Nº temático de Turismo e Património

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número temático

Turismo e Património


A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta.

A Revista EXEDRA publica números genéricos e temáticos.


número temático

Turismo e Património


Corpo Editorial Director Ana Maria Sarmento Coelho Conselho Científico Pedro Balaus Custódio - Educação/Formação Maria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências Empresariais Francisco Rúbio - Artes e Humanidades

Comissão editorial José Pacheco (CIC/NDSIM) Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI)

Produção edição online - José Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Pacheco

Ficha Técnica EXEDRA: Revista Científica Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra Periodicidade: Semestral ISSN 1646-9526 versão impressa

Copyright A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.

Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos: EXEDRA: Revista Científica Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra - Portugal Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461 exedra@esec.pt www.exedrajournal.com


07 Maria do Rosário Castiço de Campos Editorial / Coordenadora do nº temático 09-16 Adília Alarcão Sobre património ainda não foi tudo dito? 17-32 Sandra Carvão Tendências do turismo internacional 33-50 Vítor Ambrósio Turismo religioso – construção de Itinerários 51-76 Nuno Martins / Cláudia Costa Património, paisagens culturais, turismo, lazer e desenvolvimento sustentável. Parques temáticos vs parques patrimoniais 77-118 Alexandra Rodrigues Gonçalves O museu como pólo de atracção turística 119-134 Francisco Sampaio A gastronomia como produto turístico 135-140 Paulo Sérgio Pais Viagem medieval em Terra de Santa Maria 141-150 Maria do Rosário Castiço de Campos A Feira Medieval de Penela no âmbito das dinâmicas de promoção turística do município


Missão e Objectivos A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta. A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração.

Forma e preparação de manuscritos Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40 páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10, espaço simples e no mesmo formato das figuras. Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de 1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação 4


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institucional). Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail. Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere: Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias. Referências bibliográficas A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial 10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão “et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores obedecendo ao formato dos seguintes exemplos: a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall. b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms. Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/ journals/kuhn.html c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds), Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum. d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from 1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última versão. Citações As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização (página).

Submissão de artigos para publicação A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado

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editorial Este número temático da revista Exedra, intitulado Turismo e Património, reúne, maioritariamente, um conjunto de comunicações apresentadas no II Ciclo de Palestras de Turismo, que, organizado pelo curso de Turismo da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), decorreu entre os dias 23 de Abril e 28 de Maio de 2008. A relevância actual do turismo é inquestionável. Os proventos directa e indirectamente gerados pelo sector ocupam uma posição de destaque nas economias de muitos países, representando o turismo, em Portugal, uma das principais fontes de receitas, como o comprova o facto de, em 2004, ter totalizado 11% do Produto Interno Bruto (PENT: 2007). No entanto, apesar do potencial de oportunidades proporcionado por esta fonte de recursos, o certo é que a dependência exagerada do sector em relação a determinadas regiões (Algarve, Lisboa e Madeira) e a “elevada sazonalidade” dos fluxos turísticos (PENT: 2007) se têm vindo a constituir como uma fonte de novos desafios, para os quais é necessário encontrar novas políticas ou soluções. Deste ponto de vista, o desenvolvimento de ofertas turísticas associadas ao património, à história e à cultura em geral têm vindo a ser crescentemente assumidas como alternativas de novos produtos turísticos com elevado potencial para a dinamização do sector e, sobretudo, para o combate às debilidades detectadas, desde que se preservem alguns dos valores básicos das economias actuais, tais como os valores da sustentabilidade, da qualidade ou da diferenciação. Ponderados estes pressupostos, o principal objectivo agregador dos textos que agora se publicam foi o de proporcionar a apresentação de algumas análises sobre a relevância progressiva do Turismo Cultural e, em sequência, abrir o debate sobre as políticas de valorização, animação e dinamização do património associadas ao sector do Turismo em Portugal. Neste sentido, além de dois artigos de enquadramento no âmbito do Património e do Turismo, um com o tema “Sobre património ainda não foi tudo dito?” (Adília Alarcão) e um outro sobre “Tendências do turismo internacional” (Sandra Carvão), integram-se, neste volume, um artigo com o título “Turismo religioso – construção de itinerários” (Victor Ambrósio); um artigo sobre “Património, paisagens culturais, turismo, lazer e desenvolvimento sustentável” (Nuno Martins e Cláudia Costa); um outro sobre “O museu como pólo de atracção turística” (Alexandra Rodrigues Gonçalves); um artigo com o tema “A gastronomia como produto turístico” (Francisco Sampaio); e um texto sobre a “Viagem medieval em Terra de Santa Maria” (Paulo Sérgio Pais), que anualmente se realiza em 7


Santa Maria da Feira. Por fim, apresenta-se um artigo, organizado especificamente para este número temático, sobre a “A Feira Medieval de Penela no âmbito das dinâmicas de promoção turística do município” (Maria do Rosário Campos), onde se pretende evidenciar a relevância progressiva do turismo nas políticas de desenvolvimento local. Para concluir, uma palavra de agradecimento a todos quantos contribuíram para a realização do II Ciclo de Palestras de Turismo da ESEC, de que salientamos a Câmara Municipal de Penela, bem como para a edição dos textos que agora se apresentam.

Maria do Rosário Castiço de Campos (Responsável do Curso de Turismo (2005-2009), Coordenadora do II Ciclo de Palestras de Turismo da ESEC)

Nota: PENT- Plano Estratégico Nacional do Turismo: para o desenvolvimento do turismo em Portugal (2007). Lisboa: Ministério da Economia e da Inovação, Turismo de Portugal, I.P., Consultado em 14 de Novembro de 2009, http://www.turismodeportugal.pt/Portugu%C3%AAs/conhecimento/ planoestrategiconacionaldoturismo/Anexos/PENT_VERSAO_REVISTA_PT.pdf

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N º

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Adília

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Sobre

T u r i s m o Património

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dito?

Sobre património ainda não foi tudo dito? Adília Alarcão

Ex-Directora do Museu Monográfico das Ruínas de Conímbriga e Museu Nacional de Machado de Castro

Resumo A recente explosão de iniciativas propatrimoniais, muitas vezes incompetentes ou orientadas por interesses egoístas, e o crescimento das indústrias do turismo de lazer e do turismo cultural têm gerado numerosos efeitos negativos no campo social e sobre a preservação do próprio património. Através da formação de técnicos, políticos e cidadãos, mais esclarecidos no domínio patrimonial, a Escola pode desempenhar um papel único na prevenção de tais efeitos. Palavras-chave Património, Passado, Turismo, Mediador.

Abstract The recent explosion of initiatives in the area of cultural heritage, often incompetent in themselves or orientated by personal interests, together with the growth in leisure and cultural tourism has given rise to numerous negative consequences in the social domain and in the preservation of heritage itself. Through the training of technicians, politicians and citizens more enlightened in the field of heritage, the School can fulfill a unique role in the prevention of such consequences. Key-words Heritage, Past, Tourism, Mediator.

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O título desta palestra coloca uma pergunta à qual eu responderia: penso que sim, mas nem tudo o que foi dito – e há textos notáveis, de reflexão e até de premonição – tem sido suficientemente consciencializado, discutido e assumido, seja ao nível individual ou colectivo. Por isso se justificam iniciativas periódicas como esta que proporcionam e incentivam o pensar em grupo. Sobretudo porque uma escola é como a natureza, todos os anos se renovam. Do que é património toda a gente tem uma ideia mais ou menos concreta, mais ou menos abrangente. Todos sabemos que a palavra tem raiz latina (pater) e designa algo mais ou menos valioso que se herda/lega, se compra/aliena. Qualquer das palavras herança, legado, compra, alienação aponta para o passado. Com efeito, só se pode herdar ou legar, comprar ou vender, algo que preexiste a cada um desses actos. Podemos, assim, tomar como ponto de partida da nossa reflexão sobre património que ele é sempre passado mais ou menos distante. Isso explica que a atitude espontânea das pessoas (enquanto indivíduos, grupos ou nações) face ao património cultural seja, em regra, variável com a idade. Os jovens estão naturalmente mais interessados pelo presente/futuro do que pelo passado, seja em relação à arte, à história, à arquitectura, à literatura, às pequenas coisas do quotidiano. Assim se compreende a relativa indiferença com que os testemunhos materiais do passado foram, em geral, tratados ao longo dos tempos. Não podemos esquecer que o passado entendido e sentido como uma entidade abstracta corresponde a um conceito ainda recente – “um artefacto do presente” (Lowenthal, 1985: p. xvi). Até à idade moderna, o passado convivia com as pessoas numa relação quase orgânica, em que os antepassados, com todo o seu legado cultural (e não apenas o genético) reviviam em cada nova geração. Pelo contrário, as novas nações têm, como os indivíduos jovens, tendência para rejeitar o passado. Nesse aspecto, os EUA são paradigmáticos – o americano ideal tornouse um indivíduo emancipado da história (Lewis, 1995: p. 5), atitude, anseio muitas vezes experimentado, mais recentemente, por outros povos e que uma das personagens moçambicanas de Mia Couto traduzirá num grito inexcedível - «só um mundo novo nós queremos: o que tenha tudo de novo e nada do mundo» (Couto, 1990: p. 165). Contudo, se a herança do passado é muitas vezes sentida como fardo e limitação

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Adília

Alarcão

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dito?

ao presente/futuro, não é menos verdade que, simultaneamente, esse mesmo passado respalda os indivíduos e as nações, dá-lhes confiança. Em momentos difíceis funciona como âncora e certificado de identidade. Não admira, portanto, que nos meados de Oitocentos a Europa exalte o passado como em nenhum outro tempo e lugar acontecera e o conceito de património cultural – tal como hoje o conhecemos – tenha tido então a sua origem. As profundas alterações políticas, científicas, tecnológicas e sociais, sentidas no continente europeu (e às quais aquilo a que poderemos chamar a redescoberta da África e da Ásia veio trazer novos sobressaltos) criam o clima propício à exaltação das virtudes do campo, da agricultura, da fé medieva, da virtus e dos cânones antigos da beleza. A literatura, a música, a pintura ressumbram patriotismo e valores ideais. Os monumentos arquitectónicos tornam-se símbolos por excelência do passado mitificado, mas também as ruínas, a tradição oral, o costume, o folclore… Acredita-se na inocência de tudo o que está intimamente ligado à terra, exalta-se tudo o que é primitivo e autêntico. A pátina que cobre os monumentos e as estátuas, a ruína, em suma, as marcas do tempo em qualquer objecto são apreciadas como prova de autenticidade. A incompletude, a fragmentação tornam-se, no séc. XIX, uma verdadeira virtude. Ao contrário do que sucedera desde o Renascimento, a partir de agora surge a consciência de que acrescentar qualquer parte de uma escultura mutilada é criminoso. John Ruskin, que tanto influenciará o debate sobre os limites do restauro das antiguidades, defende que as grandes criações da humanidade têm um tempo de vida e nada devemos fazer para lhe garantir “a aridez da imortalidade”. Contudo, nos finais do século e, sobretudo, no seguinte, o interesse pelo património acabaria por gerar uma consciência patrimonialista conservacionista, i. é., que visa a conservação dos bens culturais e a sua salvaguarda. A visão romântica, privilegiando o efémero, é ultrapassada pela visão positivista que aposta na capacidade da ciência para dominar a matéria e prolongar a vida, tanto dos seres vivos como dos inanimados. Salvaguardar exige conhecimento prévio do objecto de defesa e cuidado. Assim, vemos surgirem as grandes categorias patrimoniais (por sua vez subdivididas, dando lugar a diversas áreas de investigação e intervenção): património cultural material e património cultural imaterial; o primeiro, compreendendo património móvel e património imóvel, o segundo abrangendo lendas, cantares, usos e costumes, música popular, língua, etc. O património imóvel concerne o património construído e parte das obras que estão nele integradas, nomeadamente esculturas, trabalhos de talha e pinturas (murais e 11


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retabulares). O património móvel inclui todos os objectos originais que constituam testemunho de uma actividade humana particular (por ex., artística, artesanal, científica, agrícola). A preservação, o restauro, a recuperação, a reabilitação dos bens patrimoniais geram novos campos de saber especializado, quer ao nível teórico quer ao nível prático. Paralelamente aos que tomam uma atitude puramente conservacionista, há os que desenvolvem uma atitude criativa, tomando o património como ponto de partida para o ensaio de novas linguagens e estéticas. Isto observa-se tanto no restauro como na obra nova, seja ao nível do artesão ou ao nível do artista. Ao longo do séc. XX, a consciência patrimonialista alarga-se e não para de aprofundar-se. Deixa de ser apanágio de um grupo social para se tornar transversal a toda a sociedade, em qualquer continente, e a 2ª Guerra Mundial, responsável pela devastação massiva em muitas das principais cidades europeias, muito contribuiu para a difusão dessa consciência. A criação da UNESCO, em 1946, seguida do aparecimento de outros sub-organismos internacionais especializados, como o ICOM e o ICOMOS, conduziram à produção de suporte teórico, ao debate de ideias, à exigência profissional e ao estabelecimento de regras de intervenção em todas as áreas patrimoniais, bem como ao incentivo à formação das associações de defesa do património e ao desenvolvimento da investigação. A par do legado cultural, resultante da actividade humana, também a natureza é considerada um património que pode ser preservado e explorado para o bem comum ou irreversivelmente delapidado. Assim se define o património natural, compreendendo diversas categorias, objecto de legislação específica para defesa sua e do próprio homem, quando se toma consciência de que a natureza não é apenas o cenário estético em que nos movemos, mas também fonte de todos os recursos vitais. Bens a defender, a usufruir, a explorar de mil maneiras, o património cultural e natural entra a pouco e pouco na Escola (como objecto de estudo para os mais velhos, como objecto de sensibilização para os mais novos) e invade as esferas da governação local e central, já para garantir a sua preservação, já para atrair turismo e financiamento ou, ainda, prestígio e poder. Nos últimos 30 anos, assistiu-se em todo o mundo, a uma verdadeira explosão de iniciativas propatrimoniais que, aliadas ao desenvolvimento e difusão das novas tecnologias da comunicação, bem como ao alargamento do tempo de vida e do ócio, e à necessidade de ocupá-los, conduziram à emergência das novas indústrias do turismo de lazer e do turismo cultural. 12


Adília

Alarcão

Sobre

Património

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dito?

Em ambas, o património histórico (sobretudo o património construído) ocupa um lugar de destaque. Sobre ele centram-se as atenções das entidades patrimoniais e turísticas, de privados especializados nesses sectores, de políticos e governantes, o que levará Marc Guilhaume a dizer, em 1980, que “os governos dos países ocidentais enriqueceram o seu arsenal de propaganda com um novo artifício: a política do património” (Guilhaume, 2003: p. 40). Com tudo o que isso acarreta de bom e de mau, o património usado como maisvalia económica e política deixou de ser apanágio do Ocidente, pois a receita conquistou rapidamente todos os continentes, tornando-se um dos muitos fetiches do mundo global. Quando não alicerçada em bases conceptuais largamente debatidas e experimentadas, a ânsia de proteger, restaurar e rendibilizar (cultural e/ou economicamente) um bem patrimonial pode conduzir aos piores resultados. Aliás, mesmo quando patrimonialmente acertadas, muitas medidas de salvaguarda geram efeitos sociais negativos que, em última análise, se voltam contra o próprio objecto de protecção. Encontram-se exemplos concretos em muitos lugares classificados (em especial aldeias e centros históricos) que a intervenção artificializou, já porque os submeteu a normas de reabilitação e uso padronizadas, já porque conduziu à prática de preços especulativos, determinados pelo estatuto social que o prestígio (bem explorado) do “antigo” traz ao edificado novo (ou renovado). Por consequência, muitos destes lugares acabam por ser abandonados pelos seus naturais entrando em dramática agonia ou pura alienação. Como exprimiu Françoise Choay, numa frase lapidar, “ao tornar-se histórica, a cidade perde a sua historicidade” (Choay, 1992: p. 148). Eu diria que, pelo menos, interrompe brutalmente o seu curso natural. Os efeitos sociais de uma política patrimonialista exagerada, pouco atenta aos hábitos e anseios dos cidadãos facilmente conduz ao que Kevin Walsh chamou a “patrimonialização do espaço” e à destruição do “sentido de lugar” (Walsh, 1992: p. 145), originando os “não lugares” de que hoje tanto se fala. Por seu turno, a globalização amplifica esta perda de identidade, porquanto é sinónimo do suceder simultâneo, da equivalência das ofertas culturais, da uniformidade dos produtos, dos gostos e das emoções, da tirania do “pronto a…”, finalmente, de um certo aborrecimento difuso que embota a sensibilidade do viajante. Como ultrapassar esta realidade de que se tem consciência mas ainda parece estar em curva ascendente? Como contrariar a necessidade mórbida de correr atrás do desconhecido pelo desconhecido, do exótico pelo exótico? 13


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Investir mais em conhecimento e educação, em formas criativas de comunicação e projectos de verdadeira utilidade pública, poderá ser uma resposta adequada. Uma resposta que passa necessariamente pela Escola, a todos os níveis. Sobretudo porque dela saem os decisores políticos, os técnicos que aconselham, que preparam ou aplicam leis e programas, aqueles que concebem os projectos turísticos, os que gerem museus, os que exercem a mediação entre o património e os seus visitantes. A todos compete assegurar que o património não se reduza a objectos e edifícios; aos mediadores, em especial, compete ajudar a descobrir os valores nele contidos. Muitas pessoas entendem que a interpretação do património (móvel ou imóvel) dá dele uma visão sempre mais ou menos distorcida, mas todos sabemos quanto ajuda a usufruir um monumento ou um sítio ou uma colecção, se deles tivermos uma informação inteligente, motivadora. Para tanto é indispensável que os mediadores juntem a uma boa técnica de comunicação, a força da empatia e o exemplo contagiante de quem sabe questionar e responder com paixão. Esse é o sentido da belíssima frase de Julian Spalding, a propósito do papel mediador da instituição museológica: “Hoje os museus são dinossauros; necessitam de evoluir para pássaros” (Spalding, 2002: p. 63).

Bibliografia Choay, F. (1992). L’allégorie du patrimoine. Paris: Ed. Seuil. Couto, M. (1990). Cada homem é uma raça. Lisboa: Ed. Caminho. Guillaume, M. (1980). La politique du patrimoine. Paris: Ed. Galilée. (Trad. port. A política do património. Porto: Campo das Letras. 2003). Lewis, R. W. B. (1955). The american adam. innocence, tradegy and tradition in the nineteenth century. Chicago: University of Chicago Press. Lowenthal, D. (1985). The past is a foreign country. Cambridge: University Press. (Reed. 1986, 1988, 1990, 1993, 1995). Morris, W. (1978). Cause for wonder. Lincoln: University of Nebrasca Press. Spalding, J. (2002). The poetic museum. Reviving historic collections. Munich/London/N. York: Prestel Verlag. Wash, K. (1992). The representation of the past. London/New York: Routledge.

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Adília

Alarcão

Sobre

Património

Correspondência Adília Alarcão Rua do Castelo, 2 3230-085 Espinhal adilia.alarcao@sapo.pt

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N º

t e m á t i c o

Sandra

Carvão

T u r i s m o Tendências

e do

P a t r i m o n i o turismo

internacional

Tendências do turismo internacional Sandra Carvão

Organização Mindial do Turismo - OMT Resumo As perspectivas de futuro do turismo mundial, incluindo a sua contribuição para o desenvolvimento económico e social, são cada vez mais importantes. Existe um volume significativo de procura estimulada pelo aumento do rendimento disponível, das motivações para viajar, do crescimento exponencial dos mercados emergentes acompanhado pelo crescimento continuado dos mercados tradicionais, das mudanças demográficas, sociais e tecnológicas, da diversificação de destinos e da crescente liberalização do sector. O turismo internacional moveu em 2007 quase 900 milhões de turistas (733 mil milhões de dólares de receitas em 2006). As previsões a longo prazo publicadas pela Organização Mundial de Turismo (OMT) indicam que o número de turistas internacionais será de 1.6 mil milhões em 2020, o que implica uma taxa de crescimento anual da ordem dos 4%. A previsão indica que os destinos de África, Ásia e Médio Oriente crescerão a taxas superiores à média, enquanto que as previsões para os destinos mais maduros da Europa e da América são de crescimento menor que a média. Palavras-chave Turismo internacional, Chegadas de turistas internacionais, Receitas por turismo internacional, Tendências de turismo, Previsões de turismo Abstract The future prospects for international tourism, including its contribution to economic and social development, are becoming increasingly important. There is a significant volume of demand stimulated by increasing disposable income, change in travel motivations, the exponential growth of emerging markets accompanied by continued growth in traditional markets, demographic, social and technological changes, the diversification of destinations and the increasing liberalization of the sector. In 2007 there were 900 million international tourist arrivals (733 billion US dollars in international tourism receipts in 2006). The long-term forecast published by the World Tourism Organization (UNWTO) indicates that the number of international tourists will be 1.6 billion by 2020, implying an annual growth rate of around 4%. The forecast indicates that Africa, Asia and the Middle East will grow faster and above the average, while the more mature destinations in Europe and America will grow below the world average. Key-Words International tourism, International tourist arrivals, International tourism receipts, Tourism trends, Tourism forecast

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As perspectivas de futuro do turismo mundial, incluindo a sua contribuição para o desenvolvimento económico e social, são cada vez mais importantes. Existe um volume significativo de procura estimulada pelo aumento do rendimento disponível, das motivações para viajar, do crescimento exponencial dos mercados emergentes acompanhado pelo crescimento continuado dos mercados tradicionais, das mudanças demográficas, sociais e tecnológicas, da diversificação de destinos e da crescente liberalização do sector.

Chegadas de Turistas Internacionais, 2006

Profissionais 16% Laser e férias 51%

VFA, saúde, religiao e outros 27% N.Esp. 6%

Turismo internacional: conceitos e indicadores base Fonte: OMT, 2008

De acordo com o Sistema de Estatísticas de Turismo e as Recomendações Internacionais para as Estatísticas de Turismo de 2008 o turismo define-se como “a actividade de pessoas que viajam para e permanecem em locais fora do seu ambiente habitual de residência por menos de um ano consecutivo por motivos de lazer, negócios ou outro” (ver http:// unstats.un.org/unsd/tradeserv/IRTS%202008%20edited%20whitecover.pdf e http:// www.unwto.org/statistics/sts/description/sts.pdf). De acordo com esta definição é importante ressaltar que o turismo integra motivos diversos como sejam o lazer e as férias, mas igualmente motivos como a visita a familiares e amigos (VFA), motivos profissionais, motivos de saúde ou religião, entre outros. Ao nível internacional, dos cerca de 900 milhões de chegadas de turistas internacionais que 18


Sandra

Carvão

Tendências

do

turismo

internacional

se registam anualmente, apenas cerac de 50% tem como motivação de visita as férias e o lazer, enquanto cerca de 16% viaja por motivos profissionais e 27% por razões de VFA ou outras.

Evolução do turismo internacional: de 25 milhões a quase mil milhões de turistas em 60 anos O turismo internacional moveu em 2007 quase 900 milhões de turistas (733 mil milhões de dólares de receitas em 2006). O turismo internacional é assim, um dos principais sectores de exportação ao nível global, representando cerca de 30% das exportações mundiais de serviços, alcançando mesmo percentagens superiores a 50% em países onde o turismo tem um papel económico muito mais importante como sejam as ilhas. A maioria das chegadas de turistas internacionais verifica-se em destinos da Europa (54%), da Ásia (21%) e da América (15%). E tal como acontece a nível de chegadas de turistas internacionais, as receitas geradas pelo turismo internacional encontram-se igualmente concentradas nos destinos da Europa (51%), da Ásia (20%) e da América (21%), que apesar de representar 15% das chegadas de turistas gera ainda cerca de 21% das receitas.

Distribuição Regional em 2007

Europa 480 milhões 54%

Ásia / Pacifico 185 milhões 21% América 142 milhões 15%

África 44 milhões 5%

Médio Oriente 46 milhões 5%

Fonte: Organização Mundial de Turismo (OMT), Abril 2008

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Criação de Riqueza Receitas de turismo internacional, 2006 733 mil milhões de doláres

Europa 51%

Asia / Pacífico 20%

Médio Oriente 4% África 3% América 21%

2.4 mil milhões de doláres por dia Fonte: Organização Mundial de Turismo (OMT), Abril 2008

É importante realçar que, ao falar de turismo internacional, falamos essencialmente de turismo intra-regional já que a maioria dos turistas internacionais que se registam nas regiões mais visitadas são na verdade resultado do forte mercado intra-regional. Ou seja, a grande maioria das chegadas internacionais registadas na Europa, na Ásia ou na América têm como origem mercados emissores da própria região. Este valor é particularmente importante na Europa onde cerca de 87% das chegadas têm como origem um mercado emissor europeu. Por outro lado, tanto África como o Médio Oriente são significativamente mais dependentes de mercados emissores de fora da sua regiao como o sejam o mercado europeu.

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Sandra

Carvão

Tendências

do

turismo

internacional

Origem do turismo internacional Chegadas de turistas por região de origem, 2006 Europa

87

Ásia/Pacífico

12

78

América

20

73

Médio Oriente

46

África

46 0%

10%

20%

Da mesma região

25

48

52 30%

40%

50%

60%

De outras regiões

70%

80%

90%

100%

Não especificado

Fonte: Organização Mundial de Turismo (OMT), Abril 2008

O turismo é igualmente um dos sectores mais dinâmicos a nível mundial. Entre 1950 e 2007, o turismo internacional, medido em chegadas de turistas internacionais, cresceu a um taxa de 6.5% ao ano, atingindo cerca de 900 milhões. Esta tendência de crescimento foi acompanhada pelo aumento do peso dos destinos asiáticos e a perda de quota por parte de destinos americanos, e em menor medida, dos destinos europeus.

21


exedra • nº temático - Turismo • 2009

Milhões de turistas internacionais Chegadas de turistas internacionais por região de destino, 1950 - 2007* 1,000 900

Médio Oriente

800

África

milhões

700 600

898 milhões

Asia e Pacífico

+6.5% / ano

América Europa

500 400 300

25 milhões

200 100

* 07 20

00 20

90 19

80 19

70 19

60 19

19

50

0

Fonte: Organização Mundial de Turismo (Abril, 2008)

Assim, a Europa passou de uma quota de 58% do total das chegadas de turistas internacionais em 1995 para 54% em 2007, ao mesmo tempo que os destinos asiáticos passam de uma quota de 15% a um total de 22% em 2007, retirando assim a segunda posição como região mais visitada à América, cuja quota do mercado global desceu de 20% em 1995 para 16% em 2007. Neste mesmo período, verificou-se um aumento das quotas de mercado, que são comparativamente muito menos significativas, de África e do Médio Oriente. Esta evolução demonstra como o mercado se tornou mais complexo e competitivo. Os destinos competem hoje em dia a nível mundial. Exemplo desse aumento de competência é o número de destinos que têm vindo a emergir no mercado global. Se, por exemplo, em 1950, os cinco primeiros destinos do mundo em termos de turistas internacionais recebiam cerca de 70% do total de turistas mundiais, em 2006 essa percentagem desceu para apenas 33%, o que significa que cada vez mais destinos lutam, de forma, eficaz, pela atenção dos turistas internacionais. No entanto, cerca 50% das chegadas de turistas internacionais assim como das receitas geradas por turismo internacional ainda se encontram concentradas em dez destinos. Na lista do principais destinos dominam França, Espanha e EUA.

22


Sandra

Carvão

Tendências

do

turismo

internacional

Principais Destinos Mundiais Rec eita s por turismo int., 200 5

Chegadas de turistas int., 2006 França

EUA

79.1

Espanha

Espanha

58.5

EUA

5 1.1

França

China

4 9.6

Itália

Itália

41.1

RU

30.7

Alemanha

8 5.7

47%

23.6

51 .1 42 .9 3 8. 1

China

33 .9

RU

33 .7

A lemanha

32 .8

México

21.4

Au strália

17 .8

Austria

20.3

Turqu ia

1 6.9

Fed. Russa

20.2 0

20

Austria 40

milhões

60

16 .7 0

80

50%

20

40

60

mil milhões de doláres

80

100

Fonte: Organização Mundial de Turismo (Abril, 2008)

Mercados emissores No que se refere aos mercados emissores, a lista é dominada pelos mercados tradicionais da Alemanha, EUA, Reino Unido, França e Japão. Mas merece destaque a posição da China, 6º principal mercado do mundo em termos de gasto turístico no estrangeiro, com 24 mil milhões de dólares gerados em turismo internacional em 2006. É igualmente importante mencionar o crescimento dos mercados emissores emergentes da Rússia e da Republica da Coreia, que ocupam as posições 9ª e 10ª respectivamente na lista dos principais mercados emissores em termos de gastos em turismo estrangeiro.

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exedra • nº temático - Turismo • 2009

Principais Mercados Emissores Gastos em turismo internacional, 2006 Alemanha

74.8

EUA

72.0

RU

63.1

França

32.2

Japão

26.9

China

24.3

Itália

19.1

Canadá

51%

20.5

Fed. Russa

18.8

Rep. da Corea

18.2 0

20

40

mil milhões de doláres

60

80

Fonte: Organização Mundial de Turismo (Abril, 2008)

Igualmente importante no momento de analisar os mercados emissores é analisar os destinos principais de visita dos turistas desse mercado. Este factor é especialmente importante no caso do mercado chinês, que recentemente tem sido considerado como um dos principais mercados emergentes a nível mundial. Se bem se trata de um mercado com um significativo crescimento nos últimos dez anos (quer em número de viagens ao estrangeiro, quer de gasto em turismo internacional), é importante ressaltar que a maioria dos 35 milhões de viagens com origem no mercado chinês têm como destino as regiões administrativas especiais chinesas de Macau e Hong Kong, as quais recebem 70% do total de saídas do mercado chinês.

Perspectivas de longo prazo: as previsões da OMT para 2020 As previsões a longo prazo publicadas pela Organização Mundial de Turismo (OMT) indicam que o número de turistas internacionais será de 1.6 mil milhões em 2020, o que implica uma taxa de crescimento anual da ordem dos 4%. A previsão indica que os destinos de África, Ásia e Médio Oriente crescerão a taxas superiores à média, enquanto que as previsões para os destinos mais maduros da Europa e da América são de crescimento menor que a média.

24


Sandra

Carvão

Tendências

do

turismo

internacional

Chegadas de Turistas Internacionais, 1950-2020 Situação Actual e Previsões Turismo Visão 2020 Actual

Previsões

1,600

milhões

1,400

1.6 bn Médio Oriente

1,200

África

1,000

Asia/Pacífico

800

América

600

Europa

1 bn 898 mn

400 200 0 1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020

Fonte: Organização Mundial de Turismo (OMT), Abril 2008

No que se refere aos principais destinos mundiais, as previsões são de que a China ocupe em 2020 o primeiro lugar como destino mais visitado do mundo, retirando essa posição à França.

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exedra • nº temático - Turismo • 2009

Principais Destinos Mundiais, 2020…. Turistas (million)

Cresc. (%)

130 106 102 74 57 54 52 49 48 44

7.8 2.3 3.5 2.6 7.1 2.1 3.4 3.6 6.8 4.0

País 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

China França EUA Espanha HK (China) RU Itália México Fed. Russa Rep. Checa

Fonte: Organização Mundial de Turismo (OMT), Abril 2008

Apesar destas previsões serem publicadas em finais de 90s (tendo como base de previsão o ano 1995), o desenvolvimento posterior do turismo internacional prova que a longo prazo esta previsão é ainda válida já que a periodos de menor crescimento, como o verificado entre 2001 e 2003, seguem-se períodos de crescimento acima da média como tem sido o caso da curva de crescimento entre os anos 2004 e 2007 (+4.4% ao ano).

26


Sandra

Carvão

Tendências

do

turismo

internacional

Tendência Actual vs. Previsões Turismo Visão 2020 Mundo 1,800

International Tourist Arrivals

Prev isões Turismo Visão 2020 Tendência Actual 1995-2007

1,600 1,400 1,200

1.0 mil m.

1,000

milhões

1.6 mil m.

