Exedra nº 2

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Nยบ 2 - 2009


A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta.

A Revista EXEDRA publica números genéricos e temáticos.


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Corpo Editorial Director Rui Manuel Sousa Mendes Conselho Científico Ana Maria Sarmento Coelho - Educação/Formação Maria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências Empresariais Pedro Balaus Custódio - Artes e Humanidades

Comissão editorial Agostinho Franklin Carvalho Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI) José Pacheco (CIC/NDSIM)

Produção edição online - José Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Pacheco

Ficha Técnica EXEDRA: Revista Científica Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra Periodicidade: Semestral ISSN 1646-9526 versão impressa

Copyright A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.

Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos: EXEDRA: Revista Científica Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra - Portugal Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461 exedra@esec.pt www.exedrajournal.com


07 Editorial 09-32 Catarina Isabel Carvalho Neves / Maria do Rosário Moura Pinheiro A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos: adaptação e validação do Quality of Relationships Inventory (QRI) numa amostra de estudantes do ensino superior

33-46 Fernando Sadio Ramos Educação para a cidadania e Direitos do Homem

47-60 Helena Ralha-Simões Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

61-78 Fernando Martins / M. A. Facas Vicente Geometric illustrations of the conjugacy principle

79-92

Carla Patrão / Dina Soeiro E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

93-104

Ricardo José Espírito Santo de Melo Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

105-128

Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação para a promoção do bemestar nos contextos educativos

129-146

Vera do Vale Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

147-160 Pedro Balaus Custódio 161-172

Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico: alguns princípios orientadores

Cláudia Andrade / Marisa Matias Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees


Missão e Objectivos A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta. A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração.

Forma e preparação de manuscritos Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40 páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10, espaço simples e no mesmo formato das figuras. Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de 1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação 4


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institucional). Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail. Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere: Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias. Referências bibliográficas A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial 10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão “et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores obedecendo ao formato dos seguintes exemplos: a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall. b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms. Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/ journals/kuhn.html c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds), Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum. d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from 1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última versão. Citações As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização (página).

Submissão de artigos para publicação A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado

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editorial Publicamos hoje o nº 2 de 2009 da Revista Exedra. A edição, composta por artigos originais, inclui resultados de diferentes trabalhos e de linhas de investigação em curso, dentro e fora da Escola Superior de Educação de Coimbra. Com efeito, este número comprova dois princípios que convém realçar. O primeiro diz respeito à vocação editorial muito heterogénea que marca esta publicação. Ela reflecte a multiplicidade de áreas de estudo, ensino e investigação que caracterizam a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra e a enriquecem do ponto de vista pedagógico e científico. O segundo relaciona-se com uma linha de orientação editorial, em visível crescimento e definição, que se pretende amplamente aberta ao exterior, ou seja, à colaboração de outras instituições, centros de investigação, autores e/ou investigadores externos. Na realidade, este nº 2 contém quatro artigos oriundos de outras instituições de ensino superior nacionais. Este facto atesta, pois, não só o carácter eclético desta publicação como, também, a capacidade de veicular, cada vez mais, os produtos de análise e de investigação das comunidades científicas que trabalham em distintos domínios. Este último aspecto constitui, aliás, um desígnio e uma prioridade de relevo desta revista e será, nos próximos números, ainda mais notório. A terminar esta brevíssima apresentação, deixo uma nota de agradecimento a toda a equipa da Exedra que esteve sob a minha coordenação ao longo destes meses iniciais da (ainda) tão jovem publicação científica. Por imperiosas razões funcionais, cesso, com este segundo número, o meu trabalho à frente da direcção da revista. Todavia, não cessam aqui as minhas responsabilidades que, na qualidade de Presidente da ESEC, me farão acompanhar, de muito perto e com acrescido interesse e motivação, todo o longo trabalho que a Exedra tem pela frente.

Rui Manuel Sousa Mendes

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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos: adaptação e validação do Quality of Relationships Inventory (QRI) numa amostra de estudantes do ensino superior Catarina Isabel Carvalho Neves

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra Maria do Rosário Moura Pinheiro

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Universidade de Coimbra

Resumo Este estudo apresenta o Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais - versão amigo, um instrumento composto por 24 itens distribuídos por 3 factores que explicam 45.96% da variância total e que avaliam as dimensões de Suporte (α=.84), Conflito (α=.88) e Profundidade (α=.84). Nos 255 estudantes do ensino superior o Suporte e a Profundidade no relacionamento com o melhor amigo correlacionam-se positivamente com as medidas gerais de suporte social e negativamente com a solidão. Palavras-chave Suporte social, Percepção do suporte social, Qualidade do relacionamento interpessoal, Relacionamento específico, Relações de amizade. Abstract This study presents the Inventory of the Quality of the Interpersonal Relationships - friend’s version, an instrument constituted by 24 items distributed by 3 factors which explain 45.96% of the total variance and evaluate the dimensions of support (α=. 84), conflict (α=. 88) and depth (α=. 84). In the 255 university students inquired, support and depth in the relationship with their best friend positively correlates with general measures of social support and negatively correlates with loneliness. Key-Words Social support, Perception of the social support, Quality of the interpersonal relationship, Specific relationship, Relations of friendship. 9


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Introdução As origens históricas do conceito de suporte social remontam ao início dos anos 70 e desde então inúmeros autores dedicam os trabalhos conceptuais e empíricos aos benefícios e prejuízos dos relacionamentos interpessoais (Pinheiro, 2003). A importância dos processos relacionais na etiologia de algumas doenças, em especial as relacionadas com o stresse, foi referida por Cassel (1974; 1976) e Caplan (1974) introduziu a noção de sistema social remetendo para a assistência e fornecimento de recursos. A dimensão emocional do suporte social surgiu com Cobb (1976), que define suporte social como “informação que conduz o sujeito a acreditar que ele é amado e que as pessoas se preocupam com ele; informação que leva o indivíduo a acreditar que é apreciado e que tem valor; informação que conduza o sujeito a acreditar que pertence a uma rede de comunicação e de obrigações mútuas” (Ribeiro, 1999, p. 547). Weiss (1974) concebe o suporte social como uma apreciação subjectiva das provisões sociais, isto é, dimensões ou funções possíveis das relações interpessoais, que podem funcionar como benefícios quando os indivíduos as percepcionam como disponíveis nos relacionamentos. O autor considerou seis provisões sociais: vinculação, que diz respeito a um sentido de proximidade emocional e de segurança dadas pelas relações interpessoais; integração social, que representa o sentido de pertença a um grupo que partilha ou tem em comum um conjunto de interesses ou actividades; reforço do valor, que traduz o reconhecimento dos outros face à nossa competência, aptidões e valores; aliança, refere-se à garantia, à certeza de que se pode contar com os outros para nos darem uma real assistência na resolução de um problema; orientação, referente a uma função de informação e aconselhamento; por último, a oportunidade de cuidar, que traduz o sentido da responsabilidade pelo bem-estar de outra pessoa. House, em 1981, influenciado por autores como Cassel, Caplan e Cobb, refere-se ao suporte social como uma transacção interpessoal que envolve um ou mais aspectos como apoio emocional, ajuda instrumental, informação acerca do meio e feedback acerca de si. No domínio da Psicologia Comunitária os anos 70 foram marcados por investigações que referiram existir benefícios na saúde do indivíduo quando os profissionais de saúde e de outras áreas assistenciais prestam suporte emocional (Auerbach & Kilmann, 1977; Whitcher & Fisher, 1979, citados por Sarason, Sarason & Pierce, 1990, p. 10-11). Neste domínio, existem alguns estudos portugueses comparativos realizados com doentes psiquiátricos (Ornelas, 1989, 1996, 1997) e com sujeitos portadores de deficiência física adquirida (Oliveira, 1998). Este último autor baseia-se nas concepções psicodinâmicas de vinculação e do suporte social para caracterizar o suporte comunitário e a integração em redes, caracterizar o suporte familiar recebido, o locus de controlo na 10


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recuperação e a percepção do suporte social. Os autores Sarason e Sarason (1985; citados por Pinheiro, 2003, p. 213) definem percepção do suporte social como a convicção individual de que é possível receber ajuda ou empatia quando se necessita e referem, ainda, ser possível conhecer o grau de satisfação individual com o suporte percebido como disponível. Na opinião daqueles autores, a diferenciação entre o suporte social percebido e suporte social efectivamente recebido foi o progresso qualitativo na literatura do conceito, havendo dados empíricos que mostram uma maior consistência na associação entre saúde e bem-estar com a percepção do suporte social do que com o suporte social objectivamente recebido pelo indivíduo. Em 1990, Sarason, Pierce e Sarason reconceptualizaram a percepção do suporte social como uma característica estável em relação ao suporte social e a tendência para interpretar comportamentos como sendo de suporte, designando-a por sentido da aceitação (sense of acceptance). A percepção do suporte social é então considerada uma característica da personalidade que se manterá estável com o tempo, mesmo durante períodos de transição desenvolvimentista (Lakey & Cassady, 1990; Sarason et al., 1986, 1994, referidos por Pinheiro, 2003, p. 217). Entre as fontes mais relevantes de aceitação a literatura referencia a mãe, o pai, outros familiares e os amigos (Broock, Sarason, Sanghvi & Gurung, 1998; Pinheiro & Ferreira, 2005; Figueiredo, Maia & Pinheiro, 2004; Figueiredo, 2006). No contexto português uma investigação sobre o papel do suporte social dos pais, amigos e colegas, enquanto conjunto de benefícios emocionais, instrumentais, informativos na adaptação do estudante ao ensino superior (Pinheiro, 2003), revelou que níveis superiores de bem-estar psicológico (satisfação com a vida, equilíbrio emocional, estabilidade afectiva, felicidade e optimismo) estão associados a estudantes que se sentem mais incondicionalmente aceites, protegidos e valorizados pelos amigos e pela mãe (Pinheiro, 2003; Pinheiro & Ferreira, 2005). Ainda se identificou que o bem-estar social no relacionamento com os colegas (satisfação com os colegas de ano, nas áreas da cooperação e entretenimento, resolução de problemas pessoais, tolerância e intimidade) está associado a estudantes que se sentem mais incondicionalmente aceites, protegidos e valorizados pelos amigos, que possuem grupo restrito de colegas de curso e grupo regular de amigos, que fruem de níveis elevados de satisfação das provisões sociais e que são do género masculino. A partir dos anos 90, com o contributo de investigadores como Irwin Sarason, Barbara Sarason, Carolyn Cutrona e Daniel Russell, o suporte social afirmou-se como construto multidimensional podendo ser avaliado com objectividade científica mediante a aplicação de instrumentos de medida psicossocial. Com o objectivo de avaliar a composição da rede de suporte social percebida como 11


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disponível e o nível de satisfação associado, em 1983, Sarason, Levine, Basham e Sarason construíram o Social Support Questionnaire (SSQ), um dos instrumentos de avaliação do suporte social mais utilizados. O Interpersonal Support Evaluation List (ISEL) desenvolvido por Cohen, Mermelstein, Kamark e Hoberman (1985) e o Social Provisions Scale (SPS) de Cutrona e Russell (1987) surgiram na investigação também como instrumentos de medida global do suporte social. Para Pierce, Sarason e Sarason (1991) as investigações realizadas no âmbito do suporte social, utilizando instrumentos de medida como os acabados de referir, mostram que os sujeitos elaboram crenças sobre a percepção do apoio e suporte emocional prestado por outros indivíduos, sem contextualização e sem referência a um relacionamento específico. A literatura mostra que as investigações em torno da percepção do suporte social e da avaliação da sua satisfação surgem fortemente associadas a determinadas características da personalidade, nomeadamente à extroversão (Sarason & Sarason, 1983; Pinheiro, 2003; Pinheiro & Ferreira, 2002), às competências sociais (Sarason et al, 1987) à motivação para o contacto social (Hill, 1997; Pinheiro, 2003) e ao optimismo (Brock et al, 1998 citados por Pinheiro, 2003, p.211). Os autores acrescentam que esses estudos evidenciam a importância das características da personalidade (Cohen et al, 1985; Cutrona & Russell, 1987; Sarason et al, 1987) desenvolvidas no processo de vinculação com os pais durante a infância (Sarason, Sarason & Shearin, 1986). A solidão é outra variável bastante correlacionada negativamente com a percepção do suporte social (Sarason, Sarason, Hacker & Basham, 1985; Pinheiro, 2003; Pinheiro & Ferreira, 2002; Neves, 2006; Neves & Pinheiro, 2006), pois, os sujeitos com baixo suporte social avaliavam-se como mais isolados, perturbados e sós. Para Pierce et al (1991), da teoria da percepção do suporte social derivam duas hipóteses, por um lado, a percepção do suporte social dirigido a um relacionamento específico é diferente da percepção do suporte social em geral, por outro, a medida de cada construto contribui para a previsão da solidão. Na sequência do refinamento de natureza conceptual e avaliativa do suporte social, em 1990, Sarason, Sarason e Pierce propuseram o modelo interacional-cognitivo do suporte social que realça o papel dos aspectos situacionais, intrapessoais e interpessoais nos processos do suporte social. Os aspectos situacionais dizem respeito às características do meio em que ocorre a relação de suporte, os aspectos intrapessoais referem-se à capacidade de o sujeito perceber um determinado comportamento como suporte social e, por último, os aspectos interpessoais estão relacionados com as expectativas que o

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indivíduo desenvolve em relação a um determinado relacionamento específico e em que medida esse relacionamento é fonte de suporte, de conflito e/ou de profundidade. Este último aspecto está relacionado com o grau de importância e segurança que o sujeito atribui ao relacionamento. O contexto interpessoal do suporte social assume que um determinado relacionamento importante na vida do indivíduo tanto pode ser fonte de suporte como de conflito (Pierce, 1994). É com base no modelo interacional-cognitivo do suporte social, mais especificamente no contexto interpessoal do suporte social que Pierce, Sarason e Sarason (1991) desenvolveram o Quality of Relationships Inventory (QRI) para avaliar a percepção do suporte, do conflito e da profundidade num relacionamento específico. Em 2006, Neves e Pinheiro encetaram uma investigação com o objectivo de adaptar e validar a versão portuguesa do QRI para o relacionamento específico com a mãe, o pai, o/a amigo/a e o par amoroso. A pesquisa culminou com a adaptação de quatro escalas que permitem medir a percepção do suporte, do conflito e da profundidade no relacionamento com a mãe, o pai, o/a amigo/a e o/a namorado/a. Qualquer um dos instrumentos pode ser aplicado em contexto clínico, educacional, organizacional e em contexto de investigação (Neves, 2006). Neste trabalho apresenta-se o estudo da validade e da fidelidade do instrumento para o relacionamento com o/a amigo/a.

Metodologia Amostra A versão traduzida do QRI, à qual os sujeitos responderam pensando em relacionamentos específicos com a mãe, o pai, um/a amigo/a e o/a namorado/a ou cônjuge, foi aplicada numa amostra constituída por 255 estudantes da Escola Superior de Educação de Coimbra, maioritariamente do género feminino (n=121; 79.1%), solteiros (n=146; 96.7%) e com idades compreendidas entre os 19 e os 28 anos de idade (m=21.78; dp=2.19). Os indivíduos que responderam aos questionários frequentavam os cursos de Ensino Básico – 1º Ciclo (n=48; 18.8%), de Animação Socioeducativa (n=42; 16.5%), de Comunicação Social (n=32; 12.5%), de Professores de Educação Musical do Ensino Básico (n=31; 12.2%), de Comunicação Organizacional (n=29; 11.4%), de Educação de Infância (n=22; 8.6%), de Comunicação e Design Multimédia (n=17; 6.7%), de Ensino Básico – variante de educação física (n=17; 6.7%), de Teatro e Educação (n=9; 3.5%) e de Ensino Básico – variante de educação visual e tecnológica (n=8; 3.1%).

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Relativamente ao ano do curso, 104 (40.8%) dos inquiridos frequentavam o 2º ano do respectivo curso, 97 (38%) estudavam no 3º ano e os restantes 54 (21.2%) no 4º ano.

