, quer na emergência da comunicação organizacional, a mudança de paradigma de organizações fechadas para organizações abertas à evolvente externa teve um impacto ainda maior. A preocupação das organizações com o ambiente externo, numa perspectiva que ia além da função de ajudar as estratégias comerciais, obrigou as mesmas a incorporar novas ideologias globais e politicamente correctas. Essas ideologias são, por exemplo, a responsabilidade social, a ética, o ambiente, a gestão de crises ou, ainda, a sustentabilidade. Estes e outros “issues”1 obrigaram, por sua vez, os profissionais da relações públicas a responder a essas exigências, ditando tendências de integração dessas áreas nas práticas de relações públicas. Segundo estudos desenvolvidos por Kim e Reber (2008), no domínio da responsabilidade social das organizações, os praticantes de relações públicas descrevem que o seu contributo pode ser ao nível da gestão, da filantropia, da comunicação, de impulsionar valor, de ser a consciência da organização ou identificar necessidades da comunidade. Este desenvolvimento na relação das organizações com o seu ambiente externo conduziu as relações públicas a novas práticas que são integradas, por Grunig e Hunt (2003), no “modelo simétrico de duas vias ou bidireccional”, cujo objectivo é “o entendimento mútuo” e que assenta num modelo comunicativo “grupo a grupo”. A simetria deste paradigma de relações públicas resulta, segundo estes autores, de a gestão de relacionamentos, entre esses grupos, ser feita com base numa estratégia “win-win”.2 Isto significa que as mudanças de comportamento e atitudes, resultantes da aplicação dos programas de relações públicas, têm de ser recíprocas e não apenas por parte dos públicos alvo desses programas em proveito das organizações que os implementam. Para além da mudança de paradigma nas relações públicas, os efeitos das novas linhas de orientação de gestão das organizações, que integram elementos essenciais 142


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do ambiente externo, podem ser observados também na variante de comunicação organizacional. Se o ponto de partida surgiu no âmbito da escola das relações humanas, a partir do desenvolvimento das teorias sistémicas e contingenciais, a disciplina da comunicação organizacional entrou na fase de maturidade. Sob a influência das teorias interpretativistas, esta abraça inovadoras abordagens que vão para além das dimensões empírico-prescritivas do período clássico (Deetz 1996; Ruão, 2008). A partir daqui, esta extensão das ciências da comunicação procura traçar um caminho de emancipação e de legitimação, umas vezes afirmando-se como designação agregadora das múltiplas disciplinas da comunicação, outras demarcando-se das mesmas como, por exemplo, a comunicação de marketing e a comunicação de negócios que Ruão (2008) define como tendências de enquadramento diferentes da comunicação organizacional. Aquilo que Ruão (2008) define como outras tendências de enquadramento da comunicação organizacional pode ser interpretado, em nosso entender, como o reflexo da fragmentação do campo e uma manifestação da incapacidade de resposta das relações públicas aos múltiplos papéis que eram chamadas a desempenhar no contexto aberto das teorias sistémicas e contingenciais. O que se verifica é que, do ponto de vista da sua reconfiguração, as relações públicas procuraram colocar sob a sua competência todas as dimensões da comunicação que não tivessem um carácter puramente mercadológico. Esta tentativa demonstra a capacidade camaleónica das relações públicas, para flutuar de acordo com as necessidades organizacionais e situacionais. No entanto, a multiplicidade de funções que procuraram abraçar acabou por, paradoxalmente, impedir que ganhassem maturidade suficiente e legitimidade reconhecida, quer como profissão, quer como disciplina académica. O resultado dessa incapacidade foi tornarem-se cada vez mais imprecisas e confusas, ou seja, a sua adaptabilidade tornou-se, também, na sua maior fraqueza (Cropp & Pincus, 2000, Elmer, 2007). Este não é o único problema que as relações públicas enfrentam. A globalização trouxe uma nova realidade que coloca dificuldades à sua prática. Num mundo globalizado, em termos culturais, políticos e económicos, o marketing assumiu a liderança e transformou os cidadãos em consumidores de serviços e produtos, colocando às relações públicas desafios difíceis de ultrapassar. Se no início da sua actividade as relações públicas tiveram de disputar espaço à publicidade e à propaganda, a crescente “marketização” de todos os aspectos da vida humana coloca-as a disputar espaço com o marketing que, por sua vez, integra, cada vez mais, no seu discurso uma extensão relacional. Por outro lado, as relações públicas posicionam-se, sobretudo, como uma 143