898 m.

800 600 400

536 m.

200 0 1995

2000

2005

2010

2015

2020

Fonte: Organização Mundial de Turismo (OMT), Abril 2008

No que se refere às previsões efectuadas para os destinos turísticos individuais verifica-se, no entanto, que o desenvolvimento actual varia de forma mais significativa face às previsões iniciais. De entre os pincipais destinos para 2020, destacam destinos como Espanha, Itália, França, Rússia ou Hong Kong (China) que cresceram àté á data por cima das previsões. Pelo contrário, destinos como os EUA, o México ou o Canadá (estes dois últimos com grande dependência do mercado emissor dos EUA), apresentam um crescimento muito menor que o previsto.

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exedra • nº temático - Turismo • 2009

Tendência Actual vs. Previsões Turismo Visão 2020 Principais Destinos Mundiais 12

Chegadas de Turistas Internacionais Previsões Turismo Visão 2020

10

Variação (%)

8

Tendência Actual 1995-2006 7.8

8.6 6.8

6

7.3

7.1 7.2

4.8 2.3 2.5

4

3.5 2.6 1.5

2

2.1

2.6

3.4 3.2

3.6

3.6

0.7

0.5 0

China

França

EUA

Espanha

Itália

RU

México

Fed. Russa

HK Canadá (China)

Fonte: Organização Mundial de Turismo (OMT), Julho 2008

Tendências globais com impacto no turismo internacional

- Economia: O crescimento económico é um dos factores que maior impacto tem no desenvolvimento do turismo internacional. Em geral, o crescimento das chegadas de turistas internacionais segue a tendência que se verifica ao nível do crescimento económico mundial (PIB). É por importante para seguir o desenvolvimento do turismo internacional, seguir de perto todos os indicadores económicos globais como o crescimento do PIB, as taxas de câmbio, as taxas de juro, ou a inflação. - Demografia: No que se refere às tendências ao nível demográfico há que considerar três aspectos principais que devem ter-se em conta em termos de planeamento estratégico de marketing e desenvolvimento de produto: •

O envelhecimento da população e o consequente aumento dos turistas sénior. Neste âmbito, é importante ter em conta que o actual segmento sénior não é, e não se comporta, no entanto como os seniores da geração anterior;

A mudança na composição das famílias com o aumento do número de solteiros, de famílias monoparentais e de agregados familiares alargados com a incorporação de avós;

O aumento dos fluxos migratórios que tem levado a um aumento significativo do tráfego de turistas por motivos de visitas a familiares e amigos (esta tendência tem sido ainda favorecida pela expansão das companhias low cost e consequente diminuição do custo

28


Sandra

Carvão

Tendências

do

turismo

internacional

do transporte aéreo).

- Tecnologia: O desenvolvimento tecnológico tem influenciado o sector do turismo de uma forma sem paralelo noutros sectores. A expansão das tecnologias da informação e comunicação (TICs) no sector trouxe uma nova dimensão ao mercado global das viagens. Permitiu ao cliente ter acesso a serviços que antes não tinha e como tal este paasou a ter maior domínio do processo de decisão e compra. As TICs estão hoje em todas as etapas do processo desde a procura de informação até à partilha das recordações de viagens, possível através do desenvolvimento da Web 2.0. - Sustentabilidade: Existe uma crescente consciência ambiental que se reforçou ainda mais no seguimento dos debates sobre a mudança climática. Apesar de que, de momento, a maioria dos consumidores ainda não incorpora estas preocupações na sua decisão de compra, é um facto que entre duas ofertas muito semelhantes o factor sustentabilidade pode ser um valor acrescentado e determinar a competitividade do produto. Mais importante ainda é a crescente consciência de turistas, gestores de destinos e empresas no que se refere à incorporação de práticas de desenvolvimento sustentável na actividade turística. - Segurança: O turismo tem sofrido nos últimos anos um número crescente de ameaças (terrorismo, ameaças sanitárias e desastres naturais), factores que levaram a um aumento da preocupação pela segurança e à implementação de medidas de segurança que contrariam de alguma forma a tendência anterior de uma crescente facilitação das viagens (não significa que esta não continue a existir como prova o caso do espaço Schegen e outros). - Parcerias público-privado: Outra tendência com impacto directo no sector do turismo tem sido o aumento da cooperação público-privado em áreas como o desenvolvimento de produto, marketing, vendas e gestão de destinos. - Mercados emergentes: O crescimento da economia mundial tem sido nos últimos anos resultado do forte desenvolvimento dos mercados emergentes como a Índia, a China e a Rússia. Este crescimento levou ao aumento da classe média com poder de compra e rendimento disponível para viajar, numa primeira fase dentro do seu país, numa segunda fase na sua região e posteriormente noutras regiões. Esta tendência é particularmente clara nos mercados emissores asiáticos. - Transporte: A área do transporte, e em particular no que se refere ao transporte aéreo, mudou significativamente nos últimos anos o panorama do turismo internacional. A crescente liberalização do transporte aéreo e a expansão das companhias aéreas low cost levou a uma diminuição significativa do custo das 29


exedra • nº temático - Turismo • 2009

viagens aéreas, factor que impulsionou o aumento de short-breaks e alterou padrões de consumo. - Consumidor: Todas as tendências anteriores mudaram o comportamento do consumidor que é hoje em dia ‘hiper-informado’ e sabe o que quer e como o pode obter da melhor forma.

Um novo consumidor  De um mercado de produtores a um mercado de consumidores  Maduro e experiente que sabe o que quer e o que pode conseguir  Busca flexibilidade e conveniência  Menos fiel

Tendências de consumo turístico: novos produtos, novos destinos, novas técnicas de marketing, novo consumidor... O mercado turístico está em constante mudança. Várias tendências podem ser identificadas. De entre elas destacam-se: •

o aumento das comunidades: comunidades de interesses, de actividades e comunidades online;

o crescente nível de especialização quer da procura, quer consequentemente da oferta;

a procura do bem estar, quer físico com o desenvolvimento da procura/oferta de productos wellness, quer psicológico, de que se são exemplo os retiros de yoga;

a procura da complementaridade que se verifica em todas as opções de viagens (e.g. férias de praias complementadas com actividades de natureza, etc);

o aumento das viagens “tailor-made” facilitadas pelo conhecimento do consumidor e a facilidade dada por Internet de comprar serviços diversos e compor o próprio

30


Sandra

Carvão

Tendências

do

turismo

internacional

“package”; •

a procura do autêntico e a recusa do artificial levam ao desenvolvimento de destinos novos e produtos em que o consumidor pode ter acesso a produtos autênticos da cultura local como o sejam a gastronomia;

o novo luxo: o conceito de luxo tem vindo a mudar. Luxo mais que uma limusina, um hotel de 5* e um restaurante sofisticado é o acesso a algo que é único e exclusivo;

o melhor de dois mundos, em que se combina por exemplo um safari em África com a melhor oferta de alojamento;

conhecimento: tal como há uma procura crescente por uma experiência autêntica do/s destino/s, existe igualmente uma procura crescente de experiências que representem para o turistas uma possibilidade e aumentar e expandir os seus conhecimentos;

em suma, o consumidor já não procura um produto, mas sim uma expêriencia em todas as suas componentes (visão holística).

Bibliografia Organização Mundial de Turismo, UNWTO. Tourism highlights 2007. Madrid: OMT, http://unwto.org/facts/menu.html. Organização Mundial de Turismo, UNWTO. World tourism barometer. Madrid: OMT, http://unwto.org/facts/menu.html (números anteriores disponíveis online). Organização Mundial de Turismo. Tourism market trends, world overview and topics, 2006 Ed. Madrid: OMT. Organização Mundial de Turismo. Tourism 2020 vision. Madrid: OMT. Organização Mundial de Turismo. Tourism 2020 vision, Europe. Madrid: OMT.

Correspondência Sandra Carvão Capitan Haya, 42 28020 Madrid scarvao@unwto.org

31


exedra • nº temático - Turismo • 2009

32


N º

t e m á t i c o

Vítor

Ambrósio

-

T u r i s m o

Turismo

religioso

e

P a t r i m o n i o construção

de

itinerários

Turismo religioso – construção de itinerários Vítor Ambrósio

Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril

Resumo O artigo explora um itinerário turístico para um grupo de peregrinos estrangeiros em território nacional, servindo de base para a compreensão e reflexão sobre a necessária articulação entre os itinerários turísticos e as especificidades de certos grupos de turistas. No itinerário/programa relevam-se: as técnicas necessárias para a construção de um itinerário turístico; a identificação e a selecção dos prestadores de serviços; a orçamentação dos serviços que compõem um pacote turístico. Palavras-chave Turismo religioso, Programa/itinerário

Abstract The article explores a tourist itinerary in Portugal for a group of foreign pilgrims. The proposed itinerary is the basis for understanding and reflecting on the close interrelationship between the tourist routes and the characteristics of specific tourist segments. The proposed itinerary/program covers: the techniques needed for designing a tourist itinerary; the identification and selection of service providers; the budgeting of services comprised in the package. Key-words Religious tourism, Program/itinerary 33


exedra • nº temático - Turismo • 2009

Introdução e metodologia O itinerário turístico/programa a propor tem como pressuposto o pedido de um operador turístico germânico a uma agência de viagens nacional de incoming. A resposta ao solicitado deve ter em conta as especificidades do grupo, as suas necessidades, durante a estada em Portugal, e o orçamento/preço final a ser apresentado em pax1/DBL e em pax/SGL. No que respeita às informações fornecidas (por parte do operador alemão), sabe-se que se trata de um grupo fechado constituído por 33 católicos (os participantes conhecemse mutuamente), liderados pelo padre da sua paróquia. Chegarão ao aeroporto de Lisboa, no dia 07 de Outubro de 2009, no voo TP553, proveniente de Munique (Alemanha), às 08H25, e partirão do mesmo aeroporto, no dia 13 de Outubro de 2009, no voo TP552, com destino a Munique (Alemanha), às 19H05. Pretendem: ser acompanhados por um guia-intérprete nacional, desde a chegada até à partida; ter o mesmo autocarro e motorista durante todo o programa; ficar alojados 02 noites em Lisboa e 04 em Fátima, em hotéis de 3 estrelas, contemplando 10 duplos/ twins (TWN), 04 duplos/doubles (DBL) e 05 individuais/singles (SGL); viajar em regime de pensão completa/full board (FB); conhecer o património natural e construído, nas áreas de abrangência de Lisboa e Fátima, considerando no preço final os ingressos dos locais a visitar; prever a reserva de espaços/igrejas para celebrar, diariamente, o serviço religioso (de preferência em templos com um significado espiritual específico); recitar o terço todos os dias (contabilizar cerca de meia hora e, quando possível, aproveitando as viagens em autocarro); participar nas cerimónias de 12/13 de Outubro. Tendo por base os itens acima listados, construiu-se um itinerário que observasse tanto as exigências dos clientes como os aspectos técnicos inerentes a este tipo de viagens, como seja um comfort stop, no mínimo, de duas em duas horas. Cada dia de itinerário/programa é apresentado com a descriminação do horário, respeitando os cálculos necessários para estabelecer os tempos de trajecto em autocarro, deslocações a pé, visitas de monumentos, almoços, entre outros.

34


Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

construção

de

itinerários

Descrição diária do itinerário/programa para um grupo organizado de peregrinos estrangeiros 1.º Dia (quarta-feira) – Cristo-Rei e Lisboa Ocidental (Belém)

08H25/09H25 – Chegada ao Aeroporto da Portela do Voo TP553 (Munique/Lisboa) e formalidades de Desembarque. 09H25/10H00 – Trajecto Aeroporto/Hotel Roma. 10H00/10H30 – Check-in no Hotel Roma. 10H30/11H00 – Trajecto Hotel Roma/Cristo-Rei. 11H00/12H00 – Paragem no Cristo-Rei (vista panorâmica) e Celebração Religiosa.

Cristo-Rei (Lisboa) 12H00/12H30 – Trajecto Cristo-Rei/ Belém – Restaurante Caseiro. 12H30/14H00 – Almoço. 14H00/14H15 – Trajecto Restaurante/Torre de Belém. 14H15/14H30 – Paragem na Torre de Belém. 14H30/14H35 – Trajecto Torre de Belém/Padrão dos Descobrimentos. 14H35/14H50 – Paragem no Padrão dos Descobrimentos. 14H50/15H00 – Deslocação até ao Mosteiro dos Jerónimos. 15H00/15H45 – Visita da Igreja e Claustros do Mosteiro dos Jerónimos. 15H45/16H00 – Deslocação até ao Museu dos Coches. 16H00/16H30 – Visita do Museu dos Coches. 16H30/16H45 – Deslocação até aos Pastéis de Belém.

Torre de Belém (Lisboa)

Mosteiro dos Jerónimos (Lisboa)

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Padrão dos Descobrimentos (Lisboa)


exedra • nº temático - Turismo • 2009

16H45/17H30 – Comfort Stop nos Pastéis de Belém (com reserva de mesas).

Pastéis de Belém (Lisboa)

17H30/18H00 – Trajecto Belém/Hotel. 19H30/20H00 – Recitação do Terço (em sala reservada no hotel para o efeito). 20H00 - Jantar no Hotel.

Hotel Roma (Lisboa)

2.º Dia (quinta-feira) – Lisboa Oriental e Sintra/Cabo da Roca/Cascais

08H30/09H00 - Panorâmica de Lisboa (Av. da Liberdade/ Rossio/Praça do Comércio/Largo do Chafariz de Dentro). 09H00/09H20 – Visita de Alfama (subindo em direcção ao Castelo). 09H20/09H30 – Paragem no Miradouro das Portas do Sol.

Alfama (Lisboa)

36


Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

construção

de

itinerários

09H30/09H45 – Deslocação até ao Castelo de São Jorge. 09H45/10H30 – Visita do Castelo de São Jorge e Comfort Stop.

Vista do Castelo de São Jorge (Lisboa)

10H30/10H45 – Deslocação até à Sé de Lisboa. 10H45/11H10 – Visita da Sé de Lisboa (com destaque para a Capela Baptismal onde se crê que terá sido baptizado Santo António).

Sé (Lisboa)

11H10/11H15 – Deslocação até à Igreja de Santo António. 11H15/12H15 – Visita da Igreja, da Cripta (lugar de nascimento do Santo) e Celebração Religiosa.

Igreja Santo António(Lisboa)

12H15/12H30 – Deslocação até o Restaurante Leão d’Ouro, ao Rossio (atravessando a Baixa Pombalina). 12H30/14H00 – Almoço. 14H00/14H45 – Trajecto Rossio/Sintra.

Rossio (Lisboa)

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exedra • nº temático - Turismo • 2009

14H45/15H45 – Visita do Palácio da Vila e Comfort Stop (possibilidade para provar a doçaria típica: queijadas e travesseiros).

Palácio da Vila (Sintra)

15H45/16H25 – Trajecto Sintra/Cabo da Roca. 16H25/16H45 – Paragem no Cabo da Roca (oportunidade para obter o Diploma que certifica ter estado no ponto mais ocidental da Europa Continental).

Cabo da Roca (Sintra)

16H45/17H15 – Trajecto Cabo da Roca / Cascais (com passagem pelo Guincho). 17H15/17H30 – Paragem para fotos junto à Cidadela. 17H30/18H30 – Cascais/Hotel (via Av. Marginal).

Vista da Cidadela (Cascais)

19H30/20H00 – Recitação do Terço (em sala reservada no hotel para o efeito). 20H00 – Partida para Nocturna de Fados. 20H00/20H30 – Panorâmica de Lisboa à Noite e trajecto até ao Bairro Alto (Largo Trindade Coelho). Praça do Comércio (Lisboa)

38


Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

construção

de

itinerários

20H30/20H45 – Deslocação até à Casa de Fados Adega Machado. 20H45/23H15 – Jantar com animação de Fados e Folclore. 23H15/23H30 - Deslocação da Casa de Fados Adega Machado até ao Largo Trindade Coelho. 23H30/24H00 – Trajecto Bairro Alto/Hotel. Noite de Fados (Lisboa)

3.º Dia (sexta-feira) - Óbidos, Santarém, Tomar e Fátima

08H30/09H30 – Trajecto Lisboa/Óbidos. 09H30/10H30 – Visita de orientação e tempo livre em Óbidos.

Vila de Óbidos (Óbidos)

10H30/11H15 – Trajecto Óbidos/Santarém. 11H15/11H30 – Deslocação até à Igreja de Santo Estêvão (Santíssimo Milagre). 11H30/12H30 – Visita e Celebração Religiosa. 12H30/12H45 – Deslocação até ao Restaurante Taberna do Quinzena. 12H45/14H15 – Almoço. 14H15/15H30 – Passeio em Santarém (incluindo a visita das Portas do Sol, Igreja da Graça, Igreja de Marvila, a passagem pela Torre das Cabaças, Igreja de São João de Alporão, Sé e Mercado Municipal).

Igreja Santíssimo Milagre (Santarém)

Vista das Portas do Sol (Santarém)

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exedra • nº temático - Turismo • 2009

15H30/16H30 – Trajecto Santarém/Tomar. 16H30/17H45 – Visita do Convento de Cristo e Comfort Stop. Convento de Cristo (Tomar)

17H45/18H30 – Trajecto Tomar/Fátima - Cova da Iria (com recitação do terço). 18H30/18H45 – Paragem no topo da esplanada do Santuário (explicação sucinta sobre o significado e localização dos recursos com significado religioso). Santuário de Fátima (Fátima/ Ourém)

18H45/19H00 – Deslocação até ao Hotel. 19H00/19H15 – Check-in no Hotel Cinquentenário. 19H45/21H00 – Jantar no Hotel. 21H30/22H30 – Rosário e Procissão das Velas. Hotel Cinquentenário (Fátima/ Ourém)

4.º Dia (sábado) - Fátima

08H30/10H30 – Via-Sacra (em oração), incluindo paragem nas XV Estações, na Capela de Santo Estêvão, nos Valinhos e na Loca do Anjo.

Valinhos (Fátima/Ourém)

40


Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

construção

de

itinerários

10H30/11H00 – Deslocação dos Valinhos até Aljustrel (localidade onde viveram os pastorinhos) e Comfort Stop. 11H00/12H00 – Visita da Casa de Francisco e Jacinta Marto, da Casa de Lúcia dos Santos e do Poço do Arneiro. Poço do Arneiro (Fátima/Ourém)

12H00/12H15 – Trajecto Aljustrel/Fátima (a velha). 12H15/12H45 – Visita da Igreja Paroquial e do Cemitério (onde estiveram sepultados Francisco e Jacinta). 12H45/13H00 – Trajecto Fátima/Cova da Iria. 13H00/14H30 – Almoço no Hotel. 15H00/16H00 – Missa na Capelinha das Aparições.

Igreja Paroquial (Fátima/Ourém)

Capelinha Ourém)

das

Aparições

(Fátima/

16H00/18H30 – Tempo Livre (possibilidade de comprar e benzer objectos religiosos). 18H30 - Rosário na Capelinha das Aparições. 19H45/21H00 – Jantar no Hotel. 21H30/22H30 – Rosário e Procissão das Velas.

Pagamento de Promessas (Fátima/Ourém)

41


exedra • nº temático - Turismo • 2009

5.º Dia (domingo) – Coimbra

08H00/09H15 – Trajecto Fátima/Coimbra. 09H15/10H15 – Visita e Celebração Religiosa na Igreja do Carmelo de Santa Teresa (última morada da Irmã Lúcia). 10H15/10H30 – Trajecto Carmelo/Universidade. Igreja do Carmelo (Coimbra)

10H30/11H45 – Comfort Stop e Visita da Universidade (Biblioteca, Capela de São Miguel e Sala dos Capelos). 11H45/12H00 – Deslocação até à Sé Velha.

Universidade (Coimbra)

12H00/12H20 – Visita da Sé Velha. 12H20/12H45 – Deslocação até ao Restaurante Dom Pedro. 12H45/14H15 – Almoço. 14H15/14H30 – Deslocação até à Igreja de Santa Cruz. 14H30/15H00 – Visita da Igreja e Claustros de Santa Cruz. Sé Velha (Coimbra)

Igreja Santa (Coimbra)

Cruz

15H00/15H30 – Trajecto Igreja de Santa Cruz/Igreja de Santo António dos Olivais (local onde o Santo terá vivido como eremita). 15H30/16H00 – Visita da Igreja de Santo António dos Olivais. 16H00/16H15 – Trajecto Santo António dos Olivais/ Igreja de Santa Clara-a-Nova. Igreja Santo (Coimbra)

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António

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Olivais


Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

16H15/17H00 - Visita da Igreja de Santa Clara-a-Nova (destaque para a urna que contém o corpo da Rainha Santa Isabel) e Comfort Stop. 17H00/18H15 - Trajecto Coimbra/Fátima (com recitação do terço). 19H45/21H00 – Jantar no Hotel. 21H30 – Procissão das Velas e do Santíssimo (às quintas).

construção

Igreja Santa (Coimbra)

6.º Dia (segunda-feira) - Alcobaça, Nazaré e Batalha

09H00/09H30 – Trajecto Fátima/Batalha. 09H30/10H30 – Visita do Mosteiro da Batalha e Comfort Stop. 10H30/11H15 – Trajecto Batalha/Nazaré (Sítio).

Mosteiro da Batalha (Batalha)

11H15/12H00 – Visita e Celebração Religiosa na Igreja da Nossa Senhora da Nazaré. 12H00/12H20 – Visita da Ermida da Nossa Senhora da Nazaré e tempo livre para fotos. 12H20/12H45 – Deslocação/Trajecto no Ascensor até à Praia. 12H45/14H45 – Almoço no Restaurante São Miguel e tempo livre.

Vista do Sítio (Nazaré)

43

de

itinerários

Clara-a-Nova


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14H45/15H15 – Trajecto Nazaré/Alcobaça. 15H15/16H15 – Visita do Mosteiro de Alcobaça e Comfort Stop.

Mosteiro de Alcobaça (Alcobaça)

16H15/17H15 – Trajecto Alcobaça/Fátima (com recitação do terço). 19H45/21H00 – Jantar no Hotel. Celebrações nocturnas de 12/13 de Outubro.

Celebrações Nocturnas (Fátima/Ourém)

7.º Dia (terça-feira) - Cerimónias de 13 de Outubro

Cerimónias de 13 de Outubro (Fátima/ Ourém)

Cerimónias de 13 de Outubro (Fátima/Ourém)

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Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

construção

de

itinerários

Toda a Manhã Celebrações de 13 de Outubro. 13H30/15H00 Almoço no Hotel. 15H30/16H45 – Trajecto Fátima/ Aeroporto da Portela. 16H45/17H30 – Check-in no Voo TP552 (Lisboa / Munique). 19H05 – Partida do Voo TP552. Fim dos Serviços. Cerimónias de 13 de Outubro (Fátima/Ourém)

Cerimónias de 13 de Outubro (Fátima/Ourém)

Cerimónias de 13 de Outubro (Fátima/Ourém)

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exedra • nº temático - Turismo • 2009

Propostas de orçamentação O itinerário turístico/programa proposto respeita integralmente o pedido feito pelo operador alemão, nomeadamente, ao nível do alojamento (duas pernoitas em Lisboa e quatro em Fátima, em hotéis de 3 estrelas), viajar em regime de pensão completa/ full board (FB), conhecer o património natural e construído, nas áreas de abrangência de Lisboa e Fátima, a reserva de espaços/igrejas para celebrar, diariamente, o serviço religioso (de preferência em templos com um significado espiritual específico), recitar o terço todos os dias (contabilizar cerca de meia hora e, quando possível, aproveitando as viagens em autocarro), participar nas cerimónias de 12/13 de Outubro. No que respeita ao orçamento, a apresentar ao agente alemão, deverão contemplarse todas as prestações de serviços, desde o momento em que o grupo chega a Portugal, até ao momento em que deixa o país, uma vez que as reservas das passagens aéreas serão feitas pelo operador alemão. Retomando o programa, tem de se equacionar a lista dos prestadores de serviços, a contactar, e anotar os respectivos honorários/pagamentos a efectuar pela obtenção dos serviços requeridos. No pacote em questão tem de se somar: o preço do autocarro (incluindo neste as portagens e as despesas do motorista); os honorários do guia e respectivas despesas; as refeições nos diferentes restaurantes; os ingressos nos monumentos. O resultado, atrás obtido, é dividido pelo número de participantes, no caso apresentado, trinta e três, adicionando-se, diferenciadamente, o preço dos hotéis/por pax – ou seja, tendo em conta se o alojamento é em SGL (preço unitário), ou em DPL/TWN (preço a ser dividido por duas pessoas). Já sabendo qual o preço por pax em DPL e em SGL, acrescenta-se a comissão da agência nacional e envia-se o orçamento ao operador alemão. No caso de este sugerir hipóteses para a redução do preço final, a solução mais indicada é propor que os programas do segundo, quinto e sexto dia sejam vendidos como excursões independentes/opcionais. Assim sendo, estipulava-se um preço de base para o programa do primeiro, terceiro, quarto e sétimo dia, podendo o cliente completar o pacote consoante os seus interesses e disponibilidade financeira.

Discussão/sumário A partir da exposição feita e considerando a construção de itinerários/programas, por parte de agentes de viagens, pode afirmar-se que estes operacionais têm de possuir os instrumentos e conhecimentos necessários que lhes permitam a conceptualização de 46


Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

construção

de

itinerários

diferentes tipos de itinerários, indo de encontro aos desejos expressos pelos clientes. Neste processo é indispensável privilegiar os aspectos relacionados com a análise crítica dos itinerários existentes no mercado, de forma a apresentar propostas com valor acrescido. No que respeita aos desafios da concorrência, é imprescindível apresentar orçamentos competitivos, devendo estes salvaguardar o correcto levantamento e selecção dos prestadores de serviços, privilegiando-se, sempre que possível, a qualidade.

Bibliografia Imagens Alfama (Lisboa). Consultado em 27 de Julho de 2007, http://www.visitportugal.com/ NR/exeres/C34F3EB3-7674-4C64-87AF-0283CF12EC73,frameless.htm?page= 2&size=10&order=2&level=2&parentGuid=%7B541198BF-8A72-42AD-AA0DAAE555B23EA6%7D. Cabo da Roca (Sintra). Consultado em 27 de Julho de 2007, http://www.forolibre.net/ foro/showthread.php?t=43179&page=2. Capelinha das aparições (Fátima/Ourém). Consultado em 28 de Julho de 2007, http:// www.cimfc.org/conv2007/images/appchap.jpg. Celebrações Nocturnas (Fátima/Ourém). Consultado em 28 Julho de 2007, http://www. rt-leiriafatima.pt/fatima.php. Cerimónias de 13 de Outubro em Fátima/Ourém [em baixo à dir.]. Consultado em 28 Julho de 2007, http://www.santuario-fatima.pt/portal/. Cerimónias de 13 de Outubro em Fátima/Ourém [em baixo à esq.]. Consultado em 28 Julho de 2007, http://www.santuario-fatima.pt/portal/. Cerimónias de 13 de Outubro em Fátima/Ourém [em cima à esq.]. Consultado em 28 Julho de 2007, http://www.santuario-fatima.pt/pic/1835_13maioandor_4465f7607a71 e.jpg. Cerimónias de 13 de Outubro em Fátima/Ourém [em cima à dir.]. Consultado em 28 Julho de 2007, http://fotos.sapo.pt/novatavaria/pic/00018kke/. Cerimónias de 13 de Outubro em Fátima/Ourém [em baixo]. Consultado em 28 Julho de 2007, http://fatimacidade.blogs.sapo.pt/arquivo/2005_05.html. Convento de Cristo (Tomar). Consultado em 25 Julho de 2007, http://www.7maravilhas. sapo.pt/imagens/mon05/img01.jpg Cristo-Rei (Almada). Consultado em 27 Julho de 2007, http://galeota.wordpress.

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Vítor

Ambrósio

Turismo

religioso

construção

de

itinerários

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Notas 1 Designação de pessoa no âmbito do mercado turístico.

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Correspondência Vítor Ambrósio Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril Av. Condes de Barcelona 2769-510 Estoril vitor.ambrosio@eshte.pt

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N º

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Nuno Martins & Claudia Costa • Património, paisagens culturais, turismo, lazer e desenvolvimento sustentável

Património, paisagens culturais, turismo, lazer e desenvolvimento sustentável. Parques temáticos vs parques patrimoniais Nuno Martins

Escola Superior Artística do Porto (ESAP) APD-PPM, Associação de Projecto e Desenvolvimento do Parque Patrimonial do Mondego. Cláudia Costa

APD-PPM, Associação de Projecto e Desenvolvimento do Parque Patrimonial do Mondego. Gabinete de investigação em Geografia da Saúde, Departamento de Geografia - Universidade de Coimbra Resumo O artigo foca algumas diferenças entre os conhecidos Parques Temáticos e os chamados Patrimoniais, estabelecendo critérios que facilitem a compreensão da dicotomia em jogo. A discussão terá como marco de referência os novos paradigmas económicos, sociais e ambientais– bem como a experiência, em curso, de concepção de um parque patrimonial (PP) em Portugal. Como conclusão, reinvindicam-se os PP’s como instrumentos de projecto e gestão do território adequados a um desenvolvimento sustentável. Palavras-chave Parques temáticos, Parques patrimoniais, Industrias do entretenimento, Património cultural, Paisagens culturais, Turismo cultural Abstract The aim of the research is to clarify the differences between well known theme parks and so-called heritage parks, by establishing criteria to understand the dichotomy. The discussion will take place in a framework of new social, economical as well as the environmental paradigms and will have as reference the own experience, in progress, of the conception of one heritage park. As main conclusions we can confirm that heritage parks are appropriate instruments for sustainable development and landscape management.Keywords Key-Words Theme parks, Heritage parks, Entertainment industries, Cultural heritage, Cultural landscapes, Cultural tourism 51


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1. Introdução Habituada a lucros astronómicos, à medida que afloraram os primeiros sinais de saturação do mercado, a indústria do entretenimento, dominada pelas grandes corporações, começou a dar sinais de mudança nas estratégias adoptada para os chamados parques temáticos. De facto, durante largo período, sobretudo a partir da década de cinquenta os parques temáticos tornaram-se um produto sem rival no mercado do lazer, espécie de fonte inesgotável de lucros. Os anos noventa haveriam de trazer, contudo, uma aparentemente imprevista perda de público e consequente quebra acentuada de receitas, a qual chegou a colocar em causa a viabilidade económico-financeira de parques emblemáticos, como os da Disney. O caso talvez mais mediático, foi o da Eurodisney-Paris, envolvido em processos de despedimento em larga escala e para o qual chegou mesmo a equacionar-se o encerramento definitivo. Face a este cenário ameaçador as majors não tardaram em reagir, abrindo novos parques com temas novos, ou reformulando os antigos, procurando, sem prejuízo da tónica colocada no divertimento, aproximar ambos das culturas locais e dos respectivos valores patrimoniais das comunidades onde se inserem. Esta inflexão táctica parece estar a dar os resultados esperados, tendo permitido relançar os parques de primeira geração e a afirmar, mais ou menos rapidamente, novos parques. Malgrado o êxito financeiro alcançado, cabe dizer, do ponto de vista sociocultural, que este habilidoso piscar de olhos ao património não consegue ocultar a assimetria latente entre parques temáticos e os chamados parques patrimoniais, estes sim firmemente vinculados aos recursos patrimoniais locais. Constata-se com demasiada frequência que aos olhos dos cidadãos (local ou turista, nacional ou estrangeiro, estudantes e até mesmo professores) parques temáticos e parques patrimoniais tendem a confundir-se, como se se tratassem do mesmo tipo de espaços de ócio. Talvez esta confusão se deva às semelhanças de nomenclatura e à inexistência de regimes jurídicos próprios. Importa, portanto, clarificar esta diferença entre um e outro tipo de parque, estabelecendo critérios que de futuro facilitem o discernimento da dicotomia que, defendemos, estar aqui em jogo. Procurando abrir caminho nesta abordagem comparativa, pesquisam-se, dentro do quadro europeu, padrões de distribuição geográfica de ambos tipos de parques, ao mesmo tempo que se assinalam os diferentes impactos associados, sobretudo os impactos ambientais e socioculturais adversos. Adicionalmente, colocam-se um conjunto de questões às quais se pretenderá dar resposta neste artigo: os parques temáticos e os parques patrimoniais apresentam-se 52


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com os mesmos critérios de sustentabilidade? Há um preço a pagar pelo êxito económico dos parques temáticos? Os parques patrimoniais apresentam-se como alternativas sustentáveis de revalorização ambiental e revitalização socioeconómica das paisagens culturais? Enunciados os objectivos e temas que irão ser discutidos na presente investigação, resta acrescentar que esta discussão se fará à luz dos novos paradigmas – económicos, sociais, ambientais e institucionais e que terá como referência a experiência prática, própria, e em curso, da concepção e promoção de um parque patrimonial fluvial na região centro de Portugal. Como conclusão, reivindicam-se, em detrimento dos parques temáticos, os parques patrimoniais como instrumentos de projecto e gestão do território adequados ao desenvolvimento sustentável. Esta opção reveste-se de particular importância quando se trata de intervir em territórios com determinadas especificidades: forte interioridade e grande afastamento de áreas metropolitanas; presença notável de valores patrimoniais; paisagens dotadas de grande valor cénico ou de conjuntos de vestígios históricos relacionados com antigas actividades laborais; áreas que apresentam acentuado declínio social e económico e onde coexistam áreas de mais forte sensibilidade ambiental; e, sobretudo, aqueles territórios onde todos estes rasgos acima enunciados coincidam e se acumulem. Estes territórios, ou paisagens culturais, apresentam-se como especialmente vocacionados para a implementação de parques patrimoniais.