Instrumentos A versão original do Quality of Relationships Inventory (QRI) Com base no contexto interpessoal do Modelo Interacional-Cognitivo do Suporte Social, proposto por Sarason, Pierce e Sarason (1990), os mesmos autores, em 1991, desenvolveram o Quality of Relationships Inventory (QRI) para avaliar a percepção do suporte, do conflito e da profundidade sentida pelo indivíduo num relacionamento específico. O QRI desenvolvido por Pierce et al (1991) pretende avaliar, num relacionamento específico (mãe, pai, amigo/a), a percepção do suporte social em relação a um determinado apoiante (exemplo do item 1- Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre diversos problemas?); a percepção da profundidade e importância desse relacionamento (exemplo do item 11- Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante?); a percepção desse relacionamento como fonte de conflito e ambivalência (exemplo do item 23- Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a?). Os inquiridos responderam aos questionários tendo em conta apoiantes específicos, nomeadamente, a mãe, o pai e quatro amigos cujo relacionamento, embora não tivesse que ser necessariamente positivo, devesse ser importante na vida do sujeito. O QRI é composto por 25 itens distribuídos por três subescalas, cujas respostas são seleccionadas numa escala de tipo Likert com quatro níveis: (1) Not at all, (2) A little, (3) Quite a bit, (4) Very Much. Os autores procederam à análise factorial utilizando o método de “Maximum Likelihood” com rotação oblíqua, pois, segundo Pierce et al (1991), estudos anteriores identificaram correlações moderadas a fortes entre as dimensões depth e support (Hirsch, 1979; Pierce, Sarason & Sarason, 1988; citados por Pierce et al, 1991, p. 1030). Deste procedimento resultaram três factores. De entre os itens que saturaram em cada factor foram seleccionados aqueles que possuíam loadings superiores a .40, originando uma versão final do QRI composta por 25 itens: 12 na subescala QRI conflit, 7 na subescala QRI support e 6 na QRI depth. Na investigação efectuada por Pierce et al (1991), o estudo da fidelidade numa amostra de 210 sujeitos revelou coeficientes de alpha de Cronbach satisfatórios nas três subescalas QRI support, conflict e depth respondidas, respectivamente, em relação à mãe (.83, .88 e .83), em relação ao pai (.88, .88 e .86) e em relação ao amigo/a (.85, .91 e 14


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.84). No que diz respeito às correlações entre as subescalas, para o mesmo apoiante encontraram-se associações entre moderadas a fortes. Por exemplo, na escala respondida em relação à mãe, os resultados obtidos na QRI support revelaram-se positivos e fortemente associados com a QRI depth (r=.726, p≤.001), por sua vez, apresentaramse negativos e moderadamente associados com a QRI conflict (r=-.437, p≤.001). A leitura destes dados indica que, quando o sujeito percebe um relacionamento específico como fonte de suporte social, esse é igualmente percebido como importante e fonte de segurança e de bem-estar. A subescala QRI support respondida em relação à mãe e ao pai correlacionaramse de forma expressiva (r=.507, p≤.001), a associação destas com a mesma subescala, respondida em relação ao amigo/a, apresenta correlações muito baixas, respectivamente, r=.227e r=.193; p≤.001. Estes dados indicam que, de facto, o sujeito realiza diferentes percepções dos relacionamentos em função do parceiro dessa relação. A validade convergente e divergente do QRI foi analisada através de correlações com o Parental Bonding Instrument (PBI; Parker, Tupling & Brown, 1979), a Social Provisions Scale (SPS; Cutrona &Russell; 1987), o Social Support Questionnaire (Short-Form) (SSQ6; Sarason, Sarason, Sharin & Pierce, 1987) e a UCLA Loneliness Scale (Russell, Peplau & Cutrona, 1980). As correlações obtidas entre as subescalas do QRI e as subescalas do PBI indicam o poder discriminativo do QRI em função do relacionamento específico. Pierce et al (1991) obtiveram fortes correlações entre as subescalas QRI suport e PBI care para o mesmo relacionamento específico (Mãe: r=.741, p≤.001; Pai: r=.668, p≤.001) e correlações moderadas quando associaram subescalas direccionadas para diferentes relacionamentos (QRI suport Pai e PBI care Mãe r=.406, p≤.001; QRI suport mãe e PBI care pai r=.380, p≤.001). Para as três categorias dos relacionamentos em estudo, mãe, pai e amigo/a, as subescalas do QRI suport e depth correlacionaram-se positivamente com as duas medidas gerais do suporte social - Escala de Provisões Sociais (SPS) e a dimensão número do Questionário de Suporte Social (SSQ6) - e negativamente com a Escala de Solidão (ES).

A versão portuguesa do Quality of Relationships Inventory (QRI) Para obter a versão portuguesa do QRI aplicou-se o método de tradução-retroversão (Hill & Hill, 2000) que envolveu três passos. O questionário foi traduzido para português por duas pessoas, ambas portuguesas, 15


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uma com conhecimentos profundos do inglês e outra com conhecimentos do inglês americano, investigadora com experiência na tradução de questionários americanos. Respeitando o objectivo deste passo, os tradutores preocuparam-se em alcançar uma tradução que, simultaneamente, estimasse o texto original e prezasse também “a sintaxe, a gramática e as subtilezas da língua portuguesa” (Hill & Hill, 2000, p. 81). Seguiu-se a retroversão do instrumento por uma terceira pessoa com conhecimentos de nível superior nas línguas portuguesa e inglesa. Por último, os investigadores compararam a versão original do questionário em inglês com a versão inglesa obtida pelo terceiro indivíduo e solicitaram esclarecimentos junto dos tradutores envolvidos, sempre que consideraram necessário. Num momento seguinte, o questionário foi aplicado a 16 estudantes do ensino superior com o objectivo de verificar a adequação e perceptibilidade das instruções e de refinar a tradução. Solicitou-se aos estudantes que, logo após o preenchimento do questionário, dissessem quais as dúvidas que tiveram na interpretação das instruções e durante a resposta aos itens. Apenas o item 2 foi apontado, por alguns estudantes, como fonte de hesitações no momento da resposta. Assim, a tradução dos itens do Quality of Relationships Inventory, denominada na versão portuguesa por Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais (IQRI), manteve a estrutura do instrumento original, sendo composto por 25 itens, a serem respondidos numa escala de tipo Likert com quatro níveis: (1) Nunca ou Nada, (2) Poucas vezes ou Pouco, (3) Bastantes vezes ou Bastante, (4) Sempre ou Muito.

Instrumentos usados no estudo da validade externa Escala de Provisões Sociais (SPS) A Social Provisions Scale (SPS) (Cutrona & Russell, 1987) foi traduzida e adaptada para a população portuguesa por Pinheiro e Ferreira (2001), para medir a percepção de seis provisões sociais. A escala é composta por 24 itens distribuídos por seis dimensões, cada uma constituída por dois itens de conteúdo positivo e dois de conteúdo negativo, avaliados através de uma escala de tipo Likert com quatro níveis de resposta, desde discordo muito (1) a concordo muito (4) e conducentes à obtenção de seis scores parciais e um score global. Em 2003, os estudos realizados por Pinheiro na adaptação à população portuguesa evidenciaram as características psicométricas do instrumento. No que concerne à consistência interna, o índice de alpha de Cronbach de 0.91 foi o mais elevado obtido para a escala total do SPS. Para as subescalas, os índices de alpha de Cronbach foram menos 16


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satisfatórios variando entre .58 e .82 nas dimensões, respectivamente, Oportunidade de Cuidar e Aliança (Pinheiro, 2003, p. 291). No estudo da validade do instrumento a autora realizou diversas análises factoriais exploratórias sem alcançar resultados satisfatórios, então Pinheiro (2003) prosseguiu com a análise dos itens das subescalas propostas por Russell e Cutrona (1987). Perante os resultados alcançados, Pinheiro recomenda a utilização do “total da Escala de Provisões Sociais, como medida global das provisões socais” (2003, p. 294).

Questionário de Suporte Social (SSQ6) O Social Support Questionnaire (Short-Form) ou SSQ6 (Sarason, Sarason, Sharin & Pierce, 1987), versão reduzida do Social Support Questionnaire ou SSQ (Sarason et al., 1983), foi traduzido e adaptado para a população portuguesa por Pinheiro e Ferreira (2002). O SSQ6 é um instrumento de medida do suporte social composto por 6 itens, cada um possuindo duas partes. Formulado na interrogativa, a primeira parte do item avalia o número de pessoas que o sujeito percebe como disponíveis para apoiarem numa determinada situação, podendo mencionar o número máximo de nove pessoas, o sujeito pode ainda optar pela resposta “ninguém”. A segunda parte do item estima, através de uma escala de tipo Likert com seis pontos desde muito insatisfeito (1) a muito satisfeito (6), o grau de satisfação com a globalidade do suporte percebido pelo indivíduo. Obtêm-se scores parciais dividindo a soma das pontuações nos itens por seis, os valores médios obtidos são designados por índice numérico (SSQ6N) e índice de satisfação (SSQ6S) (Sarason et al., 1983; Sarason et al., 1987). De acordo com a investigação dos autores Pinheiro e Ferreira (2001; 2002), o instrumento revelou níveis de consistência interna satisfatórios, com índices alpha de Cronbach de .92 e .90 para a dimensão SSQ6Número e de .89, .90 para a dimensão SSQ6Satisfação. Construído para medir o suporte social como reflexo da percepção individual de se ser amado, valorizado e aceite na relação com os outros (Pinheiro, 2003; Pinheiro & Ferreira, 2001; Sarason et al, 1987), a bidimensionalidade do SSQ6, obtida na análise factorial em componentes principais realizada pelos autores americanos e portugueses, permite avaliar dois aspectos da percepção do suporte social, designadamente a percepção da disponibilidade das entidades de suporte (SSQ6N) e a percepção da satisfação com o suporte (SSQ6S) (Pinheiro & Ferreira, 2002).

17


exedra • nº 2 • 2009

Escala de Solidão (ES) A Escala de Solidão (ES) da UCLA, criada por Russell e seus colaboradores (Russell, Peplau & Ferguson, 1978; Russell, Peplau & Cutrona, 1980; Cutrona, 1982) para avaliar a solidão, foi adaptada para a população portuguesa em 1989 por Neto. De acordo com o autor, a escala “revelou-se altamente fidedigna e válida quer na avaliação da solidão quer na discriminação entre solidão e outros construtos relacionados” (Neto, 1999, p.59). A versão portuguesa da ES comporta 18 itens (9 itens positivos e 9 negativos) avaliados numa escala Likert de 4 pontos (nunca, raramente, algumas vezes e muitas vezes), cujo score global corresponde ao grau de solidão sentida pelo sujeito. Relativamente aos índices de consistência interna da escala, junto das amostras portuguesas de estudantes universitários, os valores de alfa obtidos foram muito satisfatórios balanceando entre .87 e .89 (Neto, 1999; Pinheiro, 2003).

Procedimentos Com a autorização do Conselho Directivo da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, os instrumentos foram aplicados aos estudantes durante os meses de Fevereiro e Março de 2006, nas salas de aula. A aplicação dos questionários foi realizada pelo investigador que informou sobre os objectivos do estudo, a confidencialidade das respostas, a voluntariedade no preenchimento e disponibilizouse para esclarecer dúvidas. Por os questionários serem de leitura óptica, cuja preparação implicou o recurso ao programa informático Cardfiff TELEform, solicitou-se aos estudantes que assinalassem visivelmente as respostas. Mediante o uso do programa SPSS 14.0 para Windows procedeu-se ao tratamento estatístico dos dados da amostra.

Resultados Iniciou-se o estudo estatístico com a análise da dispersão das respostas em cada item e verificou-se que, apesar de não se obter a variância máxima dos resultados, encontraram-se os quatro níveis da escala em diferentes graus. De acordo com os autores dos estudos originais do instrumento, para o estudo da dimensionalidade do IQRI procedemos ao cálculo da análise factorial forçada a três factores, utilizando o método de Maximum Likelihood com rotação oblíqua. Para a escala do IQRI em relação ao relacionamento com o/a amigo/a, os índices de Kaiser18


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Meyer-Olkin (.890) e do Bartlett’s Test of Sphericity (Chi-Square=2513,98; df=300; p≤.001) revelaram-se adequados à prossecução da análise factorial. Para as dimensões teóricas em causa, a solução forçada de três factores explicou 44.36% da variância total, tendo o factor 1 contribuído com 23.42%, o factor 2 com 17.13% e o factor 3 com 3.81% da variância (Quadro1). Analisando o Quadro 1 encontramos no primeiro factor os itens 1, 3, 5, 15, 18, 22 e 25 cujas saturações variam entre .84 (item 18) e .31 (item 15); no factor 2 saturaram onze itens (4, 6, 7, 9, 14, 19, 20, 21, 23, 24 e 25) com valores oscilantes entre .88 (item 20) e .45 (item 25); por último, no factor 3 organizaram-se os restantes itens (2. 10, 11, 12, 13, 16 e 17) com saturações elevadas oscilantes entre -.82 (item 10) e -.44 (item 12). O item 2 saturou no factor com um valor muito baixo (-.19), pelo que se optou pela sua exclusão. Esta decisão foi reforçada pela análise da consistência interna do factor 3 cujo valor de alpha de Cronbach se elevou a .84 após a extracção do item 2. Quadro 1 – Análise factorial do IQRI Amigo pelo método Maximum Likelihood, rotação oblíqua forçada a 3 factores (25 itens) Item

F1

18

Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ouvir quando você está bastante zangado/a com outra pessoa?

.84

3

Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar quando tem um problema?

.67

5

Até que ponto pode contar com esta pessoa para lhe dar uma opinião honesta, mesmo que não queira ouvir essa opinião?

.67

1

Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre diversos problemas?

.61

8

No caso de um membro muito próximo da sua família falecer, até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar?

.60

22

Até que ponto pode verdadeiramente contar com esta pessoa para o/a distrair das suas preocupações quando está sob stresse?

.60

15

Se quisesse sair esta noite e fazer algo, quão convicto/a está de que esta pessoa estaria disposta a sair consigo?

.31

F2

Factor 1: Suporte; Valor próprio = 5.85; Variância explicada = 23.42% 20

Até que ponto esta pessoa o/a consegue pôr zangado/a?

.88

23

Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a?

.81

4

Até que ponto é que esta pessoa o/a consegue pôr chateado/a?

.75

21

Até que ponto discute com esta pessoa?

.73

19

O quanto é que deseja que esta pessoa mude?

.63

24

Com que frequência esta pessoa tenta controlar ou influenciar a sua vida?

.58

6

O quanto é que esta pessoa o/a consegue fazer sentir culpado/a?

.58

19

F3


exedra • nº 2 • 2009

7

Até que ponto tem de “ceder” nesta relação?

.55

9

Até que ponto é que esta pessoa deseja que você mude?

.55

14

Quão crítica é esta pessoa em relação a si?

.48

25

Nesta relação, até que ponto você dá mais do que recebe?

.45

Factor 2: Conflito; Valor próprio = 4.28; Variância explicada = 17.13% 10

Quão positivo é o papel desta pessoa na sua vida?

-.82

11

Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante?

-.76

13

Até que ponto sentiria a falta desta pessoa se os dois não se pudessem ver ou falar durante 1 mês?

-.61

16

Até que ponto se sente responsável pelo bem-estar desta pessoa?

-.52

17

O quanto é que depende desta pessoa?

-.50

12

Quão próximo será o relacionamento com esta pessoa daqui a 10 anos?

-.44

2

Com que frequência se esforça para evitar conflitos com esta pessoa?

-.19

Factor 3: Profundidade; Valor próprio = .95; Variância explicada = 3.81%

Submeteu-se, novamente, os restantes 24 itens a uma análise factorial mediante o método Maximum Likelihood com rotação oblíqua, cuja solução obtida explica 45.96% da variância (Quadro 2). O factor 1 apresenta um eigenvalue de 5.82, explica 24.23% da variância e é composto pelos itens 1, 3, 5, 8, 15, 18 e 22 (pertencentes originalmente à subescala de Suporte) com valores satisfatórios oscilando entre .32 (item 15) e .84 (item 18). Com um eigenvalue de 4.27, o factor 2 explica 17.80% da variância e nele saturaram os itens 4, 6, 7, 9, 14, 19, 20, 21, 23, 24 e 25 (no QRI original estes itens constituíam a subescala de Conflito) com valores oscilantes entre .45 (item 25) e .87 (item 20). Explicando 3,93% da variância e com um eigenvalue de .94, o factor 3 reúne os itens 10, 11, 12, 13, 16 e 17 com saturações entre -.45 (item 12) e -.84 (item 10), interpretáveis como subescala de Profundidade (Quadro 2).

20


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Quadro 2 – Análise factorial do IQRI Amigo pelo método Maximum Likelihood, rotação oblíqua forçada a 3 factores (24 itens) Item 18 5

F1 Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ouvir quando você está bastante zangado/a com outra pessoa? Até que ponto pode contar com esta pessoa para lhe dar uma opinião honesta, mesmo que não queira ouvir essa opinião?

F2

F3

.84 .67

3

Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar quando tem um problema?

.66

1

Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre diversos problemas?

.61

22

Até que ponto pode verdadeiramente contar com esta pessoa para o/a distrair das suas preocupações quando está sob stresse?

.60

8

No caso de um membro muito próximo da sua família falecer, até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar?

.58

15

Se quisesse sair esta noite e fazer algo, quão convicto/a está de que esta pessoa estaria disposta a sair consigo?

.32

Factor 1: Suporte; Valor próprio = 5.82; Variância explicada = 24.23% 20

Até que ponto esta pessoa o/a consegue pôr zangado/a?

.87

23

Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a?

.81

4

Até que ponto é que esta pessoa o/a consegue pôr chateado/a?

.75

21

Até que ponto discute com esta pessoa?

.74

19

O quanto é que deseja que esta pessoa mude?

.63

6

O quanto é que esta pessoa o/a consegue fazer sentir culpado/a?

.57

24

Com que frequência esta pessoa tenta controlar ou influenciar a sua vida?

.57

7

Até que ponto tem de “ceder” nesta relação?

.56

9

Até que ponto é que esta pessoa deseja que você mude?

.55

14

Quão crítica é esta pessoa em relação a si?