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prática de gestão no contexto organizacional. Nas palavras de Elmer (2007), ainda não se empenharam numa perspectiva crítica. A ausência dessa perspectiva crítica acabou por deixá-las mal preparadas para lidar com as consequências de uma sociedade globalizada, virtual, em rede e de grande complexidade. Do ponto de vista da sua reconfiguração, o problema das relações públicas foi que, ao contrário dos factores organizacionais e de gestão, que evoluíram de perspectivas normativas para abordagens mais interpretativas e críticas, segundo Deetz (1996), as relações públicas tiveram dificuldade em ultrapassar a dimensão normativa-prescritiva. As relações públicas passaram de um modelo propagandístico para modelos de advocacia, influência, representação e diálogo. Mas, segundo Elmer (2007), esta é uma evolução limitada que as aprisiona num simples modelo de práticas de gestão e a disputar espaço com outras disciplinas da gestão organizacional, como o marketing. Este discurso assente, exclusivamente, na gestão de relacionamentos, proposto pelo último modelo de Grunig, já não é suficiente, uma vez que a tónica se desviou para a dimensão estratégica da comunicação, em termos de posicionamento organizacional (Cropp & Pincus, 2000). Ora, segundo Elmer (2007), os diferentes modelos descritos são baseados no ponto de vista funcionalista dos grupos profissionais e no modelo “power based” implícito nas noções de conflito e burocratização de Weber. Este desenvolvimento limitado e as suas restrições normativas produziram uma disciplina inadequada para as necessidades de uma economia globalizada, mundializada e em convulsão. As críticas ao último modelo simétrico de duas vias de Grunig são, por vezes, bastante agressivas. Grunig (2001) reconheceu que a escolha da expressão simetria, não terá sido a mais feliz. Numa longa exposição, enquadrando a elaboração dos quatro modelos3 e defendendo a sua posição, explica que o problema da expressão simetria foi ter sido interpretada, por alguns, como um “resultado” a obter pelas relações públicas e não como um “processo” pelo qual as relações públicas se realizam. As novas realidades constituem um constante desafio para as disciplinas como as relações públicas, que se dizem capazes de interpretar e modificar a relação de uma organização com o seu contexto. Um ambiente onde existem cada vez mais consumidores, mais públicos, mais “stakeholders” a requerer atenção. Face a esta realidade com um cenário de novos paradigmas, as relações públicas procuraram elas também modelos inovadores. Parece tornar-se claro que definirem-se como uma prática de gestão é uma visão estreita do seu campo de actuação. As tentativas descritas demonstram um esforço no sentido de obterem relevância estratégica, 144


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mas que não foi obtida. Isto revela, também, um campo, ainda, à procura da sua própria identidade (Cropp & Pincus, 2002). Apesar da metamorfose que as relações públicas procuraram fazer ao longo de todo o século XX, essa não foi suficiente para que se impusessem à fragmentação que o campo sofreu, nem ao desenvolvimento do marketing para uma dimensão mais relacional. As relações públicas não conseguiram impor-se como elemento agregador dessa fragmentação e o “focus” do discurso sobre a comunicação das organizações passou a estar centrado na questão da relevância estratégica da mesma.

A fragmentação como resposta à segmentação de públicos e mercados Explicadas as razões que estiveram na origem da fragmentação e os seus efeitos nas relações públicas, interessa, agora, analisar mais profundamente o estado actual dessa fragmentação. Procura-se clarificar a multiplicidade de actividades e de tarefas que os profissionais têm de articular no contexto dessa fragmentação. Ou seja, depois de se perceber como se fragmentou, pretende-se, por um lado, saber do que se fala quando se fala de comunicação estratégica das organizações e, por outro, o porquê do “focus” no estratégico para ultrapassar as limitações da fragmentação. Os estudos organizacionais revelam que as organizações passaram a actuar em ambientes caracterizados por grande complexidade e turbulência, obrigandoas a responder a exigências de segmentos e públicos cada vez mais numerosos. Para fazer face a esses públicos, foram sendo desenvolvidas múltiplas formas de comunicação, exigindo diferentes canais, para um número cada vez maior de grupos de receptores (Van Riel, 1995; Hallahan, K., Holtzhausen, D., Van Ruler, B., Verčič, D. & Sriramesh, K., 2007). Pode-se verificar isso através da quantidade de públicos que tradicionalmente as relações públicas descreviam como “seus” e que, nos últimos vinte anos, foi sendo aumentada4. Neste processo, a comunicação em contexto organizacional tentou dividir-se entre duas grandes áreas: a comunicação de marketing, que tem na publicidade a forma mais visível e as relações públicas que procuraram integrar todas as outras formas de comunicação não comerciais. No entanto, como foi referido, esse esforço não foi conseguido (Van Riel, 1995, Cropp & Pincus, 2000, Elmer, 2007). A consequência desse insucesso foi a emergência de novas formas de comunicação que procuravam comunicar com grupos alvo com quem se relacionavam directamente e que escapavam aos tradicionais departamentos de 145


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relações públicas. O que se verificou foi uma grande fragmentação em disciplinas de comunicação para responder aos numerosos públicos, “stakeholders” e “issues” que exigiam a intervenção das áreas da organização mais relacionadas com esses públicos ou públicos mais sensíveis a esses “issues, como por exemplo, os negócios, os recursos humanos, os clientes, os consumidores, os parceiros, entre outros. Esta evolução ditou, segundo Walter (1995, p.55), que se passasse «do paradigma das relações públicas para o paradigma da comunicação» o caso francês. No âmbito das organizações e da literatura são muitas as provas dessa fragmentação: comunicação organizacional, comunicação empresarial, comunicação corporativa, comunicação de marketing, comunicação integrada, comunicação ambiental, comunicação financeira, comunicação cultural, comunicação intercultural, comunicação de marca, comunicação de produtos, comunicação estratégica, entre muitas outras. A preocupação com esta diversidade terminológica e com os impactos da mesma nas estratégias comunicacionais das organizações não é recente. Desde a década 1990, que se procura perceber o que lhe está subjacente, assim como os seus efeitos nefastos. Kapferer (1994), numa tentativa de esclarecer as diferenças entre “comunicação de marca”, “comunicação de produto”, “comunicação empresarial” e “comunicação institucional”, apresentava várias razões. Para o autor, para além do facto de muitas destas designações terem origem anglo-saxónica, que nem sempre têm uma tradução equivalente noutras línguas, como é o caso do “corporativa”, segundo o autor, «este imbróglio, alimentado por uma terminologia que flutua de uma experiência para outra, tem o efeito temível e paradoxal de fazer da comunicação uma função bastante opaca na empresa» (Kapferer, 1994, p. 189). Kapferer (1994) vai mais longe na explicação dos efeitos dessa situação para as organizações. Segundo o autor, era fundamental uma clarificação em termos de acção estratégica da comunicação de empresa e das competências dos especialistas de comunicação que devem ser requisitadas pelas mesmas organizações, uma vez que existe a possibilidade de cada especialista fazer um diagnóstico de acordo com a sua visão do mundo. Foi o que aconteceu à “Essilor” no início da década de 1990. Perante as profundas alterações do seu mercado de actuação, a “Essilor” decidiu comunicar sobre o seu nome e não tanto sobre os seus produtos. Mas cada especialista fez um diagnóstico diferente e prescreveu uma “receita” de acordo com essa diferença. O especialista em comunicação institucional recomendou comunicar sobre o contributo da “Essilor” para a humanidade; o especialista em comunicação empresarial sugeriu que a empresa comunicasse que era o nº 1 no mundo da óptica; o especialista da marca receitou uma campanha que explorasse o 146