2. Dois tipos de parques; definição e conceitos 2.1. Parques temáticos Ainda que os primeiros exemplos datem do fim do século do XIX, e se situem nos Estados Unidos, é comum ler-se que o primeiro parque temático propriamente dito abriu ao público na Califórnia, em 1955 e foi mesmo o paradigmático Disneyland. Desde então, a indústria dos parques temáticos tem tido um crescimento exponencial tanto nos EUA como em todo o mundo, tanto em número de novos parques como no número de visitantes (Clavé, 1999). Os parques temáticos são empreendimento de grande escala que utilizam temas diversos, ancorados no imaginário colectivo, adoptando como estratégia de mercado o estímulo da actividade turística. Por norma estes parques são concebidos com base num conceito que conjuga a fantasia e a ilusão de um novo mundo. Observa-se também que estes parques apostam numa forte identidade corporativa e implantam-se em áreas extensas e bem delimitadas, na qual “a realidade deve parecer um sonho e o sonho realidade” (Dybedal & Engebretsen, 1996; Zuchi & Barleto, 2002). Assim, a partir 53


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de uma temática singular, os parques temáticos convidam o visitante a uma fuga da rotina através de uma viagem virtual a um mundo imaginário ou a um cenário histórico cuidadosamente recriado, sempre a pensar nas crianças, o seu principal público -alvo. A implementação de um parque temático começa, porém, na caracterização social, económica, urbanística e comercial, da cidade e região onde pretende construir-se já que uma boa localização é um factor crítico (Clavé, 1999). Segue-se, como em qualquer investimento, a análise da viabilidade económico-financeira e jurídica do projecto e, posteriormente, a compra de equipamentos, funcionalmente sofisticados e fazendo uso de tecnologia de ponta; quase sempre importados, (Zuchi & Barleto, 2002). Tendo em conta o enorme fluxo de visitantes que suscitam, os parques temáticos exigem serviços e infra-estruturas, contribuindo deste modo para o incremento das vias de circulação e infra-estruturação do espaço público na sua envolvente, como contrapartidas para o licenciamento. Diversos são os factores a ter em consideração na hora de decidir a instalação de um parque temático (Luque, 2004). Como já se referiu, a localização é determinante. Como o número de visitantes de um parque temático é necessariamente muito elevado, devido à escala do investimento, costumam ser implantados em áreas periféricas de grandes cidades e dentro de áreas metropolitanas. Prevê-se que o turista viaje no máximo duas horas para se deslocar até o parque (Clávé, 1999) e tem-se em consideração o facto de os visitantes, na sua maioria, deslocarem-se a estes parques em pequenos grupos (em média, quatro ou cinco pessoas), em que metade são crianças. De facto, a principal motivação é a possibilidade de oferecer novas experiências às crianças, sendo que muitos apenas visitam um parque por ano mas visitam o mesmo parque várias vezes. Além disso, a maioria dos visitantes que estão em viagem, pernoitam num estabelecimento do município e visitam outras atracções que fiquem próximas do parque (Dybedal & Engebretsen, 1996). Os parques temáticos são assim empreendimentos de animação turística inspirados em algo histórico, cultural, etnográfico, lúdico ou ambiental, característico ou não do local em que se insere, que ampliam a oferta ao nível do lazer, nas suas funções de recreação, divertimento e pedagogia, de uma região. De facto, num estudo realizado na Noruega, verificou-se que o aspecto da aprendizagem é cada vez mais considerado pelos visitantes na escolha por estes locais (Dybedal & Engebretsen, 1996). Este tipo de parques está também muito ligado ao conceito de “locais de consumo”. Por exemplo, Finn e Erdem (1995) analisaram o desenvolvimento de “mega-centros comerciais”, como atracções turísticas e a combinação do conceito de “ir às compras” com o de parques temáticos, como um factor importante no desenvolvimento do turismo urbano. Podemos agrupar os vários parques temáticos de acordo com os temas em torno dos

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quais se baseia a sua criação e organização: de carácter histórico (Camelot, Inglaterra), baseados em personagens míticos ou de fantasia (Asterix, França), de carácter natural (SeaWold, EUA), concentrados nos multimédia e nas novas tecnologias (Futuroscope, França), baseados na geografia e civilizações passadas (Port Aventura, Espanha), baseados na indústria cinematográfica (Universal Studios e Diysney, EUA), associados a um produto particular (Opel Livre, Alemanha) ou baseados no desporto (Parc del Barça, Espanha).

2.2. Parques patrimoniais O conceito nasce quase em simultâneo na Europa, com a recuperação da cidade da indústria do algodão de New Lanark e nos Estados Unidos, com a criação do do Parque Nacional do Carvão, ambos datados de 1972. Mas foi sobretudo na América com a seguinte renovação da Company Town de Lowell, ainda nos anos setenta, que a recuperação das chamadas áreas patrimonais (assim declaradas pelo Congresso Americano) ganha expressão graças às políticas oficiais da administração e à entrada em vigor de legislação protectora (Frencham, 2005). A operacionalização destas políticas ficou desde muito cedo entregue ao National Park Service (NPS) – agência federal criada em 1916 - que haveria de promover e gerir centenas de parques, sobretudo ao longo dos anos oitenta e noventa, a maior parte deles tematicamente relacionados com a história da América (Frencham, 2005). Através da reconstituição da narrativa de como se ergueu a nação americana, num trabalho em que se aliam estudos científicos, preservação natural e patrimonial e intuitos lúdicos, pedagógicos e turísticos, o NPS vem impulsionando a recuperação social e económica de áreas em perda ou em risco, de Company Towns, as infraestrutruras do caminho-de-ferro desactivadas, de sítios arqueológicos a reservas naturais. Por seu lado, na Europa, nos anos setenta assiste-se a um crescente interesse por recuperar e patrimonializar estruturas físicas abandonadas ou em decadência ligadas a actividades laborais. Foram os casos da pesca na Escandinávia, ou das minas como em França, tomando-se em ambos a designação de ecomuseus (Rivière, 1976). Conotável com o movimento ideológico da nova museologia (Unesco, 1973) este novo conceito supera o de espaço expositivo de tradição neo-clássica e traduz a ideia de um museu voltado para a comunidade. Em harmonia com os ecossistemas naturais e humanos em que se insere, o ecomuseu pode desdobrar-se em vários pólos, espalhados pelo próprio cenário histórico, cenário que se pretende musealizar de modo interactivo. Para os efeitos da nossa argumentação, áreas patrimoniais ou ecomuseus adquirem um significado semelhante: o de revalorização e revitalização de paisagens culturais, urbanas ou rurais; o de repensar o território tomando como eixo do projecto os recursos patrimoniais. Um dos aspectos mais inovadores constitui a visão holística, compreensiva, 55


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do conceito de património, que passa a englobar tantos os valores materiais como imateriais, incluindo, neste último campo, as tradições orais, bem como aspectos do quotidiano, os velhos ofícios, a memória colectivas, as lendas e os mitos... Após estudar mais de cinquenta operações de reabilitação patrimonial de escala territorial, tanto nos EUA como na Europa, um grupo de investigação resultante de uma parceria entre o Massashussets Institute of Technology e a Universidad Politecnica de Catalunya, optou por agrupá-las, renomeando-as agora de parques patrimoniais, conceito mais abrangente que permite sintetizar a ideia de uma área tratada com um “planeamento de base patrimonial” (Sabaté, 2004, Frenchman, 2005; Shuster, 2004; Bustamonte, 2004; Casas, 2004; Lista, 2004). Desta investigação resultou um conjunto de conclusões que marcam as conquistas alcançadas pelos parques patrimoniais e que lhes indiciam um futuro promissor enquanto instrumentos de projecto e gestão territorial caldeados com princípios de um desenvolvimento sustentável. Destas conclusões, ou lições, que é como alguns dos seus autores lhes chamam, importa aqui reter aquelas que apoiam a tese da adequabilidade da figura de parque patrimonial para dar resposta à demanda de muitas das nossas comunidades que outrora viveram dias de prosperidade e hoje se encontram mergulhadas em acelerado declínio económico e preocupantes crises identitárias. Uma das lições é a de que os parques patrimoniais revelam-se um conceito inovador de preservação cultural, ao incorporar-lhe uma componente propositiva, tomando os valores patrimoniais como activos a partir dos quais de podem vir a obter benefícios económicos. Outra lição, não menos relevante, diz respeito ao facto de os parques patrimoniais alicerçarem toda a sua estratégia na valorização dos recursos endógenos e no envolvimento dos stakeholders. Os estudos referidos confirmam que o primeiro e talvez mais importante passo para inverter cenários em crise consiste em reforçar a auto-estima das populações autóctones. Com efeito, os parques patrimoniais mais bem sucedidos são marcados por processos bottom-up, contando desde o início com a partipação dos chamados grassroots, os amantes do território que se resistem a abandoná-lo e que se interessam, com espírito de militância, pelo seu futuro. O retrato, ainda que breve, dos parques patrimoniais, não fica completo se não se fizer a ligação deste modelo de gestão territorial aos temas da paisagem e ao tema do turismo. A própria definição de parque patrimonial, segundo os seus principais estudiosos remete de imediato para a noção de paisagem cultural. Introduzida por diversos geógrafos franceses e alemães do final do século XIX, adquiriu grau de maturidade e progressiva autonomia disciplinar a partir do trabalho do professor norte-americano da

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Universidade de Bekerley, Carl Sauer, considerado ‘o pai da geografia cultural’. No seu livro “ A Morfologia da Paisagem” (1925), afirma, “a Paisagem Cultural é criada por um grupo cultural a partir de uma paisagem natural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem é o resultado”. Deste modo Sauer vincula definitivamente a paisagem à acção humana, podendo entender-se a paisagem cultural como o registo desta acção sobre o território natural. Os parques patrimoniais assumem este legado cultural da paisagem, bem como reflectem, na sua concepção, as preocupações das linhas de investigação focadas nas transformações da paisagem e respectivos impactos ecológicos. Ao conjugarem valores naturais e artificiais; ao resgatarem espaços tradicionais e antigas actividades, ao reencontrarem o ancestral equilíbrio entre homem e natureza, os parques patrimoniais a assumem o repto lançado por proeminentes precursores da ecologia da paisagem: o de tornar as estruturas construídas em elementos de valorização e continuação dos processos naturais (Hough, 1995). Em relação ao tema turístico, cabe salientar a aproximação dos parques patrimoniais aos interesses e preferência dos turistas, sem prejuízo de manterem-se fiéis ao rigor histórico, à autenticidade e à participação comunitária. Num projecto em curso na região centro de Portugal, o Parque Patrimonial do Mondego (Martins & Costa, 2008), a combinação de sistemas de informação geográfica com um guia inteligente ( gerado a partir de um website e accionado por dispositivos móveis, tecnologia wireless e sistemas de navegação GPS) cria um interface de comunicação com o visitante que amplifica a experiência turística (Ryan, 1998). Estudos preparatórios deste projecto mostraram também como os parques patrimoniais apostam fortemente na imagem, no marketing e na internet como meios de posicionamento enquanto destino turístico (Martins & Costa, 2008). Pese embora venham dando provas enquanto atracções turísticas, apresentando volume de entradas e receitas muito interessantes e com curvas de crescimento estáveis, os parques patrimoniais não constituem, pela sua natureza, genuínos projectos turísticos. A marca do parque patrimonial é, em definitivo, a da afirmação identitária através da valorização dos recursos patrimoniais. Museus ou ecomuseus, hotéis e alojamentos, roteiros turísticos, bem como outras infraestruturas e serviços turísticos, que captam e fidelizam os turistas e, finalmente, os próprios turistas, chegam a seguir, no fim do processo. Às vezes demoram mesmo anos a chegar em quantidades expressivas, o que não impede que se possam vir a alcançar números surpreendentes. Assim o confirmam parques patrimoniais consolidados tanto nos EUA como na Europa, com números de visitantes a atingirem, ao final de cinco ou dez anos, as centenas de milhares de visitantes, 57


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e a alcançarem muitas das vezes mesmo o meio milhão de visitantes, como acontece no Parque Nacional de Lowell City e em Lackuana, nos EUA, e no Emsher Park e no Ecomusee Creuzot-Montceau-Les Mines, na Europa. Quando falamos de parques patrimoniais falamos de uma forma concreta de conversão de turismo cultural em produto turístico. No caso português estes produtos estão explicitados no Plano Estratégico Nacional de Turismo (PENT) como potencial serviço a disponibilizar aos turistas (Ministério da Economia e da Inovação, 2006). Com referência directa aos parques patrimoniais, o produto em questão é o touring cultural e paisagístico, produto esse que, segundo dados mais recentes, apresenta taxas de crescimento das mais elevadas (entre 5 e 10%) em comparação com outros produtos turísticos1, bem como uma penetração de Norte a Sul do país que é também das mais elevadas. Ou seja, os parques patrimoniais inserem-se num segmento de mercado turístico em franca expansão. Vale também a pena assinalar que o turismo cultural e ecoturismo são muito menos afectados pelo fenómeno da sazonalidade do que, por exemplo, o turismo balnear, apresentando uma distribuição mais equilibrada de entradas de turistas ao longo do ano. Para além disso, duma forma geral, constituem modalidades turísticas que requerem menos urbanização, menos edificação e menos infra-estrutura viária, logo, pressupõem menores impactos ambientais adversos Podemos assim afirmar que os parques patrimoniais enquadram-se, indirectamente, na lógica do chamado turismo sustentável, aquele que observa os conhecidos princípios da sustentabilidade2.

3. Alguns casos de referência 3.1. Parques temáticos Disseminados um pouco por todo o mundo, os parques temáticos mais conhecidos mundialmente são os do Grupo Disney, quer os localizados nos EUA quer o construído mais tarde em Paris. Este não é o único caso de um parque “franchisado” fora de portas: o enorme êxito do Parque Temático Legoland, em Bilund, na Dinamarca, levou também a empresa a abrir parques semelhantes, primeiro em Inglaterra (Windsor) e depois na Califórnia (Carlsbad). Na Península Ibérica contam-se algumas dezenas de parques temáticos. Em Espanha destacam os importantes Port Aventura (Salou), o Mini-Hollywood (Almeria) e o Parque da Warner (Madrid). Em Portugal, numa escala bastante menor, merece referência o Bracalândia, um 58


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parque familiar situado em Braga que se intitula “o maior parque de diversões de Portugal”, ocupando uma vasta área onde alternam os equipamentos de diversão – mais de 20 -, e os espaços verdes. Em Santa Maria da Feira, o Visionarium evoca o espírito inovador dos navegadores portugueses. Em Coimbra o Portugal dos Pequenitos apresenta miniaturas de edifícios, monumentos de Portugal e de antigas colónias portuguesas, assim como casinhas típicas de cada região, construídas numa escala adaptada às crianças. Em Albufeira, o Zoomarine é um parque oceanográfico de entretenimento educativo, de animação e de lazer. Na Quarteira, o Aquashow assume-se como o maior parque aquático de Portugal. De frisar que a distribuição geográfica não se limita aos principais aglomerados urbanos (Lisboa e Porto) ou turísticos (Algarve), apesar de se verificar alguma espacialização quando analisada a distribuição por categoria. Numa pesquisa efectuada por Santos (2009) a 35 parques temáticos em Portugal – os quais foram catalogados em parques históricos, de fantasia e aventura, de carácter natural e os de Ciência e Tecnologia – verificou-se que os parques temáticos de carácter Natural são os de maior impacto e têm uma projecção transversal (25). Tratam-se de parques impulsionados por uma tentativa de regresso à natureza e às cidades-jardim. De seguida estão os parques temáticos de Ciência e Tecnologia (8), na sua maioria relacionados com a descoberta do desconhecimento ou dos elementos naturais. Os parques de Fantasia e Aventura são aqueles que têm uma maior vertente lúdica e economicista (7), estando situados em áreas turisticamente influentes. Por último temos os parques temáticos históricos que são apenas 4 em Portugal, apesar do passado histórico nacional e de determos um considerável património imaterial.

3.2. Parques patrimoniais O sector dos parques patrimoniais apresenta, em Portugal, até ao momento, uma fraca expressão. Apesar de Portugal dispor de três paisagens culturais inscritas na lista de Património Mundial da Humanidade da UNESCO – Sintra, Vinhas dos Açores e o Alto Douro Vinhateiro – nenhuma delas está a ser gerida com recurso a um instrumento integrado e operativo, como seria o caso de um parque patrimonial. Para se dar um exemplo da dificuldade quase endémica em Portugal gerir as suas paisagens e o seu património, recordemos o processo que resultou na inscrição do Alto Douro Vinhateiro e que suscitou, depois de diversas hesitações, a elaboração de um plano intermunicipal, figura do nosso ordenamento jurídico raras vezes utilizada. O plano foi elaborado como resultado das exigências da UNESCO, que recomendou à comissão de candidatura uma planificação integrada do território (Curado, 2003). Depois de várias vicissitudes, o plano foi feito, aprovado e publicado, contudo, passados já vários anos, na prática mal se reconhece a sua implementação. Aparentemente as paisagens do 59


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Douro continuam a ser geridas de modo desarticulado e, para não ir mais longe, as rotas turísticas têm fraca visibilidade e uma previsível baixa rentabilidade. Nos últimos anos tem vindo a ouvir-se cada vez mais vozes de descontentamento dos residentes, que ficam literalmente a ver passar os barcos de turismo, repletos de turistas que vão e voltam, às vezes no mesmo dia, limitando-se a visitar uma ou outra quinta de vinho do Porto, onde por vezes fazem uma refeição, e que pouco ou nada acrescentam às populações locais, nem financeiramente, já que as receitas são recolhidas pelas companhias e agência de promoção turística sediadas na cidade do Porto, nem ao nível das trocas interculturais e da partilha, pois mal chegam a contactar com elas. Apesar de algumas experiências e investimentos bem conseguidos, como a Quinta da Casa Amarela e a Quinta da Pacheca (Lignon-Darmaillac, 2008), que merecem registo, é consensual que falta ainda muito por fazer e por explorar no alto Douro Vinhateiro. A ideia de que falta um instrumento agregador, quer ao nível do projecto do território, do marketing e do desenho de rotas turísticas, quer ao nível da gestão, parece ganhar consistência à medida que aumenta a concorrência de outras regiões vinícolas nos países vizinhos, como la Rioja ou a região da Alsacia (Lignon-Darmaillac, 2008). Este exemplo do Douro, aqui analisado de forma simplificada, e sem referência à intricada rede de jurisdição territorial que tradicionalmente bloqueia a operatividade do planeamento em Portugal, serve também para colocar a nu as fragilidades do nosso sector turístico, bem como as ineficiências na gestão das paisagens, mesmo nos casos em que está acima de qualquer dúvida o respectivo valor patrimonial. Este exemplo confirma a desadequação do quadro normativo do ordenamento face ao desenvolvimento local, salientando-se a ausência de instrumentos de gestão territorial que viabilizem a preservação activa e a revitalização social e económica das paisagens culturais. À falta de experiências consolidadas de parques patrimoniais em Portugal apresentam-se duas, uma em fase de implementação, e outra em fase de projecto; a primeira assemelha-se a um parque patrimonial pela sua natureza, pelo seu vínculo aos recursos locais e pela vontade em proporcionar serviços educativos, de lazer e de turismo. A segunda vem ganhando forma através de um aturado trabalho pluridisciplinar e filia-se em experiências bem sucedidas de parques patrimoniais, atendendo às lições aprendidas com estes parques e aos estudos sobre eles realizados ( já aqui referidos). O Parque Mineiro da Cova dos Mouros, localizado em Vaqueiros, no Algarve, surgiu de uma velha mina de cobre e ouro. Proporciona um circuito pedestre em redor das antigas minas, além de reconstituições históricas, desde há 5 mil anos até ao início do século XIX. Neste passeio, o visitante, pode ainda conhecer uma aldeia primitiva e um forte, datados de 2500 A.C.. O Parque Patrimonial do Mondego (PPM), localizado entre o Porto da Raiva60


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Penacova (Norte de Coimbra) e a Figueira da Foz, propõe-se revalorizar e revitalizar uma paisagem cultural que é parte de duas regiões - Baixo Mondego e Pinhal Interior Norte -, as quais ocupam 4679Km2 e têm 478.885 habitantes, correspondendo ao PPM uma área de 281,93Km2 (6%). O PPM aposta num conceito de património abrangente e inclusivo, o que implica, desde logo, o envolvimento das comunidades autóctones, de modo a tornar a reabilitação da paisagem num projecto colectivo. Por esta razão foi já iniciado um Fórum Local junto das populações ribeirinhas (trabalho executado com a colaboração de estudantes e professores da Escola Superior de Educação de Coimbra). Propondo um novo mapa do território, dinâmico e flexível, conformado por um conjunto criteriosamente seleccionado de recursos patrimoniais e de centros de interpretação e ecomuseus, a oferta do PPM toma forma através de um sistema integrado de roteiros, os quais são simultaneamente pedagógicos, lúdicos e turísticos. O conceito-chave para ler o território do PPM é o de paisagem cultural - a que assinala as marcas da acção humana, sobretudo as marcas das actividades laborais. A exemplo de outros parques designados como fluviais (Casas, 1999; 2004), o trabalho de investigação que conduziu ao projecto do Parque Patrimonial do Mondego parte da hipótese da persistência do rio como matriz geográfica e cultural do território. O conhecimento da paisagem cultural pressupõe uma muito especial atenção ao património intangível, que é porventura aquele sobre o qual dispomos de menos informação. A reinterpretação da paisagem cultural passa pelas recolhas etnográficas, por ver e ouvir as populações locais, descobrir os últimos representantes de um saber consuetudinário. A investigação em curso para o Mondego terá como um dos seus outputs um mapasíntese com delimitação da área de intervenção, sinalização de um conjunto de recursos patrimoniais e de centros de interpretação e o desenho de roteiros.

3.3. Distribuição de parques temáticos e patrimoniais na União Europeia Existem na Europa 1001 parques temáticos - desde zoos, parques de diversões, aquaparques, espaços naturais e aquários. A França é a campeã de parques temáticos (420), seguida pelo Reino Unido (103). Por outro lado, existem pelo menos 25 parques patrimoniais; a maioria deles na Alemanha (7), Espanha (6) e Reino Unido (5). Em média existe 1,7 parques temáticos por cada milhão de habitantes, enquanto que apenas se registam 0,04 parques patrimoniais por cada milhão de habitantes. Dispondo de um tão elevado número de parques, é normal que a França seja o país com mais parques

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por habitante: 6,5 parques / milhão de habitantes, praticamente todos temáticos. Analisando a figura 1, verifica-se uma relação directa entre a população de um país e o respectivo número de parques, principalmente temáticos. A Alemanha, França, Reino Unido e Espanha concentram 45,5% da população europeia e 69% dos parques (708).

Figura 1. População e parques por tipologia e por país europeu. Fonte: Eurostat; InfoParks.

Quadro 1. População e número de parques por país Europeu. População

PIB per capita

Parques Temáticos

Parques Patrimoniais

Parques Temáticos

Total (2009)

(EU27=100) (2008)

Total

Total

Rácio por 1.000.000 habitantes

39

País

Bélgica

10.750.000

113.9

Bulgária

7.606.551

Rep. Checa

10.467.542

Dinamarca

5.511.451

118.4

34

Alemanha

82.002.356

116.1

88

Estónia

1.340.415

68.2

Irelanda

4.450.014

136.6

8

Grécia

11.260.402

93.9

7

Parques Patrimoniais

3,6

0

40.2

0,0

0

80.1

0,0

0

6,2

0

1,1

0,09

0,0

0

1,8

0

0,6

0

7

62


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Espanha

45.828.172

103.4

53

6

1,2

0,13

França

64.350.759

107.4

420

1

6,5

0,02

Itália

60.045.068

100.5

81

3

1,3

0,05

Chipre

796.875

94.7

0,0

0

Letónia

2.261.294

55.8

0,0

0

Lituânia

3.349.872

61.1

1

0,3

0

Luxemburgo

493.500

271.4

2

4,1

0

Hungria

10.030.975

62.8

1

0,1

0

Malta

413.609

75.5

1

2,4

0

Holanda

16.485.787

135.0

33

2,0

0,06

Áustria

8.355.260

123.2

16

1,9

0

Polónia

38.135.876

57.6

1

0,0

0

Portugal

10.627.250

75.5

45

4,2

0,19

Roménia

21.498.616

45.8

2

0,1

0

Eslovénia

2.032.362

90.7

0,0

0

Eslováquia

5.412.254

71.9

0,0

0

Finlandia

5.326.314

115.1

12

2,3

0

Suécia

9.256.347

121.5

24

2,6

0

Reino Unido

61.634.599

117.2

103

1,7

0,08

Croacia

4.435.056

63.1

0,0

0

Turquia

71.517.100

45.5

0,0

0

Islândia

319.368

119.8

0,0

0

Liechtenstein

35.589

0,0

0,0

0

Noruega

4.799.252

190.2

13

2,7

0

Suiça

7.701.856

141.6

17

2,2

0

Total

588.531.741

0

1001

1,7

0,04

1

2

5

25

Fonte: Eurostat; InfoParks.

Uma vez que a maioria dos parques são geridos por grandes companhias, poder-se-ia supor uma correspondência entre o PIB per capita de cada país e o número de parques (figura 2). No entanto, tal não é perceptível na análise realizada, uma vez que a escala europeia uniformiza a falta de equidade territorial de indicadores como a população e a riqueza. Para que se tenha uma ideia, aponte-se o caso do Luxemburgo que sendo o país europeu com o PIB per capita mais alto apresenta apenas dois parques temáticos3. É também de referir que é nos países onde o processo de industrialização foi mais precoce e mais intensivo onde encontramos maior concentração de parques patrimoniais. Tal facto explica também a predominância, nestes parques, dos temas industriais. 63


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Figura 2. Produto Interno Bruto per capita e parques por tipologia e por país europeu. Fonte: Eurostat; InfoParks.

4. Avaliação da sustentabilidade e do desempenho ambiental, social e económico O turismo é, muitas vezes, criticado pelos impactos socioculturais negativos que causa nas comunidades locais, principalmente nas de menor dimensão e nas mais tradicionais (OMS, 1993). No entanto, o impacte dos parques, temáticos ou patrimoniais, é distinto, tanto no território em que se insere como no envolvimento com a comunidade local, encerrando em si próprio os factores que distinguem ambos os tipos de parques (quadro 2).

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Quadro 2. Caracterização geral dos parques temáticos e dos parques patrimoniais. Áreas de análise

Parâmetros de análise

Parques Temáticos

Parques Patrimoniais

Temas para abordagem

Espacializa a fantasia e o ludismo.

Espacializa a história e a identidade local.

Orientado para o turismo de massas e de mercado.

Procura turistas culturais e oferece os produtos touring cultural e paisagístico, turismo de natureza e turismo rural.

Utiliza a cultura popular transnacional (ex.: Disneylândia).

Espectaculariza a cultura local. Fabrica natureza ou cultura para ser vista.

Nula.

Forte. Normalmente o envolvimento com a comunidade local acontece desde o arranque e mantêm-se constante

Nulos ou superficiais, o suficiente para criar um pano de fundo histórico nostálgico e embevecedor

Promoção do estudo da História local das transformações das paisagens culturais Criação de unidades de investigação e de centros de centros de interpetação

Nula ou muito rara, limtando-se a relações comerciais e de serviços.

Elevada, podendo envolver acções de educação ambiental e patrimonial e a participação em actividades do quotidiano.

Apenas para efeitos de licenciamento.

Forte. Em geral, as instituições locais de administração, educação e património associam-se.

Relação com os espaços de exibição e produção

Conflitos com os museus. Não se articula com qualquer tipo de produção local.

Integra os já existentes e propõe novos, bem como ecomuseus e centros de interpretação e de difusão e produção cultural e científica.

Modelo de referência

Centros Comerciais.

Parque naturais e ecomuseus.

Sustentabilidade

Forte impacto ecológico (medido em emissões de CO2), desde a construção ao uso e ao desmantelamento Produção desmesurada de resíduos. Gasto energetico excessivo e com base a combustveis fósseis

Baixo impacto ecológico, dado que assenta na reutilização de infraestructuras e edifícios pre-existentes. Produção mínima de resíduos. Gasto energetico moderado; incentivo á utlização de energias renováveis

Propriedade e gestão

Privados, Grandes corporações.

Tem, geralmente, carácter comercial e privado ou semi-publico.

Destinatários

Tipo de cultura

Temas, publico alvo e comunidade

Participação da comunidade

Estudos locais

Interacção Turistas / Residentes Ligações institucionais

Funções, modelos, gestão e impactos

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Áreas de análise

Localização e infraestrutras

Parâmetros de análise

Parques Temáticos

Parques Patrimoniais

Localização

Periferia urbana, próximo a grandes infra-estruturas rodo e ferroviárias.

Variável, do centro urbano até às paisagens que circundam as cidades ou acompanham os rios.

Terrenos baratos e a acessibilidade.

Presença de valores naturais e culturais, capacidade de carga e mobilidade.

Nº vistantes

Milhões.

Dezenas ou centenas de milhares.

Afectação das infra-estruturas locais

Melhoria de infraestruturas rodoviárias no local de implantação, embora possa significar uma sobrecarga em epoca alta.

O numero moderado de visitantes e a baixa sazonalidade não obrigam a grandes investimentos, os quais canalizam-se, para a recuperação e reactivação de meios e vias de transporte antigas e tradicionais.

Parques de Atracções.

Recuperação de áreas industriais e mineiras desactivadas ou em declínio.

Privado, de risco, de grandes corporações.

Parcerias publico-privados, fundos de cooperação e incentivos publicos, Administrações locais e regionais e pequenos e médios investidores locais.

Agressivo, incluindo uso dos media, de escala global.

Moderado, com forte recurso a publicidade institucional e mais recentemente, à internet; escala regionmateriais

Recreio e Diversão

Recreio, Diversão e Desenvolvimento

Não lugares; ligados a um mundo provisório, apenas criam contratualidade solitária

Lugares antropológicos, identitários, relacionais e históricos; criam sociabilidade

Factores de Localização

(Continuação)

Origem

Modelo de Gestão

Promotores e capital de investimento

Marketing

Dimensões do lazer presentes * Dimensões imateriais

Dimensão do antropológica do lugar **

Fonte: Elaboração propria, a partir de Braun, 1999/2000; Ferreira, 2005; Sabaté, 2004; Bustamonte, 2004; Clavé, 1999; Dumazedier 1997, Augé, 1994. * Na acepção de Dumazedier. ** Na acepção de Marc Augé.