.48

25

Nesta relação, até que ponto você dá mais do que recebe?

.45

Factor 2: Conflito; Valor próprio = 4.27; Variância explicada = 17.80% 10 11 13

Quão positivo é o papel desta pessoa na sua vida? Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante? Até que ponto sentiria a falta desta pessoa se os dois não se pudessem ver ou falar durante 1 mês?

21

-.84 -.78 -.62


exedra • nº 2 • 2009

16

Até que ponto se sente responsável pelo bem-estar desta pessoa?

-.52

17

O quanto é que depende desta pessoa?

-.50

12

Quão próximo será o relacionamento com esta pessoa daqui a 10 anos?

-.45

Factor 3: Profundidade; Valor próprio = .94; Variância explicada = 3.93%

Para analisar a fidelidade dos resultados do IQRI bem como a capacidade discriminativa dos itens recorreu-se ao método da consistência interna, obtendo-se as estatísticas alpha de Cronbach, média e desvio-padrão de cada item, e as correlações entre cada item e o respectivo score da dimensão a que pertence. Pela análise do Quadro 3 verifica-se que nas três subescalas as correlações dos itens com o total da respectiva dimensão revelaram valores muito adequados entre .32 (item 15) e .77 (item 20), todos superiores a .30 (Cronbach, 1984), o que confirma o poder discriminatório dos itens. A consistência interna das subescalas revelam índices alpha muito satisfatórios na ordem dos .84 na dimensão Suporte, .88 na dimensão Conflito e .84 na dimensão Profundidade. Importa deter a atenção no item 15 que saturou na dimensão de Suporte. Como se verifica no Quadro 3 a extracção do item apenas elevaria o alpha de Cronbach da dimensão de .84 para .85. Atendendo ao conteúdo do item privilegiou-se a sua preservação para futuras análises.

22


Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

Quadro 3 - Médias, desvios-padrão, correlações corrigidas dos itens e coeficiente alfa de Cronbach do IQRI Amigo Subescala

Suporte

Conflito

Profundidade

r

α

com exclusão do

com exclusão do

Item

M

DP

item

item

1

3.53

.60

.61

.80

3

3.54

.58

.69

.79

5

3.55

.62

.55

.81

8

3.60

.60

.61

.80

15

3.37

.72

.32

.85

18

3.52

.63

.70

.79

22

3.48

.58

.64

.80

Total

24.60

3.06

α=.84

4

1.88

.65

.64

.86

6

1.82

.67

.55

.87

7

1.97

.70

.55

.87

9

1.70

.61

.56

.87

14

2.32

.72

.46

.88

19

1.70

.63

.61

.87

20

1.82

.67

.77

.86

21

1.72

.62

.66

.86

23

1.65

.60

.73

.86

24

1.51

.65

.54

.87

25

1.87

.72

.44

.88

Total

19.96

4.87

α=.88

10

3.48

.63

.71

.78

11

3.52

.56

.68

.79

12

3.24

.65

.60

.80

13

3.09

.81

.68

.78

16

2.87

.72

.50

.82

17

2.28

.79

.51

.82

Total

18.48

3.07

α =.84

23


exedra • nº 2 • 2009

Conforme mostra o Quadro 5, no relacionamento com o/a amigo/a os resultados dos estudos correlacionais confirmam a forte associação entre as subescalas do IQRI suporte e profundidade (r=.63, p≤.01). A correlação dessas mesmas subescalas com a IQRI conflito são negativas e com valores sem significância estatística (r=-.12; r=-.07). Os resultados do estudo da validade convergente e divergente do IQRI apresentamse através da análise das correlações com duas medidas de suporte social (SPS global e SSQ6N) e uma de solidão (ES). Relativamente aos estudo psicométrico das medidas de suporte social, os índices de consistência interna da SPS global (α=.90) e do SSQ6 número (α=.92) para a amostra em estudo são muito satisfatórios. A escala de solidão apresenta, igualmente, muito boa consistência interna (α=.89) (Quadro 4). Quadro 4 – Estatística descritiva e índices de consistência interna da SPS Global, do SSQ6N e da ES Instrumentos de medida

Nº de itens

M

DP

α

Escala de Provisões Sociais (SPS) Global Questionário de Suporte Social (SSQ6) – Número Escala de Solidão (ES)

24

84.85

7.75

.90

6

28.53

11.15

.92

18

30.25

7.18

.89

No que diz respeito ao estudo da validade convergente, foram encontradas correlações positivas entre as subescalas IQRI suporte e IQRI profundidade com o resultado global da SPS (respectivamente, r=.41, p≤.01; r=.29, p≤.01) e com a percepção do número de pessoas que disponibilizam suporte social (SSQ6N) (respectivamente, r=.23, p≤.01; r=.15, p≤.05). Assim, e à semelhança dos resultados obtidos pelos autores da escala original, a maiores níveis de suporte social e de profundidade no relacionamento com o/a amigo/a correspondem maiores níveis de percepção do suporte social em geral (Quadro 5). Os índices de correlação encontrados, apesar de significativos, não foram muito elevados o que confirma a hipótese teórica de Pierce et al (1991) que considera que a percepção do suporte social num relacionamento específico é diferente da percepção do suporte social em geral. Ainda analisando o Quadro 5 verificamos que as dimensões do IQRI suporte e profundidade se correlacionam negativamente com a solidão (respectivamente, r=.37, p≤.01; r=-.24, p≤.01), significando que se sentem mais sós os indivíduos cujos relacionamentos com os/as amigos/as se caracterizam por baixos níveis de profundidade e de suporte social.

24


Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

Quadro 5 – Correlações entre as subescalas do IQRI, SPS Global, SSQ6N e a ES

IQRI Suporte

IQRI

IQRI

IQRI

SPS

SSQ6

Suporte

Conflito

Profundidade

Global

Número

1

-.12

.63**

.41**

.23**

-.37**

1

-.07

-.30**

-.07

.25**

1

.29**

.15*

-.24**

1

.28**

-.75**

1

-.35**

IQRI Conflito IQRI Profundidade SPS Global SSQ6 Número

ES

ES

1

*p≤.05; ** p≤.01 Na literatura, a variável género é muitas vezes aplicada ao estudo do suporte social. Assim, procedeu-se ao estudo da qualidade dos relacionamentos interpessoais em função do género. Nas subescalas do IQRI as raparigas têm pontuações mais elevadas que os rapazes, com diferença significativa nas subescalas de suporte (t=.037; p=.044) e de profundidade (t=.769; p=.001). Nas relações de amizade, as raparigas percebem mais suporte e profundidade do que os rapazes (Quadro 6).

Quadro 6 – Médias, desvios-padrão e Teste t de Student em função do género

IQRI Suporte IQRI Conflito IQRI Profundidade *p≤.05; ** p≤.01

Género Masculino N M DP

Género Feminino N M DP

t

p

58 56

23.31 19.53

3.49 4.70

189 178

24.84 20.09

2.88 4.92

.037 .644

.044 .444

55

17.29

3.24

187

18.83

2.93

.769

.001

Da análise do Quadro 7 verifica-se que, quanto maior for a percepção do suporte social na relação com os/as amigo/as, maior é a profundidade desses relacionamentos, os valores das correlações são mais expressivas nos rapazes (r=.68; p≤.01) do que nas raparigas (r=.60; p≤.01).

25


exedra • nº 2 • 2009

Quadro 7 – Correlações entre as subescalas do IQRI, por género Género Masculino

IQRI Suporte

Género Feminino

S

C

P

S

C

P

1

.03

.68**

1

-.18*

.60**

1

.02

1

-.12

IQRI Conflito IQRI Profundidade

1

1

*p≤.05; ** p≤.01 No que diz respeito às correlações entre as subescalas do IQRI com as medidas de percepção de suporte social geral e a solidão (Quadro 8), verifica-se que nas raparigas a qualidade dos relacionamentos interpessoais se associam moderadamente com os níveis de solidão. Quanto maior o conflito percebido pelas raparigas nos seus relacionamentos com o/a amigo/a maior o nível de solidão (r=.30; p≤.01). Por sua vez, quanto maior a percepção do suporte social e da profundidade nas relações de amizade menor o nível de solidão (r=-.43; p≤.01, r=-.30; p≤.01). Relativamente à percepção de suporte social global, nas raparigas a qualidade dos relacionamentos de amizade associa-se à satisfação das necessidades relacionais (Quadro 8). A relação entre a percepção do suporte social no relacionamento com o/a amigo/a e a percepção do suporte disponível é mais forte nos rapazes (r=.34; p≤.05).

Quadro 8 – Correlações entre as subescalas do IQRI e a SPS Global, a SSQ6N e a ES, por género SPS Global

SSQ6N

ES

M

F

M

F

M

F

IQRI Suporte

.30*

.47**

.34*

.20**

-.23

-.43**

IQRI Conflito

-.08

-.35**

.13

-.13

.09

.30**

.31*

.30**

.18

.15*

-.12

-.30**

IQRI Profundidade *p≤.05; ** p≤.01

26


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Discussão Este trabalho apresenta os estudos realizados na adaptação e validação da versão portuguesa do Quality of Relationships Inventory (QRI) (Pierce, Sarason & Sarason, 1991) no relacionamento com o/a amigo/a. Os resultados alcançados atribuem boas qualidades psicométricas, no que diz respeito à validade e fidelidade do Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais (IQRI) para o relacionamento em causa. No estudo das correlações entre as subescalas do IQRI verifica-se uma forte associação entre as subescalas do IQRI suporte e profundidade, tal sugere que, quanto mais íntima for a relação com o/a amigo/a maior é a percepção do suporte social. Ainda no relacionamento com o/a amigo/a registou-se o valor médio mais baixo de conflito (m=19.96; dp=4.87), ficando abaixo do ponto intermédio da escala. Este resultado pode interpretar-se em duas perspectivas: no momento do preenchimento do IQRI o estudante pode ter pensado no relacionamento com um amigo que seja importante na sua vida mas com quem não tenha conflitos (nas instruções do IQRI pedia-se ao estudante para pensar no relacionamento com um amigo considerado como importante na sua vida, embora esse relacionamento não tivesse de ser necessariamente positivo); os conflitos entre amigos podem estar relacionados com aspectos que não são avaliados por essa subescala. É possível consideramos a hipótese de que as relações com os amigos, quando pautadas por conflitos, podem ser excluídas da rede relacional. Os estudos em torno da validade convergente e divergente do IQRI, à semelhança dos pressupostos teóricos de Pierce, Sarason e Sarason (1991), revelaram relações significativas e positivas com as três medidas de suporte social geral e associações significativas e negativas com a medida de solidão. Pode afirmar-se que as correlações negativas entre o score global da solidão e as medidas da percepção do suporte social mostraram que, quanto mais sozinho se sente o indivíduo menor é o suporte social por si percepcionado. As correlações negativas entre a solidão e as dimensões do IQRI suporte e IQRI profundidade transpareceram o sentimento de isolamento dos indivíduos cujos relacionamentos com os/as amigos/as se caracterizam por baixos níveis de profundidade e de suporte social. Pelo contrário, as correlações positivas obtidas entre as medidas de conflito e de solidão revelaram que, no relacionamento com o/a amigo/a, a maiores níveis de conflito correspondem mais elevados níveis de solidão. As correlações positivas entre as medidas de suporte e profundidade do IQRI e as medidas do SSQ6N revelaram que, quanto mais qualidade no relacionamento com o/a amigo/a o indivíduo sentir maior é o suporte social percebido. Para compreender a qualidade do relacionamento interpessoal é importante conhecer 27


exedra • nº 2 • 2009

o grau de satisfação nessa relação. Para tal, a introdução de uma questão sobre o grau de satisfação sentido na relação específica poderá ser uma variável a incluir em futuras investigações. Os estudos de diferença de género realizados corroboram o pressuposto de que os rapazes e raparigas diferem nas medidas de percepção de suporte social geral e específico em cada relacionamento. Nas relações de amizade as raparigas percebem mais suporte social e profundidade, a qualidade dos seus relacionamentos interpessoais relaciona-se mais à solidão e à satisfação das necessidades relacionais. Nos rapazes, a percepção de suporte social na relação de amizade correlaciona-se mais fortemente com a percepção do suporte disponível. Tal foi mencionado na literatura por Bell (1981), referindo que nas relações de amizade as raparigas valorizam mais a intimidade e a confiança, os rapazes dão maior relevo à sociabilidade. Assim, os resultados alcançados neste trabalho, no âmbito das relações de amizade, incentivam à continuidade dos estudos da qualidade dos relacionamentos interpessoais em função da variável género. A adaptação do IQRI para a população portuguesa é o contributo fundamental para o estudo do contexto interpessoal do suporte social no relacionamento do indivíduo com alguém em específico.

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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

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Correspondência Catarina Isabel Carvalho Neves Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra Praça Heróis do Ultramar – Solum, 3030-329 Coimbra, Portugal cneves@esec.pt

Maria do Rosário Moura Pinheiro Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra Rua do Colégio Novo, Apartado 6153, 3001-802 Coimbra pinheiro@fpce.uc.pt

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Educação para a cidadania e Direitos do Homem Fernando Sadio Ramos

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo O texto que se segue efectua a apresentação de diversas componentes do Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem que vem sendo realizado na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra desde 2002. Abarca este texto os projectos realizados (ou em curso) desde 2006, dando conta das suas características principais e resultados mais relevantes. Palavras-chave Educação, Educação com as artes, Educação intercultural, Educação para a cidadania, Direitos do Homem Abstract This paper presents several components of the Project on Citizenship and Human Rights Education which is being held at the Escola Superior de Educação of the Instituto Politécnico de Coimbra since 2002. It refers to the projects completed or in course since 2006, showing their main features and most relevant results. Key-Words Education, Education with arts, Intercultural education, Human Rights, Citizenship education

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Introdução No texto que se segue procederemos à apresentação de duas componentes do Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem que vimos realizando na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra. Este teve o seu início em 2002, permitindo o desenvolvimento de inúmeras iniciativas e trabalhos de que demos conta em trabalhos anteriores (Ramos, 2005a; 2005b). Integram-no diversas componentes, das quais assumem um papel particularmente relevante – pela dimensão internacional, investigadores e instituições participantes, assim como pelos meios envolvidos – os Projectos Encontro de Primavera® e Di.C.A.D.E. – Diferencias Culturales y Atención a la Diversidad en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante actividades de expresión artística. Este tem já em curso o seu seguimento, o Projecto Estamentos Educativos y Diferencias Culturales del Alumnado: Diseño de Actividades para el Fomento de la Socialización (E.E.D.C.A.). Ambos os Projectos decorrem desde 2006, associando na sua organização e realização docentes, investigadores, artistas e alunos da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, do Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A. – Desarrollo Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza, da Universidade de Granada (Espanha) e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. Comportam estes projectos trabalhos de investigação, projectos de desenvolvimento curricular, congressos internacionais de partilha de resultados de investigação, experiências pedagógicas e trabalhos teóricos, os quais se traduzem nas correspondentes publicações. Têm esses trabalhos como núcleo essencial a Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos do Homem, tomando como pressupostos essenciais, em primeiro lugar, o entendimento da Educação como formação integral1 da Pessoa (entendida esta como intersubjectividade originária) em todas as suas dimensões e, em segundo lugar, a afirmação do papel significativo que as Humanidades e a Artes desempenham nessa formação. A utilização da Filosofia, Música, Artes Plásticas, Literatura e Teatro tem lugar de destaque nas propostas educativas e pedagógicas, mas também se verifica a abertura a novas formas de expressão artística nas quais o recurso às novas tecnologias predomina. O projecto Encontro de Primavera® assume-se como o processo de produção, encontro e partilha dos resultados da investigação e da docência por parte, tanto dos membros do grupo de trabalho mais restrito, como dos convidados que se lhe juntam e permitem alargar o alcance dos trabalhos a desenrolar. A sua designação a partir da ideia de encontro decorre do primeiro pressuposto afirmado anteriormente, o da intersubjectividade da Pessoa. 34


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O suporte financeiro e logístico tem origem, predominantemente, na Universidade de Granada e na Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andaluzía, mas também em outras fontes, como o CIMA – Centre for Intercultural Music Arts, o Instituto Politécnico de Coimbra e a sua Escola Superior de Educação, assim como da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

O Encontro de Primavera® 2 O Projecto Encontro de Primavera® tem como linhas estratégicas fundamentais a promoção da Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos do Homem, numa perspectiva de Educação Integral, para a qual as Artes, as Humanidades e a Educação com as Artes assumem, consequentemente, um papel de relevo. Subjaz ao mesmo uma Filosofia da Formação e da Educação que assume uma concepção de Pessoa como intersubjectividade originária (Ramos, 2007b; 2003), da qual nasce a ideia de encontro. Consubstancia-se numa reunião internacional anual, em que o tema articulador do trabalho realizado anteriormente se apresenta e desenvolve, lançando-se o respectivo livro. Música, Artes Plásticas, Teatro e Dança, no campo das Artes, Filosofia, Literatura (de línguas Modernas e Clássicas)3, no campo das Humanidades, constituem o eixo em redor do qual se articula um conjunto de vontades que vêem a defesa do humano no Homem como uma tarefa urgente do tempo presente, configuradora de uma praxis de resistência humanista em tempos de ditadura positivista, tecnocrática4 e capitalista (Gil, 2009). Direitos do Homem e Democracia perfilam-se como conquistas árduas e frágeis, advindas no decurso da História em resultado da praxis humana, e que dependem estreitamente da Memória5 e do exercício atento da Liberdade e da Razão crítica para que aquilo por que existem – a realização polifónica da Dignidade do Homem – não seja um sonho apagado pelas forças que se lhe opõem. Esta ideia apresenta-se como uma injunção particularmente relevante no tempo presente, uma vez que assistimos, de forma global e universal, a um ataque feroz às realizações da Dignidade do Homem, repetindo – a uma escala maior e inédita – as fases de desenvolvimento do ovo da serpente que levou as sociedades europeias do século XX a defrontarem-se com o Totalitarismo, que o revisionismo actual, de pendor economicista e de um cientismo serôdio e rançoso, tenta reabilitar6. Na medida em que a Formação e a Educação são um meio privilegiado de promover a humanização do Homem, a defesa do ponto de vista referido anteriormente assumese como um modo de desenvolver a missão daquelas, conferindo-lhes o sentido de Libertação que deve presidir à acção formativa e educativa.