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conceito “hi-tec” (Kapferer, 1994). Esta pequena “estória” permite reflectir não só sobre a multiplicidade de competências que os profissionais podem ser chamados a executar, mas sobretudo sobre as consequências nefastas da fragmentação. Por outro lado, esta descrição apontava, já, para a questão do conhecimento que os profissionais devem possuir. Um conhecimento generalista e, simultaneamente, especialista para poderem fazer um diagnóstico que pressuponha uma compreensão das funções de cada tipo de comunicação e das respectivas inter-relações, numa perspectiva de comunicação global.

O contributo da disciplina “comunicação organizacional” Para além das designações descritas no ponto anterior, assistiu-se ao aparecimento da comunicação organizacional. Ruão (2004), numa recensão sobre o estado da arte da comunicação organizacional, afirma que esta constitui uma área de especialidade das ciências da comunicação e que tem vivido um desenvolvimento significativo nas últimas décadas do século XX. Segundo a autora, a emergência da comunicação organizacional, enquanto disciplina, remonta apenas à década de 1940, nos EUA. Esta afirmação enquadra-se no contexto «da época sobre a comunicação humana e, em particular, sobre o papel da comunicação nas organizações» (Ruão, 2004, p. 12). O ponto de partida para o nascimento do campo foi a necessidade de as organizações melhorarem as suas competências comunicativas, numa perspectiva última de implementar a performance económica (Ruão, 2004). Mas o grande avanço na conceptualização desta área surge associado às teorias sistémicas da organização que reconhecem à comunicação um papel fundamental. Com os estudos sistémicos, a investigação precipitou-se da metáfora da organização como “contentora” de comunicação, para a uma visão da comunicação como fundamental ao estudo das organizações. Nessa medida, as organizações deveriam ser vistas como sistemas onde interagem indivíduos que, pela comunicação, estão activamente envolvidos no processo de criar e recriar a sua ordem social única (Ruão, 2004). Pode-se dizer que esta é, ainda, uma área conceptual em construção onde as fronteiras em busca de referências comuns ao estudo da comunicação nas organizações estão longe de serem definidas (Deetz, 2001). Mas a curta história que apresenta permite identificar um conjunto de temas que marcam esse trabalho de construção de uma especificidade própria. Allen, Gotcher e Seibert citados por Ruão (2004) descrevem o conjunto de tópicos mais analisados nas revistas científicas da disciplina, entre 1980 e 1991. Nesse trabalho são apresentados 147


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dezassete áreas de análise no domínio da comunicação organizacional: - «(1) relações interpessoais; - (2) competências comunicativas e estratégias; - (3) cultura e simbolismo; - (4) fluxos e canais de informação; - (5) poder e influência; - (6) processos de tomada de decisão e resolução de problemas; - (7) redes de comunicação; - (8) estilos de comunicação e gestão; - (9) interfaces organização/ambiente; - (10) tecnologia; - (11) linguagem e conteúdos das mensagens; - (12) estrutura; - (13) incerteza e adequação da informação; - (14) grupos e eficiência organizacional; - (15) ética; (16) pesquisa transcultural; - (17) clima organizacional» (Ruão, 2004, p. 12). A partir desta listagem, a autora entende que o objecto de estudo específico da disciplina é: «o estudo da comunicação humana em contexto organizacional. Considerando-se a comunicação como um processo central à vida da organização e que, embora revelando naturais semelhanças com qualquer acto de comunicação humana, integraria, também, particularidades resultantes do contexto em que ocorre» (Ruão, 2004, p. 14). Para James Taylor (1993, 2005), a comunicação organizacional tem pouco a ver com as tradicionais relações públicas. Para ele, a origem da disciplina comunicação organizacional está mais ligada aos estudos “speech communication”, o estudo da comunicação enquanto acto de fala ou produção de discurso. Por isso, para este autor, não faz sentido colocar a comunicação organizacional no âmbito daquilo que ele designa de estudos de comunicação de massa, onde inclui as relações públicas, o jornalismo e a publicidade. O que, segundo ele, poderia criar alguma confusão. Não recusando a ideia de que a comunicação organizacional possa ser acomodada dentro de departamentos de jornalismo, relações públicas ou publicidade, este autor defende que a «comunicação organizacional é uma ciência híbrida» e que, normalmente, está sob o domínio dos «departamentos de Administração» (Taylor, 2005 p. 15). No entanto, Deetz (2001) não é tão peremptório em excluir o contributo das relações públicas para esta mais recente área das ciências da comunicação. Deetz (2001) refere os trabalhos de Grunig e Hunt (2003), como exemplos de estudos normativos que se preocupam com o desenvolvimento de competências comunicativas para as organizações. Não deixa de ser interessante que a “separação de águas” feita por Taylor (2005) tenha sido expressa numa revista brasileira, onde uma das principais referências desta área, Margarida Kunsch, defende que quando falamos de comunicação organizacional, empresarial ou corporativa estamos a falar da mesma coisa, mas com terminologias diferentes. Para Kunsch (2003), comunicação organizacional designa um composto múltiplo que integra as diferentes disciplinas da comunicação no contexto organizacional. Essas disciplinas podem ser utilizadas 148