Comparando a integração paisagística de dois parques, um temático - o Port Aventura – e um patrimonial - o Parc Agrari Del Baix Llobregat -, verifica-se que o primeiro surge como um elemento novo, artificial, delimitado, de escala indiferente à morfologia da paisagem em que se localiza, forçadamente apenso a esta e desligado da sua evolução. Por seu lado, o segundo ganha forma através da incorporação de elementos da paisagem 66


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pré-existentes – caminhos antigos, terrenos agrícolas, unidades fabris, moinhos, canais e outros caminhos de água - confundindo-se com os seus rasgos mais significativos e assimilando as suas transformações (figuras 3 a 6).

Figura 3. Exemplo de um Parque Temático. Port Aventura, Espanha. Fonte: www.GoogleEarth.com

. Figura 4. Exemplo de um Parque Patrimonial. Parc Agrari Del Baix LLobregat, Barcelona Fonte: www.GoogleEarth.com.

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Figura 5. Exemplo de um mapa de um Parque Temático. Bracalândia, Braga Fonte: www.pensarpenafiel.blogspot.com.

Figura 6. Exemplo de um mapa de um Parque Patrimonial. Parque Patrimonial do Mondego, Coimbra – Figueira da Foz | Fonte: www.parquepatrimonialmondego.com/.

A grande maioria dos estudos aos parques temáticos foca-se nos impactos positivos no emprego, receitas, desenvolvimento local e crescimento da economia local (Braun, 1999/2000). De facto, estes geram receitas bastante elevadas e têm um investimento em 68


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infra-estruturas e novas atracções também bastante elevado (quadro 3).

Quadro 3. Impactos dos parques temáticos e dos parques patrimoniais Parques Temáticos

Parques Patrimoniais

Impactos Ambientais

Positivos

Empreendedores turísticos investem em medidas de protecção da natureza.

Recuperação de áreas degradas ou contaminadas. Criação de planos e programas de preservação e valorização de paisagens culturais; Convívio directo e respeituoso com a natureza

Impactos Económicos

Positivos

Aumento do rendimento dos habitantes; Criação de empregos; Modificação positiva da estrutura económica; Industrialização básica da economia regional; Crescimento da economia local.

Criação de empregos e de oportunidades para a criação de pequenos negócio; Modificação positiva da estrutura económica; Crescimento sustentado da economia local.

Negativos

Custos de oportunidade; Dependência excessiva do turismo; Inflação e especulação imobiliária; Sazonalidade da procura turística; Modificação negativa da estrutura económica; Necessidade de novas Vias de acesso; Acidentes.

Custos de oportunidade. Periodo de retorno dos investimentos bastante dilatado Dificuldade em rentabilizar antigas actividades de forte carácter tradicional e identitário.

Impactos Socio-culturais

Positivos

Modificação positiva da estrutura social; Melhoria provisória da qualidade de vida para alguns estratos sociais mais baixos e sem qualificações (emprego precário)

Modificação positiva da estrutura social; Aumento dos níveis culturais e profissionais da população; Valorização do artesanato; Valorização da herança cultural; Orgulho étnico; Valorização e preservação do património histórico. Envolvimento directo das comunidades. Melhoria da qualidade de vida e aumento autoestima-confiança-.

Alterações na moralidade; Movimento intenso. Movimento intenso; Descaracterização de algumas Conflitos; Prostituição; Crime; tradições e lugares e bens ou serviços Descaracterização do artesanato; por adaptação ao turismo e para ir de Negativos Vulgarização das manifestações encontro ao interesse dos visitantes. culturais; Arrogância cultural; Destruição do património histórico. Massificação da cultura. Fonte: Elaboração propria, a partir de Braun, 1999/2000; Ferreira, 2005; Sabaté,2004; Bustamonte,2004; Clavé, 1999.

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No entanto, comparando as receitas de um parque temático e os gastos dos visitantes na área do parque, verificou-se que, enquanto que num parque onde a maioria dos visitantes está numa viagem de três a mais dias, este é duas vezes superior àquele, num parque em que a maioria dos visitantes está ali apenas por um dia é menos de metade o gasto realizado pelos visitantes nas infra-estruturas existentes em redor do parque (Dybedal & Engebretsen, 1996; Braun, 1999/2000). Por estarem associados ao conceito de “locais de consumo”, os parques temáticos são também um factor importante no desenvolvimento urbano (Finn & Erdem, 1995). Nesse sentido, ao nível do emprego, os benefícios gerados pelos parques temáticos não são negligenciáveis, dado o grande número de postos de trabalho directos e indirectos que criam. Contudo, há que não esquecer que se trata, na sua maioria de emprego precário e sazonal, aceite por estudantes (Dybedal & Engebretsen, 1996; Clavet, 1994). Convém ter também presente que mesmo os bens de consumo são, na sua maior parte importados (Clavet, 1999) e os lucros gerados, como vão parar às mãos das grandes corporações, proprietárias dos parques, são encaminhados para outros destinos, distantes.

5. Análise comparativa, quantitativa e qualitativa entre as duas tipologias quanto à sustentabilidade e ao turismo Como Perret e Teyssansier (2001) referem, o turismo sustentado deve ter em conta três dimensões: 1) preservação dos recursos, 2) desenvolvimento local e 3) ética – retorno/partilha. Um pouco por todo o mundo, mas particularmente no espaço europeu, a revitalização económica de áreas em declínio passa, em boa medida, pela aposta no lazer. Neste campo registamos, por um lado, a proposta massificadora, estereotipada e consumista oferecida pelos parques temáticos - e que tem nos parques da Disney o seu paradigma. Embora geradores de receitas avultadas, os parques temáticos acarretam impactos ambientais importantes. Estes começam no momento da preparação do terreno, com os gigantescos movimentos de terra, e prolongam-se durante a exploração do parque, devido ao elevado consumo que lhe está associado, com a consequente produção de resíduos e de emissões com gases de efeito de estufa. Por outro, temos os parques patrimoniais, iniciativas calcadas na cultura autóctone, na paisagem e nos recursos endógenos. Neste contexto, eco-museus e parques patrimoniais têm vindo a assumir-se como estratégias de desenvolvimento sustentável à escala local e regional. Os parques temáticos revelam ser projectos de curto horizonte temporal, dissociados da cultura, dos recursos patrimoniais, dos agentes económicos e das comunidades 70


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locais. Projectos autónomos e centrados em si próprios, auto-suficientes, excluem uma qualquer visão territorial estratégica e estão claramente dominados por preocupações economicistas. Por seu lado, os parques patrimoniais apresentam-se como projectos duradouros, integrados em uma visão de desenvolvimento local e regional. Revelam-se também como figuras agregadoras dos recursos patrimoniais locais, os quais toma como activos para um novo impulso económico. Projectos capazes de promover a valorização dos ecossistemas e a biodiversidade, bem como a coesão social, através do forte envolvimento dos stakeholders, os parques patrimoniais actuam como motores da economia de escala local ou regional, através da criação de parcerias público-privadas e de ligações institucionais sólidas. Com respeito ao turismo, os parques patrimoniais constituem-se, até por definição, em atracções de primeira linha, captando turistas culturais e eco-turistas, em número moderado e que, por norma, consomem menos e actuam de modo mais responsável, gerando menores impactos ambientais e sociais adversos. Ainda que ambos parques temáticos e patrimoniais actuem por vezes, forçosamente, na mesma área de negócio - o lazer - se retomarmos o já clássico axioma de Dumazedier sobre ”as dimensões do lazer”, a dicotomia entre uns e outros parques apresenta-se com extraordinária clarividência. À primeira das dimensões, o recreio, e à segunda, o divertimento, ambas bem exploradas nos parques temáticos, os parques patrimoniais juntam a terceira, a do desenvolvimento, assumindo-a, isso sim, como um repto. Note-se que não estamos a referir-nos a um desenvolvimento económico, o qual obviamente, também está presente nos projectos de parques temáticos. Trata-se, na acepção de Dumazedier (1977) de um “desenvolvimento da personalidade”, ou seja, do indivíduo. Através de uma “participação social mais alargada”, este liberta-se de amarras práticas e técnicas e sente-se encorajado a adoptar uma atitude mais crítica. Actualizando e complementando, tanto quanto possível, as palavras de Dumazedier, acrescentaríamos: uma atitude mais responsável. Assim às preocupações pessoais de aprendizagem ao longo da vida (Dumazedier, 1977) compete ao indivíduo, no quadro do exercício do lazer, adicionar as preocupações com a preservação do ambiente, das paisagens culturais e da coesão da sociedade em que se insere. Neste palco de inquietações, neste teatro em que encena o desenvolvimento do território e das transformações das paisagens, os papéis desempenhados por parques temáticos e parques patrimoniais são necessariamente antagónicos. Para melhor exprimir esta ideia, pensemos que nos acontece com relação aos personagens rivais de um filme ou de um romance que acompanhamos, em que, sentindo-nos atraídos por ambos, hesitamos antes de nos inclinarmos para um ou para o outro, mesmo sabendo 71


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que só um deve prevalecer, só um nos pode satisfazer o desejo de justiça. Também com relação a parques temáticos e parques patrimoniais não podemos nem devemos confundi-los, sobretudo naquilo representam para nós e para a nossa sociedade, para a nossa economia local, e para o nosso ambiente, ainda que ambos nos transmitam e proporcionem momentos de prazer, baseados na recreação e no divertimento.

6. Conclusões e perspectivas Os parques patrimoniais representam hoje em dia o que de mais avançado se pode fazer ao nível da gestão das paisagens culturais, paisagens vivas e evolutivas, como lhes chama a UNESCO, apresentando ferramentas de trabalho que propiciam novas opções, de longa duração para áreas em declínio mas que se apresentam repletas de valores patrimoniais. Da análise do panorama português, verificamos que o território nacional, em termos de escala, de autenticidade cultural, em termos de infra-estruturas aero-portuárias, e face à políticas oficial de apoio ao produto turístico touring cultural e paisagístico, apresenta um clara vocação para a criação e difusão de parques patrimoniais, em detrimento dos parques temáticos. Uma outra conclusão a que se chega, tanto pela revisão da literatura, como pelos dados recolhidos e pela experiência própria em curso, é de que estes dois tipos de parques não pertencem à mesma família, pese embora partilhem o termo parque. Dito de outra forma, parques temáticos e parques patrimoniais não constituem alternativas de ocupação territorial para o mesmo tipo de problemas ou ambições, pelo que não se verificam casos em que os promotores tenham que fazer uma escolha entre estes dois tipos de parques. Confirma-se também que os benefícios que se podem extrair de um e de outro não são coincidentes nem comparáveis. Idêntico raciocínio pode ser aplicado aos aspectos negativos que podem sobrevir. Assim, as receitas no curto prazo, dos parques temáticos, ainda que volumosas, não justificam os impactos adversos correspondentes, ao passo que a vindicação aos recursos patrimoniais locais patenteada pelos parques patrimoniais pode não assegurar uma resposta suficiente ao problema do desemprego e fazer face, em tempo útil, às deprimidas economias locais. Haverá que, portanto, em cada caso, ponderar os prós e os contras, sendo certo que a presença de parques temáticos e parques patrimoniais não se apresenta como incompatível, tal como não é incompatível co-existirem shopping centers e museus ou eco-museus, com tudo o que a analogia possa ter de forçado. Mais do que uma discussão algo redundante e previsível sobre qual tipo de parque nos dá mais lucros ou mais educação ambiental e patrimonial, o que parece estar em causa 72


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é: qual a palavra de confiança, que nível de autonomia queremos dar às comunidades locais? E, concomitantemente, qual o sinal sobre onde estamos a investir os nossos recursos e sobre os recursos que estamos a valorizar lhes queremos transmitir; que testemunho, que herança cultural lhes queremos deixar?

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Nuno Martins & Claudia Costa • Património, paisagens culturais, turismo, lazer e desenvolvimento sustentável

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Notas 1 Embora o PENT não faça qualquer referência a eles, segundo a Organização Mundial de Turismo, os Parques Temáticos apresentam-se como um dos segmentos de mercado mais importantes no âmbito do turismo de natureza e ao turismo cultural (OMT, 2000). 2 É necessário ter em conta o reduzido tamanho deste país, bem como a sua forte acessibilidade com relação aos países vizinhos, factores que certamente também explicam o por que ser “menos apetecível” para as grandes companhias.

Correspondência Nuno Martins Escola Superior Artística do Porto (ESAP) Lar de S. Domingos, 80 4050-545 Porto anunomartins@sapo.pt

Cláudia Costa Rua Pedro Rocha, 7, 2º, 3000-300 Coimbra claudiampcosta@gmail.com

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N º

t e m á t i c o

-

T u r i s m o

Alexandra Rodrigues Gonçalves, Francisco Ramos & Carlos Costa

e

P a t r i m o n i o

• O museu como pólo de atracção turística

O museu como pólo de atracção turística1 Alexandra Rodrigues Gonçalves

Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo - Universidade do Algarve

Resumo As funções tradicionais do património cultural estão a ser reinventadas e hoje os visitantes esperam experimentar o património. Por sua vez, os museus, não raramente promovem actividades turísticas que estão na base de economias locais e regionais. Na actualidade, os turistas representam uma parte importante das visitas aos museus, assumindo nalguns casos uma percentagem expressiva do seu público. No entanto, a relação entre os museus e o turismo possui pontos de conflito. A discussão sobre os museus, o turismo e o seu território parte de uma clarificação do conceito de museu actual e da emergência de novos paradigmas na sociedade, aos quais o museu do futuro não poderá ficar indiferente. Consciente dos desafios desta relação procura-se demonstrar com este trabalho que existem benefícios claros resultantes de uma aproximação entre estes campos. A partilha de conhecimento entre estes dois poderes – o turismo e os museus – será fundamental para o diálogo entre estas áreas. Alguns autores argumentam que existe em curso um processo global de homogeneização em face da estandardização de ofertas entre diferentes destinos turísticos, pelo que, se estabelece como essencial o estímulo à diversidade cultural, que as abordagens mais próximas do território e dos seus recursos tendem a evidenciar. O trabalho empírico desenvolve-se em torno dos 4 museus do Algarve que integram a Rede Portuguesa de Museus. Palavras-chave Gestão do património cultural, Turismo e território, Museus e experiência turística.

Abstract Museums and patrimony are being reinvented and visitors expect to experiment the cultural heritage. Frequently, museums promote tourist activities that are central to local and regional economies development. Nowadays tourists are an important share of the total museum visitors, becoming in some cases a major percentage of its public. Nonetheless, the relationship between museums and tourists has some points of conflict. The discussion between museums, tourism and the territory departs from 77


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the meaning of the present museum definition and of the emergence of new society paradigms to which the future museum can’t stay indifferent. Aware of the challenges of this relationship this research tries to show that are mutual benefits arising from a closer relation between both domains. The share of knowledge between these two powers – the tourism and the museums – will be fundamental to the dialogue of these areas. Some authors defend that there is an ongoing process of cultural homogenisation due to the standardization of the offers between different tourist destinations. That is why it is essential to stimulate the cultural diversity that those strategies near to the territory and to its resources tend to better evidence. The empirical work is centred in the 4 museums of the Algarve that integrate the National Museum Network. Key-words Heritage management, Tourism and territory, Museums and the tourist experience

Introdução2 A cultura assume-se cada vez mais como uma forma de lazer, como uma opção de ocupação de tempos livres, à disposição de uma sociedade mais instruída e com mais rendimento disponível. Assiste-se a uma consciência mais generalizada da importância da cultura como factor de desenvolvimento das sociedades. Por outro lado, a visão de que a arte e a cultura se constituem como um domínio do bem-estar público também está ultrapassada. Regra geral, os profissionais do turismo não possuem um conhecimento aprofundado de gestão do património cultural e por sua vez, os responsáveis pelo património cultural encontram em vários documentos internacionais (Cartas, Declarações, Convenções) algum suporte à gestão sustentada destes locais, com benefícios para a cultura e o turismo. O turismo assume um papel associado à transformação, ao desenvolvimento, ao marketing e à orientação do produto, enquanto que a gestão do património cultural é a proprietária dos bens, assumindo a responsabilidade de os gerir e de evitar os impactes negativos resultantes da sua visitação. Nos últimos 20 anos, tem-se assistido a um aumento exponencial de projectos culturais, pela proliferação de festivais e encontros artísticos, mas também ao início da construção de espaços qualificados para a acção cultural: bibliotecas, cine teatros, auditórios, anfiteatros, centros culturais, museus. A organização institucional da cultura e do património difere de país para país e 78


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• O museu como pólo de atracção turística

tende a reflectir as diferentes tradições administrativas, bem como as realidades sociais e políticas. A cultura tem ganho uma dimensão estratégica e os museus, não raramente promovem actividades turísticas que estão na base de economias locais e regionais. A discussão sobre os museus, o turismo e o território parte de uma clarificação do conceito de museu actual e da emergência de novos paradigmas na sociedade, aos quais o museu do futuro não pode ficar indiferente, sobretudo, como forma de potenciar a sua atracção junto do público turista, mas também se se pretende afirmar como equipamento de lazer. Consciente dos desafios desta relação procura-se demonstrar com este trabalho que resultam benefícios claros resultantes de uma aproximação entre estes campos. A partilha de conhecimento entre o turismo e os museus será fundamental para o diálogo entre estas duas áreas e o seu sucesso dependerá da discussão conjunta de formas de trabalho em equipa. Neste artigo, um dos assuntos discutidos é a função do museu. Outros aspectos incluem: o museu como produto turístico; a relação entre museus, território e experiência turística; os museus, o turismo e a comunidade local; a gestão e o marketing dos museus; e as estratégias com vista ao desenvolvimento dos museus como atracções turísticas. Alguns autores argumentam que existe em curso um processo global de homogeneização em face da estandardização de ofertas entre diferentes destinos turísticos, pelo que, se estabelece como essencial o estímulo à diversidade cultural, que as abordagens mais próximas do território e dos seus recursos tendem a evidenciar. O reconhecimento da importância da sustentabilidade cultural já foi apreendido pelo turismo cultural e os agentes do turismo estão hoje conscientes que o futuro da indústria turística depende da protecção dos recursos ambientais, patrimoniais e culturais de cada região. A importância de planear o turismo com base nos recursos culturais e naturais do território, as necessidades de cooperação entre os agentes dos vários domínios, a emergência de novos consumos turísticos e a inovação na gestão dos espaços museológicos, são alguns dos tópicos mais relevantes a abordar. No final, desenvolve-se a análise empírica aplicada ao território do Algarve, cujos resultados se espera contribuam para um alargamento da discussão ao nível nacional.

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1. O problema de investigação e a metodologia Este trabalho centra-se numa avaliação do museu enquanto equipamento ao dispor do turista e representação da cultura e da identidade de um território, ou de uma comunidade. A discussão da temática “Museus, Turismo e Território” emerge como problemática de interesse relacionada com a investigação de Doutoramento em desenvolvimento com o tema: “A cultura material, a musealização e o turismo: a valorização da experiência turística nos museus nacionais.”, mas também de outros trabalhos de investigação desenvolvidos no âmbito da temática do turismo cultural.

1.1 Objectivos e técnicas de investigação No decurso da revisão de literatura efectuada, determinou-se como problema de investigação: Como podem os museus tornar-se atracções turísticas principais?. Outras questões emergiram da recolha de informação secundária e de outras leituras complementares, que contribuíram para a definição dos seguintes objectivos principais: •

Caracterizar a actual relação entre os museus e o turismo.

Determinar o actual modelo de gestão do museu.

Analisar o potencial de utilização dos museus como recursos turísticos.

Apresentar e discutir propostas de desenvolvimento dos museus como pólos de atracção turística a partir de uma base territorial (Algarve).

A recolha de informação secundária também se determinou essencial para a caracterização do panorama museológico actual em Portugal (estatísticas oficiais de visitantes, estudos de públicos) e para a definição do “estado da arte” em relação aos estudos aplicados ao turismo cultural e, em particular, aos museus e turismo (documentação de organismos internacionais, estudos e investigação publicada a nível internacional, documentação dos organismos nacionais, tais como da Rede Portuguesa de Museus e do Instituto dos Museus e da Conservação, estudos e trabalhos desenvolvidos no território nacional). Por sua vez, a informação primária que se apresenta resulta da combinação de várias técnicas de recolha e análise de dados:

1. Entrevista exploratória semi-estruturada – para avaliar como perspectiva o/a responsável pelo museu o relacionamento entre o museu e o turismo; tendo utilizado a análise de conteúdo como técnica para o tratamento da informação obtida; 2. Questionário técnico – desenvolvimento de uma ficha do museu que acrescenta à ficha do museu da Rede Portuguesa de Museus, elementos identificados pela autora como essenciais para o turismo e o turista (enquanto público do museu). 80


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• O museu como pólo de atracção turística

3. Observação participante – no sentido de avaliar algumas das questões referidas nas entrevistas e verificar constrangimentos e potencialidades resultantes do caso de cada museu em particular. 4. Análise textual a partir da recolha de casos de estudo, internacionais e nacionais. Acrescer que a análise de conteúdo é um dos métodos de análise utilizados em metodologias qualitativas e pressupõe, no caso das entrevistas, a transformação dos registos orais em textos que se codificam, criando categorias a partir da leitura, que têm por base a relevância da taxonomia na sua relação com o enquadramento empírico de onde emergem, o que envolve reflexão e o questionar das categorias e códigos a partir do contexto real (Jennings, 2005). Optou-se por uma utilização de metodologias diversas porque possibilita uma maior riqueza da informação recolhida e, em simultâneo, uma confirmação (ou não) da investigação qualitativa baseada na entrevista semi-estruturada. Esta abordagem insere-se nas novas tendências do paradigma do relativismo que defende que as técnicas de investigação e de análise de dados devem ser seleccionadas e combinadas em face dos objectivos da investigação. A entrevista semi-estruturada possibilita a manutenção de um tipo de conversação com um grau de profundidade relativa e menor grau de subjectividade que numa entrevista não estruturada (Jennings, 2005). No conjunto desenvolveram-se quatro entrevistas (Albufeira, Faro, Portimão e Tavira) junto dos responsáveis dos museus do Algarve (integrados na Rede Portuguesa de Museus), entre Agosto e Outubro de 2007, tendo determinado sete pontos de reflexão, em torno das quais se desenvolveu a entrevista. Na análise empírica do panorama museológico regional e da sua relação com o turismo serão também utilizados alguns dos resultados do inquérito por questionário administrado junto de 60 residentes de Faro entre Outubro e Novembro de 20063. O trabalho resulta de uma abordagem regional fragmentada (pois integra apenas os quatro museus do Algarve, da Rede Portuguesa de Museus) mas considera-se que as mesmas questões de investigação são facilmente transpostas para uma qualquer realidade geográfica (quer outra região, quer âmbito nacional) porque os seus fundamentos teóricos têm uma base internacional. Certamente outras tendências poderão ser identificadas se a investigação assumir um âmbito mais alargado, enriquecendo os contributos para a definição de novos modelos de gestão e de planeamento dos museus.

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2. Enquadramento conceptual – museus, turismo e território Conforme referido e sistematizado na Figura 1, a temática apresenta dois tipos de inter relações chave que se propôs analisar, que constituem: por um lado, a relação dos museus com o território e a comunidade que nele vive; e por outro lado, a relação entre museus e turismo. Identificam-se igualmente alguns pontos de contacto e de conflito, procurando apontar acções e estratégias de cooperação que estão a emergir nos domínios dos museus e do turismo. A actividade turística utiliza a singularidade e as especificidades dos locais como forças principais de atracção dos destinos. O turismo por sua vez, tem-se relacionado com o património cultural concebendo uma grande variedade de produtos culturais, contudo, esta relação nem sempre tem sido equilibrada. Entre os benefícios mais destacados emergem os recursos económicos e financeiros que o turismo pode gerar para a conservação e preservação do património cultural (McKercher e du Cross, 2002; Russo e Van der Borg, 2002). A sociedade actual enfrenta novos desafios que têm determinado o crescimento de uma visão sustentável, assente na valorização e preservação de recursos endógenos, que por sua vez, tem contribuído para que o património cultural assuma maior importância enquanto factor de desenvolvimento local e regional (Gonçalves, 2003; Herbert, 1995; Hernández e Tresseras, 2001; Nuryanti, 1996).

Comunidade Território

Museu

Turismo

Figura n.º1 – Base conceptual Fonte: autora, 2007

Contudo, a utilização do património cultural pelo turismo revela-se ainda um assunto com alguma sensibilidade (Herbert, 1995). O património cultural pode ser concebido

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• O museu como pólo de atracção turística

como um recurso principal para a comunidade, o que exige uma utilização equilibrada. Neste contexto, os museus são parte de uma unidade global e parceiros privilegiados, no diálogo entre passado e futuro, todavia, na actual sociedade do lazer, disputam o nosso tempo livre com um cada vez maior número de atracções. Existe uma extensa literatura disponível associada às questões do património cultural e do turismo que se procuram sistematizar nos vários quadros incluídos neste ponto. Destacam-se as diferenças de estrutura, objectivos, agentes envolvidos, utilização dos bens e organismos que os representam (vide McKercher e du Cros, 2002 e 2006). Algumas interacções positivas também já foram apontadas: •

A cultura e o turismo começam a definir objectivos económicos em conjunto, como resultado dos benefícios mútuos já identificados.

O processo de transformação dos recursos culturais em produtos turísticos pode constituir-se como um incentivo para revitalizar a identidade cultural da comunidade.

O património cultural contribui para um ambiente favorável para a incubação e desenvolvimento de projectos turísticos, que podem criar condições para a inovação e diversificação dos produtos turísticos e dos destinos, respondendo a novas necessidades do mercado turístico (Jansen-Verbeke e Lierois, 1999).

O turismo com base no património cultural é mais do que a observação da arquitectura, da história ou da natureza. É verdade que é relativamente fácil promover o património cultural através de apresentações descontextualizadas e sem significado (ou com adulteração desse significado) (Phelps, 1994) e caberá sobretudo a cada local a responsabilidade de apresentar e interpretar o seu património, para o seu público, através dos seus artefactos. Ashworth relembra algumas especificidades que interessa considerar relativa à natureza dos recursos culturais:

1. A enorme heterogeneidade de produtos e serviços culturais que se oferecem aos turistas. 2. A natureza do conceito de cultura confere-lhe alguma ubiquidade, pois todos os locais têm uma história e um passado. É difícil definir estratégias assentes em recursos culturais e patrimoniais naqueles locais que não reúnam condições de verdadeira distinção. 3. Os produtos e serviços culturais possuem uma grande variedade de utilizadores para além dos turistas e servem uma grande variedade de funções para além do turismo. 4. O turismo utiliza com frequência recursos culturais que não foram produzidos para o mercado turístico, e que são de propriedade e gestão de pessoas que são indiferentes, ou até hostis ao mercado turístico (Ashworth, 1995). 83


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É expectável que a integração com sucesso do desenvolvimento turístico numa comunidade, dê melhores resultados do que a imposição do turismo como modelo de desenvolvimento de forma não relacionada. Os residentes são parte do produto turístico e o facto de se apelar à participação da comunidade local no projecto de desenvolvimento turístico contribui para uma redução dos impactes negativos (Timothy e Boyd, 2003). O envolvimento dos residentes no planeamento dá às comunidades a oportunidade de participar na forma como o seu património cultural é protegido e mostrado aos turistas. O que por sua vez, pode contribuir para o aumento do orgulho e sentimento de pertença (McArthur e Hall, 1993). As comunidades receptoras têm reagido de forma diferente ao desenvolvimento do turismo, variando as suas respostas em função do nível de desenvolvimento do turismo, mas também conforme os interesses dos grupos (Costa e Ferrone, 1995). As comunidades raramente possuem uma visão uniforme do turismo, e as reacções podem ir do suporte entusiástico ao seu desenvolvimento, como à total oposição. Quanto maior envolvimento da comunidade for promovido no processo de planeamento e desenvolvimento do turismo, maiores garantias de aceitação, sucesso e sustentabilidade terá o projecto do seu desenvolvimento (Butler, 1999). De facto, o relacionamento que se estabelece entre as comunidades receptoras e o turista é em regra superficial e breve, assentando maioritariamente em objectivos comerciais (Holloway, 1998). A investigação identificou outros efeitos positivos do turismo, tais como: as trocas culturais, a revitalização de tradições locais, o aumento da qualidade de vida, a melhoria da imagem da comunidade, o aumento do sentimento de lugar. Como factores determinantes das percepções e das atitudes dos residentes em relação ao turismo, os autores apontam os factores económicos e sociais, o tempo de residência na área e a dependência económica do turismo (Besculides et al., 2002). A conclusão comum aos estudos em geral, consiste na necessidade de envolver as comunidades locais no processo de planeamento e desenvolvimento do turismo, pois apenas pela participação activa da comunidade local se poderá conseguir que o património cultural produza benefícios económicos e sociais reais (Besculides et al., 2002; Hampton, 2005). No entanto, os debates associados à relação do turismo na gestão e planeamento do património cultural transcendem largamente a questão da participação activa das comunidades. No Quadro 1 procura-se sistematizar alguns desses tópicos de debate mais correntes sobre a gestão do património cultural e turismo.

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• O museu como pólo de atracção turística

Quadro n.1- Debates correntes na gestão do património cultural e turismo Debates correntes na gestão do património cultural

Descrição

Musificação-banalização das cidades

Património como mero cenário preparado para consumo turístico Modelos estereotipados de renovação urbana-» operações de ‘clonagem’ + monofuncionalização de alguns sectores urbanos

Contaminação arquitectónica

Construção das infra-estruturas turísticas -» integração entre as infra-estruturas turísticas e a envolvente (em particular das características do meio natural) Urbanização sem respeito pelas áreas naturais ou históricas

Competição pelo espaço /desertificação do centro histórico/tercearização e gentrificação

Expulsão dos antigos moradores + aumento acentuado dos preços dos terrenos e imobiliária Tercearização da área – concentração de actividade comercial Gentrificação – reconquista da área por classes sociais mais elevadas

Perda de autenticidade/ Commodification

«Aculturação»- comercialização da cultura; alterações na cultura receptora e na identidade local pela assimilação da cultura do turista Interesses económicos – manipulação de tradições e costumes para entretenimento

Património e Identidade

Segundo alguns autores “descoberta” de um património pode significar a morte de uma identidade, dado que, a “patrimonialização” representa a introdução de mutações na identidade. Diz respeito ao medo de que a cultura local assimile as influências da cultura dos turistas que é mais preponderante sobre as tradições, valores e costumes nas chamadas sociedades tradicionais, mas também a necessidades decorrentes do desenvolvimento da actividade turística, de fornecer aos turistas as comodidades a que estão habituados nos seus países de origem e de instituições que têm a responsabilidade de fornecer as imagens e as narrativas associadas a esse património, não incluírem nas suas narrativas todo o património, sobretudo dos grupos étnicos minoritários.

Sustentabilidade do Turismo Cultural e capacidade de carga

‘Super-povoamento’ de muitos locais históricos -» deterioração física (e.g. Veneza, Bruges, Florença) Maximização da utilização/congestionamento

Fonte: Gonçalves, 2003 (a partir de Barré, 1995; Bianchini e Parkinson, 1993; Bourdieu, 1979, Bourdieu e Darbel, 1991; Misiura, 2006; Peixoto, 2004; Prentice, 1993a e 1994; Richards e Bonink, 1995; Richards, 1996 ;Silberberg, 1995; Smith, 2003; Van der Borg e Costa, 1993).

