Exedra Nº6

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Nยบ 6 - 2012



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Corpo Editorial Director Ana Sarmento Coelho Conselho Científico Pedro Balaus Custódio - Educação/Formação Maria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências Empresariais Francisco Moutinho Rúbio - Artes e Humanidades

Comissão editorial José Carlos Pacheco (CIC/NDSIM) Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI)

Produção edição online - José Carlos Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho Lopes projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Carlos Pacheco

Ficha Técnica EXEDRA: Revista Científica Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra Periodicidade: Semestral ISSN 1646-9526

Copyright A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.

Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos: EXEDRA: Revista Científica Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra - Portugal Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461 exedra@esec.pt www.exedrajournal.com

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Revisores do presente volume aos quais manifestamos o nosso agradecimento: Adília Ramos (ESE – IPC) Daniel Roque Gomes (ESE – IPC) Graça Margarida Torres (ESE – IPC) Graça Poças Santos (ESECS – IPL) João Serrano (ESE – IPCB) João Vaz (ESE – IPC) José Pedro Silva (ESE – IPC) Madalena Teixeira (ESE – IPS) Maria de Lourdes Cró Braz (ESE – IPC) Rosa Sobreira (ESE – IPC)


07 Editorial 11-28 Alguns equívocos sobre a matemática Ema Maia

29-41 Avaliação institucional e de aprendizagem: níveis e fundamentos Mary Rangel & Carolina Sousa

43-55 Identification of highly gifted children Gabriela Kelemen

57-70 Observação como instrumento no processo de avaliação em Educação Física Rui Mendes, Filipe Clemente, Rúben Rocha & António Sérgio Damásio

71-79 Os artefatos dos media na educação em sexualidade Sylvia Rabello, Ana Maria Caldeira & Filomena Teixeira

81-103 Atitudes face à diversidade sexual no contexto psicossocial, jurídico, da saúde e educativo Jorge Gato & Anne Marie Fontaine

105-122 Subjetividad y educabilidad. Orientaciones para la praxis docente. Salvador Peiró i Gregori & Rosario Beresaluce Díez

123-141 Filtrages et adaptations du transnational au local George Stamelos & Aggelos Kavasakalis

143-154 O uso das TIC e as alterações no espaço educativo Ricardo Pocinho & João Gaspar

155-172 Desenvolvimento local: o binómio turismo/áreas rurais nas estratégias de desenvolvimento local Paula Reis

173-184 The spiritual quest: Europe’s common sacred ground (an historic overview) Cristina Carvalho

185-198 Que identidade nas redes virtuais? O eu flexível, entre a unidade e a fragmentação Gil Baptista Ferreira


Missão e objectivos A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta. A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração.

Forma e preparação de manuscritos Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40 páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10, espaço simples e no mesmo formato das figuras. Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de 1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação 6


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institucional). Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail. Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere: Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias. Referências bibliográficas A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial 10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão “et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores obedecendo ao formato dos seguintes exemplos: a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall. b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms. Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/ journals/kuhn.html c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds), Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum. d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from 1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última versão. Citações As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização (página). Submissão de artigos para publicação A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado

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Editorial Com a publicação do número 6 da EXEDRA chega ao fim um ciclo de trabalho e de crescimento desta revista. Ao longo dos últimos dois anos, assistimos ao amadurecimento deste projeto editorial, erguido dos sonhos, com a vontade, o empenho e a dedicação de todos os que contribuíram para estes números. Ora, neste momento de transição do corpo editorial, queremos reconhecidamente agradecer a todos os que possibilitaram o arranque deste projeto. Em especial, desejamos manifestar a nossa gratidão a todos os autores que, ao longo destes números, deram o seu contributo, e fizeram desta revista um espaço de discussão e de diálogo vivo e regular. Foram eles que nos permitiram alcançar uma das metas de maior relevo para uma publicação deste género: a partilha de saber e de conhecimento. De igual modo, desejamos à direção vindoura, os maiores sucessos, para que esta publicação possa prosseguir os objetivos e os desígnios a que se propôs. Estes agradecimentos ficariam inconclusos se não mencionássemos os contributos da comunidade docente e os apoios disponibilizados pela Presidência da ESEC que, desde o primeiro momento, possibilitaram a germinação e o crescimento desta linha editorial. Com particular ênfase, expressamos também o nosso reconhecimento e agradecimento aos membros da Comissão Editorial (Margarida Paiva Oliveira, José Pacheco e Carla Matos Dias), cujo contributo foi inestimável e essencial ao desenvolvimento deste projeto editorial. Em seis números regulares, a EXEDRA deu visibilidade a vários estudos e linhas investigativas sobre diferentes temas e assuntos técnico-científicos, disseminados por distintas áreas do saber cumprindo, assim, uma dos desígnios desta revista que é a de albergar contributos teóricos ecléticos e diversificados. Pudemos, ainda, dar à estampa seis números especiais que, de sobremaneira, enriqueceram esta publicação ainda tão jovem. Esses trabalhos, de vocação específica, deram voz e luz a iniciativas e a eventos científicos de grande relevo, quer no plano nacional, quer internacional. De facto, uma das prioridades que esta direção ambicionava alcançar prendia-se com a abertura deste espaço de partilha de conhecimentos a uma esfera internacional de autores e de investigadores. Uma parte desse objetivo foi alcançada e será amplamente desenvolvida, por certo, em edições futuras. De igual modo, trilhámos um percurso lento mas seguro no que concerne a constituição de um corpo de revisores externos e pudemos encetar, ainda, algumas parcerias que possibilitarão, no futuro, a indexação da EXEDRA 9


em bases e repositórios bibliográficos internacionais. É, pois, com satisfação que através da publicação de um novo número regular encerramos este ciclo inicial da Revista, com a convicção de que a nova direção alcançará a maturidade e consolidação que todos desejamos para a EXEDRA.

Ana Maria Sarmento Coelho Francisco José Rúbio Maria Cláudia Andrade Pedro Balaus Custódio


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Matemática

Aula inaugural do ano lectivo 2011/2012

Alguns equívocos sobre a matemática Uma conversa informal

Ema Maia

Dedicado à Manuela Almeida

A relação da vida com a matemática, tantas vezes ignorada, esquecida, menosprezada tanto no ensino como nas políticas educativas e, quase sempre, pela sociedade em geral, será o objecto destas reflexões. Num percurso de trinta e seis anos a ensinar matemática, foram necessariamente muitas e diversas as observações, reflexões, experiências, crenças ou dúvidas em práticas e caminhos que se afiguravam como mais ou menos promissores. Aconteceu sobretudo um longo processo de compreensão da natureza da matemática, cada vez sob mais e diferentes perspectivas, na empolgante aventura de aprendizagem que o ensino oferece. A relação com o outro – o aluno, na maior parte do tempo – é fundamental para a reflexão sobre os conceitos, relações e procedimentos matemáticos. Ao contrário do que é frequentemente afirmado, a matemática é uma ciência com muito de concreto e de social. Não só pela sua aplicação nas questões da vida, também pela carga histórica, de costumes, de convenções, de rituais, de procedimentos que são manifestamente reveladores das culturas que lhes deram origem ou os suportam; pela lógica, herdada da filosofia, logo necessariamente de uma dada compreensão do universo e da sua organização; pela evolução de metodologias intimamente associadas a épocas e correntes de pensamento; até – e aqui mais uma vez em oposição à crença comum – pela constante mudança, pela construção am acção, tanto no âmbito global, como individual. O aluno está num processo de construção de conhecimento matemático; os seus colegas e o professor, na interacção com esse aluno, expandem de alguma forma a sua compreensão matemática; em múltiplos locais do mundo, escolas, institutos, universidades e não só, matemáticos descobrem novas relações ou resultados; pessoas aparentemente alheias à actividade matemática vão tomando, no dia a dia, consciência de factos novos ligados à geometria, ao cálculo... A vida é indissociável da matemática. 11


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1. Não gosto de matemática! Qualquer professor de matemática já ouviu esta declaração nas suas aulas, não uma, inúmeras vezes. Dita com desalento, com desespero, ou como a indiferente constatação de um facto, ela surge ciclicamente, ano após ano, a cada geração de alunos. Porquê? Existe indubitavelmente, na nossa cultura, inapetência pela disciplina e pelo conhecimento matemático. A incompetência matemática é socialmente bem aceite – é considerada uma característica “herdada”, não necessariamente censurável. É comum ouvir-se, para factos tão básicos como dividir a despesa de um almoço pelos comensais: “Ora ainda bem que temos aqui um matemático para fazer a conta…” Dir-se-á, no caso de ter de se deixar um aviso para alguém ausente: “Ora ainda bem que está aqui alguém de letras para escrever o bilhete?” Certamente que não. Quando um aluno tem mau desempenho a matemática, não é responsabilizado pela família do mesmo modo que o seria se se tratasse de outra disciplina do currículo (com excepção, talvez, da Educação Física) – diz-se que “não tem jeito”, ou “sai ao pai”... E assim se vai incutindo em gerações sucessivas a ideia de que mesmo os conhecimentos matemáticos mais elementares são domínio de “iluminados”, uns excêntricos que foram bafejados por um qualquer dom genético que os tornou aptos para resolverem questões matemáticas com facilidade. Ora, aqui reside o primeiro equívoco: a) por um lado, as competências matemáticas básicas são acessíveis a qualquer aluno; b) por outro, também os alunos com gosto pela matemática adquirem as competências esforçando-se, tal como acontece para qualquer área do conhecimento. Uma consequência desta atitude é uma enorme falta de sentido crítico no que respeita à matemática – qualquer frase com conteúdo matemático ouvida ou lida nos meios de comunicação social é aceite sem qualquer análise. Os próprios comunicadores parecem não dominar bem as notícias em que têm de lidar com grandes números ou tirar ilações de estatísticas, falseando com frequência conclusões, invertendo o sentido dos resultados ou confundindo falácias com silogismos, em atropelo às leis da lógica. Até nos debates da Assembleia da República são patentes essas dificuldades e incorrecções e, no entanto, aí se discutem e decidem os destinos da nação. Mas esta aceitação sem crítica, por uma grande maioria dos cidadãos, de notícias, opiniões e conclusões que implicam numeracia, traduz-se afinal numa delegação cega em terceiros no que respeita à resolução dos problemas nacionais, logo que os afectam 12


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directamente. Há falta de intervenção política económica informada e fundamentada por parte do cidadão comum, que acaba por resultar em menoridade democrática. Assim, poder-se-á afirmar que a competência matemática básica (literacia matemática1) é componente indispensável da cidadania. Regressando à frase inicial, o mesmo aluno que a profere é capaz de dizer também: “só gostei da matéria de tal ou tal capítulo!” ou “desta aula até gostei”. Isto é, quando um aluno consegue ultrapassar o seu próprio preconceito e abrir-se a uma actividade matemática significativa, experimenta prazer e é capaz de resolver situações problemáticas ou argumentar validamente, surpreendendo o professor e até a si próprio.

2. Para que me serve isto? Eis outro dos desabafos que frequentemente surge nas aulas de matemática. Se o ponto anterior ainda não constituiu resposta suficiente a esta questão, até porque, em geral, ela surge após alguma luta com procedimentos para os quais os alunos não vêem utilização próxima e que entendem demasiado abstractos para qualquer relação com a sua vivência ou projectos de futuro, pensemos como tudo começou. Convém, no entanto, ponderar que o conhecimento, seja ele qual for, nunca é inútil, mesmo que à partida não pareça ter aplicação visível. Quanto mais dilatado é o conhecimento, mais diversidade de utilidades se lhe descobrem, porque se multiplicam as relações que é possível estabelecer entre factos diversos, e mais global resulta a compreensão das situações. Como tão bem está expresso num filme de Indiana Jones2, é uma citação de Carlos Magno que vai fornecer a salvação para um momento crítico. E assim, podem um poema, um quadro, um facto histórico, a imagem de um objecto, misturar-se para nos fornecerem uma estratégia para um problema... Seria desejável que as capacidades do nosso cérebro cooperassem e se desenvolvessem, em vez de interferirem e estarem em conflito, em resultado de uma educação imbuída de preconceitos. Curiosamente, são aqueles que menos conhecem os que, em geral, menos disponibilidade manifestam para aprender mais. A matemática nasceu certamente da necessidade: de contar objectos, animais, população, de repartir, de medir e dividir a propriedade, de construir, etc., acompanhando a evolução do Homem. Teve assim uma função claramente utilitária nas primeiras civilizações da Antiguidade, surgindo então os primeiros sistemas de numeração, formas de cálculo aritmético, conceitos de Geometria e Medida. É o caso da matemática do

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Antigo Egipto: a descoberta do papiro de Rhind, datado de 1650 A.C., contendo um texto matemático destinado provavelmente à instrução de um jovem escriba, revelou uma matemática prática, com problemas bastante semelhantes aos que ainda hoje constam dos manuais do ensino básico. Com o milagre grego deu-se o grande salto para a abstracção e a sistematização. Na Grécia Antiga, a demonstração matemática emergiu, reflectindo o contexto social, político e cultural. A matemática grega estava incluída na Filosofia, era uma das faces do conhecimento global do universo, que abrangia todas as áreas do conhecimento e artes. As suas abordagens reflectiram as sucessivas correntes filosóficas do pensamento grego. Os filósofos gregos eram matemáticos, os matemáticos gregos eram filósofos. Ainda hoje resta, dessa inseparabilidade, o facto de a Lógica ser um capítulo da Matemática e também da Filosofia. O raciocínio dedutivo, explicitado e sistematizado pelos gregos antigos, foi a génese do pensamento matemático ocidental. Por exemplo, Euclides, no sec. III A.C., partindo de um número restrito de axiomas e definições aceites como evidências, e utilizando apenas o raciocínio dedutivo, estabeleceu e organizou em treze livros toda a matemática conhecida na época. Os Elementos de Euclides formataram até hoje a nossa visão comum do espaço e formas e permanecem, ao fim de vinte e três séculos, a quase totalidade da Geometria elementar do ensino básico. Mas, regressando ao mote deste ponto, qual a utilidade da Matemática? É evidente que ninguém contesta que toda a estrutura funcional e tecnológica que suporta a vida civilizada actual tem na sua base a matemática, desde a economia familiar e privada ao próprio fabrico e até utilização dos objectos e infraestruturas que já nos parecem indispensáveis. Porém, a questão inicial posta pelo aluno significa: “sim, a sociedade e o progresso dependem da matemática, mas não sou eu que vou trabalhar nesses assuntos, para mim bastam-me conceitos elementares e não sei para que me vai servir todo este formalismo que me obrigam a aprender...”. Ora esta opinião revela que a aprendizagem que este aluno experimentou pode estar muito afastada da actividade matemática e, provavelmente, mais tarde irá esquecer até as elementares competências que teve de adquirir para percorrer a sua escolaridade. As relações entre a abstracção e a aplicabilidade na actividade matemática podem ser compreendidas a partir do esquema seguinte:

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Fig.1 – Actividade matemática

A actividade matemática surgiu inicialmente da necessidade de resolver problemas do dia a dia. Quando se encontram estratégias para a resolução de determinados problemas, descobrem-se práticas ou procedimentos que se vão aperfeiçoando para que, sempre que surjam problemas do mesmo tipo, seja mais fácil e rápida a sua solução. Esse desenvolvimento conduz necessariamente a generalizações, à reflexão sobre os conceitos envolvidos, à construção de modelos abstractos que representam tipos de situações. Assim surgiu, por exemplo, a Geometria, assim surgem as teorias matemáticas. O desenvolvimento das teorias vai mais longe do que as necessidades que lhes deram origem, porque os matemáticos rapidamente põem novas questões a partir dos resultados obtidos, encontram relações, analogias, sistematizam. E, por causa dessa ampliação, para além dos casos concretos originais, são possíveis novas aplicações da teoria, quantas vezes em campos inesperados e bem longe dos primeiros contextos. Porém, estas aplicações gerarão novos problemas que a teoria ainda não resolve, fechando-se o ciclo, ou partindo-se para outro: uma necessidade, um problema, a descoberta da solução, o desenvolvimento teórico, as novas aplicações, e assim sucessivamente... E como é ensinada a matemática? Tradicionalmente, como um produto acabado, aparentemente imutável e compacto, uma espécie de receituário para utilização. Muitas vezes, pelo menos até recentemente, o ensino da matemática processava-se como se representa a seguir: 15


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Fig.2 – Ensino tradicional da matemática

O professor transmite os factos matemáticos, valha a verdade que por vezes contextualizados numa situação prática – que serve apenas de contexto e a qual o aluno pode nem ser convidado a resolver -- em seguida fazem-se exercícios como aplicação dos conceitos e procedimentos aprendidos, supostamente com um grau progressivo de dificuldade e, finalmente, surgem problemas sobre o tema (raramente relacionando diferentes capítulos) que exigem uma abordagem menos rotineira. Esta organização continua bastante visível na generalidade dos manuais de matemática do ensino básico. Comparando os esquemas das figuras 1 e 2, vemos que o percurso do segundo é uma espécie de inversão do percurso do primeiro, sendo o problema o ponto de partida da actividade matemática e, pelo contrário, o ponto de chegada do ensino tradicional. Assim, não é de admirar que o aluno, ao ser confrontado com um problema, esteja desprovido de estratégias que implicam todo o tipo de articulação de raciocínios (dedutivo, indutivo, holístico, generalização, comparação, heurístico, etc.) e de processos mentais mais ou menos complexos que não foi habituado a desenvolver, e deseje ancorar-se em território conhecido, com a inevitável pergunta: “Professor, qual é a operação? Qual é a regra? Qual é a fórmula?” Então, cada aluno, na sua aprendizagem, deverá reinventar toda a matemática, em vez de capitalizar o esforço de séculos? Claro que não! Mas deverá ser-lhe dada oportunidade de experimentar a actividade matemática tal como os matemáticos o fizeram ao longo da História, deverá sentir a motivação e a necessidade de descobrir estratégias e a utilidade de procedimentos que um problema com significado para ele pode colocar, deverá conhecer os contextos históricos em que surgiram determinados resultados e as questões que lhes deram origem, deverá compreender que a verdade matemática é relativa e situada num tempo, numa localização geográfica, numa cultura. Ou seja, ao aluno deve ser permitido manipular materiais, experimentar, conjecturar e testar, argumentar, concluir e errar sem conotação negativa, mas antes como degrau para uma compreensão mais aprofundada, como etapa de aprendizagem. Precisamente, o medo de errar pode ser impeditivo da evolução: quantas vezes o professor se antecipa 16


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na ajuda ao aluno, impedindo-o de se confrontar verdadeiramente com a dificuldade e se desenvolver matematicamente? E acontece ainda que aquilo que o professor antecipa como difícil, nem sempre coincide com o que o aluno sente como tal. As baixas expectativas sobre os alunos acabam por se reflectir na escolha das tarefas que lhes são propostas e reproduzem-se em baixas expectativas dos próprios alunos. Ora, como já atrás foi referido, alunos considerados como tendo fraco desempenho a matemática podem surpreender positivamente na resolução de tarefas não rotineiras e desafios.

3. A matemática é uma disciplina abstracta. Basta papel e lápis! Esta é a mais generalizada concepção sobre a matemática, tão tacitamente admitida que nunca se põe a questão de que a sala de aula de matemática tenha qualquer equipamento específico ou seja, ela própria, uma sala específica para o efeito. Basta uma sala comum, e aos alunos basta papel e lápis e, eventualmente, calculadora. Fala-se muito de material manipulativo – e por vezes até existe algum nas escolas – mas raramente é utilizado, sendo a desculpa mais comum para a sua não utilização a falta de tempo. Mas será realmente uma perda de tempo o trabalho com materiais? Em qualquer manual, ficha de trabalho ou caderno de actividades, por exemplo do 2ºciclo, lá aparecerá uma questão do tipo:

Fig. 3

Será esta tarefa suficiente para trabalhar as competências que estão envolvidas na determinação do volume de um cilindro? Para começar, estamos perante uma representação bidimensional, em que são já fornecidas as medidas necessárias ao cálculo do volume do cilindro e apenas essas. Basta 17


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que o aluno tenha memorizado a fórmula e nela introduza os dados fornecidos. O que acontece quando se põe um cilindro nas mãos de um aluno e se pede para ele determinar o seu volume? Fiz essa experiência com alunos muito mais velhos que os do 2ºciclo, na sua formação para professores. A primeira reacção é de alguma perplexidade: é-lhes dado um objecto e é-lhes pedido um número. Como passar do concreto para o abstracto? Sim, é preciso medir o diâmetro e a altura do cilindro, isto supondo que o aluno retém a utilização da fórmula num contexto que não lhe é familiar. Aí começam as dificuldades, porque se a medição da altura é relativamente simples, já a medição do diâmetro da base não é tanto, e logo vem a interrogação: como é que eu sei que a régua está a passar pelo centro? Efectivamente, nas figuras dos manuais, o centro está cuidadosamente assinalado no círculo, quando é necessário distinguir se um dado segmento é diâmetro, ou raio, ou corda. Porém o cilindro concreto não tem nenhum ponto de referência. O aluno terá de desenvolver uma estratégia que lhe permita medir o diâmetro e, para isso, terá de fazer relações e usar propriedades que estão invisíveis, completamente omissas, na questão do manual. Por exemplo, se traçar duas rectas paralelas tangentes à base do cilindro, a distância entre elas é a medida do diâmetro. Terá de perceber que essa distância é o comprimento de um qualquer segmento de recta perpendicular a ambas as tangentes. Ou compreender que o diâmetro da base é igual ao lado do quadrado que circuncreve a circunferência da base. (Fig. 4):

Fig. 4

Esta tarefa tão simples e facilmente realizável sem necessidade de grandes recursos, é muito mais rica, desenvolverá muito mais competências e ficará muito mais presente, como modelo, na aprendizagem do aluno, do que sucessivas questões do manual que implicam a mera mecanização da fórmula. Isso não significa que o aluno vá apenas calcular os volumes de cilindros concretos e se exclua definitivamente da sua aprendizagem o tipo de exercício da Fig. 3. Mas a experiência prévia com o concreto faz com que esse exercício adquira significado e o aluno, na representação, veja efectivamente o cilindro, e todas as outras relações que lá não estão explícitas. 18


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Essa falta de trabalho concreto e o excessivo peso da representação bidimensional explicam a pergunta que fez uma aluna de onze anos: “Eu sei que o decímetro cúbico é equivalente ao litro. E o decímetro quadrado também é?” Para ela litro, decímetro cúbico e decímetro quadrado eram designações abstractas sem significado físico, cujas relações era necessário memorizar, num divórcio total da matemática com a realidade.

4. Um problema tem sempre solução... Aos alunos, na sua aprendizagem, são propostos problemas engenhosamente elaborados de modo a ser sempre possível encontrar uma solução, de preferência usando todos os dados fornecidos (que não estão lá por acaso, dirá o professor), e correspondendo perfeitamente ao tema tratado nas aulas precedentes. Quase nunca é solicitado ao aluno que seja ele próprio a pesquisar e seleccionar os dados de que vai precisar (como no exemplo da determinação do volume de um cilindro concreto, do ponto anterior) e nem passa pela cabeça deste que um problema possa não ter solução. Contudo, alguns dos progressos e novos domínios da matemática ficaram a deverse a problemas que não tinham solução, como é o caso da Teoria de Grafos. Este ramo da matemática tem aplicação em áreas tão variadas como a gestão de recursos, os transportes, a física das partículas, a medicina, a criação de modelos de optimização em economia, etc. e surgiu de um problema aparentemente fútil e sem solução: o problema das pontes de Königsberg.

Fig. 5 – As pontes de Königsberg

A cidade de Königsberg, na Prússia Oriental, era atravessada por um rio sobre o qual sete pontes se dispunham como na Fig. 5. Alguém se interrogou se seria possível um 19


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passeio que permitisse voltar ao ponto de partida depois de passar por todas as pontes uma e uma só vez. Este problema acabou por ser popular na cidade e, assim, os habitantes foram experimentando vários pontos de partida e inúmeros circuitos distintos, sem que ninguém tivesse conseguido resolver o problema. Decidiram então consultar o matemático Leonhard Euler (1707-1783),

na

altura

a

trabalhar na Academia de São Petersburgo. Este, a partir de um mapa que representava a cidade e as suas pontes, verificou a inexistência de solução. Porém, o estudo deste problema levou-o, a partir dos esquemas que tinha feito, a desenvolver os primeiros trabalhos sobre redes e grafos.

Fig. 6 - Leonhard Euler (1707-1783) O que aconteceu para que um problema sem solução tivesse originado uma teoria? O facto de a inexistência de solução motivar de imediato uma importantíssima questão: em que casos é que seria possível uma solução para um problema deste tipo? O mesmo pode acontecer numa sala de aula, ao ser colocado um problema em que o aluno se depara com uma impossibilidade, por exemplo:

-- Como distribuis igualmente quinze ovos por duas caixas? Se os ovos estiverem crus, este problema não poderá ser resolvido de acordo com o pedido, mas pode ser um ponto de partida para várias aprendizagens e introdução ou reflexão sobre conceitos: a) por que é que o problema não tem solução? – números ímpares e pares, divisibilidade por 2; b) quanto seria preciso juntar ou tirar para que o problema tivesse solução? – noção de “quase dobro” ou “quase metade”; c) se os ovos estivessem cozidos, a divisão seria possível? – conceito de metade da unidade. Estes são apenas alguns dos caminhos de uma exploração que pode mobilizar 20


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diferentes conceitos e obrigar a uma reflexão sobre eles que seria menos eficaz a partir de problemas sempre com solução. E é importante que as crianças se apercebam de que, a par de situações para as quais temos solução, existem outras para as quais ela não é viável, mas que estas são susceptíveis de nos abrir novos caminhos e conhecimentos.

5. ... a solução é única... A maior parte dos problemas de contexto escolar são problemas de UMA solução. Por exemplo:

-- Distribui 12 lápis por duas caixas de modo que uma tenha o dobro dos

lápis da outra. Quando um aluno encontra uma solução para um problema proposto, em geral fica satisfeito e não se preocupa em verificar se outras são possíveis e mais ou menos convenientes para a questão que está a ser tratada. No entanto, são comuns as situações do dia a dia ou de contexto escolar em que várias respostas se apresentam como viáveis. Por exemplo:

-- Compõe a quantia de dois euros utilizando dez moedas. Podemos juntar: 1€ + 20cent + 20cent + 20cent + 20cent + 10cent + 5cent + 2cent + 2cent + 1cent.

ou 50cent + 50cent + 20cent + 20cent +20 cent + 10cent + 10cent + 10cent + 5cent + 5cent

ou várias outras combinações. Um problema pode mesmo ter uma infinidade de soluções, como é o caso de:

-- Desenha um triângulo rectângulo em que um cateto tenha ¾ do comprimento do outro. As medidas dos catetos poderão ser, por exemplo, 3cm e 4cm, respectivamente, bem como quaisquer medidas proporcionais a estas, correspondendo a ampliações ou reduções deste triângulo de partida:

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Fig. 7 – Triângulos em que a relação dos comprimentos dos catetos é ¾ .

Há uma infinidade de triângulos que satisfazem o pedido do problema proposto. O aluno deve, pois, estar familiarizado com todo o tipo de problemas: • sem solução • com solução única • com várias soluções • com uma infinidade de soluções e, nos casos em que há mais do que uma solução, ser capaz de avaliar se algumas são mais favoráveis do que outras para a situação proposta, ou se é indiferente optar por qualquer delas.

6. ... e há uma maneira “correcta” de chegar à solução. Muitos alunos acreditam que o professor espera que eles resolvam um problema de determinada forma e que, se usarem estratégias próprias, a sua resolução será penalizada ou considerada menos correcta, mesmo que cheguem à solução. Essa crença impede-os muitas vezes de tentarem uma abordagem que lhes pareça divergente dos hábitos da sala de aula e torna-os menos confiantes no seu poder matemático. Pelo contrário, numa cultura de sala de aula em que há comparação dos resultados obtidos e das diferentes estratégias usadas na resolução de problemas, em que os alunos são convidados a explicarem os seus raciocínios e a discutirem procedimentos, é alcançada uma maior profundidade na compreensão dos conceitos e os alunos adquirem uma maior bagagem de estratégias para a resolução de problemas futuros.

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Por outro lado, diferentes abordagens dos alunos, com diferentes representações, são janelas que permitem ao professor ver os tipos de raciocínio que eles usaram, a sua forma de pensar, as boas ou más concepções que têm acerca dos factos e procedimentos, ajudando-o a melhor compreender as dificuldades particulares de cada aluno e a etapa de desenvolvimento em que se encontra. Sem mais comentários, apresentam-se diferentes resoluções do mesmo problema, por alunos do 1ºCiclo do E.B. (do Programa Nacional de Formação Contínua em Matemática), em que é perfeitamente visível o pensamento de cada um dos alunos envolvidos:

-- Na biblioteca da aula da Teresa há 24 livros. Para as férias grandes a professora distribuiu-os todos, dando 3 livros a cada aluno. Quantos alunos levaram livros?

Fig. 7 – Primeira abordagem da divisão por alunos do 3ºano do E.B.

7. A matemática é uma linguagem universal Em primeiro lugar, esta frase, que é ouvida com alguma frequência, é tão obviamente redutora no entendimento do que é a matemática, que vamos passar à frente esse aspecto conceptual de linguagem e debruçar-nos apenas sobre a classificação de universal. Os textos dos matemáticos das várias épocas atestam que houve evolução nas ideias 23


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matemáticas dentro da mesma época ou ao longo do tempo. Ainda hoje, comparando livros de texto matemático de diferentes autores, somos confrontados com discrepâncias nas definições dos conceitos e no formalismo usado. Não há de modo nenhum consenso quanto ao significado de determinados objectos matemáticos, por isso cada autor se preocupa em começar por definir os “seus” conceitos, antes do desenvolvimento do texto. Pensando na ideia bastante elementar de ângulo, como exemplo, é difícil encontrar duas definições coincidentes. A ideia de ângulo de Descartes (1596 – 1650), no seu Discours de la Méthode, pode ser agora surpreendente para nós. Descartes concebeu um baralho de cartas com a função pedagógica de facilitar a aprendizagem da Geometria. Nessas cartas eram representados os objectos geométricos e ensinadas construções de figuras. Uma das cartas (Fig. 8) apresenta a classificação dos ângulos segundo Descartes e aí podemos ver que ele considerava a possibilidade de os lados de um ângulo (um ou ambos) poderem ser curvos...

Fig. 8 – Descartes (1596 – 1650); carta de ouros; Discours de la Méthode.

Quanto aos símbolos mais elementares usados em matemática -- os algarismos – podemos ver a sua evolução gráfica em documentos históricos a partir da Idade Média até aos nossos dias (Fig. 9).

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Fig. 9 – Escrita dos algarismos em diferentes épocas

As diferentes culturas da Antiguidade usaram diferente simbologia para a representação dos números (Fig. 10). Mesmo actualmente, a numeração oriental (chinesa) não usa os algarismos indo-árabes (Fig. 10). Também a forma de operar em aritmética – os algoritmos das operações – varia conforme a cultura, por exemplo o procedimento para o cálculo da divisão não é igual na Alemanha, na Rússia ou em Portugal, embora os três sejam países europeus.

Fig. 10 – Os números 1425 e 32 em numeração romana, chinesa e egípcia antiga, respectivamente.

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No entanto, apesar dessa variabilidade formal, há efectivamente alguma universalidade da matemática, como podemos observar nas representações da Fig.10. Apesar de tão díspares na sua forma que parecem não ter qualquer ligação entre elas, depois de conhecido o código, isto é, o valor dos símbolos e a forma como se articulam, vemos que estas exprimem as quantidades de uma maneira muito semelhante: - em todas, os símbolos correspondem a agrupamentos de potências de 10 (base da numeração): 1, 10, 100, 1000; - em todas, esses agrupamentos se articulam para formar a quantidade representada, num processo que implica uma ideia de repetição (explícita ou implícita): por exemplo, 1000 + 100 + 100 + 100 + 100 + 10 + 10 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1, na numeração egípcia, ou 1000 + 4 x 100 + 2 x 10 + 5, na numeração chinesa. Quer dizer, há uma lógica inerente à matemática que, essa sim, é reconhecível por qualquer cultura, em qualquer localização geográfica ou em qualquer época. Essa lógica é universal, porque as suas raízes são as mesmas: a morfologia do Homem (os agrupamentos de 10 são a consequência natural de termos dez dedos nas mãos, constituindo o recurso mais imediato para a contagem), a relação com os mecanismos da linguagem, a observação do mesmo universo (se o mundo fosse contínuo, não havendo objectos distintos, não se poria a questão da contagem, por exemplo) e, no fim de tudo, a natureza humana, pois vemos, ouvimos, sentimos e até pensamos de forma semelhante. Logo, os objectos matemáticos que traduzem a realidade são compreensíveis universalmente. Consideremos os números primos. Todos aprendemos certamente que um número é primo se os seus divisores forem apenas 1 e o próprio número. Mas qual é o verdadeiro sentido desta definição? Tomemos como exemplo o número primo 13. Imaginemos que temos treze bolas e queremos com elas formar grupos idênticos. Experimentando juntar as bolas duas a duas, ou três a três, ou quatro a quatro, etc., haverá sempre um grupo que fica incompleto. As únicas possibilidades de obtermos grupos idênticos são, ou formar grupos unitários, ou constituir um único grupo com as treze bolas (Fig. 11).

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Fig. 11 – 13 é um número primo

Então 13 é um número primo, como são primos todos os números que apresentam esta característica. Dizem-se “primos” no sentido de primeiros, pois todos os outros números (ditos compostos), são agrupamentos destes, como se os números primos fossem os geradores de toda a numeração. Este é um facto real, mesmo uma criança que ainda não conte é capaz de verificar, por correspondência um a um, se consegue ou não fazer grupinhos iguais com um conjunto de bolas. A primalidade é uma ideia que ultrapassa qualquer tipo de formalismo ou definição, é um facto concreto! E tem todo o sentido, quando associada ao mundo real, esta ideia matemática.

8. Conclusão Para terminar, apenas duas recomendações, que de algum modo sintetizam a intenção de tudo o que para trás está dito. Aos professores de matemática: deixem a vida entrar na matemática! A todos os outros que não são professores de matemática: deixem a matemática entrar nas vossas vidas!

Bibliografia Aboe, Asger. (1984). Episódios da História Antiga da Matemática. Sociedade Brasileira de Matemática. Bell, E.T. (1952). La magie des nombres. Paris: Payot. 27


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Caraça, B.J. (1941). Conceitos fundamentais da matemática. Lisboa: Edições Cosmos. Davis, P. J. & Hersh, R. (1995). A experiência matemática. Lisboa: Gradiva. Ferreira, M. (2007). Aprender geometria... Jogando às cartas. (2007). Educação e Matemática, 95, pg 45-51.. Lisboa: APM. Katz, V.J. (1993). A history of mathematics: an introduction. London: Harper Collins College Publishers. Saraiva, M. J. (2008). Raciocinar em Matemática com imagens visuais vagas e com intuição. Educação e Matemática, 100, pg 29-32. Lisboa: APM. Silva, José Sebastião (2000). A Matemática na Antiguidade. Lisboa: SPM. Struik, D. (1992). História Concisa das Matemáticas. Lisboa: Gradiva.

Notas 1. Não cabe aqui a discussão do conhecimento envolvido no que se designa como literacia matemática. 2. Indiana Jones e a Última Cruzada: “As minhas armas serão as rochas, as árvores e as aves do céu”.

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Avaliação institucional e de aprendizagem: níveis e fundamentos Mary Rangel Universidade Federal Fluminense Carolina Sousa Escola Superior de Educação e Comunicação - Universidade do Algarve

Resumo Este estudo assume dois objetivos. O primeiro é o de abordar a avaliação educacional, considerando níveis em que se aplica e exemplificando esses níveis no caso brasileiro. O segundo objetivo é o de rever fundamentos que orientam princípios dessa avaliação no nível aplicado e integrado à aprendizagem. A metodologia adotada caracteriza-se como uma revisão teórica, que não pretende esgotar, mas apenas exemplificar alguns dos fundamentos pedagógicos do ato educativo de avaliar. Abordam-se, então, aspectos dos fundamentos sociológicos, psicológicos, biológicos, econômicos e, com especial atenção, os fundamentos filosóficos. Conclui-se com a abordagem de princípios didáticos que auxiliam o processo de aprendizagem e constituem referências à avaliação, para que se realize de forma construtiva. Palavras-chave Níveis da avaliação educacional, Avaliação institucional no Brasil, Avaliação da aprendizagem, Fundamentos pedagógicos, Princípios didáticos. Abstract This study has two goals. The first one is analyzing the educational evaluation, considering the levels in which it is applied and exemplifying them in the Brazilian case. The second goal is reviewing the basics which steer that evaluation’s guidelines to the applied level, integrated to the learning process. The adopted methodology is comprised of a theoretical review that intends to exemplify some of the pedagogical fundaments of the educational act of evaluating, picking specific issues. Then, some aspects of the sociological, psychological, biological and economical fundaments are covered, with a special emphasis at the philosophical fundaments. Then, the study is concluded approaching the didactical principles which help the learning process and serve as reference to the evaluation, in order to be performed in a constructive way. Keywords Levels of educational evaluation, Institutional evaluation in Brazil, Learning evaluation, Pedagogical fundaments, Didactical principles. 29


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A avaliação é prática que se realiza em diversos níveis e espaços de vida e trabalho. Essa prática é naturalmente requerida para o acompanhamento da qualidade de serviços, em diversos contextos, procurando-se obter informações sobre fatores, princípios, ações, no interesse da evolução e aperfeiçoamento desses serviços. Neste estudo, focaliza-se a avaliação no contexto educacional, procurando-se observar níveis institucionais de aplicação e, no nível aplicado e integrado à aprendizagem, seus fundamentos pedagógicos e princípios didáticos.

Níveis institucionais da avaliação Revêem-se, quanto aos níveis institucionais de avaliação, os que se realizam no

plano externo, por órgãos do sistema educacional, e no plano interno, pelas próprias instituições, exemplificando-os no caso brasileiro. A avaliação institucional no Brasil é feita, no plano externo, pelos órgãos centrais do sistema educacional, a exemplo do Ministério e Secretarias de Educação, e seu foco é a verificação da qualidade social e pedagógica do funcionamento das Instituições, de acordo com diretrizes normativas que orientam esse funcionamento. A rede privada de escolas básicas tem uma inspeção periódica das Secretarias de Educação Estaduais, e as de ensino superior são avaliadas, para efeito de autorização e reconhecimento de seus cursos, por uma Comissão do Ministério da Educação. No plano interno, tanto na rede pública, como na rede privada, observam-se, no ensino superior, princípios e procedimentos de Auto-Avaliação Institucional, de acordo com critérios definidos pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Nesse sentido, cada Instituição tem uma Comissão Própria de Avaliação (CPA) que implementa o processo, divulga os resultados e recomenda medidas de aperfeiçoamento institucional, nos aspectos em que essas medidas se fizerem necessárias, seja em termos de formulação e práticas de currículo, seja no processo de ensino-aprendizagem, na pesquisa, na extensão ou, ainda, nos ambientes, recursos e condições de infra-estrutura. Na escola básica pública e privada, os procedimentos de auto-avaliação são definidos no Regimento e no Projeto Político-Pedagógico, verificando-se, essencialmente, o desempenho dos setores, o atendimento às famílias e o desempenho docente, analisando-o comparativamente ao desempenho dos alunos. Quanto ao nível de avaliação da aprendizagem, observa-se também o plano externo, referido às práticas de avaliação do sistema, e o plano interno, referido às práticas de avaliação definidas pelas Instituições.

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No plano externo, no caso do ensino básico (fundamental, com nove anos, e médio, com três anos), aplicam-se a alunos do ensino fundamental, alternando-se os anos de escolaridade, provas elaboradas e realizadas de acordo com o cronograma e critérios do Sistema de Avaliação da Escola Básica (SAEB). Ao final do ensino básico, aplicam-se, anualmente, a alunos que concluíram o ensino médio, provas elaboradas e aplicadas de acordo com o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM). No caso da educação superior, aplicam-se, anualmente, a alunos da graduação (alternando-se as áreas e cursos), provas elaboradas e realizadas de acordo com critérios do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE). Esses exames externos – o SAEB, o ENEM e o ENADE – aplicamse, tanto às instituições da rede pública, como às da rede privada. No plano interno, a avaliação da aprendizagem, seja no ensino básico ou no ensino superior, realiza-se de acordo com critérios definidos no Regimento e no Projeto Político-Pedagógico das instituições, observando-se parâmetros nacionais, indicados pela legislação. Após essa síntese descritiva de níveis de avaliação institucional, de acordo com as instâncias ou abrangência de sua aplicação (exemplificadas no caso brasileiro) o que se ressalta neste estudo é, essencialmente, a importância de que se compreendam os fundamentos pedagógicos que orientam os princípios do processo avaliativo no seu nível aplicado à aprendizagem. Essa compreensão é indispensável a que se perceba a filosofia, o propósito, as premissas desse processo, de especial relevância socioeducacional.

Fundamentos do processo de ensino-aprendizagem e sua avaliação Inicia-se por reconhecer a integração e mútua recorrência entre ensino, aprendizagem e avaliação. A partir dessa premissa, observa-se que os fundamentos do processo de ensino-aprendizagem e sua avaliação são, além de outros, os de natureza filosófica, econômica, social, psicológica, biológica. Considerando cada uma dessas vertentes dos fundamentos como um campo ou área da ciência, compreende-se que, no seu conjunto, oferecem subsídios à Pedagogia, que reúne, desses diversos campos, os princípios e paradigmas que fundamentam as práticas educacionais e nelas, as práticas avaliativas, merecendo particular atenção as que se aplicam à aprendizagem. Assim, encontram-se na Filosofia, na Sociologia, na Economia, na Psicologia, na Biologia, subsídios à compreensão mais ampla da educação e à percepção mais abrangente e fundamentada de fatores que influem na avaliação, especialmente aquela que se realiza sobre a aprendizagem dos alunos, seja com propósito de diagnóstico prévio de suas competências, seja com propósito de acompanhamento de seu progresso, seja de verificação dos seus resultados.

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Nos fundamentos sociológicos, encontram-se, entre outros fatores, a segmentação e estratificação social, cujas consequências refletem em diferentes condições de acesso ao conhecimento, de permanência na escola e de aproveitamento escolar. Nos fundamentos econômicos, encontram-se os efeitos da desigualdade na distribuição de riqueza e nas condições de qualidade de vida, cujas consequências também refletem no acesso à escola e na possibilidade de estudar. E considerando-se crianças e jovens que já trabalham, até mesmo em situações de subemprego e marginalidade, os efeitos dos fatores econômicos se potencializam. Essas considerações associam-se à dimensão sociopolítica do processo de ensino-aprendizagem e avaliação. Nos fundamentos psicológicos, observam-se questões relevantes, como as da autoestima e auto-confiança, que favorecem a aprendizagem, assim como os fatores que intervêm nas relações dos alunos entre si e deles com os professores. Relações positivas, solidárias, fraternas, de acolhimento e respeito mútuo, são educativas e auxiliam a convivência e a disposição, tanto para aprender, como para ensinar. Essas considerações associam-se à dimensão humana do processo de ensino- aprendizagem e avaliação. Ainda nos fundamentos psicológicos, observam-se, entre outros, os princípios e contribuições da psicologia sociocognitiva e do desenvolvimento, a exemplo dos que se encontram em estudos de Piaget, J. e Inhelder, B. (2003) e Vygostky, L.S. (1989), cujos aportes trazem subsídios relevantes a quem ensina e avalia. Nos fundamentos biológicos, encontram-se as condições de saúde, com implicações amplas, a exemplo dos casos de deficiências ou necessidades especiais, que se manifestam no comprometimento físico ou mental, nas limitações do movimento, da audição, da visão e outras possíveis limitações que dificultam a aprendizagem e requerem recursos especiais que possam auxiliar o desenvolvimento do aluno. Essas questões associam-se à dimensão humana e sociopolítica do processo de ensino-aprendizagem e avaliação. Assim, reafirma-se que nos fundamentos pedagógicos incluem-se as contribuições de estudos de diversas áreas de conhecimento, como as que se exemplificam na psicologia, sociologia, economia, biologia, devendo-se também observar que a história, a antropologia, a política, além de outras áreas da ciência, contêm fatores que ampliam a visão da prática educativa, de modo geral, e das práticas didáticas – de ensinoaprendizagem e avaliação – de modo especial. Todos esses, dentre outros fatores, têm, na base filosófica, as premissas essenciais que estão subjacentes à educação e, nela, à pedagogia e ao processo de ensino-aprendizagem e avaliação. Por isso, é relevante que se tenha uma particular atenção aos fundamentos filosóficos.

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Fundamentos filosóficos: premissas que orientam a compreensão do processo de ensino-aprendizagem e avaliação Nesta seção sobre fundamentos filosóficos do processo de ensino-aprendizagem e avaliação, reafirma-se a importância de considerar a filosofia como forma de pensar os procedimentos docentes adotados nas práticas didáticas e avaliativas, com expressiva influência sobre essas práticas e as decisões dos professores que as realizam. Nessa perspectiva, Saviani, D. (1980, p. 2) analisa a educação para além do senso comum, no interesse de que suas ações alcancem a “consciência filosófica”. Para esclarecer a importância de considerar as bases filosóficas que auxiliam a compreender, mais amplamente, o ato educativo de ensinar e avaliar, lembram-se, inicialmente, as áreas da filosofia: a ontologia, estudo do ser, a epistemologia, estudo da construção do conhecimento, e a axiologia, estudo dos valores. O processo de ensinoaprendizagem e sua avaliação têm uma base filosófica, porque neles encontram-se seres em relação, o conhecimento que se reconstrói e os valores inerentes à formação humana. Nos fundamentos filosóficos, é relevante lembrar algumas das correntes que têm percorrido a história da educação. É oportuno, então, rever características do idealismo, do pragmatismo, do existencialismo e do materialismo dialético que, entre outras correntes, auxiliam a compreensão mais ampla e fundamentada dos processos integrados, articulados, mutuamente recorrentes, de ensino-aprendizagem e avaliação. Nessa revisão, é importante, entretanto, ressalvar que as características das correntes filosóficas que serão apontadas a seguir não representam delimitações rígidas, reconhecendo-se, não só as interfaces, como também a possível presença de uma mesma característica em mais de uma corrente filosófica.