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em função das diferentes necessidades e objectivos organizacionais. A autora coloca a comunicação organizacional a tutelar toda e qualquer manifestação de comunicação desenvolvida e emitida no contexto organizacional, seja ela de carácter interpessoal, organizacional, de massa, formal ou informal. Para esta autora, a grande vantagem do termo comunicação organizacional é ser mais abrangente, uma vez que permite englobar toda esta diversidade das actividades comunicacionais. Mas não só, esta designação apresenta uma maior amplitude, uma vez que permite enquadrar a comunicação em qualquer tipo de organização, seja uma empresa pública ou privada, uma instituição, entidades sem fins lucrativos, entre outras, não se restringindo ao âmbito do que se denomina de empresa. Dentro dessa perspectiva, a comunicação organizacional surge para dar conta da complexidade da comunicação não só das empresas, mas das administrações públicas, instituições sem fins lucrativos, isto é, de qualquer organização. Estas perspectivas distintas servem para ilustrar a importância dos contextos sociais, económicos e políticos na construção desta área e para a qual Taylor (2005), também, chama a atenção. Para o autor, enquanto nos EUA e Canadá, a comunicação organizacional, apesar de partilhar alguns aspectos com o jornalismo e as relações públicas, é uma disciplina, claramente, distinta, onde se privilegiam aspectos como o comportamento organizacional, relações humanas, estudos sobre persuasão, no caso do Brasil, a comunicação organizacional emergiu e desenvolveu-se como alternativa às relações públicas (Putnam & Casali, 2009). Independentemente das disputas territoriais que ocorrem na disciplina, designada de comunicação organizacional, desta surgiram contributos que ajudam a compreender o papel da comunicação para as organizações e a actuação que os seus profissionais têm de assumir para que ela seja efectivamente estratégica. Os contributos dos estudos mais recentes da comunicação organizacional colocam-na no âmago da vida das organizações. Não só a comunicação ganhou um estatuto de indispensável, nos instrumentos de gestão, segundo Van Riel (1995), como passou, para Taylor (1993), a ser entendida como uma forma de arquitectar as organizações. Isto significa que a comunicação não pode ser reduzida a um simples fenómeno que ocorre nas organizações, como a simples troca de informações. Tem de ser entendida como algo “criador” da própria organização (Taylor, 1993, Taylor & Every, 2000; Deetz, 2001). Taylor (1993) refere que, ao nível mais elementar, o propósito de uma organização é coordenar os esforços de pessoas que trabalham em tarefas colectivas, que foram separadas num conjunto de várias actividades especializadas. 149


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A coordenação é obtida pelo «processo contínuo de comunicação que introduz sentido às circunstâncias em que as pessoas colectivamente se encontram e dos acontecimentos que os afectam» (Taylor & Every, 2000, p. 58). A comunicação é, assim, a «cola» de uma organização, portanto uma «organização produtiva é, antes tudo, um bom sistema de comunicação» (Taylor, 1993, p. 34). Por isso Taylor (1993, 2000) advoga que não é possível compreender uma organização sem compreender o processo pelo qual ela se organiza e constrói, isto é, a comunicação. A perspectiva de Taylor (1993) é, no entanto e ainda, uma visão da comunicação pensada do ponto da eficácia organizacional. Há outras abordagens que entendem a comunicação como uma forma de explicar as organizações. Deetz (2001) defende que, à semelhança de outras disciplinas, como a psicologia, a sociologia ou a economia, que são capazes de explicar um conjunto de processos organizacionais, a comunicação pode ser encarada como uma forma distinta de explicar as organizações ou de pensar as organizações. Deste ponto de vista, a comunicação é usada para explicar a produção de estruturas sociais, estruturas psicológicas, o conhecimento, entre outros processos organizacionais. Deetz (2001) recusa que a comunicação seja mais um fenómeno, como outros dentro das organizações, ao serviço da eficácia organizacional e defende que a comunicação seja uma grelha de análise e de estudo das organizações e dos fenómenos que as afectam. Deste ponto de vista, Deetz (2001) explica que, em vez de se construir uma “teoria da comunicação organizacional”, seria mais correcto dizer que se tem de construir uma “teoria comunicacional das organizações”.5 Entende-se que estas reflexões elevam a comunicação a um patamar que não é, ainda, comum entre profissionais e académicos. Um patamar que vem colocar a comunicação numa dimensão realmente estratégica no contexto organizacional. Para estes autores, a comunicação não é, exclusivamente, um fenómeno que ocorre na organização, ou uma ferramenta que os gestores utilizam para atingir a eficácia organizacional. A comunicação é uma forma de explicar e compreender as organizações, na medida que não é possível separar as duas realidades.