Na discussão sobre as divergências e convergências entre os agentes do turismo, os responsáveis pelo património cultural e a comunidade local, a Comissão Australiana do Património Cultural reconhece que muitos locais patrimoniais são altamente valorizados 85


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pelas comunidades locais e regionais, que se constituíram como as suas principais protectoras. As comunidades desejam desenvolver o turismo, mas também proteger a sua privacidade, e preocupam-se com os efeitos que o turismo pode trazer, pelo que apontam como fundamental que se: estabeleçam as necessidades, os interesses e aspirações da comunidade local na fase de pré-planeamento; tenham em consideração as sensibilidades culturais ou religiosas associadas ao uso e apresentação do local patrimonial; identifiquem e consultem os líderes da comunidade local; apresente a perspectiva da comunidade local; analisem formas da população local ter um papel activo na gestão e operação da atracção turística (“os amigos do património”; acções de voluntariado; “story telling”; visitas guiadas; entre outros); procurem maximizar os benefícios para a comunidade local e reduzir ou evitar os impactes negativos (AHC, 2004). Inskeep 4 (1994) apontava como formas de evitar os impactes negativos derivados do turismo e de potenciar o desenvolvimento do turismo cultural: proporcionar oportunidades para intercâmbio cultural entre comunidade local e turistas (interacção); assegurar o acesso à cultura por parte das comunidades locais; preservação dos estilos arquitectónicos locais; preservar a autenticidade das artes locais e dos festejos culturais; proteger e apoiar os métodos de produção cultural locais; favorecer a criação de centros culturais locais integrando espaços de exposição e de espectáculos; e quando necessário, prevenção das visitas a espaços religiosos e a cerimónias onde os impactes possam ser menos positivos1. Uma nova mentalidade tem vindo a emergir baseada no desenvolvimento e na implementação de estratégias de marketing que garantam padrões de qualidade que não afectem os objectivos sociais do património cultural, ou que possibilitem que os lucros comprometam a sua existência (Izquierdo e Samaniego, 2004). Mas outras visões subsistem como é o caso de Desvallées que é muito crítico à acção do turismo associando-a à “mercantilização” dos museus, pois considera que se verifica um consumo excessivo dos bens das colecções, mas também dos bens patrimoniais que permanecem in situ e fala em massificação:

“ (…) tem[-se] assistido aos biliões investidos para transformar estes locais culturais em supermercados do objecto patrimonial. Certamente que os nossos museus precisavam de rejuvenescimento; mas permitiu-se que os mercadores entrassem no templo. Conservaram o seu público fiel de intelectuais, de quadros e de classe média que visitam pelo menos uma exposição por ano (…) e a frequência familiar aumentou ligeiramente passando de 19% a 25% no decorrer dos últimos dez anos; no entanto, globalmente, em lugar de passar de um nãopúblico a um público de proximidade, passou-se a um público de superfície, ou

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seja o dos turistas, os quais segundo o programa dos operadores “fazem o Louvre numa hora” visitando sobretudo a Samotrácia5 e a “Monalisa” e constituem 25% dos visitantes deste museu e mais de metade nos museus paisienses.” (Desvallées, 2003: 54-55). No entanto, no decorrer do artigo o autor relembra que não só ao turismo deve ser apontado o perigo de comercialização, mas também ao mercado das artes e acusa o museu de utilizar uma linguagem inacessível à maioria das pessoas. Internacionalmente tem vindo a ser promovida alguma reflexão sobre o conceito de museu e a sua evolução, e defende-se hoje que os museus combinem o seu objectivo social – de instituições guardiãs de memórias, com responsabilidades na preservação de um património, na investigação e na educação – com outro tipo de actividades de promoção desses objectivos, com a concepção e implementação de estratégias de marketing, que não comprometam a sua existência (Kotler e Kotler, 1998; Izquierdo e Samaniego, 2004), e que gerem impactes económicos positivos para as comunidades e para o próprio museu (McLean, 1997; Reussner, 2003). Para uma melhor compreensão do contexto cultural e da evolução do museu através do tempo apresenta-se a definição de museu.

2.1 A definição de museu O papel do museu na actual sociedade encontra-se em acesa discussão, reconhecendose de forma crescente que o conceito “tradicional” de exposição e de museu está em crise e declarando-se a necessidade do museu se tornar mais dinâmico e competitivo, procurando uma ligação mais estreita e participada com a sociedade, utilizando um discurso mais comercial, mas sem que se distancie das missões de “conservação e conhecimento da arte” (Martos e Santos, 2004:86). Os museus são, ou deviam ser “espelhos da sociedade”, do seu desenvolvimento e da sua cultura, do passado e do presente. As alterações resultantes da evolução da sociedade determinaram que o conceito de museu tradicional se tornasse obsoleto (McLean, 1987). Nos anos 60 o museu era um “templo de cultura” e as suas paredes eram opacas. No século XX a cultura democratizou-se e o interesse público pelos museus cresceu e diversificou-se. Hoje, o museu é um instrumento educacional capaz de promover o reconhecimento de novos patrimónios (ex. do património industrial, onde se insere o caso do novo Museu Municipal de Portimão). O conceito de museu do ICOM (International Council of Museums) também tem sido frequentemente redefinido e adaptado à realidade: “A museum is a non-profit making, permanent institution in the service of society and of its development, and open to the 87


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public, which acquires, conserves, researches, communicates and exhibits, for purposes of study, education and enjoyment, material evidence of people and their environment.” (ICOM Statutes, 1989, article 2, paragraph I). Esta definição foi adoptada em Haia, na Holanda em 1989, tendo sido revista em 1995 e novamente em 2001. Como se pode verificar, as referências à aquisição e à conservação permanecem prioritárias sobre as questões de educação e de entretenimento. As funções principais de qualquer museu são: identificar, recuperar e reunir grupos de objectos e de colecções; documentá-los; preservá-los; estudá-los; apresentar ou expor esses objectos ao público em geral; e interpretá-los ou explicá-los (Hernández e Tresseras, 2001). As primeiras funções são as mais tradicionais e historicamente as mais reconhecidas, constituindo-se as restantes como a que estão mais associadas ao público e às dimensões sociais da gestão do património cultural. A questão do uso social do património cultural ganhou maior relevância a partir de 1920-30’s, pela tomada de consciência de que a perda de ligação com o contexto de produção e uso desse património significaria a perda do seu significado. Qualquer colecção ou museu só pode ser explicado através da sua história (Hernández and Tresseras, 2001). Foi neste período que os responsáveis pelos museus se tornaram mais sensíveis aos desejos e motivações da procura e se demonstraram mais abertos a uma interacção entre protecção, difusão e estudo. Datam deste tempo as primeiras grandes exposições temporárias, as visitas escolares, e os primeiros departamentos pedagógicos, e educativos dos museus. São introduzidos novos sistemas de exposição e de apresentação das colecções e surgem os primeiros estudos de públicos. Contudo, o período de Guerra instalou uma crise na museologia internacional e só em 1984 com a “Declaração do Québec” se reafirmou a importância da função social do museu (ICOM, 1989). Outro conceito apresentado pela primeira vez no referido documento foi o da “Museologia Activa” que envolve o desenvolvimento das pessoas e das comunidades pela sua associação a projectos futuros dos museus, com o objectivo principal de contribuir para um sentimento de orgulho local e contribuir para a prevenção da destruição das identidades culturais. É nos anos 80 com a emergência dos “turismo de massas” que os locais patrimoniais começam a assumir o papel de atracções, sendo nos anos 90 que o edifício do museu perde ênfase e ganha maior relevância a possibilidade de transferir temporariamente as exposições para fora dos museus (Boniface e Fowler, 1993; Garcia, 2003; Hernández e Tresseras, 2001; Misiura, 2006). Em Portugal, segundo o conceito de museu adoptado e introduzido na Lei-Quadro dos Museus Portugueses, um museu é: “uma instituição de carácter permanente, com ou sem personalidade jurídica, sem fins lucrativos, dotada de uma estrutura organizacional que lhe permite: a) Garantir um destino unitário a um conjunto de bens culturais e valorizá88


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los através da investigação, incorporação, inventário, documentação, conservação, interpretação, exposição e divulgação com objectivos científicos, educativos e lúdicos; b) Facultar acesso regular ao público e fomentar a democratização da cultura, a promoção da pessoa e o desenvolvimento da sociedade.” (Lei n.º47/2004 de 19 de Agosto). Este conceito aproxima-se da definição do ICOM e introduz, pela primeira vez, a necessidade de se possuir uma “colecção visitável”, bem como um processo de credenciação dos museus, para que tenha lugar o reconhecimento oficial da qualidade técnica desse museu (requisitos e processo encontram-se regulamentados pelo Despacho Normativo n.º3/2006 do Ministério da Cultura e foram publicados em Diário da República, I Série-B, Nº 18 de 25 de Janeiro de 2006).

2.2 A gestão e o marketing aplicado aos museus Regra geral, as definições de museu centram-se mais no lado da produção do que no da procura, demonstrando-se uma abordagem de consumo numa fase incipiente, associando-se a um entendimento de espaço público (ou semi-público). Numa visão pósmoderna do papel do museu é referida a importância dos serviços educativos e culturais, assim como, a importância de incluir cinemas, teatros, bibliotecas especializadas, bons bares e restaurantes, novos espaços comuns, criando uma oferta diversificada e complementar, que possa dar origem a permanências mais longas e agradáveis naquele espaço (Quadro 2).

Quadro n.º 2 – Dimensões do museu em face do tipo de gestão/direcção Product/service dimensions

Emphasis of custodial management

Emphasis of marketing management

Education

Value and importance in aesthetic terms Maintained, designed for preservation of collections

Relevance to visitors Create impact, differentiation, visitor-friendly environment

Accessibility

Standard opening hours, limited proximity of customers to some valuable collections

Proactive staff-visitor interactions and proximity encouraged

Communication

Predominantly passive observation encouraged Standardised messages/attention, impersonal approach, little attempt to involve visitors

Visitors participate in experience More individualised messages/ attention. Personal approach and emotional involvement of visitors

Fonte: Gilmore e Rentschler, 2002:757

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Alguns museus colocam a ênfase da sua actuação nas actividades tradicionais de investigação e nas colecções. Não recorrem por isso a consultores, não analisam o mercado, não fomentam as visitas ou as doações/mecenato. Os museus mais modernos são geridos com um enfoque empresarial: centram-se na promoção de programas criativos, preocupam-se com gerar fundos através de exposições temporárias; donativos; festas; entre outras. Estes museus acentuaram nas suas políticas e na sua programação a participação do público. Para tornar o museu mais acessível a uma audiência mais ampla e atrair em particular aqueles visitantes que não iriam ao museu tradicional, promovem um crescente número de eventos de grande alcance. Os museus estão a adoptar uma orientação para o mercado (Gilmore e Rentschler, 2002) e querem oferecer experiências excitantes (Kirshenblatt-Gimblett, 1998). De acordo com Izquierdo e Samaniego (2004) o êxito do museu requer a utilização de uma combinação de estilos apresentados no Quadro 2, colocando uma ênfase crescente na abordagem empresarial. Todavia, o museu vê a sua gestão restringida por um conjunto de factores de diferente natureza, onde se incluem questões financeiras, administrativas e legais, que por vezes, se tornam inibidoras da introdução de alguma flexibilidade (Martos e Santos, 2004). Inserem-se também no sector “não lucrativo”, o que dificulta uma atitude mais orientada para o mercado e desempenhos de qualidade. Weil aponta quatro factores principais para a avaliar qualidade da acção do museu: possuir uma missão claramente definida (que se perpetue, mas que seja exequível); ter capacidade em termos de recursos (fiscais, físicos e humanos); avaliar a eficácia global do museu (se o museu fez a diferença; se produziu impacto junto da audiência desejada); e medir a eficiência (a utilização racional e equilibrada dos recursos) (Weil, 2002). O elemento relativo à eficácia, é o mais difícil de avaliar, porque nos sectores considerados não- lucrativos, o rendimento gerado ou a recuperação dos gastos não são os indicadores que se costuma considerar. Admite-se que não é fácil introduzir e aplicar os conceitos e os modelos dos negócios lucrativos, no sector dos museus, e que poderão resultar daqui alguns pontos de conflito com o turismo. Contudo, o museu que no futuro deseje desenvolver uma programação que obedeça a padrões de qualidade e ombrear com outras ofertas de lazer terá que promover uma análise: do mercado; da concorrência; do consumidor; e dos canais de distribuição (Weil, 2002). Só será possível definir a estratégia se se conhecerem as audiências. Os museus possuem uma crescente diversidade de programação dirigida a diferentes audiências (Garcia, 2003; Kotler e Kotler, 1998). O marketing é importante porque permite ao museu

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confirmar a sua missão e dar uma resposta eficiente aos seus públicos, na medida em que através das suas técnicas são identificados: o perfil do visitante; o mercado em que o museus opera; o potencial de desenvolvimento dos principais segmentos do mercado e as estratégias com vista a aumentar a base dos consumidores, bem como de atracção de novas audiências. No caso Português, os museus têm uma capacidade de gestão reduzida salvo os casos em que se constituem como entidades privadas autónomas – a sua estrutura orgânica difere pouco de região para região, e os seus meios humanos e os recursos económicos são estabelecidos fundamentalmente em função dos gastos com o pessoal, dos gastos correntes para o funcionamento dos serviços, e do plano de actividades aprovados pela entidade que tem a tutela. Por exemplo, as receitas provenientes das entradas nos museus da administração central, bem como das vendas nas suas lojas não revertem a favor do orçamento do próprio museu, mas são reintegrados a nível central. Uma capacidade de gestão tão limitada dificulta a afirmação do museu enquanto instituição dinamizadora de uma acção cultural e social em torno do espaço em que se desenvolve a sua actividade. Também se verifica uma grande diversidade de tipologias de museus e das suas tutelas que conduzem a formas e a situações de gestão orçamental muito díspares, não correspondendo em muitos casos a orçamentos autónomos do museu, mas dependentes de entidades que lhes são exteriores (Serra, 2007). A maioria dos museus também não tem procurado integrar a sociedade civil no seu projecto e o tecido social tem em regra uma participação de espectador em face da acção promovida pelos museus. Verifica-se um crescimento das expectativas da parte dos visitantes e consumidores em relação ao facto da experiência no museu incluir mais diversão e envolvimento. Sabese que os mecanismos interactivos e a oferta de outros serviços de lazer de qualidade como o merchandising, comércio e restauração, aumentam a notoriedade dos museus, bem como alargam o seu mercado de acção. Algumas organizações têm apostado numa gestão do tipo “best value”, recrutando pessoal com as competências necessárias para gerar novas fontes de financiamento e manter as qualidades competitivas (Lennon e Graham, 2001, dão o exemplo do Museu de Ciência de Londres). A venda livre dos bens declarados de interesse cultural encontra-se fortemente restringida em muitos países pela legislação nacional, pelo que, os museus possuem um número de peças elevado em reserva, que consideram sem grande valor, mas que por vezes, o seu empréstimo ou o seu intercâmbio podem contribuir para a valorização do espólio. Em regra, os museus em função da sua inserção territorial, possuem um maior

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número de peças de determinadas civilizações que, podem não existir noutros países ou noutros territórios e pelo intercâmbio podem dar a conhecer em outros museus, outras culturas. No caso Europeu, Martos e Santos (2004) falam na partilha desse património como forma de contribuir para um maior conhecimento da história europeia, propondo a criação de uma “Rede de Museus de Civilização Europeia” no âmbito da Comissão Europeia. Por outro lado, o empréstimo temporal destes objectos “não expostos” a outras instituições, permitiria a rentabilização desse património, e até estar na base de novas aquisições, pelas receitas que daí podem advir. Os museus actuais procuram uma renovação e adaptação ao visitante (Izquierdo e Samaniego, 2004). A monitorização dos visitantes nos museus é uma das medidas mais implementadas internacionalmente. Por exemplo, no Natural History Museum em Londres, que recebe cerca de 1,7 milhões de visitantes ao ano, promoveu um processo de reorganização, criando equipas de especialistas dedicadas a estudar os percursos e a experiência do visitante. Conceberam ainda circuitos temáticos e orientam as visitas para aqueles visitantes com tempo limitado (Garcia, 2003). Para estudar o perfil do visitante e do “não visitante” implementaram inquéritos nos autocarros de Londres, entrevistas pessoais e questionários aos visitantes dos museus. Outros autores propõem a adopção do modelo de experiência interactiva (Interactive Experience Model) que pressupõe cuidados acrescidos com elementos como o contexto físico – espaços para descansar/ sentar; legendagem e percurso (itinerário) (Falk e Dierking, 1992). Uma recomendação chave será assim o desenvolvimento de estratégias de base territorial. Propõe-se hoje uma alteração aos tradicionais discursos evolucionistas dos museus e defende-se a introdução de uma organização museológica orientada para correspondências e relações que possibilitem a abrangência de uma “multiplicidade de histórias”, bem como, um maior “leque de possíveis interpretações” (Semedo, 2006). Esta quebra com a organização clássica da exposição pode estar, no entanto, na base de alguma desorientação. O museu não deve ser um mero local onde estão depositados materiais que funciona como centro de investigação e apenas pode ser visitado por uma minoria, mas deve ser perspectivado como “um núcleo de projecção cultural e social, com uma contínua e decisiva função didáctica, com uma aproximação viva à cultura.” (Martos e Santos, 2004:80). Segundo Alice Semedo está-se a operar uma revolução e renovação dos museus que coloca a “ênfase na promoção da experiência; [e] que revela novos horizontes éticos, epistemológicos e estéticos. A procura de relevância fora dos seus contextos habituais é sem qualquer dúvida, um dos eixos desta metamorfose museológica.” (Semedo, 2006:6). As pessoas esperam hoje que a visita ao museu seja relaxante, divertida e que se traduza 92


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num espaço de sociabilização, tal como em outros centros de lazer ou de educação. O museu emerge num leque alargado de opções de lazer, pelo que, têm que se modernizar para ir ao encontro de um mercado mais exigente e isso significa programas educativos diferenciados e com propostas adequadas aos seus públicos mas também a necessidade de melhorar as infra-estruturas do museu. Mas será que os responsáveis pela gestão do museu são da mesma opinião? Um estudo desenvolvido junto dos directores dos museus norte americanos6 demonstrava que as estratégias de marketing mais importantes que os directores desejavam desenvolver eram: novas exposições para promover a repetição de visitas; oferecer programas para diferentes visitantes; aumentar a reputação do museu pelo reforço da publicidade, relações públicas e patrocínio. As estratégias menos apontadas foram (ordem crescente de ponderação): estabelecimento de sucursais/secções noutros locais para chegar a outras audiências; e pagar a uma agência de publicidade para fortalecer a identificação/imagem do museu. O planeamento das exposições tinha em conta sobretudo (ordem decrescente de importância): as necessidades de diferentes grupos de visitantes; avaliar a orientação (ou não) da exposição para os visitantes; preparar actividades interactivas para ir ao encontro dos estilos de aprendizagem dos visitantes (Yeh e Lin, 2005). Verificou-se também que o peso das entradas de visitantes no orçamento do museu já é substancial (segunda fonte principal de rendimento), mas mais surpreendente foi que os directores dos museus evidenciaram que acreditam que os meios de comunicação tradicionais, como a rádio, a TV, os jornais e as revistas são mais eficientes, do que o e-mail ou a página on-line (Yeh e Lin, 2005). Gostava de destacar a relevância dada pelos inquiridos à necessidade de possuir actividades “hands-on”, do tipo ateliês, e uma loja, como formas de possibilitar uma melhoria das experiências interactivas nos museus. Quanto ao catering ou à inclusão de serviços de restauração no museu, Falk e Dierking (1992) defendem que este serviço pode contribuir para melhorar a experiência do visitante no museu e que até a preparação de pratos especiais que vão ao encontro da exposição em curso, pode ser uma das formas de passar a mensagem do museu. É inegável também o contributo que pode dar para o aumento das receitas do museu e, tal como Yeh e Lin (2005) afirmam, ninguém conseguirá desfrutar de uma visita ao museu se estiver com fome. Por sua vez, as sucursais são referidas por Kotler e Kotler (1998) como forma de projectar a imagem dos museus noutros locais, o que pode contribuir para a atracção de novos visitantes. Hein (1998) afirma que a aprendizagem se deve constituir como a função principal dos museus, todavia, há que acompanhar os novos processos de aprendizagem e adaptálos aos estilos dos tempos modernos: “Museums are extraordinary places where visitors 93


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have an incredible range of experiences” (Hein, 1998:2). Yeh e Lin reconhecem que o museu apresenta vantagens associadas às formas de aprendizagem informais e afirmam “Learning in museums give visitors a self-directed learning opportunity to construct personal learning atmosphere, scheduling, and content.” (Yeh e Lin, 2005:281). Mas para que tal se verifique, será necessário que os museus acompanhem a sociedade e tal como afirmava um dos directores que se entrevistou: “Não concebo que em minha casa tenha por exemplo o acesso a determinadas tecnologias e que no museu não tenha – os computadores, a informação via audiovisual, já há museus virtuais, já há museus com interpretação interactiva.”7. Não está em causa a discussão do museu como parque de atracções, mas a verdade é que o museu é um espaço onde se contam histórias e hoje as pessoas esperam mais do que a simples venda de uma mercadoria (i.e. o bilhete de entrada numa exposição), procuram uma experiência (Quadro 3).

Quadro n.º 3 – A “experiência” como conceito económico Evolução das abordagens económicas até ao presente

Seller Buyer

Commodities Market Characteristics

Goods User Features

Services Client Benefits

Experiences Guest Sensations

Fonte: Pine e Gilmore, 1999:6

Segundo Pine e Gilmore a experiência é criada quando: “a company intentionally uses services as the stage and goods as props, to engage individual customers in a way that creates a memorable event.” (Pine e Gilmore, 1999:11). A experiência turística é por definição um processo subjectivo, daí que segundo Ryan (1997) será fundamental o contexto da experiência, assim como os antecedentes sócio-culturais. A intangibilidade do produto turístico conduz a uma identificação da experiência turística como uma matéria de percepção (Fainstein e Gladstone, 1999). Os analistas culturais enfatizam os efeitos da indústria turística sobre o espaço e as referências simbólicas. A autenticidade é quase sempre uma referência obrigatória quando se discute a experiência turística, considerada por inúmeros autores como questão fundamental, numa análise desenvolvida por Judy Cohen (2002) sobre os trabalhos de Dean MacCannell (1976), Daniel Boorstin (1987) e Umberto Eco (1983) a autora conclui que nem sempre o turista tem como objectivo a procura de uma experiência autêntica e caracteriza o turista pós-moderno: “(…) not so much a new type of animal, but rather a 94


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decision-maker with a new array of options.” (Cohen, 2002:34). Cohen argumenta que os turistas modernos não são diferentes daqueles de tempos passados e que desde longa data que o turista procura minimizar o desconforto e os riscos associados às viagens. Por sua vez, a “encenação da autenticidade” sobre a forma de cerimónias, actividades e eventos tem sido vastamente disseminada e é hoje bastante comum, ainda que criticada por alguns. Por seu lado, Smith (2003) considera que mais importante do que discutir se a autenticidade é real ou encenada, será assegurar que as comunidades locais se sentem confortáveis com o seu papel de actores e animadores do turista. Os recursos autênticos serão os locais, serviços ou eventos que reflectem o património nacional, regional ou local. A autenticidade pode ser determinada com base em vários critérios. O recurso pode até nem reter todas as características culturais relevantes, mas deve reter todas as que se relacionam com a sua identidade histórica ou a sua relação com a tradição cultural (Lord, 2002). Em suma, as experiências turísticas autênticas serão aquelas com significado. De acordo com McKercher e du Cros (2002) será ainda fundamental que se identifiquem aqueles recursos que são realmente excepcionais e de valor único, e que serão os responsáveis por atrair as pessoas ao destino. Saliente-se uma vez mais, a importância de consultar os vários agentes dos dois sectores para assegurar que se evitam conflitos. Todas estas reflexões são relevantes para determinar o potencial de atracção do turismo por parte dos museus. Por outro lado, deve existir a consciência que, regra geral, os museus possuem um grande potencial de atracção turística, podendo constituir-se como contribuintes válidos e parceiros principais do desenvolvimento do turismo cultural – na teoria e na prática (Benediktsson, 2004).

2.3 O museu como pólo de atracção turística Os grandes museus da Europa são um importante factor de mobilização de pessoas, sobretudo através das suas grandes exposições. Estes museus estão extremamente interligados com a política da própria cidade – as decisões sobre as grandes exposições na Holanda, por exemplo, não provêm do director do museu ou de um grupo de conservadores, mas do departamento de marketing da cidade e da decisão colectiva de um grupo de gestores para tentar aumentar as visitas. Este fenómeno teve início nos anos 90 na Holanda, com as exposições de Van Gogh, tendo sido seguido no Reino Unido e em França, e esteve na origem de centenas de milhares de visitas às cidades (Bellacasa, 1999). 95


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Para conseguir concretizar este tipo de iniciativas tem que se adaptar as estruturas dos museus ao novo consumidor. Em Espanha procurou-se promover este tipo de iniciativas através do Ano de Goya e do Ano de Velásquez, mas sem o sucesso desejado, que se atribui ao descurar do aspecto da comercialização turística. Numa referência ao caso Espanhol, o autor conclui que os grandes museus ainda não perceberam que têm que possuir gestores e alterar a sua estrutura de gestão. Num grande número de museus os horários não estão adaptados aos fluxos turísticos e encerram aos Domingos. Bellacasa (1999) reconhece que o visitante contemporâneo necessita de: flexibilidade, informação em vários idiomas, produtos comercializados pelo museu, realizar actividades à volta das colecções. Em suma precisa de “viver o museu”, estabelecê-lo como um marco da cidade e factor de desenvolvimento da mesma. Outros museus, como o Museu do Louvre ou o Museu Britânico já introduziram a possibilidade de alugar salas e outros espaços para jantares e para filmagens como forma de angariar mais recursos financeiros. Não chega possuir um legado histórico relevante, é necessário que exista uma acção política para que o local possa atrair turistas e afirmar-se como destino de turismo cultural. Será também fundamental envolver as populações e conseguir a participação da administração pública nos diversos níveis. O território é dinâmico e por vezes converte-se em museu, por sua vez, o museu representa um espaço territorial, de expressão da história e arte de uma área geográfica. Existe uma dialéctica entre ambos (Rocio, 2004). Os recursos patrimoniais possuem uma forte ligação com o território que emerge como o espaço em que se desenvolveu a actividade humana ao longo dos tempos. A protecção e a dinamização destes recursos têm conduzido à procura de soluções que possibilitem um desenvolvimento sustentado do potencial destes recursos, que terão estado na origem, em Espanha, dos parques culturais e dos parques arqueológicos, por exemplo (Martos e Santos, 2004). Compreende-se hoje que é necessário associar os vestígios arqueológicos e os monumentos aos seus territórios, e por isso verifica-se uma crescente musealização “in situ” e ao proliferar dos centros de interpretação. Contudo, não só nestes casos isso deve acontecer. O museu pode encontrar a sua base territorial numa cidade e está-se perante um museu de cidade, ou pode assentar numa área mais ampla, e aí assume-se como a base da estratégia de actuação as várias áreas patrimoniais do património em que se insere. Veja-se o caso do “Ecomuseu”, conceito desenvolvido em França tem por base o interesse pela ecologia e etnologia (Martos e Santos, 2004) Também a necessidade de tornar os vestígios compreensíveis conduziu a uma tendência para não descontextualizar, na medida em que a sua manutenção no território

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possibilita uma leitura do objecto no lugar de origem. Uma nova visão do território estará nos fundamentos de um novo conceito de museu, com base territorial e participação da comunidade.: “(…)los ecomuseos, los museus integrales y los museos institutos se apresentan como modelos óptimos para el desarrollo de estas políticas patrimoniales.” (Martos e Santos, 2004:92).

Quadro n.º 4 - Rota Romana Andaluza Estudo de caso: Museu e Território – Rota Romana Andaluza (Ruta Bética Romana) •

Projecto de turismo cultural que procura valorizar o legado romano em torno da Via Augusta no seu trajecto Andaluz.

Foram os municípios que tiveram a iniciativa e que constituíram a organização de uma sociedade com os seguintes objectivos: colocar em valor este património; difundir esse património; conservar o mesmo.

Integra património artístico, cultural, monumental, tradições e gastronomia em torno do legado romano da Via Augusta.

É parte do projecto europeu das vias romanas do Mediterrâneo.

Transversalmente cada município organiza exposições itinerantes, produz guias, vídeos promocionais e outros materiais como moedas, jogos, etc.

Gerou emprego e dinamiza a economia assumindo a conservação do património em causa através de políticas integradas nos âmbitos do: urbanismo, da economia, do meio ambiente, do turismo e da cultura.

O projecto exigiu o compromisso de vários níveis da administração, da comunidade e da Confederação de Empresários da Andaluzia, da Consejeria de Turismo da Junta da Andaluzia e o apoio da Consejeria da Cultura.

Fonte: Rocio, 2004

Este projecto vai ao encontro do conceito de museu integral (conceito introduzido pela UNESCO em 1972), um museu que desenvolve as suas funções tradicionais, mas integra o desenvolvimento de políticas patrimoniais sobre um território, integrando toda a população desse território na sua actuação, constituindo-se como “núcleo dinamizador del desarrollo cultural y también económico de la zona” (Martos e Santos, 2004:74). Um exemplo que os autores apontam é o de Aragón em que foi introduzido o conceito de “parque cultural” que se assumem como instituições integradoras do património histórico daquele território (Martos e Santos, 2004). O total dos visitantes dos museus da Andaluzia em 2000 ascendeu a 1.222.283 visitantes, a que se acrescem 2.234.054 de visitantes da Alhambra, que representa quase 97


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o dobro dos visitantes dos museus no seu conjunto. Só para registo a Andaluzia em 2000 recebeu 19.780.727 turistas (Martos e Santos, 2004), o que se significa que um número elevado de turistas não visita qualquer museu. Outro elemento interessante da região de Andaluzia tem que ver com o facto da distribuição geográfica dos museus se encontrar muito concentrada em torno das 8 capitais de província, que se constituem por sua vez, como aqueles locais de maior rentabilidade económica e de maior fluxo turístico, pois são também as maiores aglomerações urbanas (entre 20000 e 50000 habitantes). As zonas com mais de 2 museus ou até 5 museus são as que constituem territórios e cidades com património de maior importância: Sevilha, Cádis, Málaga, Granada, Córdoba, Huelva e Almeria encontram-se entre esses locais. Se se pretender fazer uma análise paralela do caso do Algarve, verifica-se que os quatro museus estudados (que integram a Rede Portuguesa de Museus) situam-se todos nas cidades de maior dimensão populacional do Algarve, na faixa litoral e nas zonas de maior afluxo turístico da região. Numa análise de dimensão nacional em 2002, dos 591 museus que integraram a Base de Dados do Observatório das Actividades Culturais, apenas 6,9% se localizavam no Algarve (30,5% na zona de Lisboa e Vale do Tejo; 26,1% no Norte; 19,8% no Centro; e 9,8% no Alentejo) (Lima dos Santos e Bairrão Oleiro, 2005). Existe um número crescente de autores que defendem na sua investigação que os museus se constituem como elementos principais de atracção de turismo cultural, advindo daí possibilidades de desenvolvimento económico – local e regional – muito positivas (Prieto et al., 2002), o que tem contribuído para a disputa que se vive entre as cidades numa tentativa de conseguir possuir um museu emblemático, com projecto de assinatura de um arquitecto de renome.8 Um outro caso que merece referência é da Escócia, onde desde 1999 foi criado um Visitor Attractions Monitor (VAM) que recolhe e publica as estatísticas do sector das atracções turísticas integrando os museus (Lennon e Graham, 2001). A perspectiva do museu enquanto atracção turística não é ainda hoje pacífica e grande parte das galerias e museus do Reino Unido são propriedade do sector público, de associações e de organismos sem fins lucrativos. Já foram vários os autores que referiram a função comercial dos museus, no lazer e no turismo (Ambrose, 1994), outros afirmaram a necessidade de uma maior orientação para o mercado (Cossons, 1985), ou mesmo evidenciaram a necessidade de uma revisitação dos objectos, procurando criar uma ligação com o presente (Hall, 1997) para se desenvolverem como locais competitivos (Lennon e Graham, 2001). Na Escócia, a atitude perante o turismo tem permanecido ao longo dos tempos quase imutável apontando-se como o turismo como responsável por tornar a história

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• O museu como pólo de atracção turística

em mercadoria (Hewison, 1987), mas uma orientação comercial emergente na política pública levou a que se introduzissem padrões de excelência nas organizações de serviços públicos. Alguns dos indicadores introduzidos nesta avaliação qualitativa foram: padrões de desempenho, informação e abertura; consulta e escolha; cortesia e ajuda; melhorias na qualidade do serviço; melhorias planeadas e inovação; com a centralidade da avaliação colocada no cliente. As estatísticas já são utilizadas pelas atracções para medir o seu desempenho relativamente aos seus concorrentes e alguns dos indicadores incluem a monitorização do número de visitantes, a sua permanência média e a despesa por visitante (Lennon e Graham, 2001). Lennon e Graham (2001) apontam o desenvolvimento de novas estruturas, mais flexíveis, tais como, o trabalho em rede, a colaboração ou a partilha de recursos como medidas capazes de contribuir para uma maior eficácia das políticas, que levaria a interpretações mais coerentes do património cultural e a um maior estímulo à procura. Apontam três factores principais que têm dificultado uma maior orientação para o mercado dos museus: resistências dos museus que aumentaram a sua dependência do mecenato e tendem a aguardar um maior suporte das suas redes normais de financiamento (sector público, fundações, voluntários); ausência por parte dos profissionais dos museus das competências de gestão necessárias para lidar com as pressões financeiras, legais e comerciais; as obrigações éticas do sector dos museus levam a que considerem prioritário a noção de serviço público, pela protecção e preservação do seu legado para as gerações futuras. Estão assim identificados exemplos de esforços internacionais no sentido de tornar os museus espaços atractivos e atracções de lazer competitivas. Tal como afirma Silberberg (1995) a relação que se estabelece entre os museus e os locais históricos, e o turismo tem de deixar de centrar-se “No que é que podes fazer por mim?” e reflectir uma abordagem do tipo “O que posso fazer por ti?”. Entre algumas das políticas e práticas que os museus podem adoptar Silberberg refere: •

Ajudar os hotéis a definir packages de fim-de-semana para ultrapassar o problema frequente das quebras nas taxas de ocupação.