Idealismo, ensino-aprendizagem, avaliação Destaca-se, na concepção idealista, a importância do desempenho docente, no sentido de garantir o conhecimento necessário ao desenvolvimento intelectual do aluno, assim como a formação da conduta adequada a valores sociais previamente definidos. É possível perceber o idealismo em perspectivas de valores (éticos, cívicos) ou qualidades ideais (potencialidades) a serem desenvolvidas e avaliadas no processo de ensinoaprendizagem (Kneller, G. F.,1966; Corbisier, R.,1974). Desse modo, na perspectiva das formas idealistas de pensar a educação, as práticas didáticas e avaliativas serão orientadas por parâmetros previamente definidos e valores tradicionais de conduta, que orientam a aprendizagem do conhecimento e sua avaliação.

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Pragmatismo, ensino-aprendizagem, avaliação Um dos princípios básicos do pragmatismo é o do conhecimento pela experiência direta, adquirida pelo uso dos sentidos. Observando-se as áreas de conhecimento enfatizadas por três pensadores pragmatistas, verifica-se, no caso de Peirce, a Física e Matemática, no de Dewey, as Ciências Sociais e Biologia e, em James, Psicologia e Religião. Essas e outras diversificações refletem-se na variedade de proposições, métodos e até mesmo na identificação do pensamento como pragmaticismo, instrumentalismo, progressivismo, funcionalismo, experimentalismo (Bochenski, J.M.,1975). Alguns dos pressupostos mais frequentes do pragmatismo são: a evolução e mobilidade do conhecimento e valores, a estrutura bio-psico-social do homem, a sua capacidade crítica, as relações apoiadas em princípios liberais. Esses pressupostos influenciam práticas avaliativas mais flexíveis, menos atreladas a critérios e modelos tradicionais pré-determinados. A matéria é uma realidade objetiva e não uma idealização. O homem interage com o meio e, nessa interação, pode modificar a sua experiência e, também, o seu ambiente; logo, é na relação entre o homem e o meio que a realidade adquire significado; desse modo, a experiência se torna indispensável ao conhecimento e deve ser submetida à avaliação. Estudos como o de Tyler, R.W. (1976), Taba, H. (1975), Ragan, W.B.(1964), Sperb, D. C.(1966) e Traldi, L.L. (1977), além de outros que adotam perspectivas semelhantes, permitem, ao associá-los a princípios pragmatistas, especialmente com base em Dewey, J. (1902), algumas inferências sobre esse tipo de enfoque e suas influências sobre princípios de ensino-aprendizagem e avaliação, como os que se exemplificam a seguir: a) ênfase na experiência, na experimentação e na atividade do aluno, como perspectivas das práticas didáticas de ensino-aprendizagem e avaliação; b) entendimento da experiência como situação privilegiada de aprendizagem, por favorecer a reconstrução de conceitos, que serão objeto do ensino e da avaliação. c) atenção a métodos e processos de ensino-aprendizagem a serem avaliados; d) atenção a situações práticas do cotidiano e condições do meio ambiente, como referências aos conteúdos a serem ensinados, aprendidos e avaliados. e) adequação de objetivos, conteúdos, métodos e avaliação ao estágio de desenvolvimento biopsicológico dos alunos; f) formulação de objetivos e aplicação de métodos e processos de ensinoaprendizagem e avaliação, de acordo com os interesses e ritmo próprios de assimilação do conhecimento pelos alunos; 34


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g) planejamento e avaliação de atividades que favoreçam a socialização.

A filosofia pragmatista oferece, portanto, subsídios às dimensões técnica (de eficiência e eficácia) e humana (de interesses que auxiliam as relações humanas) do processo de ensino-aprendizagem e avaliação, considerando a mobilidade e o uso prático do conhecimento no cotidiano da vida e da convivência social.

Análise filosófica, ensino-aprendizagem, avaliação Estudos como o de Chadwick, C. e Rojas, A. M. (1980) permitem, ao associá-los à percepção analítica, algumas inferências sobre esse tipo de enfoque e suas influências sobre princípios de ensino-aprendizagem e avaliação, como os que se exemplificam a seguir: a) ênfase na tecnologia educacional e nas relações sistêmicas, como perspectivas importantes do currículo e da avaliação; b) valorização de metodologias, de processos instrucionais individualizados e socializados, modernos, eficientes, de ensino-aprendizagem e avaliação; c) ênfase na avaliação curricular, em suas etapas diagnóstica, formativa e somativa; d) ênfase na organização lógica, racional, eficiente, produtiva, do desenvolvimento e avaliação curricular.

A análise filosófica também oferece, portanto, subsídios à dimensão técnica (de eficiência e eficácia) do processo de ensino-aprendizagem e avaliação, em favor da efetividade de procedimentos e resultados.

Existencialismo, ensino-aprendizagem, avaliação Estudos como os de Berman, L. (1976) e Domingues, J. L. (1986) permitem, ao associá-los a percepções da fenomenologia existencial, algumas inferências sobre esse tipo de enfoque e suas influências sobre princípios que orientam o processo de ensinoaprendizagem e avaliação, como os que se exemplificam a seguir: a) ênfase na elaboração interna, consciente, das experiências (vivências) como uma das perspectivas básicas do currículo e referência às práticas didáticas e avaliativas; b) atenção a determinantes existenciais (pensamento, sentimento, impressões, emoções) enquanto fatores próprios da natureza humana, que influem no 35


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desempenho dos alunos; c) atenção ao homem como sujeito – e não objeto – de suas circunstâncias, de modo que sua avaliação preserve o seu valor e sua auto-estima; d) valorização da afetividade, da autenticidade, da liberdade, evitando-se na escola procedimentos que geram tensões e opressão; e) atenção às relações humanas nas relações que se estabelecem nos ambientes da escola e nas contingências de suas práticas; f) importância às reflexões pessoais, à consciência (compreensão crítica) dos fenômenos, estimulando-as nas práticas escolares;

A filosofia existencialista oferece, portanto, subsídios à dimensão humana do processo de ensino-aprendizagem e avaliação, priorizando-a nesse processo.

Materialismo, ensino-aprendizagem, avaliação O materialismo dialético e sua ênfase no pensamento crítico sobre as desigualdades materiais, econômicas, associadas à contradição e às diferenças de condições de acesso à riqueza e aos bens culturais, assim como às diferenças na distribuição do produto do trabalho (Konder, L., 2006; Giroux,H., 1983) realça, nas práticas didáticas, incluindo as avaliativas, a abordagem criticossocial do conhecimento. Nessa perspectiva destacamse, nos procedimentos de ensino e avaliação, princípios como os que se exemplificam a seguir: a) associação entre conhecimento e crítica politicossocial, propondo-se que o ensino e a avaliação sirvam ao propósito educativo de emancipação das camadas populares; b) estímulo ao pensamento crítico sobre o papel da escola, da aprendizagem e da avaliação do conhecimento, evitando-se procedimentos seletivos que gerem exclusão e sirvam à reprodução das desigualdades sociais e interesses de grupos hegemônicos; c) realce à finalidade política do conhecimento e das práticas didáticas, de modo que contribuam a mudanças sociais radicais, em favor das camadas menos favorecidas; d) análise crítica e socialmente contextualizada dos conteúdos e dos propósitos da avaliação, associados ao seu compromisso de favorecer o conhecimento emancipador e a compreensão dos direitos de cidadania.

Os princípios do materialismo dialético oferecem subsídios à dimensão sociopolítica do processo de ensino- aprendizagem e avaliação, de modo que essa dimensão seja priorizada nos propósitos e procedimentos de implementação desse processo. Assim, ao concluir essa síntese exemplificativa de fundamentos 36


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filosóficos, observa-se que suas premissas recomendam a atenção à multidimensionalidade do ato educativo de ensinar, aprender, avaliar.

Multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem e avaliação As dimensões do processo integrado e interrecorrente de ensino-aprendizagem e avaliação, de acordo com Candau, V.M. (2000; 2001), explicam-se por critérios e prioridades que caracterizam a concepção desse processo. Assim, consideram-se as dimensões humana, técnica e sociopolítica, nas quais se encontram perspectivas do ato educativo de ensinar e avaliar, no interesse de contribuir à aprendizagem dos alunos. A dimensão humana refere-se ao relacionamento humano, que se estabelece na relação entre professores e alunos:

“Para a abordagem humanista, a relação interpessoal é o centro do processo. Esta abordagem leva a uma perspectiva eminentemente subjetiva e afetiva do processo de ensino-aprendizagem. Para essa perspectiva, mais do que um problema de técnica, a didática deve se centrar no processo de aquisição de atitudes, tais como: calor, empatia, consideração positiva incondicional” (Candau, V. M., 2000, p. 13).

A relação interpessoal, a perspectiva subjetiva e afetiva e as atitudes que favorecem essa relação constituem-se, portanto, em critérios que orientam o entendimento do processo educativo, na sua dimensão humana. A dimensão técnica refere-se à organização das ações que propiciam o acesso ao conhecimento, favorecido pela competência didático-pedagógica do professor:

“Quanto à dimensão técnica, ela se refere ao processo de ensino-aprendizagem como ação intencional, sistemática, que procura organizar as condições que melhor propiciem a aprendizagem. Aspectos como objetivos instrucionais, seleção do conteúdo, estratégias de ensino, avaliação etc., constituem o seu núcleo de preocupações. Trata-se do aspecto considerado objetivo e racional do processo de ensino-aprendizagem” (Candau, V. M., 2000, p. 13-14).

A sistematização das ações, no interesse de favorecer a aprendizagem, a organização e implementação dos procedimentos de ensino, associados a objetivos, seleção de conteúdos e avaliação constituem, portanto, critérios que orientam o entendimento do processo didático na sua dimensão técnica. Quanto à dimensão política, refere-se à contextualização social do processo educativo: 37


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“Se todo o processo é situado, a dimensão politicossocial lhe é inerente. Ele acontece sempre numa cultura específica, trata com pessoas concretas que têm uma posição de classe definida na organização social em que vivem. A dimensão politicossocial não é um aspecto do processo de ensino-aprendizagem. Ela impregna toda a prática pedagógica que, querendo ou não (não se trata de uma decisão voluntarista) possui em si uma dimensão políticossocial” (Candau, V. M., 2000, p. 14).

A contextualização, o comprometimento sociopolítico do ato didático, entendendo-o em suas vinculações concretas com a organização social em que se situa, caracterizam o entendimento do processo na sua dimensão sociopolítica. A autora sublinha, então, a importância da multidimensionalidade:

“Parto da afirmação da multidimensionalidade desse processo: o que pretendo dizer? Que o processo, para ser adequadamente compreendido, precisa ser analisado de tal modo que articule consistentemente as dimensões humana, técnica e politicossocial” (Candau, V. M., 2000, p. 13).

A desarticulação das dimensões do processo didático reduz, esvazia o seu entendimento. Assim, a redução do processo à sua dimensão técnica, descontextualizada, significa, também, a sua redução ao tecnicismo; a redução à dimensão humana limita o seu entendimento à perspectiva “subjetiva, individualista e afetiva” (Candau, 2000, p. 13); a redução à dimensão sociopolítica, desarticulada das demais dimensões, subtrai partes significativas – e essenciais – do entendimento do processo, esvaziando-o em seu conteúdo técnico e humano. A compreensão da multidimensionalidade do processo didático e, nele, das práticas de ensino-aprendizagem e avaliação, é necessária à percepção do alcance do seu significado pedagógico e social. Para que a multidimensionalidade seja percebida pelos sujeitos que vivenciam esse processo, é preciso que ela se explicite nas ações e convicções daqueles que o realizam.

Considerações finais Os fundamentos e dimensões do processo de ensino-aprendizagem e avaliação abrangem questões amplas de seu contexto, circunstâncias, fatores e concepções. O que se fez neste estudo foi rever e apontar alguns desses fundamentos e a perspectiva de multidimensionalidade que orienta a compreensão das práticas didáticas. 38


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Complementarmente, do ponto de vista didático, é também oportuno considerar princípios que orientam procedimentos colaborativos e construtivos de ensino e avaliação, no interesse de que a aprendizagem se realize de modo efetivo. Em Rangel, M. (2008) observam-se, então, os princípios da proximidade do conhecimento, da transposição didática, da diversificação metodológica, da afetividade. Pelo princípio da proximidade do conhecimento, as práticas de ensino-aprendizagem devem partir de conceitos, fatos e processos mais próximos dos alunos, mais reconhecidos por eles, para, então, prosseguir com conceitos, fatos e processos mais distantes e com maior nível de abstração. O princípio da transposição didática recomenda a relação entre teoria e prática, entre conceitos e exemplos, entre o conteúdo ensinado e os fatos do cotidiano da vida social a que o conteúdo se aplica. A transposição didática é especialmente considerada nos procedimentos de ensino e avaliação, associados a níveis de elaboração do conhecimento pretendidos na aprendizagem. O princípio da diversificação metodológica sugere a dinamização da aula e o uso de vários procedimentos de ensino e avaliação, de modo a estimular o aluno a aprender e despertar sua motivação para o estudo, para a participação nas aulas, evitando o receio de ser avaliado. Também em Rangel, M. (2008), como em outros autores (Justo, H., 2003), destacase, na dimensão humana do processo didático, o princípio da afetividade, da relação conduzida pelo acolhimento, pela qualificação e valorização da pessoa do aluno, para quem se realiza, de modo positivo e cooperativo, o processo de ensino-aprendizagem e avaliação, e para quem se destinam a escola e seu projeto pedagógico. Ao finalizar este estudo, reafirma-se o princípio de que o ensino, a aprendizagem, a avaliação constituem processos associados, consorciados, mutuamente recorrentes, cujo propósito e concepção associam-se a fundamentos pedagógicos e princípios didáticos, que constituem suas referências. É preciso, portanto, compreender os fundamentos, para que se faça a melhor opção, no sentido de processos e práticas de uma avaliação construtiva, colaborativa, emancipadora.

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Correspondência Mary Rangel Universidade Federal Fluminense – Departamento de Educação R.Professor Waldemar Freitas Reis, s/nºGragoatá 24210-201 Niterói - São Domingos mrangel@abel.org.br

Carolina Sousa Escola Superior de Educação e Comunicação Campus da Penha 8005 – 139, Faro, Portugal. csousa@ualg.pt

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Identification of highly gifted children Gabriela Kelemen University „Aurel Vlaicu”, Arad, Romania

Abstract We observe that lately more and more specialists focus their attention on the problematics of highly gifted children, on their identification, on finding the most adequate methods to develop their potential and on designing a proper legislation. This aspect is marked by the necessity to acknowledge and respect individual differences, based on human rights: gifted children need adequate educational opportunities to develop their inborn abilities. Identification and education of gifted children receives more and more attention from the personnel in charge, and we observe that as special place is assigned to excellence within the present educational system by developing excellence centres in several regions of the country. Implemented at the level of educational policy, the regulations well stipulated in the education are admirable. The development of educational strategies to identify and train gifted children is an imperative necessity in the pedagogy of highly gifted children. Keywords Gifted, Identification, Skills, Methods, Education

Introduction Brilliant intelligence is rare and human abilities to identify it are rather limited. Most of the times we are unable to recognize it, and if we do we do not know how to approach it. We are fascinated by the brilliance of the human genius but until its recognition we have to follow a difficult path, full of obstacles. It is, maybe, easier to identify talents that perform in domains such as: art, music, sport. These categories benefit from special centres, but the concerns are reduced for the rest of the gifted children, though 80% of all discoveries and scientific innovations are due to gifted and creative children. In Romania, the concerns for the domain of intellectually gifted have developed especially after 1900 when myths and prejudices regarding the superiority of the white race have been put aside by research and studies in this area. The findings have revealed aspects regarding intellectual superiority in all human races, equally distributed for each gender. Of course, giftedness has its own, culture and tradition related characteristics. Unfortunately, after World War II and the political changes that occurred as its 43


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consequence, we observe lower interest for the subject of giftedness, considered of elitist nature, promoting social inequality. Nowadays, in Western Europe and the USA, concerns for the psycho pedagogy of giftedness are numerous and in Romania the interest for this domain has increased after the 90s. Since then, attempts have been made to include the category of gifted people in the object of study of special psycho pedagogy, taking into consideration their special psychological profile. As a matter of fact, in countries such as Spain and the USA, the statement special educational needs explicitly includes the category of gifted children in the legislation of special integrated education. Giftedness is a delicate and interesting subject but still too little explored by the history of psycho pedagogy, due to non-inclusion of gifted children in the category of persons with special needs for a long time. Today, it is more than obvious that these children should benefit from special training programmes, adapted to their high potential, to their psychological profile. Without these facilities they can not achieve superior performances.

1. Argumentation in the initiation of gifted children identification The problems of identifying and educating the gifted brings about debates regarding the types of giftedness, the influence of different cultural groups, the origin of giftedness, the procedures of identifying it, the efficiency of training programmes. According to research, gifted children cover between 2 and 6% of the statistic population, but this percentage can rise up to 20% if inborn intelligence, plus creativity and self-motivation are stimulated in a social and educational environment proper to the development of gifted children. We support this idea, underlining that these children can reach superior performances in the development of their own potential if they are identified soon enough and are provided with proper development conditions. According to some authors, the usefulness of research and education of the gifted can be analysed based on these three aspects: definitions, ideologies and hypothesis that allow the classification of seven problems regarding the programmes of identification and education for the gifted after their orientation: • the level of superiority or of superior performance and the assignment of a label of gifted child; • types of giftedness; • the way giftedness is manifested in different cultural environments; • the origin of giftedness; • screening procedures of the gifted; 44


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• the efficiency of educational programmes. Any attempt to identify and train the gifted in a differentiated manner is improved if those involved are aware that in planing and applying the programmes prevail the aspects related to ideology, empirical obviousness, or if they are focused only on definitions. All training strategies designed for the gifted children capable of superior performances (acceleration, enrichment, grouping, school activities, outside school activities) though so different when viewing their components, teaching and learning time management, knowledge presentation, have a few common premises that refer to: • the intellectual nature of giftedness; • affective characteristics of giftedness; • objectives settled by a regular curriculum; • the ability of enriched or differentiated curriculum to fulfil the education of the gifted. Many authors reveal in their studies the importance of early identification of gifted children in an attempt to help them understand their status, to understand that what they have is not a mistake of the nature, to make them aware that the nature of their personality has nothing weird and that they should not feel ashamed by what they are. A second argument would be the authors attempt to help them progress in their own pace in the fields they manifest giftedness, so as to achieve the performances they are capable of and to become real creators in their fields of interest. Silverman, L.K. (1983), terman, l. m. (1981).

1.1.Identifying gifted children by the method of observation Argument for choosing the method of observation. According to some specialists (Benito, Yolanda, 2003), preschool children and pupils possess certain hidden social and cognitive abilities that are rather difficult to identify. Therefore, more integrative methodologies are required to identify gifted children. There are gifted children in every type of culture, both genders and of different ages. Gifted children sometimes hide their abilities and refuse to obtain high scores in tests. The gifted can be emotionally extremely sensitive and therefore obtain low scores in tests. Complex identification methodologies are necessary and they should take into consideration various factors, including the academic, psychological and cognitive ones. There is a strong urge to find specific methods for identifying gifted children. A flexible identification system has to contain a multitude of factors. A rigorous identification is necessary but so is giving equal study opportunities to gifted children, without discrimination. Educational opportunities for gifted children should be offered equally to boys and girls. 45


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The first stage in the identification work is searching the best valid selection procedures. Usually, the choice depends on the aimed educational programme but also on the experience of those involved professionally. A set of identification procedures contains: IQ measurement tests, tests for special abilities, teachers` appreciations, a portfolio of talents, observations, etc. All components can be examined empirically from the point of view of internal consistency, content validity, test – retest fidelity and empirical validity. Research points out the invalid aspects of an identification instrument (Rotaru, T., Iluţ, P.,1997). For this reason, identification procedures depend on hypothesis related to the label of “gifted”. Therefore, in problems related to identification several meanings are assigned to various definitions, ideological or empirical aspects being less taken into consideration. This approach clarifies the elements that represent a central interest in a position or another towards differentiated education of gifted that are ignored or neglected. The identification of gifted or talented children is a concern that lately gained interest among researchers. Identification in practice can be made by studying some types of gifted children, different personality patterns that vary from a cognitive, ability – based and emotional point of view. The higher the giftedness is, the more emotionally asymmetric the children are, and therefore the differences are substantial. Gifted children, especially at a young age seem to possess attention and observation abilities and the level of attention and concentration evolves through the method of observation. However, identification should contain multiple procedures, various tools and methods: observations, questionnaires, lists, standard tests, meetings with parents, children and teachers, etc. Observations have to be selected according to scientific qualities, objectivity, fidelity and validity, everything based on observation grids. (Radu, I., Ionescu, M., 1987). Identification requires a multi-methodological approach. Intellectual and personality features are observable aspects by field research, direct and systematic observation, without outside interference. We can classify the events based on aimed behaviours as follows: • non-verbal behaviours made up of information provided by body movements, facial expressions, gestures; • spatial behaviours offer information about the individual`s reactions to certain concrete situations, like proximity reactions, bounding of a pupil with the other; • extralinguistic behaviours include aspects of an individual`s peculiarities according to his voice modulation, tone, timbre, volume, etc.; • linguistic behaviours refer to the content of oral or written message.

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If these aspects are observed accurately, they will provide us information regarding certain intellectual and personality – based characteristics that will be registered according to a checklist. Observations can be made on groups of subjects, during a school semester. The time attributed to observation (F. C. Dane, 1990, apud, Bocoş M., 2005) will be the time assigned to formal and nonformal activities. Not all characteristics of gifted children are positive, there are also negative features. We must to identify these features too based on the method of observation and we can record them in our observation sheets. Observations will be classified into four components: non-verbal, spatial, extra linguistic and linguistic: • stubbornness; • the tendency to dispute authority; • not taking part in class activities; • lack of cooperation; • cynicism; • negligence and disorganization; • emotional frustrations; • absent-mindedness; • weak interest for details. The observed events will be systematically recorded in individual observation sheets belonging to each individual. The evaluation of performed observations. The evaluation activity of observations can be done at the end of the semester through a critical attitude in perceiving the results, without improvising and misinterpreting the truth. The recordings will be written with a pencil, on the “field” and all observations will be written down even those that seem less important or less interesting. They can be very useful later on when we will analyse them based on work hypothesis. That is why observation grids will have two entries: secure and insecure information. Observations will be analysed with the aim of testing hypothesis and differentiating between necessary and sufficient causes. The interpretation of evaluation will be done based on some criteria that take into account selection errors. These can be: • Alfa errors or type I risks when we identify a child as possessing high abilities without actually possessing them; • Beta errors or type II risks when a child is gifted but not identified as such. • we also have permanently in view the following aspect: Any diagnosis at 47


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ability level has a time limited predictability value (Carmen Creţu, 1998).

The evaluation of the degree of validity and fidelity a) the analysis of validity establishes if the working strategy and the tools used, are useful for our expectations. There are the following types of validity: - validity of content (internal) – targets the degree to which the indicators measure what is supposed to be measured; - predictive validity (external) – has in view the degree to which the performed measurements allow the observation of relations with other measurements as well as the possibility to forecast the analysed phenomena; - construct validity refers to the explanatory factors of a result obtained through measurement. The measure of this type of validity is given by the correlation manner between the studied variables. b) the fidelity analysis has in view the trust and stability degree of the work tools. The fidelity degree is given by the extend to which we succeed in obtaining true values by the undergone measurements. Observation, as primary method of collecting data regarding human behaviour, is the most adequate method of identifying gifted children, especially in early ages. It allows collecting data in different moments of a day, the observation of child behaviour at different activities, his interest for certain areas, everything in real-life situations. Collecting data, comparing the ones that repeat frequently can lead to certain conclusions regarding the degree of giftedness, of the area where his abilities occur, the age level where the child is placed and the way s/he reacts from an emotional point of view. Another advantage of observation is that it can be carried out without making the observed person aware of the fact that s/he is being observed. Observations collected in this manner can be compared with other methods of identification, with data collected through teacher, parents or other family members addressed questionnaires or with questionnaires addressed to the child himself. Many authors think that natural observation is one of the most adequate methods of studying human behaviour. (Louis Cohen, Lawrence Manion and Keith Morrison, 2007)

1.2. Testings The tests will follow a few regulations. Firstly, we will use standardized tests that follow validity norms such as: a standard set of items applied to all children, standard application rules and evaluation procedures. Following these rules allows us to compare individual results with target group results, in our case, gifted children. Below, we 48


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present the tests we have used in our study: - Domino 70 Test that properly highlights the g factor (Spearman). From a conceptual and correlational point of view it results a strong saturation of g factor, as: 0,86- g factor; 0,9 – k factor k (perceptive spatial variation); 0,04 - n factor (numeric). - H.P. Test. This test is applicable for the age group of 9-25, it consists of 60 items that contain aspects related to mathematical intelligence as arithmetical argument, to linguistics and vocabulary, to logics by analogy making, to succession grasping, focus ability, differentiation between essential and inessential. - H.S.P.Q. Test, according to the test manual it is applicable to the age group 1218 and investigates 14 personality factors that are in direct relationship with success/ interest for school and sport activities, leadership and school adjustment. - Woodworth –Mathews Test can be used to determine the degree of school and social adaptability of the subjects as well as to determine certain differentiating aspects of their personality. This test has been standardized on a normative population of over 2000 subjects and is one of the most frequently used questionnaires of adaptation. It aims at highlighting the adaptation difficulties in different areas of human activity and grasps the differentiating aspects of a person`s adaptation. - We consider as useful the usage of sociometrical tests and demonstrations because these respond to our selection criteria. They offer us the possibility to observe group relations, child behaviour, as well as indexes to reveal possible hetero - chronic aspects of development between intelligence and adaptation conditions. - Another test is the Brumbaugh & Rosho Guide to Identify Gifted Children (1959) – that is addressed to both parents and teachers. - Diana Test, a creativity test1. The creativity test for preschool children consists of drawing as many figures as possible starting from a circle and a square. Each child gets o sheet of paper with several identical squares drawn on it and another sheet of paper with several equal circles. Instructions. Preschool children are instructed to draw as many images as possible starting from the squares and circles on those two sheets of paper. There is no time limit for this activity. Evaluation. Children that draw the most figures, images on the test sheet and those that show creativity in drawing are considered highly creative. A ranking of figures and images drawn by the children can be made in order to see which category is the most frequent:

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(1) Figures created staring from a CIRCLE: • Human physiognomies (F): 18 figures.(child, human, human face, the face of a human, Indian, girl) • Toys (J): 8 figures.(balls, balloon, robot) • Animals (A): 2 figures.(rabbit, bear) • Plants (P): 10 figures.(tree, flower, apple) • Means of transportation (T): 3 figures(tank, bicycle) • Constructions (C): 15 figures.(snowman) • Heavenly bodies (Cc): 7 figures.(planet, sun, globe) • Other objects (Ao): 5 figures.(traffic light, painting, flag, island) (2) Figures created staring from a SQUARE • Human physiognomies (F): 2 figures. (human) • Toys (J): 15 figures. (robot, toy) • Animals (A): no figures. • Plants (P): 6 figures. (flower, tree) • Means of transportation (T): no figures • Constructions (C): 34 figures. (house, wardrobe, chair, television, computer, dog house, window) • Heavenly bodies (C): 1 figure (smoke) • Other object (Ao): 11 figures (flag, alien, abacus, present, ice-cream, painting, cobweb, sock) Test-based selection implies the acceptance of certain truths by the whole educational community. These refer to: • the existence of a threshold value that differentiates gifted children from non-gifted. The value can be the value of an IQ measurement test equal to 130, a maximum score in a math or foreign language test, or the child can be nominated by the teacher; • the test or the process of selection can certainly discriminate the gifted from the non-gifted based on a valid criterion; • the test is not influenced nor favours one group or the other; • most capable pupils can be identified through this testing or selection process.

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1.3. Nomination made by the parents We consider that in early age parents or legal guardians are the first one that get to know the development level of the children and to ascertain specific aspects that differentiate children. They are the first ones to observe aspects different from those manifested in the classroom. At home, children have a different behaviour, motivations are different, the interests are different, the attitude differs in a secure environment like the one at home, and therefore special abilities can easily be observed. Thus, we will rely on data provided by parents within the identification process. These data have been collected in interviews that contain relevant questions regarding exceptional development of children in different directions such as: - precocious reading skills; - special linguistic abilities; - advanced thinking; - intellectual curiosity. These aspects may or may not be relevant in the identification process of a gifted child, because parents have the tendency to be subjective and lack realism when they compare their child`s performance with other children` performances. Therefore we have related each item – by parent or teacher – to the assessed child/pupil trying to identify the intensity, frequency and the degree of adequacy of the characteristics based on the identification scale.

1.4. Nomination made by the teachers This method represents an accepted way to identify gifted children of all ages. It focuses on observing behaviour and characteristics typical for children of a certain age. The teacher observes the child in different states while being in school. The teacher uses various means of thorough observation, such as: spontaneous observations, systematic observations recorded in checklists, the analysis and study of school results, of school portfolios. Outstanding aspects observed through this methos can confirm the presence of a gifted child among other children. Teacher`s checklist should contain the following directions of identification: - outstanding learning characteristics; - strong motivation; - leadership; - highly creative thinking;

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- eagerness for knowledge and information; - constancy of these abilities; - self-determination. In order to possess information as real as possible, we will use multi-factor identification items. Teachers` observations will be done based on these items.

A child that possesses all these characteristics is considered a gifted child and

s/he should be put under a close observation. 1.5. Nominations made by classmates In the first identification stage (screening) of children with high abilities, there are used teachers, parents, classmates nomination procedures, even self – nomination. Nominations made by classmates are viable due to the fact that children have a developed spirit of justice and honesty, therefore their observations are considered just and relevant. One of the most appreciated classmates` nomination procedures is Tracking Talents, designed by the Canadian professor Françoys Gagné. The questionnaire presents 42 psycho-bevahioural prototypes, grouped in 9 ability categories (intellectual abilities, creative, socio-affective, physical, academic, technical skills, artistic skills, interpersonal skills, inferior achievements/success). The classmates are required to fill in the questionnaire, nominating four classmates, in order of their preferences that they consider the most appropriate for the position described by the prototype.

1.6. The analysis of school scores The procedure of school score analysis may or may not be relevant in the attempt to identify gifted children. Specialists argue that most of the times, school scores do not fully reflect the exceptional abilities of gifted children, yet it is good not to give up on this procedures, if it is used cautiously. School scores can be analysed as a whole or each school subject separately.

Conclusions We consider that in the attempt to identify gifted children, the most efficient procedures are the ones mentioned above: observations, nominations made by parents and teachers, IQ evaluation through tests and standardized/nonstandardized methods, analysis of school scores, nominations and denominations made by pupils. In the identification process of gifted children it is proper to focus especially on 52


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those markers that allow us to make a multifactor identification, as honest as possible. Therefore, we consider that mingling different procedures and techniques, namely using a wide variety of items, we will succeed to achieve our goals. It is necessary to use a target group consisting of enough members, so as to be representative for the identification of gifted children. The results of the application of identification strategies must reveal objective and clear information on the following dimensions: • the distribution of scores in the H.P. intelligence test • the results of applying the Domino 70 intelligence test • the results of applying the creativity test. • Bravais-Pearson and Spearman correlations between the intelligence tests. • the results of applying the H.S.P.Q. test and the sociometric test. • the distribution on standard grades of QI2 factor in pupils with medium QI,gifted children. • results obtained at non-tests. All results are necessary if we want to identify gifted children in order to train them properly. This educational intervention should start at an early age, so as not to waste the inborn potential of the gifted. The sooner the interventions start, the more satisfactory the results in the evolution of gifted children will be. It is a matter of moral conscience, to interfere with the best methods, in the identification and education of gifted children.

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Notes 1

This test is a personal contribution and was designed taking into account the characteristics of the group of children that were subjected to testing, namely children from Arad, and according to their special abilities.

Correspondence Gabriela Kelemen B-dul Revoluţiei nr. 77, 310130 Arad, România kelygaby@yahoo.com

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R. Mendes, F. Clemente, R. Rocha, & A. S. Damásio • Observação como instrumento no processo de avaliação em Educação Física

Observação como instrumento no processo de avaliação em Educação Física Rui Mendes Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Filipe Clemente Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física – Universidade de Coimbra Rúben Rocha Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física – Universidade de Coimbra António Sérgio Damásio Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Observar caracteriza-se pela sua individualidade constrangida por significados particulares diferenciados e sujeitos à subjetividade inerente a cada observador (cf. Sarmento, 2004). A subjetividade da observação é um facto incontornável (e.g., Proença, 1982; Sarmento, 1991) sendo que, a eficácia de um qualquer comportamento, determina-se pelo grau de identificação entre o objetivo definido (i.e., observador) e o resultado obtido (i.e., executante). Consequentemente, a eficácia do sistema avaliativo depende intrinsecamente da qualidade e afinamento percetivo da observação. Face ao exposto, pretende-se com o presente trabalho abordar os conteúdos teóricos relativos ao entendimento da observação e como este processo poderá auxiliar na melhoria do sistema avaliativo realizado pelo professor de Educação Física. Palavras-chave Observação, Avaliação, Educação física, Formação de professores

Abstract Observe is characterized by their individuality constrained by different particular meanings to subjects at subjectivity inherent to each observer (cf. Sarmento, 2004). In fact, the subjectivity of observation is a unavoidable fact (e.g., Proença, 1982; Sarmento, 1991), being that the effectiveness of any behavior, is determined by the degree of identification between the goal set (i.e., observer) and the result obtained (i.e., performer). Consequently, the effectiveness of evaluation depends on the intrinsic quality and regulation of perceptive observation. Given the above, we intend to address 57


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with this work the theoretical contents related to the understanding of observation and how this process can help to improve the teacher evaluation system. Keywords Observation, Evaluating, Physical education, Teaching training

Introdução A génese da observação acompanha o ser humano desde os primórdios da espécie. De facto, o Homem sempre se socorreu da observação como instrumento de garantia da sua subsistência e evolução (e.g., aprendizagem por observação). Observar é algo mais que olhar, é captar significados diferentes através da visualização (cf. Sarmento, 2004). Portanto, quem observa atribui necessariamente um sentido significativo ao que vê, incutindo-lhe um cariz intrínseco que é subjetivo por ser inerente a cada observador. Esse processo de observação é um instrumento afinado ao ambiente ecológico da ação, permitindo detetar informações que posteriormente são recolhidas, organizadas, compreendidas e relatadas. Essas informações proveem necessariamente do foco atencional e do afinamento da observação em relação ao objetivo do observador. Atenda-se ao facto de que observadores distintos, perante a mesma realidade, poderem encontrar-se mais ou menos afinados perante determinado objetivo (e.g., Proença, 1982; Sarmento, 1991; Sarmento, 2004). Este fenómeno é influenciado por distintos fatores, entre os quais se destacam a experiência do observador à realidade observada, a atenção seletiva, o acoplamento com o objetivo e o ambiente em que se observa. A individualidade é um constrangimento que atua ativa e dinamicamente no decorrer do processo de observação, não sendo expectável um afinamento totalmente homogéneo intra e interobservadores, mas apenas um afinamento relativo, que vai aumentando proporcionalmente à experiência na observação e/ou treino específico de observação (Sarmento, 1991). O observável é estritamente humano e espaço-temporal, i.e., o que é recolhido pela observação emerge da necessidade do conhecimento, mas também pela compreensão das suas ações particulares (Sarmento, 2004). Consequentemente, observar não faculta apenas uma perceção. Observar advém de um conjunto de expectativas intrínsecas do 58


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observador (e.g., objetivo, experiência) que consequentemente resultam em hipóteses, confirmações ou reformulações. Parece consensual que todos os movimentos observáveis podem ser descritos em termos de especialização, bastando para tal, fazer depender os juízos ou os objetivos sobre os aspetos a observar. Emerge assim, para além de outras capacidades (e.g., memória, discriminação percetiva visual), a atenção seletiva (Sarmento, 1991), como elemento essencial à maior eficácia do processo observacional. Entende-se como relevante a capacidade de diferenciar e atentar nos elementos fundamentais da ação, i.e., “antes de observar, saber o que observar”. Para tal, a capacidade de planeamento e projeção da observação, poderão ser elementos que incrementarão a qualidade e focalização da observação, principalmente quando no sistema de ensino convencional a observação decorre tendencialmente de forma direta, sem recurso a meios indiretos (e.g., tecnológicos), expondo o professor às suas limitações (e.g., experiência na modalidade, ambiente). Diversas lacunas de diagnóstico podem ocorrer por restrições na aquisição de informação advindas de limitações temporais para observar (Rosado, 1997). Consequentemente, incumbe-se ao docente o planeamento e conceção do referencial de observação, mais ou menos elaborado, que permite afinar as observações para os objetivos da mesma. O referencial poderá auxiliar na focalização atencional do observador permitindo que, in loco, se socorra do instrumento para incrementar a sua eficácia observacional. Paralelamente incumbe-se ao profissional da Educação Física, aperfeiçoar-se no sentido de diminuir assimetrias no seu sistema de avaliação. Por conseguinte, o treino da observação deve ser um elemento a privilegiar desde o início do processo de formação pedagógica. Quando se pretende que a observação sirva os princípios da educação, a mesma deve ser aprimorada concedendo oportunidades ao professor de identificar claramente o que pretende observar e reagir no sentido de emergirem estratégias de aperfeiçoamento ao discente. O afinamento da observação é um fator preponderante que auxilia no momento de identificar, classificar e prescrever correções, sendo que observação e avaliação são instrumentos agregados e não desconexos entre si. De facto, a análise de movimentos é um aspeto relevante que se deve ponderar quando aborda competências de ensino (Rosado, 1997).

Avaliação e Observação Na Educação Física, assim como em contextos de treino desportivo, a observação assume-se como uma capacidade essencial para o uso, sendo fulcral na análise e avaliação das prestações dos alunos ou atletas, e como tal, na própria atividade do docente 59


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(Aranha, 2007). As funções essenciais da observação estão associadas à identificação de prestações/rendimentos menos eficazes permitindo ao professor fornecer informação de retorno sobre a performance ou sobre o resultado ao aluno, i.e., o feedback pedagógico o que contribui para o aperfeiçoamento da sua prestação e, como tal, produz efeitos benéficos no processo de aprendizagem. Nestes contextos o treino da observação do movimento desportivo é utilizada como suporte à formação do docente, permitindo-lhe uma melhor adequação e qualidade do feedback pedagógico a fornecer ao aluno, já que este momento de prescrição depende da qualidade da observação realizada pelo professor. Para além dos fatores mencionados possibilita, igualmente, a constituição e adequação dos grupos de nível de proficiência da turma, bem como, a análise do rendimento e evolução dos alunos proveniente das atividades prescritas, permitindo a regulação do processo de ensino. Aranha (2007) enuncia três momentos de observação distintos: 1) pré-observação; 2) observação e; 3) pós-observação. 1) A pré-observação caracteriza-se pelo treino e preparação para o ato de observar, onde se exige ao docente a tarefa de planear o que pretende observar, as formas e os momentos da aplicação. No essencial caracteriza-se pelo plano avaliativo. 2) Na observação, como ação real no espaço de uma aula, identifica-se a observação direta ou indireta quando resultante de um registo de vídeo ou similar. Como principal e crucial momento para registar e consequentemente avaliar em função dos dados recolhidos, deverão ser respeitados três princípios: a) objetividade; b) fidelidade e; c) validade. a) No princípio da objetividade é enaltecida a importância do observador ser transparente, rigoroso e pertinente pelo que o seu comportamento dever-se-á caracterizar por se manter imune a um conjunto de influências ou efeitos, entre as quais se destacam: i) das influências do efeito de halo (e.g., um aluno que, tradicionalmente, obtém avaliações elevadas é valorizado numa prestação baixa concedendo-se uma justificação não plausível como a do aluno não efetuar o gesto técnico de lançamento na passada com êxito, porque se encontrava condicionado); ii) o efeito de estereotipia, onde existem influências de observações anteriores (e.g., um docente que leciona uma turma dum ano de escolaridade tende a generalizar todos os discentes desse mesmo ano, comparando-os com a primeira turma observada); iii) efeito de rigor, onde devido ao seu excesso de zelo, o professor nunca se sente satisfeito com as informações recolhidas (o que poderá resultar na não atribuição de um valor máximo de classificação); iv) efeito de generosidade, onde o docente atribui constantemente avaliações inflacionadas à maioria dos alunos ou; v) o efeito de tendência central, em que o docente, de forma a

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não desmotivar os discentes menos desenvolvidos, atribui notas semelhantes a todos os discentes. Estes efeitos relatados limitam a observação pela sua subjetividade, devendo-se pautar pela isenção de qualquer pressão ou suspeita, registando-se exatamente aquilo que se observa (Aranha, 2007). b) O princípio da fidelidade relaciona-se com a aplicação do instrumento por diferentes observadores. Numa aplicação inter ou intraobservadores, verifica-se o grau de aceitação e categorização das ações observadas. Um comportamento deverá ser enquadrado num determinado domínio taxonómico e, mediante a sua categorização, não deverá divergir caso outra situação similar se observe. Na literatura o Índice de Bellack é comummente utilizado para aferir a fidelidade, cuja fórmula consiste no “(total de acordos/total de acordos + desacordos) x 100.” (Aranha, 2007). Numa amostra pequena (i.e., n = 30) aceita-se um resultado igual ou superior a 80% como garante da fidelidade; numa amostra substancialmente mais alargada aceita-se o valor de 85% como resultado. Estes valores de fidelidade, são importantes, quer em contexto investigacional, quer em contexto de intervenção profissional, a fim de se verificar qual o grau de fidelidade da observação, intraobservador e interobservadores. É assim possível verificar se o docente observa e classifica comportamentos similares de forma congruente, sem incorrer no erro (sempre presente na observação e avaliação humana) de avaliar o aluno com base em critérios diferentes em diferentes momentos. c) O princípio da validade reporta-se ao facto dos instrumentos utilizados deverem medir aquilo a que se propõem. De facto, é improvável que se obtenham resultados válidos se os instrumentos não se mostram fiáveis (Tenbrink, 1999), i.e., encontrando-se o docente a observar o lançamento na passada, o instrumento deverá incluir os aspetos selecionados com discriminação criterial do gesto técnico do lançamento da passada e não do lançamento em suspensão. 3) A pós-observação relaciona-se com a análise efetuada sobre os elementos recolhidos, salientando-se o facto de ser crucial na avaliação (Aranha, 2007). Os dados recolhidos são muito relevantes pois as informações que deles derivam são significativas e podem ser utilizados pelo professor para encetar alterações ao processo de ensino. Deverá ser cumprido o ciclo de recolha, identificação, conjugação de soluções e verificação da utilidade das soluções preconizadas. É importante não só (re)conhecer o erro, analisá-lo e emitir uma resposta congruentemente estratificada, mas igualmente, observar e avaliar essa mesma resposta. A observação permite recolher dados com menor ou maior grau de precisão usados pelo professor para proceder à avaliação. O treino da capacidade de observação permite 61


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obter uma maior sensibilidade na recolha de informação, destacar os fatores essenciais em detrimento de fatores secundários que não são úteis para a análise das informações. Este processo depende do nível de conhecimento da modalidade abordada sendo que, o professor com maior conhecimento específico, potenciará a sua observação, mantendo-o afinado percetivamente aos critérios de êxito relevantes. Igualmente, o nível de desempenho dos alunos e conhecimento dos mesmos face à tarefa poderá ser um fator influenciador da observação. A avaliação, como marco importante de análise das informações recolhidas, serve para categorização dessas mesmas informações. O progresso ou o desenvolvimento de determinadas capacidades apenas é verificado aquando da observação destas (i.e., recolha de informação). Nesta ótica é possível determinar se o aluno efetivamente cumpre ou não determinado requisito. Os processos internos e as estratégias a que o professor recorre para observar e classificar a prestação são o garante do rigor na observação e avaliação. A determinação do erro não deve ser unívoca nem estereotipada, i.e., dever-se-á identificar as causas do erro. Observação e avaliação são dois processos interligados que permitem detectar indicadores e identificar, com base nestes, a causa para o comportamento observado. Só através de um processo de observação rigoroso e uma avaliação consistente se consegue registar e categorizar as informações recolhidas. Quanto maior a afinidade entre os dois processos maior será a compreensão e o consequente ajustamento do ensino de modo a favorecer a aprendizagem. Como deverá proceder o docente para que a sua capacidade de observação, deteção e análise dos comportamentos seja melhorada beneficiando a avaliação desses comportamentos? Uma das respostas centra-se na construção de instrumentos de registo da observação. Porém, na fase antecedente à seleção e utilização de um instrumento deverá o docente ter conhecimento do que efetivamente pretende observar. Na avaliação, com a sua preparação na fase de planeamento (pré-impacto) o docente deverá selecionar e referenciar quais os comportamentos/competências que pretende avaliar, bem como, os seus respetivos parâmetros e critérios de êxito sendo que, apenas desta forma, saberá o professor o que realmente pretende observar. Januário (1992) destaca a estreita relação entre o pensamento do Professor antes da aula e o que faz no seu decurso da mesma Para Januário (1992) as decisões pré-interactivas ou de planeamento contribuem para a redução da ansiedade e da incerteza, permitem uma estruturação e uma visualização prévia da intervenção, reduzindo a sua aleatoriedade e tentando prever os limites provocados pelos factores de contingência, e, principalmente, ligam o pensamento à 62


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acção. Assim a observação deverá ser efetuada para se compreender o que sucede no espaço de intervenção pedagógica (e.g., neste caso, relativamente aos conteúdos, estratégias, tarefas, atividades, clima de aula, disciplina, organização da turma). Permite uma recolha de informação relevantes no processo de avaliação e/ou classificação dependente do momento a que se refere. Um dos resultados da observação é a sua utilização como instrumento de apoio nos momentos de avaliação formativa, tendo como objetivo corrigir os erros detetados de modo a ajustar o processo de ensino ou a verificação dos resultados da aprendizagem face às metodologias adotadas. Após a caracterização do objeto de observação, é fundamental definir procedimentos, instrumentos e regras de registo a utilizar. Neste quadro se centra uma característica muito importante comum à observação e à avaliação: a recolha de informação que, se no campo de observação deverá possuir um instrumento prático e fiável, no domínio da avaliação deverá apresentar um referencial discriminatório contendo os critérios que se pretende classificar. O ato de avaliar consiste em fundamentar, conhecer, clarificar, negociar e legitimar a informação recolhida (Machado, 2011). A construção de um referencial resulta da necessidade de assegurar que a avaliação seja um processo transparente, fundamentado e rigoroso. Igualmente deverá promover a avaliação como um construto coletivo que confere sentido às ações humanas. No momento de conceção de um referencial deverá estar presente a conjugação do referencial com os objetivos da avaliação que se pretender enfatizar, estilos de ensino utilizados, conteúdos mobilizados e momentos em que se deverá avaliar: i) na avaliação diagnóstica, assumindo a necessidade de conhecer os pré-requisitos dos discentes evidenciando a individualização do ensino; ii) na avaliação formativa conferindo um grau de adequação do ensino em favor da aprendizagem e; iii) na avaliação sumativa pretendendo-se num único momento avaliar o discente, sendo uma avaliação mais ambígua devido ao facto das aprendizagens dos discentes serem consideradas apenas com a sua explicitação num único momento sem margem de erro. O referencial deverá incorporar todos os parâmetros avaliativos de forma congruente e estratificada para que no processo de construção das fichas de observação exista a possibilidade de introduzir as informações necessárias ao processo de avaliação. Através dos referenciais é possível conhecer exatamente o que se pretende observar e como se pretende avaliar. Não deverá ser estanque, dado que uma modificação do processo de ensino fruto da observação e recolha de dados durante a avaliação formativa conduz à necessidade de proceder ao ajustamento do processo ensino aprendizagem o que, por sua vez, poderá implicar uma alteração das ponderações dos critérios apresentados no referencial.