A ênfase na comunicação estratégica das organizações O exercício que se realizou procura sustentar que a comunicação no contexto organizacional pode e deve efectivamente ultrapassar as abordagens limitativas e normativas. Isto implica que aqueles que lidam com a comunicação das organizações não podem assumir-se ou ser olhados como meros transmissores de informação, mas como intérpretes da realidade organizacional e parceiros estratégicos na construção dessa realidade. Espera-se desses profissionais um 150


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duplo papel: o de contribuir para os objectivos da organização, juntamente com outras áreas como a gestão financeira, a gestão de produção ou a gestão de recursos humanos e, também, o de ajudar na compreensão dos fenómenos das organizações, na perspectiva da sua teorização. Apesar deste percurso, a natureza estratégica da comunicação nas organizações não tem sido, ainda, suficientemente enfatizada (Moss & Warnaby, 1998; Argenti, Howell & Beck; 2005; Hallahan, K., et al., 2007; Kunsch, 2007). Esta desatenção faz com que a comunicação continue a ser praticada numa perspectiva meramente táctica e de curto prazo pelas diferentes disciplinas Face à insuficiência de ênfase na dimensão estratégica das múltiplas designações atribuídas à comunicação das organizações, considera-se ser pertinente a apresentação de uma proposta que contribua de forma decisiva para essa enfatização. Neste sentido, sugere-se que os conceitos – comunicação, estratégia e organização – sejam “emparceirados” de forma indissociável na designação “comunicação estratégica das organizações”. Uma designação que apresenta várias vantagens: pode ser a chave para ultrapassar as limitações aqui descritas relativas à incapacidade de as relações públicas agregarem as diferentes manifestações comunicacionais das organizações; permite libertar os profissionais da comunicação estratégica das organizações da “clausura” do modelo de gestão das relações públicas, assim como contornar a herança pejorativa que a designação relações públicas possui em Portugal; possibilita integrar os contributos provenientes da disciplina comunicação organizacional, ultrapassando a controvérsia sobre em que domínio deve ser colocado (na comunicação de massa ou nos estudos de administração); por fim, é uma designação suficientemente abrangente que permite contemplar as múltiplas disciplinas provenientes da fragmentação, ultrapassar os efeitos nefastos da mesma e adaptar-se aos diferentes modelos que os teorizadores da comunicação vêm apresentando nas últimas décadas. A opção pela denominação “comunicação estratégica das organizações” deverá contribuir para o reconhecimento do valor estratégico da comunicação. Ou seja, «ultrapassar o tratamento que a maior parte das vezes não vai além da articulação básica para o processo de gestão estratégica (…) ou no plano táctico, de primeiro suporte às estratégias de marketing das organizações» (Moss & Warnaby, 1998, p. 131/132). Como defende Poupinha (2005, p. 611), às acções de comunicação poderá ser atribuída «relevância estratégica no âmbito de uma concepção estratégica do valor da organização, enquanto entidade assumida e reconhecida no seio da rede de relações em mercados/sociedades, assumindo os seus valores e traços identitários de modo a ganhar 151


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a relevância social e de mercado». Mas não só, como argumenta Argenti et al., (2005), ajudará a compreender que as práticas comunicacionais contribuem diariamente para a implementação da estratégia corporativa. Ou na perspectiva de Van Riel e Fombrun (2007, p. 2), permite colocar a comunicação «no coração da performance organizacional». Falar em comunicação estratégica das organizações significa que a «comunicação está alinhada com toda a estratégia da organização, para melhorar a sua própria estratégia de posicionamento» (Argenti et al., 2005, p. 83). Ou seja, é impossível dissociar a comunicação da estratégia da organização, como a “cola” que Taylor (1993) defendia. A comunicação estratégica das organizações é encarada não só como instrumento de implementação da estratégia organizacional comunicando-a, mas também uma forma de interpretar as atitudes dos alvos dessa estratégia. É este entendimento que é reforçado por Kunsch (2007, p 48): «a comunicação não pode ser considerada como um mero instrumento ou transmissão de informações, mas como um processo social básico». Nesse papel estratégico, Van Riel (1995) defende que a comunicação desempenha duas grandes funções: função “janela” e função “espelho”. Através da função janela, os profissionais da comunicação estratégica têm de executar a política de comunicação em termos de mensagens que descrevam todas as facetas da organização de uma forma transparente e atractiva. Por outro lado, têm a responsabilidade de antecipar os resultados, ou seja, as mudanças desejadas pela organização nos alvos dessas mensagens. Por “função espelho” entende-se que os responsáveis pela comunicação têm a tarefa de monitorizar os desenvolvimentos nos ambientes relevantes para a organização, no sentido de antecipar consequências para a política de comunicação da organização. Essas tarefas são a detecção de mudanças de atitude dos “stakeholders” relevantes, a avaliação de futuras tendências de gestão e, principalmente, actualização sobre as mudanças de clima organizacional. Ou seja, reforçar o trabalho de pesquisa nos ambientes pertinentes para a organização, tanto internos como externos. Para Argenti et al., (2005), uma organização possui efectivamente uma visão estratégica da comunicação quando preenche vários requisitos. Em primeiro lugar, a comunicação deve estar ao mais alto nível de gestão: «a comunicação não é propriedade do departamento de comunicação» (Argenti et al., 2005, p. 88). Isto significa que os gestores de topo têm de querer comunicar e que o façam efectivamente. A «falta de preparação dos gestores de topo para desempenharem um papel especial de representação, quer junto das audiências internas, quer externas» é, 152