Ajudar a definir programas complementares de lazer para os acompanhantes dos participantes em congressos e seminários.

O bilhete de ingresso pode ser considerado como passe alargado de um dia e incluir descontos noutras atracções, ou na restauração local.

Definição de horários em coordenação com o comércio local (Silberberg, 1995).

A investigação do museu actual inclui novas dimensões nomeadamente a monitorização do seu desempenho em termos de expectativas e níveis de satisfação do visitante com a experiência. Alguns países já incluíram na sua agenda política a melhoria

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da qualidade das atracções culturais e patrimoniais, desenvolvendo mecanismos de avaliação da qualidade. No caso Escocês, a estandardização dos processos de avaliação da qualidade dos museus é assegurado pelo “MA’S Registration Scheme” (Museum’s Association), que resultou de uma iniciativa conjunta em 1998, da Museum and Gallery Commission (MGC) e do Museum Training Institute, (MTI) (Lennon e , 2001)9. Da revisão de literatura sobre a gestão do museu resultam algumas propostas que se sumariam como propostas para um novo modelo de gestão dos museus: 1 - O museu deve constituir-se como instituição semi-pública ou co-financiada, por fundações públicas, consórcios, empresas públicas ou organismos autónomos. 2 - Os recursos devem ser atribuídos em função de critérios objectivos, tais como: número de visitantes, qualidade da colecção, quantidade da colecção, superfície expositiva, plano estratégico. 3 - Os recursos externos devem basear-se em: entrada de visitantes, patrocínio, exploração de lojas. 4 - Introduzir dias de livre acesso: limitados a dias especiais e determinados grupos. 5 - Cooperação com outras instituições públicas (desde a administração central até aos municípios). 6 - Concepção de sistema de museus bem vinculado à área geográfica. 7 - Evitar descontextualização das colecções, pelo contrário ligá-las à envolvente imediata. 8 - A política relativa aos museus deve interligar-se com outras políticas – meio ambiente, obras públicas, educação e turismo – como instrumento de desenvolvimento local (Martos e Santos, 2004; Serra, 2007).

Há que ter consciência que o visitante-turista (potencial ou efectivo) tem diferentes tipos de necessidades de informação, que incluem a simples informação no local, mas também informação mais complexa sobre os significados históricos e culturais do local (interpretação) (Eagles et al., 2002). Os museus devem dar resposta às necessidades de informação dos turistas, e a informação mais elementar inclui: a lista e a descrição dos recursos patrimoniais e culturais existentes; a sinalética direccional e referências para chegar ao local; os horários de funcionamento e o preço de ingresso; as diferentes actividades disponíveis no equipamento, entre outras. O principal benefício de fornecer um programa de interpretação reside na capacidade de construir audiências que compreendem e apreciam os recursos a ser visitados, o que também contribuirá para uma redução de impactes negativos e atrairá maior suporte público para o local. Uma vez no museu, as necessidades de informação tornam-se mais complexas e o visitante quererá obter informação mais detalhada e que possibilite estabelecer um diálogo entre passado, presente e futuro. Os museus e a museologia moderna têm que ser capazes de contribuir para um 100


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• O museu como pólo de atracção turística

diálogo interdisciplinar, em especial porque têm um importante contributo para dar no campo da conservação e desenvolvimento sustentado do turismo cultural.

3. Análise empírica dos resultados Uma breve contextualização do panorama museológico nacional dará lugar ao panorama do Algarve, procurando descrever e analisar criticamente os resultados, com base no enquadramento conceptual desenvolvido e das linhas orientadoras apontadas para o museu do futuro.

3.1 O panorama museológico nacional Em Portugal, foi com o trabalho conjunto do Observatório das Actividades Culturais e do Instituto Português de Museus que se deu início a um estudo objectivo e profundo do panorama museológico português entre 2000 e 2003, recentemente publicado (Lima dos Santos e Oleiro, 2005) e que tem vindo a ser actualizado (Soares Neves e Alves dos Santos, 2006). Os primeiros passos no sentido de melhor se conhecer a realidade museológica nacional datam de 1999 com o “Inquérito aos Museus em Portugal” desenvolvido pelo Observatório das Actividades Culturais e pelo Instituto Português de Museus (Soares Neves e Alves dos Santos, 2001). À data foram identificados 680 registos de museus (tendo sido excluídos os núcleos dos museus polinucleados e os museus desactivados – em projecto ou temporariamente fechados por obras). Desses 680 museus, foram recolhidas 530 respostas válidas, tendo-se incluído entre os inquiridos: os Jardins Zoológicos, Botânicos, Aquários e Monumentos Musealizados (excluem-se os sítios arqueológicos e as Reservas e Parques Naturais). Em face dos dados disponíveis e apresentados no Gráfico 1, o número de museus a funcionar em 31 de Dezembro de 2005 era de 1.018, o que representa um acréscimo de 40% em relação a 1999. Foi nos museus com abertura esporádica que se verificou maior crescimento. Salienta-se uma tendência crescente para a apresentação de novos projectos de criação de museus, tendo sido identificados 326 em 2005 (o que representa 153% de crescimento em relação aos números de 2000), sendo a administração local a grande responsável por estes novos projectos, e pela declaração de intenções de criação de mais museus. Este movimento é alargado a todo o país, com menor incidência no Alentejo.

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Nº de Museus (1993, 2000 e 2005) 1200

1018

1000 800

728 600 400 200

260

0 1993

2000

2005

Nº de Museus

Gráfico n.º 1 – Evolução do número de museus portugueses Fonte: Nabais, 1993; Soares Neves e Alves dos Santos, 2006

Ainda que seja mais reduzido o número de museus em situação de fecho, os investigadores verificaram igualmente que entre 2000 e 2005 este número aumentou substancialmente, o que explicam com base em: “problemas derivados do mau estado das infra-estruturas onde estavam implantadas, ao desaparecimento da própria tutela e (e mais comummente) a processos de reorganização do sector dos museus por parte das tutelas.” (Soares Neves e Alves dos Santos, 2006:6). Também surgem algumas fusões em unidades museológicas e alteração de funções de espaços até então consagrados à exposição de colecções, como resultado sobretudo de novas “opções de gestão que visam racionalizar o funcionamento de algumas unidades mais deficitárias.” (Soares Neves e Alves dos Santos, 2006:6). A administração local – as câmaras municipais -, mas também algumas empresas municipais (fenómeno emergente à data de 2005), permanecem como a entidade que mais museus tutela.. No que se refere ao tipo de museu, predominam como mais representativos os museus de: Arte, Etnografia, Antropologia, Especializados e Mistos e Pluridisciplinares, verificando-se uma redução mais significativa nos museus de Ciências Naturais e de História Natural. A maior concentração geográfica de museus permanece na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas com uma perda de peso relativamente ao conjunto do país, devido sobretudo ao ganho de peso relativo da região Norte. Em 2005 tem também lugar uma redução no número de concelhos sem museu, sendo no continente, onde é mais notório o aumento de concelhos com pelo menos um museu (Soares Neves e Alves dos Santos, 2006). Em 2006, os museus do IPM (Instituto Português dos Museus)

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• O museu como pólo de atracção turística

atingiram mais de um milhão de visitantes, o que já não se verificava desde 2002 (IPM, 2006). Os meses de maior afluência foram o mês de Maio (162 234 visitantes), pois tem lugar neste mês o “Dia Internacional dos Museus” e a “Noite dos Museus”, e o mês de Agosto (130.385 visitantes). Segundo a informação do IPM este aumento abrangeu museus de entrada gratuita e paga, bem como foi generalizado a todos os museus da RPM (Rede Portuguesa de Museus) (IPM, 2006).

Quadro n.º 5 – Entidades proprietárias dos museus em Portugal Museus - Entidade Proprietária

%

Instituto dos Museus e da Conservação (ex-IPM)

28

23,3

Direcção Regional da Cultura dos Açores

8

6,7

Direcção Regional dos Assuntos Culturais da Madeira

6

5,0

Administração Central

6

5,0

Administração Local

50

41,7

Empresas Públicas

2

1,7

Privados Associações Fundações Igreja Católica Misericórdias

5 9 4 2

4,2 7,5 3,3 1,7

Total

120

100

Fonte: Rede Portuguesa de Museus, 2007 (http://www.rpmuseus-pt.org/Pt/html.index2.html)

Por sua vez, as “Estatísticas da Cultura, Desporto e Recreio – 2005”10 publicadas pelo INE em 2006 evidenciam os seguintes resultados em relação aos museus em Portugal: •

Museus, por tipologia: 20% eram Museus de Arte, 18% Museus Mistos e Pluridisciplinares e 13% de Museus de Etnologia e Antropologia; com igual percentagem foram identificados os Museus de História e os Museus Especializados (9,5%), tendo sido a tipologia dos Museus de Território a apresentar menor expressividade no conjunto geral dos museus (2,5%).

Os museus considerados registaram em 2005 um total de 9,7 milhões de visitantes, dos quais 1,8 milhões foram no âmbito de grupos escolares (18%).

Os museus mais visitados foram: Monumentos Musealizados (27%), com uma média de 190 mil visitantes, Jardins Zoológicos, Botânicos e Aquários (27%), Museus de Arte (15%).

Número médio anual de visitantes por museu: 34,1 mil pessoas.

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Acervo: total de 22,2 milhões de objectos, predominando os objectos de filatelia e fotografia (52%). Os bens arqueológicos e os naturais não vivos representaram 18% e 11%, respectivamente.

Os museus com maior dimensão de acervo foram: Museus de Ciência e de Técnica (33% dos objectos); Museus Especializados (21%) e Museus do Território (14%) (INE, 2006).

Os vários estudos consultados fazem referência ao facto de um número cada vez maior de entidades museológicas procederem ao registo do seu número de visitantes anuais, contudo, em face da disparidade do número de museus auscultados em cada investigação, é difícil estabelecer uma evolução das entradas de visitantes nos museus portugueses, apontando a análise do Observatório das Actividades Culturais e do Instituto Português de Museus publicada em 2005 para uma evolução positiva entre 2000 e 2002 (Gráfico 2).

Gráfico n.º 2 – Evolução dos visitantes nos museus portugueses 16.000.000 14.000.000 12.000.000 10.000.000 8.000.000 6.000.000 4.000.000 2.000.000 0

11.829.479

1.860.679

2000

12.963.695

2.187.027

2001

13.609.609

2.239.439

2002

Nº de visitantes Nº de visitantes escolares

Fonte: Lima dos Santos e Oleiro, 2005:61

Segundo informação actual prestada pela Rede Portuguesa de Museus (RPM), na sua página da Internet, o número total de museus em Portugal aproxima-se dos 1000. No entanto, alguns destes “museus” correspondem a colecções visitáveis, monumentos, sítios ou até outras situações, facto associado à actual definição de Museu, conforme a Lei Quadro dos Museus Portugueses. Destes 1000 apenas 120 integravam a Rede Portuguesa dos Museus em Julho de 2007. Esta mesma Lei Quadro instituiu o processo de credenciação para o reconhecimento da qualidade técnica do museu (Artigo 110º), quanto à adesão à RPM é voluntária e pressupõe a resposta a um processo de candidatura, de acordo com o Despacho Normativo n.º3/2006 de 25 de Janeiro.

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Em 2007 foi criado o Conselho Nacional de Cultura (CNC) e constituída uma Secção de Museus e Conservação (SMC), órgão responsável pela apreciação das candidaturas à integração na Rede Portuguesa de Museus. Por sua vez, é da Ministra da Cultura a decisão de credenciação do museu, que é tomada com base no relatório técnico elaborado pelo Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) e mediante parecer da SMC do CNC. Hoje, com a fusão de serviços esta credenciação foi transferida para uma divisão no seio do próprio IMC. Na página da Internet da Rede Portuguesa de Museus pode ler-se “A Rede Portuguesa de Museus é um sistema organizado, baseado na adesão voluntária, configurado de forma progressiva e que visa a descentralização, a mediação, a qualificação e a cooperação entre museus.” (http://www.rpmuseus-pt.org/Pt/html/index2.html, 2007). Esta rede pressupõe uma dupla funcionalidade e constitui-se como: rede de informação – possibilita disseminação de informação e estimula a comunicação; e, rede física – permite a interconexão entre museus e a qualificação de equipamentos. No processo de candidatura à RPM há um conjunto de documentação que os museus têm que entregar, contudo não existe referência no processo à necessidade de definição estratégica da sua acção junto da comunidade, assim como, se refere a necessidade de elaborar estudos de públicos sem que defina periodicidade dessa auscultação ou os meios que a Rede coloca ao dispor para o efeito. A partir dos estudos referidos, bem como de outros trabalhos sobre as práticas de lazer e culturais dos portugueses, desenvolve-se a seguinte análise dos principais factores positivos e negativos relativos aos museus portugueses:

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Quadro n.º 6 – Factores negativos e positivos da análise dos museus portugueses

Factores Negativos

Factores Positivos

Estudos sobre as práticas culturais dos portugueses demonstram que a visita a museus é uma das práticas de lazer com menor frequência. Elevado peso da tutela pública: 60% dos museus pertencem à administração pública e nestes 40% são da administração local. Insuficiência de recursos informáticos. Cerca de 52% dos museus nacionais não possuem serviço educativo organizado (num total de 591 museus em 2002). Muitos não possuem serviço de acolhimento ou até folheto desdobrável. Aumento do número de museus fechados que se atribuem a: mau estado das infra-estruturas; desaparecimento da tutela; processos de reorganização do sector dos museus por parte das tutelas (fusões de unidades museológicas, alterações das funções do espaço até então consagrado à colecção, redistribuição dos acervos, entre outros). Alguma dificuldade em garantir de forma continuada os requisitos exigidos pelo processo de qualificação como museu, pela Lei Quadro dos Museus Portugueses. Enquadramento legal entrave à inovação, sobretudo ao nível das carreiras. Perda da especificidade das colecções pela integração de acervos com dificuldades de definição do seu corpo predominante (derivado sobretudo do alargamento do conceito de património).

Tendência crescente para a apresentação de novos projectos de criação de museus. Criação da Rede Portuguesa de Museus/ Inquérito aos Museus/Base de dados dos Museus. Esforço de requalificação museológica. Redução do número de concelhos sem museu e esbatimento da predominância geográfica dos museus na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Exposições temporárias surgem como oportunidades de captação e alargamento de públicos, e como instrumento de promoção. Crescente interesse pela museologia e museografia. Projectos de investigação que reúnem parcerias interessantes: OAC, INE, IPM. Novos eventos: Comemorações do “Dia Internacional dos Museus” e “Noite dos Museus” tem vindo a funcionar com grande êxito. Roteiro dos Museus (120 museus da RPM). Algumas oportunidades para o sector podem resultar da dinâmica de crescimento dos museus. Nova Lei Quadro dos Museus e regime de credenciação pela Rede Portuguesa de Museus tornam mais rigorosas as condições de funcionamento e qualificação dos museus portugueses (existentes e novos).

Fonte: Autora, 2007 (a partir de Fortuna, 1995; Garcia, 2003; Lima dos Santos e Oleiro, 2005; Novais, 1997; Soares Neves e Alves dos Santos, 2001 e 2006).

O trabalho coordenado por M.ª de Lourdes Lima dos Santos e Manuel Bairrão Oleiro (2005) apontam como uma conclusão principal a situação precária dos serviços educativos dos museus portugueses, na medida em que apenas 48% dos museus nacionais possuem serviço educativo. A partir da análise de vários relatórios, estudos e trabalhos realizados torna-se evidente que existe a necessidade de uniformização dos procedimentos metodológicos para a recolha e análise comparativa dos dados em relação a vários aspectos dos museus, com especial destaque para os números de visitantes e número de museus existentes.

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• O museu como pólo de atracção turística

3.2 O panorama museológico regional Conforme referido, este ponto reflecte uma análise dos quatro museus da RPM no Algarve – situados em Albufeira, Faro, Portimão e Tavira (os dois primeiros são museus fundamentalmente arqueológicos, o Museu de Portimão baseia-se num património industrial regional (a indústria conserveira) e pode-se classificar de sociedade, enquanto que o Museu de Tavira ainda está a definir o programa museológico, mas integrará também vestígios arqueológicos). Paralelamente, desenvolveram-se fichas técnicas, com as características descritivas desses museus. Em três dos quatro casos a resposta à entrevista semi-estruturada foi fornecida pelo director/a do museu, tendo no caso do Museu Municipal de Albufeira sido respondida, por escrito, pela Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Albufeira. Numa análise empírica dos elementos que se consideram essenciais para uma abordagem dos museus atractiva e orientada para os diferentes públicos, gostava de salientar os seguintes aspectos dos museus do Algarve: 1. Localização – Em muitos equipamentos a sua localização é um dos primeiros elementos a considerar no estudo de viabilidade do projecto. No caso dos museus esse elemento pode não se constituir como fundamental, na medida em que o que está lá dentro determina-se como um elemento principal da sua atractividade. No entanto, existem algumas questões que se levantam. Em 3 dos 4 museus estudados teve lugar uma reabilitação de edifícios antigos, que no caso de Faro era um antigo Convento e no caso de Tavira era um Palácio (Albufeira, antigo edifício civil e anteriores instalações da Câmara), que no entanto, permanecem com problemas de temperatura, humidades, luminosidade, limitação de espaço e condições de exposição, bem como de acessibilidade a pessoas idosas ou de pessoas com deficiência. O caso de Portimão é excepcional, pois o edifício era uma antiga fábrica conserveira de sardinha pertencente à família Feu, que a autarquia adquiriu e através de uma candidatura ao Programa Operacional da Cultura tornou possível uma renovação e readaptação total às suas novas funcionalidade de futuro Museu Municipal de Portimão (MMP). O MMP tem uma localização privilegiada junto ao rio, mas não deixa de ter problemas de acessibilidade e estacionamento. 2. Colecções – O Museu Municipal de Albufeira (MMA) e o de Faro (MMF) apresentam como exposições de referência as suas colecções permanentes de arqueologia, ainda que com enfoque sem períodos diferentes. No caso de Tavira o projecto ainda está em construção, ainda que tenha previsto integrar no seu pólo principal uma colecção arqueológica (período Fenício e Islâmico) e se aponte para um modelo polinucleado de museu. 3. Horário – Os museus municipais de Albufeira e de Faro encerram à Segunda-Feira, o de Tavira encerra ao Domingo, e o de Portimão encontra-se ainda em adaptação e renovação, apontando como abertura ao público prevista para Abril de 2008. No MMF existe uma diferenciação de horário entre Verão e Inverno, fechando mais tarde no período de Verão. 4. Sites - Em todos os casos o museu disponibiliza a sua informação institucional através do site da autarquia, o que não se demonstra adequado a um público não residente, pois

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exedra • nº temático - Turismo • 2009 as páginas de Internet das autarquias encontram-se em Português e reflectem uma abordagem puramente descritiva, informativa e institucional. O grafismo, os conteúdos, a navegação é em qualquer dos casos descurada e centrada numa função informativa ao público português. 5. Comunicação, Mediação e Interpretação – Muito centrada nas folhas de sala, legendagem, brochuras e edição de catálogos em todos os casos. No caso do MMP está prevista a introdução de áudio guias. Em Tavira também se espera poder integrar uma maior dimensão audiovisual e meios de interactividade. No caso de Faro, uma das exposições permanentes tem apenas uma folha de sala bilingue (Português/Inglês que tem que ser devolvida à saída). Existe a possibilidade de visitas guiadas com reserva antecipada, mas mais vocacionada para grupos escolares. Em Tavira, a autarquia possui uma avença com uma guia que leva grupos de turistas a visitar o museu e faz com eles uma visita guiada ao espaço. 6. Política de preços – O museu de Faro apresenta uma maior diferenciação de preços, com os tradicionais descontos para jovens e reformados, e gratuitidade para visitas escolares, mas com a inovação de aos Sábados a entrada ser gratuita para os munícipes. Em Tavira a entrada é gratuita para os grupos escolares. Em Albufeira a entrada é gratuita para todo o visitante. 7. Sinalética direccional – é má em todos os casos, sobretudo se pensarmos no turista estrangeiro, pois encontra-se em português apenas. No caso de Tavira é dificultada pelo facto de aparecer o nome antigo do edifício que é “Palácio Galeria” sem a correspondência a Museu da Cidade ou Museu Municipal de Tavira. Com a aproximação pedonal ao local tende a melhorar a sua sinalização. 8. Comunidade – No caso de Faro11, o plano de actividades anual do museu engloba um Programa de Intervenção Comunitária, com um número muito razoável de iniciativas que procuram atrair a comunidade a visitar e a participar no projecto do museu e possui um projecto de investigação intitulado: “Identidade, espaço e comunidade”, associando à dimensão cultural e social, a noção de espaço físico (de território). Também em Tavira está em desenvolvimento um programa específico para levar os vizinhos do museu a visitá-lo. O MMP tem em funcionamento um laboratório de conservação e restauro que presta serviços gratuitos à comunidade. 9. Modelo de Gestão – no discurso patente entre os responsáveis dos museus entrevistados parece emergir uma mudança de uma visão curatorial da gestão dos museus que se está a orientar para uma crescente aproximação dos seus mercados, ainda que a integração da comunidade no projecto do museu seja nos quatro museus a preocupação principal, e o seu marketing se traduza fundamentalmente na sua função de comunicação e relações públicas.

Quase todos os museus possuem um Conselho Científico, ou pelo menos um conjunto de especialistas que contribuem para o projecto científico do museu (museológico e museográfico). No caso de Faro, existe uma grande proximidade das associações do concelho nomeadamente daquelas representativas de pessoas com necessidades especiais, que procuram integrar no seu Programa Anual de Intervenção Comunitária.

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• O museu como pólo de atracção turística

Em Portimão é referida a possibilidade de criar o grupo dos “Amigos do Museu” e em Tavira, recusa-se a ideia da comunidade ter assento num órgão consultivo, por falta d conhecimento para avaliar as propostas científicas a integrar no projecto do museu, referindo que essa participação poderá acontecer noutro tipo de órgão a definir, mas também em seminários, encontros ou outro tipo de actividades em que faça sentido a participação activa da comunidade. Em Albufeira a interacção com a comunidade faz-se junto dos seus públicos escolares.

3.3 Análise crítica dos resultados da investigação Uma análise particular dos resultados relativos aos museus RPM do Algarve, revelava que: 1. Todos os museus possuem uma localização privilegiada no casco antigo das respectivas cidades, o que resulta num contributo positivo para atracção histórica e cultural da zona, mas como negativo tem associadas as dificuldades de acessibilidade e de estacionamento. 2. Existe uma cumplicidade crescente entre os museus do Algarve, sobretudo ao nível das equipas de direcção dos mesmos. 3. Todos possuem um serviço educativo e as visitas escolares assumem um papel relevante. 4. Existe uma tentativa de aproximação às comunidades residentes, que no caso de Faro é bastante notória com o desenvolvimento de actividades inovadoras capazes de levar pessoas ao museu que tradicionalmente não iriam. Alguns exemplos: Noite de Fados no claustro; Baile de máscaras no Carnaval e Magusto no dia de São Martinho. 5. As equipas do serviço educativo não se encontram despertas para trabalhar o público turista e excursionista como visitante que possui necessidades particulares. 6. Quase não existe qualquer tipo de contacto ou articulação com os agentes do turismo. Existe vontade que essa relação se estreite no caso de dois dos museus, mas consideram que no momento em que se encontram do projecto museológico seria prematuro. 7. Há uma ambivalência notória nos discursos dos entrevistados, deambulando as respostas entre a opinião pessoal e a institucional, entre o ideal e o existente. 8. Propõem uma abordagem inovadora com base numa rede informal de museus do Algarve, pretendem desenvolver a partilha de experiências (best practices), projectos conjuntos num tipo de gestão circular em que seja possível manter e evidenciar as suas diferenças, mas no seu conjunto reforçar uma identidade dos museus da região e assim a sua competitividade como atracções culturais e patrimoniais. 9. O marketing destes museus tem-se restringido a acções de promoção e comunicação, ainda que da abordagem referida no ponto anterior possam emergir novos olhares sobre os instrumentos e técnicas que o marketing disponibiliza.

Todos os museus reconhecem a importância da necessidade de divulgar e promover a sua actividade, possuindo no caso de Faro um “Boletim Informativo” mensal onde 109


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divulgam as suas actividades para a comunidade e que enviam por correio electrónico para os seus frequentadores mais assíduos. Quando se pede aos responsáveis pelos museus do Algarve para definirem o museu actual, o território emerge como um elemento principal da definição de museu: “(…) o seu programa começa obviamente com a narração da inserção do museu no território, na sociedade e na cidade (…); um museu que tem uma relação com a comunidade muito interveniente, muito interactiva (…) (entrevista 1); “(…) a sua esfera de acção é o território e não as colecções e que se integra na comunidade (…) (entrevista 2); “(…) o discurso museológico da exposição permanente e das diferentes exposições temporárias procuram evidenciar as especificidades do património local, bem como de outros monumentos ou localidades do concelho(…)” (entrevista 3); “(…) museus virados para os problemas da sociedade actual, para as nossas formas de viver, de sentir as coisas, para os meios que utilizamos.” (entrevista 4). O conceito de museu tradicional também aparece de forma unânime classificado como um museu que funciona “numa perspectiva reactiva, pouco programada em termos evolutivos dos seus espaços. É um museu auto-contemplativo.” (entrevista 1); “(…) é por excelência estático, sem vida, amorfo em que a sua vida roda à volta das colecções que alberga e onde o público a que se destina são especialistas (…), uma instituição virada para dentro (entrevista 2); “nós sentimos quando visitamos (…) corresponde a uma visão de épocas mais recuadas.” (entrevista 4); e esperam que o museu do futuro seja: “um espaço de vida, de alegria, de abertura, onde se pode falar.” (entrevista 1); “(…)lugar de reunião, de partilha, de tolerância.”, “(…) deve saber valorizar a identidade; construir memória; trabalhar o território; legar patrimónios, ter como base a sociedade; formar públicos; inserir-se na contemporaneidade.” (entrevista 2); “(…)o resultado de todo o contexto social, político, económico e cultural do mundo (…), o futuro dos museus portugueses é terem uma gestão semelhante à desenvolvida no sector privado (…)” (entrevista 3); “(…) será uma instituição multifacetada, se calhar com valências que ainda não tem hoje.” (entrevista 4). Também existem referência a uma maior autonomia na sua gestão, a novos meios tecnológicos ao seu dispor e a uma crescente democratização da sua acção cultural e dos seus públicos. A relação dos museus com o turismo surge tipificada como positiva, mas embrionária, sem que exista um diálogo permanente entre os diferentes agentes. Um dos entrevistados reconhece que: “(…) aqui de facto nós estamos de costas viradas, cultura é cultura e turismo é turismo e portanto começa logo por ai.” (entrevista 1). Como primeiro projecto conjunto os quatro museus preparam-se para editar uma publicação sobre a história dos seus edifícios.

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Como conclusão gostava de afirmar que os museus devem procurar com as suas equipas (que devem ser multidisciplinares), encontrar novas formas de atrair públicos que se relacionem directamente aos seus territórios de fixação e às suas comunidades, assim como, ter a preocupação de conhecer os seus públicos para melhor responder às suas necessidades. Formas de gestão inovadoras, como as emergentes nos museus do Algarve podem ser um caminho, mas cada museu deve procurar encontrar a sua estratégia de diferenciação, mesmo que isso signifique a interacção com outras atracções do seu território. Os museus portugueses não fogem à realidade internacional encontrada nos estudos consultados, e que os problemas que se colocam aos museus portugueses parecem ir ao encontro das discussões que têm vindo a acontecer um pouco por toda a Europa, mostrando-se a realidade norte americana mais díspar e com maior capacidade de resposta à evolução e acompanhamento das mutações da sociedade. Conforme será evidente uma análise mais detalhada ocorre ao nível do trabalho de campo desenvolvido e da análise e interpretação dos dados recolhidos. Verifica-se no entanto, que os estudos de públicos têm assumido um carácter pontual, e que a preocupação dos serviços educativos está muito centrada nos públicos juvenis e em alguns casos infantis. A relação entre o turismo e a gestão do património cultural tem sido tipificada como uma competição pelo uso do mesmo recurso, em vez de se caracterizar por uma cooperação para alcançar objectivos de benefícios mútuos, obtendo-se como resultado negativo uma excessiva atenção dada aos compromissos relativos aos valores da conservação por parte do turismo. No caso do Algarve, esta relação “já é melhor, mas ainda não é de todo uma relação muito aberta e directa.”.

Conclusão Como tornar os museus importantes atracções turísticas de um território? As sociedades – tal como todos nós – têm necessidades diversas e a receita de equilíbrio entre as dimensões dos museus, do território e do turismo, podem não ter uma resposta comum. Os museus ainda que partilhem de uma imagem de marca comum – instituições de prestígio e grande valor simbólico -, variam em diferentes aspectos, tais como o tamanho, a natureza das suas colecções, o edifício onde estão localizados, em recursos humanos e técnicos, e principalmente, em orçamento, e as suas colecções baseiam-se em regra na cultura material das suas comunidades, pelo que, dificilmente qualquer teoria

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de marketing pode ser transversalmente aplicada, na medida em que o museu se insere numa comunidade e num território único, com os quais tem que dialogar para construir os seus significados, pois só assim se poderá constituir como um museu de referência e uma atracção turística. É claro que o objectivo principal do museu continua a ser conservar e preservar; mas o museu tradicional está ultrapassado, o público dos museus cresceu e diversificou-se; emergiram novos tipos de museus: etnografia, folclore, museus da educação, museus de sociedade; novos paradigmas museológicos: conservação in situ; reflectir as alterações tecnológicas da sociedade (Parque La Villette em Paris); envolver a comunidade local no projecto museológico e de conservação, encontram-se entre as alterações mais assinaláveis. O museu da actualidade oferece exposições superpovoadas, vendem catálogos a preços elevados e souvenirs na loja do museu, que se situa próxima da saída. Estes museus apresentam uma frequência elevada de visitantes e promovem-se como centrados nas audiências e na opinião pública. Os museus enfrentam assim vários desafios, centrando-se esta análise na capacidade de atrair mais visitantes, que passará pela adopção de uma gestão estratégica mais orientada para o mercado e para as suas necessidades, para a manter a sua viabilidade financeira, e em simultâneo cumprir com a sua função social, de instituições públicas. Porém, verifica-se que existe um conhecimento muito incipiente do uso potencial dos museus pelo turismo, e vice-versa, mas já se identificam benefícios claros que podem resultar do desenvolvimento do turismo cultural associado aos museus. O museu do futuro deve ser um espaço de reflexão, que se auto questiona permanentemente e que por isso acompanha as dinâmicas do seu território e da sua comunidade, tendo noção das suas limitações. Utilizando as palavras de um dos entrevistados acrescenta-se, que o museu ideal se apresenta como aquele que “se abre a 360º graus sobre o seu território”.