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O professor, com um papel de promoção e facilitação da aquisição de aprendizagens significativas nos seus discentes, deverá ser igualmente um investigador impaciente que observe comportamentos e identifique as suas causas (método indutivo e dedutivo de resolução de problemas) procurando emitir uma resposta e uma solução adequada para os problemas e os constrangimentos detectados que condicionam o desenvolvimento e aprendizagem do aluno. O simples ato de observar deve ser uma decisão constante do planeamento (e.g., seleção de conteúdos, estabelecimento e possível classificação de critérios) que precede a fase de avaliação e, em consequência acompanha a análise e possível reajustamento da planificação (cf. Figura 1).

Figura 1. Tarefas centrais de cada professor (adaptado de Bento, 1998)

Desta forma, a observação é um processo fulcral que não tem um fim em si mesmo, subordinando-se e disponibilizando-se ao serviço de processos mais complexos, tais como a avaliação, o diagnóstico, o julgamento (a formulação de juízos), a investigação descritiva e a experimentação (Serafini & Pacheco, 1990), i.e., a observação é um processo essencial para que a avaliação seja objetiva e rigorosa cumprindo o papel determinado pelo docente.

Fatores de Aperfeiçoamento da Observação Aprender a realizar uma boa observação de movimentos é um dos aspetos importantes na formação de professores (Rosado, Virtuoso & Mesquita, 2004). Uma das limitações advindas da inexperiência do docente encontra-se intrinsecamente relacionada com a avaliação diagnóstica. No caso do não afinamento deste instrumento, a avaliação não servirá de forma adequada os seus propósitos, permanecendo desfasada da realidade, i.e., se não existe o diagnóstico correto, como poderá de forma concreta, eficaz e eficiente, o docente orientar a sua intervenção pedagógica?

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Tabela 1. Condições da fase de pré-observação (adaptado de Proença, 1982) Respeitantes ao Observador Condições

Disponibilidade (i.e., tempo e atitude)

Informação – formação

Independência e isenção

---

Especificação Preparar atempadamente a intervenção, definindo e planeando os elementos a observar Domínio do objeto, do contexto, dos instrumentos e das técnicas Não observar na fase diagnóstica com base em informações e pressupostos anteriores

---

Respeitantes à Situação Condições

Caracterização

Definição do objeto da observação

Especificação Identificar de forma exaustiva os fatores que permitam influenciar o desempenho da ação (i.e., intrínseca e extrinsecamente) O observador deve saber exatamente o que pretende observar

Não interferir na sua normalidade

Respeitar a identidade própria do contexto

Privilegiar os elementos na sua normalidade

A quantificação dos elementos e factos observados conduzirnos-á no sentido da objetividade possível

Nesta ótica, é pertinente desenvolver uma descrição sumária de procedimentos que poderão diminuir o desfasamento percetivo do docente em relação à realidade, incrementando a sua capacidade de diagnosticar e avaliar, servindo apropriadamente os propósitos educativos. Proença (1982) realça a importância da fase de pré-observação, como elemento potenciador de uma melhor adequação da observação ao seu propósito. Efetivamente, o autor reparte essa fase em duas condições essenciais: i) respeitantes ao observador e; ii) respeitantes à situação. Na mesma linha de pensamento, Sarmento (1991) destaca a fase de preparação do observador como elemento preponderante na melhoria da qualidade da observação. Denominando as diferentes fases de etapas processuais, o autor enfatiza e ordena os seguintes elementos: a) Definir o que se vai observar – selecionar a tarefa que se pretende observar; 65


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b) Definir os critérios de observação – selecionar os parâmetros cinemáticos a observar; c) Definir a medida de observação – atribuir valores mensuráveis à observação realizada; d) Estabelecer os «itens» de observação – estabelecer os parâmetros concretos para a observação; e) Observação – segmentado nas fases de pré-observação (i.e., dá-se a conhecer o protocolo selecionado de acordo com o tipo de observação); observação (i.e., visualização do objeto de avaliação) e; pós-observação (i.e., indicação do que se percebeu); f) Tratamento dos resultados – registo dos dados obtidos, tratamento e análise no intuito de servirem os propósitos previamente estabelecidos.

Da multiplicidade de opções no que respeita a estratégias de treino e aperfeiçoamento da capacidade de observação, destaque-se o modelo de diagnóstico de Hoffman (1983) pela sua abrangência e funcionalidade.

Figura 2. Modelo de diagnóstico de Hoffman (adaptado 1983; cit in Sarmento, 2004)

O modelo defendido por Hoffman (1976; cit in Sarmento, 2004) sugere duas subcompetências subjacentes à deteção de erros de execução: i) a proficiência percetual (i.e., deteção do movimento) e; ii) a proficiência de diagnóstico (i.e., decidir sobre a 66


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observação). Os resultados (i.e., avaliação) da proficiência percetual e diagnóstico concedem indicações diferenciadas, a partir das quais se poderá estabelecer o processo de treino baseado nos erros verificados (cf. Sarmento, 2004). No caso de limitações subjacentes à fase de diagnóstico, preconiza-se um treino no âmbito cognitivo (i.e., conhecimento da técnica gestual). No caso oposto, i.e., limitações respeitantes à fase percetual, recomenda-se uma reflexão relativamente à acuidade visual, deficiência percetual ou erro de focalização. No cômputo geral sobre a forma de como melhorar a qualidade da observação, enfatize-se alguns aspetos que potenciarão gradativamente a eficácia e eficiência do docente na ação. Um dos aspetos é a manutenção da estrutura de observação no contexto de aprendizagem e prática pedagógica estipulada, i.e., se a opção recaiu na estruturação de prática através de um modelo de ensino dos jogos para a compreensão (Thorpe, Bunker & Almond, 1986) deverá ser nesse tipo de modelo que decorrerá a observação, pois a validade ecológica proporcionará um maior afinamento percetivo do docente, bem como, a performance nos momentos de avaliação refletir-se-á mais facilmente nos momentos semelhantes aos do contexto da aprendizagem. Por outras palavras, não será uma prática ajustada promover aprendizagens num modelo mais ecológico e avaliar num modelo analítico, pois esse tipo de procedimento não concretizará os propósitos do avaliador na medida em que a prática analítica é muito mais específica e minuciosa, ao contrário da prática ecológica que se reveste de um cariz mais generalizado e abrangente. Outro aspeto pertinente enquadra-se no planeamento e metodologia de observação. Aquando da ação, o docente deverá conhecer efetivamente o que pretende observar e como se socorrerá dessa observação para avaliar. Um planeamento equilibrado capacitará o docente de um maior foco atencional no que pretende observar. Por outras palavras, se pretende analisar determinado elemento, não será benéfico atentar em aspetos que pouco se relacionam com o que pretendia identificar. Para além do exposto, a observação deverá ser mais abrangente ou mais específica em consonância com os momentos avaliativos, i.e., o tipo de observação deverá ser adequado às funções (diagnóstica, formativa ou sumativa) de avaliação. Na avaliação diagnóstica, a observação deverá incidir nos aspetos que se pretendem ensinar durante a unidade didática e reduzir a focagem nas aprendizagens consolidadas, sendo que a observação na fase diagnóstica será mais abrangente, atendendo em aspetos mais generalistas do movimento, potenciando o agrupamento dos discentes em grupos de nível, sem nunca descurar uma avaliação coerente. 67


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A avaliação formativa aumentará a focagem nos aspetos específicos de cada nova aprendizagem, i.e., incidirá minuciosamente nas componentes críticas de cada ação explorada durante os momentos de prática. A observação será menos abrangente e mais focada, bem como será um elemento avaliador e formativo, pois o docente deverá socorrer-se desta avaliação para reorganizar a sua prática pedagógica, sempre que necessário. Na avaliação sumativa, o foco específico da observação reduzirá em relação à formativa, contemplando novamente o aspeto abrangente do desempenho, direcionandose para as novas aprendizagens e para as componentes críticas explicitadas no programa nacional de educação física para os níveis de aprendizagem. No fundo, o tipo de observação será mais ou menos específico atendendo ao propósito da avaliação. A observação e a avaliação deverão ser contempladas na prática pedagógica do docente, como momentos potenciadores de aprendizagem dos alunos. Avaliar serve o propósito da melhoria da aprendizagem e sem esse fim, não parece servir os propósitos educativos. Este pressuposto encontra-se claramente expresso no articulado legal em vigor, i.e., no despacho normativo n.º6/2010 que se refere à avaliação como um elemento integrante e regulador da prática educativa, permitindo uma recolha sistemática de informações que, uma vez analisadas, apoiam a tomada de decisões adequadas à promoção da qualidade das aprendizagens.

Conclusão Do presente trabalho resulta a enfatização da pertinência do treino da observação como estratégia de regulação e melhoria da avaliação efetuada pelo docente de Educação Física. Importa enaltecer a adequação dos parâmetros de observação às funções da avaliação, bem como a conceção de um planeamento rigoroso e objetivo que promova o afinamento percetivo da observação à avaliação dos parâmetros e descritores pretendidos.

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Correspondência Rui Mendes (Centro Interdisciplinar de Estudos da Performance Humana) Escola Superior de Educação Rua Dom João III - Solum, 3030-329 Coimbra, Portugal rmendes@esec.pt

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Filipe Clemente Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física Estádio Universitário de Coimbra, Pavilhão 3 3040-156 Coimbra filipe.clemente5@gmail.com

Rúben Rocha Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física Estádio Universitário de Coimbra, Pavilhão 3 3040-156 Coimbra rocha.rbn@gmail.com

António Sérgio Damásio Escola Superior de Educação Rua Dom João III - Solum 3030-329 Coimbra, Portugal sergio@esec.pt


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Os artefatos dos media na educação em sexualidade Sylvia Helena dos Santos Rabello1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp/Bauru e CIDTFF– Universidade de Aveiro Ana Maria de Andrade Caldeira Programa de Pós-Graduação em Educação para Ciência Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp/Bauru Filomena Teixeira Escola Superior de Educação - Politécnico de Coimbra CIDTFF – Universidade de Aveiro e

Resumo: A Educação em Sexualidade nem sempre encontra espaço privilegiado e abordagem apropriada na escola básica, apesar de sua recomendação pelas autoridades educacionais em países como o Brasil, e de sua obrigatoriedade em outros, como em Portugal. Artefatos de media como jornais, revistas, videojogos, cinema, televisão, publicidade, internet, rádio, podem se constituir em ferramentas interessantes para o trabalho de temas de sexualidade e gênero na escola, uma vez que não apenas veiculam informações, mas principalmente, atuam na constituição de identidades dos sujeitos que os consomem. Uma vez que esses materiais são utilizados por adolescentes fora da escola, importa trazê-los para a sala de aula e propiciar aos/às estudantes uma problematização das ideias e conteúdos ali veiculados. Neste trabalho apresentamos uma experiência de ensino a partir da utilização de artefatos de media desenvolvido no ano de 2010 junto a estudantes do nono ano de escolaridade no Brasil. As reflexões teóricas de fundo se apóiam no campo da Educação em Sexualidade e nas discussões produzidas no âmbito do Projeto “Sexualidade e Gênero no Discurso dos Media”, desenvolvido no CIDTFF da Universidade de Aveiro-PT. Palavras-chave Educação em sexualidade, Artefatos dos media

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Introdução O tema “sexualidade e gênero” está presente na escola em seus diversos ambientes, momentos e situações. A escola interfere na construção da sexualidade das/os adolescentes, seja ao promover o contato e a interação entre eles e elas, seja ao incluir conteúdos e desenvolver estratégias de ensino a fim de problematizar posturas, crenças, mitos e tabus. A sua presença também é marcada nas situações em que os/as alunos/ as se expressam sobre o assunto, manifestando suas inquietações, e até mesmo quando sua abordagem é recusada e silenciada. Enfim, as questões relativas à sexualidade, o seu ensino e a sua aprendizagem, seja pela via formal e deliberada, seja pela via informal, “estão, queira-se ou não, na escola” (Louro, 1998, p.131). Sexualidade e gênero são aqui assumidos como construções culturais, para longe das noções biologizantes, essencialistas e deterministas que atribuem às características pessoais relativas aos modos de ser homem e de ser mulher e de viver a sexualidade, explicações pela via da “natureza”. Segundo a UNESCO (2010), a Educação em Sexualidade é

uma abordagem apropriada para a idade e culturalmente relevante ao ensino sobre sexo e relacionamentos, fornecendo informações cientificamente corretas, realistas, e sem prejulgamento. A educação em sexualidade fornece oportunidades para explorar os próprios valores e atitudes e para desenvolver habilidades de tomada de decisão, comunicação e redução de riscos em relação a muitos aspectos da sexualidade (v.I, p.2). É na escola que, desde tenra idade, as pessoas são preparadas para a fase adulta da vida; é neste local que os/as estudantes passam a maior parte de seu tempo; é no período escolar que as pessoas têm as primeiras experiências relacionadas à sexualidade; a escola possui infraestrutura tanto material como humana, principalmente professores/as, o que a habilita plenamente a atuar na Educação em Sexualidade (UNESCO, 2010). A inclusão da Educação em Sexualidade em currículos oficiais nem sempre é obrigatória. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (Brasil, 1998) são referenciais para uma abordagem transversal da sexualidade e gênero desde os anos iniciais de escolaridade. Recentemente, a Resolução Nº 7 do Ministério da Educação, que “fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos” (Brasil, 2010) instituiu que os temas de sexualidade e gênero, dentre outros, “devem permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacional comum e da parte diversificada do currículo” (idem, p.5). Em Portugal, a inserção escolar da temática está instituída desde a década de 80 do século XX através da Lei nº 3/84 - Educação Sexual e 72


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Planeamento Familiar e sua obrigatoriedade foi consolidada através da Lei nº 60/2009, regulamentada pela Portaria 196-A/2010 (Teixeira, 2010). Porém, a questão da Educação em Sexualidade na escola não se resolve apenas sendo recomendada ou tornando-a obrigatória. Silva e Megid-Neto (2006), em pesquisa do estado da arte a partir de teses e dissertações sobre a educação sexual escolar no Brasil, assinalaram o despreparo profissional dos/as docentes para lidar com o tema da sexualidade enquanto componente curricular. Em Portugal, uma pesquisa realizada antes do advento da Lei de 2009 apontou para a necessidade de formação complementar dos/ as professores/as para a abordagem de temas de sexualidade e gênero em todos os níveis de escolaridade (Ramiro e Matos, 2008). Schilling, Vianna e Moreira (2009) realizaram uma extensa pesquisa em contextos de educação formal no Brasil, encontrando um razoável número de trabalhos cujo tema era o da sexualidade, porém, o gênero ou não aparecia, ou surgia de modo incipiente. Apresentamos uma experiência de um curso de Educação em Sexualidade desenvolvido junto a estudantes do nono ano do ensino fundamental no Brasil, no ano de 2010. As seções de aulas se deram no âmbito de um curso regular, especialmente organizado para o trabalho com a temática de sexualidade e gênero. O referido curso também dá suporte a uma investigação em nível de doutorado, em desenvolvimento pela primeira autora, que nele atuou como a professora da turma. A segunda autora orienta o trabalho de pesquisa como um todo. A terceira autora coordena o Projeto “Sexualidade e Gênero no Discurso dos Media”, em andamento no CIDTFF da Universidade de AveiroPT (onde a primeira autora realizou estágio doutoral no segundo semestre do ano de 2011) e orienta as discussões sobre as possibilidades de incorporação dos materiais de media na abordagem de sexualidade e gênero, em nível da formação de professores/as e de alunos/as.

Os artefatos dos media na educação em sexualidade Os materiais provenientes dos media constituem-se como pedagogias culturais, pois, mesmo não tendo a função deliberada de ensinar, afetam comportamentos e atitudes e influenciam os processos de transformação das identidades e subjetividades (Silva, 2009). Importa trazer tais materiais para a sala de aula e propiciar aos/às estudantes uma problematização das ideias e conteúdos ali veiculados. No caso das revistas juvenis, por exemplo, estudos mostram que elas atuam nas representações que os/as adolescentes têm sobre sexualidade e gênero, veiculando, com insistência, discursos erotizados e heteronormativos, pautados em estereótipos de gênero, a partir de uma visão binária e estanque dos modos de ser homem e de ser mulher (Teixeira et al. 2010; Rabello e Cadeira, 2010). Notícias divulgadas pela imprensa de informação geral podem 73


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representar uma oportunidade de leitura de temas atuais relativos à sexualidade que muitas vezes não são encontrados em textos didáticos. Neste sentido, concordamos com Zanchetta Junior (2010) ao defender o uso de textos midiáticos em contexto escolar – em especial os jornais impressos ou digitais – e ao apostar na possibilidade de se “propiciar situações de leitura que possam ir além da mera recepção de informações atrelada ao consumo, à superficialidade, ao vazio intelectual supostamente provocado pela mídia” (p.299). Também a utilização de artefatos fílmicos em sala de aula se mostra um recurso apropriado para a discussão de temas de Educação em Sexualidade com os/ as estudantes, pois,

a imagem nos constitui, nos constrói, educa nosso olhar, nossas formas de ver e de pensar, de forma que ela passa a ser o ponto central nesses processos na medida em que servem para construir significados que são produzidos em meio a contextos culturais (Ferrari, 2010, p.177). Para a abordagem dos temas de sexualidade e gênero junto aos/às estudantes no curso de que trata este trabalho foram utilizados variados artefatos dos media produzidos no Brasil. Para abordar o tema “gênero”, a professora apresentou aos/às estudantes textos e imagens de uma matéria da revista todateen2, seguido de questões para serem respondidas individualmente. A revista trata a questão das diferenças entre meninos e meninas segundo uma abordagem binária de gênero, enfatizando os aspectos biológicos para as explicações sobre as condutas masculinas e femininas (Rabello e Caldeira, 2010). Na sequência, a professora conduziu a discussão a partir das respostas oferecidas pelos/as estudantes, buscando estimular a reflexão sobre outras possibilidades de se considerar as diferenças de gênero, como aquelas vislumbradas através das lentes da história, da cultura e das relações sociais. Afinal, entendemos, com LOURO (1999), que

A inscrição dos gêneros - feminino ou masculino - nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. As possibilidades da sexualidade - das formas de expressar os desejos e prazeres - também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade (p. 11). O tema do prazer sexual, solicitado pelos/as alunos/as em uma atividade de sondagem de interesses realizada pela professora no início do curso foi abordado a partir de um infográfico veiculado na revista Mundo Estranho3, intitulado “O que acontece no corpo durante o orgasmo?”. Esta publicação, embora não assuma para qual segmento de público se dirige especificamente, estando incluída pela editora na categoria de revistas ”infantis e jovens” 4, é reconhecida pelos/as próprios/as estudantes como uma revista 74


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mais direcionada ao público masculino adolescente e jovem. A escolha desta revista se deu justamente para buscar incorporar um material que apresentasse uma perspectiva diferente das revistas femininas, estas sim, com uma elevada quantidade de títulos e proposta editorial bastante semelhante. Ao mesmo tempo, as informações relativas ao orgasmo foram complementadas por outros materiais retirados de sítios da web e de livros e artigos científicos da área, pois, como a revista abordava a questão com ênfase na sexualidade masculina, fez-se necessário buscar dados também a respeito do orgasmo feminino. O tema “virgindade, primeira vez, iniciação sexual” foi introduzido a partir de excertos de uma seção de cartas de leitoras endereçadas à revista todateen5, disponibilizada na internet. As cartas das leitoras são sempre dúvidas ou pedidos de conselhos apresentados em forma de perguntas e respondidas por um sexólogo consultor da publicação. A professora iniciou a atividade propondo aos/às estudantes que, organizados em duplas, lessem e discutissem uma pergunta e sua respectiva resposta para, então, abrir a discussão para todo o grupo. Os temas das cartas versavam sobre a primeira relação sexual, com dúvidas sobre hímen, dor, sangramento, possibilidade (ou não) de gravidez, idade ideal para a primeira relação sexual, consequências da perda da virgindade etc. Em seguida, a professora propôs a leitura e discussão do texto “Tabu da virgindade feminina veio com a agricultura, diz cientista”, extraído do Caderno Ciência do jornal Folha de S. Paulo6. A reportagem faz referência à obra de Peter Stearns7 em que o tabu da virgindade é abordado segundo uma visão histórica e cultural, mencionando desde a religião até o desenvolvimento das cidades e sua influência sobre a sexualidade. O conjunto de atividades permitiu, como esperado, que os/as alunos/as manifestassem suas próprias dúvidas e representações acerca do tema da virgindade, relacionando-o a aspectos mais amplos, para além das questões de foro íntimo recorrentemente relacionadas ao tema. O filme do tipo documentário Meninas8 foi utilizado como disparador das discussões sobre o tema “gravidez”. A partir do acompanhamento ao longo de um ano do cotidiano de três raparigas grávidas e seus respectivos parceiros, moradoras/es de favelas do Rio de Janeiro/Brasil, o filme mostra as alegrias e as dificuldades da maternidade e da paternidade durante a adolescência. Também foram discutidas outras situações envolvendo a gravidez com apoio em textos e reportagens de jornal, revista para adolescentes e sítios da internet. Da revista para adolescentes Capricho9 foi utilizada a reportagem “Meninas mães”, que dá voz às histórias de quatro raparigas de classe média que se tornaram mães durante a adolescência. A partir da reportagem “Mamãe é Down”, publicada na revista semanal de informação geral Época10, foi abordado o tema da gravidez em adolescentes com deficiência, discutindo aspectos relativos aos direitos sexuais e reprodutivos, buscando desestabilizar crenças errôneas e preconceituosas, bastante comuns nesse domínio (Maia e Ribeiro, 2010). Uma notícia do jornal digital Folha on line11 trouxe à tona a discussão da 75


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gravidez de uma criança vítima de estupro. Também não foi esquecida a situação, cada vez mais atual, da gravidez em pessoas maduras, que foi trabalhada a partir da matéria “Mulheres contam como é ser mãe depois dos 50 anos”, publicada no jornal impresso Folha de S. Paulo12. A professora solicitou aos/às alunos/as que discutissem, em duplas, e depois junto ao grupo todo, as semelhanças e diferenças entre os casos, identificando as peculiaridades de cada situação, o que permitiu uma reflexão não apenas sobre a questão da prevenção, mas, sobretudo, quanto aos direitos sexuais e reprodutivos, favorecendo, ainda, a identificação de situações passíveis de preconceito e discriminação. Com o objetivo de discutir aspectos relacionados à infecção pelo VIH/SIDA, analisar os aspectos epidemiológicos, bem como as formas de prevenção, considerando ainda a perspectiva de adolescentes e jovens que vivem com o vírus VIH foram utilizados dois tipos de artefatos: um material produzido pelo Ministério da Saúde13 para divulgação através dos media e duas reportagens do Caderno Folhateen do jornal Folha de S. Paulo14, versão impressa. O material institucional do Ministério da Saúde aborda os números da SIDA no Brasil, especialmente quanto aos casos novos que, em termos proporcionais, vêm crescendo entre meninas de 13 a 19 anos e entre homens que fazem sexo com homens, na faixa etária dos 13 aos 24 anos de idade. Este material busca veicular uma mensagem de combate aos estereótipos, ao preconceito e à discriminação das pessoas que vivem com o VIH. A primeira reportagem do Caderno Folhateen da Folha de S. Paulo focaliza histórias de jovens que contraíram o VIH pela via sexual. Também são apresentados casos de pessoas que adquiriram o vírus por transmissão vertical (mãe para filho/a). A segunda reportagem aborda a necessidade do uso de preservativo para a prática de sexo oral, assunto muito pouco divulgado e debatido pelos media e também pela escola. A aula propiciou discussões a respeito das formas de transmissão do VIH, números e tendências da epidemia, imunidade e doença, vacina, direitos humanos, direitos sexuais e direitos reprodutivos – riscos e possibilidades de gravidez por pessoas portadoras de VIH, políticas públicas e campanhas oficiais de prevenção, sexo seguro, meios de prevenção, testagem compulsória da população, preconceito para com portadores/as do VIH, direito à intimidade e à privacidade.

Considerações finais O uso de artefatos dos media utilizados nas aulas de um curso de Educação em Sexualidade para estudantes adolescentes do nono ano de escolaridade mostrou-se adequado, pois, além de propiciar a abordagem de temas atuais e de interesse dos/as estudantes, permitiu a problematização dos discursos que veiculam, visando contribuir para a reflexão sobre questões relacionadas à sexualidade e ao gênero em contextos de educação sexual formal. Acreditamos na potencialidade desses materiais também 76


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para situações em que o trabalho em Educação em Sexualidade se organize de maneira transversal, seja em aulas de Educação para a Saúde, seja nas dos demais componentes curriculares tais como História, Ciências, Biologia, Língua Portuguesa, Educação Cívica, entre outras.

Bibliografia Brasil.Secretaria de Educação Fundamental (1998). Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica (2011). Resolução Nº 7, de 14 de dezembro de 2010.

Fixa Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Consultado em 12 de abril http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=a rticle&id=14906&Itemid=866 Ferrari, A. (2010). Pra que time ele joga? Cultura visual e educação: contribuições para o trabalho com as homossexualidades. In XV seminário acadêmico APEC América Latina: diálogos posibles. Actas del XV seminario acadêmico APEC América Latina: diálogos posibles (pp. 173-180). Barcelona: Creative Commons. Louro, G. L. (1998). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalist ( 2ª ed.). Petrópolis-RJ: Vozes. Louro, G. L. (1999). Pedagogias da sexualidade. In G. L. Louro (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. Maia, A. C. B. & Ribeiro, P. R. M. (2010). Desfazendo mitos para minimizar o preconceito sobre a sexualidade de pessoas com deficiências. Rev. bras. educ. espec. [online], 16 (2), 159-176. Rabello, S. H. dos S. & Caldeira, A. M. de A. (2010). Gênero, pedagogias culturais e educação sexual: a questão das diferenças entre meninos e meninas. In F. Teixeira, [et al.] (Orgs.). Sexualidade e educação sexual: políticas educativas, investigações e práticas (pp. 297-302) (E-book). Braga: CIEd – Centro de Investigação em Educação,Universidade do Minho. Ramiro, L. & Matos, M. G. (2008). Percepções de professores portugueses sobre educação sexual. Rev. Saúde Pública [online], 42 (4), 684-692. Schilling, F.; Vianna, C. & Moreira, M. de F. S. (2009). Gênero, sexualidade e educação formal no Brasil: um olhar sobre a produção acadêmica entre 1990 e 2006. In: Reunião da Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA), Rio de Janeiro. Silva, T. T. (2009). Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. (3ª ed.). Belo Horizonte: Autêntica. 77


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Silva, R. C. P. & Megid-Neto, J. (2006). Formação de professores e educadores para abordagem da educação sexual na escola: o que mostram as pesquisas. Ciência & Educação, 12 (2), 185-197. Teixeira, F. (2010). Educação em sexualidade e formação de professores/as. In F. Teixeira, [et al.] (Orgs.) Sexualidade e Educação Sexual: políticas educativas, investigações e práticas (pp. 315-319) (E-book). Braga: CIEd – Centro de Investigação em Educação, Universidade do Minho. Teixeira, F.; Marques, F. M.; Sá, P.; Vilar-Correia, M. R.; Couceiro, F.; Folhas, D.; Portugal, S.; Silva, I. V.; Cardoso, S.; Vilaça, T.; Frias, A. & Lopes, P. (2010). Sexualidade e género nas revistas juvenis: o caso da Bravo. In F. Teixeira, [et al.] (Orgs.). Sexualidade e educação sexual: políticas educativas, investigações e práticas (pp.285291) (E-book). Braga: CIEd – Centro de Investigação em Educação,Universidade do Minho. UNESCO (2010). Orientação técnica internacional sobre educação em sexualidade: uma abordagem baseada em evidências para escolas, professores e educadores em saúde. v.1. Razões a favor da educação em sexualidade. UNESCO. Consultado em 24 de nov. de 2010, http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001832/183281por.pdf. Zanchetta Junior, J. (2010). Circulação de textos midiáticos entre alunos de escola pública básica. Educ. Pesqui. [online], 36 (1), 297-310.

Notas 1

Bolsista do Programa Institucional de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) - Capes/Brasil.

2

Revista todateen, edição n° 166, setembro de 2009

3

Revista Mundo Estranho, edição n° 54, agosto de 2006.

4

Ver: https://www.assine.abril.com.br/portal/categoriasDestaquesRevista!listarC ategoria.action?codCategoria=44&codCampanha=A727. Acesso em 20 set. 2011.

5

Revista todateen - Seção - A gente te ajuda com as dúvidas sobre sexo!-. Disponível em: www.todateen.uol.com.br. Acesso em: 18 out. 2010.

6

Folha de S. Paulo – Caderno Ciência, 12 de setembro de 2010.

7

STEARNS, Peter N. Historia da Sexualidade. São Paulo: Contexto, 2010.

8

Meninas. Direção Sandra Werneck. 71 minutos. Brasil, 2006.

9

Revista Capricho, edição n° 1097, maio de 2010.

10

Revista Época, edição nº 538, 08 de setembro de 2008. 78


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Jornal Folha on line, 07 de julho de 2006.

12

Folha de S. Paulo – Caderno Cotidiano, 30 de julho de 2006.

13

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Brasil, Ministério da Saúde. Dia mundial de luta contra a AIDS, 01 de dezembro de 2010. Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/story/2010/ greco_apresentacao_pdf_30635.pdf. Acesso em: 06 dez. 2010.

14

Folha de S. Paulo – Caderno Folhateen, 29 de novembro de 2010.

Correspondência Sylvia Helena dos Santos Rabello Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp/Bauru e rabellosylvia@gmail.com

Ana Maria de Andrade Caldeira Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp/Bauru anacaldeira@fc.unesp.br

Filomena Teixeira Escola Superior de Educação Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 Coimbra filomena@esec.pt

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J. Gato & A. M. Fontaine • Atitudes face à diversidade sexual no contexto psicossocial, jurídico, da saúde e educativo

Atitudes face à diversidade sexual no contexto psicossocial, jurídico, da saúde e educativo Jorge Gato e Anne Marie Fontaine Universidade do Porto

Resumo Procurou-se, neste estudo, averiguar as atitudes face à diversidade sexual de pessoas que, nas suas áreas específicas de intervenção, lidarão com crianças, adultos e jovens. Para tal, um conjunto de futuros profissionais da área psicossocial, jurídica, da saúde e da educação (N = 1288) foi inquirido sobre as suas atitudes face a lésbicas e a gays e o seu contacto pessoal/científico com a diversidade sexual. Verificou-se uma tendência para os alunos dos cursos de Educação, Medicina e Direito evidenciarem atitudes mais negativas face a lésbicas e a gays, do que os alunos provenientes de cursos da área psicossocial. Os alunos de Direito foram os que reportaram menos amigos/as não heterossexuais e os alunos de Educação os que referiram menos contacto com informação científica sobre diversidade sexual, resultados que poderão explicar parcialmente as suas atitudes. As implicações deste estudo remetem para a consciencialização dos futuros profissionais acerca das suas atitudes face à diversidade sexual e para a abordagem desta temática no âmbito dos curricula das licenciaturas. Palavras-Chave Preconceito, Lésbicas, Gays, Direito, Saúde, Educação

Abstract In the current study we sought to investigate the attitudes towards sexual diversity evidenced by persons who, in their specific areas of intervention, will deal with children, adolescents, and adults. With this goal in mind, a group of future professionals from psychosocial, legal, health, and educational domains (N = 1288) were asked about their attitudes towards lesbians and gay men, and their interpersonal/academic exposure to sexual diversity. There was a tendency for students in Education, Medicine and Law degrees to report more negative attitudes towards lesbians and gay men, than students in psychosocial areas. Law students had the least contact with non-heterosexual persons and Education students had the least contact with scientific information pertaining to sexual diversity, results which may partly inform their negative attitudes toward sexually diverse people. Implications of this study aim to raise awareness of the need for future professionals to consider the implications of how their attitudes may impact sexually diverse people. The need for the inclusion of these issues in the curricula 81


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of university degrees is also highlighted. Keywords Prejudice, Lesbians, Gay men, Law, Health, Education

Atitudes face à diversidade sexual no contexto psicossocial, jurídico, da saúde e educativo A crescente obtenção de direitos por parte da comunidade LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgénero) e o inegável aumento da visibilidade desta população poderão fazer pensar que o preconceito e a discriminação em razão da orientação sexual e da identidade de género já não constituem um problema. No entanto, como salientam Nogueira e Oliveira (2010), “se (…) a adopção de uma identidade gay ou lésbica é considerada uma orientação viável e saudável, por outro lado, existem ainda preconceitos e desinformação persistente sobre a homossexualidade com diferentes resultados e consequências” (p. 10). Particularmente grave é a existência de preconceito e discriminação em sectores que envolvem a promoção do bem-estar e a protecção dos direitos humanos de crianças, adultos e jovens (Conselho da Europa, 2011). O objectivo principal deste trabalho é, precisamente, averiguar em que medida os “preconceitos e desinformação” sobre homossexualidade, a que se referem Nogueira e Oliveira (2010), são evidenciados por futuros profissionais da área psicossocial, jurídica, da saúde e da educação. Começar-se-á por fornecer alguns dados de carácter sociológico e psicológico sobre o preconceito e a discriminação de lésbicas e gays, em Portugal e a nível internacional. Posteriormente, são apresentadas evidências de heterossexismo e heteronormatividade,1 em alguns sectores como o direito, a saúde e a educação. Finalmente, são analisadas e discutidas as atitudes e o contacto com a diversidade sexual, por parte de um conjunto de futuros profissionais das áreas mencionadas.

Atitudes face a lésbicas e a gays Inquéritos europeus como o European Social Survey (ESS) ou o Eurobarómetro têm fornecido dados de carácter sociológico sobre as atitudes relativamente a esta população. Assim, embora cerca de 60% dos portugueses concordem que “Gays e lésbicas deveriam ser livres para viver a vida como querem”, Portugal é, entre os países da Europa Ocidental, um dos que apresenta níveis mais baixos de concordância com esta afirmação (ESS, 2006). Dados provenientes do Eurobarómetro também mostram que, comparativamente 82


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com a média europeia, os portugueses sentem-se menos confortáveis com a ideia de ter um/a vizinho/a homossexual,2 com a presença de uma pessoa homossexual no cargo político elegível mais elevado do país e têm uma probabilidade mais baixa de ter uma pessoa amiga ou conhecida homossexual (Comissão Europeia, 2009). Os portugueses parecem ter consciência desta situação: cerca de 60% considera que a orientação não heterossexual é um factor de discriminação comum no seu país (valor médio para a Europa de 47%) (Comissão Europeia, 2009). Outro indicador das atitudes face a lésbicas e a gays diz respeito à opinião sobre a adopção por casais do mesmo sexo. Novamente, Portugal apresenta valores mais baixos relativamente à média europeia (32%), com cerca de 19% da população a concordar com esta questão (Comissão Europeia, 2007). Analisando o perfil sociodemográfico e político dos respondentes, verifica-se que as atitudes mais negativas são evidenciadas pelos homens, pelas gerações mais velhas, pelas pessoas com um nível educacional mais baixo e pelas pessoas que se situam politicamente à direita (Comissão Europeia, 2008; Costa, Pereira, Oliveira, & Nogueira, 2010b; Gato, Fontaine, & Carneiro, 2011b; Kelley, 2001; Kite & Whitley, 1996). A ausência de contacto interpessoal com lésbicas e/ou gays também está associada a atitudes mais negativas relativamente a esta população (Bowen & Bourgeois, 2001; Comissão Europeia, 2008; D’Augelli & Rose, 1990; Gato et al., 2011b; Herek, 1988; Herek & Capitanio, 1996; Herek & Glunt, 1993; Iraklis, 2010; Sakallβ & Urgulu, 2001; Simoni, 1996). Estudos no âmbito da psicologia complementam os indicadores anteriores na medida em que permitem um olhar mais aprofundado sobre o conteúdo das atitudes face a lésbicas e a gays. Tal como se verificou no caso da raça/etnia ou mesmo do género, o preconceito contra as pessoas não heterossexuais tornou-se mais subtil,3 isto é, assumiu formas menos evidentes para se “adaptar” a contextos sociais regidos por uma norma social igualitária.4 Neste sentido, Gato e colaboradores (2011b) verificaram, junto de uma amostra de estudantes universitários portugueses (N = 380), a coexistência de diferentes tipos de atitudes face a lésbicas e a gays. Assim, além de atitudes preconceituosas de cunho mais tradicional (que se referiam, por um lado, à rejeição da relações próximas com lésbicas e gays e, por outro, à patologização da homossexualidade), foi possível encontrar uma atitude negativa mais subtil e de carácter contemporâneo (relacionada com a rejeição, quer da legitimidade da expressão da identidade lésbica e gay, quer da conjugalidade/parentalidade exercida por pessoas do mesmo sexo) e, mesmo, uma atitude positiva (respeitante ao apoio dos direitos civis de lésbicas e gays). Os autores verificaram ainda que, dentro das atitudes negativas, os participantes aderiram mais à atitude de carácter contemporâneo, do que às atitudes tradicionais. Adicionalmente, as mulheres e os participantes que reportaram ter contacto interpessoal com lésbicas e gays subscreveram menos as atitudes negativas e mais a atitude positiva, do que os homens e os participantes sem contacto interpessoal com esta população. Inquirindo, por sua vez, 83


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uma amostra maioritariamente do sexo feminino, residente na área da Grande Lisboa e com um nível de escolarização elevado (N = 1498), Costa e colaboradores (2010b) verificaram que as participantes não avaliavam as pessoas lésbicas e gays como imorais, pecadoras ou pervertidas e tinham noção da sua discriminação. Mostravam também uma baixa aversão face a gays e a lésbicas e evidenciavam atitudes pró-diversidade e de valorização dos direitos das pessoas LGBT. Não obstante esta avaliação globalmente positiva, as pessoas inquiridas manifestaram uma neutralidade atitudinal, quer no que diz respeito aos privilégios que a sociedade dá ou nega em função das orientações sexuais, quer no que concerne aos aspectos positivos associados às identidades LGBT. Verificou-se, assim, uma tendência para a “aceitação” das pessoas não heterossexuais, continuando estas, contudo, a ser encaradas de forma menos positiva relativamente à norma heterossexual. Em síntese, a literatura sociológica e psicológica aponta para o facto de o preconceito contra lésbicas e gays subsistir, assumindo actualmente diversas nuances. Parece também existir uma maior adesão a preconceitos de carácter mais subtil do que a preconceitos mais tradicionais. Finalmente, atitudes menos negativas estão associadas, entre outros, a uma idade mais jovem, a um nível educacional mais elevado e são evidenciadas, sobretudo, por mulheres ou pessoas que têm contacto interpessoal com lésbicas e gays.

Preconceito e discriminação em contextos específicos Devido à amplitude das suas potenciais consequências é particularmente importante averiguar a existência de preconceito e discriminação, por parte de profissionais cujo papel é o de promover o bem-estar e proteger os direitos das pessoas e suas famílias, independentemente da orientação sexual (Conselho da Europa, 2011). Ora, as pessoas LGBT inquiridas por Oliveira e colaboradores (2010) expressaram uma percepção elevada de discriminação, quer a nível geral, quer nos sectores específicos da Justiça, da Educação, da Segurança Social e da Saúde. Para melhor circunscrever este fenómeno, considerou-se relevante a apresentação de alguns dados respeitantes ao preconceito e discriminação de lésbicas e gays em três desses sectores: jurídico, saúde e educação.

Contexto jurídico Durante os últimos anos assistiu-se em Portugal a diversas iniciativas legislativas no sentido da não discriminação com base na orientação sexual e identidade de género.6 No entanto, como refere Almeida (2010), “o processo legislativo relativo a questões LGBT padece de um carácter errático e por vezes contraditório” (p. 53). Por exemplo, em legislações como a do casamento civil ou a da reprodução medicamente assistida, 84


J. Gato & A. M. Fontaine • Atitudes face à diversidade sexual no contexto psicossocial, jurídico, da saúde e educativo

constata-se a introdução de excepções discriminatórias, respectivamente em relação à adopção por casais do mesmo sexo, no primeiro caso, e ao acesso ao apoio do Estado por mulheres solteiras ou em união homossexual, no segundo caso. O preconceito e a discriminação por orientação sexual podem também transparecer em acórdãos, sentenças ou pareceres emitidos por diversos actores do sistema jurídico. No Brasil, analisando o conteúdo de 88 acordãos judiciais e de 27 entrevistas com desembargadores, acerca de litígios relacionados com a conjugalidade entre pessoas do mesmo sexo, Oliveira (2007) verificou a persistência de um direito natural baseado na moral cristã, nomeadamente no que diz respeito à visão heteronormativa da família. No dizer de um magistrado, “Eu não consigo me convencer que seja algo natural uma eventual relação sexual entre homens, ou mesmo entre mulheres. Isso não me convence. […] isso é absolutamente antinatural. […] Não é uma relação normal” (Oliveira, 2007, p. 142). A propósito da adopção por casais do mesmo sexo, outro desembargador refere:

eu não acho, eu não acho saudável, por exemplo, um casal de homossexuais, […], criar, adotar uma criança, eu sinto resistência em aceitar isso. Pode ser que em razão da minha idade, da minha criação, da minha religião […] de qualquer forma, eu sou católico apostólico romano, a minha mãe é uma mulher muito religiosa e tentou passar isso pra gente, eu estudei em seminário, colégio de padre, essa coisa toda, então veja bem, eu percebo que é uma questão de cultura, eu não aceitei ainda esta entidade familiar constituída de dois homens e duas mulheres. (Oliveira, 2007, p. 143)

Veja-se, ainda, o seguinte excerto, extraído de um acórdão de um tribunal português relativo a um processo de disputa judicial do poder parental de uma criança, pelo seu pai gay:7

Que o pai da menor, que se assume como homossexual, queira viver em comunhão de mesa, leito e habitação com outro homem, é uma realidade que se terá que aceitar, (…), mas não se defenda que é um ambiente desta natureza o mais salutar e adequado ao normal desenvolvimento moral, social e mental de uma criança, designadamente dentro do modelo dominante na nossa sociedade (…) A menor deve viver no seio de uma família, de uma família tradicional portuguesa, e esta não é, certamente, aquela que seu pai decidiu constituir, uma vez que vive com outro homem, como se de marido e mulher se tratasse. (…) Estamos perante uma anormalidade e uma criança não deve crescer à sombra de situações anormais. (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 85


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processo n.º 441/95, in Santos, Santos, Duarte, & Lima, 2009, p. 51)

Assim, não obstante progressos indubitáveis no campo legislativo, existem também evidências de que a interpretação do Direito deixa uma vasta margem de liberdade para alguns dos seus agentes garantirem a preservação e legitimação de uma ideologia heteronormativa (Fineman, 1993, in Santos et al., 2009; Mello, 2008; Oliveira, 2007; Valdes, 1995).

Contexto da saúde

Um relatório sobre discriminação em razão da orientação sexual e da identidade de género do Conselho da Europa (2011) identifica quatro obstáculos no acesso de pessoas LGBT aos cuidados de saúde.8 Uma primeira dificuldade relaciona-se com o nível significativo de desconfiança evidenciado por pessoas não heterossexuais, relativamente aos profissionais desta área. Resultados de um estudo português confirmam este problema. Assim, Moleiro e Pinto (2009) verificaram que, enquanto os psicólogos eram vistos como profissionais competentes, os médicos e os enfermeiros eram percepcionados como potencialmente homofóbicos. Um segundo obstáculo diz respeito às atitudes preconceituosas evidenciadas pelo pessoal médico.9 Este preconceito radica essencialmente em duas questões: por um lado, num desconhecimento e abordagem desactualizada da homossexualidade e do transgenerismo; por outro lado, na presença do heterossexismo e da heteronormatividade nas interacções com os pacientes e nas tomadas de decisão clínica (Conselho da Europa, 2011).