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aliás, considerada preocupante (Van Riel & Fombrun, 2007, p. 14). Em segundo lugar, a comunicação deve ser encarada numa perspectiva integrada nas suas diferentes variáveis para assegurar a integridade da identidade da organização e das suas marcas. Há que prestar atenção aos detalhes para que a comunicação não seja percepcionada como sendo emitida de múltiplos emissores que não estão articulados entre si. Em terceiro lugar, a comunicação deve ser orientada para o longo prazo, da mesma forma que o marketing ou outros aspectos da gestão. Só este cariz permitirá um ajuste de valores mais forte e uma comunicação mais proactiva que reactiva. Por último, os profissionais da comunicação estratégica das organizações têm de possuir amplos conhecimentos de gestão. Estes têm de falar a mesma linguagem que os executivos de outras áreas e ter profundos conhecimentos sobre o negócio da organização e sobre a sua estratégia. Tal significa que, se os gestores e estrategas organizacionais têm de perceber de forma decisiva a importância da comunicação, os profissionais da comunicação estratégica terão de ter competências que lhes permita discutirem, em pé de igualdade, com as outras áreas funcionais da organização, ajudando a definir a sua estratégia.

Da fragmentação até à integração estratégica da comunicação A fragmentação do campo da comunicação conduziu à existência de múltiplos e especializados emissores de mensagens a partir das organizações. Quando esses emissores não estão explicita e estrategicamente coordenados, a comunicação é incoerente e tem implicações negativas tanto ao nível da actuação interna, como externa da organização. A descoordenação causa, entre outros, graves riscos em termos de eficiência das organizações e, sobretudo, em termos reputação das organizações (Van Riel, 1995). Face a isto, é essencial reduzir o volume de comunicações pouco consistentes que vem sendo produzido pelas diferentes especialidades e especialistas de comunicação ao serviço das organizações. Para ultrapassar a fragmentação, incapaz de responder às necessidades comunicacionais das organizações, a procura centra-se em «formas de promover a coordenação entre os diferentes especialistas envolvidos na actividade comunicacional das organizações» (Van Riel & Fombrun, 2007, p. 6). Trata-se, portanto, de ajustar essas diferentes formas de comunicação desenvolvidas por uma organização como um todo, o que exige uma política adequada de comunicação, contribuindo de forma positiva para a imagem favorável de cada componente individual da organização e, por consequência, para a performance global da organização (Van Riel, 1995). Na exigência de coordenação das diferentes variáveis de comunicação parece 153


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ser consensual a designação de “comunicação integrada” (Kapferer, 1994; Van Riel, 1995; Kunsch, 2003, 2007; Argenti et al., 2005; Van Riel & Fombrun, 2007). O conceito de integração não é, contudo, um conceito recente. As primeiras tentativas de integração foram feitas, ainda na década de 1950, no domínio do marketing, no seguimento do que era a integração dos 4 P’s desta disciplina, mas, também, da integração do mix de comunicação de marketing. Desde há muito que Kotler (2006, p. 506) recorre à definição da “American Association of Advertising Agencies”, para explicar a comunicação integrada de marketing como um conceito de planeamento «que reconhece o valor agregado de um plano abrangente, capaz de avaliar os papéis estratégicos de uma variedade de disciplinas de comunicação - por exemplo, propaganda geral, resposta directa, promoção de vendas e relações públicas – e combiná-las para fornecer clareza, consistência e impacto máximo de comunicação por meio da integração de mensagens». Apesar deste conceito não ser novo em termos teóricos, a sua assimilação não foi totalmente obtida, nem no domínio da comunicação de marketing, nem no contexto das organizações, nem das consultoras. A discussão da aplicação desta filosofia em todas as dimensões da comunicação e a sua aplicação em toda a estrutura organizacional entrou no léxico, apenas, a partir da década de 1990. Foi a partir desse período que, do somatório de actividades isoladas, se evolui para um processo integrado de relacionamento com os públicos que interessam a uma organização (Cota, 2007). Van Riel e Fombrun (2007, p.6) definem comunicação integrada como «um processo para construir um completo e coordenador sistema de comunicação dentro da organização». Por seu lado, Kunsch (2007, p.48) defende mesmo que deve ser encarada como uma filosofia: «a adopção por parte das organizações de uma filosofia da comunicação integrada», para além de ser mais abrangente é assim que ela assume a dimensão estratégica. Uma visão integrada da comunicação implica, ainda, ter em conta que os diferentes objectivos da comunicação devem concorrer para uma identidade unificada da organização. Implica que, face às audiências cada vez mais diversificadas, os diferentes destinatários devam receber os conteúdos e mensagens de forma articulada e integrada (Kapferer, 1994; Argenti et al., 2005). Mas o que é que estes autores procuram integrar? O “mix” elaborado por Kunsch (2003) remete a integração para o seu “composto da comunicação organizacional”, com as seguintes áreas: comunicação administrativa, comunicação interna, comunicação mercadológica e comunicação institucional. Para a autora, apesar das diferentes especificidades de cada área, só é possível uma visão integrada deste mix. 154