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Como tal, o Projecto Encontro de Primavera® desenvolve-se a partir de uma opção de praxis política, entendida como uma inevitabilidade, necessária e inerente à condição de pertença essencial do Homem à Comunidade humana, desde a inaugural pólis grega até à comunidade contemporânea intercultural e de dimensão cosmopolita que vamos construindo gradualmente. A ideia de Primavera surge enquanto símbolo e promessa de futuro, essencial para estruturar a praxis transformadora do ser no dever-ser por que a Liberdade do Homem anseia e do qual é condição de possibilidade. A primeira edição do Encontro de Primavera® (2006) estruturou-se a partir da noção básica que articula os Direitos Humanos e a panóplia dos seus valores configuradores – a Dignidade do Homem – que declinámos então de forma plural na expressão com que o designámos: Dignidade Humana em Polifonia, e que dá igualmente título ao livro correspondente aos trabalhos realizados (Reis; Ramos, 2007) e que saiu na colecção Práticas – Conhecimento – Pensamento, n.º 12, do Instituto Politécnico de Coimbra. Com ela, pretendemos dar conta do humano do Homem, articulando duas ideias essenciais. A primeira, a de “Dignidade Humana”, enquanto valor essencial fundante e estruturador daquilo a que se chama “Direitos do Homem”. A segunda, “(em) Polifonia”, com a qual procurámos traduzir a diversidade e riqueza do Homem, das quais a Música se pode assumir como um símbolo maior, prenhe de significações e respectivas interpretações, consonantes ou conflituantes. Correspondeu essa realização a um momento no desenvolvimento de um trabalho de Educação Ética, Axiológica e Cidadã, de substrato filosófico, mediante o qual se procura concretizar ao nível do Ensino Superior, em geral, e da Formação Inicial, Contínua e Especializada de Professores, Educadores e Animadores, em particular, a formação pessoal e social dos alunos, dotando-os de meios com os quais a possam promover igualmente junto dos seus futuros educandos e aprendizes (Ramos, 2008a; 2008b). Correspondeu, igualmente, a uma etapa de um já relativamente longo e frutífero caminho de cooperação internacional da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra com o Grupo de Investigación HUM – 742 D.E.Di.C.A, da Universidade de Granada. Correspondeu, ainda, a um encontro entre docentes e investigadores para quem as dimensões artística e humanística do Currículo são assumidas como essenciais para a promoção integral da Pessoa do Educando e como potenciadoras do desenvolvimento de competências comunicativas interculturais. Para a segunda edição, escolhemos a temática da Educação para a Cidadania Europeia com as Artes. Na linha defendida pelo Conselho da Europa em relação à interculturalidade 36


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(Perotti, 1994), a Arte, e em particular a Música, constitui um fundamento e um meio a privilegiar na comunicação entre as culturas e os povos. Por muito que sejamos tentados a afirmar a impossibilidade da poesia após Auschwitz (Theodor Adorno), ou da ineficácia do belo perante o hediondo (Erwin Chargaff), devemos sempre retomar a ideia de Michel Serres de que só a beleza nos pode salvar (Barlowen, 2009: 386). A escolha desse lema assentou no seguinte conjunto de pressupostos, que passamos a explicitar. Partimos do entendimento da Cidadania Europeia como um constructo práxico, em que unidade e diversidade, identidade e alteridade se cruzam e articulam de modo plural e complexo, de acordo com as três dimensões temporais da historicidade humana. A complexidade e a diversidade são uma constante historial do ser-europeu, presentes nos três vectores temporais que estruturam a historicidade do Homem. Do passado, destacamos a síntese histórica que se produziu desde a aurora inaugural na Grécia Clássica, passando pela Roma republicana e imperial, pela Medievalidade Cristã e o Iluminismo Moderno, inaugurador da Contemporaneidade. Razão (Filosófica, Artística e Científica7), Cidadania, Direito, Formação e Educação, Pessoa e Direitos do Homem, constituem aquisições maiores do percurso civilizacional Europeu. O presente histórico surge como instância práxica de construção de uma ideia de Europa, que apela a partir do futuro novo à herança histórica identitária que é permanentemente desafiada a reconstituir-se para que esse futuro inédito advenha. A organização inter-governamental Conselho da Europa, a construção da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, depois da Comunidade Económica Europeia, a mudança desta para Comunidade Europeia e agora União Europeia8, a presença da forma particular de alteridade constituída pelas populações migrantes, seus descendentes europeus e respectivas culturas e costumes, a mobilidade das pessoas, a influência dos media, etc., constituem-se como elementos com que a praxis se confronta em ordem a elaborar essa identidade de modo plural e intersubjectivo. Nessa identidade essencialmente múltipla, assume-se como fundamental uma herança Humanista e geradora de uma cultura cujo núcleo essencial se pode consubstanciar na noção, perenemente in fieri, de Direitos do Homem (André, 2005; Pereira, 2003). Desvelar tal complexidade exige uma linguagem ela mesma geradora de significados sempre novos e não subsumíveis univocamente, de modo redutor e fechado. Ao mesmo tempo, fiel à matriz da racionalidade da realidade e do Ser legada na palavra Lógos (Heidegger, 1984: 294-341; 1988; 1980a: 71-157; 1980b: 124-199) pela civilização Grega Clássica, essa linguagem deve também prestar-se à análise e à reflexão, possibilitando a discussão e produção de novos sentidos e significados. Vemos estas características de modo eminente na Arte e suas diversas manifestações e respectivas linguagens, sobre o 37


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pano de fundo da ideia da Arte como um elemento decisivo na humanização do Homem, em simbiose com a Cultura Humanística. Deste Encontro editou-se o livro Educação para a Cidadania Europeia com as Artes (Ramos, 2007c), o qual contou com financiamento da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. O III Encontro de Primavera® apontou para a questão do Diálogo e da Civilização, possibilitados pela Arte, em geral, e a Música, em particular. Levou como lema Música. Arte. Diálogo. Civilização, o qual se manteve no título do livro correspondente aos trabalhos apresentados (Ortiz Molina, 2008). Correspondeu a um notável passo em frente em termos da sua dimensão e processo de internacionalização, pois passou a estar associado à realização da Bienal Internacional, Simpósio & Festival do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts (no caso vertente, a X edição da mesma)9. Dando esta dimensão ao Projecto Encontro de Primavera®, o lema apresentado aos participantes colocou a questão da Educação, da Educação com as Artes e da Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos do Homem em termos de Civilização, oposta à barbárie de uma sociedade da qual aquelas, e o respectivo objecto e fundamento – a Dignidade do Homem –, estejam ausentes ou – pior ainda –, sejam aviltadas, espezinhadas e banidas. O valor da iniciativa foi reconhecido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia concedendo-lhe financiamento para a sua realização e publicação do livro, no que se associou à Universidade de Granada e ao CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. Foi também editado um catálogo correspondente a duas exposições de Arte Contemporânea em que o Encontro e a Bienal se concretizaram igualmente (Ortiz Molina; Rúbio; Ramos, 2008); este último contou ainda com o apoio financeiro da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, além das instituições referidas atrás. A IV edição do Encontro de Primavera® realizou-se na Facultad de Ciencias de la Educación da Universidade de Granada. Tratou-se de um desenvolvimento natural e esperado do Projecto e um momento assinalável da sua internacionalização, já que o mesmo esteve desde o seu início vinculado a uma estreita cooperação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra com aquela Universidade, através do Grupo de Investigación D.E.Di.C.A., como se referiu anteriomente. A vertente relacionada com a investigação mereceu a tónica e daí o seu título: Investigación en Educación y Derechos Humanos: Aportaciones de diferentes Grupos de Investigación. A Junta de Andaluzia, por intermédio da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa, reconheceu o mérito do evento atribuindo-lhe o respectivo financiamento. Os trabalhos do mesmo foram publicados em livro, com o título Investigación en Educación y Derechos

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Humanos (Ortiz Molina, 2009), com financiamento da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. Fruto das sinergias criadas aquando da III edição do Encontro de Primavera®, revelouse como pertinente a realização de um projecto que se desenvolveu acentuando o Diálogo e a Comunicação Intercultural assim como a Educação com as Artes a partir da ideia de Diferença. Procurámos, no mesmo, pôr em relevo as potencialidades residentes no discurso e na prática artísticos, assim como na Educação com as Artes, para se proceder ao desenvolvimento integral e à humanização da Pessoa. O trabalho assente nesta perspectiva assume que a Educação deve permitir às Pessoas a descoberta da sua capacidade de ver e expressar o Mundo segundo o seu modo único e irrepetível de ser Pessoa e procura colocar em questão a estreiteza do Currículo vigente nas nossas escolas, na medida em que o mesmo nunca proporcionou o devido lugar à Educação com as Artes. Na situação presente do nosso País, essa mesma estreiteza passou a revestir um carácter incoerente, insólito e grotesco com medidas políticas que vão no sentido de tornar a Educação com as Artes numa mera ocupação de tempos livres e de guarda de alunos. A tal se reduziu e perverteu o currículo definido no âmbito da Gestão Flexível do Currículo e respectivo Decreto-Lei regulador (6/2001, de 18 de Janeiro) (Alonso; Peralta; Alaiz, 2001). Recusar isso e afirmar o valor da Educação com as Artes foi a ideia fundamental e que teve como resultado final o livro Diálogo e Comunicação Intercultural. A Educação com as Artes (Ramos, 2009), que – tal como o livro anterior – obteve o seu financiamento junto da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. O ano de 2010 viu a V edição do Encontro, simultaneamente com a XI Bienal do CIMA. Teve lugar entre 6 e 9 de Abril, na Facultad de Educación y Humanidades de Melilla (Universidade de Granada). Seguiu a mesma linha de realizar o evento nesta Universidade de modo a prosseguir a cooperação originária e fundante do mesmo, assim como o desenvolvimento do seu processo de internacionalização. A temática, predefinida já no III Encontro10, foi a seguinte: Arte e Ciência: Criação e Responsabilidade (Ortiz Molina, 2010 a; 2010b). Propusemos aos participantes o desafio de pensar a relação, articulação, vizinhança e diferenças entre aquelas formas de produzir Mundo e Homem, enquanto ambas se pautam – autonomamente – pelos conceitos de Criação e de Responsabilidade. As publicações correspondentes tiveram o apoio da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. Como Projecto, o Encontro de Primavera® polariza-se pelo futuro. Assim, passamos a referir as realizações que se encontram em preparação e que continuam a projectá-lo 39


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ainda mais em termos internacionais. Dos eventos que estão em preparação, o primeiro a realizar-se é o Encontro de 2011, o VI, que decorrerá, desta vez, em Málaga, no Centro Cívico da Diputación Provincial de Málaga. Subordinar-se-á ao tema Tendiendo puentes hacia la interculturalidad. Nesse sentido, várias reuniões de trabalho têm tido lugar, ao longo do último ano, as quais culminaram na realização de um encontro internacional entre alguns dos elementos que integram a sua comissão científica e organizadora, que decorreu em Coimbra. Subordinado ao tema de 2011, traduzido para Português – Lançando Pontes para a Interculturalidade – teve lugar nos dias 17 e 18 de Julho de 2009 e dele saíram as linhas fundamentais da realização do congresso de 2011. Seguiram-se-lhe reuniões efectuadas em Málaga (Outubro de 2009), Évora (Dezembro de 2009), Granada (Fevereiro de 2010) e Melilla (Abril de 2010). O mérito da iniciativa já foi reconhecido pela Diputación Provincial de Málaga, com o correspondente financiamento. O primeiro livro correspondente ao Encontro foi publicado simultaneamente em Portugal e em Espanha, sendo subsidiado pela Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andalucía e pela Universidade de Granada (Ramos, 2010a; 2010b). Em preparação, encontra-se o segundo livro a editar com esse Encontro, Puentes hacia la Interculturalidad e um CD Rom com outros trabalhos a apresentar no evento. Em 2012, o VII Encontro de Primavera® e o XII SIEMAI – Simpósio Internacional Educação Música Artes Interculturais® (refundação ibérica do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts) regressam a Portugal e decorrerão em Vila Nova de Foz-Côa. Subordinar-se-ão ao lema Arte e Cultura Populares e encontra-se numa fase adiantada de preparação, com destaque para as reuniões de discussão e debate de textos a apresentar no evento por parte de membros da Comissão Organizadora e Científica e na publicação de artigos em revistas especializadas Espanholas. Ceuta acolherá o VIII Encontro de Primavera® e o XIII SIEMAI – Simpósio Internacional Educação Música Artes Interculturais®, que terá lugar em 2014 sob o lema Educación, Música y Arte desde la(s) Frontera(s). A preparação do evento já começou, criando-se a respectiva Comissão Organizadora, tanto a nível internacional como local, e que desenvolve já os primeiros trabalhos.

Educação intercultural Neste âmbito particular do Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem, referir-nos-emos em seguida a dois Projectos de Investigação, Desenvolvimento e Inovação do Grupo D.E.Di.C.A.. O primeiro, é o Projecto Di.C.A.D.E. – Diferencias Culturales y Atención a la Diversidad 40


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en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante Actividades de Expresión Artística. Este começou como um Projecto de I+D+I do Vice-Rectorado de Investigación y Tercer Ciclo da Universidade de Granada. Decorreu ao longo dos anos de 2006 e 2007, gerando como produto final a obra homónima: Diferencias Culturales y Atención a la Diversidad en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante Actividades de Expresión Artística (Di.C.A.D.E.) (Ortiz Molina, 2007). Além dos contributos de ordem teórica e fundamental, empírica e pedagógica proporcionados pelos investigadores participantes, conta com um trabalho de Desenvolvimento Curricular realizado por alunas do curso de Teatro e Educação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra (Vaz; Cúrdia, 2007), já que as linhas de investigação dos Projectos do Grupo D.E.Di.C.A. se desenvolvem igualmente a nível da docência efectuada pelos seus membros. Assim, a nível da fundamentação teórica do Projecto, contamos com os seguintes trabalhos: a) Subsídios para uma Filosofia da Formação de um ponto de vista intersubjectivo; b) Fundamentação Psicológica da Didáctica da Educação Artística e Musical.

Seguem-se dois estudos empíricos: i) Estudo Empírico do Projecto sobre as Diferenças Culturais e Atenção à Diversidade no Contexto Escolar; ii) Culturas em Contacto no Âmbito Escolar: Investigação Educativa sobre o Fomento de Habilidades Linguísticas e da Socialização através da Expressão Musical.

As consequentes propostas de actividades pedagógicas incluem: α) Os Habitantes da Rua Pentagrama; β) O Agrupamento Instrumental de Percussão na Escola, Elemento de Socialização dos Alunos. γ) Experiências Educativas para a Socialização: Música e Pintura, uma Relação Interdisciplinar. δ) Como se faz Cor-de-Laranja. Um Projecto de Desenvolvimento Curricular no Âmbito da Expressão Dramática.

Com base neste trabalho inicial, a temática do projecto continuou a assumir-se como ideia articuladora da docência da unidade curricular de Teoria e Desenvolvimento do Currículo das licenciaturas de Teatro e Educação e de Professores de Educação Musical do Ensino Básico, assim como de um projecto de investigação-intervenção da licenciatura em Animação Socioeducativa daquela instituição, o qual foi igualmente publicado: – Quando as luzes se apagam, acendem-se consciências? Animação Socioeducativa e Cinema – Perspectivas conjuntas (Silva, 2007).