Embora a homossexualidade tenha sido retirada do manual de perturbações mentais da Associação Americana de Psiquiatria em 1973 e da lista de doenças da Organização Mundial de Saúde em 1991, em 2009 o presidente do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos Portugueses ainda distinguia entre homossexualidade primária (adquirida biologicamente) e secundária (adquirida socialmente), declarando que a última podia ser objecto de tratamento psicoterapêutico (Jornal Público, 02.05.2009). Também em Portugal, uma análise aprofundada do discurso de técnicos de saúde mental (psicólogos e psiquiatras) evidenciou uma visão da homossexualidade como uma orientação “não natural”, resultado de um défice ou uma falha desenvolvimental (Moita, 2001, 2006). O mesmo estudo permitiu ainda constatar uma tendência dos técnicos para avaliar os clientes não heterossexuais como mais individualistas, agressivos ou com mais dificuldades de relacionamento do que os clientes heterossexuais, e para ignorar dimensões mais positivas ou contextuais que poderiam estar associadas às orientações 86


J. Gato & A. M. Fontaine • Atitudes face à diversidade sexual no contexto psicossocial, jurídico, da saúde e educativo

não heterossexuais. Não é assim de estranhar que, num inquérito a pessoas LGB portuguesas (N = 350), cerca de 13.3% se tenham sentido discriminadas, directa ou indirectamente, por profissionais deste sector, pelo menos uma vez (Monteiro, Policarpo, & Silva, 2008, in Danish Institute for Human Rights, 2009). No que diz respeito à heteronormatividade no contexto da saúde, Monteiro e colaboradores (2008, in Danish Institute for Human Rights, 2009) verificaram que as pessoas LGB por si inquiridas percepcionavam efectivamente este fenómeno por parte de algum pessoal médico. Alves (2010) reflecte sobre os obstáculos enfrentados particularmente pelas lésbicas, no que diz respeito à sua saúde sexual e reprodutiva,

Uma consulta de ginecologia, uma rotina habitual para imensas mulheres, pode tornar-se para uma lésbica, uma conversa de surdos/as: se a mulher não quer ou tem dificuldade em revelar a sua orientação sexual, toda a consulta é realizada com o pressuposto da heterossexualidade, o questionário e as recomendações incidirão no sexo coital, no desejo ou na prevenção da gravidez; se, pelo contrário, ela deixa bem claro o facto de ser lésbica e de não ter relações com homens, as suas necessidades de saúde e prevenção podem ser subestimadas ou não reconhecidas, não serem efectuados os rastreios recomendados e nem sequer é aflorada a questão de querer ou não filhos/as. (Alves, 2010, p. 22)

Um caso merecedor da atenção dos meios de comunicação social portugueses (e.g., Câncio, 2011) e que motivou uma reacção da Ilga-Portugal (2011), diz precisamente respeito a uma situação de discriminação de uma lésbica, no contexto de uma consulta de ginecologia. Sucintamente, um médico e uma enfermeira da Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa terão questionado a legitimidade da queixosa querer ser mãe. A argumentação de um destes profissionais é esclarecedora:

Nunca me tinha surgido um caso desses porque agora é que as pessoas falam mais disso. E confesso que não compreendo, realmente, porque é que duas mulheres querem ter filhos. Porque acho que para uma criança crescer normalmente deve ter um pai e uma mãe. (Câncio, 2011)

Augusto (2006) verificou também a presença de heterossexismo e heteronormatividade no contexto da reprodução medicamente assistida. O seguinte excerto, retirado de uma 87


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entrevista a um profissional desta área é elucidativo a este respeito,

Eu trato casais, trato situações de infertilidade conjugal. (…) Acho que é muito bom uma criança ser educada pelo seu pai e pela sua mãe, acho que é muito bom uma criança ser educada por um homem e uma mulher. Perturbou-me sempre e continua a perturbar-me a ideia de uma criança ser educada por um casal de homossexuais, seja masculino ou feminino. A minha posição é exactamente essa. Penso que não a devo impor, mas penso que não é aceitável que me imponham qualquer outra perspectiva. (Augusto, 2006, p. 61).

Subjacente a esta preocupação estará, como demonstraram Gato e Fontaine (no prelo), o receio de que o desenvolvimento psicossexual das crianças seja “afectado” pela homossexualidade dos pais. Um terceiro obstáculo reportado pelo Conselho da Europa (2011) relaciona-se com o não reconhecimento, em alguns países membro, dos direitos de visita e participação em decisões clínicas, de parceiros do mesmo sexo. Em Portugal, com a aprovação do casamento civil, os cônjuges do mesmo sexo estarão, em princípio, mais protegidos em relação a estes aspectos. No entanto, esta é uma questão que se continua a colocar, por exemplo, às famílias homoparentais, particularmente ao membro do sistema parental que não é legalmente reconhecido como mãe/pai. Um quarto problema tem a ver com a associação dos homens gays/ bissexuais ao VIH/SIDA. Este estereótipo tem efeitos perversos a vários níveis. Por exemplo, até recentemente, o Instituto Português do Sangue excluía explicitamente os gays da doação voluntária de sangue, deliberação justificada com a alegação de que estes seriam sexualmente “mais promíscuos” do que os heterossexuais (Carneiro, 2006; Jornal Público, 17.07.2009). Tal como se verificou relativamente ao contexto jurídico, indícios de preconceito e discriminação contra pessoas LGBT são também visíveis ao nível do sistema de saúde.

Contexto educativo Relatórios produzidos pela Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais (European Union Agency for Fundamental Rights – FRA, 2009) e pelo Conselho da Europa (2011) indicam que as escolas são ainda um palco frequente de preconceito e discriminação de jovens LGBT. Os problemas identificados dizem respeito a dois tipos de situações: a heteronormatividade nos materiais de ensino e o bullying/discriminação 88


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homofóbicos. Em Portugal, 34% dos inquiridos por Monteiro e colaboradores (2008, in Danish Institute for Human Rights, 2009), afirmaram ter sido vítimas directas de preconceito ou discriminação pelos seus pares na escola, devido à sua orientação homossexual ou bissexual, pelo menos numa ocasião. Ainda de acordo com este estudo, as escolas eram, depois da família, consideradas o contexto mais comum de discriminação. Embora a recente Lei da Educação Sexual portuguesa inclua, entre os seus objectivos, o “respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais” e a “eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual” (Diário da República, 2009, p. 5097), estes propósitos parecem longe de estar concretizados. Disso são exemplo os 103 testemunhos de discriminação em função da orientação sexual e da identidade de género no espaço escolar, recolhidos pelo Observatório de Educação da Rede Ex Aequo (2010). A maior parte dos relatos dizem respeito a agressões verbais, físicas e psicológicas de outros alunos, mas é também possível encontrar queixas de agressões homofóbicas/transfóbicas por parte de profissionais da escola, nomeadamente funcionários (15 %) e professores (14%). Uma parte significativa das pessoas que responderam a este inquérito considerou ainda as atitudes dos professores (47%) e os conteúdos curriculares (50%) entre “algo” e “bastante” discriminatórios ou omissos. As famílias homoparentais também poderão ser vítimas de preconceito e discriminação no sistema educativo.10 Por exemplo, estudando uma amostra norteamericana de mães e pais LGBT (N = 588) e seus filhos (N = 154), Kosciw e Diaz (2008, in Riggs, 2011) verificaram que 51% das crianças reportavam, pelo menos, um tipo de discriminação na escola (e. g., abusos verbais e/ou físicos, recusa em abordar a temática da homoparentalidade), sendo que 15% se queixavam dos professores e 36% dos colegas. No que diz respeito aos pais, 26% reportaram sentir-se discriminados, principalmente por outros encarregados de educação. Finalmente, menos de um terço dos participantes consideraram que existia uma abordagem correcta de assuntos relacionados com a homoparentalidade nos curricula escolares. Resultados semelhantes foram reportados por Ray e Gregory (2001) junto de uma amostra australiana de mães lésbicas e pais gays (N = 117) e seus filhos (N = 48). Assim, cerca de 44% das crianças que frequentavam entre o 3º e o 6º ano de escolaridade reportaram ter sido vítimas de alguma forma de bullying, manifestando, simultaneamente, pouca confiança na capacidade dos professores para lidar adequadamente com estas situações. Entre os pais, 18% daqueles que tinham filhos na escola primária e 28% dos que tinham filhos na escola secundária indicaram que o seu filho tinha sido vítima de perseguição. Cerca de 17% dos filhos no ensino secundário reportaram sentir-se discriminados pelos professores. Ainda na Austrália, estudando as 89


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experiências educacionais de mães lésbicas (N = 23) e seus filhos (N = 57), Riggs (2011) verificou que ambos experienciaram discriminação no espaço escolar, principalmente no que diz respeito à utilização pejorativa das palavras “lésbica” ou “gay”. Grande parte destes incidentes não foi reportada pelas mães à direcção da escola. Quando tal aconteceu, as mães sentiram que a escola não tinha lidado adequadamente com a situação. Parece evidente que o preconceito e a discriminação em razão da orientação sexual se verificam ainda, quer ao nível da população geral, quer nos contextos da justiça, da saúde e da educação. O estudo empírico que se apresenta em seguida procurou assim analisar as atitudes face à diversidade sexual, por parte de um conjunto de pessoas em formação, que virão a exercer a sua actividade profissional nestes sectores. Especificamente, quais são as suas atitudes face a lésbicas e a gays e que contacto interpessoal e académico têm com esta população?

Método Participantes Participaram neste estudo 1288 estudantes, provenientes de 12 instituições de ensino superior de diversas regiões do país. Os participantes frequentavam o penúltimo ou o último ano de nove licenciaturas pertencentes a quatro áreas: Psicossocial (Psicologia, Serviço Social, Educação Social e Sociologia), Saúde (Medicina e Enfermagem), Educação (Ensino Básico e Educação de Infância) e Jurídica (Direito). Cerca de 85% dos participantes eram do sexo feminino e tinham uma idade compreendida entre os 21 e os 56 anos (M = 23.10; DP = 4.25).

Variáveis e instrumentos Além de informação sociodemográfica (curso, sexo e idade), os participantes foram questionados sobre as atitudes face a lésbicas e a gays e o contacto com a diversidade sexual, a nível interpessoal e científico/académico.

Atitudes face a lésbicas e a gays. Foi utilizada a Escala Multidimensional de Atitudes Face a Lésbicas e a Gays (Gato et al., 2011b). Trata-se de um instrumento composto por quatro sub-escalas, correspondendo três delas a dimensões atitudinais negativas e uma quarta a uma dimensão atitudinal positiva. Neste estudo foram utilizadas duas sub-escalas representativas de dois tipos de atitudes negativas, a Homopatologização e o Heterossexismo moderno. A Homopatologização é uma atitude de carácter mais tradicional, que diz respeito à condenação moral e à patologização da homossexualidade, 90


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sendo avaliada através de cinco itens (e. g., “As lésbicas e os gays deviam submeterse a terapia para mudar a sua orientação sexual”). O Heterossexismo moderno avalia uma forma de preconceito mais contemporâneo e compreende sete itens indicativos de atitudes negativas relativamente à expressão da identidade lésbica e gay, relações conjugais entre pessoas do mesmo sexo e homoparentalidade (e.g., “Ser criado num lar homossexual é bastante diferente de ser criado num lar heterossexual”). Ambas as sub-escalas apresentam bons índices de consistência interna, respectivamente α = .81 e α = .80. Os itens foram avaliados com recurso a uma escala tipo Likert de 1 (discordo completamente) a 6 (concordo completamente), com scores mais elevados a indicar atitudes mais negativas.

Contacto interpessoal com lésbicas e gays. Esta variável foi avaliada através da questão, “Tem amigas e/ou amigos homossexuais (lésbicas e/ou gays)?”, podendo os participantes responder “sim”, “não” ou “não sei”.

Contacto

com

informação

científica

sobre

homossexualidade

e/ou

homoparentalidade. Foi perguntado se, “Ao longo da sua formação académica no ensino superior contactou com informação científica sobre a temática da homossexualidade e/ ou parentalidade homossexual?”. Caso a resposta fosse afirmativa, era ainda colocada a seguinte questão aberta, “Em que circunstâncias contactou com a temática (disciplina, conferência, etc.)?”.

Procedimento Após permissão das respectivas instituições de ensino superior, os instrumentos foram colectivamente administrados no período disponibilizado para o efeito. Os participantes foram esclarecidos acerca da natureza voluntária da participação e do objectivo do estudo, tendo sido assegurados o direito à confidencialidade e o anonimato das respostas.

Resultados Os dados foram analisados utilizando o PASW Statistics 18. Em primeiro lugar, procurou-se verificar em que medida variavam as atitudes face a lésbicas e a gays, em função do curso frequentado. Como se pode observar na Tabela 1, analisando as tendências de resposta nas duas sub-escalas utilizadas, verificou-se que, globalmente, os participantes não evidenciaram níveis elevados de atitudes negativas face a lésbicas e 91


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a gays; adicionalmente, verificou-se um nível mais baixo de Homopatologização do que de Heterossexismo moderno. Análises de variância revelaram diferenças significativas,11 em função do curso frequentado, nas duas variáveis. Assim, no que diz respeito à Homopatologização, registaram-se atitudes mais negativas nos cursos de Ensino Básico e Educação de Infância e menos negativas nos cursos de Educação Social e Psicologia, [F (8, 1235) = 7.62, p < .001]. Relativamente ao Heterossexismo moderno, observaram-se atitudes mais negativas nos cursos de Medicina e Direito e menos negativas nos cursos de Serviço Social, Educação Social e Psicologia, [F (8, 1235) = 6.28, p < .001].

Tabela 1 Médias, Desvios-padrão e diferenças na homopatologização (HP) e no heterossexismo moderno (HM), em função do curso Psicologia (25.0%)

Serviço Social (6.9%)

Educação Social (3.6%)

Sociologia (6.6%)

Medicina (12.8%)

Enfermagem (20.3%)

Ensino Básico (4.6%)

Educação Infância (9.9%)

Direito (10.3%)

M

1.44 b

1.60 a, b

1.26 c

1.70 a, b

1.66 a

1.66 a

1.88 a

1.75 a

1.74 a, b

(DP)

(0.56)

(0.69)

(0.33)

(0.79)

(0.73)

(0.72)

(0.85)

(0.80)

(0.83)

M

3.05 c, d

2.94 c, d

2.86 c, d

2.99 b, c

3.59 a

3.26 b, c, d

3.43

3.09 b, c

3.41 a, b

(DP)

(0.92)

(0.95)

(0.79)

(0.92)

(1.08)

(0.96)

(1.12)

(0.88)

(1.07)

HP

HM

Nota: As médias, na mesma linha, com letras diferentes, são significativamente diferentes entre si. As médias que não têm letras não se diferenciam significativamente de todas as outras.

No que concerne ao contacto interpessoal com lésbicas e gays, verificou-se que 54% dos participantes não tinham ou não sabiam se tinham amigo/as não heterossexuais. Como se pode verificar na Tabela 2, o teste do qui-quadrado revelou diferenças entre os cursos. Analisando os resíduos ajustados, constatou-se que as pessoas que não tinham ou desconheciam ter contacto interpessoal com lésbicas e gays estavam mais representadas no curso de Direito e menos representadas no curso de Psicologia, [χ2 (8, 1278) = 16.82, p = .032].

92


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Tabela 2 Diferenças no contacto interpessoal com lésbicas e/ou gays (CILG) e no contacto com informação científica sobre homossexualidade/homoparentalidade (CICHH), em função do curso

CILG

Não/ Não sabe (%) Sim (%)

CICHH

Não (%) Sim (%)

Psicologia (25.0%)

Serviço Social (6.9%)

Educação Social (3.6%)

Sociologia (6.6%)

Medicina (12.8%)

Enfermagem (20.3%)

Ensino Básico (4.6%)

Educação de Infância (9.9%)

Direito (10.3%)

48.6

52.3

56.5

56

61.0

49.2

50.8

58.7

64.4

(-2.3)

(-0.4)

(0.3)

(0.4)

(1.9)

(-1.8)

(-0.5)

(1.1)

(2.5)

51.4

47,7

43.5

44

39.0

50.8

49.2

41.3

35.6

(2.3)

(0.4)

(-0.3)

(-0.4)

(-1.9)

(1.8)

(0.5)

(-1.1)

(-2.5)

50.6

45.5

51.1

16.7

57.3

52.1

84.7

79.4

53.3

(-1.4)

(-1.6)

(-0.4)

(-7.1)

(0.9)

(-0.6)

(4.9)

(6.0)

(-0.1)

49.4

54.5

48.9

83.3

42.7

47.9

15.3

20.6

46.7

(1.4)

(1.6)

(0.4)

(7.1)

(-0.9)

(0.6)

(-4.9)

(-6.0)

(0.1)

Nota. Os valores entre parênteses representam os resíduos ajustados; valores > |1.96| indicam que existem mais ou menos casos do que os esperados nas células, se as variáveis fossem independentes.

Quanto à informação científica sobre homossexualidade e homoparentalidade, 54% dos participantes não tiveram qualquer contacto com estas temáticas nos curricula dos cursos frequentados. Dos participantes que reportaram ter contacto, 38% foi no âmbito de uma disciplina, 4% de uma conferência e 3% noutra circunstância. Como se pode observar na Tabela 2 verificaram-se diferenças entre os cursos no que diz respeito a esta variável. Olhando para os resíduos ajustados, é possível constatar que as pessoas que não tiveram contacto estão mais representadas nos dois cursos da área da Educação e menos representadas no curso de Sociologia, [χ2 (8, 1282) = 107.52, p < .001]. Globalmente, os resultados indicam uma tendência para os alunos dos cursos de carácter psicossocial evidenciarem atitudes menos negativas face a lésbicas e a gays (Educação Social, Serviço Social e Psicologia), maior contacto com esta população (Psicologia) e maior contacto com informação científica acerca da temática da diversidade sexual (Sociologia). Atitudes mais negativas face a lésbicas e gays foram evidenciadas pelos alunos de Ensino Básico, Educação de Infância, Medicina e Direito. Os alunos dos cursos de Educação foram os que evidenciaram menor contacto com informação científica sobre diversidade sexual e os de Direito os que reportaram ter menos amigos/ as gays e/ou lésbicas.

93


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Discussão Tendo em conta as particulares responsabilidades dos profissionais que actuam nos sectores psicossocial, jurídico, da saúde e da educação, este estudo procurou clarificar quais as suas atitudes e contacto com a diversidade sexual. Verificaram-se diferenças em função dos cursos frequentados, em todos os indicadores avaliados: atitudes face a lésbicas e a gays, contacto interpessoal com esta população e contacto com informação científica sobre homossexualidade e homoparentalidade. No que diz respeito às atitudes face a lésbicas e a gays, os participantes não se mostraram particularmente homofóbicos. Este resultado era expectável dadas as características da amostra (jovem, com nível educacional elevado e maioritariamente do sexo feminino) e confirma resultados encontrados em diversos inquéritos e investigações internacionais (Comissão Europeia, 2008; Kelley, 2001; Kite & Whitley, 1996) e nacionais (Comissão Europeia, 2008; Gato et al., 2011b; Oliveira et al., 2010). Cerca de 45% dos participantes reportaram ter contacto interpessoal com lésbicas e/ou gays, número bastante superior aos 21% verificados na população portuguesa (Comissão Europeia, 2009), facto a que não são alheias, novamente, algumas características da amostra como a idade, o sexo ou o nível educacional. Não pode também ser descurada na explicação destes resultados, a desejabilidade social, que terá levado os participantes a apresentarem-se como sendo menos preconceituosos e a subscrever mais o preconceito de carácter contemporâneo do que o de carácter tradicional. Isto é, não aderindo a explicações patologizadoras da homossexualidade, mantiveram, contudo, algum cepticismo em relação à conjugalidade entre pessoas do mesmo sexo, à homoparentalidade ou à expressão pública da identidade lésbica e gay. Este resultado é consistente com as modificações que se verificam actualmente na expressão do preconceito contra vários grupos discriminados, entre os quais se incluem as pessoas LGBT (e.g., Gato et al., 2011a; Gato et al., 2011b; Oliveira et al., 2010). O facto de os participantes que evidenciaram menos preconceito pertencerem aos cursos psicossociais (Educação Social, Serviço Social, Sociologia e Psicologia) poderá, por um lado, ser explicado pela maior abertura e interesse pela diversidade do comportamento humano e sexual que, eventualmente, se verifica por parte das pessoas que escolhem estas licenciaturas; por outro lado, o peso da desejabilidade social poderá também aumentar nos cursos em que as relações humanas assumem um papel preponderante e o preconceito tem uma conotação particularmente negativa. Os alunos dos cursos de Educação, de Medicina e de Direito foram os que evidenciaram atitudes mais negativas, resultados consistentes, quer com a percepção de discriminação por parte de pessoas LGBT relativamente a estes contextos específicos, quer com as evidências de discriminação nesses mesmos sectores (Carneiro, 2006; Conselho da Europa, 2011; 94


J. Gato & A. M. Fontaine • Atitudes face à diversidade sexual no contexto psicossocial, jurídico, da saúde e educativo

FRA, 2009; Jornal Público, 02.05.2009; Jornal Público, 17.07.2009; Moita, 2001, 2006; Moleiro & Pinto, 2009; Monteiro et al., 2008, in Danish Institute for Human Rights, 2009; Oliveira et al., 2010; Rede Ex Aequo, 2010; Santos et al., 2009). Ora, o facto de se ter observado que são os alunos de Direito aqueles que menos têm ou desconhecem ter amigos/as gays e/ou lésbicas, pode ajudar a compreender o facto de parecerem menos abertos à diversidade sexual do que os seus congéneres de outros cursos, dada a associação entre esta variável e as atitudes face a lésbicas e a gays (Bowen & Bourgeois, 2001; Comissão Europeia, 2008; D’Augelli & Rose, 1990; Gato et al., 2011b; Herek, 1988; Herek & Capitanio, 1996; Herek & Glunt, 1993; Iraklis, 2010; Sakallβ & Urgulu, 2001; Simoni, 1996). É de salientar, no entanto, que a relação entre o contacto interpessoal e as atitudes é provavelmente de tipo recíproco. Por um lado, ter amigos não heterossexuais pode facilitar a desconstrução de estereótipos e diminuir o preconceito. Por outro lado, as pessoas que têm amigos/as gays e/ou lésbicas poderão ser, à partida, mais abertas e disponíveis para estabelecer relacionamentos sociais independentemente da orientação sexual dos interlocutores. Finalmente, os próprios gays e lésbicas poderão ter um papel activo neste processo, revelando preferencialmente a sua orientação a pessoas que, à partida, percepcionam como menos preconceituosas. Os resultados mostraram também que, cerca de 54% dos participantes não tiveram contacto com informação científica sobre diversidade sexual, sendo que apenas 38% o tiveram no âmbito de uma disciplina. Considerando que os estudantes inquiridos frequentavam os últimos anos dos respectivos cursos, parece evidente que a presença destas temáticas no currículo não constitui ainda uma preocupação na maior parte das licenciaturas analisadas. Tal é particularmente patente nos cursos da área de Educação: cerca de 85% dos alunos de Ensino Básico e 80 % dos alunos de Educação de Infância ainda não tinha tido contacto com informação científica sobre a temática. Ora, sendo esta uma das áreas onde foram observadas atitudes mais negativas face a lésbicas e a gays, a ausência de contacto com informação científica sobre diversidade sexual poderá explicar parcialmente estas atitudes. Se um menor contacto interpessoal/científico com diversidade sexual poderá estar na base das atitudes mais negativas observadas nos cursos de Educação e Direito, a mesma explicação não parece pertinente no caso dos alunos de Medicina, pelo que mais investigações seriam necessárias para clarificar as atitudes destes últimos. De salientar também que se desconhecem pormenores relativos à informação sobre homossexualidade e homoparentalidade transmitida no âmbito dos cursos, nomeadamente no que se refere aos conteúdos abordados, número de horas, entre outros. Além de não cobrir outros factores que poderiam explicar as atitudes face a lésbicas e a gays, outra limitação deste estudo diz respeito à amostra inquirida. Se, por um lado, a utilização de uma amostra de estudantes permite avaliar com maior rigor o contacto que estes têm com a temática 95


exedra • nº 6 • 2012

da diversidade sexual nos curricula, por outro lado, é provável que os estudantes universitários tenham atitudes menos cristalizadas, um sentido de self menos sólido e uma maior tendência para responder de acordo com a desejabilidade social, do que os adultos já inseridos na vida profissional (Sears, 1986). Apesar das limitações enumeradas, podem ser retiradas deste trabalho algumas implicações, que passam, principalmente pela consciencialização dos alunos das áreas do Direito, da Educação e da Medicina acerca das suas atitudes face à diversidade sexual. Pensa-se também que a abordagem desta temática, sobretudo nos curricula dos cursos de Educação, pode estimular esta tomada de consciência. Efectivamente, os estudantes de Educação de infância e Ensino básico inquiridos encontram-se entre os que apresentam atitudes mais negativas face a lésbicas e a gays, sendo também os que tiveram menos contacto com informação científica sobre diversidade sexual, durante a sua formação universitária. Esta necessidade já foi salientada a nível internacional. Assim, o relatório do Conselho da Europa (2011) sobre a discriminação em razão da orientação e da identidade de género, refere que os sistemas educativos dos países membro devem “salvaguardar o direito das crianças e jovens à educação num ambiente seguro, livre de violência, bullying, exclusão social, ou outras formas de tratamento discriminatório e degradante relacionado com a orientação ou identidade de género” (Recomendação do Comité de Ministros CM/Rec, 2010, in Conselho da Europa, 2011, p.112). De entre as medidas que visam a concretização deste propósito, destaca-se (i) a promoção de campanhas, políticas e regulamentos de combate à agressão homofóbica no espaço escolar; (ii) a introdução destas temáticas nos materiais escolares e pedagógicos; (iii) a formação e informação de professores, auxiliares de educação, alunos e pais. Os resultados deste estudo chamam sobretudo a atenção para estes dois últimos aspectos. Neste sentido, Oliveira e colaboradores (2010) propõem, “a criação de currículos onde a orientação sexual e a identidade de género sejam discutidas de forma não preconceituosa – em todos os níveis escolares e académicos” (p. 210). É indispensável que a temática da orientação sexual seja introduzida ao nível do ensino superior, nos curricula dos cursos de professores, uma vez que estes são agentes privilegiados da mudança das atitudes dos seus futuros alunos.

Os resultados do presente estudo chamam também a atenção para a importância da formação de futuros médicos acerca de temáticas LGBT e da sua consciencialização enquanto agentes promotores da saúde de todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual. Com efeito, o Conselho da Europa (2011) sugere que os seus estados membro tomem “medidas apropriadas de carácter legislativo ou outro para garantir que o melhor nível possível de saúde possa ser gozado sem discriminação com base na orientação sexual ou identidade de género” e a ter “em conta as necessidades específicas de 96


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pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero no desenvolvimento de planos nacionais de saúde, incluindo medidas de prevenção do suicídio, inquéritos de saúde, curricula médicos, cursos de formação e materiais e também quando se monitoriza e avalia a qualidade dos serviços de saúde” (Recomendação do Comité de Ministros CM/Rec, 2007, in Conselho da Europa, 2011, p. 104). Tais medidas são necessárias já que, como sublinha Alves (2010) a propósito da saúde sexual e parentalidade lésbica,

(…) a abertura dos profissionais pode melhorar o acolhimento destas mulheres, e conduzir a uma avaliação e observação que tenham a ver com a realidade de cada uma, pesando os factores de risco e a melhor estratégia para os minorar e rastrear problemas atempadamente (o que significa por exemplo não excluir as lésbicas dos rastreios do cancro do colo do útero e de outras infecções sexualmente transmissíveis ou de planos de vacinação para o HPV, tendo em conta que as práticas sexuais são diversas e diversas são as histórias sexuais de cada uma). Muito antes da Lei Portuguesa regulamentar estas situações, irá aumentar o número de lésbicas que, só ou em casal, levam a bom termo o projecto de terem um filho. Em termos obstétricos, serão gestações semelhantes a outras, com menor ou maior risco; mas obrigará aos Profissionais e às Instituições uma reflexão sobre as novas famílias, o acolhimento a fazer-lhes e o relacionamento mútuo (pp. 23-24). Estas reflexões estendem-se a todas as outras especialidades médicas que, sendo mais ou menos técnicas, têm como objectivo promover a saúde de todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual. No que diz particularmente respeito à psicologia clínica, embora as quatro pessoas LGBT entrevistadas por Moleiro e Pinto (2009) tenham evidenciado uma imagem positiva dos/as psicólogos/as, os autores sublinham o muito que há ainda a fazer nesta área, nomeadamente no que concerne à formação destes técnicos sobre orientação sexual e identidade de género. Salienta-se, assim, também no âmbito da Psicologia, “a urgente necessidade da introdução das temáticas LGBT nos curricula académicos das formações graduadas e pós-graduadas” (Moleiro & Pinto, 2010, p. 170). Esta recomendação encontra aliás eco nos resultados menos optimistas de Moita (2001, 2006). Em Portugal, o IV Plano Nacional para a Igualdade: Género, Cidadania e Não Discriminação (2011-2013), preconiza a sensibilização de “profissionais de áreas estratégicas para as questões da orientação sexual e da igualdade de género” (Diário da República, 2011, p. 315). O panorama evidenciado neste trabalho, no que diz respeito 97


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às atitudes face à diversidade sexual de futuros profissionais de algumas destas áreas estratégicas, reforça a necessidade da sua sensibilização e formação.

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Notas 1 O heterossexismo refere-se ao “sistema de crenças que valoriza a heterossexualidade como mais «natural» que e/ou superior à homossexualidade” (Morin, 1977, p. 629). A heteronormatividade refere-se à manutenção da heterossexualidade como norma para pensar o comportamento de todos os indivíduos, envolvendo, portanto, a assunção de que todas as pessoas são heterossexuais (Warner, 1993).

Por estarem associadas a estereótipos negativos e remeterem mais para uma prática do que para uma orientação ou identidade, procuram-se evitar este trabalho as designações “homossexual/homossexuais” (American Psychological Association – APA, 2010). Assim, são utilizadas preferencialmente as expressões “gay/s” e “lésbica/s”. Porém, como se verifica no presente caso, tal nem sempre é possível: a designação “homossexual” é utilizada nas questões do Eurobarómetro. 2

3 O facto de o preconceito se ter tornado mais subtil, não impede a continuação da manifestação de preconceitos de carácter flagrante, de discriminação e mesmo de crimes de ódio (Conselho da Europa, 2011; Herek, 2009). Inquirindo um conjunto de pessoas LGBT portuguesas (N = 972), Oliveira, Pereira, Costa, e Nogueira (2010) verificaram que o insulto em função da orientação sexual e da identidade de género ocorria frequentemente, tendo os respondentes sido insultados em média três ou mais vezes.

Para uma reflexão sobre estas transformações, ver o trabalho de Gato, Carneiro, e Fontaine (2011a). 4

O receio de discriminação por revelação da orientação sexual e da identidade de género é bem patente no discurso das pessoas LGBT entrevistadas por Costa, Oliveira, e Nogueira (2010). Nesta medida, a ocultação da identidade sexual pode ser uma estratégia que diminui a probabilidade de se experienciar discriminação. 5

Para uma descrição aprofundada do percurso legislativo nacional, europeu e internacional em termos de direitos legais nesta área, sugere-se a consulta dos trabalhos de Almeida (2009, 2010). 6

7 Uma análise detalhada deste caso pode ser encontrada no trabalho de Santos, Santos, Duarte, e Lima (2009). 8 No relatório do Conselho da Europa (2011) são referidos obstáculos específicos enfrentados pelas pessoas transgénero. Não sendo o foco deste trabalho, estas dificuldades não são abordadas.

9 O Observatório de Homofobia e Transfobia na Saúde, criado pela Associação Médicos Pela Escolha, tem como objectivo recolher testemunhos sobre discriminação no sistema de saúde português e de estudar o seu impacto na saúde das pessoas LGBT. No entanto, não existem ainda publicações resultantes destes dados. Em Portugal, os autores do presente trabalho estão a levar a cabo uma investigação sobre homoparentalidade em que se avalia, por um lado, as atitudes de futuros intervenientes da rede social relativamente a este tipo de família (e. g., Gato & Fontaine, no prelo; Gato, Freitas, & Fontaine, no prelo;) e, por outro lado, a percepção e 10

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a experiência de preconceito e discriminação, por parte de mães lésbicas e pais gays, em diversos contextos. Antes de se proceder à análise foram eliminados 21 outliers multivariados, identificados através do cálculo da distância quadrada de Mahalanobis (p = 0.0001). 11

Nota dos Autores Jorge Gato e Anne Marie Fontaine, Centro de Psicologia Diferencial, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.

Correspondência Jorge Gato Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Rua Alfredo Allen 4200-135 Porto jorgegato@fpce.up.pt

Este trabalho foi financiado por uma bolsa de doutoramento atribuída ao primeiro autor pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/41752/2007).

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Salvador Peiró i Gregori & Rosario Beresaluce Díez • Subjetividad y educabilidad. Orientaciones para la praxis docente.

Subjetividad y educabilidad. Orientaciones para la praxis docente. Salvador Peiró i Gregori Rosario Beresaluce Díez Universidad de Alicante (España)

Resumen Durante los últimos diez años Peiró estuvo en universidades iberoamericanas explicando, como ponente, gestor de cursos, investigando... El tema expone los hallazgos de nuestras investigaciones sobre incivilidad escolar: enseñar valores, desarrollar el autocontrol de emociones, evitar actitudes violentas, etc. El núcleo sobre el que actuar es la subjetividad de los escolares, que aquí desglosamos. Todo esto se expone confrontando legislación y obras de autores de prestigio. Esto trae que debamos profundizar en el estudio del educando, integrando las aportaciones de las neurociencias y demás materias antropológicas, con el fin de reinterpretar la educabilidad como algo más que mera ductilidad, sin desprenderse de lo intelectual, afectivo y conductual interactivamente. Palabras Clave Educando, Subjetividad, Educabilidad, Praxis docente, Valores, Afectividad

Abstract The theme describes the roots of teaching values to prevent mispeaceful coexistence, develop self-control of emotions, etc. interrelated whole. The nucleus on which to act is the subjectivity of the school, that is analyzed. This is laid out facing the law and articles of leading authors. This brings that we should further study the learner, integrating contributions from neuroscience and anthropology themes, in order to reinterpret the educability as more than mere ductility, without abandoning the intellectual, emotional and behavioral interactivity. Keywords Student, Subjectivity, Educability, Teaching, Values education, Affectivity

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Durante los últimos diez años he estado visitando diversas universidades iberoamericanas, como ponente, gestor de cursos, de investigaciones. El tema central se basaba en los hallazgos de nuestras investigaciones sobre incivilidad escolar1, concluyendo parcialmente de manera análoga a la investigación de Germarys y Mayz (2008, 266): “… la escuela se enfrenta contra el reto de subsanar esas condiciones no favorables, enseñando y reforzando la educación en valores, así como también debe motivar al niño a desarrollar el autocontrol de emociones y sentimientos para así evitar las continuas actitudes violentas”. Tales investigadores mencionan el núcleo sobre el que actuar: “impacto en la subjetividad de los niños”. Y es que la educación es intencional, por lo que ha de centrarse más en la persona. La razón está en que “todo hombre por ser persona humana, es por su esencia, educando y educador, no sólo por una exigencia óptica sino, por lo que es mucho más personalista, por una exigencia moral, responsable, autoconsciente de sí. Estos dos sujetos, por el interés de educar y la educabilidad, y sobre todo por la solidaridad derivada de su ser persona, entran en relación” (Quiles, 1981, 96). Esta comunicación no es meramente del tipo emisor mensaje-receptor, hay otros elementos y, además, de lenguaje no-verbal. Tales variables son afectivas, espirituales, estéticas, etc., siendo de muy difícil connotación. Sin embargo, han de conjugarse y sistematizarse para la formación de los docentes. Además, aunque preexiste la teoría que aboga por dar la máxima plenitud al sujeto de la educación, conviene recordar que esta tradición pedagógica viene reconocida desde la perspectiva del derecho positivo. En España, la Ley Orgánica de Educación de 3 de Mayo de 2006, en el preámbulo2 de la misma, queda señalada la concepción relativa a la Teoría de la Educación personalista cuando afirma que la educación es el medio más adecuado para construir su personalidad, desarrollar al máximo sus capacidades, conformar su propia identidad personal y configurar su comprensión de la realidad integrando la dimensión cognoscitiva, la afectiva y la axiológica. Pero esas tres dimensiones han de ofrecerse de manera causal y comprensiva, a los efectos de orientar la praxis docente. Para llegar a esto, empleando la fenomenología, habrá que relacionar la educabilidad con la estructura del educando. Esta vía nos la explica Peñacoba del siguiente modo Esta estructura me servía para ver como la persona actúa objetivamente pero me resultaba pobre para explicar la motivación en su subjetividad. Yo diría que la estructura explica el cómo la persona reacciona a la realidad, pero es pobre para explicar el por qué y el para qué actúa creativamente en su entorno. Las personas reales tienen un mundo interior donde las relaciones interpersonales cuentan muchísimo y resultan esenciales y definitivas para la realización personal. Sin embargo, en mi esquema clásico, la relación es solo un accidente y bastante superficial. Mas específicamente, las personas reales me dicen que sus motivaciones más profundas nacen del corazón como centro afectivo (Peñacoba, 2004, 1).

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Con tales antecedentes, entendemos que la investigación pedagógica no puede efectuarse sin el sujeto, reduciéndose sólo al dato objetivo positivamente (Pérez Luna y Alfonzo, 2009). Esto trae que debamos profundizar en el estudio del educando, integrando las aportaciones de las neurociencias y demás materias antropológicas, con el fin de reinterpretar la educabilidad como algo más que mera ductilidad, incluso cognitiva, sin desprenderse, claro es, de ésta dimensión intelectual.

1. La subjetividad en la teoría pedagógica de la educabilidad. El hombre es un ser cultural, pasiva y activamente, es decir, puede respectivamente formarse y crear cultura. La educabilidad es una posibilidad y una categoría humana. Una posibilidad, porque significa la viabilidad del proceso educativo y la afirmación de que la educación es factible. Una categoría humana, por cuanto se predica del hombre esta cualidad (Fermoso, 1985, 196), que es la capacidad que cualquier sujeto posee para ser educado, es más que necesita de la educación para alcanzar su plenitud. Pero, hay que contar con un medio si no se ofrece la cultura en todo su bagage, no crearemos ciudadanos libres sino esclavos. Por esto, para llevar a cabo las posibilidades derivadas de esta impronta personal, habría que enseñar la verdad entera. Por lo tanto, hemos de tener cuidado en no caer en una acción educacional errónea. Tanto la ductilidad como la plasticidad o maleabilidad sólo son características del crecimiento, así pues, no se refieren a lo holístico de la persona. Los seres que disfrutan de tales cualidades sólo se hacen complejos cuantitativamente, transformando su esquema vital en otro más complicado pero con iguales características. El esquema de estímulorespuesta podría ser un ejemplo de un procedimiento para aplicar lo mencionado. En los animales, se trataría de que el gen transformara el programa instintivo, incluso pudiendo ser objeto de amaestramiento al manipularlo para fines extrínsecos al gen. Sin embargo, el hombre nace a la vida extramaternal en el momento de su mayor plasticidad, y se proyecta al mundo en un encuentro fundamentalmente afectivo (García Carrasco, 1972, 37). Tanto la hipercomplejidad de la estructura psicobiológica del hombre (flexibilidad) como la interacción (que supone cognitividad) permiten al hombre, aprender a ser el hombre único e irrepetible que se propugna (Castillejo, 1983, 31) La subjetividad puede tener diferentes facetas Es ante todo una dimensión de la realidad que tradicionalmente se ha definido por oposición a la objetividad, pero que reclama una redefinición más propia como objeto de estudio. Puede ser considerada también como una forma particular de reflejo que tiende a integrar contenidos con funciones y procesos psíquicos en un todo que se conforma a partir de formas específicas de contacto con la realidad y es expresión del funcionamiento del sujeto como un todo. 107


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Por tanto, podemos decir que la subjetividad es un producto que se construye a partir de dos tipos de elementos: los que propiamente apuntan hacia el interior de los sujetos y los sociales. Estos señalan un movimiento, una proyección hacia fuera, hacia la acción del sujeto en su proyección hacia un universo activo, que sirve a la vez de fuente para la obtención de nuevas impresiones y que garantiza, como contexto, las direcciones de la interactividad, donde se realizan estas construcciones. Esto nos obliga a observar que la subjetividad no debe ser considerada como un producto definitivamente terminado, sino en permanente elaboración, pero con periodos de cierta estabilidad en el tiempo que la hacen accesible al conocimiento. En la subjetividad, el pasado se actualiza en la valoración del presente, en tanto sirve de referente para evaluar lo actual, contexto donde siempre se realiza el comportamiento. En esto consiste la tendencia a la actualización de la subjetividad, en el sentido de ir complementándose con nuevos elementos de la realidad externa y nuevas posibilidades de un sujeto en desarrollo. En la subjetividad se conforman posiciones que se van estratificando como contenidos semánticos y axiológicos, que en los procesos de pensamiento, de reflexión, se van generalizando y se van construyendo en un sentido congruente con la propia concepción general de la vida, del mundo; el sentido específico y concreto de la vida es la cotidianeidad de la existencia de los diferentes tipos de sujetos. Aunque la subjetividad se determina en la realidad exterior al sujeto, su desarrollo como fenómeno psicológico está ligado fuertemente a su automovimiento como fenómeno interno, en un contexto de tiempo y espacio propios como proceso, que funcionan en su expresión psíquica y ligado indisolublemente al mundo de los sentidos. Concebimos, pues, el mundo subjetivo como un fenómeno en movimiento. La dinámica de la “expresión interna” viene de la interacción del individuo con el medio interno y el medio externo. Ambas entidades son dinámicas y en consecuencia también las interacciones en las cuales participan. Esta liberación de la tiranía espacio-temporal permite una reorganización de la experiencia de una manera creativa, personal y novedosa. Situación que posibilita desde crear una obra de arte hasta formular una hipótesis que demanda una comprobación. Pero al mismo tiempo pueden generar condiciones de alienación. Los procesos subjetivos son fenómenos individuales y sociales provienen de procesos de aprendizaje intencionales o latentes, epistémicos o empíricos, acumulados en el transcurso de la existencia de cada individuo, los cuales pueden o no ser una representación de la realidad. Son asimilados por la actividad del sistema neuroendocrino, hecho que les confiere una realidad funcional objetiva aunque sus contenidos puedan ser puramente virtuales

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(Hilgard, 1980). Por consiguiente, el yo educando (sí mismo) es la unidad indiferenciada de todos los procesos intelectivos para con los volitivos, incluyendo los flujos inconscientes. El yo del educando se puede identificar con persona, en tanto que éste se inserte en una comunidad, en una sociedad y cultura particulares.

2. La estructura de la subjetividad del educando. La educación es la actualización de la educabilidad, que convierte este potencial en una cualidad personal, que es la madurez. Esta plenitud humana se caracteriza por ser capaz de efectuar los siguientes actos 1) Juicio para no dejarse arrastrar por los ensueños, slogans, modas… Es tener plena conciencia de las propias capacidades y limitaciones, de los deberes, de la misión en el mundo y de los medios para llevarlo a cabo. 2) Dominio de la afectividad para conciliar las inclinaciones naturales al servicio de la totalidad de la persona; concediendo a la voluntad su papel rector, libre y responsable. 3) Mantener en las propias acciones una conducta clara, coherente, que los demás puedan comprender. Tal coherencia o madurez está definida como autoconcepto. Esto es un conjunto de rasgos, imágenes y sentimientos que el sujeto reconoce como formando parte de sí mismo, influenciado por el medio y organizado de modo más o menos consistente (L’Ecuyer, 1985, Machargo, 1991, 23). No se trata de una yuxtaposición de características, atributos, cualidades y deficiencias, valores y relaciones que el sujeto reconoce como descriptivos de sí mismo. Ciertamente, no son percepciones aisladas, sino que todas se presentan formando un todo holista, consistente y estable, que describen su identidad. Por esto, el autoconcepto nos permite predecir su conducta (Hamachek, 1981) y así podemos hablar de coherencia con la propia jerarquía de valores. Con el fin de intentar sacar la imagen de mera yuxtaposición de rasgos, capacidades, conocimientos científicos, afectos, etc. de las prácticas docentes, vamos a situar tales elementos (lo biológico, con sus concomitancias afectivas, principiando por lo intelectual y presentando lo volitivo) en un esquema.