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• O museu como pólo de atracção turística

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Legislação: Lei nº 47/2004 de 19 de Agosto, Lei Quadro dos Museus Portugueses, Diário da República - Iª Série-A. Despacho Normativo nº3/2006 do Ministério da Cultura, estabelece o regime de credenciação à Rede Portuguesa de Museus e o respectivo formulário de credenciação, Diário da República – Iª Série-B.

Notas 1 - Este artigo insere-se no âmbito do trabalho de investigação de Doutoramento em Turismo, sob o título “A valorização da Experiência Turística nos museus portugueses” a ser desenvolvido na Universidade de Évora, sob orientação do Professor Doutor Francisco Ramos e do Professor Doutor Carlos Costa (Universidade de Aveiro). 2 - Uma parte substancial deste artigo foi apresentada sobre a forma de comunicação no I Congresso Internacional que decorreu em Peniche em Novembro de 2007, Escola Superior de Tecnologia do Mar/ Instituto Politécnico de Leiria, onde foi premiado com o 2º melhor trabalho de investigação. 3 - Os inquéritos foram aplicados em 3 pontos principais da cidade: no Museu Municipal de Faro; na Biblioteca Municipal de Faro e na Baixa Comercial da cidade. O principal objectivo da investigação foi avaliar a relação existente entre o museu, a comunidade e o turismo. Foi desenvolvido um pré teste de 10 questionários junto de alunos do Curso Superior de Turismo da Universidade do Algarve. Os pré-requisitos definidos para responderem ao questionário foram: viver no concelho de Faro, ter mais de 15 anos e ter visitado o museu. Para o tratamento e análise dos dados estatísticos utilizou-se o SPSS (Statistical Package for Social Sciences). 4 - Outras formas de fazer face aos riscos potenciais criados pelo turismo junto do património cultural incluem-se numa vasta revisão de literatura publicada na obra da autora: Gonçalves, A. (2003) A componente cultural no turismo urbano como oferta complementar ao produto sol e praia no Algarve. Lisboa, Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo/GEPE/Ministério da Economia. 5 - Escultura grega que representa a deusa Atena Niké 6 - Estudo conduzido a partir de uma população de 8000 museus dos EUA que são membros da Associação Americana de Museus, dos quais foi seleccionada uma amostra de 400 directores para responderem a um inquérito por correio. Os dados foram tratados em SPSS (Statistical Package for Social Sciences). (Yeh e Lin, 2005).

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7 - Não se identifica o interlocutor por questão de confidencialidade das respostas (entrevista 3, Outubro de 2007). 8 - Refira-se o caso de Bilbau e do Museu Guggenheim, que nos dois primeiros anos de funcionamento recebeu mais de 2,5 milhões de visitantes. No primeiro ano de funcionamento (2001) o museu teve 1,36 milhões de visitantes, ficando em 2º lugar na tabela dos museus espanhóis mais visitados, a seguir ao Museu do Prado. A amplitude das transformações introduzidas em Bilbau em termos de imagem, fizeram do museu um ícone do renascimento urbano e da mediatização, que muitos outros programas de criação de “sucursais” têm procurado copiar. A Fundação Guggenheim estuda o desenvolvimento de novos museus, por exemplo, Hong Kong, Singapura e Guadalajara no México (Poulot, 2005). 9 - Este Instituto em 1998 dá lugar a uma organização concebida para a formação e desenvolvimento de competências alargadas a todo o sector cultural e patrimonial, denominada Cultural Heritage Training Organization (CHNTO) (Lennon e Graham, 2001). 10 - Consideraram um total de 285 museus. 11 - No inquérito desenvolvido em Novembro de 2006 à comunidade, o MMF surge como o 3º recurso mais recomendado na visita a Faro e mais de 90% dos inquiridos apontam como expectativa de visita do turista ao museu: aprender sobre a cultura e história local.

Correspondência M.ª Alexandra P. Rodrigues Gonçalves Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo, Campus da Penha, Estrada da Penha 8000 Faro marodrig@ualg.pt

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A gastronomia como produto turístico Francisco Sampaio

Presidente da Região de Turismo do Alto Minho (RTAM) Resumo 1. Turismo versus cultura – A Gastronomia é um discurso sobre o prazer da mesa. É tributária da variedade e funde-se na escolha e na selecção. Parte integrante da cultura, a Gastronomia implica amar e apreciar verdadeiramente boa comida e bom vinho, dois dos prazeres da vida que, quando são sustentados por um bom serviço e boa companhia, ajudam a proporcionar uma refeição, realmente fantástica. A sua preservação e valorização deverão, pois, ser vistas como tão importantes como a de qualquer outro elemento do património cultural. Vários estudos têm vindo a mostrar que as mais recentes escolhas turísticas dão preferência ao Turismo Cultural incluindo as experiências interculturais. É nestas experiências interculturais que o novo turista (Séc. XXI), mantém a sua aposta. Isto é, já não basta apresentar o Inventário Turístico tradicional – alojamento, alimentação e transporte (oferta tangível). O Século XXI reclama novas emoções e novos afectos ligados à oferta intangível. É aqui onde entra a nova Gastronomia como experiências únicas que são vividas, para além e dentro da cultura, como mote de Produto Turístico – a Gastronomia Típica das nossas zonas rurais (aldeias). 2. A gastronomia constitui-se como um recurso turístico primário; idem, como um verdadeiro produto turístico, reclamando mesmo a sua autonomia. Os Domingos Gastronómicos não necessitam de estar ligados a eventos para se constituírem como principal motivo para uma deslocação turística. O Case Study desenvolvido pela Universidade de Aveiro, confirma essa distinção pela sua atractibilidade numa época baixa fazendo com que visitantes espanhóis e portugueses, de Madrid ou de Lisboa se desloquem exclusivamente por ser um produto cultural (matérias-primas e receituários tradicionais). 3. Os subsídios para a História da Alimentação da Euro Região Norte de Portugal / Galiza iniciam-se a partir do primeiro contacto (anos 133 a.C) quando Decimus Junius Brutus com o Cognome de “O Galaico” vem subordinar os Castrejos às Águias Romanas. A História da Alimentação recebe influências da Grécia e de Roma passa por Suevos e Visigodos, pelas Invasões Árabes, pela Reconquista, por uma vida medieval ligada a Castelos e Mosteiros, pelas Descobertas e pelo aparecimento do Homem Novo do Renascimento e pelo Homem Moderno e Contemporâneo. 4. Dos Receituários escolhidos (Festas Cíclicas / Ritos de Passagem / Refeições de Trabalho – ritmos agrários, romarias), podemos caracterizar quatro tipos de cozinhas: cozinha popular ou étnica; cozinha familiar, cozinha caseira, cozinha tradicional. 5. Também, não queremos virar as costas às Cozinhas Contemporâneas. Referimonos, concretamente, às cozinha de autor, à cozinha histórica e à cozinha de fusão.

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exedra • nº temático - Turismo • 2009 Apresentamos uma proposta: a Nova Cozinha Atlântica que revela uma nova atitude, um estado de espírito, uma mudança de mentalidades com uma obrigatoriedade: a de se praticar ideias e conceitos inovadores, combinando a cozinha tradicional e regional com a Escola e a Formação Profissional. Depois, a introdução de elementos de autor serão sempre bem vindos.

Palavras-chave Gastronomia, Turismo, Produto turístico, Turismo cultural, Turismo étnico, Ofertas tangível e intangível, Artes culinárias, Civilização castreja, Cozinha tradicional, Cozinha familiar, Cozinha caseira, Nova cozinha atlântica, Escola, Formação profissional, Dieta atlântica.

Abstract 1. Gastronomy versus Culture - Gastronomy is a dialogue about the pleasure of good food; it is tributary of the variety and is based on choice and on selection. An important part of culture, Gastronomy implies truly loving and enjoying good food and good wine, two of lives pleasures, that when along with a good service and good company offer a really fantastic meal. Its preservation and valorisation must be seen as much as important as any other cultural patrimony. Several studies have shown that the most recent choices done by tourists prefer Cultural Tourism including intercultural experiences. The new tourist (21st Century) seeks these intercultural experiences. This means, that it is not enough to offer the traditional Tourist Inventory - accommodation, food and transport (tangible offer). The 21st Century demands new emotions and new emotions connected to the intangible offer. This is were the new Gastronomy appears as unique experiences that are lived beyond and inside culture as symbol of Tourist Product - the Regional Gastronomy of our villages. 2. Gastronomy is established as a Primary Tourist Resource, idem, as an autonomous product. Gastronomic Sundays do not need to be connected to events to be established as a principal reason for a tourist trip. The case study developed by the University of Aveiro, confirms this distinction by its attraction even during the low season bringing the Spanish tourists and Portuguese, from Madrid or Lisbon to make a trip just for a cultural product (products and traditional recipes). 3. The supports for the History of Food of the Euro Region North of Portugal / Galicia start from the first contact in 133 a.C, when Decimus Junius Brutus the so called “O Galaico” come to subordinate the Castrejos to Roman Eagles. The History of Food receives influences from Greece and Rome, it passes though the Suebi and Visigoths, the Arab Invasions, the Reconquest, through a medieval life connected to Castles and Monasteries, the Discoveries and through the appearing of the New Men of the Renascence and through the Modern Man and Contemporaneous. 4. From the Recipe Books chosen (Cyclic Festivals / Passing Rituals / Work Meals - agrarian rhythms, pilgrimages) we may characterize four types of cuisine: ethnic and popular cuisine, familiar cuisine, homemade cuisine, and traditional cuisine. 5. Also, we do not want to leave out the Contemporaneous Cuisine. We refer concretely, to

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the author’s cuisine, historical cuisine and fusion cuisine. We presented the proposal at the 4th National Congress of Gastronomy - Santarém 2005: the New Atlantic Cuisine that reveals a new attitude, a state of mind, a change of mentality with the obligatoriness: to practice innovating ideas and concepts, combining the traditional and regional cuisine with Schools and Professional Training. After this, the introduction of author’s elements will be welcome. 6. A trip through the Gastronomy of Entre Douro e Minho as also the Gastronomy of Galicia tells us that the Gastronomy of the Euro region (Galicia / North of Portugal) is superior by its excellency degree, reflecting exigency standards capable of revelling to the tourist the identity of a destiny in the uniqueness composite of its geography, history and human scenery.

Key-words Gastronomy, Patrimony, Cultural tourism, Ethnic tourism, Intangible and tangible offers, Traditional flavours, Castro civilization, Traditional cuisine, Familiar cuisine, Homemade cuisine, New atlantic cuisine, School, Professional training, Atlantic diet

1. Turismo versus cultura O grande dicionário da Língua Portuguesa (1981) descreve a Gastronomia como: “a arte de cozinhar, de modo que se proporcione o maior prazer aos que comem; a arte de regalar com bons acepipes, de comer bem, de saber apreciar os bons petiscos. A Enciclopédia Britânica (citados por Richards G. 2002:3) define gastronomia como a “arte de seleccionar, servir e saborear boa comida”. Para Alfredo Saramago (2002:15) a Gastronomia é um discurso sobre o prazer da mesa, é tributária da variedade e fundese na escolha e na selecção. Parte importante da cultura, a Gastronomia implica amar e apreciar verdadeiramente boa comida e bom vinho, dois dos prazeres da vida que, quando são sustentados por um bom serviço e boa companhia ajudam a proporcionar uma refeição realmente fantástica (Ckraknell e Nobis – 1985). A sua preservação e valorização deverão pois ser vistas como tão importantes como a de qualquer outro elemento do património cultural. Vários estudos têm vindo a mostrar que as mais recentes escolhas turísticas dão preferência ao Turismo Cultural incluindo as experiências interculturais. (C. Fernandes – XIV Congresso de Gastronomia do Minho – 2003:83). Atracção turística cultural é já reconhecida pela Organização Mundial do Turismo quando distingue os recursos como meios humanos, energéticos e materiais que uma colectividade dispõe ou pode dispor. Tais recursos (incluindo a Gastronomia) são considerados recursos turísticos a partir do momento em que são capazes de atrair turistas tornando possível a actividade turística e satisfazem as necessidades da procura (citado por Novais, 1997:32). Fazemos assim a ligação entre a Gastronomia e o Turismo tal como defende Greg 121


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Richards (2001: 80) “uma grande parte da experiência turística é passada a comer ou a beber, ou ainda, a decidir o quê e onde comer”. A Oferta Turística é basicamente uma oferta de serviços e está sujeita à lei da substituição, isto é, facilmente preterida em função de outros destinos turísticos. Daí que um Destino Turístico é tanto mais capaz de atrair turistas conforme as respectivas classificações de atracções o que vai influenciar o tipo de viagens, o número e o tipo do alojamento turístico, a qualidade dos mesmos nas áreas naturais, edifícios históricos, os santuários, os parques temáticos e, naturalmente, a Gastronomia. Considerada ou não a Gastronomia como Produto Turístico, a verdade é que Rosario Scarpato (2003:65) afirma que o “Turismo Gastronómico” é uma forma do “Novo Turismo” adiantado por Poon (1993), um turismo mais flexível, segmentado, diagonalmente integrado e ambientalmente consciencioso nos quais os turistas são mais independentes e detém um maior grau de formação, buscando novas experiências, mais aventura e divertimento. Azambuja (1999) elenca, além e dentro da cultura, como mote de produto turístico, a Gastronomia típica das localidades. Nas directrizes estratégicas para a Expansão Empresarial Ansoff (1965) as opções de crescimento sistematizadas por Sharghnessy (1991:68), o desenvolvimento de novos produtos e a sua diversificação obriga a um esforço de Marketing muito superior, já que os mercados são ainda desconhecidos, quer a nível internacional, quer mesmo no mercado doméstico de qualquer organização ainda não explorado por esta. Nas estratégias oficiais para o Turismo Português (Livro Branco do Turismo (MCT / SET, 1991) onde se apresentavam os vectores da estratégia do desenvolvimento do Turismo no ponto 6. “Desenvolvimento da Oferta de Produtos Turísticos” a Gastronomia e Vinhos aparecemnos ligadas à criação de uma nova imagem turística associada ao conceito de “Portugal – um País onde apetece viver” e não apenas passar férias; criação de uma imagem múltipla (Portugal Pais de Contrastes, o campo, a praia, a cultura erudita e popular, a alta qualidade o preço menos alto). Preocupação da diversificação e o porquê de aplicá-la ao Turismo das Regiões de Turismo com a defesa do bem estar das populações residentes e dos turistas, com a qualidade de vida, o equilíbrio ecológico, os recursos naturais, a preservação dos ecossistemas e embora Sampaio (1994:62-63) considere que compete ao ICEP a promoção global do País, defende a participação das Regiões de Turismo na definição e elaboração dessas campanhas promocionais e na defesa e implementação de novos produtos turísticos, entre os quais a Gastronomia e Vinhos.

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2. Gastronomia versus identidade Já o afirmamos - a Gastronomia Tradicional Portuguesa é um importante polo de atracção dos fluxos turísticos. A Resolução do Conselho de Ministros nº96/2000 de 26 de Julho que afirma existirem “centenas de eventos promovidos anualmente no País, por iniciativa das mais diversas entidades, frequentemente integrados em importantes celebrações que constituem sempre verdadeiro polo de atracção para turistas nacionais e estrangeiros” pode, conforme se pode ler na referida Resolução, a que a mesma seja preservada, valorizada e divulgada (a Gastronomia Nacional) enquanto valor integrante do Património Cultural Português. Na mesma linha de pensamento, a FERECA, no seu IX Congresso que decorreu em S. Salvador da Baía em 2003, reforçou a ideia que “é imprescíndivel que nas acções de promoção turística no estrangeiro, a Gastronomia não seja esquecida”, sendo necessário dar-lhe o devido relevo, como Produto Turístico, na certeza que poderá contribuir muito mais para atrair turistas ao nosso País colmatando assim a Sazonalidade que desde o Algarve ao Minho, cada vez se acentua mais. Também nos diversos Congressos realizados pela Confraria dos Gastrónomos do Minho se vem afirmando: “da urgente necessidade da criação de roteiros – tipo Domingos Gastronómicos - que pelo facto de se situarem na chamada época baixa permitem combater a sazonalidade no Turismo do Alto Minho”.

3. Gastronomia versus autenticidade No Inventário dos Recursos Turísticos da DGT (1991), a Gastronomia é considerada como um recurso secundário ou complementar (ponto 5 – Actividades: Gastronomia e Vinhos – pratos típicos, doçaria regional, vinhos regionais e queijos); circuitos turísticos; compras; romagens. Infelizmente e ainda passados mais de 25 anos, a Gastronomia e o Vinho continuam a ser classificados, segundo o Inventário dos Recursos Turísticos de 1991. Assim, a Gastronomia Tradicional Portuguesa é única e simplesmente classificada como um recurso turístico primário quando ligada a festivais ou a concursos. De facto e segundo a DGT, Gastronomia e Vinho por si só, não se constituem atracções turísticas primárias. Daí que a Região de Turismo do Alto Minho, em 2001 (I Congresso Internacional de Gastronomia e XII Congresso de Gastronomia do Minho) quando teve entre nós o grupo de Investigação Internacional do Turismo da Associação ATLAS, assim como especialistas da vizinha Galiza e Espanha, considerou-se ao abordar este tema nos respectivos Congressos como sendo “pioneira na valorização da Gastronomia Regional como um verdadeiro Produto Turístico”. Aliás, confirmado posteriormente pelo Case Study efectuado pela aluna IVA Vinha do Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro e com a Orientadora Profª Elizabeth Kastenholz em que nas conclusões (Domingos Gastronómicos) se refere o seguinte: 123


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O evento “Domingos Gastronómicos” (realizado entre Fevereiro e Maio de cada ano pela RTAM) constitui-se como um Recurso Turístico Primário, idem, como produto autónomo.

Os Domingos Gastronómicos atraem visitantes espanhóis e portugueses com mais de 200 Km (ida e volta), como acontece com Algarve, Lisboa e Madrid.

Os Domingos Gastronómicos não necessitam de estar ligados a eventos para se constituírem como principal motivo para uma deslocação turística.

A Gastronomia e os Vinhos aparecem já no Relatório de Wolf Ollins’2004 Portugal Godeeper (ICEP - Sistema de Identidade do Turismo Português), com os seguintes segmentos-alvo: Gastronomia/Vinhos; Arquitectura; História; Personalidades.

Nestes termos há que rectificar o Inventário da DGT - Inventário Português de Recursos Turísticos - que consideram a Gastronomia e Vinhos - como um recursos secundário ou complementar.

4. Os Galaicos A hostilidade sentida por Décimus Junius Brutus, no confronto com os Galaicos e, mais para o centro de Portugal, os Astures, os Cantábros, os Vaceus ou os Lusitanos, justificam na narrativa de fontes escritas o termos sido apelidados de “Bárbaros”, não só pelo facto de, como refere Homero “não éramos comedores de pão” mas, também, por desconhecermos o nome dos nossos Deuses, realizarmos sacrifícios humanos, no fundo “um refúgio de bandidos de onde saiamos para incursões em campos já pacificados”. O texto de Estrabão (Geografia) diz-nos quanto foi difícil a implantação da Civilização Romana e quanto precária a sua penetração na Civilização Castreja:

- Todos estes habitantes da montanha são sóbrios: não bebem senão água, dormem no chão e usam cabelos compridos à maneira feminina, ainda que para combater os prendam com uma banda. Comem principalmente carne de cabra; a Ares sacrificam cabras e, também, cativos e cavalos; costumam fazer hecatombes de cada espécie de vítima, à maneira Grega e como dizia Pindaro emolam uma centena... em três quartas partes do ano os montanheses não comem senão belotas que secas e trituradas se moem para fazer pão o qual pode guardar-se durante muito tempo. Bebem zitos e o vinho, que escasseia, quando obtém o consomem em seguida nos grandes festins familiares. Em lugar de azeite usam manteiga.

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Como viviam, então, os Castrejos? Apesar de apelidados de “bandoleiros” por Estrabão e de fazermos a guerra a partir dos montes (tipo guerrilha); apesar de não termos cidades como os Romanos o entendiam, não era o povo “bárbaro”, como nos consideraram os cronistas romanos. Tinham hortas e na floresta carvalhos, sobreiros e castanheiros; conheciam a agricultura e, nos currais, havia cabras, ovelhas, cavalos e bovinos. Assim, conheciam espécies de trigo, cevada, painço, ervilhas, favas, grão de bico, castanha, bolotas, hortaliças, nomeadamente, os nabos e as couves, cerejas, frutos secos; nos animais, podia escolher entre o porco, a cabra, o carneiro, os equídeos e os bovinos; nos rios e no mar, lampreia, sável e salmão, trutas e bogas, pescada e congro, robalo, pargo, dourada; finalmente, os mariscos com os crustáceos, as percebas e as santolas, as ostras, a amêijoa, o berbigão, o mexilhão, as lapas e os búzios. E como já referimos, e foi anotado por Estrabão: comem sentados em bancos de pedra, construídos em redor das paredes, alinhando-se de acordo com a idade e a dignidade; os alimentos circulam de mão em mão, bebem água e cerveja, vinho (só em grandes festins), dançam os homens ao som da flauta e de trombetas, saltando alto e caindo de joelhos”.

5. Grécia e Roma. Suevos, Árabes, da Reconquista aos Descobrimentos O que se passava na Antiga Grécia e em Roma? A comida dos Gregos e Romanos era constituída por cereais, trigo, cevada, painço e derivados. Leite e queijo, elementos indispensáveis aos cozinheiros romanos que os utilizavam como condimentos. Nas carnes, o porco já era Rei. Os gastrónomos pagavam generosamente os recos que haviam sido tratados a figos secos e vinho com mel, pois o fígado adquiria um tamanho monstruoso e se convertia num manjar digno dos Deuses. Dos vegetais utilizados na culinária tinham o grão, os tremoços, os rábanos, os nabos, o feijão, as ervilhas. Enchidos e fumados curados ao fumo, toda a salsicharia (actual), era conhecida dos Romanos. Mas vai ser nos peixes que Roma Antiga atinge o seu máximo em termos do requinte mastigativo. Apício, o célebre cozinheiro romano, contemporâneo de Séneca, fundou uma Escola de Hotelaria. Escreveu uma obra monumental em que recolheu a História da Alimentação da sua época. Da sua obra fragmentada chegou-nos um livro de cozinha “Apicii Celli de re coquinaria libri decem” e fragmentos de um outro onde se indicavam os peixes que se capturavam nas águas do Mediterrâneo. Com os suevos chega o arado quadrangular, instrumento potente, muitas vezes provido de rodas que vai cavar as terras fundas (vessada), com quatro ou cinco juntas de bois a puxá-lo, proporcionando assim uma lavoura fecunda que, desde essa época, se mantém até aos nossos dias. 125


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Com os suevos chegou, também, o centeio da Europa Central, obrigando à primeira grande transformação dos hábitos alimentares da população do Noroeste, permitindo o fabrico de um pão mais barato, primeiro junto com o trigo, depois, com o milho quase mil anos depois. Nas Invasões Árabes e, sobretudo, durante o “ermamento”, árabes e os submetidos moçarabes, utilizavam a rotação das colheitas: trigo, aveia e cevada; ervilha, feijão e verduras; o terceiro ano sem cultivo (para recuperar). No ano seguinte, o ciclo agrário iniciava-se pelas terras de pousio. A indústria da farinha ganha um incremento novo com os moinhos de vento que se juntam às típicas azenhas nos cursos de água. Devido aos árabes não comerem porco, era o “cordeiro”, o prato preferido, aliás, como os Judeus. Com a Reconquista iniciada no Séc. XI e que se vai manter até finais do Séc. XIII, a Idade Média foi decisiva para o desenvolvimento de uma nova sociedade construída após o conturbado “Século do Ferro”, onde foi possível criar-se uma arte própria - o Românico – uma filosofia e uma mística – Caminhos de Santiago – organismos sociais e políticos que tiveram de se adaptar à sua complexa idiossincrasia. Reis, Nobres, Ricos – Homens, filhos de Algo, Cavaleiros, Ingénuos (Homens Livres); servos (cozinheiros, moleiros, pastores, carpinteiros), servos da gleba (adstritos às terras onde moravam e com pagamentos em géneros das terras aforadas). E a Gastronomia - tal qual a arquitectura românica tão apegada aos seus contrafortes, cachorradas, torres sineiras obesas ligadas, ainda, a uma situação defensiva de cruzada, viu aparecer a esbelteza dos ogivais, de colunas e rosáceas que inundam de luz uma nova vida e uma nova esperança – deu Hossanas a um povo que viu, renascer das cinzas, os grandes momentos da sua vida colectiva, dos seus rituais, dos seus mitos: Natal, Entrudo, Páscoa, Santos Populares, Colheitas, Festas, Feiras e Romarias com os manjares típicos dos Santos Patronos, assim como dos trabalhos de favor, feitos no lugar e por vizinhos. Sinal que outros tempos estavam a chegar. Do Homem Novo com as descobertas das Índias e dos Brasis, que permitiram contactos com novos Mundos. Novas gentes, também, com as especiarias, novas plantas, os milhos, a batata e o arroz que vão revolucionar toda a alimentação europeia.

6. A história da alimentação do Alto Minho versus receituário A Confraria dos Gastrónomos do Minho assumiu desde 1984 o repto de trazer à luz a História da Alimentação do Alto Minho, concretamente, dos Concelhos que enformam a Região de Turismo. Uma opção de como deveríamos fazê-la poderia ser o resultado de uma investigação que nos trouxesse todos os receituários:

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Das festas cíclicas (Natal, Ano Novo, Reis, Entrudo, Páscoa, Corpo de Deus, S. Martinho, Santos);

• Ritos de passagem (nascimento, primeira-comunhão, comunhão-solene, namoro, noivado, casamento, viuvez, mortório); • Refeições de trabalho (ritmo agrário): vessadas, mondas, sachadas, arrigas do linho, desfolhadas, espadeladas, malhadas, matança do porco, serões); • Romarias (entre o altar e a mesa): Santo Amaro (enchidos e fumados); Entrudo – O Pai Velho (cozido); Páscoa (Jantar da Cruz / Compasso Pascal / Lanço da Cruz – Lampreia); S. João (Santos Populares / sardinha assada e cordeiro, etc.); S. João d’Arga (Cabrito); S. Mamede (Mel); Senhora da Saúde (Solha – Lanhelas); S. Bartolomeu do Mar (Galo Preto); Srª da Abonança (Peteiro da Santa); Srª da Peneda (Procissão de Mortos / Vivos); Feira de Todos os Santos (Fiéis Defuntos) / Festa dos Pericos; S. Martinho (Castanhas e Vinho); Srª da Conceição (Doçaria Popular); Natal (o célebre banquete Minhoto); Reis (cozido - orelheira).

7. A boa mesa do Alto Minho Todos estes aspectos nos pareceram importantes, sem contudo, me darem a sensação que houvesse grandes novidades a trazer à História da Alimentação do Alto Minho. Daí que a nossa proposta fosse diferente: a) Recolha de receitas dos pratos mais característicos, (com a preciosa colaboração das Técnicas das Delegações de Turismo), obtidos ao longo de muitos anos junto das “velhas cozinheiras” do Alto Minho, onde amensandei já, um ror de vezes, e que fomos reunindo numa pequena pasta de bonitas capas que é disputada em Congressos e Eventos Gastronómicos (já na 5ª edição), dando origem, b) Ao livro “A Boa Mesa do Alto Minho”, uma colectânea de receitas com assinatura de “cozinheiras” e “donas” que décadas e décadas se dedicaram às artes culinárias de tachos e panelas, deixando-nos agora na sua versão escrita toda a riqueza de uma tradição oral do que de melhor temos sobre o receituário étnico, familiar, caseiro e tradicional minhotos, proposta que assumimos nos livros e trabalhos de investigação com edições em espanhol, francês e inglês e que passo a expor:

• Cozinha popular ou étnica: pratos da tradição antiga que não chegaram aos restaurantes; cozinha de sentido etnográfico/folclórico que fazia parte da tradição gastronómica quotidiana do passado e cuja vivência actual só existe em casos pontuais. Receituário ancestral, de tradição oral (a perder-se), parte fundamental da nossa cultura gastronómica e repartida pela geografia da região. Em resumo: hábitos alimentares dos nossos antepassados cuja recuperação requer um trabalho de localização e investigação cozinha comunitária, da época: matança do porco, Consoada, cozinha do Entrudo, Jantar da Cruz, arroz das lavradas ou arroz de Maio, bucho doce (Melgaço), afogado de cabrito, sarapatel (Vila Mou), almoço e jantares de Baptizados, casamentos e missas novas e em tempo, ainda muito recente, os jantares dos mortórios.

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• Cozinha familiar: receitas de âmbito familiar, recitadas de cor, sem compromissos, versátil, autónoma, com base nos produtos da “casa” (mimos da horta / quinteiro / corte). Feita de muito amor aos tachos e panelas; alguidares e almofias de barros vidrados, gamelas de pau, carretilhas de latão; a arte maravilhosa de desenhos feitos a fio de canela - a canelografia. Sofre influências de aculturação (ex. bolo-rei trazido pelas moças Minhotas criadas de servir em Lisboa). • Cozinha caseira: é a soma da cozinha popular e familiar. É utilizada já na maior parte dos restaurantes, sendo possível a sua recriação de modo a torná-la adaptável aos clientes e gastrónomos (inovação na tradição). Cozinha de caseirices – feminina, ligada às raízes e memórias da quinta e do folclore (os folares – as célebres roscas das Mordomas, o bate – pão-de-ló das Romarias; o molho fervente que estruge na caçarola, de azeite fino, vinagre de sete ladrões, cebola picada, dente de alho e o cheiro a pimenta). • Cozinha tradicional: usa técnicas tradicionais com receitas mais elaboradas. Interpreta a cozinha popular com as velhas tradições, os produtos endógenos locais e regionais, inclusivé, as técnicas de elaboração das respectivas “funções”. Uma gastronomia sólida, apoiada em sabores próprios de cada ingrediente. As receitas (com pelo menos cinquenta anos de uma tradição oral viva e operante), são específicas e realçam os sabores do produto. Muito profissional, masculina, satisfaz o consumidor e permite a convivência e a confraternização.

Cozinhas contemporâneas Mais três cozinhas surgem nos nossos dias a acrescentar às cozinhas étnica, familiar, caseira e tradicional. São respectivamente, a cozinha de autor, cozinhas de fusão, a cozinha histórica e a que definimos deste modo: • Cozinha de autor: Privilegia outros produtos, testa outros paladares que não os da tradição; a decoração torna-se numa arte de sedução em que a parte alimentar terá que ser considerada sempre como um complemento ao refinar da apresentação. Rações minimalistas, montagens e manipulações, delicadas e efémeras; surpresa do consumidor. Reduz a confraternização para ser o espectáculo. O cozinheiro é mais estrela que o cliente. Preços: o dobro. Tem clientela própria. • Cozinha histórica: interpreta épocas da História, restituindo-lhe toda a sua dignidade desde o trajo à confecção, aos alimentos da época, quiçá, os utensílios que eram utilizados no tempo ou, mesmo, a sua não utilização: o saber comer “à mão”, como acontecia até finais do Séc. XIII e que agora surge, sobretudo, na reconstituição das Ceias Medievais.