O trabalho efectuado com o projecto Di.C.A.D.E. deu origem a novo projecto que se encontra já em realização e cujo livro deverá ser editado no início de 2010. Tem este projecto como título Estamentos Educativos y Diferencias Culturales del Alumnado: Diseño de Actividades para el Fomento de la Socialización (E.E.D.C.A.). 41


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A sua concretização comporta uma investigação empírica e pedagógica, assim como os produtos pedagógicos elaborados no decurso do projecto e da docência. Três componentes integram-no, em consequência. Uma, relativa a projectos de desenvolvimento curricular de âmbito educativo formal e comunitário, elaborados por alunos de licenciaturas da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra. Trata-se de dois trabalhos correspondentes a projectos realizados entretanto e que se encontram em fase final de preparação da publicação. Outra, diz respeito à investigação realizada por meio de um inquérito por questionário sobre percepções da alteridade que conduzimos simultaneamente em Espanha e em Portugal. Utiliza-se um protocolo de entrevistas semi-estruturadas que são aplicadas aos diversos sectores da Comunidade Educativa. O protocolo já foi validado em anteriores projectos de I+D+I realizados pelo Grupo D.E.Di.C.A. (Ortiz Molina, 2005). Dirigese o inquérito aos níveis de educação básica e secundária, e tem como pressuposto de base a crescente necessidade de lidar com a diversidade e a diferença nas sociedades contemporâneas, em particular nos contextos educativos e sociais das escolas. O inquérito já foi realizado, encontrando-se a decorrer a fase de tratamento e análise dos dados obtidos. Em terceiro lugar, e uma vez terminada a fase da investigação e obtidas as conclusões da mesma, passar-se-á à elaboração de propostas de actividades destinadas a promover a socialização nas escolas e agrupamentos dos níveis de educação estudados. Apresentado o relatório do projecto ao organismo financiador – o Vice Rectorado de Política Científica e Investigación da Universidade de Granada, seguir-se-á a preparação do livro e respectiva publicação, como referimos.

Conclusão O Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem de que apresentámos aqui duas das suas diversas vertentes tem como fundamento filosófico a ideia de que a Educação não é uma realidade social neutra ou uma ferramenta social utilizável meramente de forma técnica. Vemo-la, antes, como uma instância de transformação social e política, que entendemos como uma prática de libertação (P. Freire), logo comportando um projecto de Homem, de Sociedade e de Mundo e os correspondentes valores. Nesse sentido, a Educação nunca é axiologicamente neutra e a tarefa do Educador deve começar pela explicitação do projecto de Homem, de Sociedade e de Mundo que a sua acção vai realizar. Deste modo, podemos confrontar criticamente os diferentes modelos educativos 42


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e respectivas possibilidades, evitando a maior tentação que se coloca aos Poderes que utilizam a Educação: a endoutrinação e a propaganda. Esta perspectiva parece-nos particularmente pertinente no nosso tempo, em que o fechamento de possibilidades da praxis e o império do pensamento único são um ingrediente assinalável da realidade educativa, social e política. O desenvolvimento de uma cidadania crítica, mobilizando nesse projecto os contributos inestimáveis e cada vez mais exigíveis das Humanidades e das Artes, aparece-nos assim como um imperativo ético e político susceptível de dar à Educação uma densidade ontológica assinalável e de potenciar o seu sentido crítico, transformador e construtor da Liberdade.

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of peace. Conference proceedings. Jyväskylä: University of Jyväskylä/Institute for Educational Research - University of Jyväskylä/Unesco/Jyväskylä Congresses. Reis, I., Ramos, F. (Coords.) (2007). Dignidade humana em polifonia. Coimbra: Instituto Politécnico de Coimbra. Silva, C. M. N. G. (2007). Quando as luzes se apagam, acendem-se consciências? Animação socioeducativa e cinema – perspectivas conjuntas. In F. S. Ramos (Coord.), Educação para a cidadania europeia com as artes (pp. 271-313). Coimbra: Fernando Ramos (Editor). Vaz, A. M., Cúrdia, M. I. (2007). Como se faz cor-de-laranja. Um Projecto de desenvolvimento curricular no âmbito da expressão dramática. In M.ª A. Ortiz Molina (Coord.), Diferencias culturales y atención a la diversidad en la escuela: desarrollo de la socialización mediante actividades de expresión artística (pp. 241257). Coimbra: Fernando Ramos (Editor).

Notas 1 - Muitas são as variações deste tema, mas refira-se a formulação pristina do tema em Coménio, na Didáctica Magna, e a ideia das escolas como Oficinas de Humanidade (Cap. X e XI), a sua encarnação na obra e prática de Henri Pestalozzi (com destaque para os institutos de Berthoud e de Yverdon) e a assumpção da ideia na Lei de Bases do Sistema Educativo Portuguesa (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, art. 1.º, n.º 2). 2 - Retomamos aqui, ampliando-o, o conteúdo de “O Projecto Encontro de Primavera” (Ramos, 2007). 3 - A sequência desta enumeração não implica que não tenhamos a Literatura e a Filosofia incluídas, igualmente e segundo a idiossincrasia de cada uma, no campo da Arte, no sentido mais pleno desta, o de criação de Mundo. 4 - Insistimos na ideia de poder, destacando a sua brutalidade (R. Pannikar, in Barlowen, 2009). Daí não termos referido desde logo o tecnomilenarismo (Régis Debray, in Barlowen, 2009) que confere a este exercício brutal do poder uma intenção purificadora, nomeadamente, na figura do Homem Novo desta ideologia, o Homem Avaliado, controlado, obediente e, um dia amante da servidão (Gil, 2009). 5 - A Memória e o Testemunho são essenciais para a Liberdade, como nos ensinam, entre outros, Primo Levi ou Elie Wiesel. O seu desprezo marca, todavia, o projecto tecnocrático de Homem Novo, e faz parte da organização capitalista do trabalho e da sociedade. Daí, a pertinência da expressão United States of Amnesia, de Carlos Fuentes, e das críticas de Erwin Chargaff à “cultura” dos Estados Unidos (Barlowen, 2009). 6 - Daí a importância de dar voz aos que denunciam este estado de coisas e se demarcam do Pensamento Único vigente na actualidade, como o faz a obra de C. v. Barloewen referida na nota anterior (Barlowen, 2009). 7 - Ciência científica e sábia, não ciência tecnológica. 8 - Sendo o comércio o meio por excelência de aproximar os indivíduos e as comunidades, desenvolvendo-se em consequência relações de intercâmbio que supõem o conhecimento do Outro e a Paz, entende-se a profundidade da visão dos impulsionadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e da Comunidade Económica Europeia, Jean Monnet e Robert Schuman. Já a deriva imperial a que assistimos, reeditando algo que evoca remotamente o Império Carolíngeo, não é de todo tranquilizadora e deixa muito a desejar em termos de democracia. Mas este é outro

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exedra • nº 2 • 2009 assunto e outro combate. 9 - O CIMA – Centro para as Artes e Músicas Interculturais é uma Organização não-lucrativa Britânica que esteve sedeada, até Maio de 2004, no Institute of Education da Universidade de Londres. Foi criado em 1989, respondendo aos anseios de compositores e artistas que queriam explorar novas dimensões na Música conciliando e integrando elementos de culturas diferentes. Em Novembro de 2004, após a morte de R. M. Kwami, seu principal mentor e responsável, e mediante solicitação do seu Secretário à época, G. F. Welch, iniciou-se o processo de transferência do movimento para Espanha, sob a responsabilidade da Professora M.ª A. Ortiz Molina, da Universidad de Granada. Directora do Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A. – Desarrollo Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza, radicado no Departamento de Didáctica da Expressão Musical, Plástica e Corporal da Facultad de Ciencias de la Educación daquela Universidade, tem a mesma procedido à dinamização da principal iniciativa em que se concretiza o CIMA, a sua Bienal. Efectivamente, o CIMA orienta a sua acção predominantemente no sentido de realizar um encontro intitulado Bienal Internacional, Simpósio e Festival do CIMA. Como indica o seu nome, realizava-se de dois em dois anos, tendo tido a sua primeira edição em 1990. O Institute of Education da University of London acolheu oito edições da Bienal. A Bienal foi organizada até 2004 pelo Institute of Education da Universidade de Londres. Por sua vez, a de 2006 teve lugar em Granada, na Faculdade de Ciências da Educação da respectiva Universidade. A cooperação entre a Escola Superior de Educação de Coimbra e o D.E.Di.C.A., que se desenvolveu a partir de questões relacionadas com a Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos Humanos, levou à associação, em 2008, da Bienal do CIMA e do Encontro de Primavera®. Em Abril de 2010, deu-se um passo importante do desenvolvimento do CIMA, criando-se o SIEMAI – Simpósio Internacional Educação Música Artes Interculturais®, de que a primeira realização ocorrerá em Vila Nova de Foz-Côa, em 2012. 10 - No sentido de prepararmos o terreno para esse desenvolvimento, tivemos como Conferência inaugural, em 2008, um contributo intitulado “Arte e Ciência como Criação”, proferida por Maria Luísa Veiga.

Correspondência Fernando Sadio Ramos Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A. Desarrollo Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza, Universidade de Granada sadioramos@gmail.com

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Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo Helena Ralha-Simões

Escola Superior de Educação e Comunicação - Universidade do Algarve

Resumo A escolha de modelos de excelência é uma questão crucial no actual contexto da preparação de professores, problematizando questões antigas sobre as metas do poder político, que define o que é e deve ser um professor ideal. Por esse motivo, é essencial encontrar estratégias que equacionem os factores contraditórios subjacentes, nomeadamente, situando historicamente as soluções e as interrogações sobre o que deve ser a formação de professores, por oposição à mera opção por um modelo único e totalitário. Palavras-chave Modelos de Profissionalidade

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Abstract The search for models that insure that teacher education will produce excellent professionals is a crucial issue nowadays and re-put ancient questions concerning the milestones stipulated by the political power which defines what an ideal teacher is. Therefore, we must find strategies that accept the contradictory nature of the factors wrapped in what defines “to be a teacher”. A historical overview helps to situate this issue, excluding an exclusive and totalitarian model for teacher education. Key-words Teacher education models, Competence, Teacher development, Professional development

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Introdução A procura de um modelo ideal para formar professores que consiga prevenir e resolver a maior parte das dificuldades com que estes se vão confrontar não é um propósito recente, não sendo por isso de estranhar que esteja mais uma vez na ordem do dia. De facto, com as sucessivas reformas dos ensinos básicos e secundário, com a alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo e em resultado dos condicionalismos introduzidos, na sequência da Declaração de Bolonha, é necessário perspectivar criticamente as políticas educativas que actualmente condicionam a formação de professores. Ora, a uniformização introduzida defronta-nos com importantes dúvidas inerentes à adopção de modelos únicos, como solução atractiva, mas equívoca, apesar dos seus eventuais objectivos meritórios. De facto, a adopção de perspectivas assentes em modelos restritivos, se bem que talvez aliciante pela sua facilidade de regulação através das directrizes da política educativa, encerra todavia muitos perigos, sobretudo se as disposições tomadas forem insuficientemente reflectidas e não tiverem em consideração as alternativas sugeridas a partir da criação das Escolas Superiores de Educação. A tentação fácil em optar por um hipotético modelo “perfeito” para ensinar ou para formar um professor, na esperança de que essa opção possa ser a solução dos principais problemas educativos, não passa de uma ilusão; trata-se, efectivamente, de uma questão demasiado complexa para que essa simples escolha permita uma adequada preparação académica e profissional dos docentes, mesmo que traduzida em decisões legislativas categóricas e claras. Por outro lado, o desenvolvimento do professor que se caracteriza, entre outros aspectos, pelo domínio cada vez maior, em profundidade e abrangência, de múltiplos modelos de ensino – embora alguns considerem preferível o contrário, isto é utilizar bem um único modelo – implica privilegiar o conhecimento de hipóteses alternativas, a fim de ser possível seleccionar convenientemente, numa dada situação, as que melhor permitam promover uma educação adequada. Com efeito, o domínio de um único modelo dificilmente poderá dar conta da multiplicidade de problemas com que se defronta o professor, em qualquer nível de ensino, dada a dinâmica da intervenção envolvida no processo educativo, que inclui não só os objectivos propostos e a natureza das tarefas definidas para os concretizar, mas também o próprio educador e os alunos, que não podem ser vistos isoladamente dos contextos sociais, familiares e escolares que os enquadram. A própria qualificação de “adequado” quando aplicada à utilização de um modelo – quer no quadro da intervenção educativa, em geral, quer da formação de professores, em 48


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particular – supõe sempre que coloquemos também, previamente, interrogações como as seguintes: “adequado relativamente a quê?”, “adequado relativamente a que objectivos” ou “adequado relativamente a quem?” Na verdade, nenhuma estratégia educativa pode ser correctamente avaliada fora do contexto, sendo sempre necessário saber quando, onde, para quê e para quem foi enunciada e de que modo se propõe que seja levada à prática. É exemplo da complexidade desta questão a circunstância de diversas formas de ensino eficaz poderem resultar da opção por modelos diferentes, ao mesmo tempo que não é incomum que práticas inspiradas num mesmo modelo assumam graus de adequação muito díspares. Além disso, no âmbito da preparação académica e profissional de docentes, espera-se que os modelos de formação assegurem a adequação do papel do professor, constituindose como instrumentos construtores de uma capacitação pedagógica estratégica, relativamente a um modo de intervenção em que está subjacente a necessidade de, em qualquer situação educativa, se conseguir rentabilizar ao máximo as potencialidades dos educandos. Por esse motivo, os diferentes contextos e modos de aprendizagem que são determinados por diversos factores, nomeadamente pelas características individuais dos intervenientes, implicam modos de ensino diferenciados e influenciam também, necessariamente, o grau de adequação dos modelos de ensino que o professor tem disponíveis para serem utilizados.

1. Os modelos de ensino e a sua utilização flexível na intervenção educativa Joyce e Weil (1980) que, no início do seu livro clássico sobre os modelos de ensino, preconizavam a utilização de modelos alternativos como um meio do professor obstar aos perigos do dogmatismo, sublinham que a própria selecção do modelo apropriado a um determinado contexto não é fácil nem linear. Na verdade, uma vez que os modelos não são mais do que um dos muitos configuradores dos dados e das circunstâncias em que se desenrola o processo educativo, é indispensável saber em que termos, com que meios, com base em que objectivos e relativamente a que indivíduos é apreciada a adequação de cada um desses modelos. Estes autores, ao definirem modelo de ensino como um conjunto de linhas-mestras que permitem delinear actividades e enquadramentos educativos, procuram fundamentar este enunciado na especificação dos modos de ensino e de aprendizagem, através dos quais se procura conduzir à consecução de certos objectivos, com base em fundamentos teóricos e metodológicos que explicitem a lógica interna da sua aplicação. Tais modelos correspondem, assim, a noções diferentes de aprendizagem que permitem aos alunos adquirir conhecimentos, capacidades e valores específicos que podem 49


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ser agrupados consoante o modo como os indivíduos aprendem. Dado que, no quadro desta intervenção, não é possível abordar todos eles, optámos por seguir a classificação de Joyce, Weil e Calhoun (2003) que descrevem quatro tipos de modelos de ensino: processamento de informação, desenvolvimento pessoal, sistemas comportamentais e interacção social. Os modelos de processamento de informação variam de uma focalização vaga na memorização de conhecimentos a formas específicas de raciocínio indutivo, assentes em múltiplos quadros conceptuais que focam o processamento da informação com base na metacognição, nos processos de pensamento individual invocados pelas teorias da aprendizagem, nos conceitos principais das disciplinas académicas e nas estratégias conceptuais formuladas de acordo com as teorias do desenvolvimento intelectual. Incluem a construção de conceitos, o raciocínio indutivo, o treino através da pesquisa, os organizadores estruturados, a memorização e a pesquisa científica. Os modelos de desenvolvimento pessoal focam as aprendizagens dos alunos como algo conseguido a partir das experiências pessoais na situação de aprendizagem, valorizando contextos e relações e procurando incentivar as relações interpessoais, a auto-imagem e a auto-responsabilização, nomeadamente através do ensino não-directivo, do incentivo da criatividade, do treino da reflexão consciente e do processo de aconselhamento em encontros na sala de aula. Os modelos comportamentais aplicam princípios do condicionamento operante a situações de ensino estruturadas, recorrendo a estratégias para modificar comportamentos observáveis em situação educativa, manipulando as condições em que estes ocorrem, através da utilização dos reforços adequados, socorrendo-se designadamente do domínio faseado das aprendizagens, do ensino dirigido, da aprendizagem do auto-controle, da aprendizagem de competências e do desenvolvimento de conceitos, bem como do treino da assertividade. Por último, os modelos de interacção social, com destaque para a aprendizagem cooperativa, presumem que tarefas desta natureza promovem a aprendizagem, dado que a sociedade tem um papel determinante na educação enquanto modo de perpetuar uma ordem social democrática. Incluem a utilização de grupos de investigação, o desempenho de papéis, a pesquisa de estudo de caso, a identificação de situações exemplares, a pesquisa em ciências sociais e o treino de laboratório. Ora, de acordo com Joyce, Weil e Calhoun (2003), uma razão para não nos limitarmos a um único modelo – por muito abrangente e bem estruturado que à primeira vista nos possa parecer – prende-se com o facto de nenhum modelo de ensino ter sido delineado para ser aplicado a todos os tipos de abordagem educativa. Com efeito, a propensão à

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utilização flexível e articulada de modelos de ensino na prática educativa, por oposição à obediência ortodoxa a um único modelo, tem de ser concebida num quadro abrangente que, obviamente, não pode ser configurado numa perspectiva exclusivista.