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VOLUNTAD

YO

INTELECTO

CONOCER-SINTIENDO-CONSTRUYENDO ACTO VOLUNTARIO Libre albedrío SELECCIÓN Y EJECUCIÓN MOTIVOS agresividad

VALORACIONES

Propósito

CRATIVIDAD

Intención

COMPRENSIÓN

AFECTIVIDAD

MEMORIA IMAGINACIÓN

DESEOS REACCIÓN

PERCEPCIÓN

BASE SENSO-NEURO-VEGETATIVA

Figura 1 Esquema de la subjetividad (Peiró, 1999)

La persona conoce la realidad por un proceso ascendente que empieza en la fisiología de los sentidos corporales (externos), se elabora en la sensibilidad con los sentidos internos y se completa con la abstracción y el raciocinio del intelecto. La persona actúa por medio de reacciones en cada nivel. A lo percibido por los sentidos externos, el cuerpo reacciona con sus órganos y aparatos psico-motrices. A lo evaluado en la cogitativa (como ápice de los sentidos internos) el apetito sensible reacciona con sus pasiones o emociones. A lo conocido intelectivamente, la persona lo valora en conciencia elicitando decisiones y propósitos libres de la voluntad. En la base de la figura 1 se halla la dimensión senso-neuro-vegetativa. Es lo que proyecta hacia fuera al sujeto el cuerpo y lo que se halla escondido. El centro de operaciones se halla en las funciones del cerebro desde una actividad integrativa (Santibáñez, 1984), son de tipo análogo a la reactividad y la plasticidad (Konorsky, 1967), pero en la persona humana tal estructura y función son más complejas. Mientras que los fenómenos reactivos son automáticos, generados por modificaciones funcionales del tejido neural de carácter bioquímico y biofísico como la excitabilidad, conductividad y la transmisibilidad, los fenómenos “plásticos”, fenómenos de aprendizaje pueden describirse como la habilidad del sistema neuroendocrino de modificar su reactividad en su interacción con el medio y así adquirir nuevos hábitos o reacciones. Y en esto tiene mucha causalidad el aprendizaje de valores, cultura, etc. Por esto podemos aseverar que los fenómenos subjetivos son fenómenos aprendidos, basados en la propiedad del sistema neuroendocrino de generar fenómenos virtuales, accesibles directamente al 110


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cerebro que los produce y hasta ahora, comunicables indirectamente a otras personas a través de un sistema de comunicación. Los procesos subjetivos se generan cuando, y sólo cuando el individuo, el sistema neuroendocrino individual está en interacción con el medio externo e interno. Esta interacción permite un desarrollo normal. El aislamiento del individuo del medio externo afecta gravemente la maduración de este sistema. Como los productos de la actividad neuroendocrina son fenómenos aprendidos, tienen un tiempo de génesis, y cierta latencia para entrar en acción, tienen una duración fásica o tónica, son susceptibles de ser activados o inhibidos, son modulados por los cambios de excitabilidad que afectan al sistema endocrino. Los contenidos de estos productos de la actividad neuroendocrina son generados en espacio-tiempo real, sus contenidos pueden escapar del tiempo lineal y del espacio real (Knight y Grabowecky, 1995). Esto explica la importancia de la dimensión emocional. Observando la mencionada figura 1, en el espacio “libre”, entre ambas columnas, se sitúan una serie de flujos (trazos discontinuos) que manifiestan la conexión entre lo cognitivo y lo volitivo. Hay mezclados emociones y sentimientos, dentro de la vida afectiva. Esta dimensión es la energética de las operaciones del sujeto (Piaget, 1979), o como dice desde otro paradigma, Whittaker (1976), una vida sin sentimientos es anodina. Las emociones son los primitivos productores de la motivación humana (Probs, 2000). Son neurofisiológicamente generados por señales similares a las sensaciones pero no ocurren cerebralmente en los clásicos sistemas sensoriales sino en las estructuras límbicas (los afectos se parecen a una sensación pero no lo son), aunque se inician mediante percepciones e imaginaciones, que en la columna representan el nivel cognitivo más elemental. La activación neuro-biológica de los afectos, como la expresión facial, la postura, el tono de la voz los cuales trasmiten a su vez los datos físicos que subyacen a la empatía y a la comunicación emocional. Sin embargo, no todo se asimila a sabiendas. Las neuronas espejo controlan las expresiones faciales están activándose a pesar de que mi expresión no cambie. Las neuronas espejo imitan la sonrisa en mi cerebro y mandan señales a los centros emocionales que evocan los sentimientos asociados a la sonrisa… Ahora sabemos que las áreas de mi cerebro que se activan mientras hablo se encenderán también mientras se escucha. Estas células están mucho más extendidas en el cerebro humano que en el de los monos y parecen mucho más flexibles… por eso, estemos tan inclinados hacia lo social. Para ejemplificar lo dicho, pensemos que la violencia también se debe a las neuronas espejo. Puedes no ser un tipo violento, pero si todos los miembros de tu etnia te dicen

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que hay que exterminar a los rivales, te verás involucrado en una especie de psicología de banda a la que contribuyen las neuronas espejo (Iacoboni, 2009). Esto explica que al inicio de la existencia del ser humano, su desarrollo emocional sea altamente permeable. Por lo tanto el comportamiento y la comunicación no verbal de los padres evocan en los niños los afectos que guían el desarrollo del carácter. En la figura 1, sobre lo comentado, situamos la columna correspondiente al intelecto. Éste acumula procesos superpuestos de captación perceptiva, imaginación, codificación, recuperación, estrategias constructivas de planteamiento, comprensión y solución de problemas, evaluación de resultados y procesos de invención. Su punto álgido es la valoración, que da lugar a una concienciación y pensamiento creativo. Cada nivel del intelecto promueve otro afectivo y una reacción volitiva, ambos de la misma categoría. En cuanto más se eleve lo intelectual, lo afectivo va desprendiéndose de lo emotivo para aquietarse en los sentimientos, que son más finos y permanentes. Hildebrand señala la supremacía que la tradición aristotélica asigna exclusivamente a la inteligencia y la voluntad, Burgos procede pacientemente a una clarificación terminológica dentro de una estructura de tres niveles de afectividad corporal, psíquica y espiritual. Así se introduce la noción de

corazón como la sede de la afectividad

espiritual, es decir, de nuestro ser afectados por valores inmateriales como son los éticos y estéticos (Peñacoba, 2004: 4). En este sentido, “corazón” sería casi la inteligencia sentiente (Zubiri) y no tanto la aproximada inteligencia emocional (Goleman, Francis et al, 2009), que podrían culminar en la amistad o amor (eros, filia, ágape). Si observamos el susodicho esquema de la estructura de la subjetividad, entre la columna del intelecto y la de la voluntad, en sus diversos niveles, salen flechas de la primera a la segunda. En concreto, de los procesos imaginativos se siguen emociones y sentimientos, y las correspondientes derivaciones sociales al actuar la voluntad. En el caso de la agresividad, como una manera de motivarse, la modificación cerebral se sitúa en el área pre-frontal de la corteza y, si bien un cambio anatómico no opera como una causa ineludible que propicie necesariamente la emergencia de afectos agresivos, si marca una predisposición a volverse agresivos, irritables o violentos, tal cual ocurre por ejemplo con los lesionados cerebrales en esta área de la corteza. Pensemos como ejemplo cómo esto explica la imitación de actos inciviles. La agresividad es una cualidad inherente al ser humano no así su conversión en un acto de violencia. Por lo tanto la agresividad es una pulsión vital, siendo esperable que en la medida en que el sujeto madure la agresividad que maneje sea más simbólica (es decir expresada en lenguaje) que concreta (lo que equivaldría a expresarla en actos). La agresividad opera muchas veces como una conducta adaptativa que nos sirve para autorrealizarnos, así como defendernos ya sea de un ataque o de emociones que nos 112


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hacen sentir mal. La rabia se canaliza evadiéndola o expresándola, y en casos extremos se puede aprender a utilizarla para conseguir dominar a los demás. En ocasiones las manifestaciones de violencia entre los jóvenes son un epifenómeno de la violencia familiar, un derivado de la misma que se hace visible por desplegarse en ámbitos públicos. La casi totalidad de fenómenos que incluyen expresión de afectos hostiles intensos se dan en chicos que están muy asustados y que tienen respuestas de defensa persistentes. No obstante, el recorrido concocer-sintiendo-construyendo no se trata sólo de un proceso unidireccional, debemos saber que también pueden influir los afectos en el desarrollo de la inteligencia. Pensemos, por ejemplo, en la influencia de la curiosidad, que actúa sobre lo intermedio de la voluntad (motivación), acarreando actos para estudiar y valorar un tema o cuestión. Si la fuerza afectiva es alta, y hay por tanto ilusión por aprender cosas y desarrollar sus destrezas y capacidades, la inteligencia irá rindiendo cada vez más. Por el contrario, una baja motivación dejará infecundos multitud de talentos personales. El desarrollo de la inteligencia está muy ligado a la educación de los sentimientos. En esos años de la infancia se va constituyendo su sistema motivacional, por el que, ante algo nuevo, se sentirá incitado a explorarlo, o, por el contrario, a rehuirlo. Una correcta educación ha de proporcionar la seguridad y el apoyo afectivo necesarios para esos sucesivos encuentros con el lenguaje, con las tradiciones de la familia, los compañeros de colegio, la naturaleza, la cultura, con valores de todo orden. Según sea la calidad y cantidad de esos encuentros, así será el desarrollo de su espíritu. De acuerdo al esquema que se presenta en la figura 1, encontramos que la voluntad es cuando la conciencia, que habiendo elicitado intenciones o propósitos, efectúa en la práctica acciones, fruto de la libertad, asumiendo las consecuencias de lo que se hace (libre albedrío). La voluntad conlleva los siguientes niveles, mencionados de menor a mayor plenitud humana reacción que lleva los músculos a trabajar, los deseos con el control de intereses, los motivos mucho más los intrínsecos que los extrínsecos, la intención que nos ayuda a perfeccionar la sensibilidad estética y dinámica y por último los propósitos. El de mayor posibilidad de autocontrol subsume los anteriores de modo coherente. Pensando en la educación concreta, no es buena señal que se alaben más los talentos que las virtudes. Con esto significamos que los valores se pueden saber, pero los hábitos positivos son la fuerza para que los valores aceptados den lugar a formular propósitos, y por la facilidad operativa que proporciona el hábito, la decisión se puedan llevar fácilmente a la práctica. Por esto podemos definir más la madurez humana como el resultado de la actuación armónica, fácil y constante de ciertos hábitos que el hombre es capaz de adquirir y desarrollar con las fuerzas naturales, y que por esto 113


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reciben el nombre de virtudes naturales o humanas … (Santo Tomás, 1265). En suma, la coherencia no sólo atiende a si hay, o no, ajuste con los valores que uno defiende, sino si hay interrelación entre las dimensiones del todo humano, el YO, que es conocersintiendo-constructivamente. Pero, no ideemos estas concordancias de modo linear sino poliédricamente. La diferencia existente entre el ser humano (educación y educabilidad) y los animales (doma, amaestramiento) radica en que, el primero puede avanzar en el proceso educativo de forma consciente. Ya sabemos que el ser humano posee una capacidad cognitiva muy elevada gracias a la capacidad para dirigir sus cambios en los esquemas cognitivos. Todo esto depende mucho de la educación que haya tenido durante su vida. Al tratarse la inteligencia, afectos y voluntad de capacidades mejorables, se da la circunstancia de que cuanto mayor sea la complejidad de sus respuestas, mayor será la complejidad de sus esquemas y estructuras mentales. Estaríamos afirmando que la manera en que se desarrolle educabilidad tendrá un impacto directo sobre el desarrollo final del individuo. Sin embargo, ¿cómo sucede la transformación de la educabilidad?, ¿qué variables entran en juego?, ¿qué implicaría para educar? Esto lo estudiaremos fenomenológicamente a partir de la contemplación del yo.

3. La subjetividad y lo social (influencia del contexto en la conformación de la estructura de la subjetividad). Comenzando en la temprana niñez y siguiendo en la infancia y con particular énfasis en la adolescencia, la interacción con los pares y con los coetáneos juega un papel fundamental en el desarrollo de la agresividad. Existen evidencias que las influencias familiares y alianzas con compañeros condicionan la traducción de agresividad en acciones inciviles o convivenciales (Delgado y Mayz, 2008: 265). La aceptación por grupo de pares o ser excluido de los mismos está estrechamente vinculado con la trasformación de tal cualidad en agresión. Para un adolescente el rechazo por el grupo social de pares es más perturbador que la aceptación. En este punto podemos decir que la agresión se vuelve preocupante cuando opera como el principal afecto aglutinante en un grupo de pares. Cuando nos acercamos a la obra de Vygotski (1995), a su teoría histórico-cultural, acerca de la historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores, vemos que estas funciones aparecen en dos planos interconectados en su desarrollo una vez en el plano social como función compartida entre dos personas, como función interpsíquica, y una segunda vez en el plano psicológico como función interna al individuo, es decir, como función intrapsicológica. Lo inter e intrapsíquico tienen una unidad de origen que les vincula sistemáticamente en un conjunto de su desarrollo. La información que se pone 114


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en función de la interacción, ya sea por la vía perceptiva o de la comunicación tiene un papel fundamental se incorpora como contenido y en su procesamiento psíquico es capaz potencialmente de cobrar valor motivacional, incidiendo de manera directa o indirecta sobre el comportamiento. Esto nos conduce a la ponderación de la información como nutriente de la subjetividad. Y en este caso estamos considerando información cualquier sistema de signos, provenientes de la actualización de la experiencia, originados por una vivencia o por la comunicación humana que provoque determinados análisis, juicios y valoraciones que impliquen al yo o simplemente que en su decodificación significativa más o menos consciente, produzcan un estado afectivo que influya de alguna manera en el comportamiento. En segundo lugar nos conduce a la necesidad de explorar el complejo proceso cognitivo-afectivo que la estructura en un contexto de relaciones intrapsicológicas específico que le da valor funcional para el comportamiento humano en situaciones específicas. Y en tercer lugar, la relevancia de los medios y las formas por los que llega a compartirse, a socializarse. En esto la voluntad es una opción. La memoria inconsciente tiene importancia, aunque muchas veces su efecto pase casi inadvertido. Hay muchas cosas que nos parece haber olvidado, pero en realidad no las hemos perdido del todo, sino que están como latentes en nuestra memoria. Por ejemplo, todos tenemos experiencia de cómo a veces nos vienen viejos recuerdos, incluso simplemente con ocasión de un olor, o un sonido, o un gesto, o una situación, y esos recuerdos reviven en nosotros sentimientos que en la memoria teníamos asociados a ellos. Este efecto a veces se produce de forma poco consciente, pero no por eso deja de influirnos. Por ejemplo, una persona puede haber tomado miedo a los perros porque en su infancia fue atacada por un perro; o a los coches con motivo de un lejano accidente de tráfico; y puede sentir miedo cada vez que vea un perro o cada vez que suba a un coche, porque, aunque no siempre vengan expresamente a su memoria aquellos recuerdos, sí reviven los sentimientos asociados a ellos. Y análogamente la desmotivación por la norma, por tal o cual asignatura, o por la religión, etc. La verdad implica universalidad y necesidad (Kant, cit. Manzana, 1981, I-572). Ello, a su vez, implica que lo sabido y expresado en el juicio, esto es saber que se actualiza, está expuesto o manifestado a la comunidad de los sujetos racionales, que también de manera equiparable saben o pueden conocer y, por consiguiente, valorar mi juicio. Corolariamente, estas personas que me enjuician sólo pueden ser contemplados como auténticos yos, en si mismos subsistentes. Por tanto, cada yo se autoconstituye estando con los otros. Es decir “la persona es un ser digno en sí mismo pero necesita entregarse a los demás para lograr su perfección”. Esta primera nota apunta a la paradoja radical del amor como don (Peñacoba, 2004, 3). Por esto, la clave educativa no se halla en la simple 115


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actuación mimética del neuronal-espejo a lo simio, sino por reafirmarse al diferenciarse de él y lo otro uno se determina por lo que no es, por lo que es el otro frente a mi. La otra persona me interpela, a diferencia de lo otro como cosa; de el objeto puedo disponer, del sujeto, no. Este es el fruto de la apertura de cada sujeto hacia el ser, la verdad, lo bello y el bien. Pero, la apertura es trascendente, también, por lo que cada yo recibe de la interpersonalidad su posibilidad, su sentido y su finalidad (Gómez Miranda, 2004, 5 a 7).

4. La subjetividad y la educación. Atendiendo a la figura mencionada, teniendo presente que los aprendizajes son acumulativos, en la columna del intelecto tenemos de abajo hacia arriba la sensación, la percepción, la imaginación, la memoria que nos ayuda a conocer lo que es correcto y lo que no lo es. Además la comprensión que junto a la memoria nos ayuda en nuestra formación para distinguir lo bueno de lo malo así como a comprender los hechos, sus causas y sus consecuencias y por último valoramos lo de antes y después hay una proyección hacia el futuro. Desde la perspectiva del logro de la plenitud humana, si en la educación sólo se promoviera la imaginación, tendríamos una vida afectiva mediocre, entre lo emotivo y lo sentimental, que acarrearía voluntades débiles, por caracterizarse por conductas ligadas a deseos, modas, spots, etc., que no son signos de madurez. Si se centrara en la memoria, podría sólo motivar a los escolares para estudiar con el objeto de aprobar o evitar el suspenso (moral de eficacia), etc. Por todo esto, entendemos el educar como un proceso de enseñanza-aprendizaje encaminado al desarrollo intelectual y ético de un individuo, pero dentro de una realidad social y participando de los bienes culturales con el fin de personalizarse. En este sentido, cuando el escolar llega a saber coordinar todos los aspectos de su subjetividad, desplegando los planos del yo en unas situaciones socio-culturales concretas, entonces ha de vivir los valores como actos en comunidad. Entonces, el estudiante sabe por qué y cómo emplear lo aprendido, pero, además, los valora con criterios morales. Mas, ¡cómo debería acontecer para que sea eficazmente personalista? Las disposiciones, facultades o capacidades son las que, como es evidente, contando siempre con la voluntad del educando, el educador debe ayudar configurar hábitos. Al menos, ha de invitar a ir en pos de ellos, a reconocerlos en primer lugar, a contemplarlos, reflexionar sobre ellos, y así penetrando en las mismos, hacerlos realidad con sus actos. Y en consecuencia, la tarea del educador es a la vez promover el sentido de la libertad y de la responsabilidad del educando para que sea él quien en virtud de su voluntad pueda autoconfigurase y llegar a ser persona. Entonces, no se limita tan sólo a escoger de entre lo que hay, también puede plantear otra opción y actúa libremente. Estamos ante una actuación correspondiente a la jerarquía de valores. 116


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Pero, no nos referimos tan sólo a la de la adultez, hay otras situaciones de este nivel para cada edad. Entonces, ser educado en tener dominio de sí, autocontrol para llevar a cabo su idea del bien, de lo verdadero y de lo santo. Y, como cada acto educativo es una relación concreta entre personas, el resultado de esa formalización sería ‘el paso del qué a quién’, es decir, en el hombre habita un yo consciente de sí mismo y capaz de contemplar el mundo, un yo que es libre y que en virtud de su libertad puede configurar tanto su cuerpo como su alma, que vive por su alma (psiké) y que debido a la estructura esencial de ella va sometiendo a una formalización espiritual, antes de y junto con la autoconfiguración voluntaria, a los actos puntuales de su vida y a su propio ser permanente corporal y anímico. Precisamente, por estos argumentos aducidos, en educación, más que en ninguna profesión, es necesario tener y hacer presente que cada uno de nosotros es portador de un ser para el otro, que al mismo tiempo es un ser a través del otro. Desde una educación personalista hemos de mostrar lo que Stein indica al afirmar que las relaciones sociales “no son relaciones externas, que se añadan a un ser que ya existe en sí mismo y por sí mismo, sino que su inclusión en un todo mayor pertenece a la misma estructura del hombre… a la luz del análisis, el ser social del hombre se revela en toda su pluralidad el hombre realiza actos sociales; mantiene relaciones sociales; es un miembro de estructuras sociales y es un tipo social” (Stein, 164-165).

5. Consecuencias discusión y conclusiones. La persona es libertad, compromiso, comunicación, interioridad, vocación, trascendencia, pensante, anímica-corporal…. Todo lo cual está potencialmente en el programa de cada sujeto en el momento que es engendrado, siendo esto la capacidad de ser educado (educabilidad). La tarea de la educación personalista es la de A) Defender y promover el respeto a la dignidad de la persona humana. B) El objetivo educativo no es sólo hacer adultos o preparar para los papeles y las obligaciones cívicos, esto vale, pro es poco. C) Lo importante es que el educador (educatividad) ayude a “ser-más”, y este “sermás” es el paso de las potencias a los hábitos en todas las edades y situaciones de la vida, lo cual requiere pasar del qué (individuo) a quién (persona con otros). Así los hábitos fortalecen la voluntad para que uno actúe en libertad. El objeto de la voluntad libre no consiste, por tanto, en mantener abiertas las máximas opciones de bienes posibles, sino en pasar del bien posible al bien real a través de la elección y de su ejecución. No se quiere la posibilidad, sino la posesión del bien, por ejemplo, al tener hambre no buscar las máximas posibilidades de alimentarse, sino en 117


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obtener un alimento concreto y saciarse. Pero si se aplica el concepto erróneo de libertad, la elección y el compromiso se entiende como limitación.

El compromiso definitivo resulta inconcebible, porque

contradice el sentido mismo de la libertad. Cuando la libertad se reduce a una opción, el amor –que es el movimiento de la voluntad hacia lo bueno- queda instituido por el estímulo más inmediato se sustituye lo bueno por lo apetecido, por ejemplo el caso de las rebajas y el marketing. Si yo “decido” y “creo” la verdad, también elaboro el bien en cada momento. Pero, en realidad, ya no se trata del bien –que es objetivo- sino de mi deseo, que queda como fundamento único y último de todo. Para elaborar una acción educativa responsabilizante, por ejemplo, educar para la paz y los derechos humanos, debemos tener en cuenta la comprensión del potencial personal. Todos tenemos valores y aptitudes para proyectarlas a favor del bien común y debemos tener una experiencia vital del proceso decisivo. Estando en comunidad, se enfrenta al alumno consigo mismo para que aclare sus valores y se conciencie. Esto conducirá a los alumnos al desarrollo personal con una jerarquía de valores concretada en una moralidad pacífica. Hoy, cada vez, se recurre a la categoría de proceso para comprender al hombre y su desarrollo. Nuestra concepción de la vida personal está alejada de las que entienden el proceso humano como un fluir sin dirección que se deja llevar por una experiencia interior no religada a ningún criterio de valoración madurante ni a ninguna referencia (Rogers, 2000). La vida humana como dinámica es el proceso de ser persona. El proceso del hombre hay que entenderlo como proceso de procesos (Del Pozo, 1997: 213-241), lo cual es más que la mera suma de las partes. Cada fase de la vida humana, resultado de la interacción entre estilos de vida de la sociedad actual y la personalidad culturalmente situada, tiene carácter propio porque está constituida por valores, tareas y deberes peculiares que la distingue con nitidez; cada edad se define por el modo de comprender y percibir el mundo. Cada momento de la vida, aun teniendo sentido propio y no pudiendo ser sustituido por ningún otro, está inserto en el conjunto humano de cada persona, existe para el conjunto y adquiere su pleno sentido cuando se desarrolla realmente con referencia a él, de tal modo que una lesión en una fase es un daño para el conjunto y para las demás fases (Guardini, 1964: 52-54). La autorrealización personal, la plenitud de sí mismo, es efecto y fruto no intencional de la vida. El análisis de las personas verdaderamente realizadas muestra que primeramente buscan el sentido de su vida, y después viene de modo natural la 118


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realización y la paz como frutos. La realización personal siempre es obra del proceso autotrascendente de la persona, ir más allá de sí mismo en la realización del significado de la vida (Frankl, 1977). Si en la formación de los alumnos junto a los elementos instructivos implementamos los valores, captando el sentido de lo cultural, damos un salto cualitativo porque el conocimiento se organiza, permitiéndonos entendernos a nosotros mismos y al mundo y los otros culturales que interaccionan con nosotros. Es cuando se forma la conciencia en materia de lo verdadero, bello y bueno. Realmente supone una postura, una actitud ante la vida. Es tomar conciencia de que cualquier situación posibilita el crecimiento persona basado en el desarrollo ponderado de todas las dimensiones humanas. Esto, como decíamos más arriba, si se efectúa en comunidades concretas, significa que uno actúa volitivamente. Así se forma el carácter .Al descubrir el sentido originario de cada aprendizaje el alumno toma conciencia de que lo vivido en el centro educativo repercute en otros ámbitos de la vida y viceversa. Es decir hace vitales los aprendizajes. Sin la experiencia progresiva de una vida personal de la propia persona no se le revela a la persona la vida personal. Ninguna docencia o exigencia puede sustituir el propio camino de ejercitarse como persona para comprenderse como tal y llegar a ser lo que es. El proceso personalizador es un proceso de desposesión para llegar a poseerse para un más lato compromiso de comunión. Es preciso caminar del yo psíquico al yo espiritual, transcurriendo por el social, sin anular el primero (Mounier, 1992: 625-631). Por consiguiente, hemos de procurar que los alumnos pasen de un proceso de desarrollo consistente en la subordinación de lo rudimentario e infraordenado (agresividad, violencia, temor, egoísmo, hábitos inadecuados, carencia de autoconocimiento…) hacia las acciones supraordenadas, a la vez que se transforma su situación vital y sus problemas existenciales. Una conclusión general es conforme a la propuesta de Edith Stein “La naturaleza espiritual del hombre -razón y libertad- … exige una colaboración del educador y del educando que siga los pasos del paulatino despertar del espíritu. En virtud de esta colaboración, la actividad rectora del educador debe dejar cada vez más espacio a la actividad propia del educando, para terminar permitiéndole pasar por completo a la autoactividad y a la auto educación”

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Notas 1 Desde la Teoría del Derecho, en sentido amplio, el preámbulo ofrece criterios para posibles interpretaciones de las disposiciones articuladas en el cuerpo de la ley. 2 Desde la Teoría del Derecho, en sentido amplio, el preámbulo ofrece criterios para posibles interpretaciones de las disposiciones articuladas en el cuerpo de la ley.

Correspondência Maria del Rosario Beresaluce Díez rosario.beresaluce@ua.es

Salvador Peiró i Gegori salvador.peiro@ua.es 0034 610811724

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Filtrages et adaptations du transnational au local: le système d’assurance qualité des universités helléniques George Stamelos Aggelos Kavasakalis Université de Patras – Geitonas School, Grèce

Abstract This paper focuses on the adaptations that occur during the transfer of european educational policies though the establishment of a national (Greek) law and finally its implementation in Greek universities. The analysis includes five distinct levels. Firstly, european policies about quality assurance (QA) in universities have being analyzed. The second level focuses on different efforts by Greeks governments to establish a national system of QA in Greek universities. The analysis of the proposed model of evaluation by the “Hellenic Quality Assurance Agency for Higher Education” is the third level of analysis. The analysis of a university deparment’s evaluation (a case study) is the next level. Finally, a comparative analysis on the findings takes place. The objective of this paper is to light up the similarities and divergences between various levels of establishment and implementation of an education policy, (i.e. from the general european education policy level to the implementation of a specific policy program at a university department). Keywords Higher education, Higher education policy, European policy, Evaluation, Quality assurance

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1. Politiques européennes d’éducation et assurance qualité de l’enseignement supérieur Les politiques éducatives, comme terrain d’investigation de l’Union Européenne (UE), n’ont pas une très longue histoire étant donné que l’éducation était un terrain sensible pour les états-membres et ne faisaient pas parti du traité constitutif de Rome. On considère comme date clé le 9/21/976, date de la première réunion officielle des Ministres de l’Éducation des états-membres. Dans cette réunion six (6) axes d’action ont été concrétisés. Parmi ceux-ci, l’intérêt qu’a suscité l’enseignement supér1ieur fut de poids. Pendant la décennie des années ’80, cet intérêt a commencé à s’exprimer. En ce qui concerne spécifiquement l’assurance qualité le document clé fut la communication de la commission au conseil du 18/05/1988 L’éducation et la formation dans la Communauté Européenne, lignes directrices pour le moyen terme: 1989-1992 (COM/89/236 final). Dans ce document, sont analysées sept (7) lignes directrices, parmi elles, l’«amélioration de la qualité des systèmes éducatifs par la coopération européenne» (p. 18). Au début de la décennie suivante, dans le Mémorandum sur l’enseignement supérieur dans la Communauté Européenne (COM/91/349final), La commission proposait cinq (5) lignes directrices pour l’enseignement supérieur européen1 plus quelques «thèmes transversaux de haute importance» parmi les quels «l’accent pour la préservation et l’amélioration de la qualité de l’enseignement supérieur » (p. 16-17). En 1994, le projet pilote pour l’évaluation de la qualité de l’enseignement supérieur européenne fut initiéii. Ce projet de deux ans a eu comme résultat général le développement d’une méthodologie sur l’évaluation de la qualité des institutions de l’enseignement supérieur, laquelle se basait sur un double système d’évaluation intérieure et extérieure et mise en œuvre dans 47 institutions de 17 pays (Thune & Staropoli, 1997). Parallèlement, en 1994, l’Association Européenne d’Universités (EUA) a inauguré l’Institutional Evaluation Programme. Parmi les objectifs initiaux, figurait la consolidation des procédures d’assurance qualité afin que les institutions y participent de leur propre volonté. Comme objectif à long terme était fixé le renforcement de l’autonomie universitaire et l’apport des changements institutionnels (Hofmann, 2005, p. 5,9). En Septembre 1998, fut publiée la Recommandation 98/561/CE du Conseil, du 24 septembre 1998, sur la coopération européenne visant à la garantie de la qualité dans l’enseignement supérieur (Journal Officiel, 1998) qui fut le premier pas vers la mise en avant de l’assurance qualité dans le cadre de l’UE. Dans le texte, sont recommandées la création et la consolidation des systèmes d’évaluation transparents

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visant l’assurance qualité de l’enseignement supérieur en Europe et la mise en œuvre de la coopération entre aussi bien les êtas-membres que dans un cadre européen élargi (p. 57-58). En 1999, dans la Déclaration de Bologne, il est fait une très courte référence à l’assurance qualité des universités3. Ainsi, et au fur et à mesure, les êtas européens commencent à fonder des instances nationales d’assurance qualité. Il s’agissait d’une évolution clairement apparue dans le document de «Trends I». En effet, il était noté que les pays créent des instances extérieures d’évaluation (external evaluation bodies) ou des agences indépendantes d’assurance qualité (quality assurance agencies). Cependant, des divergences sont remarquées tant au niveau que aux objectifs et aux procédures d’évaluation (Haug et al. 1999). Dans le Communiqué de Prague (2001), les ministres de l’éducation «ont reconnu le rôle essentiel que les systèmes d’assurance qualité jouent afin d’assumer des hauts critères de qualité et de faciliter la comparabilité des qualifications attestées partout en Europe. De plus, ils encouragent la coopération étroite entre les réseaux de reconnaissance des diplômes et des réseaux d’assurance qualité […] ils invitent les universités et les autres institutions de l’enseignement supérieur, les instances nationales d’assurance qualité et le Réseau Européen d’Assurance Qualité en Enseignement Supérieur (ENQA) de coopérer tant entre eux que avec des instances équivalentes des pays qui ne participent pas au réseau ENQA, afin de rendre possible la configuration d’un cadre de référence commun et la diffusion de meilleures pratiques» (Bologna Process 2001, p. 2). À Berlin (2003), les ministres de l’éducation ont décidé que la priorité doit porter sur trois axes dont l’un, est l’assurance qualité. Dans ce cadre, ils ont proposé que tous les pays du processus doivent disposer des instances nationales d’assurance qualité jusqu’à la prochaine réunion de Bergen. De plus, ces instances devraient inclure des éléments fondateurs communs4 (Bologna Process, 2003, p. 1,3). En Octobre 2004, une nouvelle recommandation du Conseil et du Parlement Européen fut publiée relative à l’enseignement supérieur d’Europe qui aboutit à cinq (5) mesures qui, selon la Commission, contribueraient à la reconnaissance mutuelle des systèmes d’assurance qualité et aux efforts d’évaluation de l’enseignement supérieur en Europe. Brièvement: a) que toutes les institutions introduisent ou qu’elles développent mécanismes d’assurance qualité intérieurs, b) les agences nationales d’assurance qualité, déjà en chantier, devraient appliquer impartialement les éléments d’assurance qualité qui s’apparaissent dans la recommandation du 1998, c) que les agences d’assurance qualité coopèrent avec ENQA afin que le registre européen des agences d’assurance qualité soit préparé, d) que les institutions puissent choisir librement par ce registre, l’agence qui effectuera leur évaluation, et e) que les instituions admettent et utilisent 125


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les résultats des agences officielles d’assurance qualité comme base de leurs décisions (Commission des Communautés Européennes, 2004, p. 10-11). En 2005, à Bergen, les Ministres de l’Éducation ont adopté les propositions parues dans le rapport Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area (ESG) sur les trois niveaux de standards et de directives pour l’assurance qualité: évaluation intérieure, évaluation extérieure et les règles régissant la fondation et le fonctionnement des agences nationales - indépendantes d’assurance qualité (ENQA, 2005). Dans ce texte, il y a un effort de codification des procédures d’assurance qualité en trois niveaux: niveau d’institution (évaluation intérieure-assurance qualité), niveau systémique (évaluation extérieure-assurance qualité) et au niveau de contrôle des contrôleurs (évaluation des agences d’assurance qualité mais également proposition de la constitution d’un registre européen des agences d’assurance qualité, EQAR5). Les objectifs centraux du rapport sont: «que s’établissent des standards européens sur l’évaluation intérieure et extérieure de qualité de l’enseignement supérieur ainsi que sur les instances/agences d’assurance qualité de l’enseignement supérieur. Les instances/agences d’assurance qualité seront réexaminées chaque cinq an. L’accent est mis sur le principe de subsidiarité et les évaluations, si possible, se dérouleront au niveau national. Une commission

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responsable pour ce registre fonctionnera comme

gardian de l’évaluation et de la comparaison des instances/agences qui font partie du registre. Enfin, un forum européen consultatif est proposé pour l’assurance qualité de l’enseignement supérieur en Europe7» (ENQA, 2005, p. 5). Selon les rapporteurs pour que ces propositions soient mises en route: «La cohésion de l’assurance qualité de l’enseignement supérieur dans l’espace européen de l’enseignement supérieur (EEES) soit améliorée […] Les institutions d’enseignement supérieur et les agences d’assurance qualité dans l’EEES pourront utiliser des points de référence communs pour l’assurance qualité. La formation du registre européen facilitera la localisation des agences qualifiées. L’échange de points de vue et d’expériences entre les agences d’assurance qualité et d’autres agences sociales sera facilité par les actions du forum européen consultatif pour l’assurance qualité de l’enseignement supérieur en Europe. La confiance mutuelle sera augmentée entre les agences et les institutions. La voie vers la reconnaissance mutuelle sera consolidée» (ENQA, 2005, p. 5-6). Cependant, le groupe d’E4 signale que tant pour les standards que pour les directives étaient choisies plutôt «des règles générales que des prescriptions concrets […] et cela pourquoi, comme ça, une base plus solide soit proposée pour que les différentes communautés académiques se conversent dans l’EEES» (ENQA, 2005, p. 10). L’année suivante, une nouvelle recommandation fut présentée par le Parlement Européen et le Conseil du 15 Février 2006 concernant la poursuite de la coopération 126


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européenne et visant la garantie de la qualité de l’enseignement supérieur

(Journal Officiel, 2006, p. 60 – 62) dans laquelle sont promues toutes les propositions qui étaient parues, d’une part, dans la procédure communautaire avant 2004, et d’autre part, dans le communiqué de Bergen du processus de Bologne. À Londres, en 2007, les ministres dans leur communiqué «souhaitent la bienvenue au registre», qui sera par sa nature, facultatif, indépendant, transparent et autofinancé. Ils ont aussi exprimé clairement que les demandes d’inscription au registre seront examinées sur la base de l’acceptation du rapport «ESG» et sur des éléments sortant des procédures de leurs évaluations principalement au niveau national (Bologna Process, 2007, p. 4). Deux ans plus tard, en 2009, à Louvain, dans le communiqué, les ministres signalent le progrès constaté sur l’axe d’assurance qualité, tant par l’application généralisée des «ESG» que par l’établissement et la mise en fonction de l’EQAR. Pour les trois prochains années (jusqu’au 2012) les ministres ont demandé la continuation de la coopération pour assurer «l’approfondissement du développement de la dimension européenne d’assurance qualité et plus concrètement l’affirmation que l’EQAR sera évalué de l’extérieur tout en tenant compte des points de vue de tous les partenaires sociaux» (Bologna Process, 2009, p. 2,6).

2. Politiques d’assurance qualité de l’enseignement supérieur: Le cas hellénique La première tentative de législation a été effectuée par le gouvernement de la Nouvelle Démocratie (ND)8 avec la loi 2083/1992. Dans l’article 24 intitulé Évaluation de l’œuvre d’université, le législateur insistait sur le fait que l’évaluation institutionnelle devrait tenir compte de la programmation institutionnelle et connecter ses résultats à la possibilité d’un financement public supplémentaire. Il prévoyait une commission (nationale) d’évaluation et réglait la question de sa composition. Par contre, il ne déterminait pas la procédure et les critères de l’évaluation. À leur place, il proposait une procédure exploratoire des pratiques internationales par laquelle les propositions définitives auraient été formulées. Cependant, les dispositions de cet article n’ont jamais été activées. En effet, le prochain gouvernement du PASOK9 a fait voter une nouvelle loi qui -à la place de la commission - a proposé un Conseil National d’Éducation (loi 2327/1995) dont la mission serait de déterminer les procédures d’évaluation. En réalité, cet organe aussi n’a jamais pu fonctionner efficacement. Après ces expériences malheureuses, le Ministère de l’Éducation semble avoir changé de stratégie, en tenant compte des réactions et des tentions suscitées. Ainsi, il s’est mis à chercher des moyens afin de promouvoir un «climat» d’évaluation et une culture 127


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d’évaluation dans l’enseignement supérieur hellénique. Pour cette raison, il a entremêlé des institutions et/ou des départements dans des projets internationaux d’évaluation. Ainsi, deux universités grecques ont participé entre 1994 et 1995 au projet pilote européen European Pilot Project for Evaluating Quality in Higher Education (Ministre de l’Éducation, 1996). Parallèlement, des institutions grecques ont également participé aux évaluations facultatives de l’EUA. Entre 1998 et 1999, ont aussi commencé les évaluations nationales dans le cadre des actions Évaluation des institutions de l’enseignement supérieur financées par le 1er Programme Opérationnel sur l’Éducation et la Formation (1994-1999). Brièvement, 85 projets ont été financés soit projets d’évaluations institutionnelles soit d’évaluations départementales. Ainsi 14 des 18 universités de l’époque et 11 des 14 IUT y ont participé (tout projet compris) (Kladis, 2000). Il est vrai que les évolutions européennes sur l’assurance qualité exerçaient des pressions sur la réalité intérieure en Grèce. En en tenant compte, le ministère a préparé un nouveau projet de loi sur l’institution d’un mécanisme d’assurance qualité (le Conseil National de l’Assurance Qualité (Ministère de l’Éducation-Projet de Loi, 2003). Les réactions à la publication du projet ont conduit le leadership ministériel à reporter sa présentation devant le Parlement, étant donné que la Grèce entrait dans une période pré-électorale et le risque du coût politique a pesé beaucoup. Il faut noter que la Grèce, comme tous les pays du Processus de Bologne, s’était engagée, depuis 2003, à instaurer un système d’assurance qualité jusqu’à la réunion de Bergen, en printemps 2005. Pendant cette période (2004-2005), le débat public fut très vif et les discussions formelles et informelles entre le ministère et les représentants universitaires et sociaux furent inévitablement conflictuelles, spécifiquement pendant la période de la publication du projet de loi (printemps et été 2005). Enfin, la loi fut votée en Juliet 2005 (3374/2005). Dans le premier article, d’une part, la nécessité et l’objectif d’une évaluation continue de toutes les fonctions d’institution de l’enseignement supérieur ont été présentés et expliqués, et d’autre part, le contenu de l’évaluation est désigné «l’évaluation de chaque institution de l’enseignement supérieur se produit sur la base de l’évaluation de toutes ses unités académiques et sur l’évaluation du fonctionnement entier de l’institution […] l’évaluation comprend une estimation, une désignation ainsi que d’un enregistrement de l’œuvre des institutions de l’enseignement supérieur d’une manière systématique, argumentée et détaillée par l’usage des critères objectifs […] Sur la base de l’évaluation les instituions de l’enseignement supérieur et le Ministère prendront les mesures nécessaires pour l’amélioration et l’assurance de la qualité» (L.3374/2005, art.1). Dans le deuxième article, ont été déterminées les phases de la procédure, l’évaluation intérieure, l’évaluation extérieure et la durée de la procédure. L’accent est mis sur la né128


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cessité du feedback. De plus, l’Agence Nationale de l’Évaluation (ADIP) se constitue ainsi que l’unité de l’assurance qualité de chaque institution (MODIP) L’article prochain se réfère aux différents critères et indices que le législateur détermine comme indispensables pour l’évaluation: «pour l’évaluation et l’efficacité de la recherche et de l’enseignement et d’autres services fournis par les institutions de l’enseignement supérieur […] sont utilisés des critères reconnus qui sont présentés sous forme d’indices quantitatifs et qualitatifs» (L.3374/2005, art.3). Les critères sont présentés en quatre catégories (qualité de l’enseignement, qualité de la recherche, qualité de programme d’études et qualité d’autres services. Par la suite, il y a un effort de concrétiser les indices appropriés10. Les articles 4 et 6 se réfèrent aux procédures de l’évaluation intérieure. Dans l’article 4, est déterminé l’objectif, le contenu et la procédure de l’évaluation intérieure «l’évaluation intérieure est le premier niveau de l’évaluation et consiste en l’estimation systématique et l’enregistrement de toute activité d’enseignement, de recherche et autre par les unités académiques des institutions de l’enseignement supérieur en relation à leur philosophie, leurs objectifs et leurs missions […] (elle s’effectue par des réponse à des questionnaires, des interviews, des débats ouverts et d’autres sources d’information possibles (et) s’accomplie avec la rédaction du rapport de l’évaluation intérieure de l’unité académique» (L.3374/2005, art.4). Dans l’article 6 est décrite l’évaluation intérieure, est déterminée la composition des instances d’évaluation et est concrétisée la procédure et le calendrier de l’évaluation intérieure: «les unités académiques soumise en évaluation (Facultés ou Départements) nomment par leurs réunions l’ équipe de l’évaluation intérieure (OMEA) […] elle a comme mission de recueillir de tous les données nécessaires et par la suite rédiger un rapport d’évaluation intérieure de l’unité académique, lequel est transmis à la MODIP et par la MODIP à l’ADIP […] La responsabilité de l’évaluation du fonctionnement de chaque institution appartient à la MODIP qui est parallèlement l’équipe d’évaluation intérieure de l’institution (OMEA institutionnelle)» (L.3374/2005, art.5). Par la suite, les articles 7 et 9 décrivent les procédures de l’évaluation extérieure. Les objectifs et le contenu de l’évaluation extérieure «consiste en un examen analytique et critique des résultats de l’évaluation intérieure par une commission composée par des experts extérieurs […] après avoir rendu visite à l’institution en question et après avoir mené des rencontres et des discussions avec des enseignants-chercheurs ainsi que des membres d’autres catégories du personnel (administratifs, techniques mais aussi bien des étudiants […] sa mission s’accomplie par la rédaction d’un rapport d’évaluation extérieure, qui contient des analyses, des constatations, des recommandations et des suggestions relativement à des mesures à prendre afin d’améliorer davantage la qualité 129


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de l’œuvre d’enseignement, de recherche et d’autre» (L.3374/2005, art.7-9). Enfin, les prochains trois articles se référent à l’ADIP. Dans l’article 10, sont décrites, en détail, sa mission, ses responsabilités ainsi que des caractéristiques de sa fonction intérieure. En l’article 11, qui fut l’objet d’une critique vive pendant la discussion au Parlement11, est déterminée la composition de l’ADIP (réunissant au total 15 membres, mandatés par décision ministérielle). La critique parlementaire et extra-parlementaire s’est focalisée sur la manière d’élire le président et les membres de l’agence indépendante dans la mesure où l’opposition a soutenu que la manière de composer l’ADIP prouve la tentative gouvernementale de la mettre sous son contrôle direct. Selon les dispositions de cet article, le président de l’ADIP doit être un scientifique réputé et avec un œuvre de recherche reconnue qui dispose d’une expérience en priorité dans le domaine de l’assurance qualité dans l’enseignement supérieur mais «qui serait nommé par le ministre de l’ éducation après consultation de la commission des affaires éducatives et culturelles du Parlement» (L.3374/2005, art.11). En ce qui concerne les autres membres de l’agence, à l’exception de deux étudiants et du représentant de la chambre (de commerce), des propositions sont soumises par les recteurs12 des universités et les présidents des IUT mais l’acceptation finale et la nomination se fait par le ministre de l’éducation (article 10-12).

3. De choix et d’interprétations de la loi 3374/2005 par l’ADIP Le texte de la loi 3374/2005 signale clairement que malgré une première tentative d’instauration d’un répertoire initial des critères et des indices d’évaluation, ce répertoire doit être enrichi, systématisé et spécialisé par l’ADIP dans un avenir immédiat. Dans une newsletter, intitulée Assurance qualité de l’enseignement supérieur (ADIP, 2007), on remarque un effort de codifier les procédures prévues, tout en restant au raz du mot de la loi. Les objectifs et les procédures des trois démarches à suivre étaient signalées: «rapports intérieurs annuaires», «évaluation intérieure» et «évaluation extérieure» sans pour autant que soit spécifié l’unité de l’évaluation (institution? faculté? département?). Le document important de la période s’avère être l’Analyse des critères d’assurance qualité des unités académiques (ΑDIP, 2007b) dans la mesure où il fournissait la systématisation, prévue par la loi, des critères et des indices d’évaluation. Une première divergence apparaît dans l’introduction où il est déterminé que «l’analyse de critères […] inclut tous les points qui sont nécessaires pour une description complète de la fonction d’un département» (ΑDIP, 2007b, p. ΙΙ). Par conséquent, ADIP paraît avoir décidé que les évaluations devraient se faire au niveau des départements. Pour la systématisation des critères, est partiellement suivi le groupement en quatre catégories proposées par la loi. Dans la spécification des critères, la structure adoptée est la suivante: les quatre 130


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catégories proposées par la loi sont maintenues. Une catégorie est subdivisée en différents groupes thématiques et chaque groupe thématique est constitué par une série d’indices sous forme de questions. Par exemple, pour la catégorie «qualité de l’enseignement», le premier groupe se réfère à l’ «efficacité des enseignants» qui est composé par les questions/indices: «1. Y-a-t-il une procédure d’évaluation des enseignants par les étudiants? Comment est-elle appliquée? 2. Comment les résultats de cette évaluation sont-ils exploités? 3. Combien sont les heures moyennes d’enseignement par semaine pour les enseignants-chercheurs? 4. Combien d’enseignants d’un département enseignent-ils dans le programme du master ? 5. Des bourses/prix d’enseignement sontils institutionnalisés? 6. Les étudiants en master ou en thèse participent-ils et à quel pourcentage à l’enseignement?» (ΑDIP, 2007b, p. 7). Il faut aussi signaler qu’il y a quelques différentiations dans les groupes thématiques en relation aux dispositions de la loi, spécifiquement en ce qui concerne le groupement des indices qui concernent l’évaluation de département.. À titre d’exemple, dans la catégorie « qualité de la recherche », il y a le groupe thématique « publications des enseignants chercheurs du Département dans les 5 derniers années» et aussi les groupes thématiques «coopération de recherche du Département» et «distinctions/prix attribués aux enseignants-chercheurs du département». Cependant, il y a deux catégories et une série d’indices qui n’apparaissent pas dans la loi. La catégorie «Relations avec des instances sociales/culturelles/du marché (ISCM)»� qui contient les groupes thématiques: «1. Coopération du département avec des ISCM, 2. Perspectives du département pour le développement la coopération avec des ISCM, 3. Activités du département vers la direction du développement de la coopération avec des ISCM, 4. Connexion de la coopération avec des ISCM avec l’enseignement, 5. Contribution du département au développement local, régional et national» (ΑDIP, 2007b, p. 13-14). L’autre catégorie s’intitule «Stratégique du développement académique», et elle n’est pas divisée en des groupes thématiques mais elle dispose directement une liste de questions/ indices (ΑDIP, 2007b, p. 15). L’ADIP, dans son effort d’aider les départements qui ont exprimé la volonté de réaliser l’évaluation, a envoyé un rapport-standard d’évaluation intérieure (ADIP, 2007c), tout en soulignant qu’il ne s’agissait que d’une proposition facultative. Un an après, elle a fait pareil pour le rapport d’évaluation extérieure (ADIP, 2008). La structure proposée du rapport d’évaluation intérieure suit le regroupement des critères et des indices déjà mentionné, tout en ajoutant qu’il est souhaitable d’être incorporée «une brève description et évaluation de la procédure elle-même […] ainsi que des résultats et les projets d’amélioration de la qualité du département » (ADIP, 2007c, p. 2). 131


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Il semble donc que l’ADIP propose une base organisée de critères communs et d’indices pour la présentation des fonctions de chaque département et la formulation des conclusions mais aussi des propositions d’amélioration de la qualité du département par le rapport d’évaluation intérieure. L’ADIP propose, concernant l’évaluation extérieure, qu’elle soit basée sur l’évaluation intérieure et sur les matériels récoltés par la commission des experts pendant les visites et les rencontres locales. Il est aussi proposé que la commission utilise une structure de présentation et les groupes de critères standards : a) l’ «approche», qui présenterait les objectifs et les priorités du département mais aussi l’avis de la commission sur les points positifs et les faiblesses du département relativement à son organisation, sa structure et sa fonction, b) l’ «application», qui serait basée sur les résultats de l’évaluation intérieure et qui désignerait le passage de la théorie à la pratique, c) les «résultats», qui seraient l’opinion fondée de la commission relativement à l’efficacité et la qualité de chaque catégorie, et d) l’ «amélioration», qui consisterait en la présentation critique des initiatives futures et des propositions existantes dans l’évaluation intérieure visant à l’amélioration de la qualité de chaque catégorie (de critères). Le rapport aboutirait à des conclusions globales qui résumeraient le verdict de la commission concernant la situation actuelle du département ainsi que des recommandations et des stratégies à suivre pour l’amélioration de cette qualité (ADIP, 2008, p. 4-9).