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Também para Argenti et al., (2005), o conceito de comunicação estratégica é indissociável do conceito de integração. Embora de forma menos pormenorizada e com alguma incoerência relativamente ao que tradicionalmente é considerado uma técnica ou um canal de comunicação6, a comunicação estratégica integrada diz respeito às seguintes funções: relações com os “media” para gerir as relações públicas e gestão de crise; a comunicação interna, para construir consensos internos; as relações com a comunidade; relações com o governo buscando a concordância de acordo com as expectativas sociais, através dos esforços de lóbi; a comunicação de marketing com o objectivo de fomentar as vendas e construir imagem. As análises de Argenti et al., (2005) e sobretudo de Kunsch (2003, 2007), para além de reforçarem a importância da integração, têm a vantagem de demonstrar a variedade de formas que a comunicação estratégica dispõe para ser efectiva. No entanto, falta-lhes destacar o elemento que, de forma explícita, permita essa integração do ponto de vista prático. Essa resposta vem do modelo apresentado por Van Riel (1995). Para Van Riel (1995), o processo coordenador do sistema integrado faz-se através do que ele designa de comunicação corporativa e que integra três níveis de comunicação: de gestão, de marketing e organizacional. Por corporativa, entendese uma abordagem coerente para desenvolver a comunicação nas organizações, onde os diferentes especialistas podem, para racionalizar as suas próprias actividades de comunicação, adoptar um quadro de referência central e coordenado estrategicamente (Van Riel & Fombrun, 2007). Este é um ponto de vista que convida os diferentes especialistas a focarem-se primeiro e, principalmente, nos problemas da organização como um todo e só depois nas particularidades de cada especialidade de comunicação para contribuir para a resolução desses problemas. Para Van Riel (1995), o primeiro “cluster” é aquele que assume o carácter mais estratégico, uma vez que diz respeito à comunicação entre o nível de gestão mais alto das organizações e as suas audiências. O autor atribui particular importância à actuação dos gestores de topo neste nível de comunicação. Para ele, é fundamental que esses gestores se empenhem e estejam preparados para desempenhar o papel de representação, tanto junto das audiências internas como externas. Tradicionalmente, os gestores têm as funções de planear, coordenar, organizar, comandar e controlar. Uma visão funcionalista, portanto. Todavia, essas tarefas implicam, também, capacidade de persuasão junto dos indivíduos que integram a organização, não só para transmitir autoridade, mas também para obter cooperação. Ao assumirem um papel mais activo, em termos comunicacionais, 155


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podem desenvolver uma visão partilhada da organização, dentro desta, e imprimir confiança na sua liderança, assim como iniciar e gerir processos de mudança e fortalecer a identificação dos empregados com a organização. Para além disso, acresce que a responsabilidade pelos trajectos de comunicação através de todos os níveis da organização é desses, mas também dos gestores intermédios. Por isso, os gestores de topo têm de ser capazes de comunicar a visão da organização para conseguirem o apoio dos “stakeholders”, tanto internos como externos. São estes que têm a principal responsabilidade de transmitir consistência para os diferentes tipos de comunicação da organização e integração com os diferentes níveis de comunicação e mensagens transmitidas. Assumem, simultaneamente, um papel activo e simbólico (Van Riel, 1995). O segundo “cluster”, a comunicação de marketing, envolve todas as formas de comunicação que suportam as vendas dos produtos, serviços e marcas. Van Riel (1995) defende que, neste domínio, a publicidade é ainda a disciplina mais relevante com vista à persuasão dos públicos alvo. Mas o autor inclui neste “cluster” o marketing directo, a promoção de vendas, o patrocínio e a venda pessoal. Este mix comunicacional de Van Riel (1995) é bastante conservador e quase uma réplica da tradicional proposta do mix de comunicação de marketing. Tem, no entanto, a particularidade de não incluir as relações públicas, retirandoas, assim, da alçada do marketing. Contudo, a sua escolha não reflecte a influência que as novas tecnologias teriam, nas décadas seguintes, sobre as formas de comunicação elaboradas ao serviço dos objectivos de marketing. A abordagem do autor tem, no entanto, o pormenor de explicitar que, neste caso, a organização possui um maior controlo, uma vez que escolhe ou evita alvos dessas mensagens em função do interesse comercial que esses possuem para a estratégia organizacional. Esse controlo é um dos principais elementos diferenciadores do 3º “cluster” “comunicação organizacional” definido por Van Riel, (1995). Aqui, pelo contrário, é o exterior que, normalmente, pressiona a organização para revelar informação que, de outra forma, não seria feito. Esta componente integra disciplinas como as relações públicas, “public affairs”, relações com investidores, publicidade institucional, comunicação ambiental, comunicação interna. Esta heterogeneidade de actividades da comunicação organizacional tem, segundo Van Riel e Fombrun (2007), quatro características comuns: 1ª- está destinada às audiências corporativas (“shareholders”, jornalistas financeiros, analistas de investimentos, reguladores e legisladores); 2ª- tem uma perspectiva de longo prazo e não se destina a gerar directamente vendas e, por conseguinte, requer um estilo diferente de comunicação, comparado com a comunicação de marketing; 3ª- não são permitidos os exageros e excessos, isto é, exige-se mais formalismo, menos 156


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adjectivação e mais sobriedade das mensagens produzido no âmbito deste “cluster”; 4ª- ao contrário da comunicação de marketing, na comunicação organizacional é menos óbvia a tentativa de influenciar comportamentos dos grupos dos quais a organização depende, uma vez que esta tem por objectivo criar um posicionamento mais favorável para mesma (Van Riel, 1995).