2. A evolução das perspectivas sobre os modelos de formação Se alargarmos a reflexão sobre a utilização de modelos à formação de professores, verificamos que, também a este nível, não dispomos actualmente de um único que se possa considerar como o mais satisfatório. Qualquer tentativa para restringir o universo formativo, formulando decisões limitativas da liberdade, da abrangência e da diversidade, resulta necessariamente num empobrecimento conceptual que comprometerá não só a prática profissional mas também o próprio processo de maturação epistemológica dos saberes relativos à intervenção educativa. Além disso, os modelos de formação não são estáticos nem absolutos, surgindo e desenvolvendo-se indissociavelmente do modo como os professores constroiem e mobilizam os saberes que são ensinados. Este enfoque é ele próprio susceptível de ser delineado segundo diferentes ângulos que podem ser situados historicamente (Monteiro, 2001; Nunes, 2001). Traçando um breve quadro evolutivo a partir do século XX, verificamos que até ao período logo após a segunda guerra mundial a pesquisa sobre o ensino e os professores pouco se desenvolveu, privilegiando-se a focalização sobre o aluno em detrimento do professor que começou a ser valorizado apenas no final deste período, mas somente enquanto variável cujo efeito é secundário na aprendizagem. Deste ponto de vista, a preparação do professor deveria proporcionar sobretudo uma sistematização dos principais conhecimentos de cuja transmissão seria responsável, aceitando-se embora a necessidade de um reduzido domínio das ciências da educação, de uma forma pragmática e pouco aprofundada, apenas como facilitador da prática educativa (Monteiro, 2001; Pérez-Goméz, 1992). Na década seguinte, a partir de uma posição centrada no professor, concebe-se a profissão docente como um “ofício sem saberes” que inclui perspectivas que valorizam a vocação, o talento, a intuição, a experiência, a cultura ou o conhecimento dos conteúdos a ensinar. Nesta linha, as principais concepções sobre a formação procuravam associar a eficácia educativa a certas características pessoais dos professores na convicção de que a identificação desses atributos estaria relacionada com um adequado desempenho dos alunos. (Gauthier, 1998, cit. in Monteiro, 2001; Ralha-Simões, 1994). As crises sociais e culturais do final da década de sessenta, com o consequente pôr em causa dos paradigmas aceites, ocasionaram que a escola e os professores começassem 51


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a revelar certa incapacidade em dar resposta aos novos desafios que se lhe colocavam. Consequentemente, tais exigências, decorrentes da necessidade de compreender a complexidade dos factores económicos e sociais, obrigaram a aceitar que era preciso enveredar por diferentes alternativas, a fim de equacionar os problemas com que se defrontava a educação. Estas perspectivas, introduzidas por enfoques de natureza psicossociológica, privilegiaram a ideia da influência do meio social como variável interveniente nos resultados do processo de ensino-aprendizagem. A par das anteriores reflexões críticas, sob a influência das concepções behavioristas, surge uma proliferação de estudos que procuravam dar respostas sobre as melhores formas de ensinar, numa orientação de tipo “processo-produto” que pretendia entender o desempenho, a eficácia e a eficiência do professor e a sua relação com as aprendizagens do aluno. Nesta altura, confundia-se ainda a escolha de determinados modelos de ensino com a capacidade demonstrada para uma adequada utilização em termos dos resultados dos alunos. Esta tendência – aprofundada através da investigação sobre os processos de aprendizagem, sob influência da corrente comportamentalista – vai dar lugar ao interesse em identificar a eficiência do professor e a eficácia do ensino, mediante o estabelecimento de uma correlação entre as performances e as diferenças no que concerne à aprendizagem. (Medley, 1987; Ralha-Simões, 1994). Deste ponto de vista, presumia-se que competia ao professor dominar certas técnicas e assegurar uma transmissão eficaz e eficiente de saberes produzidos por outros e não construídos ou sequer reconstruídos por ele próprio, saberes esses ligados às áreas a que se reportavam os conhecimentos a leccionar. Passava-se, assim, da concepção da profissão docente enquanto ofício sem saberes para outra em que imperava a manipulação de saberes sem ofício (Gauthier 1998, cit. in Monteiro, 2001). As tendências já referidas que valorizavam os factores contextuais permitiram que, no final da década, fosse introduzido um novo enfoque da realidade, perspectivando uma dimensão ecológica como factor essencial da compreensão da situação educativa e assumindo que é importante valorizar o que professores e alunos entendem ser o significado das suas acções e o modo como são influenciados por realidades mais abrangentes, a partir dos diversos sistemas que configuram a situação de ensinoaprendizagem e os seus protagonistas. As questões principais deixaram de ser apenas articuladas em torno da maior ou menor eficiência ou eficácia do ensino, abrindo-se caminho para a problematização ou para a crítica do próprio processo educativo. O contexto da sala de aula passou, portanto, a ser encarado na sua complexidade e abrangência, com referência a sistemas mais

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amplos, como a família, a comunidade e o próprio sistema educativo, assumindo-se a escola como um ecossistema particularizado, histórica, social e culturalmente situado, aspectos que condicionaram, obviamente, todo o processo de formação de professores (Borges, 2001; Bronfenbrenner, 1979; Heck & Williams, 1984).

3. Novas concepções de formação: o professor competente como construtor de conhecimentos A partir da década de oitenta, surge uma nova perspectiva sobre a formação, procurando compreender o que os professores sabem, seja esse um saber teórico ligado com procedimentos ou conteúdos ou um saber construído na, pela e através da acção eminentemente prática, embora mediada pela metacognição (Alarcão, 1991; PérezGoméz, 1992; Schön, 1995). Nesta linha, assiste-se a uma importante mudança de focalização, passando-se para a investigação sobre os saberes dos professores, sendo estes entendidos como saberes especializados. Além de cumprir um papel estratégico na formação de professores, o estabelecimento de saberes próprios ligados com a construção do conhecimento pedagógico permitiria identificar um núcleo de saberes específicos que caracterizariam a profissão docente (Simões & Ralha-Simões, 1999). Desenvolveu-se, assim, um novo campo de pesquisa sobre o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, de que um professor precisa de ser detentor, uma vez que, a partir deste novo enfoque, se podem extrair importantes ilações no sentido de formular reformas neste âmbito. Efectivamente, o quadro de referência da nova formação de professores passa a ser os saberes relativos à acção, os docentes experientes e eficazes e as respectivas práticas profissionais, mais do que os conteúdos, as disciplinas e os dados da pesquisa em educação (Borges & Tardif, 2001, Monteiro, 2001). Considerando essencial o esclarecimento da compreensão cognitiva dos conteúdos dos assuntos ensinados e da relação entre estes conteúdos e o ensino propriamente dito, Shulman (1986, 1987) identifica três tipos de conhecimento que os docentes deveriam possuir: o conhecimento do conteúdo da matéria a ensinar, o conhecimento do conteúdo pedagógico e o conhecimento curricular. Várias focalizações desta problemática vão dar origem a pesquisas sobre os saberes dos docentes que contribuem para dar voz aos professores, com base naquilo que estes sabem, no modo como pensam e agem, bem como nos significados que constroem pessoalmente sobre o seu ensino e sobre os seus saberes profissionais (Borges, 2001; Monteiro, 2001). Não obstante as resistências manifestadas pelos dirigentes responsáveis pelas políticas educativas, pelos formadores e mesmo pelos próprios professores, relativamente 53


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à implementação de modelos fundamentados nestas novas tendências, verifica-se que estas remetem para a constatação de que a prática docente é considerada como um lugar de produção de saberes, havendo que redefinir o seu enquadramento mediante um metamodelo que, nesse sentido, articule as diversas perspectivas. É nessa medida que Medley (1987) define a capacidade potencial para ensinar como um aspecto essencial para avaliar a competência educativa no exercício da profissão, sendo as potencialidades do futuro professor para se revelar competente resultantes da conjugação dos efeitos dos modelos de ensino a que esteve exposto com as características pessoais pré-existentes ao processo de formação. Assim, não podemos esquecer que esta dimensão é um caso particular da flexibilidade que o indivíduo necessita ter para se adequar às circunstâncias, não podendo ser dissociada do funcionamento progressivamente mais complexo que caracteriza o desenvolvimento humano em geral, designadamente ao nível cognitivo, afectivo, motivacional e axiológico (Ralha-Simões, 1994). Por esse motivo, Simões (1996, cit. in Bizarro & Braga, 2005) defende que a competência não depende apenas de eventuais conhecimentos e técnicas, mas tem a ver sobretudo com o modo como o professor organiza e integra as suas capacidades, além da forma como, numa situação específica, opta por agir de uma determinada maneira. Neste enquadramento, as dimensões ligadas com a pessoalidade e a interpessoalidade assumem-se como um instrumento relevante da eficácia de qualquer intenvenção educativa, pois é uma certa pessoa, num certo contexto e em interacção com outros, que utiliza determinados saberes e os reconstrói com os alunos, sejam quais forem os modelos adoptados (Simões & Ralha-Simões, 1997; Tavares, 1997).

2. Perspectivas actuais: profissionalidade e desenvolvimento do professor Actualmente, o interesse pelos saberes docentes tem vindo a assumir uma importância crescente, ocupando um lugar central nas pesquisas em educação e constituindo um suporte sólido para a reflexão que fundamenta muitas das questões relativas à problemática da formação de professores. Reposicionam-se, assim, interrogações sobre o que sabem os professores, sobre quais os saberes que estão na base da sua profissão, problematizando-se onde são adquiridos e qual a sua relação com os saberes disciplinares. A resposta a qualquer destas questões constitui um importante campo de estudo que urge desenvolver, tendo em conta que ela implica a participação dos principais protagonistas da profissionalidade docente, isto é, os professores (Borges, 2001). Ora, a diversidade de abordagens que interferem nas concepções sobre a intervenção

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formação:

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dogmatismo

educativa não permite descurar que o professor é um ser integral que constrói uma certa identidade no seu percurso de vida, a qual engloba, entre outros aspectos, a esfera da preparação e da intervenção profissional. A este propósito, Nóvoa (1989, cit. in Bizarro & Braga, 2005), refere que precisamos sobretudo de um professor transcultural, o qual, para além de um excelente domínio de saberes e saberes-fazer, consiga efectivamente estar atento e compreender os novos contextos ecológicos, o que exige construir novos modos de conceber a profissão. Assim, para fazer face a esta necessidade emergente, é preciso que os modelos formativos contribuam para uma nova apreensão da realidade, através da qual os professores aprendam a pensar por si-próprios e a pensar sobre o mundo, conhecendo-se como adultos em desenvolvimento e dando provas de uma adequada maturidade pessoal e interpessoal. No mesmo sentido, Simões (1996) defende que não basta assegurar que os professores sejam detentores de eventuais conhecimentos e técnicas; é necessário incentivar os processos através dos quais estes organizam e integram as suas próprias capacidades como pessoas e como profissionais, de tal forma que, numa situação educativa específica, consigam optar por agir de modo complexo e diversificado, fazendo face, adequadamente, às necessidades inerentes a cada situação. Demarcando-se de uma concepção baseada numa óptica de racionalidade técnica, muito dependente dos resultados dos alunos e da aquisição de um somatório de comportamentos educativos, o conceito de profissionalidade surge na confluência do desenvolvimento pessoal e profissional, referindo-se à construção de uma nova identidade, forjada desde o início da formação, em que estes dois vectores se vão especificando mutuamente, constituindo um conjunto de estruturas internas que servem de referencial para o professor se posicionar face à intervenção educativa, no quadro das quais a experiência individual vai adquirindo significado. Esta perspectiva, transcende aspectos da acção educativa observável, tanto mais que, por um lado, envolve dimensões conscientes e inconscientes da personalidade e, por outro, é indissociável de uma visão ecológica que integre a construção do conhecimento pedagógico, evidenciando-se, assim, a emergência de uma orientação centrada na pessoa do professor (Ralha-Simões, 2002).

55


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Conclusões Como foi sublinhado ao longo do texto, se entendermos a formação como um processo que permite a cada professor interagir eficazmente com os outros e modificar os contextos em que se encontra, através de uma capacidade global – por vezes denominada competência – cuja integração possibilita diferentes índices de desempenho, torna-se, assim, óbvio que um modelo formativo exclusivista dificilmente pode dar conta destas exigências, sendo necessário apelar a modelos alternativos que coloquem os profissionais, desde a formação inicial, em confronto com diferentes perspectivas, aumentando a sua tolerância à ambiguidade e estimulando-os a evitar o raciocínio linear. Deste ponto de vista, é indispensável sublinhar a necessidade de privilegiar as dimensões pessoal e profissional do desenvolvimento, pois que estas permitem verificar se o grau de maturidade de cada professor é compatível com as exigências que se lhe colocam, designadamente no que concerne à possibilidade de funcionar não só ao nível do real mas também do possível, formulando hipóteses em termos abstractos e concretizando-as através dos seus saberes profissionais. Neste sentido, é necessário dar lugar à contradição e à complexidade e contribuir para incentivar a profissionalidade docente através de um processo formativo em que o principal objectivo é proporcionar a todos os indivíduos um enquadramento propício à auto-descoberta, ao surgimento do espírito crítico e da capacidade de reflexão, de modo a contribuir para a redefinição de uma emergente identidade profissional, em que tornar-se professor se inscreve num percurso progressivo baseado no desenvolvimento psicológico humano (Kohlberg & Mayer, 1972, Ralha-Simões, 1994, 2002). Neste contexto, impõe-se a necessidade de uma estratégia plural conducente a modelos alternativos que, em oposição a um modelo de formação único e exclusivo, permitam equacionar esta problemática, não só através de uma escolha criteriosa dos conteúdos curriculares e das metodologias e instrumentos que lhes irão servir de suporte, assumindo a importância de perspectivas que não se restrinjam a privilegiar estes factores, uma vez que o professor não é apenas aquele que ensina ou que aprendeu a ensinar, mas quem conduz o aluno e a si-próprio a níveis de desenvolvimento humano, progressivamente mais complexos e flexíveis, dos quais depende uma adequada interacção interpessoal, no quadro de uma sociedade solidária e aberta aos desafios do nosso tempo (Ralha-Simões & Simões, 1991).

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formação:

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dogmatismo

Bibliografia Alarcão, I. (1991). Reflexão crítica sobre o pensamento de Donald Schön, e os programas de formação de professores. Cadernos Cidine, 1, 5-22. Bizarro, R. & Braga, F. (2005). Ser professor em época de mal-estar docente: que papel para a Universidade? Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, 22 (2), 17-27. Borges, C. (2001). Saberes docentes: diferentes tipologias e classificações de um campo de pesquisa. Educação e Sociedade, 74 (12), 58-76. Borges, C. & Tardif, M. (2001). Apresentação da revista temática sobre “Saberes dos docentes”. Educação e Sociedade, 74 (12), 1-11. Bronfenbrenner, U. (1979). The ecology of human development by nature and design. Cambridge: Harvard University Press. Esteve, J .(1992). O mal-estar docente. Lisboa: Escher/Fim de Século Edições. Gauthier, C. (1998). Por uma teoria da pedagogia – pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Editora Unijuí. Heck, S.F. & Williams, C.R. (1984). The complex roles of the teacher – an ecological perspective. New York/London: Teachers College/Columbia University. Joyce, B. & Weil, M. (Ed.) (1972). Perspectives for reform in teacher education. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. Joyce, B. & Weil, M. (1980). Models of teaching. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. Joyce, B., Weil, M. & Calhoun, E. (2003). Models of teaching. Boston: Allyn & Bacon. Kohlberg, L. & Mayer, R. (1972). Development as the aim of education. Harvard Educational Review, 42 (4), 449-496. Medley, D.M. (1987). Evolution of research on teaching. In M.J. Dunkin (Ed.), The international encyclopedia of teaching and teacher education (pp. 105-113). Oxford: Pergamon Press. Monteiro, A.M. (2001). Professores: entre saberes e práticas. Educação e Sociedade, 74 (12), 121-142 Nunes, C.M. (2001). Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da pesquisa brasileira, Educação e Sociedade, 74 (12), 27-42. Nóvoa, A. (1989). Dos professores – Quem são? Donde vêm? Para onde vão? Lisboa: ISEFUTL. Nóvoa, A. (1992). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote / Instituto de Inovação Educacional. Pérez-Goméz, A.J. (1992). O pensamento prático do professor: a formação do professor 57


exedra • nº 2 • 2009

como profissional reflexivo. In A. Nóvoa (Org.), Os professores e a sua formação (pp. 93-114), Lisboa: Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional. Ralha-Simões, H. (1994). Dimensões pessoal e profissional na formação de professores. Aveiro: CIDInE. Ralha-Simões, H. (2002). Profissionalidade e desenvolvimento do professor. In M. Fernandes, (Org.), O particular e o global no virar do milénio – cruzar saberes em educação (pp. 85-87), Lisboa/Porto: Edições Colibri/SPCE. Ralha-Simões, H. & Simões, C.M. (1991). Contra o dogmatismo: uma estratégia plural conducente a modelos alternativos de formação. (Comunicação apresentada no II Simpósio Pedagogia na Universidade. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa/ Fundação Gulbenkian). Schön, D.A. (1995). Formar professores como profissionais reflexivos. In A. Nóvoa, (Org.), Os professores e a sua formação (pp. 77-91). Lisboa: Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional. Shulman, L.S. (1986). Those who understand knowledge growth in teaching. Educational Researcher, 15 (2), 4-14. Shulman, L.S. (1987). Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard Educational Review, 57 (1), 1-21. Shulman, L.S. (1993). Renewing the pedagogy of teacher education: the impact of subject-specific conceptions of teaching. In L.M. Mesa & J.M. Jeremias (Eds.), Las didácticas específicas en la formacion del profesorado (pp. 53-69). Santiago: Tórculo Ediciónes. Simões, C.M. (1996). Desenvolvimento do professor e construção do conhecimento pedagógico. Aveiro: Fundação João Jacinto de Magalhães. Simões, C.M. & Ralha-Simões, H. (1997). Maturidade pessoal, dimensões da competência e desempenho profissional. In I. Sá-Chaves (Org.), Percursos de formação e desenvolvimento profissional (pp. 37-57). Porto: Porto Editora. Simões, C.M. & Ralha-Simões, H. (1999). Pressupostos curriculares e construção do conhecimento pedagógico. In R. Marques & M.C. Roldão (Orgs.), Reorganização e gestão curricular no ensino básico – reflexão participada (pp. 99-112). Porto: Porto Editora. Tavares, J. (1997). A formação como construção do conhecimento científico e pedagógico. In I. Sá-Chaves (Org.), Percursos de formação e desenvolvimento profissional (pp. 58-72). Porto: Porto Editora.