4. Analyse de cas: L’évaluation d’un département Dans l’introduction du rapport de la commission extérieure d’évaluation, remarquable, quasi impressionnant, est l’effort fourni à ne pas provoquer de réactions et à consolider une culture d’assurance qualité: «le département évalué dans ce rapport est composé d’enseignants-chercheurs confirmés et internationalement reconnus, de jeunes enseignants-chercheurs motivés et actifs, d’ étudiants de premier cycle bien motivés, matures et déterminés qui sont conscients et acceptent les perspectives professionnelles et sociales de leur choix d’études, par des étudiants d’études avancées qui ont envie de se lancer dans des activités académiques et de recherche dans l’univers international. Tout ça, dans des conditions institutionnelles, économiques et d’infrastructure problématiques, parfois même, péniblement et difficilement affrontables» (ADIP, 2008b, p. 3). Concernant le «programme d’études», la commission pense, sur la base des données disponibles, que «le personnel académique du département dispose des qualifications nécessaires pour enseigner les cours proposés. Il y a un ensemble clair de cours de tronc commun qui désignent le domaine scientifique du département […] (pourtant) la structure du programme d’étude est compliquée et elle ne dispose pas de la cohérence 132


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nécessaire […] beaucoup de cours ne sont pas liés de façon fonctionnelle et souvent sont proposés d’une manière irrationnelle. Il semble que cette situation résulte de la nécessité de s’accommoder aux exigences minimales du ministère concernant les heures obligatoires d’enseignement par enseignant-chercheur» (ADIP, 2008b, p. 6-7). Cependant, la commission souligne sa détermination pour la réalisation des objectifs du programme d’études par les enseignants-chercheurs en dépit des problèmes qui sont liés aux rigidités régnant dans l’enseignement supérieur grec. Relativement à la «qualité de l’enseignement, la commission signale les propos du département: «l’imposition d’un grand nombre de nouveaux entrants en dépit de l’opinion contraire du département est un problème de taille […] Le département est victime du manque de salles bien équipées et spacieuses qui pourraient recevoir le nombre très chargé d’étudiants imposés»14. Par la suite, la commission signale la pénurie de données relatives aux méthodes didactiques et à la qualité des mémoires présentés. Concernant, les améliorations proposées, la commission remarque que malgré la conscience du département des changements nécessaires, il n’y a aucune programmation pertinente (ADIP, 2008b, p. 8-9). Quant à la qualité de recherche, la commission soutient que «dans tous les domaines scientifiques des enseignants-chercheurs il existe un nombre de publications suffisantes […] le degré de l’activité scientifique est confirmé par les citations et les notes de bas de pages dans la bibliographie spécialisée. Les projets de recherche et l’œuvre produit dans les laboratoires présentent des résultats impressionnants en dépit de pénurie en infrastructure dans certains cas […] (et) les chercheurs coopèrent avec des collègues étrangers tant pour la recherche que les publications. Cependant, au niveau départemental la coopération internationale est plutôt minime». Le problème crucial pour la commission se base sur le manque de planification de recherche centrale malgré les objectifs clairs des différents laboratoires du département. Par la suite, la commission note que «l’accroissement de la communication entre les différentes équipes (de laboratoires) semble être urgente pour plusieurs raisons: utilisation maximale des savoirs et des expériences existantes, renforcement des possibilités du département et mise en commun des ressources disponibles pour le bien collectif» (ADIP, 2008b, p. 10-12). Relativement à la «qualité d’autres services», la commission tire la conclusion que tant les services administratifs que les autres services sont insuffisants. Le département «prend conscience de ses nécessités et de ses manques, les personnel académique exprime clairement ses besoins mais il n’y a pas une planification centrale concernant toute l’école polytechnique» (ADIP, 2008b, p. 14). De plus, la commission souligne également en ce qui concerne la «programmation du 133


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développement stratégique» que «il y a un manque d’objectifs à long terme et d’actions appropriées pour la réalisation». Cependant, elle reconnaît que «la grande bureaucratie venant du ministère mais aussi l’inertie et la rigidité de l’université posent des obstacles au travail efficace et à la flexibilité du département» (ADIP, 2008b, p. 16,18). Pour conclure, la commission aboutit à «le département suit un chemin continu de développement tant de son personnel que d’activités reliées aux programme d’études. Cependant, le programme d’études n’a pas suivi une planification bien fixée, ayant comme résultat l’apparition des discontinuités entre les finalités et les objectifs ainsi que dans la réalité de mise en œuvre. Des discontinuités semblent aussi exister entre les standards élevés et la reconnaissance scientifique de son personnel et la coopération internationale du département, comme entité, ainsi que dans le département» (ADIP, 2008b, p. 19). En même temps, la commission signale des issues générales qui influencent les conditions de fonctionnement et la qualité du département. Ils sont relatifs au contexte global de l’environnement académique grec. Pour résumer, une atmosphère antiacadémique, anti-pédagogique, anti-démocratique semble régner dans l’espace de l’université, le système d’entrée qui pousse les élèves à des choix inconscients sur leurs études, la mauvaise utilisation de la notion d’«asile» universitaire, etc. À cause de ces disfonctionnements marquants, la commission conclut qu’elle a globalement adopté pour son évaluation «une position d’’analyse critique’ qui pouvait combiner les conditions idéales et la réalité du terrain» (ADIP, 2008b, p. 20).

5. Comparaison et discussion En réalité, notre travail consiste en une analyse à cinq niveaux distincts mais interconnectés. Les deux premiers sont liés à la production de textes politiques qui tissent le cadre législatif relatif à l’assurance qualité, initialement au niveau européen et par la suite au niveau national. Le niveau d’agence comprend les choix spécifiques et les priorités mises en avant par l’ADIP en relation à la législation donnée. Le quatrième niveau désigne la mise en application de la législation et dans notre travail il est représenté par l’analyse d’un cas concret d’évaluation. Enfin, le cinquième niveau est le plus intéressant car il comprend la comparaison de chaque niveau avec le niveau suivant, dans la mesure où cela met au clair le trajet de la planification d’une politique (au niveau supranational) à sa mise en application (niveau sous-national). La Loi 3374/2005 suit, de près, les grands axes désignés dans le rapport d’E4, présenté et approuvé à Bergen. En effet, les finalités, le contenu, l’objectif de l’évaluation de la loi hellénique se trouvent en harmonie avec les grandes lignes du rapport ESG. De plus, en 134


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harmonie se trouvent les caractéristiques structurelles du système national d’assurance qualité avec les dispositions du rapport ESG (création d’une agence nationale, évaluation intérieure et évaluation extérieure). Cependant, la loi grecque comprend une divergence de taille concernant la procédure à suivre pour la désignation/nomination du président et des membres de l’agence. En général, la partie qui se réfère à l’indépendance de l’agence et son évaluation se trouve distincte des propositions des textes européens. De plus, il y a aussi deux divergences de plus à signaler: a) l’évaluation de l’agence nationale n’est pas prévue par la loi ainsi que le suivi de l’évaluation institutionnelle, b) la Loi comprend une série de détails de régulation, inutiles pour une loi mais bien dans la tradition du centralisme grec. Par conséquent, on peut tirer la conclusion que, d’une part, le pays s’accommode de ses obligations européennes (tardivement et avec peine), mais d’autre part, il préserve une de ses grandes caractéristiques stéréotypés (traditionnelles): le centralisme et le poids pesant du ministère et du ministre en personne. Le tableau suivant a été conçu pour valider nos propos.

Tableau: Comparaison de la loi hellénique au rapport ESG Loi 3374/2005

Rapport ESG

Relativement à l’institutionnalisation et à l’indépendance des Agences d’Assurance Qualité Le président de l’ADIP Le président est nommé par le ministre après avoir consulté la commission des affaires éducatives et culturelles du parlement. Les membres de l’ADIP Les 10 des 14 membres de l’ADIP (6 professeurs d’universités et 4 professeurs d’IUT) sont proposés par les recteurs des universités et les présidents des IUT et nommés après accord ministériel)

La procédure semble être en désaccord avec l’exigence principale du rapport qui plaidait pour une indépendance totale de l’agence.

Relativement à l’évaluation intérieure et à l’assurance qualité Procédure d’évaluation intérieure La loi comprend un nombre élevé de détails de régulation (articles 4, 5 et 6). Critères et indices d’évaluation intérieure Le regroupement des critères et des indices se fait en 4 catégories: qualité de l’enseignement, qualité de recherche, qualité de programme d’études et qualité d’autres services.

Procédure d’évaluation intérieure Le rapport a comme but la promotion d’un cadre général, ainsi il ne s’intéresse pas à des détails de régulation. Critères et des indices d’évaluation intérieure Le regroupement des critères du rapport est identique aux 4 catégories de la loi.

Relativement à l’évaluation extérieure et à l’assurance qualité

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La nomination des évaluateurs extérieurs Les 5 évaluateurs extérieurs sont nommés après tirage au sort par une liste d’évaluateurs de l’ADIP. Un évaluateur extérieur est nommé par l’institution évaluée. La liste d’évaluateurs (composée par ADIP et proposée par les institutions) est renouvelé tous les 4 ans. Participation des évaluateurs internationaux La participation d’un évaluateur international est considérée comme souhaitable mais non pas impérative (Article 8, paragr.5)

Procédure de suivi des résultats d’évaluation Une procédure supplémentaire de suivi des résultats d’évaluation (follow-up review) n’est pas prévue. Par contre, une évaluation quadriennale est prévue (évaluation intérieure, évaluation extérieure, publication des résultats)

Nomination des évaluateurs extérieurs Il est signalé que l’agence doit démontrer son indépendance dans toutes ses actions et ses fonctionnements. Pour cela, tant la liste d’évaluateurs que la nomination des évaluateurs extérieurs se fait automatiquement et indépendamment sans aucune influence du gouvernement ou des institutions de l’enseignement supérieur (ENQA, 2005, p. 25) Participation internationale à l’évaluation extérieure L’usage des experts internationaux est signalé comme un des éléments qui consolide la validité de la procédure et comme un élément pour faire avancer la dimension européenne de l’assurance qualité (ENQA, 2005, p. 20-21) Procédure de suivi des résultats d’évaluation Il est noté qu’une follow-up procedure est indispensable. La procédure de l’évaluation extérieure doit être périodique et de plus la période de répétition doit être fixée à l’avance (ENQA, 2005, p. 22)

Relativement à l’évaluation de l’Agence Il n’y a pas une procédure peer-reviewing concernant l’ADIP.

Il est proposé que les agences indépendantes doivent disposer des procédures d’évaluation de leur fonctionnement intégral ainsi que des procédures de suivie pour les évaluations. Ces procédures devraient aboutir à des rapports périodiques (tous les 5 ans) (ENQA, 2005, p. 25)

En passant du niveau 2 au niveau 3 (niveau exécutif) l’effort fourni par l’agence est marquant pour établir les conditions nécessaires qui permettraient l’application de la procédure d’évaluation, dans un contexte négatif. Son choix crucial s’avère la décision de transférer l’unité d’évaluation du niveau institutionnel au niveau départemental. Un choix qui visait à la réduction des réactions dans l’institution. D’autre part, ce choix peut être interprété comme un signe de marge de manœuvre importante de la part d’ADIP. Cependant, la loi (mais aussi les textes européens) laissait la possibilité de ce choix. Par la suite, on peut constater que l’ADIP suit les grandes lignes de la loi, tout en y intervenant. En effet, on remarque qu’elle élargie les groupes thématiques, en ajoutant deux, ainsi qu’elle spécifie en détail l’évaluation, proposant des listes de questionsindices (parfois très longues et en tout cas très détaillées) qui englobent toute activité pratiquée. À tel point que quelques-uns parlent, avec sarcasme, d’un contrôle de style 136


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soviétique. Il faut, quand même, avouer que son souci fut aussi de donner des outils (exemples de référence standardisés), faits avec soin, pour aider les départements qui se portaient volontaires de faire l’expérience. En réalité, son but fut de mettre en fonction ce dispositif d’évaluation tout en familiarisant les institutions avec la procédure. En passant du 3ème au 4ème niveau, on a l’occasion d’analyser un cas concret de mise en application. Par le rapport, on constate que l’approche fut très vigilante et on a l’impression qu’il visait non pas seulement le département évalué mais aussi son environnement institutionnel. Pour cette raison, d’une part, l’attention fut prêtée à l’application correcte de la procédure, et d’autre part, la tactique fut clairement d’accentuer les points forts contrairement aux faiblesses qui étaient souvent connectées à des difficultés systémiques ou carrément à la politique du ministère. Pour conclure, on pourrait soutenir que les politiques produites au niveau transnational (dans notre cas celles de l’assurance qualité) sont formulées dans des textes de façon assez générale et seulement dans leurs grandes lignes. Ces textes disposent souvent de marges d’interprétation et d’adaptation très larges. A ce niveau ce qui compte, c’est, avant tout, la consolidation de l’idée de l’existence des politiques transnationales. Dans le niveau suivant (national y compris gouvernemental) ces textes sont introduits dans des régulations législatives beaucoup plus concrètes. Cependant, cet introduction est soumise à des filtrages nationaux qui ont la qualité, d’une part, d’incorporer une politique transnationale dans la législation nationale, et d’autre part, de satisfaire des intérêts nationaux tout en respectant leurs traditions particulières (dans notre cas, le rôle accentué du ministère et du ministre en personne). Le troisième niveau est la concrétisation de la politique (d’assurance qualité) en un dispositif susceptible de la mettre en œuvre. Dans ce niveau, la politique devient très, si non trop, détaillée. Le dispositif dans notre cas est l’Agence Nationale d’Évaluation. Elle a appliquée la loi tout en disposant des marges importantes tant à la concrétisation de l’unité d’évaluation (dans le cas grec, le département) qu’à la spécification, à la diffusion, à la familiarisation et enfin à l’acceptation générale de la procédure d’évaluation. Enfin, au niveau de l’unité d’évaluation, le département universitaire, d’une part, a participé à cette évaluation en appliquant la politique souhaitée, d’autre part, il a compris l’avantage d’être mis en premier plan. Quant à ses inconvénients liées à des défauts du système ou encore mieux connectés aux politiques du ministère. Finalement, on pourrait soutenir que les trois acteurs principaux concernés par cette politique (instances transnationales, gouvernement national+instance nationale 137


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et institutions de l’enseignement supérieur) semblent satisfaits dans la mesure où ils arrivent à préserver et/ou à promouvoir leurs intérêts tout en appliquant la politique en question.

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COM/89/236 final. Commission des Communautés Européennes (1991). Mémorandum sur «l’enseignement supérieur dans la Communauté Européenne, Bruxelles, COM/91/349 final. Commission des Communautés Européennes (2004). Recommandation du Conseil et du Parlement concernant la poursuite de la coopération européenne visant la garantie de la qualité dans l’enseignement supérieur, Bruxelles, COM(04)642 final. ENQA (2005). Standards and guidelines for quality assurance in the european higher education area. Helsinki: ENQA. Haug, G., Kirstein, J., &, Knudsen, I. (1999). Trends in learning structures in higher education (Trends 1), Project report for the Bologna Conference on 18-19 June. Copenhagen: The Danish Rectors Conference. Hofmann, St. (2005). 10 years on: lessons learned from the institutional evaluation programme a European University Association report with the support of ACQUIN (Accreditation, Certification and Quality Assurance Institute). Brussels, EUA. Journal Officiel des Communautés Européennes (1998). Recommandation du Conseil du

24 Septembre 1998, sur la coopération européenne visant à la garantie de la qualité dans l’enseignement supérieur, 98/561/CE, L.270/56, 07.10. Journal Officiel des Communautés Européennes (2006). Recommandation du Parlement Européen et du Conseil du 15 Février 2006 concernant la poursuite de la

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higher education In J. Brennan, P. de Vries, & R. Williams (Eds.), Standards and quality in higher education (pp.198-205). London: Jessica Kingsley Publications

Notes 1 Participation et accès à l’enseignement supérieur, partenariat entre l’enseignement supérieur et l’ensemble des secteurs de l’activité économique, formation continue, enseignement supérieur ouvert et à distance et dimension européenne de l’enseignement supérieur. 2

European Pilot Project for Evaluating Quality in Higher Education

3 «Promotion de la coopération européenne en l’assurance qualité afin de développer de critères et de méthodologies comparables» (Bologna Declaration, 1999, p. 3). 4 Comme: «a) définition des responsabilités des agences et des institutions impliquées, b) évaluation soit au niveau de programmes d’études soit au niveau d’institution par une évaluation intérieure et une évaluation extérieure faite par des pairs, avec la participation des étudiants et la publication des résultats, c) système de confirmation et de qualification des procédures comparables, d) participation internationale, coopération et mise en réseaux des agences indépendantes». 5

European Register of Quality Assurance Agencies

6

European Register Committee

7

European Consultative Forum for Quality Assurance in Higher Education

8

Le parti conservateur.

9

Le parti socialiste. Avec la ND, ils sont les deux partis de pouvoir en Grèce.

10 a) Qualité de l’enseignement: «l’efficacité des enseignants, la qualité de la procédure didactique, l’organisation et la programmation de l’activité didactique, les outils pédagogiques, les moyens et l’infrastructure, l’usage des nouvelles technologies, le ratio et la collaboration entre enseignants et enseignés, le niveau et l’actualité des savoirs diffusés, la connexion de la recherche à l’enseignement, la mobilité des enseignants et des étudiants ». b) Qualité de la recherche: «la promotion de la recherche dans le cadre de l’unité académique, les publications scientifiques, les infrastructures de recherche, les projets de recherche, l’efficacité de la recherche, l’originalité de la recherche, la reconnaissance de la recherche, la coopération de recherche, les distinctions et les récompenses par la recherche, la participation des étudiants à la recherche». c) Qualité du programme d’études: «le degré de réponse du programme d’études aux objectifs de l’unité académique et aux attentes de la société, la cohérence et la fonctionnalité du programme d’études, la concordance de différents cours proposés, l’organisation rationnelle du programme d’études, l’efficacité des méthodes d’évaluation, le support des infrastructures». 140


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d) Qualité d’autres services: «l’efficacité des services administratifs, les services d’appui social pour les étudiants, les infrastructures en générale, l’utilisation des nouvelles technologies, la transparence et l’efficacité des fonds financiers utilisés ainsi que de l’usage des infrastructures et des équipements, la coopération avec d’autres institutions de l’intérieur et de l’extérieur ainsi qu’avec des instances sociales». (L.3374/2005, art.3) 11

Actes Parlementaires, 2005a-c.

12

En Grèce les présidents des universités s’appellent recteurs.

13 Dans l’article 3, il y a juste la référence suivante dans la catégorie «qualité d’autres services»: «les coopérations avec d’autres institutions éducatives et de recherche de l’intérieur ou de l’extérieur ainsi qu’ avec le contexte social» (Loi 3374, article 3). 14 En Grèce les examens de baccalauréat se passent au niveau de l’école et ne donnent pas accès aux établissements de l’enseignement supérieur. Une fois bacheliers, ceux qui souhaitent une place dans l’enseignement supérieur doivent passer des examens nationaux, qui sont organisés par sections et qui ne sont pas, en règle générale, perméables. Le nombre de place disponible par département est un enjeu important entre les départements et le ministère. Cependant, c’est le ministère qui décide, très souvent, contre l’opinion exprimée par les départements.

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O uso das TIC e as alterações no espaço educativo Ricardo Filipe da Silva Pocinho Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Instituto de Psicologia Cognitiva, Desenvolvimento Vocacional e Social da Universidade de Coimbra Fundação para a Ciência e Tecnologia João Pedro Marceneiro Gaspar Instituto de Psicologia Cognitiva, Desenvolvimento Vocacional e Social da Universidade de Coimbra Fundação para a Ciência e Tecnologia

Resumo O constante avanço das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), conduz a um novo paradigma do processo ensino/aprendizagem, modificando os papéis dos players e alterando o conceito de sala de aula. Questiona-se o papel da escola e dos professores bem como a necessidade de modificar o papel interventivo dos alunos, pois hoje ensinar não é a mera transmissão de conhecimentos. Para sobreviver na sociedade, potenciando a integração no mercado de trabalho do século XXI, o indivíduo precisa de desenvolver uma série de novas capacidades como a autogestão de problemas, a adaptabilidade e flexibilidade diante de novas tarefas, a responsabilização, assim como a auto-aprendizagem, com recorrente predisposição para trabalhar em grupo de modo cooperativo e pouco hierarquizado. (Belloni, 1999) Nesse contexto em que as possibilidades de derrubar as barreiras do espaço e do tempo educativo são maiores, a educação de características informais, com recurso às novas tecnologias e ao espaço virtual conduz à necessidade de pesquisa e reflexão, desenvolvendo as capacidades acima referenciadas. Palavras chave Educação, Tecnologia, Ambientes informais, Espaço virtual

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Abstract The constant advancement of Information and Communication Technology (ICT), leads to a new paradigm of teaching / learning process, changing the roles of players and changing the concept of the classroom. We question the role of schools and teachers and the need to modify the active role of students, teaching for today is not the mere transmission of knowledge.To survive in society, enhancing the integration in the labor market of the century, the individual needs to develop a series of new capabilities such as self-management problems, adaptability and flexibility in the face of new tasks, accountability, and self-learning with recurrent willingness to work together in a cooperative and very hierarchical (Belloni, 1999). In this context where the potential to break down the barriers of space and time are higher education, informal education of features, using new technologies and the virtual space leads to the need for research and reflection, developing skills referenced above. Keywords Education, Technology, Environment, Informal virtual space

Introdução O alargamento da escolaridade em Portugal, só foi verdadeiramente real nos anos anteriores à Revolução de 1974, com a reforma do sistema educativo. A obstinação de algumas mentalidades, posturas e instituições impediu a administração escolar de avançar com soluções adequadas às necessidades que a reforma impunha. As alterações no espaço educativo resumiram-se à execução de algumas orientações superiores, mantendo as regras, mas alargando a sua abrangência. “Por estar ainda organizada para o insucesso, a velha escola básica, se a designação é legítima, gerou o paradoxo de condenar ao fracasso escolar aqueles que obrigava a frequentá-la, quando, além de garantir igualdade de acesso, deveria assegurar também o sucesso espaço escolar aos que a frequentavam” (Pires, 1989 citado por Bagão, Germano, 1999). 1 Será o uso das novas tecnologias que irá alterar a forma de ensinar, ou pelo menos, será um recurso base para essa mudança? Para isso, é necessário que todos os que fazem parte do processo de educativo tenham formação adequada. Robert Branson na sua obra “paradigma” fala deste novo processo de ensino - aprendizagem baseando-se na alteração dos papéis e das competências do docente e do discente. Reitera aquele autor a ideia de que o professor deixará de ser o detentor do conhecimento e o aluno apenas o receptor; interagindo, na construção de conhecimento, criando um espaço colaborativo de aprendizagem onde o papel do professor passa a ser 144


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também o de mediador e de incentivador à pesquisa e construção de conhecimento. Altera-se assim, o paradigma da educação. 1. A alteração do “papel” dos agentes de educativos. O professor avocará outras funções, nomeadamente, promover a pesquisa e a colaboração multidisciplinar. Terá um papel fundamental no incentivo dos alunos para a interacção e o debate de ideias, propondo-lhe trabalhos e críticas reflexivas, promovendo simultaneidade de papéis. É um cenário complexo, este da utilização das TIC. O professor tem de estar atento e actualizado em relação aos novos contextos, é importante referir que esta forma de ensino - aprendizagem, traz agora para o espaço formativo mais um elemento - a tecnologia (nomeadamente os computadores e as ligações em rede) que são os canais privilegiados na relação entre professor e aluno. Também é importante referir a inexistência de estudos que comprovem a integração absolutamente bem sucedida no âmbito das TIC, pois não parecem existir fórmulas milagrosas, e há que acrescentar que, neste domínio, para além da inclusão de tecnologia como suporte à transmissão de conhecimentos, não pode ser esquecido o elemento cognitivo comportamental dos alunos, havendo por isso a necessidade de uma reestruturação dos modelos pedagógicos, que deve em nosso entender começar por incluir, na formação inicial de professores, conceitos, métodos e técnicas que os habilitem para este novo desafio. No entanto, é consensual a visão das tecnologias na educação, como um meio com elevadas potencialidades, na diminuição de barreiras entre os actores do processo educativo, em que a criação de páginas pessoais (blogs e nas redes sociais) surge como uma actividade estimulante, relevante e criativa (Bordeaux et al., 1998; Pugalee e Robinson, 1998). Por sua vez, o papel do aluno também se altera perante as TIC, a sua performance no intercâmbio de informações é de especial importância, seja com os professores e/ou com os seus pares, estas alterações não são mais que o acompanhar das transformações sociais, pois parece claro que numa sociedade que se quer da informação e do conhecimento, em que as redes digitais permitem elevados fluxos de informação num reduzido espaço de tempo, não tenha necessárias consequências nos sistemas educação, modificando-os e colocando-os também num patamar em que os intervenientes se mantém mas com um novo papel, adequado às realidades que hoje a sociedade requer. O sistema de ensino baseado neste modelo tenderá a estimular a criatividade e a dinâmica da aprendizagem na sala de aula, tendo resultados que se esperam cada vez melhores, tornando-os mais estimulantes e interactivos. 145


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Julga-se que assim, o aluno tomará uma parte mais activa e menos indiferente no processo educativo, sendo influenciado por estratégias de pesquisa, descoberta, colaboração, realidades e simulações. Este tirará maiores proveitos, se trabalhar de forma metódica quando não estiver na sala de aula, sem perder o interesse e o estímulo, aprendendo de forma mais autónoma, orientado para resultados que, naturalmente, terão de ser indicados pelos professores. O computador na sala de aula pode ser visto como uma novidade, onde conceitos podem ser demonstrados aos alunos através de sistemas audiovisuais, socorrendo-se de sons, imagens e vídeos, utilizando estes recursos como suporte na compreensão dos conteúdos teóricos. Este conceito de espaço educativo, em que a aposta é maior na formação e na construção do indivíduo, tem que desenvolver variadíssimos aspectos nos alunos, desde o seu lado social e cívico, até à sua faceta cultural e científica. Mais uma vez realçamos o papel do professor, determinante nesta mudança enquanto promotor de valores fundamentais e conhecimentos específicos. No processo de aprendizagem as atitudes têm um grande peso e caberá ao professor orientá-las e modelá-las. A atenção do professor terá que se centrar no despertar do aluno, tornando-o atento ao que o rodeia, para que esteja preparado para novas situações, imediatas ou futuras. É importante que esta mensagem seja passada ao aluno por quem a saiba transmitir. Ao aumentarem exponencialmente as hipóteses de pesquisa, as Tecnologias da Informação puseram à mercê dos estudantes inúmeras fontes de informação. Há que saber pesquisar, procurar e, ainda mais importante, saber gerir a informação que é recebida. O diálogo com o professor é fundamental e insubstituível. As novas tecnologias da informação não põem em causa o seu papel, bem pelo contrário, modificando-o, atribuem-lhe funções de especial relevância. A preocupação fundamental deverá ser a de formar professores de modo a que ganhem confiança nas suas capacidades nesta área. Só assim será possível que venham a ter sucesso. Frequentemente os docentes sentem-se superados pelos alunos, (Pugalee e Robinson, 1998). Estes demonstram capacidades e uma familiarização muito superior, que os coloca numa posição pouco confortável. Aos futuros professores deve ser propiciada a livre utilização das TIC em todo o processo educativo, de modo multidisciplinar. A prática já demonstrou que qualquer tecnologia só será útil se for ajustada à realidade. Também na sala de aula haverá essa necessidade de adequação, através da alteração de 146


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programas e da formação de professores. As tecnologias de informação terão que fazer parte da sala de aula, como instrumento de ensino, de forma perfeitamente enquadrada. As técnicas pedagógicas têm, obrigatoriamente, que se modificar porque foi alterado o processo cognitivo, criando um novo conceito do ensino, baseado na partilha e na pesquisa. As novas tecnologias e a informática são elementos determinantes na criação de novos modelos pedagógicos. Aquando da percepção destas necessidades, as instituições devem impulsionar um espaço de construção dos conhecimentos, incrementando no aluno uma consciência crítica, e assim, manter activo o processo pedagógico, com vista a uma maior interacção, adequando-o às constantes inovações e modificações tecnológicas e sociais, promovendo a evolução de cada um, na sua própria aprendizagem. O professor, neste processo de ensino informatizado, deve ter presente a capacidade individual dos seus alunos evitando impor pensamentos uniformizados, sendo ele o principal responsável pelas relações geradas neste novo conceito de educação e obrigandose a estar actualizado, pois só assim poderá fazer um acompanhamento adequado.

2. As novas tecnologias como suporte à actividade docente - mudança de práticas. A utilização da informática na aquisição e construção de conhecimento não se resume nem se esgota no saber como utilizar o computador. A construção de novos objectos pedagógicos é agora fundada na interacção com a informática e com o uso que professor e alunos fazem dela, pois o aluno é agora parte activa no processo educacional, tendo os objectivos e os métodos de aprendizagem que ser traçados em função desta condição. Algumas das imensas questões que a utilização do computador na escola coloca desde logo, passam pelo seu uso numa sala de aula (Skyttner, 2001). Assumirá o papel do professor? Substitui-lo-á no seu papel de transmissor de informação? Ou, por outro lado, somente trará alterações à concepção de ensino? No processo educativo dos nossos dias, o ensino suportado pelas TIC é eleito por alguns professores, sendo um auxílio equivalente a uma ferramenta que exerce determinadas funções numa sala de aula. Há sistemas concebidos de acordo com esta abordagem do ensino, não deixando de ser valorizados por quem partilha esta concepção pedagógica. Assim, qualquer sistema informático, aplicado ao ensino, terá que ser concebido em 147


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determinado contexto, visando objectivos e destinatários designados à priori, e apoiado na sua concepção por profissionais de educação. Para se poder avaliar qualquer programa destinado a ser utilizado numa sala de aula, terá que se ter em consideração o contexto em que este será usado. Para o qualificarmos, temos que ter em conta a concepção pedagógica para a qual ele foi concebido e avaliarmos todo o encadeamento de situações em que concretamente se aplica. A inclusão de docentes e discentes nas diversas fases de elaboração de software, será sempre uma mais-valia. O computador, utilizado no ensino, deverá confluir no sentido de fomentar transformações na abordagem pedagógica tradicional, e não apenas contribuir para o professor tornar mais assertivo o sistema de comunicação. O aproveitamento da informática na escola deve ser visto como um meio de modernização, reforma e intercâmbio de experiências. Com esta visão, e atendendo sempre ao contexto, facilmente serão identificados os pontos específicos que um programa informático deve promover na educação e proporcionar a colaboração necessária, tanto na transmissão como na obtenção de conhecimento. No espaço educativo, a utilização do computador tem como função transpor as barreiras convencionais, proporcionando a este novo ambiente a renovação de conteúdos, objectivos e essencialmente, dos métodos. A utilização do computador proporciona ao aluno a obtenção de informação, adequada à sua realidade e necessidades, permitindo criar contextos de troca e interacção. Defendemos aqui a ideia que nos transmite Valente (1996): à formação cabe hoje o papel norteador, para superação das crises do trabalho, transitando do homo studioso para homo universalis. Hoje, a construção do conhecimento faz-se ao redor do ser humano enquanto elemento inserido num grupo e contexto social. É ponto assente a importância da informática nos espaços educativos - ela é uma realidade. As questões que agora se colocam são relativas ao seu uso. Qual a melhor forma de a utilizar? Delinear objectivos e estratégias de actuação revela-se fundamental, pois é necessário identificar as necessidades dos alunos, bem como identificar e ultrapassar barreiras e preconceitos. Os computadores são apontados como sendo a solução para estas questões. No entanto, não são um fim em si mesmo, tornando-se apenas um meio vantajoso quando aliado do professor na elaboração de constructos pedagógicos baseados em tecnologias. Hoje, a inclusão do computador no ambiente educativo é uma imposição. A mesma tem sido compreendida pelos mais diversos governos, que têm promovido o acesso e o 148


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uso às Tecnologias de Informação e Comunicação. A necessidade de crescimento, de renovação das pedagogias é inegável. Visões mais pessimistas chamam a atenção para o problema do uso das novas tecnologias numa sala de aula. Estas questões prendem-se, por um lado, com o aspecto social do aluno e, por outro, com a sua capacidade criativa e independência funcional, incluindo aqui os problemas da literacia digital, da falta de conhecimentos ausentes na formação de base de uns e outros para poder acompanhar estas transformações. Algumas das interrogações são pertinentes: podem os alunos perder os laços que se criam com o relacionamento entre eles, que é gerado pelos contactos presenciais? Podem ficar demasiado dependentes destas novas tecnologias? Podem ter acesso a conteúdos impróprios? A relação com o professor será afectada e perderá as suas características próprias e necessárias? Por seu lado, os mais optimistas lembram que estas mesmas perguntas foram colocadas aquando do aparecimento da imprensa, da rádio e da televisão e da sua inclusão como suportes ao ensino e à formação. O seu uso acompanhado e cuidadoso tornou-as ferramentas de desenvolvimento intelectual, comprovando que os menos confiantes estavam errados. Todas as tecnologias, de um modo geral, podem ser usadas de forma imprópria, mas as mesmas dão ao ser humano a possibilidade quase infinita de acesso à informação, que poderá ser transformada em conhecimento.

3. Ambiente educativo: e a importância do aluno? Durante séculos, e até à Revolução Industrial, o conhecimento era dominado por um grupo reduzido de pessoas, pensadores, filósofos e cientistas. A partir da Revolução Industrial o espaço educativo passou a ser visto como meio de expansão desse mesmo conhecimento, passando a existir uma maior preocupação não só com a aprendizagem de base, mas principalmente com a motivação para a aquisição de novos conhecimentos. Nesta linha de pensamento, o indivíduo enquanto aluno, é colocado no centro do processo de ensino onde as experiências na aprendizagem são relacionadas com os seus próprios interesses. Hoje, o crescimento dos conhecimentos científicos e técnicos tem-se tornado cada vez mais avançado, não pertencendo agora, apenas a pequenos grupos, pois a construção e desenvolvimento dos mesmos baseia-se, essencialmente, na troca de informação e na interacção entre os indivíduos, criando verdadeiras comunidades de prática (Wenger, 1998).

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A educação encontra-se, agora, confrontada com a evolução dos novos meios tecnológicos, aproveitando-se destes novos mecanismos, passando a abranger cada vez mais pessoas, em diferentes locais e com perspectivas diferentes daquilo que pretendem aprender. A maior parte das vezes é a facilidade e o prazer que geram no indivíduo empatia pela aprendizagem. Este conceito de ensino, apoiado pelas TIC, passa por uma transformação constante, complementando e aperfeiçoando a presença de professores e alunos na sala de aula, sendo que há aqui um incremento de pro-actividade ao aluno, que se deseja mais participativo na construção da sua própria aprendizagem. As redes de computadores e mais precisamente a massificação do uso da Internet, tem vindo a permitir aos estudantes, a participação em fóruns de discussão e redes sociais onde, entre pares e com os melhores especialistas das diversas áreas de conhecimento, debatem informalmente sobre temas, que interessam verdadeiramente para a construção do seu conhecimento, trazendo para este espaço práticas das organizações como elemento produtor de conhecimento, denominadas “organizações que aprendem” (Senge, 1990). Desta forma, a visão do professor enquanto propagador do conhecimento, passa a ocupar lugar no mesmo patamar de incentivador da aprendizagem, motivando e auxiliando não só no uso das tecnologias mas, também, nas técnicas de pesquisa. Este processo educativo que ora abordamos é extraordinariamente movimentado e inconstante, de tal forma que quem coordena o modelo de aprendizagem deve possuir conhecimentos suficientes para colocar em prática aquilo que apenas se conhece em teoria. Falamos aqui do desenvolvimento de programas de e-learning (ensino à distância), e do uso que lhe tem sido dado. As turmas virtuais formam cada vez mais alunos no ensino não presencial. Embora se perca algum contacto social, essencial à formação do aluno enquanto indivíduo, julgamos que há aqui a possibilidade de uma adequada compensação e um complemento com outras disciplinas em actividades formativas normais. As facilidades de acesso às redes de informática e de computadores, bem como os avanços nas telecomunicações (nomeadamente na velocidade, uma vez que, nos últimos anos, se assistiu a um crescimento quase exponencial), mudam os conceitos de presença e distância no ensino, desenvolvendo raciocínios e criatividade. A Internet possui dimensões gigantescas, com grandes potencialidades, ocorrendo muitas vezes uma falta de estrutura, de orientação e de instrução para seus utilizadores. Assim, o seu uso e desenvolvimento na formação promove a interacção do professor, computador e aluno, sendo possível verificar e organizar melhor este sistema, esclarecendo dúvidas e direccionando o aluno a pensar e a “aprender a aprender” (Garvin 150


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2000). É importante produzir modelos educativos onde os alunos sejam capazes de pensar e de construir o seu conhecimento. No “novo espaço educativo”, o conhecimento é produto de uma constante construção, das interacções e de enriquecimentos mútuos de alunos e professores. As novas tecnologias foram conquistando terreno e abrangeram várias áreas, de forma diferenciada. Assim, tenta-se dar ao aluno um papel diferente, mais interventivo, gerador de conhecimentos com a informação que ele próprio obtém, orientado e motivado pelo professor.

4. Espaços educativos informais - as “imposições” das tecnologias WEB. Na sequência do que já abordámos, a Internet é, sem dúvida, a maior motivadora de alterações, pois é a ela que se deve o elevado número de utilizadores de informática, o crescimento da sociedade da informação e as transformações no espaço educativo. A internet trouxe algumas “imposições” que não podem ser ignoradas, pois tem potencialidades capazes de revolucionar os processos de aprendizagem. O aluno acederá às informações que quiser, tornando-se mais autónomo na busca de conhecimento, aumentando as suas possibilidades num menor período de tempo. A aprendizagem e a obtenção de conhecimentos passa a estar disponível longe do professor e da sala de aula, e já não é um processo fisicamente restrito. Por outro lado, embora seja reconhecida como ferramenta valiosíssima na formação, a integração no espaço educativo não é um processo simples. Independentemente da maneira como a Internet chega aos alunos, quer formal, através de políticas educativas, quer informalmente, por curiosidade do aluno, ela vai estar sempre presente. O seu uso pelos alunos, desacompanhado e desapoiado, pode não ser relevante nem sequer significante para o que queremos abordar, pois a função do professor neste processo que se quer de renovação constante, basear-se-á na criação de problemas que motivem o aluno em busca da solução, onde aquele deixará o papel de divulgação e transmissão de informação para guia de aprendizagem. Não será este um papel fácil, uma vez que este recurso é cheio de armadilhas, nomeadamente no que diz respeito às dificuldades de controlo e às (por vezes) excessivas possibilidades. O relacionamento que se estabelece com a Internet, enquanto recurso na aprendizagem, difere bastante dos tradicionais manuais escolares, onde a linha de raciocínio e de aprendizagem era estruturada por quem divulgava o conhecimento e assente em manuais normalmente produzidos sem possibilidade de interacção no processo construtivo.

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A construção de conhecimento passa pelo desenvolvimento do espírito crítico dos alunos, na distinção do que é credível e útil, do que é inexacto e dispensável, aproveitando as suas opiniões e transformando-as em elementos relevantes de suporte à sua formação. Um dos aspectos revolucionários da Internet, enquanto meio de comunicação e informação, é permitir que quem a usa seja simultaneamente produtor e consumidor dessa informação. Este é um factor de motivação para os alunos, tanto na obtenção de conhecimento, como no crescimento pessoal, estimulando o seu lado criativo, pois este sente-se como fazendo parte integrante do seu próprio processo de aprendizagem e não como um mero espectador que, ouvindo vai aprendendo.

5. Conclusão Na nossa sociedade, que se encontra em constante evolução e actualização nos mais diversos domínios, também no educativo, as TIC assumem-se como um dos factores mais relevantes dessa mudança. A escola como hoje a conhecemos terá de se preparar para responder às novas solicitações operadas pelas evoluções tecnológicas, já que elas colocam novos desafios ao sistema educativo e a cada um dos seus intervenientes. O modelo conceptual desenvolvido e apoiado nos conceitos de ideografia dinâmica e de inteligência colectiva, configura-se como uma alternativa interessante à prática tradicional de ensino. Esta alternativa tem vindo a ser delineada e enfatiza o papel do professor como primordial para a constituição deste espaço, em que as trocas de informação e a discussão colectiva adquirem máxima importância. Sendo certo que se alteram os papéis, não nos parece que isso seja contornável, pois é inevitável esta mudança que, se operada em tempo útil, trará em nossa opinião, o aproveitamento “in maxime” das potencialidades que tecnologias ao serviço da educação permitem e conduzirá a um justo e proporcional acompanhamento dos desenvolvimentos constantes da sociedade em que vivemos. Durante todo o percurso escolar, é fundamental desenvolver e dotar alunos e professores de saberes e competências gerais, tendo sempre em conta a especificidade e a transversalidade das TIC. Os programas escolares deverão por isso assegurar o desenvolvimento destas novas competências, por um lado, aos alunos com um currículo potenciador de aprendizagens significativas ao nível da utilização do computador e da Internet. Por outro aos professores dotando a escola com condições para os formar continuamente, para que possam acompanhar os alunos. Para isto, é importante o empenho de todos, pois professores e alunos, para além de 152


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estarem receptivos em relação às novas tecnologias, deverão ser capazes de se adaptar à mudança e aceitar o novo papel que lhes é atribuído. Para alem de mediador entre o conhecimento e os alunos, o professor deverá saber como utilizar as TIC e como integrá-las no currículo. A utilização das TIC pressupõe a capacidade de manuseamento das ferramentas existentes e outras que eventualmente sejam capazes de desenvolver e integrar as TIC no currículo pressupõe um conhecimento ao nível dos recursos existentes na escola, do próprio equipamento e dos materiais didácticos disponíveis. Concluímos com a ideia que o ponto fortemente catalisador e sustentador desta mudança é a formação de professores na área das TIC, já que serão estes a vão proporcionar actividades inovadoras e conducentes a uma maior autonomia do aluno. Bibliografia Aldrich, C. (2004).Simulations and the future of learning: an innovative (and perhaps revolutionary) approach to e-learning. San Francisco: Pfeiffer.. Alonso, C. M. & Gallego, D. J. (2000). Aprendizaje y ordenador. Madrid: Dykinson. Ariza, R., Manuel, J. (2000) Nuevas tecnologias de la información y de la comunicación aplicadas a la educación. Malaga: Ediciones Alijibe. Bagão, G. (1999). A utilização das T.I.C na escola básica. Consultado em Março de 2011, http://nautilus.fis.uc.pt/cec/ Belloni, M. L.(1999). Educação à distância. Campinas: Autores Associados. Branson, R. (1990). Issues in the design of schooling: changing the paradigm. Educational Technology, 30 (4), 7-10. Bordeaux, A. [et al.] (1998) Taming the electronic frontier: A distance education course for department of defense dependents school teachers. Journal of Computing in Teacher Education. Byrne, J. & Smith FALTA INICIAL NOME PROPRIO (1999). E. Learning. technical education & training abstracts (vol.51, pp 39-47). London: Taylor&Francis. David A. G.(2000). Learning in action: a guide to putting the learning organization to work. Boston, Massachusetts: Harvard Business School Press. Duart, J. M., & Sangra, A. (2000). Aprender en la virtualidad. Barcelona: Gedisa. Lambropoulos, N., & Panayiotis Z. (2007). User-centered design of online learning communities. London: Information Science Publishing. Lévy, P. (1994). L’intelligence collective. Pour une anthropologie du cyberespace. Paris: La Découverte. 153


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João Pedro Marceneiro Gaspar Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação R. Colégio Novo 3000 Coimbra gasparjp@fpce.uc.pt 154


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Desenvolvimento local: o binómio turismo/áreas rurais nas estratégias de desenvolvimento local1 Paula Reis Centro Interdisciplinar de Investigação e Inovação - Instituto Politécnico de Portalegre

Resumo O presente artigo centra-se em fornecer um momento de reflexão, em torno, do declínio das áreas rurais de baixa densidade que, resulta da perda da capacidade estratégica em termos de competitividade e de políticas de desenvolvimento local. O turismo surge como um instrumento ao relançar a dinâmica destes espaços rurais, através da criação de políticas de desenvolvimento que promovem os recursos locais e a diversificação das actividades rurais, capazes de inverter esta tendência negativa. Contudo, apesar da interligação e sinergia que existe entre a problemática do Desenvolvimento Local e o Turismo, é fundamental que o crescimento do sector turístico seja efectuado de forma sustentada. Palavras-chave Desenvolvimento local, Turismo, Áreas rurais de baixa densidade

Abstract The present article focuses on providing a moment of reflection around the decline of rural areas of low density. This fact results of loss of strategic capacity in terms of competitiveness and local development policies. Tourism emerges as an instrument to intensify the dynamics of rural areas through the creation of development policies promoting local resources and diversification or rural activities, able to reverse this negative trend. In despite of interlink and synergy that exist between the thematic of Local Development and Tourism, it is essential that the growth of the tourism would be carried out in a sustainable way. Keywords Local development, Tourism, Low density of rural area

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Introdução Após a II Guerra Mundial pensou-se que o crescimento económico seria, condição suficiente do desenvolvimento, de que dependiam as melhorias de bem-estar da população, a todos os níveis. No entanto, reconheceu-se que, apesar do forte contributo do crescimento para o desenvolvimento, existe uma forte dicotomia no que se reporta à forma e aos meios utilizados. Não basta crescer, torna-se necessário desenvolver, e este desenvolvimento deve ser auto-sustentado, ou seja, sendo o desenvolvimento um processo contínuo e dinâmico, este, deverá ser capaz de se auto alimentar. Um quadro que se transcreve para o caso português, com as primeiras iniciativas de desenvolvimento, na década de 70, pela mão do conceito de desenvolvimento comunitário, traduzido por Manuela Silva. Um conceito que a investigadora cita, ao explicar que a população é chamada a participar em todas as fases do processo de desenvolvimento. Assumindo-se como uma técnica, o desenvolvimento comunitário tem aplicabilidade numa multiplicidade de situações não se circunscrevendo apenas aos casos das regiões atrasadas. Podendo afirmar que todos os países, mesmo aqueles que hoje são desenvolvidos do ponto de vista económico e social, conheceram regiões que não conseguiram acompanhar o fenómeno do crescimento ou expansão económica como se registou noutras regiões vizinhas. Uma realidade transcrita no território português, que segundo Manuela Silva (1964:502), “o desenvolvimento comunitário deverá provocar a reintegração das zonas não evoluídas no ritmo geral do desenvolvimento nacional e assim corrigir (…) as actuais assimetrias regionais verificadas”. A densidade demográfica das zonas rurais, em Portugal, nunca foi muito elevada, mas, com os processos generalizados de industrialização e urbanização, entrou num declínio acentuado e alterou todo o processo de desenvolvimento. Perante esta constatação é fundamental, preconizar a ruralidade através de processos de desenvolvimento “bottom-up” adequados às especificidades dos locais, em que não existe um único processo de desenvolvimento, mas tantos, quantos os locais existentes. O desenvolvimento local constitui uma fonte de esperança para todas as regiões do interior do país que, continuam a sofrer o preocupante processo de despovoamento. Assim, o turismo constitui uma forma de aproveitamento dos recursos próprios do território, assumindo-se como uma das actividades que melhor pode aproveitar os recursos dos territórios e constituir-se num importante factor de desenvolvimento, dependendo das especificidades de cada região e da maior ou menor relevância que lhe é atribuída.