Cozinha de fusão – cozinha de influência contemporânea que tem por base a globalização; propõe novas abordagens para produtos com história e tradição, combinando dietas mediterânicas / atlânticas / asiáticas. Tal qual a cozinha de autor (os olhos também comem), os pratos possuem uma apresentação lindíssima (verdadeiras obras de arte), um génio, claro, com preços a condizer. 128


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8. A minha proposta Nível III - A inovação na tradição Já vimos que na falta das velhas cozinheiras, mestras da cozinha étnica, familiar, caseira e tradicional, resta-nos trazer as artes culinárias para as Escolas, e aqui residirá sempre o quid da questão. Não poderemos deixar as Cozinhas Regionais (não vou entrar aqui na questão por mim já levantada no XII Congresso de Gastronomia do Minho, I Internacional - Esposende, 2001 - em que discutimos a Dieta Atlântica e a Dieta Mediterrânica), sem uma aprendizagem garantida pelas Escolas ligadas à rede da INFTUR, Profissionais e outros Centros de Formação, na certeza que cozinhar, além de ser uma arte é, também, e em igual medida ciência e trabalho, o que obriga a acrescentar nos curricula as cozinhas tradicionais. Potenciar estas actividades com toda a sua transcendência social (Associações Profissionais) e uma correcta projecção profissional (Estatuto) pode ser a condição necessária para dar a volta ao problema.

9. Uma cozinha de emoções Nível IV - Uma nova cozinha atlântica / Uma cozinha de emoções Uma Atitude / Um Estado de Espírito / Uma Mudança de Mentalidades Uma Cozinha de Emoções onde o CHEFE confecciona pratos ditos de “nova geração”, cuja cozinha base é o receituário tradicional e os produtos de qualidade – DOP / IGP. Daí que propusemos Superiormente (IV Congresso Nacional de Gastronomia / Santarém / 2004) que os Cozinheiros com o nível III possam frequentar o nível IV (agora da responsabilidade dos Politécnicos, Escolas Profissionais e INFTUR) e onde aprenderiam a: •

Melhorar e incrementar as técnicas da cozinha ao vapor e ao vácuo e a elaboração de receitas a partir do uso e manejo das Novas Tecnologias;

Valorizar e compreender a importância de uma dieta saudável, utilizando produtos da temporada;

Praticar ideias e conceitos inovadores para a combinação de produtos alimentares (misto de emoções e sabores);

Aprender a combinar a cozinha tradicional e regional com a introdução de elementos de autor na Gastronomia;

Familiarização com os normativos do Sistema de Auto-Controlo (HACCP);

Familiarização (mesas redondas, seminários e estágios) com especialistas estrangeiros e nacionais experts nesta Cozinha de Emoções.

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10. Galiza / fachada atlântica Para uma carta gastronómica conjunta Do mesmo modo como avançamos na Associação de Desenvolvimento do Turismo na Região Norte (ADETURN) e com a TOURGALICIA, dentro da Comunidade de Trabalho Norte de Portugal / Galiza, para a confecção de um mapa turístico Norte de Portugal / Galiza, que foi sucesso e praticamente já esgotou e em que foi necessário realizar esforços para que as equipas de cartografia, sinalização turística, sinalização rodoviária, ferroviária, etc, quer do Norte de Portugal, quer da Galiza, realizassem trabalho em tempo útil, creio que, igualmente, e relativo à História da Alimentação, Gastronomia e Vinhos, produtos certificados, muito há já feito no Norte de Portugal (Norte e Qualidade – Universidade de Trás-Os-Montes, Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, e na Galiza (Universidade de Santiago de Compostela – Instituto de Investigação e Análise Alimentar – oferta de I + D) e que nesta proposta de confecção, mercados e certificação da

Dieta Atlântica, podiam ser englobados em parcerias

estratégicas de transferências de tecnologia, sabores e saberes. Em relação ao Minho a Região de Turismo do Alto Minho já avançou com a respectiva Carta Gastronómica tendo sido publicados “A Boa Mesa do Alto Minho” (colectânea de receitas tradicionais) e, ainda, “Os Domingos Gastronómicos” (Em Busca de Uma Gastronomia Perdida) e, ultimamente, uma pesquisa relativa à Gastronomia de Entre-Douro-E-Minho.

11. Conclusões É nossa intenção reafirmar e provar, que existe um adjectivo “atlântico”: a) Em contraponto à dieta mediterrânica, enquanto realidade geográfica com características de agricultura de montanha (produtos hortícolas com ênfase especial para as brássicas), abundância de pescados e mariscos; as raças autóctones – bísaro, barrosã, rubia galega, ternera galega, Lacón Galego, minhota, cabrito do monte, cordeiro; fruta da época, peixes e mariscos, algas e sal; leite e derivados; mel, pão de milho, batata da Galiza, vinhos jovens (verdes) do Norte de Portugal, assim como da Galiza, D.O. Ribeiro, Valdeorras, Rias Baixas, Monterrei, Ribeira Sacra; Aguardentes – D.E. Orujo de Galizia; Queijos – D.O.P. Queixo Tetilla, Arzúa – Ulloa, Queixo de San Simón da Costa, Queixo de Cebreiro e cidras. Partilhando condições edafo-climáticas que se espalham pela vizinha Galiza (parceiro privilegiado neste projecto, assim como todo a fachada atlântica – Astúrias, Cantábria, Pais Basco, Oeste de França, Sul de Inglaterra, Irlanda). b) Falta-nos concertar a História da Alimentação da “velha” Galécia como Euro Região Galiza / Norte de Portugal. Os subsídios que apresentamos dizem-nos bem da sua pujança cultural básica, concretamente, quando os conotamos através dos Séculos com a Cozinha Popular ou Étnica, a Cozinha Familiar, a Cozinha Caseira e a Cozinha Tradicional,

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comuns em toda a EuroRegião. Também, não pretendemos continuar a apostar sempre numa identidade e numa cultura que não crie pontes aos tempos actuais até porque outras tecnologias, outras certificações transformaram a cozinha simples, sóbria, rica de sabores fortes e pessoais como é a nossa cozinha étnica ou tradicional. Pretendemos, também, inovar. Mas não iremos renegar o que é nosso, muito menos considerar a nossa arte de bem comer antiquada, “fossilizada”. Ter uma nova Carta Gastronómica com outras ofertas. Chamamo-lhe uma Nova Cozinha Atlântica. Uma Cozinha de Emoções com novos sabores, novos afectos, mas sempre e, obrigatoriamente, com um fundamento tradicional. Há identidades que é mister serem mantidas para se caracterizarem como “referências” de uma oralidade de saberes culinários que foram transmitidos de geração em geração. Responderemos sempre às seguintes questões: o que se come, quem come, quando come, onde come e como se come. c) Como já dissemos, Gregos e Romanos consideravam-nos Bárbaros (não éramos comedores de pão) mas também, porque não fazíamos da comida um acto social, um acto de civilização, um acto cultural. O homem civilizado, no conceito clássico, é aquele que convive. O homem civilizado não come só. Plutarco diz mesmo: “Não nos sentamos à mesa para comer, mas sim para comer juntos”. Assim o Simposium dos Gregos e o banquete dos Romanos. Saber escolher as matérias autóctones e os cardápios que hão-de manter a autenticidade e a memória desta nova cozinha. Receituários que na inovação da tradição nos darão a honra de podermos equipararmo-nos a qualquer outra alta cozinha seja de que País ou Região for. Uma cozinha de afectos voltada para os alimentos da zona e do tempo (Paradigma do Território). Ligada às denominações de origem e agricultura ecológica que, quer no Norte de Portugal, quer na Galiza se mantêm fiéis à Dieta Atlântica. Até porque é falacioso dizer-se que teremos de negar a nossa oferta intangível de convivialidades e de sonhos. d) O novo turista dos nossos dias (já o dissemos) é curioso, explorador, aventureiro, amante de emoções fortes. Mas é também arqueólogo. Sabe o que quer, onde vai, gosta de pormenores. Compra livros, não é um turista seguidor, passivo. Por isso gosta de apreciar as grandes Festas Gastronómicas (mais de 300 Festas Gastronómicas na Galiza – diremos o mesmo no Norte de Portugal), muitas delas ligadas à cozinha étnica e popular e que hoje já são consideradas como factores de atractibilidade e um verdadeiro produto turístico, quer nacional, ou regional, ou mesmo localmente (animação de atracção). Porquê? Pela expectativa criada ao consumidor final; por poder beneficiar na visita de uma experiência étnica de festa gastronómica intimamente ligada aos valores de cada povo e de cada terra com todo o intangível património histórico e natural que os rodeia.

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Correspondência Francisco Sampaio Castelo de Santiago da Barra 4900 360 Viana do Castelo franciscojose.sampaio@gmail.com

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Santa

Maria

Viagem medieval em Terra de Santa Maria Paulo Sérgio Pais

Administrador Executivo Feira Viva, Cultura e Desporto, E.E.M.

Resumo O presente artigo apresenta o projecto 13ª edição do evento “Viagem Medieval em Terra de Santa Maria”, principais moldes de organização, objectivos e consolidação do evento como um dos pontos diferenciadores do território. A Viagem Medieval em Terra de Santa Maria é um evento de recriação histórica que resulta da iniciativa conjunta de organização da empresa municipal Feira Viva, da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e da Federação das Colectividades de Cultura e Recreio do Concelho, que assumiu como palco o centro histórico da cidade de Santa Maria da Feira. Palavras-chave Viagem medieval, Recriação histórica, Santa Maria da Feira

Abstract The present article introduces the project for the 13th edition of the event “Medieval Journey through the Land of Santa Maria”, its key organising components, objectives, and consolidation of the event as a distinctive feature of the region. The “Medieval Journey through the Land of Santa Maria” is an historical re-enactment event, and results from the joint initiative of the municipal company “Feira Viva”, the Municipality of Santa Maria da Feira, and the Federation of Associations for Culture and Entertainment of the Municipality. The historic centre of the city was chosen as the stage for this event. Key-words Mediaeval journey, Historical re-enactment, Santa Maria da Feira

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A Viagem Medieval em Terra de Santa Maria conta já com 12 edições, caminhando a passos largos para a 13ª edição. Um projecto da responsabilidade e organização da Feira Viva, Cultura e Desporto, E.E.M., tendo como promotor o município de Santa Maria da Feira, que conta já com uma Menção Honrosa – Animação, dos Prémios Turismo de Portugal atribuída em 2007, na 3ª edição destes prémios, cuja entrega decorreu no Auditório II do Centro de Reuniões da Feira Internacional de Lisboa (FIL), antes da abertura da BTL 2008. Organizada com base num episódio histórico, que serve de tema a toda a resenha histórica vivida ao longo dos dias de regresso ao passado, a Viagem Medieval em Terras de Santa Maria tem seguido à risca o curso da História de Portugal e os seus episódios mais emblemáticos. A edição de 2008 revisitou o episódio da Rainha Santa Isabel e D. Dinis, seu marido, baseada na imortal frase de defesa pelos mais fracos – “São rosas, Senhor, são rosas!”. Ao longo dos dias da viagem vão sendo recriados momentos pelo centro histórico de Santa Maria da Feira, onde centralizamos as recriações de episódios e toda a dinâmica da época medieval, que acontece durante a Viagem. Todos os acontecimentos paralelos têm por base uma organização espacial do mapa da cidade com as designações de cada acontecimento ou centro de acontecimento que designamos por mapa da Viagem Medieval. Como se torna evidente, organizar um evento desta envergadura implica, acima de tudo, organização e orientação, pelo que, a divisão escrupulosa de tarefas é uma das chaves para o sucesso e para os níveis de satisfação que pretendemos atingir. Deste modo, o organograma da Viagem Medieval em Terra de Santa Maria é uma estrutura sem complexidades, onde as tarefas atribuídas a cada parcela estão bem definidas, o que reúne condições para atingir objectivos num processo de causa/efeito. Da recriação histórica, passando pela animação circulante, logística e ambientação voluntariado finanças, associativismo, áreas temáticas, sponsorização, marketing e comunicação, acolhimento, qualidade e higiene alimentar, transito e segurança, merchandising e avaliação, todas estão sobre supervisão de uma comissão executiva que garante a sustentabilidade dos procedimentos para atingir os objectivos da Viagem. A recriação histórica como ponto central e mote para os acontecimentos dinâmicos da viagem, funcionando como elemento diferenciador da mesma, acontece todos os dias com a animação âncora em que cada dia é recriado um episódio, sendo que a mensagem é constantemente reforçada pela repetição desta. É sob a égide dos responsáveis pela recriação histórica que está obviamente, pela pertinência associada, todo o controlo de conteúdos da Viagem.

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A animação circulante contou, na última edição, com 52 grupos de animação, 136 horas de animação durante todo o evento que incluem artes circenses, representações de rua, música, dança e recriação de personagens medievais. O núcleo responsável pela animação circulante tem também a responsabilidade da coordenação da mesma “online”. Estes acontecimentos são como que calendarizados de forma a não haver animação a decorrer em simultâneo mesmo que em lugares diferentes para que o público possa tirar o máximo partido dos acontecimentos. Por seu turno, a logística e ambientação está implicada no preenchimento dos espaços e na montagem de estruturas e equipamentos que permitem a concretização da Viagem. Em 2008 a Viagem Medieval contou com 23 tabernas, 6 restaurantes, 200 artesãos, mercadores e regatões. A cargo deste núcleo está ainda as áreas temáticas e a ambientação da cidade, com a distribuição de pendões alusivos, por exemplo. A passagem do ambiente dia/noite está também a cargo da logística e ambientação. O Voluntariado na e para a Viagem é um nicho que assume uma importância cada vez mais preponderante nesta organização, na última edição contamos com mais de 500 candidatos, com idade superior a 16 anos, de todas as idades e de vários pontos do país. O processo de selecção e posterior formação dos seleccionados, incutindo o espírito e filosofia da viagem implicam a instrução por diferentes áreas bem definidas. As finanças são a pedra basilar dos acontecimentos em geral, sem vontade e orçamento os eventos não seriam levados a bom porto. A Viagem Medieval contou com um orçamento de 700 Mil euros, na sua última edição, dos quais 200 Mil são comparticipação da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e 500 Mil são receita própria, proveniente da concessão de espaços, sponsorização e ticketing das áreas temáticas em contraponto ao não ticketing global do evento. No contexto da dinâmica local que pretendemos estimular, o Associativismo assume um lugar de cada vez maior destaque, contando com o envolvimento das associações culturais e recreativas do concelho, já que, por exemplo, só estas podem concorrer às tabernas, e ocupam um papel preponderante na animação âncora do evento. As áreas temáticas são o ponto alto do evento já que são o corpo da Viagem Medieval. O desenvolvimento de actividades medievais como a falcoaria, arraiais, jogos, torneios, e a mística de locais como a floresta encantada e o sítio dos tormentos, o jardim das rosas, à imagem da temática da edição 2008, fazem deste núcleo de áreas temáticas o corpo que sustenta a alma do evento. Assumindo um acordo pelo período 2008/2010 com a UNICER, a Sponsorização do evento tem regras muito bem definidas e especificas. Com 8 pórticos de entrada no espaço da Viagem Medieval, propriamente dita, nenhum tipo de publicidade entra 137


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dentro dos pórticos, fora destes está a única instituição bancária parceira do evento, o Crédito Agrícola. Para a FEIRA VIVA, cultura e desporto, e.e.m., muito mais do que a promoção do acontecimento Viagem Medieval, torna-se fulcral o conceito de que venham até nós pessoas que conheçam e estejam informadas sobre aquilo que pretendemos ser e fazer, visitantes que compreendam o espírito que nos move. Em todo este enquadramento a Viagem vive com o Acolhimento como imagem de marca, a recepção dos grupos de animação, seu acompanhamento, sob o mote de welcome center, e a gestão de reclamações na última edição contamos com 1100 participantes associados a este núcleo. Os níveis de exigência, no que respeita à qualidade e higiene alimentar, são rigorosíssimos, para certificarmos e fazermos cumprir à risca criamos um núcleo que acompanha todos os procedimentos com fiscalização à abertura, com acções de fiscalização bi-diária, registo de ocorrências e implementação de medidas. Um projecto desta envergadura não poderia deixar de contar com um núcleo planeador e gestor de trânsito e segurança, com 12 parques de estacionamento controlados; segurança pública e privada; Bombeiros e polícia envolvidos desde a definição do lay-out, dois postos de primeiros socorros em permanência e, nesta última edição, arrancamos como projecto criança segura, programa em que, com a colocação de uma pulseira com os dados dos responsáveis pela criança, permite mais rapidamente resolver uma situação de perda da criança. Num evento como este o principal merchandising centrou-se nos produtos mais comercializados, sendo estes a louça alusiva a época medieval. Na edição 2008 contamos com a abertura em Junho 08 da primeira loja exclusiva de trajes medievais, única no país. Finalmente, se sem antagonismo não há progresso, coube-nos criar uma comissão de avaliação do evento com a realização de um Relatório da comissão executiva, com base em inquéritos, clientes mistério, reclamações e sugestões e relatórios dos responsáveis de área; e uma Communication performance por forma a conseguirmos perceber onde chegamos e como chegamos. Neste sentido, foram analisadas 284 notícias sobre a Viagem Medieval em Santa Maria da Feira, correspondendo a um impacto financeiro de 335.976€. As notícias veiculadas pela Imprensa foram essencialmente em meios locais, regionais e de informação generalista nacional. Deste modo, estamos prontos a detectar o que se fez de melhor e aquilo em que poderemos melhorar para a edição Viagem Medieval em Terra de Santa Maria 2009. Maximizando a espectacularidade e o rigor histórico. 138


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Correspondência Paulo Sérgio Pais Rua António Martins Soares Leite Apt. 160 | 4524-909 Santa Maria da Feira

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A Feira Medieval de Penela no âmbito das dinâmicas de promoção turística do município Maria do Rosário Castiço de Campos

Escola Superior de Educação de Coimbra – Instituto Politécnico

Resumo A Feira Medieval que se realiza em Penela desde 1994 é, actualmente, um evento a salientar ao nível das recriações históricas. A autarquia faz parte, desde 2007, da organização desta iniciativa, a par da Escola Básica Integrada Infante D. Pedro e da Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro. O evento corresponde, presentemente, a uma das dinâmicas de promoção turística do concelho, como evidenciamos neste artigo. Palavras-Chave Recriação histórica, Património, Turismo cultural, Feira medieval, Feira franca

Abstract The Medieval Fair of Penela created in 1994 is, nowadays, an important event concerning historical recreations. Since 2007, the council participates in the organization of this fair, as well as the Escola Básica Integrada Infante D. Pedro and Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro. Actually this event is one of the dynamics of tourist promotion of the local authorities, as we point out in this script. Key-words Historical recreation, Patrimony, Cultural tourism, Medieval fair, Free fair

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Introdução A recriação histórica de uma feira em Penela é indissociável da decisão tomada, em 1994, pelo corpo docente da Escola Básica Integrada Infante D. Pedro, em reconstituir um acontecimento cuja antiguidade é atestada pelos documentos. Sem deter as vantagens de um concelho de grande dimensão e sem apresentar uma situação geográfica privilegiada, a autarquia de Penela tem aproveitado as mais valias associadas às especificidades do concelho para desenvolver economicamente o município, valorizando o seu património e promovendo a região ao nível do turismo cultural, apostando estrategicamente em determinadas iniciativas, como é o caso da Feira Medieval (1).

1. A feira na época medieval em Penela A criação do município de Penela remonta a 1137, ao reinado de D. Afonso Henriques (Arnault & Dias: 1983, 5). No concelho, a freguesia de S. Miguel é aquela que marca as origens da povoação, já que a esta se associam o castelo que Fernando Magno povou em 1087 (Arnault & Dias: 1983, 5) e a Igreja de S. Miguel intramuros, igreja que se admite ser aquela de que “fala o foral de 1137” (Arnault & Dias: 1983, 40). Mas a vila expandese extramuros surgindo “no «arrabalde» a Igreja de Santa Eufémia que existia, já, em 1254” (Nunes: 1997, 18). Ambas as paróquias, S. Miguel e Stª Eufémia, em 1708 detêm 180 fogos (Costa: 1708, 94). Possivelmente, para esse número de fogos e respectivos moradores terão contribuído duas feiras que foram criadas localmente, na época medieval, já que as mesmas surgem “para evitar que a vila se perdesse” devido à falta de população local (Rau: 1983, 146). Ambas foram criadas com o estatuto de feiras francas, sendo indissociáveis do Senhor da Terra, o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra. Com efeito, D. Pedro “obteve de D. Duarte carta em 6 de Dezembro de 1433 para mandar fazer [em Penela] feira franca de três dias pelo S. Miguel [29 de Setembro]” (Rau: 1983, 145). Efectivamente, a feira durava três dias, iniciando-se na véspera da festa do Santo e prolongando-se por um dia depois da referida festa. A 20 de Novembro de 1440, já Regente, D. Pedro passa nova carta de feira à vila de Penela, determinando que se fizesse outra feira franca, anual, pelo dia de S. Sebastião ou seja no dia 20 de Janeiro. Segundo Virgínia Rau, esta feira de S. Sebastião detinha todos “os privilégios e franquias (…) idênticos aos que tinham sido outorgados para a feira de S. Miguel” (1983, 145). Refira-se que em função de pedido explícito das populações em cortes, o tempo de duração de ambas as feiras, no reinado de D. Afonso V, passa a ser de seis dias. Por sua vez, quer a feira de S. Miguel, quer a de S. Sebastião, vêm 142


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a ser prolongadas para oito dias, no reinado de D. Manuel, a 6 de Janeiro de 1498 (2) mantendo-lhes “todos os privilégios que gozavam anteriormente” (Rau: 1983, 146). Mário Nunes afirma que a feira de S. Sebastião se extingue no século XVI (1997, 20), perpetuando-se a de S. Miguel, que se realiza ainda hoje no concelho, sendo localmente conhecida com a designação de “Feira das Nozes” É essa feira que se pretende reconstituir com a recriação histórica da Feira Medieval de Penela.

2. A recriação histórica da feira medieval de Penela Como já foi referido, a recriação de uma feira medieval em Penela remonta ao ano de 1994, tendo estado na sua génese a comunidade escolar. Fazendo parte a dinâmica do “Plano Anual de Actividades” da Escola Básica Integrada Infante D. Pedro (Nunes: 1997, 8), os professores da Instituição, mobilizaram, nessa altura, alunos e funcionários para porem em prática a iniciativa. Para o efeito, foi necessário proceder à criação de vestuário de acordo com o período histórico a retratar e deter os demais recursos necessários à implementação da dinâmica. O evento decorreu no castelo, sendo o dia escolhido, o dia 26 de Junho(3). As circunstâncias, em especial o ritmo escolar, impuseram a escolha da data. A iniciativa terá tido a adesão de cerca de três centenas de pessoas (4). Subjacente à organização da Feira Medieval esteva a vontade de abrir a escola à comunidade. A Câmara Municipal, disposta a que a acção se concretizasse, deu o seu apoio financeiro, cobrindo possíveis prejuízos (5). Em 1995, 1996, 1997, a reconstituição histórica torna a ter lugar detendo então o apoio da Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro. Porém, a iniciativa vem a ser interrompida nos anos de 1998 e 1999. Sob pena de se perder o evento, em 2000, a Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro, defendendo o interesse da iniciativa ao nível da comunidade, decide chamar a si a organização da Feira Medieval. A Escola Básica Integrada Infante D. Pedro passará, nessa altura, a dar o seu apoio à dinâmica. A Câmara Municipal, por sua vez, continua a cobrir prejuízos financeiros. Passando a organizar-se, a partir de então, de dois em dois anos, a Feira volta a realizarse em 2002. Percebendo a necessidade de dar uma outra dimensão à iniciativa, a Associação de Pais organiza uma candidatura da Feira Medieval de Penela ao projecto Leader. Onze mil e quatrocentos euros foi o valor apresentado na proposta para a realização da Feira Medieval de 2004. A Câmara Municipal de Penela disponibilizou, nessa altura, 5.000 143


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euros. Com recursos mais avultados, a dinâmica, em 2004, ganhou outra dimensão. Noticia o Público, reproduzindo a notícia da Agência Lusa, que “Trovadores, jograis mercadores e saltimbancos regressam no fim-de-semana ao Castelo de Penela, no âmbito da VII Feira Medieval que congrega milhares de pessoas da região” (2004, 55). As expectativas tinham sido ultrapassadas. Ao apoio dado pela Câmara Municipal de Penela, junta-se o Governo Civil de Coimbra, Juntas de Freguesia do Concelho, Região de Turismo do Centro e Caixa Geral de Depósitos. Em 2006 a Associação de Pais mantém-se a organizar o evento, assistindo-se a uma reaproximação da Escola à iniciativa. A Câmara apoia o evento com 8.000 euros. Se entre os anos de 2000 e 2006, a Feira Medieval de Penela se realizou de dois em dois anos, a partir de 2007, começa a realizar-se anualmente, participando directamente a Câmara Municipal na organização do evento. A partir de então, a Feira passa a integrar-se na política de desenvolvimento do município e de promoção turística do concelho. Nesse sentido, no ano de 2007, a Câmara disponibiliza uma quantia avultada, 17.000 Euros. No entanto, é de realçar que na organização da iniciativa o município tem outros parceiros, nomeadamente, a Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro e a Escola Básica Integrada Infante D. Pedro. Ainda que assumindo funções diferenciadas, os três parceiros procuram manter uma posição de igualdade na organização da recriação histórica. No triénio 2007 - 2009, apesar das adversidades ocorridas, a chuva, em 2008, e a derrocada de um dos muros de sustentação do anfiteatro integrado no castelo, em 2009, a Feira Medieval não deixou de se realizar, atraindo mesmo um grande número de pessoas. Com efeito, se em 2007 se contabilizaram 2.750 pessoas, em 2008, ano em que a Feira decorreu em dois fins-de-semana, foram contabilizadas 8.000 pessoas. Por sua vez, em 2009, organizando-se o evento entre a Praça da República e o castelo, dado o incidente aí ocorrido, foram 6.850 o número de pessoas contabilizadas. De realçar que este número de visitantes foi proporcionalmente superior ao de 2008, já que nesse ano, a Feira decorreu em dois fins-de-semana e em 2009 apenas num. O desenrolar da dinâmica extramuros, em 2009, ano em que se comemorou a XI Feira Medieval de Penela, traduziu-se assim numa maior mobilização da população, tendo igualmente tido efeitos positivos ao nível do comércio local, uma vez que dinamizou o “comércio tradicional da vila” que também se associou à iniciativa (Alvarinhas: 2009, 21). De salientar que na recriação histórica têm participado “cerca de 350 figurantes” (Alvarinhas: 2009, 1). Conforme se noticia, “são grupos profissionais, mas, acima de tudo e, na sua maioria, alunos, professores, pais e encarregados de educação das escolas de Penela“ (Alvarinhas: 2009: 1). Refira-se que durante a Feira Medieval têm também lugar recriações históricas e animações ao vivo alusivas à época medieval que, por exemplo, 144


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em 2008 se enquadraram nas temáticas “Penela no reino de Leão e Castela” e “Afonso Henriques em Penela nas vésperas da tomada de Lisboa”. Paralelamente ao evento, têm ainda ocorrido outras dinâmicas, como Workshops no Castelo dedicados a crianças, em 2007, ou um Ciclo de Conferências Medievais, em 2008. Com a realização da Feira Medieval, a autarquia tem procurado dinamizar uma “programação de qualidade superior”, tendo em vista dar à iniciativa “uma atractividade turística de âmbito nacional” (Alvarinhas: 2009, 21).

3. A Feira Medieval de Penela no âmbito das dinâmicas de promoção turística da autarquia Desde que a autarquia participa directamente na organização da Feira Medieval, o evento faz parte do plano estratégico do concelho designado “Plano Director Inovação, Competitividade e Empreendedorismo” (6). Esse plano tem uma configuração particular, uma vez que supõe um conjunto de projectos mobilizadores e um barómetro de indicadores tendo em vista a monitorização dos resultados que se vão atingindo. Dentro desses projectos mobilizadores, encontra-se um relacionado com a valorização do património. Como afirma o Presidente da Câmara Municipal, o facto de Penela deter, no âmbito do património histórico e arqueológico, um património diferenciador ancorado numa “trilogia interessante”, o Castelo de Penela, o Castelo do Germanelo e a Villa Romana e Museu do Rabaçal, tal facto proporcionou que se promovesse o referido projecto mobilizador de valorização patrimonial, ligando-o ao turismo e ao desenvolvimento económico do concelho. Para o efeito, foram tomadas várias iniciativas, como é o caso da modernização do Posto de Turismo, com uma loja onde se divulgam produtos agro-alimentares e o artesanato local, bem como a renovação ou mesmo criação de merchandising específico da região. Por sua vez, a promoção de eventos que divulgam o concelho, “um concelho diferenciador em determinadas áreas”, conforme refere o Presidente da Câmara, levou a que a autarquia procurasse, também, dar maior visibilidade e notoriedade a eventos já existentes, como é exemplo a Feira Medieval. Outros eventos surgiram, entretanto, caso da “Feira de Produtos Endógenos e Gastronomia”, na qual se valorizam produtos de carácter agro-alimentar e o “Penela Presépio”, evento que ocorre em época natalícia e que “ajudou, claramente, a criar uma marca Penela mais forte”, como salienta o Presidente da Câmara. As iniciativas referenciadas procuram promover o concelho “no sentido de atrair pessoas e visitantes” fomentando-se, desse modo, o comércio local e o turismo. No entanto, fundamentalmente, o que se pretende com as diferentes acções é atrair investimentos de 145


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outra dimensão, concretizando-se assim, por essa via, o desenvolvimento económico do município, principal objectivo a atingir com o plano estratégico em execução.

Conclusão Face ao exposto, verificamos a relevância que detém no concelho de Penela a Feira Medieval, enquanto recriação histórica. Hoje, esse evento integra-se no plano estratégico do município, a par de outras iniciativas igualmente consideradas relevantes. Apostando no incremento do concelho e fomentando a auto - estima das populações, a autarquia tem procurado desenvolver o território dando relevância às suas gentes e às especificidades locais, potenciando assim os recursos do concelho e promovendo o município ao nível do turismo.

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Anexo 1

Cartaz da I Feira Medieval de Penela que se encontra exposto na Escola Bรกsica Integrada Infante D. Pedro.

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Bibliografia Alvarinhas, M. (2009). Os povos que fizeram a história de Penela. Diário de Coimbra, 22 de Maio, 20-21. Arnault, S. D. & Dias, P. (1983). Penela história e arte. Penela: Câmara Municipal. Lusa (2004). Trovadores e jograis na VII Feira Medieval de Penela. Público, 26 de Maio, 55. Nunes, M. (1997). Penela medieval. Penela: Escola Básica Integrada Infante D. Pedro. Rau, V. (1983). Feiras medievais portuguesas. Subsídios para o seu estudo. Lisboa: Presença.

Fontes manuscritas Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Chancelaria de D. Manuel, Leitura Nova, Livro I da Estremadura, fls. 132/132v, microfilme 997)

Fontes impressas Costa, P. A. C. (1708). Corografia portugueza e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal, com as notícias das fundaçoens das cidades, villas, lugares que contem, varoens illustres, genealogias das famílias nobres, fundaçoens de conventos, catálogos dos bispos, antiguidades, maravilhas da natureza e outras curiosas observaçoens. Lisboa: Officina de Valentim da Costa Deslandes, Tomo IIº: pp. 94-96.

Notas (1) O nosso agradecimento ao Presidente da Câmara Municipal de Penela, Engº Paulo Júlio, pela informação que nos facultou. Agradecemos também a colaboração do Dr. Mário Duarte, Chefe de Divisão da Cultura, Turismo, Deporto e Juventude do Município de Penela. (2) ANTT, Chancelaria de D. Manuel, Leitura Nova, Livro I da Estremadura, fls. 132/132v.. (3) Ver Cartaz - Anexo 1. (4) Informação facultada pelo Sr. José Maria das Neves, funcionário da Escola Básica Integrada Infante D. Pedro. (5) As informações que apresentamos sobre a Feira Medieval de Penela foram facultadas pelo Dr. Mário Duarte, tendo subjacente informação da Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento da Escola Básica Integrada Infante D. Pedro e da Câmara Municipal de Penela. (6) A informação apresentada neste capítulo foi-nos facultada pelo Presidente da Câmara Municipal de Penela.

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Correspondência Maria do Rosário Castiço de Campos Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Herois de Ultramar 3000-329 Coimbra rcampos@esec.pt

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