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Helena

Ralha-Simões

Modelos

de

formação:

pluralidade

Correspondência Helena Ralha-Simões Universidade do Algarve – Escola Superior de Educação e Comunicação. Campus da Penha 8005-117 Faro mhsimoes@ualg.pt

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dogmatismo


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c

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ç A.

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o Vicente

/

f

o

r

m

a

ç

ã

o

• Geometric illustrations of the conjugacy principle

Geometric illustrations of the conjugacy principle Fernando Martins

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra M. A. Facas Vicente

Department of Mathematics - University of Coimbra

Abstract In this paper, we illustrate the use of the conjugacy principle in several geometric transformations: translations, reflections and rotations. Our context are the real spaces � 2 and � 3 . The main role is played by matrices, as it is to be expected. The referred to transformations are fundamental when studying motion questions in the Mechanics, Computer Graphics, Robotics, Computer Games, etc.. Our didactical goals are focused on the acquisition and development of spatial abilities, in order to get a better perception, interpretation and forecasting of the geometrical transformations in our physical world. Key-words Didactics of mathematics, Geometry, Conjugacy principle, Translation, Reflection, Rotation Resumo Neste artigo, mostramos a utilização do princípio da conjugação na resolução de problemas usando as transformações geométricas: translações, reflexões e rotações. 2 3 O nosso contexto são os espaços reais � e � . Nesta abordagem, a teoria de matrizes, tal como esperado, desempenha um papel preponderante. As transformações geométricas referidas anteriormente são fundamentais no estudo de problemas relativos a movimento, presentes, por exemplo, em Mecânica, Computação Gráfica, Robótica e Jogos. Temos como objectivos de ordem didáctica a aquisição e desenvolvimento de capacidades espaciais, proporcionando desta forma meios de percepcionar o mundo físico e de interpretar, modificar e antecipar transformações relativamente aos objectos. Palavras-chave Didáctica da matemática, Geometria, Princípio da conjugação, Translação, Reflexão, Rotação 61


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1. Introduction The world is essentially geometric and, therefore, the study of geometry increases its understanding. The notion of transformation – which adds a dynamical perspective to geometry – is a tool to study and organize geometrical concepts. The ability to understand and solve problems in geometry is greater when geometric transformations are used. In this sense, we can say that geometric transformations foster the increase of the ability of spatial perception. In geometry, there are some problems that either can not be solved by direct application of geometric transformations or the achievement of their solutions may become a very difficult task. The conjugacy principle helps us to find a solution to some of these hard problems. This principle [5, vol II, p.374] can be summarized by the following: in order to solve a difficult problem A, we obtain and solve an easier one T, by using a transformation S and its inverse S

−1

. Furthermore, the relation A=STS-1 linking A and

T is called conjugacy; it is an equivalence relation. The plan of this paper is as follows: in Section 2 we materialize the conjugacy principle using translations; in Section 3, to deal with reflections and rotations, the conjugacy principle is again used. Some abuse of notation is patent in this paper: we use the sign “:=” to identify

{(

  

these situations. We consider an orthonormal referential O; e1, e2 , e3

)}and – under

the umbrella of adequate isomorphisms – we write points and vectors in several ways, according to our needs in each moment.

2. Translation A translation consists in moving every point in a constant distance in a specified direction. It is one of the rigid motions (other rigid motions include rotation and reflection). A translation can also be interpreted as the addition of a constant vector to each point, or as the shifting of the origin of the coordinate system. In a more physical approach, the translation means the motion of an object or figure from a point to another point, along a given direction and always parallel to itself. In the mathematics literature it is mentioned that the translation is associated to a vector, this being a mathematical object defined by a direction, orientation and length. In a great deal of situations we observe translation motions, for instance the earth motion, the motion of a rolling stair, a chair lift or a lift.

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• Geometric illustrations of the conjugacy principle

Undergraduate Science and Engineering students at Universities (classic and technical) are expected to deal with distance problems in space geometry – which we include in the category of best approximation problems – using cross,

× , and dot, •

, products of vectors. Usually textbooks just present formulas for distances. Not much insistence is put on exhibiting the foot of the perpendicular. When using the conjugacy principle, we consider a translation t (which is a non linear application) defined by

tv : � 3  →� 3    x  → x + v where, of course, we have

(t )  v

−1

= t −v . ( )

In this section, we state and prove the results we are going to use, by constructing the solutions, instead of simply enunciating them, and then particularizing the results known in Approximation Theory. In this constructive approach we present the foot of the perpendicular in terms of dot and cross products of vectors. For computing the dot product, •, and the cross product, ×, we use matrix computations. Given two vectors

  u = (u1, u2 , u3 ) and v = (v1,v 2 ,v 3 )

  we have [6, p.155] u • v = [u1 u2 .

 v1  u3 ]v 2  v 3 

,

 0    and u × v =  u3  −u2

−u3 0 u1

u2   v 1  −u1  v 2  0  v 3 

In this section we are going to show the role of the translation, associated to the conjugacy principle, by considering two situations: (i) the best approximation on the line l to an exterior point P; (ii) the best approximation pair of two skew lines l1 and l2.

2.1. The best approximation from a point to a line The best approximation on the line l to an external point P is the foot S, onto the line l, of the perpendicular that passes through the point P. In the next result, we establish a formula for the foot of the perpendicular, in terms of the cross product. 

and is parallel Proposition 1 Let l be a line, which passes through the point M := m       P : = p be a point such . Let to the vector u , given by u × x − m = 0  that P ∉ l  u × r . Then the foot of the perpendicular S is given by the formula: S = p −  2 , with     u r =u× m−p .

(

(

)

)

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 Proof: We have a pair (P, l ) formed by a point P := p and a





line l with equation u × (x − m )= 0 such that P ∉ l . We have to displace the line l to 



the origin and, for that purpose, we perform the translation MO = O − M := −M := −m . So, the pair (P ', l ' )    l ' := u × x ' = 0 .







enters into consideration, where P ' = P − M := p ' = p − m, and

We have d (P, l ) = d (P ', l ') , as distance is invariant under translations [3].



We look for the foot S ' := s ' of the perpendicular drawn from the point P ' onto the line l ' . We build this proof in two steps: consider a plane p through the point P ' and perpendicular to the line l ' : p is given   by P ' X ' • u = 0 ; intersect the constructed plane p and the line l ' , thus obtaining the foot S ', S ' = l '∩ p ; we have, successively:        u × x ' = 0  X ' = a u or   (a ∈ � ) or a u − p ' • u = 0    ( X '− P ' ) • u = 0 P ' X ' • u = 0

(

,

)

thus getting

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• Geometric illustrations of the conjugacy principle

  p' •u a =  . u •u So, we get the foot of the perpendicular

          p' u •u  p ' • u   p ' • u    u p ' • u S ' := s ' =   u = p ' +   u − p ' = p ' +   −   u •u u •u u •u u •u              −u p ' • u + p ' u • u  −u p ' • u − p ' u • −u     = p' − = p' − u •u u •u              u × u × m − p  u × −u × p '   u × −u × p − m     . = p−m− = p' − = p−m−  2 u •u u •u u

(

(

(

( (

)

( )

) ( ( ))

(

) ( )

)

))

( (

))

  After being performed the reverse translation OM = M − O = m , we obtain the foot

of the perpendicular

( (

       u × u × m − p S = S '+ M := s ' + m = p −  2 u

)) .

In the case where the line l passes through the origin of the coordinates we have the following result.

Corollary 1 Let l0 be a line [containing the origin O and which is parallel to the vector u ]     such that P ∉ l 0 . Then the foot of the perpendicular given by u × x = 0 and P := p be a point      u × r S is given by the formula S = p −  2 , with r = p × u . u

2.2. The best approximation of two skew lines In this section we present a process to determine the pair (S1, S2 ) of points S1 ∈ l1 and S2 ∈ l 2 that are closest to each one. The key idea is that we invoke twice the distance from a point to a line through the origin. We have two translation movements: each line has, once, to be displaced to the origin. Afterwards, two corresponding reverse translations have to be done, as well. The feet of the perpendiculars (one foot on each line) depend on parameters. The vector whose extremities are the feet of the perpendiculars also depends on these parameters. 





Let us consider the skew lines l1 and l2 given, respectively, by u × (x − p )= 0 , 65


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      v × x − q = 0 , with P := p and Q := q .

(

)

We look for the foot of the perpendicular S1, onto l1, and the foot of the perpendicular S2, onto l2.

Then we form a vector which achieves the distance between the two lines, for   S example 1S2 . The distance is given by d (l1, l 2 ) = S1S2 .

We may follow the next steps.

(a) Translation of the line l1 to the origin. We translate the pair (l1, l 2 ) , so obtaining the pair (l1′, l 2′ ) , where

Figure 2: The pair (l , l ) turns into the pair (l1′, l 2′ ) . 1 2

       l1′ := u × x ' = 0, l 2′ := v × x ' − q ' = 0 ,

(

)

with

   q' = q − p

Q2′ ( b ), b ∈ � , on the line l 2′ , which is  Q2′ ( b ) = (q1 − p1 + b v1, q2 − p2 + b v 2 , q3 − p3 + b v 3 ) := q2′ ( b ) . Our problem, now, is to

.

We

take

the

current

point,

determine the distance, d (Q2′ ( b ), l1′ ) , between the point Q2′ ( b ) and the line l1′ .

Applying Corollary 1, we have S1′( b ) , the foot of the perpendicular onto the line l1′ ,       u × r , with r = q ′ ( b ) × u . S1′( b ) = q2′ ( b ) −  2 u

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Figure 3: The pair (l1, l 2 ) turns into the pair (l1′′, l 2′′ ) .

(b) Translation of line l2 to the origin. We do another translation of the pair (l1, l 2 ) , so obtaining the pair (l1′′, l 2′′ ) where           l 2′′ := v × x ' = 0, l1′′ := u × x '' − q '' = 0 , with p '' = p − q .

(

)

The current point of line l1′′ is  P1′′ (a ) = (p1 − q1 + a u1, p2 − q2 + a u2 , p3 − q3 + a u3 ) := p1′′(a ),a ∈ � ,

and, applying

again Corollary the foot, S2′′( b ) , of the perpendicular onto the line l 2′′ ,  1, we obtain    v × r , with r =  ′′ p1 (a ) × v . S2′′(a ) = p1′′(a ) −  2 v

(c) Doing the reverse translations. Turning back to the original pair (l1, l 2 ) , we have 1-

S1 ( b ) = S1′( b ) + P , onto the line l1;

2-

S2 (a ) = S2′′(a ) + Q , onto the line l2;

3-

P (a ) = P2′′(a ) + Q , onto the line l1;

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4-

Q( b ) = Q2′ ( b ) + P , onto the line l2.

The relations (1), (2), (3) and (4) form a system with six equations and two unknowns a , b . This system is consistent, by geometrical reasons. Solving this system, we get

a = a * and b = b * .

(d) Final step. Once we have the needed concretization, a *and b * , of the parameters

Figure 4: The best approximation pair (S1, S2).

a and b , we obtain the feet of the perpendicular S1 = S1 ( b *) and S 2 = S 2 (a *). Just for verification of the numerical results, we have, due to geometrical considerations, S1 = P (a *) and S 2 = Q( b *) .

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2.2.1. Algorithm Now, let us present the four steps procedure. 1) Find the foot S1 ( b ) of the perpendicular drawn from the line l2 onto the line l1:



(i) Perform the translation associated to the vector PO of the lines l1 and l2, so obtaining, respectively, the lines l1′ and l 2′ ; (ii) Find the current point, Q2′ ( b ) , of the line l 2′ ; (iii) Obtain the foot S1′( b ) of the perpendicular drawn from the point l′ onto the line 1 , using the formula

 Q2′ ( b ) := q2′ ( b )

   u×r ′ ′ S1( b ) = q2 ( b ) −  2 ,    u with r = q2′ ( b ) × u ;

(iv) Find S1 ( b ) and Q( b ) doing the inverse of the translation associated to the vector  PO , i. e., S1 ( b ) = S1′( b ) + P and Q( b ) = Q2′ ( b ) + P .

2) Find the foot S2 (a ) of the perpendicular drawn from the line l1 onto the line l2: 

(i) Perform the translation associated to the vector QO of the lines l1 and l2, so obtaining, respectively, the lines l1′′ and l 2′′ ; (ii) Find the current point, P1′′ (a ) , of the line l1′′ ; 

(iii) Obtain the foot S 2′′(a ) of the perpendicular  drawn from the point P1′′ (a ) := p1′′(a ) 

onto the line l 2′′ , using the formula S2′′(a ) = p1′′(a ) −  QO

v ×r 2 v



, with r = p1′′(a ) × v ;

(iv)Find S 2 (a ) and P (a ) doing the inverse of the translation associated to the vector , i. e., S 2 (a ) = S 2′′(a ) + Q and P(a ) = P1′′(a ) + Q .  S1 ( b ) = P(a ) .  S 2 (a ) = Q( b )

3) Solve, for a and b , the system 

4) Finally, find the feet S1 and S2 of the perpendiculars by entering the values of and

b , obtained in 3), into S1 ( b )

and

S 2 (a ) .

a

Next we prove an interesting geometrical criterium [4, p. 151] for the skewness of two lines in

� 3.

      Proposition 2 The lines l1 := a1 × x = b1 and l 2 := a2 × x = b2 are skew if and only if        a1 × a2 ≠ 0 and a1 • b2 + a2 • b1 ≠ 0 .

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Proof.  

By hypothesis, the lines l1 and l2 are skew. So, a1 × a2 ≠ 0 and d (l1 , l 2 ) ≠ 0 . Let us write the lines in the following form:       a ×b l1 := x = − 1 2 1 + a 1 a1 := x = M1 + a 1 a1 , a 1 ∈ � , a1       a ×b l 2 := x = − 2 2 2 + a 2 a2 := x = M2 + a 2 a2 , a 2 ∈ � . a2 

We have

d (l1 , l 2 ) =

(m

2

   − m1 • a1 × a2   2 a1 × a2

)(

(1)

(2)

  ) [6, p. 177], where m m := M2 . 1 := M1 and 2

       From d (l1 , l 2 ) ≠ 0 and a1 × a2 ≠ 0 , follows (m2 − m1 )• (a1 × a2 )≠ 0. Hence,

        1   1   2 − m1 • a1 × a2 ≠ 0 ⇔ −  2 a2 × b2 • a1 × a2 +   2 a1 × b1 • a1 × a2 ≠ 0 a2 a1

(m

)(

)

(

)(

)

(

)(

)

    1   1   ⇔  2 a2 × b2 • a2 × a1 +  2 a1 × b1 • a1 × a2 ≠ 0 a2 a1

(

)(

(

)

(

))

(

 2    1 1 ⇔ −  2 a2 b2 • a1 +  2 a1 a2 a1     ⇔ a1 • b2 + a2 • b1 ≠ 0.

(

 

)(

2

)

(b • a ))≠ 0   1

2

 

 

By hypothesis, we have a1 × a2 ≠ 0 and a1 • b2 + a2 • b1 ≠ 0 . The lines l1 and l2 are       not parallel, since to a1 × a2 ≠ 0 . From the relations (1) and (2), we get b1 = a1 × m1 and    b2 = a2 × m2 .

          a1 • b2 + a2 • b1 ≠ 0 ⇔ a1 • a2 × m2 + a2 • a1 × m1 ≠ 0 .

(

Hence,

)

(

)

            a1 • a2 × m2 + a2 • a1 × m1 ≠ 0 ⇔ m2 • a1 × a2 + m1 • a2 × a1 ≠ 0           ⇔ m2 • a1 × a2 − m1 • a1 × a2 ≠ 0 ⇔ m2 − m1 • a1 × a2 ≠ 0,

(

(

)

)

(

(

)

)

(

(

) ( ) )( )

we have d (l1 , l 2 ) ≠ 0 . As a consequence, the lines l1 and l2 are skew. 70

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Remark 1 In the proof of the Proposition 2 we used two tools: vector divisions [1,     pp.34-35] and the identity

 

r •v

 

(r × u )• (v × w )= r • w

u •v   u •w

[1, p.41].