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1. Políticas de desenvolvimento: perspectiva funcionalista vs territorialista A problemática da participação das “comunidades locais” no processo de desenvolvimento coloca, em confronto, duas perspectivas que podem ser consideradas simultaneamente, opostas e complementares à articulação territorial da problemática do desenvolvimento: um paradigma “funcionalista” assente em pressupostos de difusão espacial do desenvolvimento, e um paradigma “territorialista” assente em pressupostos de integração territorial do desenvolvimento (Henriques, 1990). Uma problemática que emergiu, com a crise económica do início dos anos 70, no contexto do pós Segunda Guerra Mundial, num tipo de espacialização, que parte da concepção do espaço como lugar de inscrição das tendências económicas, esteve na base do desenvolvimento de uma doutrina orientadora das políticas públicas de promoção do desenvolvimento regional, a propósito dos desequilíbrios regionais quando estes começaram a surgir como um problema político à escala interna das nações, bem como a propósito da promoção do desenvolvimento à escala mundial, quando os processos de descolonização aumentaram a visibilidade das desigualdades mundiais (Amaro, 2003). O paradigma funcionalista/difusionista de desenvolvimento encontra as raízes da sua fundamentação teórica no pensamento económico da teoria neoclássica, um pressuposto ao admitir que a população não tem capacidades “ (…) para resolver a satisfação das suas próprias necessidades, ou seja, que não saberá alcançar um grau crescente de “bem-estar” através do seu próprio trabalho e do uso dos seus próprios recursos.” (Henriques, 1990:36). Isto conduz à ideia de que as populações são “pobres de alma” e, portanto, precisam de um “grande educador”. Caracteriza-se por um tipo de espacialização do “fordismo”, por uma visão centralizadora do desenvolvimento impulsionado “a partir de cima para baixo”1 (Amaro, 1991). Na mesma linha, o facto do paradigma funcionalista ser de base económica, dá ênfase ao desenvolvimento urbano-industrial, à utilização de tecnologias avançadas, ao máximo aproveitamento das economias externas e de escala, aos grandes projectos de investimento, ao aumento das escalas das organizações públicas e privadas de maneira a permitir a transmissão do desenvolvimento, para mecanismos redistributivos de grande escala e para a redução das barreiras económicas, sociais, culturais, políticas e institucionais que possam bloquear a transmissão dos efeitos entre as diferentes unidades. Durante décadas defendeu-se que o desenvolvimento era sinónimo de industrialização e urbanização. Pelo facto das grandes cidades terem sido os locais privilegiados para a localização das actividades económico-industriais, estas, permitiram que se tornassem grandes pólos de atracção populacional provocando o abandono de várias localidades, nomeadamente rurais, por parte da população e, consequentemente, o abandono da sua história, usos, 157


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costumes e modos de vida na perspectiva de atingirem níveis de vida considerados superiores. Assiste-se, então, ao abandono e marginalização do mundo rural. As políticas regionais no quadro do paradigma funcionalista surgem, em dois planos distintos: num primeiro plano, em termos de integração funcional do espaço, virado para a maximização do crescimento nacional; numa segunda vertente aparece a promoção do desenvolvimento das periferias rurais, ou seja, uma visão baseada no modelo de concentração/difusão /urbano/industrial. Desta perspectiva, dois objectivos se colocam à política regional: o primeiro prendese com a redução das consequências negativas das consequências espaciais da integração funcional sócio-económica e o segundo com a redistribuição do crescimento das áreas centrais desenvolvidas para as áreas menos desenvolvidas. Em torno desta estratégia de desenvolvimento, emanam críticas e limites, a avaliar pelo ritmo acelerado do crescimento económico, de crescimento demográfico, de sobreutilização dos recursos naturais e da produção de resíduos, impondo-se uma contenção que viabilizasse a durabilidade ou sustentabilidade do desenvolvimento. Colocando-se em causa a ameaça eminente do ecossistema e as próprias relações entre os homens, onde o futuro já não tem futuro (Henriques, 1990). O paradigma chegou ao fim nos princípios dos anos 70, quando entrou em crise o modelo fordista e surgiu, no final da década e início dos anos 80, o paradigma territorialista do desenvolvimento regional como uma reacção ao esgotamento dos modelos e políticas regionais tradicionais e constituiu uma das mudanças mais importantes que tiveram lugar na teoria do desenvolvimento económico nas últimas décadas. A persistência das desigualdades regionais, a consideração dos tempos da crise económica e dos espaços da crise do desenvolvimento, constituíram o principal elemento de partida para outras abordagens do desenvolvimento, as quais se distanciam das propostas difusionistas, e, embora revelando uma perspectiva analítica comum, têm vindo a ser sistematizadas sob três designações: “territorialista” (Friedmann e Weaver, 1979; Pecqueur, 1987; Henriques, 1990); “frow below” (Stohr e Taylor, 1981) e “endógeno” (Greffe et al., 1986) (citados em Santos e Baltazar, 2005:14). O desenvolvimento que se alcança, através da mobilização integral dos recursos das diferentes regiões para a satisfação prioritária das necessidades das respectivas populações deve ser desencadeado, ao nível das mais pequenas unidades territoriais. A nova política de desenvolvimento territorial pretende separar os desequilíbrios através da promoção do desenvolvimento de todos os territórios, com potencialidades de desenvolvimento competitivo (Henriques, 1990). As novas perspectivas de desenvolvimento, opostas à difusionista, têm algumas 158


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divergências, que se centram privilegiadamente quer na construção do objecto quer nos contextos empíricos considerados à partida, entre elas existe convergência na conceptualização base das suas problematizações, especificamente no que concerne à noção de espaço a operacionalizar com vista à promoção do desenvolvimento. Os territorialistas entendem o espaço como espaço social, e os recursos, como recursos mobilizáveis pelos actores, que se transformam em factores de desenvolvimento apenas e quando há capacidade de emergência de protagonismos que permitem operacionalizálos. A política económica baseia-se numa teoria que propõe que o crescimento não tem que ser necessariamente polarizado, mas que pode ser difuso e propõe-se desenvolver um território, utilizando o potencial existente nele próprio. Deste modo, gradualmente, foi-se abandonando a política regional tradicional, assente numa estratégia de “cima para baixo”, um modelo de crescimento concentrado e orientado para a redistribuição espacial das actividades económicas, utilizando, para tal, recursos exteriores à áreas assistida, foi sendo progressivamente substituído, como refere Vasquez-Barquero (1995), por uma orientação de “baixo para cima”, que procura ultrapassar os desequilíbrios regionais através do apelo não só a factores externos mas, também, aos recursos próprios dos territórios. O ponto de partida dos territorialistas é a crítica de uma perspectiva do desenvolvimento que assenta na maximização das oportunidades económicas, entendidas como sendo exteriores às estratégias dos actores e os factores culturais associados aos diferentes meios. O paradigma do desenvolvimento endógeno consiste, de acordo com Matos (1998), numa multiplicidade de factores, nomeadamente a mobilização integral dos recursos humanos, naturais e institucionais, associada a uma forte mobilização da população, assim como das suas estruturas políticas e sociais organizadas numa base territorial, passando o território a ser entendido como um recurso de dimensões múltiplas, ao reflectir as interdependências entre factores, desencadeadas e controladas numa base territorial “de baixo para cima”, mobilizando de forma integral os recursos disponíveis (Matos, 1998). A própria expressão “desenvolvimento endógeno” ou “desenvolvimento a partir de baixo” espelha, na opinião de Polèse (1998) “ (…) a esperança de o próprio meio local poder iniciar um processo de desenvolvimento que dê origem a uma economia regional próspera, baseada nas iniciativas e nos conhecimentos técnicos (no “saber-fazer”) dos habitantes e das empresas da região” (Polèse, 1998b:218). O modelo de desenvolvimento defendido pelos territorialistas, embora surja como

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alternativo ao modelo de “cima para baixo” ou de concentração, apresenta um elevado grau de compatibilidade com o mesmo, o que nos permite afirmar que o processo de desenvolvimento beneficiará se incorporarem elementos de ambos.

2. Desenvolvimento local como um novo paradigma Apesar de nos anos 50 e 60 já existirem algumas iniciativas pontuais de desenvolvimento comunitário, em termos históricos, podemos considerar que o conceito de desenvolvimento local, tal como tem sido apresentado por diversos autores, é um fenómeno de matriz ocidental com particular incidência na Europa após a II Guerra Mundial. Porém, só a partir, dos anos 80 e 90 do século XX, com o paradigma territorialista e com as respostas da sociedade civil, começou a ganhar importância, “em toda a Europa se exploraram, neste período, formas inovadoras de investir na valorização, multidimensional, na emancipação criadora das pessoas, procurando-se incrementar a responsabilidade de indivíduos e colectividades sobre o futuro dos territórios em que se integram.” (Animar, 2003:29). Embora se inspire numa diversidade de experiências que remontam às primeiras formas de afirmação descentralizada da sociedade, economia e território, em elementos da história da inovação social no contexto do colonialismo interno e externo de países europeus e dos EUA, o nascimento do desenvolvimento local na Europa tem como base de referência, a França, após as leis de descentralização de 1981. De facto, “em 1982 os Estados Gerais “des pays…” proclamam o “acto de nascimento do desenvolvimento local em meio rural” (Coulmin, 1986), ao mesmo tempo que se institucionalizava o “desenvolvimento social” em meio urbano (Mengin e Masson, 1989).” (Animar, 2003:29). O conceito de desenvolvimento local é alicerçado nos pressupostos do paradigma territorialista e nas inúmeras e variadas experiências preconizadas no terreno em todo o mundo, inclusivamente em Portugal. O processo de desenvolvimento preconiza que cada espaço social, de forma autónoma e participada, deve assegurar uma relação aberta com a região onde se insere, em que o respeito pelas especificidades, necessidades e capacidades próprias são condição essencial. Como defende Simões Lopes (2006), o desenvolvimento tem de ser para as pessoas, não para algumas mas para todas, onde quer que vivam. A variável espaço não pode, assim, deixar de ser considerada na análise, uma vez que explicitamente se tem em conta, no conceito de desenvolvimento, o local onde as pessoas vivem, ou seja, é promovido e realizado pelos seres humanos, tendo, em conta melhorar a sua qualidade de vida, em termos individuais e colectivos, através de laços de cooperação entre os vários actores locais que existem num determinado território, em que a participação de todos 160


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é fundamental para a preconização de processos de desenvolvimento sustentados que possibilitem melhoria de vida significativa das comunidades. Trata-se da possibilidade das populações poderem expressar uma ideia de futuro num território, visto de forma aberta e flexível, onde esteja ausente a noção de espaço como fronteira, executando acções que possam ajudar à (re) contrução desse futuro. Em termos de objectivos, seria promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas, bem como aumentar os seus níveis de auto-confiança e organização (Fragoso, 2005). Por outro lado, a implementação de políticas conducentes ao desenvolvimento diferem consoante a zona geográfica em que ocorrem, pelo que importa conhecer os diferentes problemas e oportunidades de cada país, região ou localidade, em particular, não havendo receita nem modelo que possa transitar de um processo a outro, sem adequação ao contexto local, a acções concretas de desenvolvimento que não podem ser desenhadas e implementadas de forma abstracta. E, como tal, o diagnóstico e as respostas locais tomam formas diferentes em cada território, em função das suas condições específicas, dos seus recursos naturais e humanos, da abertura da economia local, da sua especialização produtiva e da sua capacidade de organização, ou seja, os processos de desenvolvimento local têm por base o território e a identidade cultural do local, e baseados na valorização dos recursos locais nas suas diferentes formas. São evolutivos, podem e devem ser ajustados durante o seu desenvolvimento. O investimento na reanimação das capacidades locais é um elemento fundamental do desenvolvimento local. Este investimento passa por estratégias diversas que implicam um reforço e consolidação de parcerias entre agentes oriundos do exterior e agentes dinâmicos do interior de uma dada zona. O desenvolvimento só se realiza plenamente quando se contempla a participação activa das pessoas e das organizações, em torno dos seus problemas e dos valores onde radica a sua identidade. Cada espaço social deve procurar assegurar uma relação aberta com a região mais vasta, em que se insere, e em que o respeito pelas especificidades, necessidades e capacidades próprias constituam os pilares essenciais em que assenta o novo processo de desenvolvimento. Assim, este conceito de desenvolvimento local caracteriza-se pela interpenetração das três dimensões do ser humano (individual, colectiva e ambiental), e por uma ruptura que exige verdadeiros actores sociais e não apenas simples figurantes. É importante a participação e consciencialização dos elementos da comunidade e do exterior, num processo colectivo e de estabelecimento de relações2. Considerado como um projecto, pluridimensional que incide numa determinada comunidade, o desenvolvimento local é sabidamente marcado pela cultura do contexto em que se situa. Por outras palavras, podemos dizer que cada realidade local apresenta 161


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características próprias e muito específicas e, como tal, o seu processo de desenvolvimento segue um caminho específico, ou seja, existem tantos desenvolvimentos locais como existem locais. Este modelo faz apelo ao empowerment, ou seja, à mobilização de todos os recursos e potencialidades existentes nas comunidades territoriais, com vista à satisfação das necessidades fundamentais das populações. Nesta medida, torna-se premente aumentar o poder das populações, no sentido de serem estas a delinear o seu próprio caminho “bottom up”, porque são elas que melhor conhecem os seus problemas, bem como as oportunidades e as necessidades não satisfeitas. No entanto, para isso acontecer, é preciso que se estabeleçam mecanismos de participação, no processo de desenvolvimento, e que exista um investimento em capital humano, nomeadamente, através da educação e da formação profissional. A diferença entre locais, regiões e países ao nível de desenvolvimento, não se encontra simplesmente nos recursos naturais, mas também nas capacidades dos seus habitantes e, estes devem ser tidos como requisitos imprescindíveis no processo de desenvolvimento (Figueira e Garcia 2005). Roque Amaro, considera que existem dez elementos que se constituem como os princípios estratégicos e orientadores do desenvolvimento local, os quais devem estar presentes nas diversas iniciativas, pois só assim é possível falar de desenvolvimento local. Assim, deverá entender-se este conceito como um processo de transformação, de mudança, que recusa a conservação, centrado numa comunidade humana de pequena dimensão, demográfica e geográfica, que se reconhece numa identidade comum e é capaz de se mobilizar em dinâmicas de solidariedade activa, que parte da existência de problemas/necessidades não satisfeitas a que se procura responder, antes de mais a partir da mobilização das capacidades locais (endógenas) mas articulando-as com os recursos exógenos, numa perspectiva de fertilização mútua, o que implica uma pedagogia e uma metodologia de participação, pressupondo uma dinâmica de empowerment. Assume uma lógica multidimensional e integrada, que prevê um trabalho em parceria, com impacto tendencial em toda a comunidade e, segundo uma grande diversidade de protagonistas, processos, caminhos e resultados (Amaro, 2004). O sucesso de uma região dependerá, em última análise, da sua capacidade de chamar a si a resolução dos seus problemas, de organizar vários agentes em torno de objectivos comuns, e de adaptar-se e ajustar-se com sucesso às pressões externas. As fontes de desenvolvimento residem, deste modo, na própria população, no seu sentido de comunidade e, talvez mais importante que tudo, no seu espírito de inovação e iniciativa (Polèse, 1998a).

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3. O desenvolvimento local em áreas rurais de baixa densidade: um instrumento fundamental Hoje, o mundo rural Português apresenta mutações estruturais profundas, originadas pelo modelo de desenvolvimento económico adoptado (paradigma funcionalista) e pelos efeitos das políticas sectoriais (sobretudo agrícolas e regionais) seguidas, durante o período do Estado Novo até à actualidade, porque não reflectiram as verdadeiras necessidades das comunidades locais. É neste quadro que desde a década de 70, o conceito de desenvolvimento rural tem tido um papel primordial, enquanto base de reflexão de inúmeros autores, um pouco por todo o mundo, inclusivamente em Portugal e que tem subjacente um conjunto de processos de desenvolvimento, que pretendem melhorar as condições de vida das pessoas que vivem em áreas rurais3, através da valorização e mobilização de todos os recursos endógenos, no sentido de promover processos que respeitem e articulem princípios de: eficiência económica, equidade social e territorial, qualidade patrimonial e ambiental, sustentabilidade, participação democrática e responsabilidade cívica. O quadro das políticas que têm vindo a ser implementadas como resposta à problemática do desenvolvimento rural revela enormes deficiências, por parte do Estado Português para contrariar a situação de despovoamento acelerado e pobreza do mundo rural. A nível Europeu, desde 1987 que o desenvolvimento rural começou a ser considerado como uma necessidade social e política, atitude esta reforçada pela Comissão das Comunidades Europeias (1988) reconheceu que a ruralidade é uma virtualidade que se concretiza através de formas criativas e diferenciadas de uma comunidade local, que devem assumir a civilização, em estreita relação com o território em que vive e trabalha, tendo surgido a necessidade de reformular políticas e instrumentos de ordenamento e desenvolvimento rural4. Com o objectivo de solucionar os problemas das áreas rurais, a União Europeia apoiou-se nos princípios do desenvolvimento integrado do aumento da cooperação e do envolvimento dos agentes locais e definiu um conjunto de políticas e instrumentos que visavam garantir a disponibilidade de recursos para o desenvolvimento socioeconómico, a viabilidade do sector agrícola, a diversificação das actividades não agrícolas e a salvaguarda dos recursos naturais e ambiente. Com a adesão de Portugal à União Europeia (1986), iniciou-se um processo de ajustamento das políticas, levando o governo a constituir o desenvolvimento rural, como um dos pilares fundamentais no desenvolvimento a nível regional e nacional. Com a reforma da PAC (Política Agrícola Comum), em 1992, partiu-se de uma situação em que as políticas de desenvolvimento rural eram muito generalistas e incipientes, entendidas unicamente como políticas de desenvolvimento agrícola, para um cenário em que o 163


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Turismo e a Preservação do Ambiente são alvo de todas as atenções, consequência da alteração do papel que o espaço rural pode ter nos processos de desenvolvimento e na introdução de políticas especificamente concebidas para determinados fins. A reavaliação do papel da agricultura e a abertura de novos caminhos produtivos (por exemplo: turismo e produtos locais de qualidade) são hoje questões-chave no sucesso das políticas de Desenvolvimento Rural, considerado como instrumento na reestruturação da sociedade com o território (DGDR, 1997). No contexto das políticas agrárias estruturais, estas têm-se mantido na sua essência inalteradas, embora com uma vertente cada vez mais global em termos rurais, e estiveram, até 1999, reunidas no QCA II, juntamente com as restantes políticas de desenvolvimento regional5. Na última década, os contextos territoriais de baixa densidade adquiriram uma ressonância crescente com as políticas públicas orientadas para o desenvolvimento local, através de um maior aprofundamento das intervenções territoriais, no âmbito dos Quadros Comunitários de Apoio (QCA). Actualmente, no QREN (2007 - 2013), a política de desenvolvimento rural centra-se estrategicamente em três instrumentos principais: 1) Orientações estratégicas da União Europeia param o desenvolvimento rural; 2) Plano Estratégico Nacional; 3) Programa de Desenvolvimento Rural executado com o apoio do FEADER6. O Plano Nacional de Desenvolvimento Rural (PNDR) é um instrumento de referência para a preparação da programação do FEADER, e é executado através do Programa de Desenvolvimento Rural – PRODER7. Deste modo, em Portugal, alguns Programas Operacionais (PO), Regionais do QCA III, acolheram o conceito de Áreas de Baixa Densidade (ABD), designadamente no âmbito das Acções Integradas de Base Territorial, incluídas no Eixo 2 daqueles Programas, ao mesmo tempo que a Iniciativa Comunitária Leader continuou a desempenhar um papel notável na dinamização de pequenas iniciativas em espaços rurais8. Trata-se de intervenções cuja experiência interessa reter, ao apresentar-se como um novo instrumento de intervenção para o mesmo tipo de territórios – Programa de Valorização Económica dos Recursos Endógenos, que funciona como a materialização de um instrumento de política horizontal – as Estratégias de Eficiência Colectiva – que visa estimular o surgimento de conjuntos integrados de iniciativas, na medida em que delas se podem retirar ilações sobre o que importa fazer nesses territórios. O PROVERE, surge neste contexto, não como mais um programa de financiamento directo de iniciativas, visto que o seu financiamento provirá dos Programas Operacionais do QREN. Emerge como uma nova filosofia de intervenção específica para os territórios de baixa densidade,

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que não se circunscreve apenas às zonas do Interior, ou seja, aparece como uma política pública, para inverter todo um ciclo vicioso que tende a ser gerado nos territórios de baixa densidade e que a figura nº 1 ilustra.

Figura nº 1 – Causalidade circular nos territórios de baixa densidade

Fonte: adaptado do MAOTDR, 2008

Actualmente, o grande desafio que se coloca nos processos de desenvolvimento, em áreas rurais de baixa densidade, é tentar inverter as tendências de despovoamento e do envelhecimento e das baixas qualificações das pessoas. Os territórios de baixa densidade são em regra espaços que se debatem com muitas dificuldades, mas que, simultaneamente, têm um conjunto de potencialidades que podem ser aproveitadas para a criação de emprego e de valor9, sem colocar em causa a sustentabilidade local. Como defende o Plano Estratégico de Desenvolvimento Rural, o desenvolvimento rural, deve ser, “sustentável e harmonioso, todas as vertentes devem ser consideradas e articuladas: não há desenvolvimento rural sem desenvolvimento económico e social, e não há desenvolvimento rural sem economia empresarial competitiva, actue esta no sector ou fora dele.” (MADRP, 2007:54). No fundo, o PROVERE apresenta-se como um Plano Integrado de Desenvolvimento de Território de Baixa Densidade, ou seja, uma estratégia orientada para a melhoria da competitividade de um território de baixa densidade, que visa reforçar o valor económico de recursos endógenos e tendencialmente inimitáveis (recursos naturais, património histórico-cultural e saberes tradicionais ou outros), numa estratégia de desenvolvimento de médio e longo prazo. Assim, entende-se como crucial factor/estratégia que os 165


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principais actores de desenvolvimento se organizem em rede, no estabelecimento de parcerias privadas e públicas, para a implementação de programas de acção integrados. Ao olharmos para o mundo rural observamos que este apresenta um potencial muito significativo, o qual assenta na sua enorme diversidade de locais e recursos. Nesse sentido, essa diversidade deve ser respeitada e preservada, e isso é conseguido através da definição de soluções estruturantes, que têm de ser adaptadas às características e particularidades locais. Nesta perspectiva, a grande aposta para o futuro, ao nível da revitalização do mundo rural, passa por intervenções directas junto das comunidades locais, procurando-se aproveitar as vantagens locais e pelo estímulo de actividades que valorizem e incrementem o uso sensato dos recursos existentes, em complementaridade com a actividade agrícola, ponderando, de forma sistemática, os impactos sociais, culturais e ambientais de todo o processo10. É também fundamental reconhecer e privilegiar o potencial humano existente, como principal pilar de sustentação do desenvolvimento rural, pois o mesmo possui uma capacidade insubstituível na regulação de situações disfuncionais da sociedade rural para desencadear intervenções que garantem relações equilibradas e duradouras, perspectivando o aumento do nível de qualidade de vida das gerações futuras.

4. O binómio turismo/áreas rurais Os territórios de cariz marcadamente rural estão a atravessar um processo de mudança irreversível, o que se deve, como na grande maioria dos territórios rurais da União Europeia, ao êxodo populacional e à depressão económica associada ao declínio das actividades tradicionais. A aplicação do paradigma do crescimento económico, dominante nas últimas décadas, acentuou o fosso entre espaços urbanos e os espaços rurais. Este paradigma e a sua aplicação traduziu-se numa subalternização dos espaços rurais, relativamente aos espaços urbanos, sendo que grandes áreas rurais foram marginalizadas por todo este processo (Valente e Figueiredo, 2003). A regressão populacional que se verifica nas áreas rurais em maior “depressão”, tem vindo a suscitar preocupação crescente por parte de diversas entidades na procura de medidas que contrariem ou atenuem os efeitos gravemente prejudiciais ao nível do êxodo rural e do envelhecimento demográfico. Desde os incentivos de âmbito local, para a fixação de população jovem, passando pelo reforço de investimentos públicos, pela promoção de planos de correcção das assimetrias regionais, até a algumas iniciativas comunitárias, há um largo conjunto de medidas que têm vindo a procurar solucionar os problemas dos territórios. 166


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Consequentemente, as estratégias de desenvolvimento dos territórios rurais têm vindo a apontar o Turismo como um dos sectores fundamentais para o desenvolvimento de territórios menos favorecidos, pois potencia a sua reconstituição e preservação, contribuí para o desenvolvimento da economia local, através da criação de novos empregos, quer na área do Turismo, quer na área das actividades artesanais e proporciona outras fontes complementares de rendimentos. As recentes transformações tem desencadeado, nas áreas rurais, novas dimensões e novos valores como espaços de recreio e lazer, como espaços de reserva de recursos e bens ambientais e também como espaços de memória e herança cultural. Na opinião de alguns autores, como Balabanian (1999), “quando não sabemos mais o que fazer por uma região rural frágil, quando o êxodo populacional parece ser inexorável, quando tudo o que podemos imaginar como apoio à agricultura e aos agricultores parece ineficaz, um recurso é aparentemente sempre fácil: o turismo verde, ou seja, o turismo integrado nos espaços e nas sociedades rurais – i.e. o turismo integrado nos espaços e nas sociedades rurais.”” (Balabanian, 1999:255 citado em Figueiredo, 2004:73). Esta tem sido a estratégia seguida, quer no âmbito da União Europeia, quer em Portugal, ao longo da última década. A redefinição do papel das áreas rurais induziu transformações para estas áreas, passando o desenvolvimento rural, pelo menos teoricamente, a ser uma das maiores preocupações ao nível da União Europeia e também no contexto nacional. Assim, o Turismo é, actualmente, em Portugal, como no contexto da maior parte dos países da União Europeia, encarado como uma importante ferramenta de desenvolvimento rural. Deste modo, segundo Cavaco (1999), o turismo tem vindo a ser reconhecido institucionalmente “pelas suas potencialidades como factor de desenvolvimento, a várias escalas, da nacional à local. São efeitos múltiplos e de grande visibilidade aos seus impactos, directos, indirectos e induzidos” (Citada em Figueiredo, 2004:74). O Turismo contribui, ainda, para a dinamização, diversificação e modernização da produção local, isto porque o consumo turístico se caracteriza pela sua heterogeneidade e arrasta simultaneamente, de forma directa ou indirecta, distintos sectores. Neste ponto, é de destacar a possibilidade que o Turismo proporciona tentando recuperar e revigorar produções agrícolas e artesanais que, de outro modo, tenderiam a desaparecer. Contudo, para que o Turismo se possa constituir como um instrumento de desenvolvimento destes territórios, será crucial um esforço por parte das diferentes regiões na criação de produtos e serviços turísticos inovadores e diversificados, o reforço das parcerias estratégicas de actuação e o investimento no equilíbrio ambiental e na 167


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valorização do património cultural, através de estratégias adequadas, no qual os “actores” territoriais devem desempenhar um papel essencial. Um dos factores estratégicos do desenvolvimento económico em geral, e do desenvolvimento turístico, em particular, é a existência de redes de cooperação entre as empresas e as instituições, na medida em que facilitam a partilha, quer de recursos, quer de conhecimentos e formas de actuação, bem como a convergência de esforços, estimulando a dinâmica económica e o desenvolvimento. Se pensarmos numa actividade que use os recursos próprios, endógenos, com vinculações a montante e a jusante, este será o caso da actividade turística que utiliza os recursos do território, fazendo-o de forma tanto mais eficiente quanto o seu planeamento seja correcto e integre as restantes actividades produtivas locais. Um Turismo moderno associado à reconfiguração das actividades de lazer, assumindose como um fenómeno de (des)territorialização, na medida que possibilita a deslocação dos indivíduos noutros cenários reais ou imaginários, e de (re)territorialização, ao expressar a procura de sentidos que buscam conferir às suas identidades. Neste sentido, será crucial para qualquer modelo de desenvolvimento que se procure a coesão social e tente minimizar a globalização económica, o que exige repensar as relações sócio-economicas das populações que, ainda, vivem nos territórios mais desfavorecidos, criando condições para a sua ascensão económica, social e cultural, aliadas ao desenvolvimento de multi-actividades, geridas por parcerias público-privadas, de modo a que, funcionando em rede, potenciem e promocionem os recursos endógenos do território, tornando-o atractivo, pela criação de riqueza que poderão proporcionar, quer aos que ainda aí vivem, quer aos que, por opção ai venham a refazer a sua forma de estar em sociedade.

Considerações finais Nos últimos anos muito se tem discutido as fortes modificações que o mundo rural sofreu, fruto dos diversos modelos de desenvolvimento aplicados nas comunidades rurais. Um cenário que obriga a repensar em novas estratégias de desenvolvimento a implementar nas áreas rurais. De facto, está ainda por implementar o modelo de desenvolvimento capaz de devolver a estes territórios o lugar que deverão ocupar no quadro regional, nacional e europeu, sendo crucial aproveitar o potencial endógeno desses territórios. É dentro deste quadro que, qualquer modelo de desenvolvimento que procure a coesão social e tente minimizar a globalização económica, terá que repensar as relações sócio168


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economicas das populações que ainda vivem nos territórios mais desfavorecidos, criando condições para a sua ascensão económica, social e cultural, aliadas ao desenvolvimento de multi-actividades, geridas por parcerias público-privadas, de modo a que, funcionando em rede, potenciem e promocionem os recursos endógenos do território, tornando-o atractivo, pela criação de riqueza que poderão proporcionar, quer aos que ainda aí vivem, quer aos que, por opção ai venham a refazer a sua forma de estar em sociedade. A riqueza dos recursos endógenos, naturais e patrimoniais, o saber das populações, as sensações e os conteúdos de uma vida ancestral, são factores capazes de atrair nichos de procura do mercado turístico.

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Notas 1 Isto é, do centro para a periferia que se baseia no pressuposto de que o desenvolvimento é desencadeado inicialmente em alguns sectores ou áreas geográficas expandindo-se a outros sectores e zonas periféricas, evidenciando a visão economista que caracteriza este modelo. 2 Para Roque Amaro (2003), este conceito resulta do cruzamento de duas contribuições significativas: “a do paradigma territorialista, mais académico, e a das diversas experiencias de terreno (via indutiva), que demonstrara, a sua viabilidade e pertinência num contexto de globalização.” (Amaro, 2003:57). 3 A ruralidade assume-se como uma opção de civilização com características muito próprias e, desta forma, não pode nem deve ser vista como algo que se deve combater, ou seja, a ruralidade “ (...) adquire a qualidade de recurso endógeno sobre o qual se deverão ensaiar objectivos estratégicos para o Desenvolvimento dessa comunidade e desse território.” (Figueira e Garcia, 2005:227). 4 Em 1988 “ O Futuro do Mundo Rural” estabeleceu um primeiro conjunto de ideias interessantes, assumindo-se como uma reflexão global que introduz uma óptica de longo prazo e uma posição não exclusivamente agrária (Comissão das Comunidades Europeias, 1988). 5 E no que diz respeito a Portugal, o grande pacote de ajudas estruturais disponibilizava apoios destinados ao sector agrário e meios rurais que estavam agrupados no FEDER, no PAMAF, no LEADER II, no INTERREG II, no PPDR e, de certa forma, no RIME. 6 O FEADER surge como o único instrumento de financiamento da política de desenvolvimento rural e centra-se no aumento da competitividade dos sectores agrícola e florestal; na melhoria do ambiente e da paisagem rural e na melhoria da qualidade de vida das zonas rurais e desertificação da economia rural. 7 É um instrumento estratégico e financeiro de apoio ao desenvolvimento rural do continente para o período de 2007-2013 co-financiado pelo FEADER (Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural). 8 No primeiro encontro nacional sobre as áreas rurais de baixa densidade, realizado na mina de S. Domingos (Mértola) em Junho de 2006, os promotores e participantes estabeleceram um documento designado “Uma Agenda para as Áreas Rurais de Baixa Densidade”. 171


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9 O “desfavorecimento” geográfico nem sempre implica o “desfavorecimento” socioeconómico. 10 Sendo disso exemplo o turismo, considerado actualmente, em Portugal como no contexto da União Europeia, um importante instrumento de desenvolvimento rural. Tal importância é nítida na maior parte dos programas e medidas de desenvolvimento para as áreas rurais que, a par com a revitalização ou redefinição da actividade agrícola, propõem o turismo como a panaceia para os problemas com que as áreas rurais se debatem na actualidade.

Correspondência Paula Reis Lugar da Abadessa, Apartado 148 7301-901 Portalegre paula.reis@ipportalegre.pt

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Cristina Carvalho Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril

Resumo A procura espiritual da Humanidade permanence activa e as perspectivas académicas sobre o fenómeno são múltiplas. Na Europa a reverência a poderes supremos começou em grutas e seria depois exibida em estruturas exteriores. Mais tarde, os Gregos Antigos deslocar-se-iam a competições atléticas onde os deuses eram adorados, mas o Cristianismo apagaria as referências pagãs do Império Romano. Quanto à Península Ibérica do século XII, São Bernardo auxiliou a fundação de Portugal, enquanto crentes viajavam até Santiago de Compostela. Durante as Descobertas, o porto de Lisboa acolheu tesouros ultramarinos, mas também a Peste. Duas devoções surgiram para implorar a clemência de Deus: a peregrinação à Guia, em Cascais, e a procissão à Senhora da Saúde. No século XVIII, D. João V patrocinaria santuários marianos em Lamego, na Nazaré e no Cabo Espichel, mas só na ditadura de Salazar erguer-se-ia um santuário de dimensão global, em Fátima. Desde a década de 60 que a Europa testemunha o revivalismo pagão que transformou sítios arqueológicos da UNESCO em templos New Age. Hoje, o adorador virtual assiste a missas online em portáteis com placa wireless, prova de que a procura se mantém, sobrepondo-se aos meios empregues. Palavras-Chave História, Turismo, Demanda (Espiritual), Europa, Adorador virtual

Abstract Mankind’s spiritual quest is still on and the academic perspectives upon the matter are manifold. In Europe, the reverence towards higher powers began inside caves and was later displayed on open-air structures. Then the Ancient Greeks journeyed to attend athletic games where the gods were worshiped, but Christianity would strife to erase Pagan references across the Roman Empire. As for the 12th century Iberian Peninsula, St. Bernard persevered for Portugal’s foundation, while believers travelled to Santiago de Compostela. During the Discoveries Lisbon’s harbour welcomed overseas treasures and also the Plague. Two devotions were created in order to beg for God’s mercy: the pilgrimage to Guia in Cascais, and the procession to Our Lady of Health. In the 18th century, John V sponsored Marian sanctuaries at Lamego, Nazaré and Cape Espichel, but Fátima’s large173


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scale sanctuary was only erected during Salazar’s dictatorship. Since the 1960s Europe witnesses the revival of Paganism that turned UNESCO archaeological sites into New Age temples. The contemporary techno-worshipper attends online masses on wireless laptops, proving that despite the means the quest remains unchanged. Keywords History, Tourism, (Spiritual) Quest, Europe, Techno-worshiper

Introduction While some scholars commit themselves to debate the economic, sociological and urban impacts tourism has on sacred sites focusing on «Cause and Effect» matters, historians prefer to work as «memory collectors», gathering information on the «When, Who and Why», according to the different stages of evolution of societies. In order to best understand the present one must know the past, also as a means to prepare the future. This study will not focus on a case study per se, but rather travel through Time, recalling Europe’s spiritual quest from Pre-historic days up to now. This memory exercise will be conducted with the assistance of several written sources on the matters of Religion, Spirituality and Tourism, aiming at organising the puzzle of Human devotion throughout the ages across Europe. One hopes to innovate within the topics of discussion by pin pointing how recently technology has managed to win its place at the heart of contemporary believers, proving that Man’s spiritual quest is still on.

In the Beginning... Mankind’s reverence towards higher and cosmic powers began at the dawn of human presence on Earth inside caves, and was later displayed on open-air stone structures known as megaliths. At an early stage pre-historic caves were decorated with rupestrial art that turned the sites into a sort of temples meant to unite a local community into a cult2, as one may behold at Lascaux, in France, Altamira, in Spain, and Escoural, in Portugal. Several were also the fertility statuettes of Venuses found in Europe as the Venus of Laussel (France) or the Venus of Willendorf (Austria). With prominent breasts and round bellies, these «lucky charms» were but a material representation of the deeper abstract female principle of seasonal fertility, which was connected to the cycles of Nature that were visually reflected on the prosperity of the Great Mother (Mother Earth or the Goddess). Yet, Earth was not the only surrounding element that received early devotional manifestations, since the sky above was also a great source of wonders and wanders. 174


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Currently, science is finally unveiling what the Ancient already knew or, at least, sensorially perceived. According to Loução (2002), Geobiology has proved the Hartmann Network (from N/S and E/W) and the Curry Network (obliquous angles) cross the Earth, and most megalithic monuments have been erected under the magnetic influence of both.3 England’s most famous megalithic sites are located at Salisbury Plain, which, according to Carr-Gomm (2008), has 450 monuments and the two ritual landscapes of Avebury and Stonehenge4, along with crop circles still left to decipher5. Of the several legends and theories created around the cromlech of Stonehenge, Alexander (2008) refers that the experts now agree that Stonehenge’s altar was aligned to be the focal point of sunrise during the Summer Solstice and of sunset at Winter Solstice. However, recalling Geoffrey of Monmouth’s reference to the interference of Merlin, the Wizard who brought the blue (feldespat) stones from Wales to this healing site at Salisbury Plain, Alexander also informs us that there is still a timeless belief that the water springing from the Preseli mountains has healing properties, turning Stonehenge into a kind of Lourdes for the pre-historic world6. Carr-Gomm supports also that currently Stonehenge and neighbouring Avebury “in addition to being tourist attractions... have also become places of pilgrimage to contemporary Pagans”.7 Speaking of Paganism, the Lusitanians were one of the many Celtic tribes that inhabited the current Portuguese territory and that worshipped the natural forces like the sun, the moon, the stars and the wind, and as Amarante (1995) indicates “they had places of worship and sanctuaries placed on mountain tops or close to water springs”8. Close to Lisbon, Sintra mountain9 was one of the holiest places for the Celts in Portugal, but seafarers had already previously revered its holiness, for travellers like the Greeks and the Celtic-Gauls had built and worshiped at a temple devoted to the Moon10. For the Romans, Sintra was Ofiússa, the Land of the Serpents, referring to the druids that conducted Pagan rituals in the woods.11 In the meantime, around the Mediterranean Sea the Oracle of Delphi developed from a Bronze Age goddess sanctuary at Mount Parnassus into a temple devoted to Apollo, god of healing. The Oracle was a great pilgrimage centre until Roman emperor Theodosius had it shut down in the 4th century AD, for being anti-Christian. Yet, as CarrGomm indicates, “for nearly 1.000 years visitors would travel from far and wide to consult the priestesses on matters that troubled them. They would arrive either by ship in the harbour below at Kirrha or by land across the Plain of Thessaly”12. The Oracle had been defined by Zeus, the God of gods who released two eagles from opposite ends of the Earth and their meeting point became the navel of the world, the Omphalos, where Pythia, the snake, would be later defeated by Apollo, and where the Pythian Games occurred to honour 175


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him. Ancient Greece was an ensemble of self-governed cities that constantly battled each other, and even when the rivalry did not imply the shedding of physical blood, it would imply the moral submission of those defeated at athletic events. Back then, the mega events and venues were a way of worshipping the gods, humiliating other cities, yet, preserving a common culture that praised the union of healthy body and mind. As Hudson (2003) recalls “groups of city states came together for the many festivals particularly the Olympic Games13, the Pythian Games, and the Isthmian Games”14. The Games honoured: 1 - Zeus – every 4 years, at Mount Olympus; 2 - Apollo – every 2 years, at Mount Parnassus; 3 - and Poseidon – every 1st and 3rd years after the Olympics, at the Isthmus of Corinth.