Princípios orientadores da integração estratégica da comunicação Mas em que medida é que estas diferentes tipologias teoricamente descritas como desejáveis, são aplicáveis na prática? Quer Kunsch (2003, 2007), quer Argenti et al (2005) fazem referência à importância da integração para a identidade e imagem da organização, mas Van Riel (1995) vai um pouco mais longe. O autor defende que, do ponto de vista do modelo que ele apresenta, a filosofia básica seria dirigir a política de comunicação da organização através de um triângulo assente em três dimensões: “estratégia da organização”, “identidade da organização” e “imagem da organização”. Estes três elementos são representativos das várias especialidades que a comunicação pode ter que assumir na actuação profissional. Deverão, portanto, ser os pontos de referência e de partida, em qualquer organização, para orientar o objectivo de integração da comunicação estratégica: «é uma aproximação que os vários especialistas – trabalhando a partir de um quadro de referência comum estrategicamente definido - podem adoptar para racionalizar a suas próprias actividades de comunicação» (Van Riel, 1995, p. 23). Esta sugestão não aponta para a criação de novos departamentos, novas funções ou novas profissões. Significa apenas que os diferentes especialistas de comunicação encarem a organização como um “corpo”, que removam as paredes entre as diferentes formas de comunicação e se concentrem primeiro nos problemas desse “corpo”. É a partir da compreensão do “corpo” que as funções individuais, explícitas ou implícitas, devem ser articuladas no sentido de contribuírem para a realização dos objectivos da organização.

Conclusão A análise desenvolvida permite perceber como a fragmentação do campo da comunicação das organizações, em múltiplas especialidades, contribuiu para a perda de relevância do paradigma das relações públicas, sob o qual ele começou a ser construído. Esta designação foi tendo que conviver com muitas outras centradas no carácter mais abrangente da “comunicação”. Das novas disciplinas que emergiram, a comunicação organizacional revela 157


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ser a que maior contributo importa para o campo. Para além disso, confirma a existência de um movimento de alteração de um paradigma mais limitado para um paradigma mais abrangente da comunicação, assim como o de reforçar o contexto onde essa ocorre: as organizações. Por outro lado, a descrição que se faz permite perceber os esforços de elaborar diferentes concepções ou modelos, no sentido de acentuar esse carácter mais abrangente da comunicação no contexto organizacional. Mas também, ou sobretudo, demonstram o desejo de ultrapassar os efeitos nefastos da fragmentação. Consoante se fale em “comunicação global” (Kapferer, 1994); “composto organizacional” (Kunsch, 2003, 2007); “comunicação imperativa” (Argenti et al., 2005), ou “comunicação corporativa” (Van Riel, 1995; Van Riel e Fombrun, 2007), as diferentes propostas vão no sentido de demonstrar que a comunicação tem de assumir um papel estratégico no contexto organizacional, através da integração. Para a aceitação desta mudança de paradigma é nuclear o conceito de integração. Como principais vantagens da integração, a literatura aponta: o estabelecimento de uma relação transparente e credível com todos os públicos da organização; a construção de uma linguagem comum e um comportamento homogéneo; a consistência para as marcas; a conjugação de esforços de trabalho, tendo em conta a observância os objectivos gerais da organização a par dos objectivos particulares de cada sector que componham a organização. Desta análise parece ser claro que se passou do paradigma fundador, assente nas relações públicas, para um paradigma que pretende tornar a comunicação estratégica. Perante múltiplas formas e disciplinas de comunicação há um conjunto de palavras que se tornam centrais, de entre as quais se destacam integração, transdisciplinaridade, no sentido de obter coerência e a qualidade das diferentes mensagens. Só assim é possível que a comunicação possa obter valor agregado para a dinâmica das organizações e, através de uma linguagem coerente e comum, a opinião pública possa interpretar a organização como um todo, reflectindo e manifestando opiniões positivas ou negativas sobre a mesma Os diversos sectores devem trabalhar de forma conjunta tendo perante si os objectivos gerais da organização e ao mesmo tempo respeitando os objectivos específicos de cada um e num espírito de interdisciplinaridade. Não pode haver conflitos entre as diversas actividades. Apesar das diferenças de cada área, deve existir um somatório em benefício dos diferentes públicos alvo da organização. A comunicação articulada, de forma integrada, aparece então como base estratégica de actuação para alcançar a comunicação excelente que não se limita a argumentar 158


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ou a narrar, mas a «institucionalizar» um sentido para essas organizações (Andrade, 2003). O exercício de reflexão realizado revela que a comunicação estratégica das organizações não é “uma mas muitas coisas”, não sendo possível encerrá-la numa definição única para responder ao que fazem. Neste sentido, os seus profissionais têm as mesmas características de transdisciplinaridade, o que lhes coloca dificuldades de reconhecimento da sua actividade específica.

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Notas 1 Entende-se por “issue” uma controvérsia, algo que gera pontos de vista antagónicos ou pelo menos diferentes e que requer a procura de um entendimento, de uma negociação de significados em contexto de incerteza. 2 Esta estratégia permite encontrar a melhor solução possível e permite criar um clima de confiança, de compreensão e de respeito mútuo entre os implicados, ou seja, entre a organização e os seus públicos. 3 O objectivo foi explicar a evolução das práticas de relações públicas, numa perspectiva diferente da que era feita até aí. Até à década de 1970 essa evolução era feita sobretudo a partir de biografias dos seus praticantes (Grunig, 2001). 4 Comparando obras pode observar-se essa evolução. Na obra de Canfield (1991) “Relações Públicas: Princípios Casos e Problemas” (publicada originalmente na década de 1960) são referidos cerca de uma dezena de públicos. No livro de Cabrero e Cabrero (2001), “O Livro De Ouro Das Relações Públicas”, é possível identificar uma 161


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lista com mais de vinte públicos, com a referência de que está incompleta. 5 No original: “Theory of Organizational Communication – Communication Theory of Organizations”. 6 Para estes autores, as relações públicas são consideradas um objectivo e o lóbi é descrito como um canal de transmissão.

Correspondência Rosa Maria Campos Sobreira Departamento de Comunicação e Ciências Empresariais Escola Superior de Educação Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra rsobreira@esec.pt

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