There were also «minor» games to Athena (Pan-Athenian Games) and Hera (Herean Games). All these flows of temporary visitors explain the existence of hostels along the ways, besides vendors and tour guides at the venues, thus creating what is now known as «Hospitality Industry». One must also refer that in 204 BC a statue of Magna Mater, a deity from Asia Minor, was transported to Rome after the orders granted by the Oracle of Delphi. The assimilation of local cults was a common practice all over the Roman Empire before Christianity was declared the official religion of Rome. Therefore, it is easy to understand how Egyptian cults like that to Isis, the protector of Motherhood and Fertility, travelled from the Mediterranean area into the north of Portugal. Braga’s cathedral was built over the remnants of a previous temple to Isis, for a statue of the goddess holding baby Horus in her lap has been dug up there. One must also refer the existence of similar goddesses in the Middle East like the Babylonian Ishtar and the Phoenician Astarte, which is why Christianity would easily spread the devotion to Our Lady as that of a mother nurturing her child. As Ambrósio (2000) states, in 431 the Council of Ephesus, in Turkey, defined the Virgin Mary as the «Mother of God», leading to the construction of sanctuaries and to pilgrimages, first in Eastern, then in Western Europe15. For Loução, the coincidence of Isis being portrayed holding her son, who had also been born on the day of the Winter Solstice was, much like the building of chapels on timeless sacred mountains, “another example of forced Christianization”.16

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From the Middle Ages onwards The Fall of the Roman empire, the invasion of Barbaric tribes and of the North African Moors to the Iberian Peninsula plunged Europe into what is still known as the «Dark Ages», but Christianity managed to survive and regain its primacy thanks to the spiritual leadership of men like St. Bernard of Clairvaux, member of the Cistercian Order and «Godfather» of the Knights Templar, in the 12th century, and of St. Francis Assisi, in the 13th century. Both Cistercians and Franciscans defended the role of the Virgin Mary as a humble woman that bore the son of God. Speaking of Portugal, authors like Pedro Silva (2007) defend this country was founded thanks to three great 12th century influences: those of St. Bernard (a powerful ally to Afonso I before the Vatican), of the Knights Templar (who assisted Portugal’s 1st king to defeat the Infidels and create a territorial unity under God), and of the widespread devotion to Our Lady17. In the following century, Portugal would give the world the preaching genius of St. Anthony, a Franciscan who had been born in Lisbon in 1195, but died in Italy (Padova) in 1231, which is why even now he is mistakenly taken as an Italian saint. During the Middle Ages many were the European sanctuaries that attracted pilgrims thanks to the tombs of saints like St. James, in Compostela (Spain), St. Thomas Becket, in Canterbury (England), or to the transformation of former Pagan sites into Christian temples to Our Lady, like Chartres cathedral (France). In spite of the ultimate mystic aura being connected to the Holy Land, the lack of safety conditions to travel only permitted a small portion of «Europeans» to actually go there. Thus, European towns like Canterbury18, Compostela, Rome or Venice became key destinations for crowds of sufferers from all walks of life that would travel for weeks searching for the means to appease body and soul. As Feifer (1986) writes, “by the thirteenth and fourteenth centuries, pilgrimage was a mass phenomenon... served by a growing industry of networks of charitable hospices”.19 Located in Spain, Saint James’ sanctuary was a safer alternative to Jerusalem, therefore, “from Britain, Ireland and northern Europe many took the journey partly by boat, while others walked or rode by horse or donkey along one of the four traditional routes through France”20. It became so popular that a sort of «Travellers’ Guide» called The Pilgrim’s Guide would even appear in 1140 to advise pilgrims over the routes and site. The route was based on the existence of hospitality facilities, legends and even iconographic symbols connected to St. James. Feifer explains that even the purchase of souvenirs became an economic activity, for pilgrims could choose between finding their own scallop at beaches or buying it at Compostela’s stores, for this «brand» became “the most popular and distinctive memento of the time”21. Despite the following setbacks 177


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connected to the access to the sanctuary, the truth is that after the 2nd World War the pilgrimages regained popularity to such an extent that in 1987 the Council of Europe declared the Way the 1st European Cultural Route. The promotion of that decision was also reinforced thanks to the success of Brazilian writer Paulo Coelho’s book The Pilgrimage, the official designation of 1999 as a Holy Year for Compostela, and 2000 as the Year of the Roman Jubilee. Howard (2003) sustains that the Camino to Santiago de Compostela was actually the 1st of many European paths planned, but also recalls that currently “a common European culture is being forged more on the crowded beaches of the Costa del Sol, the campsites of France, in the festivals at Salzburg and on the tourist trail at Rome”22. On the other hand, Carr-Gomm makes reference to Brian Sewell, a British Catholic who in 2003 made a TV series, The Naked Pilgrim, where he presented his journey to Compostela; alongside his scepticism, “Sewell conveyed the idea that in essence a pilgrimage is a journey that involves freeing oneself of attachments of every kind until one stand ‘Naked before God’”.23 As for Chartres cathedral, Sierra (2008) recalls its Pagan foundations, but also the preservation of a daedalus, a sort of labyrinth inspired in the Minoan legend of the Minotaur, that the Ancients named as «Jerusalem Mile»: instead of travelling down to the Holy Land, the believers could walk over it standing on their knees, in order to obtain a similar spiritual fulfilment24. Carr-Gomm indicates even that “since 1982 15,000 or more supporters of a return to the traditional Latin Mass have undertaken a three-day long walk from Paris to the cathedral every Pentecost (the fiftieth day after Easter Sunday)”.25 The Reformation and the Counter-Reformation were two important spiritual and political earthquakes that moulded Europe into two main spheres of influence: the Protestant nations from the north, and the Catholic countries from the south. If in England 1538 settled the year when pilgrimage sites were to be erased for good, between 1545 and 1563 the Holy See «counter-attacked» with the guidelines defined at the Council of Trent. In the 1st case, Strong argues that the destruction was so fiercely performed; it felt that “a way of life which had existed for a thousand years suddenly extirpated”.26 As for Portugal, the country was much more engaged in the overseas voyages of exploitation (the Discoveries Age), than on the religious commotion of Central Europe, but it remained loyal to Rome. If the cosmopolitanism of Lisbon’s harbour was a great source of income to the royal exchequer, it was also a source of constant grief since the downside of the arrival of exotic treasures were the recurrent outbreaks of plague, mainly since Vasco da Gama had paved a safe «maritime highway» between Lisbon and India, in 1498. In order to request God’s mercy in 1518 Lisbon’s authorities forged the pilgrimage to the Guia hermitage (devoted to Our Lady of Guidance), in Cascais, and the procession to Our Lady of Health (the latter is still performed in one of Lisbon’s oldest 178


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quarters). In spite of the c.25 km that separate the capital from Cascais, D’Encarnação (2002) mentions “first, by boat, and then, on foot, Lisbon’s people came to Cascais, where local inhabitants would join them on the quest for the Guia”27. The growth of the temple’s importance explains why there was the need to build a bigger one in 1573, but in 1834 the liberal government extinguished all convents and monasteries, and most pilgrimages ceased to be organised, like that of Guia. On the other hand, in 1570 king Sebastian allowed the creation of a procession to honour Our Lady of Health by those who were thankful for their lives after the dreadful outbreak of the previous year, namely the gunners at Lisbon’s castle regiment. Formerly sponsored by queens, this early May procession is still the capital’s most vivid religious tradition, including members of the Army, Police and Fire departments, besides Lisbon’s Cardinal-Patriarch and the country’s 1st Lady. Once again reference must be made to the Marian cult in Portugal, not only because of its everlasting acceptance, but also because of a political power play conducted by king John IV. After 60 years of Spanish Domination between 1580 and 1640, in 1646 John IV managed to have the Holy See declare that Portugal’s new patroness was now Our Lady of Conception. Indirectly, by accepting Her as leader of Portugal’s fate, Peter’s Throne was acknowledging the Braganza family as the lawful rulers of Portugal, for Our Lady had always been their patroness, too. In the 18th century John V sponsored the construction and/or journeyed as pilgrim to the Marian sanctuaries located uphill in Lamego, and at the headlands of Espichel and Nazaré. In Portugal alone, Nolan and Nolan’s 1989 chart on Christian sanctuaries located in Western Europe has accounted for 321 in Portugal, 168 of which are solely devoted to Our Lady, representing 52% of the total.28 Yet, Portugal’s large-scale pilgrimage centre did only progressively rise in Fátima during the 20th century. On the 13th May 1917 a shinning Lady appeared to three children, actually shepherds, at the moorlands of Cova da Iria, a dry rocky landscape punctuated with low quality pastures and a few holm-oaks. Unaccepted by the authorities because of the anticlericalism of Portugal’s 1st Republic (1910/1926), the belief on the apparitions that occurred from May to October 1917 would be implemented by the Dictatorship that lasted until 1974. Salazar believed religion could be used as a means to reinforce his political agenda on the Portuguese: God, more specifically Fátima, could «work» on behalf of the New State he now led (mainly during the Spanish Civil War). Regardless of scientific explanations to the phenomena that occurred during the Summer of 1917, like that of Sierra to whom the sensitive poor children were only affected by magnetic disturbances29, the truth is that Fátima’s sanctuary keeps on hosting thousands of pilgrims every year. Official data provided by the Internet site of 179


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the Sanctuary indicates that in 2005 it celebrated 2,544 masses, which were attended by 3. 415,079 people30. In 2007 it witnessed the inauguration of a church that has 9,000 seats, 46 confessional boxes, a congress centre and Media facilities, thus allowing the growth of these numbers. More recently, on the 13th October 2009, the sanctuary’s internet site indicated the presence of 100,000 pilgrims31 to attend the field mass that closed the main period of attendance connected to the 1917 apparitions, ranging from May to October.

What about now? In Europe, the 1960s witnessed the revival of Pagan practices that turned archaeological sites into New Age temples. Along with Stonehenge, Glastonbury’s pilgrims are to be understood according to the double aspect of the site: its Pagan and Christian connotations. As Carr-Gomm explains, Glastonbury “is a place of meeting... the essence of Paganism and Christianity, which merge in the story of the grail32, and of the God and Goddess embodied in Glastonbury Tor and Chalice Hill”33. As far as Stonehenge is concerned, in 2001 Chippindale and Davidson wrote a discussion paper in which they defend that the site welcomes more than 800,000 visitors per year34 (these numbers leave out all the onlookers who only take a peak over the fence and not pay for the entrance at the complex). More recently, the online edition of the BBC News Channel dating from the 21st June 2009 reported that a record number of 36,500 people35 went there to celebrate Summer Solstice. For Drury (2003), the advent of Feminism in the 1960s led to the rise of witchcraft practices and of “Nature-based religion with the Great Goddess as its principal deity”36. Since the 1604 British Witchcraft Act was repealed in 1951, people like Gerald Gardner and Alex Sanders could now publish books and start namesake Wiccan traditions during the following decades. However, as Cowan (2003) defends

we do not live as intimately with nature as did the remote nineteenth-century Scottish Highlanders. Our own lives are embedded in the modern conveniences and technologies that separate so much human activity, thinking, and feeling from the natural world.37

In fact, by the end of the 20th century technology started taking over man’s leisure moments and labour time, but also his own spiritual dimension. The Internet allowed us to discover cyberspace, where people can interact with no physical constraints, which is why Neo-Pagans started sharing beliefs and rites, and even conducting rituals over a 180


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mere computer38. On an interview to Drury, Sara Reader explained that

while Christians and other mainstream religions ignored the Net for years... we became the first religious movement to depend heavily on it for growth and cohesion. And cyberspace, in turn, became the first mass Pagan gathering place since ancient times.39

At the beginning of the 21st century, the contemporary «techno-worshipper» is a person of any spiritual belief that attends online services on wireless laptops, anywhere across the world. Perceiving the need to keep up with times, even Christian sanctuaries like Fátima have now, not only an Internet site of its own, but also the performances of online masses to worldwide Catholics. Drury ultimately sustains that man’s spiritual quest “will remain an eclectic journey to self-knowledge and transcendence, enabling each individual to find a sense of sacred meaning in his or her own way”40. On his sci-fi book Contact, scientist Carl Sagan wrote, “most people got separated from the sky on a cosmism isolationism that only ended at the dawn of space exploration”41. Despite the means one may choose to worship the Almighty (contact with nature, visits to man-made sacred sites, cybernetic navigation), all in all, the quest remains unchanged after thousands of years of human life on Earth. In 1994 Carvalho-Oliveira and Cymbron defended that, in Portugal, “religious tourism, mainly domestic tourism, should take more advantage of Portuguese saints”42, namely, Saint Anthony in Lisbon, Saint Teotonius in Viseu, Holy Queen Elizabeth in Coimbra, and Saint Martin at Dume, near Braga. To that list one may add Rome’s most recent acknowledgement of Saint Nuno Álvares Pereira, in April 2009. However, one may also suggest: what about a Pagan revival on one of Europe’s largest cromlechs, that of Almendres, near Évora, and c. 2 hours away from Lisbon? Portugal would win a lot if it were to offer its visitors such a contemporary type of (spiritual-cultural) attraction.

Bibliography Adrião, V. M. (2007). Sintra, Serra sagrada: capital espiritual da Europa. Lisboa: Livros Dinapress. Alexander, C. (Sept 2008). Se as pedras pudessem falar – em busca do significado de Stonehenge. National Geographic, 90, 2-27. Ambrósio, V. (2000). Fátima: território especializado na recepção de turismo religioso. Lisboa: Instituto Nacional de Formação Turística. ---. (2006). Turismo religioso – desenvolvimento das cidades-santuário. Lisboa :Universidade

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Nova. Tese. Carr-Gomm, P. (2008). Sacred places – sites of spiritual Pilgrimage from Stonehenge to Santiago de Compostela. London: Quercus. D’Encarnação, J. (2002). Cascais e os seus cantinhos. Lisboa: Edições Colibri; Cascais: Câmara Municipal. Carvalho-Oliveira, J. M. & Cymbron, J. (1994). Ser guia-intérprete em Portugal. Lisboa: Instituto Superior de Novas Profissões. Cowan, T. (2003). Yearning for the wind – celtic reflections on nature and soul. Novato, California: New World Library. Chippindale, C. & Davidson, B. (April 2001). The one million and the one hundred yhousand: the people of Stonehenge’s future. Save Stonehenge. http://www.savestonehenge.org.uk/ million.html Drury, N. (2003). Magic and witchcraft. London: Thames and Hudson. Feifer, M. (1986). Tourism in history – from Imperial Rome to the present. New York: Stein and Day Publishers. Hudson, S. (2003). Sport and adventure tourism. Binghamton, USA: The Haworth Press. Inácio, A. M. (2006). Fado dá graças a Nossa Senhora da Saúde e emociona procissão. Diário de Notícias, 8 de Maio. http://dn.sapo.pt/2006/05/08/cidades/fado_ gracas_a_nossa_senhora_saude_e_html. Loução, P. A. (2002). A alma secreta de Portugal. Lisboa: Ésquilo. N/a (2009). Record crowd for solstice sunrise. BBC News Channel. 21 de Junho. http:// news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/england/wiltshire/8110646.stm Molyneaux, B. L. (2002). A Terra Sagrada – espíritos da natureza, locais antigos e sagrados, criação e fertilidade. Grandes tradições espirituais. Trans. Lucinda Silva. Köln: Evergreen/Taschen. Sagan, C. (1997). Contacto (2ª ed.) Trans. Fernando Pinto Rodrigues. Lisboa: Gradiva. Santuário de Fátima. http://www.santuario-fatima.pt/portal/index.php?id=1956 Sierra, J. (2008). A rota proibida e outros enigmas da história. Trans. Lídia Geer. Lisboa: Bertrand Editora. Strong, R. (1999). The spirit of Britain – a narrative history of the arts.

Notes 1 Comunicação apresentada na conferência Managing the Religious Tourism Experience, organizada pelo ATLAS Religious Tourism and Pilgrimage Special Interest Group, entre os dias 19 e 21 de Novembro de 2009, na Nazaré. 182


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2

Molyneaux, 2002, p. 102.

3

Loução, 2002, p. 82.

4

Both awarded by the UNESCO as world heritage sites in 1986.

5

Carr-Gomm, 2008, pp.112-125.

6

Alexander, 2008, pp.18-26.

7

Carr-Gomm, 2008, p. 114.

historic

overview)

8 Original text: “…tinham locais de culto e santuários situados no cimo de montes ou junto às nascentes.” (Amarante, 1995, p.104). 9 In 1995 the UNESCO acknowledged Sintra as a Cultural Landscape protected by its guidelines. 10 Its earliest Greek designation was Sin tar, later replaced by the Celtic word Cynthia and the Roman Mons Lunae, all references to that primitive Moon cult. 11

Adrião, 2007, p. 167.

12

Carr-Gomm, 2008, p. 66.

13 In the 4th century Roman emperor Theodosius I abolished all these Pagan manifestations, but the Olympic Games would be recovered in 1896, in Athens. This time, with no gods involved. 14

Hudson, 2003, p.29.

15

Ambrósio, 2000, p. 42.

16 p. 233). 17

Original text: “… mais um exemplo de cristianização forçada.” (Loução, 2002, Silva, 2007, pp. 36-75.

18 Geoffrey Chaucer’s masterpiece The Canterbury Tales, written between 1387/1400, is a good reference to the popularity of St. Thomas Beckett’s tomb, which inspired countless pilgrimages to Canterbury via London-Southwark-RochesterCanterbury. 19

Feifer, 1986, p. 29.

20

Carr-Gomm, 2008, p. 85.

21

Feifer, M. 1986 p. 39.

22

Howard, 2003, p. 177.

23

Carr-Gomm, 2008, p. 87.

24

Sierra, 2008, p. 74.

25

Carr-Gomm, 2008, p. 101.

183


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26

Strong, 1999, p. 143.

27 Original text: “primeiro a pé e, depois, em barcos, o povo de Lisboa vinha até Cascais e aqui se lhes ajuntavam outros, da terra, e demandava-se a Guia.” (D’Encarnação, 2002, p. 27). 28

Ambrósio, 2000, p. 39.

29

Sierra, 2008, pp. 266-267.

30

Data taken from: http://www.santuario-fatima.pt/portal/index.php?id=1956.

31

Idem.

32 In 1278 Edward I revived the Arthurian Myth after the discovery and subsequent ceremonial burial of bones believed to be those of King Arthur and Queen Guinevere at Glastonbury’s abbey. The building would be abandoned after 1538. 33

Carr-Gomm, 2008, p. 122.

34

Data taken from: http://www.savestonehenge.org.uk/million.html.

35 Data taken wiltshire/8110646.stm

from:

http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/england/

36

Drury, 2003, p. 162.

37

Cowan, 2003, p. 132.

38

Drury, 2003, pp. 224-229.

39

Reader interviewed by Drury, 2003, p. 229.

40

Drury, 2003, p. 232.

41 Original text: “…a maioria das pessoas separou-se do céu, num isolacionismo cósmico que só terminou com o alvorecer da exploração espacial.” (Sagan, 1997, p. 23). 42 Original text: “O turismo religioso, principalmente a nível interno, poderia aproveitar melhor os santos portugueses.” (Carvalho-Oliveira & Cymbron, 1994, pp. 222223).

Correspondence Cristina Carvalho Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril Avenida Condes de Barcelona, 2769-510 Estoril cristina.carvalho@eshte.pt

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Gil Baptista Ferreira • Que identidade nas redes virtuais? O eu flexível, entre a unidade e a fragmentação

Que identidade nas redes virtuais? O eu flexível, entre a unidade e a fragmentação Gil Baptista Ferreira Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Sabemos como os media contemporâneos estão a criar novas formas de acção e interacção, que reordenam o modo como os indivíduos interpretam e reagem ao mundo social. Num tempo em que a experiência é, em grande medida, estruturada pelo computador, surgem questões como a seguinte: em que medida as novas formas de experiência potenciam uma concepção do sujeito própria da modernidade, baseada num conceito de identidade reflexiva, intersubjectiva e dinâmica? Como solução, propomos, para além dos extremos do “eu unitário” e do “eu fragmentado”, a possibilidade de um “eu flexível”. Palavras-chave Identidade, Media, Internet, Cibercultura, Modernidade

Abstract We know how the contemporary media are creating new forms of action and interaction, which reorders the way people interpret and react to the social world. In a time when the experience is largely structured by the computer, arise questions as the following: to what extent new forms of experience potentiate subject’s own conception of modernity, based on a reflective, intersubjective and dynamic concept of identity? As a solution, we suggest, beyond the extremes of the “unitary self” and the “fragmented self”, the possibility of a “flexible self.” Keywords Identity, Media, Internet, Cyberculture, Modernity

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O objectivo deste artigo é desenvolver uma análise crítica dos temas inter-relacionados dos novos media, da experiência que lhes está associada e dos processos contemporâneos de constituição identitária nas redes virtuais. Ser sujeito no mundo contemporâneo implica, inapelavelmente, sofrer os efeitos de todo um processo de (re)organização da experiência, marcado pelo facto de as relações sociais fundadas no contacto directo passarem a ser substituídas pela mediação tecnológica. Fundamentalmente, os media contemporâneos – tal como sucedeu com os anteriores – estão a criar novas formas de acção e interacção, e a reordenar a maneira como os indivíduos interpretam e reagem ao mundo social. Nesta medida, os novos dispositivos da comunicação não se limitam a desempenhar as funções de instrumentos inertes da comunicação dos projectos, ideias ou sentimentos que animam os indivíduos: tendem ainda a funcionar de maneira quase instintiva, dando origem a regularidades automáticas que se sobrepõem, de forma cada vez mais naturalizada, à experiência comunicacional tradicional, tendencialmente imediata e espontânea. Constituem-se, assim, em novas modalidades de experiência do mundo (cf. Rodrigues, 1999: 215 e segs.). Como ponto inicial, impõe-se uma abordagem breve das maneiras como a formação da identidade se evidencia progressivamente inter-relacionada com formas simbólicas mediatizadas. A identidade é aqui entendida não como produto de um sistema simbólico externo, nem como ente fixo a que o indivíduo pode recorrer imediata e directamente – mas como projecto simbólico que o indivíduo constrói a partir de materiais simbólicos que encontra disponíveis, com os quais tece uma explicação coerente de quem é, uma narrativa da própria identidade. Temos em conta a caracterização da identidade proposta por Anthony Giddens: enquanto projecto reflexivo pelo qual o indivíduo é responsável. Neste sentido, a subjectividade humana não é dada: é produto de um processo reflexivo, conduzido pelo próprio indivíduo, através do emprego dos recursos culturais postos à sua disposição pela sociedade. A internet surge como um novo meio (e “simplesmente” isso) que se vem juntar a outros meios de comunicação, como a linguagem (o mais importante de todos), para dar consistência à interacção humana e à constituição e manifestação das subjectividades (cf. Esteves, 2003: 200). A comunicação informatizada produz mutações no processo de criação de sentidos, expandindo-os enormemente, e modificando-se qualitativamente, em virtude do desenvolvimento da interactividade. Por exemplo: mensagens difundidas através de blogues ou redes sociais (Orkut, Facebook, Twiter, MySpace), ao circularem de modo fluido, desterritorializado, mergulhadas no meio oceânico do ciberespaço, são um texto dinâmico que reconstituem, de um outro modo e numa escala infinitamente diversa, a co-presença da mensagem e do contexto vivo que caracteriza a comunicação oral. Mudam os critérios relativos ao momento, aos interlocutores e aos lugares, sendo as novas modalidades de virtualização o processo articulador de toda uma vida social, 186


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marcada cada vez mais pela ruptura dos limites espaço-temporais. Elizabeth Reid, a partir do estudo do Internet Relay Chat (vulgarmente designado por IRC, antepassado das novas redes sociais e destronado por estas a partir dos primeiros anos da década passada), dá conta de duas dimensões principais: a atenuação de barreiras sociais e a desinibição da comunicação. Pela sua própria natureza, este meio bloqueia algumas das instâncias sociais de inibição, operativas em circunstâncias de interacção convencionais. Indicadores sociais – de posição social, de idade, de autoridade, aparência física – são relativamente fracos num contexto mediado por computador. Basicamente, nesta modalidade de interacção, a comunicação desenrola-se recriando novas formas de discurso que tendem a tornar a comunicação mais igualitária e a afastar dos sujeitos todas as barreiras construídas socialmente.

Os parâmetros de comportamento que são normalmente determinantes do ponto de vista não-verbal não são claramente considerados quando a comunicação é puramente textual. (...) Os sistemas convencionais reguladores da interacção caiem por terra (Reid, 1991). Em resultado, a internet torna-se um espaço de construção de sistemas alternativos, onde os indivíduos são livres de experimentar formas diferentes de comunicação e de auto-representação. Nesta medida, é possível considerar o IRC a arena da experimentação de papéis sociais específicos: mudar de género, por exemplo, é algo tão simples quanto a mudança do “nickname” para algo que sugira o sexo oposto – operando uma mudança numa das mais sólidas e fundamentais instituições da sociedade, que, tradicionalmente, envolve complexos rituais, tabus, procedimentos e estigmas. É a possibilidade de “aparentar ser, literalmente, quem se quiser ser” e o potencial de experimentação que lhe está associado que governa as expectativas da generalidade dos utilizadores das comunidades virtuais. É a liberdade (relativa) face a convenções que os leva a criarem as próprias convenções, e a formarem comunidades coesas – contudo, marcadas por ironia, pastiche, jogo e pela celebração do efémero e de exemplos essencialmente superficiais de fanfarronices engenhosas (Reid, 1991). Com uma abordagem distinta, o trabalho de Howard Rheingold ajuda a compreender este processo. A sua tese é a seguinte: quando pessoas suficientes levam a efeito relações na realidade virtual com sentimento suficiente e durante um período de tempo suficientemente longo, surgem comunidades virtuais, a que só se tem acesso através de um ecrã de computador. Estas comunidades sustentam-se na partilha intelectual e na convergência da pluralidade e da riqueza de conhecimentos que emanam dos sujeitos: apresentam-se como suporte aos processos cognitivos, sociais e afectivos, fazendo com que a que rede de tecnologia electrónica e telecomunicações se transmute num espaço social povoado por indivíduos que aqui (re)constroem as suas identidades e os seus laços sociais 187


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(Rheingold, 1997: 18-19). O modo de funcionamento das comunidades virtuais pode resumir-se do modo que se segue: várias pessoas, geograficamente dispersas, podem ao mesmo tempo alimentar uma base de dados e receber em troca informações sensoriais. Cada comunidade virtual é fruto da criação de pontos de encontro, destinados a acolher todos os que partilham um conjunto de interesses, mas que, por constrangimentos diversos (o espaço geográfico tem aqui uma importância apenas relativa), não poderiam fazê-lo sem ser nessa rede. Com a inscrição directa de novos mundos e experiências na realidade, são igualmente accionadas práticas que alteram definitivamente as condições de formação da identidade do indivíduo. A proliferação de estilos de vida, assim como a capacidade de criar novas personagens para si mesmo, constituem formas de os indivíduos reapropriarem – se não mesmo de criarem – o seu modo de ser, num processo que evoca o jogo e a descoberta, instituindo novos níveis de imaginação. E então, ao estimularem os indivíduos a voltarem-se para os seus próprios recursos a fim de construírem uma identidade coerente para si mesmos, estes novos media colaboram para tornar o processo de construção mais reflexivo e pessoal. Mas, ao mesmo tempo, assiste-se a uma profunda crise da ideia de identidade – ou pelo menos dos antigos princípios de referenciação do eu e de identificação com os outros. A identidade do indivíduo organiza-se em torno de imagens dinâmicas, imagens que ele produz através da exploração e da transformação das realidades virtuais nas quais participa.” Daqui que seja possível considerar que o indivíduo possui tantas identidades no Espaço do saber quantos os “corpos virtuais” que segrega nos cinemapas e nos cosmos de significações que explora e que contribui para criar. O que leva a que possamos reinventar-nos e cultivar a multiplicidade do nosso ser, das nossas diferenças, do que gostaríamos de ser, do que os outros gostariam que fossemos – bem em acordo com o sentido dito pós-moderno. Sherry Turkle apresenta-nos uma perspectiva diversa, e por isso complementar. Também o virtual é visto por si como uma extensão do real onde os sujeitos podem aspirar a realizar a aprendizagem que lhes permitirá melhorar a sua vida. É o espaço do conhecimento do eu e do outro, de simulação e de aproximação às verdadeiras identidades que constituem o espaço social. Contudo, em relação às comunidades virtuais:

Uma das chaves do comunitário é a ausência de transitório, a permanência. Assim, pode-se partilhar uma história, uma memória. Com a continuidade, vem a possibilidade de construir normas sociais, rituais, sentido. Aprende-se, aos poucos, na medida em que se estabelece uma cultura online, com experiências comuns, a confiar uns nos outros. (Turkle, 1999: 120) Por isso,

As melhores possibilidades para o desenvolvimento das comunidades encontram-se nos lugares onde se cruzam as experiências virtuais e o resto da 188


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vida. (Turkle, 1999: 120)

Assim entendidas, sem dúvida que as comunidades virtuais proporcionam um novo contexto para pensar a identidade na era dos novos media. Desde logo, enquanto espaços para descobrir o significado experiencial duma cultura da simulação. Quando pisamos a fronteira entre o real e o virtual, experimentamos períodos de tensão, de reacções extremas e de grandes oportunidades: momentos liminares, no decurso dos quais emergem novos símbolos e significados sociais.

O rosto das novas comunidades É neste ponto que a comunicação mediada por computador desempenha um papel decisivo, enquanto campo para a construção e reconstrução da identidade. As modalidades de interacção que permite desenvolvem-se em zonas do ecrã isoladas por caixas, as janelas, que permitem que a pessoa se coloque em vários contextos ao mesmo tempo. Muito embora em cada momento o indivíduo esteja atento a apenas uma das janelas no seu ecrã, num certo sentido a sua presença faz-se sentir em todas elas de forma ininterrupta. Se o desenvolvimento de janelas terá sido motivado pelo desejo de permitir que as pessoas alternassem entre diferentes aplicações, aumentando a eficácia do seu trabalho, essas mesmas janelas vieram tornar possível, em teoria, que o indivíduo interpretasse personalidades diversas, distribuídas por comunidades diferentes. E, nesta linha, também a prática quotidiana de muitos utilizadores veio confirmar as janelas enquanto metáfora poderosa que permite pensar o eu como um sistema múltiplo e fragmentado. Se tradicionalmente um indivíduo pode despir e vestir papéis diferentes em cada lugar e em cada momento concreto, o que os computadores permitem agora é vidas paralelas, a que correspondem identidades paralelas (cfr. Turkle, 1997: 16-17). Cada uma das suas actividades tem lugar numa janela específica, e será a soma da sua presença distribuída que constitui a identidade de uma pessoa. Impõe-se assim uma atenção à natureza das identidades alternativas e paralelas. As vidas no ecrã e fora dele são encaradas com surpreendente igualdade: como afirma Doug, um dos indivíduos referidos na investigação de Turkle,

a vida real é só mais uma janela, e normalmente não é a que mais me agrada. (1997: 18)

Que relações existem entre estas identidades e aquilo que tradicionalmente encarávamos como a pessoa inteira? Encaramo-las como uma expressão do eu ou 189


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como algo separado do eu? Serão estas identidades virtuais a expressão de uma crise de identidade? Ou estamos a assistir à lenta emergência de um novo estilo de pensamento, de natureza múltipla (e por isso mais criativa)? Muito embora as interrogações anteriores possam ser analisadas atentando em sectores diversos da internet, deter-nos-emos aqui na questão da identidade tal como se constitui no novo tipo de realidade virtual social designado como MUDs (sigla de multiuser dungeons ou multiuser domains), para acentuarmos a dimensão comunicativa dessa constituição. Nos MUDs, antepassados “remotos” de outras aplicações e programas de simulação (ou de jogo) da identidade (de que o Second Life terá sido o mais fiel desenvolvimento), o corpo de cada pessoa é representado pela descrição textual que ela faz de si mesma. Tal como no IRC, o anonimato permite que apenas sejamos conhecidos pelo nome da nossa personagem ou personagens (avatar, no caso Second Life), o que dá às pessoas a possibilidade e a oportunidade de expressar múltiplas facetas da personalidade, e de experimentar novas identidades. Sintetizemos posições: segundo Turkle, nos mundos mediados pelo computador, o eu é constituído em interacção com uma rede de máquinas; é formado e transformado pela linguagem, sendo o encontro com os outros um modo de estabelecer uma nova relação com a minha personagem (1997: 20-21). Além disto, ainda que as comunidades virtuais possam ser interactivas, elas não exigem compromisso físico (para além do teclado) ou uma extensão moral, política ou social para além da rede. Dos que utilizam a internet e as comunidades virtuais só uma reduzida percentagem participa activamente. O resto funciona a partir de uma posição voyeurista semelhante ao ver televisão. Em falta fica assim a dimensão ética de compromisso com o Outro, que, como mostramos noutro contexto, é a única forma de agir em comum. Daqui as hesitações de Wilson (1997: 649-650):

“Interrogo-me se nos estamos a tornar viciados sensoriais perpetuamente à procura de novas experiências; isto é, se esta busca de estímulo constante e aparentemente superficial está a conduzir à promoção de uma gratificação instantânea à custa de uma compreensão e investigação mais envolvida, mais complexa e significativa. (Wilson, 1997: 649-650)

A hipótese da identidade fragmentada Atentemos na questão da internet e da sua relação com a constituição da identidade. Um MUD – ou o Second Life - pode tornar-se o contexto para descobrirmos quem somos e quem desejamos ser. Rheingold refere-se a este tipo de espaços como

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Laboratórios vivos para o estudo dos primeiros impactos das comunidades virtuais – os impactos na nossa mente, nos nossos pensamentos e sentimentos como indivíduos. (1997: 184)

Entendidos desta forma, os jogos são laboratórios para a construção da identidade: a internet converteu-se num verdadeiro “laboratório social”, onde é possível ensaiar e analisar as construções e reconstruções do eu que caracterizam a vida dos nossos dias – no mesmo sentido em que, de igual forma, na realidade virtual que a internet proporciona, nos moldamos e criamos a nós próprios. Ora, se temos a possibilidade de construir novos tipos de comunidades (virtuais), nas quais participamos com pessoas de todos os cantos do mundo – com quem dialogamos diariamente e estabelecemos relações bastante próximas sem que as venhamos a encontrar fisicamente -, podemos igualmente criar e adoptar identidades “fictícias” de nós mesmos, uma ideia bem expressa pelo jogador que, no estudo de Turkle, surge a dizer:

Podemos ser tudo aquilo que quisermos. Podemos redefinir completamente a nossa pessoa, se assim o desejarmos. (...) Não temos que nos preocupar tanto com as categorias em que as outras pessoas nos arrumam (Turkle,1997: 265273). Mas as pessoas não apenas se transformam em quem fingem ser: igualmente, fingem ser quem crêem que são ou quem gostariam de ser (ou até mesmo quem não gostariam de ser): uma vez transpostos os limites do Second Life, pode ser-se homem, mulher ou mesmo assumir múltiplas identidades. O que torna possível a Poster defender:

Não posso considerar-me a mim próprio centrado na minha subjectividade racional e autónoma ou enquadrado por um ego definido, mas estou dividido e disperso através do espaço social. (Poster, 1990: 16) Daqui que os jogadores falem por vezes do seu verdadeiro eu como a mescla das suas personagens – e, consequentemente, que falem das suas identidades no ecrã como meios para transformar a vida real. É a partir daqui que surgem as teses que sustentam uma forma de constituição do sujeito diferente da desenvolvida pelas grandes instituições modernas: os novos media promovem práticas de comunicação que constituem um sujeito instável, múltiplo e difuso. Compreender assim o processo de descentramento e de disseminação da identidade equivaleria a evitar que os dispositivos da informação se convertesse em dispositivos de regulação e de normalização generalizada. Ora, a consequência da enorme variedade e multiplicidade de mensagens disponíveis pelos media pode ser a sobrecarga simbólica. Face uma situação deste tipo, os indivíduos confrontam-se não apenas com 191


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uma outra narrativa autobiográfica que lhes permite reflectir criticamente sobre as suas próprias vidas, ou com outras visões do mundo contrastantes com os próprios pontos de vista – confrontam-se com inúmeras narrativas autobiográficas, inúmeras cosmovisões, inúmeras formas de comunicação e de informação que dificilmente podem ser coerente e efectivamente assimiladas. Na ausência de um princípio de coerência, o eu dispersase em todas as direcções. É neste sentido que surge o conceito, formulado por Kenneth Gergen, de um eu saturado. A tese de Gergen insere-se numa abordagem mais abrangente da influência das tecnologias da comunicação na psicologia humana, para o que recorre à expressão tecnologias de saturação social como modo de designar as alterações do ritmo das vidas interpessoais impostas pelos meios de comunicação. Com as relações sociais disseminadas por todo o globo e com o conhecimento das outras culturas a relativizar as nossas atitudes e a privar-nos de toda e qualquer norma, existimos num estado de contínua construção e reconstrução, onde as noções individuais de eu desaparecem, dando lugar ao primado das relações. Como resultado, a identidade dilui-se fora da teia de relações onde estamos inseridos. A saturação social emerge, assim, a partir de um grau de interiorização de características de outros indivíduos a um nível nunca antes visto, absolutamente abrangente. No entanto, é a uma multiplicidade de linguagens do eu incoerentes e desconexas que se refere: com as nossas relações disseminadas por todo o globo e com o nosso conhecimento das outras culturas a relativizar as nossas atitudes e a privar-nos de toda e qualquer norma, existimos num estado de contínua construção e reconstrução, em que cada realidade do eu abre caminho a interrogações reflexivas. Como resultado, o centro não consegue manter-se coeso, deixamos de acreditar num eu independente da teia de relações na qual estamos mergulhados (Gergen, 1991: 6 e 17). As comunidades virtuais seriam, entre outras coisas, o lugar onde se dá a co-saturação de personalidades que, antes do seu surgimento, se saturavam isoladamente. Na ausência de um princípio de coerência, a identidade dispersa-se em todas as direcções.

Argumentos para uma identidade flexível Recentemente, verificou-se entre os pensadores sociais da modernidade uma reacção crescente às teses sobre a perda de sentido do eu na chamada era do virtual, defendida pelas correntes de inspiração pós-moderna. Tanto a identidade pessoal como colectiva pressupõem, por um lado, significado, mas pelo outro lado, pressupõem igualmente um processo constante de recapitulação e reinterpretação. Por isso, afirma Giddens:

Em todas as sociedades, a manutenção da identidade pessoal, e a sua conexão com identidades sociais mais vastas, é um requisito primordial da segurança ontológica (Giddens, 2000: 77). 192


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Na relação que estabelecem com os modelos promovidos pelos novos media, os modos de vida tradicionais continuam a desempenhar um papel indispensável. Enquanto reserva imaginária arcaica, são o alimento de imagens e de narrativas que conferem ao jogo formal dos modelos de informação tecnológica uma aparência suficientemente plausível para se imporem social e culturalmente, mas sobretudo uma margem susceptível de relançar constantemente a criatividade de configurações sempre novas. Sem este ar de plausibilidade e sem esta capacidade de impulsionar continuamente, no tecido social, novas formas, novos modelos e configurações inéditas, edificadas sobre o fundo arcaico em reserva, composto a partir de modos de vida anteriores, os novos media perderiam o seu lugar estruturante das relações sociais (cf. Rodrigues, 1999: 210-211). Passa-se com as comunicações mediadas por computador o que se passa com todas as situações de comunicação – o receptor não está vazio, nem no vazio, partindo do nada para a interpretação das mensagens. Toda a sua história e os seus valores intervêm na percepção e análise das mensagens, protegendo-o, concedendo-lhe uma abordagem específica, mesmo que disso não se aperceba. Mesmo no terreno mais movediço das novas tecnologias é o conjunto de todas as recordações, valores e ideias (a experiência) que permite conservar uma certa distância interpretativa em relação à mensagem, enfim, que permite que o indivíduo seja, na medida do humanamente possível, livre. Thompson (1995: 232-3) propõe-nos um outro modo de observar o resultado das tecnologias sobre o eu que não implica a sua dispersão, mas sim a percepção da sua mudança de natureza. A profusão de relações e imagens com que se vê confrontado não dissolve o sujeito enquanto identidade coerente: a metáfora da refracção no espelho não capta satisfatoriamente a difícil situação do self no mundo contemporâneo, mas antes convoca um modo diferente de pensar as novas transformações a que é sujeito. Ao invés do proposto pelas teses da saturação, o que sucede é uma abertura do campo das experiências do sujeito, que lhe permite ter um papel cada vez maior nos seus processos de formação. E então, à medida que estas experiências mediadas vão sendo incorporadas reflexivamente no projecto de formação do eu, a natureza desse eu vai sendo também transformada. Não é dissolvida ou dispersa pelas mensagens dos media, mas aberta por elas, em vários graus, por influências provenientes de locais distantes, através de modalidades de experiência inéditas. A proliferação de estilos de vida e a capacidade de criar novas personagens para si mesmo que hoje em dia se observa constituem uma forma de os indivíduos se reapropriarem, senão mesmo criarem, o seu modo de ser – um processo em relação ao qual é determinante a acção dos media. E então o desafio: como enfrentar o fluxo sempre crescente de materiais simbólicos mediados, em que o indivíduo se vê envolto (de que acaba por fazer parte)? A resposta é simples: 193


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Em parte através de um processo selectivo do material que os indivíduos assimilam. Somente uma pequena porção dos materiais simbólicos mediados disponíveis aos indivíduos são assimilados por eles (Thompson, 1995: 207). Os indivíduos constroem sistemas práticos de conhecimento para enfrentar o sempre crescente fluxo de formas simbólicas que lhes chegam, que lhes permitem examinar minuciosamente opções e exercer a selectividade, dando mais atenção aos aspectos que lhes são de maior interesse e ignorando ou filtrando outros, mantendo níveis essenciais de auto-controlo e de coerência interna. Independentemente das formas de sociabilidade assumidas frente aos novos media, a mudança de um sujeito centrado ou da racionalidade predominante não tem que conduzir a um sujeito em desaparecimento ou a um sujeito irracional (Lyon, 1997: 36). A tese de Turkle parte da percepção de que a multiplicidade não é aceitável se implicar uma confusão mental que conduza à imobilidade, enquanto resultado da alternância entre personalidades que não conseguem comunicar umas com as outras. Daqui que formule, como ponto de partida, aquela que pode ser a questão orientadora: como poderemos ser a um tempo múltiplos e coerentes? A tese que persegue encara, com efeito, uma outra possibilidade: a de uma identidade multiforme saudável, que, como Proteu, sofra transformações fluidas, mas assentes numa coerência e perspectiva moral; uma identidade múltipla mas integrada, que mantém ainda o controlo sobre si próprio. Como afirma:

Mesmo não possuindo uma identidade unitária, podemos ter consciência dessa identidade (Turkle, 1997: 385). Todo este processo pode ser visto a uma luz que não a da dispersão da identidade. Turkle aceita a perspectiva de que hoje em dia as pessoas são ajudadas a desenvolver ideias sobre a identidade enquanto multiplicidade, através da nova prática da identidade enquanto multiplicidade – o que confirma as identidades virtuais enquanto objectos propiciadores do pensamento. Com uma natureza ambivalente: por vezes, estas experiências facilitam a descoberta de si próprio e o desenvolvimento pessoal, mas noutros casos não – se é possível experimentar a sensação desconfortável de fragmentação, oferecem-se igualmente possibilidades de autodescoberta e de autotransformação. Atentando nos ambientes virtuais (MUDs, SL) a percepção é de que podem ser sítios onde as pessoas desabrocham e onde, se tudo o resto falhar, podem desactivar a personagem que até aí apresentam e iniciar uma nova vida com outra ou, inversamente, podem ser espaços onde as pessoas ficam bloqueadas, presas em mundos auto-suficientes em que as coisas são bem mais simples que na vida real (cf. Turkle, 1997: 274). A este propósito, sem dúvida que a experiência enclausurada nas tecnologias da comunicação é, em qualquer caso, bastante mais simples – mais pobre – que a experiência com os outros, na vida em 194


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sociedade. Identificamos assim dois pólos distintos de potencialidades, que alimentam identidades radicalmente opostas no que respeita ao seu modo de constituição. Num extremo consideramos um eu unitário que mantém a sua unidade, reprimindo todos os aspectos dissonantes, censurando todas as partes ilegítimas do eu – que, preferencialmente, se insere num modelo integrado numa estrutura social razoavelmente rígida, com regras e papéis claramente definidos. Por outro lado, e mesmo que detendonos no termo “personalidade múltipla”, damos conta de que a dispersão pulverizada que é associada ao outro pólo é enganadora, porquanto as diferentes partes do eu – apenas aparentemente dispersas e distintas - não são personalidades de corpo inteiro. Segundo Turkle, são fragmentos isolados e desconexos (1997: 390). Daqui a necessidade de uma inversão em relação às visões pós-modernas, que passa por encarar a personalidade saudável como não-unitária mas, simultaneamente, aceitando a existência de um acesso fluido entre as múltiplas facetas que a compõem. Para que haja sociabilidade, a identidade no ciberespaço tem que ter espessura, e não ser simplesmente flutuante e isolada. E é assim que, para além dos extremos do eu unitário e do eu fragmentado, importa considerar um eu flexível – um eu de que a essência não é unitária, nem as suas partes são entidades estáveis, mas em que é fácil alternar entre as suas facetas, elas próprias em mutação devido à constante comunicação que mantêm entre si. Quer isto dizer que a cultura da simulação pode ajudar a alcançar uma visão de uma identidade múltipla mas integrada, cuja flexibilidade e elasticidade advém do facto de ter acesso às muitas personalidades que constituem cada indivíduo (cf. Turkle, 1997: 390 e segs.). Para explicar este processo, Turkle recorre à teoria da consciência proposta por Daniel Dennett, também conhecida por teoria dos rascunhos múltiplos, mostrando a analogia com a experiência de ter várias versões de um documento abertas no ecrã de um computador, entre as quais o utilizador pode saltitar a seu bel-prazer. A presença dos rascunhos encoraja um sentimento de respeito pelas muitas versões diferentes, ao mesmo tempo que impõe uma certa distância em relação a elas. No plano da identidade, nenhuma das facetas pode ser reclamada como o verdadeiro eu, como o eu absoluto. Ao invés, aquilo que caracteriza de forma mais marcante o modelo de um eu flexível é o facto de as linhas de comunicação entre as suas diversas facetas estarem abertas. Por seu lado, a comunicação aberta encoraja uma atitude de respeito pela multiplicidade que é o nosso apanágio e dos outros.

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Conclusão: que identidade criamos com as redes sociais? Criar identidades que apenas existam no ecrã não deixa de ser, na perspectiva que apresentámos, uma oportunidade de auto-expressão para o indivíduo, fazendo-o sentirse mais próximo do seu verdadeiro eu, ainda que oculto por detrás de uma panóplia de máscaras virtuais. Tal como quando alguém comunica verbalmente uma mensagem a alguém, também através da rede o indivíduo comunica imediatamente consigo mesmo. A virtualidade vem apresentar-se como o meio (como a escada wittgensteiniana, o espaço de transição, a moratória) a pôr de parte após se haver alcançado um maior grau de liberdade – e por isso poder ser usada como espaço de crescimento e de emancipação, onde se exploram possibilidades, se imaginam alternativas, se fazem experiências com o projecto de constituição da identidade. Não existe uma dicotomia entre mundos real e virtual, mas uma complexa inter-relação nas fronteiras entre esses mundos, os humanos e as tecnologias que cooperam construindo-os. As identidades não são exclusivamente determinadas pelos indivíduos “reais”, mas também pela tecnologia. Existe uma complexa interacção entre o nome por que conhecemos uma pessoa e a sua actual identidade na internet, resultado das múltiplas negociações entre os diversos elementos envolvidos. A despeito da ênfase concedida aos espaços virtuais criados online, o espaço físico e a forma como ele é identificado desempenham igualmente um papel decisivo. Por fim: viver num mundo mediado implica um contínuo entrelaçamento de diferentes formas de experiência. Face ao exposto, é certo que não temos que rejeitar a vida no ecrã, mas tão pouco devemos tratá-la como uma vida alternativa (a virtualidade não tem que ser uma prisão). Noutros termos: tal como as experiências no reino do virtual são “coisa séria” de que não devemos abdicar, igualmente se nos tivermos “divorciado da realidade” ficaremos claramente a perder. Nada pior do que acreditar que a idealização proposta pelas novas tecnologias pode substituir as relações humanas: o mais importante é a maneira segundo a qual cada cultura se apropria da tecnologia por relação ao seu universo social, mental e cultural. A despeito da formação rotineira de identidade múltiplas, que abala qualquer noção de um eu real e unitário, a todo o momento a noção de realidade contra-ataca – os indivíduos continuam limitados pelo desejo, pela dor, pela morte, pela pessoa física. Surge, a partir daqui, aquela que pode ser a questão de fundo: irá a virtualidade converter-se num mundo separado (onde o indivíduo se perde, alienado), ou terá o indivíduo capacidade para fazer do real e do virtual universos permeáveis, cada um possuindo o potencial para enriquecer e expandir o outro? Seguimos a convicção de Adriano Duarte Rodrigues, ao propor como a noção moderna de mundo abarca não só o mundo actual em que vivemos, mas também os mundos possíveis que o imaginário constrói no espaço da interlocução e da interacção, considerando como referentes os 196


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mundos que os interlocutores elaboram em comum, em cada aqui e agora, nos espaços e nos tempos singulares da interlocução. Por conseguinte, para o homem moderno, a referência não é apenas o mundo da realidade exterior: é o conjunto dos mundos possíveis ainda que projectados, subentendidos, interditos ou virtuais (1999: 37). A nosso ver, estas possibilidades encontram-se inscritas na própria ideia moderna (desencantada) de Mundo, que significa a quebra do seu carácter unitário (a partir da diferenciação de mundos autónomos – material, social e subjectivo) e a potencialidade racional (humana) da sua configuração. Cada um destes mundos autónomos torna-se, de certo modo, objecto de uma construção humana: pelo conhecimento, pelo sentido de justiça das relações sociais e pela descoberta de uma autenticidade própria a cada indivíduo.

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Correspondência Gil Baptista Ferreira Escola Superior de Educação Rua Dom João III - Solum 3030-329 Coimbra, Portugal gbatista@esec.pt

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