3. Rotations and reflections Mathematically, a rotation is a rigid body movement which, unlike a translation, keeps a point fixed. This definition applies to rotations within both two and three dimensions (in a plane and in space, respectively). A 2-dimensional object rotates around a center (or point) of rotation. A rotation in 3-dimensional space keeps an entire line fixed, i.e. a rotation in 3-dimensional space is a rotation around an axis. A reflection is a map that transforms an object into its mirror image.

3.1. Rotation and reflection in 2-dimensional space First of all, we will treat the problem of a 2-dimensional rotation and reflection. Usually, the effect of a rotation can be obtained using a rotation matrix. For an angle 2-dimensional positive rotation (the positive side of the axis moves towards the positive side of the axis), the generic point is transformed into P'=(x',y'), such that [6, p.277]

. A reflection relatively to the line of equation y=x tan θ, transforms the point P=(x,y) into P’=(x’,y’), such that

. The above reflection matrix can be obtained using the conjugacy principle. In this case, we consider a transformation that is given by a rotation in 2-dimensional space R_α, defined by

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where

, and, of course, we have (R_α )^(-1)=R_((-α) ).

So, first we do a rotation R_((-θ) ) with angle –θ, then reflecting about the OX axis and, finally, rotating R_θ with angle θ. So, the above reflection matrix can be given by the following product of matrices [6, p.293]

.

3.2. Rotation in 3-dimensional space A rotation in the 3-dimensional space (around an axis) can be described by a (real and orthogonal) rotation matrix

, where the unit vectors

,

and

form the basis of the new (rotated) system of

axis. In particular, when the axis of rotation are the coordinate axis, we have the three basic rotation matrices (respectively around the OX, OY and OZ axis):

, and

. The direction of the rotation is determined by the right-hand rule: RX rotates the y-axis towards the z-axis, RY rotates the z-axis towards the x-axis, and RZ rotates the x-axis towards the y-axis. It can be proven that any general rotation [2, pp. 64-66] around any axis can be

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• Geometric illustrations of the conjugacy principle

obtained by three consecutive elementary rotations around the three coordinate axis.

3.3. Rotation of an object around a line in 3-dimensional space using the conjugacy principle Let us consider a 3-dimensional orthogonal and direct referential OXYZ with origin . We pretend to rotate, by an angle Y, an object A around a line,

O and basis , given by the unit vector

, which is defined by a point Q=(xQ,yQ,zQ ) and a direction .

=(u1,u2,u3 ),

The process we use does appeal the conjugacy principle in the following way. First we construct a new appropriated referential associated with the line and write the line and the object in the new referential, then we perform an elementary rotation of the object and, finally, reverse the previous transformation, writing the rotated object in the initial system of axis. In this case, for using the conjugacy principle, we consider the following transformation, consisting in a change of basis of the 3-dimensional coordinate system (described by a rotation matrix ) and a change of origin of coordinates (defined by a translation vector ):

, where

.

Without the loss of generality, we consider that the origin of the new (orthogonal and also direct) referential is located at the point Q of the line L and the new z-axis has the direction of the vector

. So, if (X,Y,Z) are the coordinates of any point of the

space in the initial referential, the correspondent ones (X´,Y´,Z´) in the new referential QX´Y´Z´ are given by

, (3) with the orthogonal matrix (because is the matrix of transformation between two direct and orthogonal systems of axis: M-1 = MT ) defined, for example, by

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, with, without the loss of generality(1), the usual cross product in

, where X stands for

, and

.

Obviously, in QX´Y´Z´, the line has equation ,

. Now, let

be a generic point of the object A with coordinates

XP, YP, ZP, with respect to OXYZ and

with coordinates

with respect to QX´Y´Z´, given by equation (3), [P and P´ represent the same point in two different referentials]. The result of the rotation of P around the line L is a point whose coordinates in OXYZ we are looking for. In QX´Y´Z´, the same rotated point

is given by the elementary rotation about

the QZ´ axis:

. The legitimacy of the above rotation is due to the fact that is an invariant (its sign and amplitude do not depend on the chosen referential). Finally, we perform the reverse transformation, in order to obtain the coordinates of . Those are given by applying the inverse relation of the initially used:

. Naturally, the previous process can be applied to all the defining points of the object A, in order to obtain its transformation

by the pretended rotation.

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Z'

C Z

g C30

X' Q

 u

l

D30

Y'

O

Y

X

Figure 5: The effect of a rotation on a line segment. More details of the change of coordinate system can be found in [2, pp. 59-64].

3.4. Example We illustrate the described method by the following example. Let us consider a ,

line

, and a line segment [CD] defined by

of length

. We want to obtain the image

by a positive rotation of amplitude 30 degrees around the line

.

The new system of axis is obtained by a translation of the origin defined by the vector and by a rotation matrix M which third column is the unit vector , the first column is

and the second column is

. In QX´Y´Z´, the points C and D have coordinates C´ and D´, given by

and, by replacing the vector

.

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In the new referential, the line

is naturally defined by

. Now, we perform the positive rotation of amplitude 30 degrees around the line , defined by the matrix

and

we

obtain

the

points

and

. Finally, we perform the reverse change of system of coordinates, transforming

, respectively. So, we obtain

and, substituting, in the above relation,

we get

. The image by the rotation around the line of the line segment , as expected.

with, just for control, length

4. Final remarks and conclusions By invoking the conjugacy principle when dealing with geometric transformations, we are able to solve problems of some complexity. Solving problems in the way presented in this paper, spatial abilities are acquired and developed. Such abilities are very important and fundamental towards the perception and understanding of day to day phenomena. In this manner, we strengthen both the mathematical reasoning and the geometrical thinking, so fundamental to the art of problem solving. In this paper, we showed the application of the conjugacy principle in several 76


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• Geometric illustrations of the conjugacy principle

problems in geometry. There are also some interesting cases which were not tackled, such as the reflection in a plane in the ordinary space. Another interesting approach would be to establish some relation between the elementary rotations and the rotations through the Euler angles using the conjugacy principle. We hope that these problems might constitute a challenging problem for the reader.

Bibliography Alves, A. S. (1988). Mecânica geral. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica. Alves, A. S. (1996). Metrologia geométrica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Deutsch, F. (2001). Best approximation in inner product spaces. New York: Springer. Fenn, R. (2001). Geometry. London: Springer. Melzak, Z. A. (2007). Companion to concrete mathematics – two volumes bound as one. New York: Dover Publications [Vol. I published in 1973 and Vol. II published in 1976 by J. Wiley]. Vitória, J. & Lima, T. P. (1998). Álgebra linear. Lisboa: Universidade Aberta.

Notas 1)

If is collinear with , i.e. or , then change for .

Correspondence Fernando Martins Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar, Solum, 3030-329 Coimbra, Portugal. Project supported by Instituto de Telecomunicações, Pólo de Coimbra, Delegação da Covilhã, Portugal. fmlmartins@esec.pt

M. A. Facas Vicente Department of Mathematics - University of Coimbra Apartado 3008, 3001-454 Coimbra, Portugal. Project supported by INESC-C---Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores–Coimbra, Rua Antero de Quental, 199, 3000-033 Coimbra, Portugal. vicente@mat.uc.pt

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E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

Carla Patrão Dina Soeiro

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo A aprendizagem acontece muito para além das aulas. Numa lógica à Bolonhesa, de tutoria, orientação, a utilização de um sistema de gestão da aprendizagem através da Internet possibilita um acompanhamento para além de limites de horários, espaços presenciais, formais, distâncias. Por isso, neste artigo, mais do que promovermos o Moodle, daremos voz a quem o utiliza e a quem dele precisa para falar do que é o E-aulas, das suas potencialidades pedagógicas por explorar, do que tem muito mais para oferecer do que apenas ser um distribuidor de conteúdos, que pode ser um promotor de contextos de desenvolvimento pessoal, social e até organizacional. Palavras-chave Aprendizagem, Ensino superior, Potencialidades pedagógicas, Moodle Abstract Learning happens beyond classes and in a Bologna Convention locus of tutoring and orientation, using a learning management system based on the Internet allows followup beyond schedule limits, presential spaces, formality and distance. This is why in this article we wish to do more than to promote Moodle, by giving voice to those using it and needing it, to talk about E-aulas, its pedagogical potentialities to explore, about what it has to offer, much more than a plain content distributor, as a promoter of contexts of personal, social and organizational development. Key-words Learning, Higher education, Pedagogical potentialities, Moodle

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1. O e-aulas na ESEC O E-aulas é um ambiente de aprendizagem virtual sócio-construtivista, ao serviço dos estudantes e professores da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), que funciona como complemento à formação presencial, cujo objectivo é melhorar a qualidade da aprendizagem. É suportado pela plataforma Moodle que oferece potencialidades pedagógicas exploradas e largamente reconhecidas por instituições de educação portuguesas e estrangeiras de prestígio, como, por exemplo, a Open University. Para além da qualidade pedagógica que apresenta, este sistema de gestão da aprendizagem tem a grande vantagem de ser gratuito. O Moodle já existia na ESEC através do espaço e-Comunicar, desde 2005, para apoiar com sucesso os estudantes das licenciaturas de Comunicação e, mais tarde, de Animação Socioeducativa. Alguns docentes estavam curiosos, queriam saber o que era e como funcionava, solicitando informalmente formação e a possibilidade de o utilizar como um meio complementar de gestão do processo de aprendizagem. Então o e-Comunicar cresceu e deu lugar ao E-aulas, disponível para os docentes que o quisessem aproveitar. Para apoiar a sua utilização, organizaram-se dois workshops, que permitiram a 30 docentes conhecer a plataforma, discutir as suas potencialidades pedagógicas, analisar experiências da sua utilização na ESEC, criar as disciplinas no sistema e começar a explorar. Observámos que existiu entre-ajuda neste processo, que foi uma forma de também partilhar dificuldades e experiências pedagógicas, independentemente das áreas e disciplinas. Foi uma oportunidade dos docentes abrirem as portas das suas metodologias aos colegas. Todavia, nem todos os professores que fizeram esta formação estão a usar e-aulas, e há alguns que estão a utilizar e não participaram nos workshops. Alguns docentes tiveram outras formações na ESEC, como no Projecto Formação Pedagógica para o Ensino Superior, já dominavam por experiências anteriores ou foram descobrindo à medida que usavam e foram aprendendo com os colegas que já utilizavam. Actualmente a plataforma é usada em mais de 100 disciplinas, de 16 cursos, apoiando cerca de 2750 utilizadores, professores, alunos e ex-alunos, desde o ano lectivo 2007/2008. O E-aulas é um espaço de apoio aos estudantes das licenciaturas e mestrados, que possibilita o seu funcionamento em regime misto, presencial e virtual, ou seja, blended-learning (b-learning). Desde o início do E-aulas que procuramos descrever, compreender e avaliar o processo de adesão e adaptação dos utilizadores, o uso desta plataforma e o seu contributo para a qualidade da formação e para a mudança pedagógica, a partir da percepção dos docentes e estudantes, bem como da observação contínua e análise crítica da evolução do processo. Identificar as dificuldades que encontraram, as limitações e as vantagens, recolher 80


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sugestões e definir estratégias para melhorar o E-aulas e a sua utilização pedagógica também são nosso objectivo. Porque se assume esta intencionalidade de transformação pedagógica, a investigação-acção participativa parece-nos um tipo de metodologia coerente com os objectivos propostos. A metodologia deste trabalho é essencialmente qualitativa, baseada na observação e na análise de conteúdo de entrevistas, questionários, dados da plataforma, como fóruns e estatísticas. Acompanhámos os professores de diferentes áreas científicas e estudantes utilizadores de vários cursos e especificidades, como trabalhadores-estudantes, estudantes surdos, alguns dos quais entrevistámos várias vezes num percurso de formação desde licenciatura a mestrado, e em momentoschave como estágios e desenvolvimento de projectos de investigação. Já é o terceiro ano lectivo e estamos a observar que, apesar do número de utilizadores, do número de turmas, cursos e docentes ter crescido, a sua utilização fica aquém do possível e do desejável, daí que o objectivo deste artigo seja mostrar as potencialidades pedagógicas não exploradas, recorrendo sobretudo à voz, perspectiva e contributos dos próprios utilizadores.

2. Potencialidades pedagógicas a explorar Alguns professores aproveitaram o Moodle como uma boa oportunidade para mudar as metodologias pedagógicas, tornando as suas disciplinas mais abertas à participação dos estudantes, outros utilizaram a plataforma apenas como uma ferramenta de distribuição de conteúdos e de recolha de trabalhos. Para os professores, a perspectiva sobre a utilização pedagógica do Moodle é mais optimista do que a dos estudantes, embora a destes seja positiva também, é mais crítica, menos entusiástica. No entanto, vai ao encontro das conclusões de uma análise de estudos portugueses sobre o ensino superior, onde Alarcão e Gil (2004) se referem a investigações sobre as iniciativas de e-learning e afirmam que, em geral, os estudantes avaliam positivamente esta modalidade, sobretudo os trabalhadores-estudantes. A relação dos estudantes com as tecnologias é de familiaridade. Alguns deles tiveram até experiências prévias de utilização de plataformas de aprendizagem. A relação com a tecnologia é positiva, contudo como uma das professoras afirma “não é uma relação de entusiasmo ou de paixão”, mas necessária. A tecnologia deve estar ao serviço da aprendizagem, para de forma coerente responder às necessidades e aproveitar as potencialidades dos contextos de formação. “A tecnologia é uma ferramenta, a ferramenta só por si não faz nada” (Silva, 1998, p. 134). Por isso, não adianta ter uma plataforma excelente se não for bem utilizada. Uma tecnologia adequada não garante, por si só, o êxito da aprendizagem. Deve subordinar-se 81


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a tecnologia aos objectivos educativos, escolher a tecnologia que seja necessária, fiável, segura e acessível aos aprendentes (Mehrotra, Hollister e McGahey, 2001) e utilizá-la bem pedagogicamente. Adverte um professor, “os docentes têm de ter formação e condições para usarem este sistema que exige grande disponibilidade física e mental”. Reconhece outro: “qualquer ferramenta que facilite a processo de ensino aprendizagem deve ser utilizada. No entanto, tem de haver vontade e tem de se adequar à natureza e aos objectivos da unidade curricular”. Os docentes consideram vantajosa a generalização do E-aulas na ESEC, mas avisam que é necessário serem apoiados para trabalharem em b-learning, com formação pedagógica sistemática, contínua, com condições, em termos de organização, meios e recursos, para que essa aposta seja responsabilizadora e partilhada. Os estudantes concordam que os professores devem rentabilizar para a aprendizagem as potencialidades da plataforma, como confirma esta estudante de mestrado que sugere a “consciencialização dos docentes para a utilização desta ferramenta e a possibilidade dos alunos trocarem apontamentos e ideias, discutindo temas leccionados. Um workshop onde pudéssemos aprender a utilizar todas as ferramentas do E-aulas.”; e um estudante de Comunicação e Design Multimédia (CDM): “considero bastante urgente a sensibilização por parte de todos os professores em utilizar este tipo de plataforma e ao mesmo tempo dar formação para que possam manter tudo organizado”. Assim, é fundamental haver uma estrutura de apoio, ao serviço dos docentes e dos estudantes, que ajude a rentabilizar a utilização da plataforma, quer do ponto de vista tecnológico, quer do pedagógico. Em b-learning, como a formação presencial é complementada com o contexto virtual de aprendizagem, a carga de trabalho dos estudantes e do professor deve ser distribuída de forma equilibrada, não deve significar uma adição, mas uma complementaridade. O contexto virtual deve apoiar, não complicar a aprendizagem. Em b-learning, assim como em e-learning, uma boa gestão do tempo e das actividades formativas é essencial. Neste sentido, Ramos (2004) chama a atenção para a necessidade de encontrar formas dignas de contabilização deste trabalho dos docentes como forma de reconhecimento adequado do esforço dos professores que se empenham na inovação e de encorajamento da adesão de novos docentes. O êxito e a qualidade desta modalidade dependem sobretudo da motivação dos professores, mas esta não chega, é necessário que seja também objecto do investimento das instituições. Esta mudança no sentido da inovação pedagógica só é possível com a adesão e participação de todos os elementos (Simão, Santos e Costa, 2003). Referindo-se à relação entre o Moodle e a pedagogia, diz um professor: “deve haver uma união, de facto, tendo como padrinho o Processo de Bolonha… mas para ser 82


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minimamente eficaz, exige um divórcio com a visão do passado, (professores com muitas turmas, muitas unidades curriculares, com trabalhos académicos em mãos, sem tempo para pensar com os alunos) corre-se o risco de baixar a qualidade das aprendizagens, se se ficar apenas pelo folclore e não houver mais condições para se trabalhar no novo paradigma…”.

2.1. Muito mais do que um repositório de conteúdos No primeiro ano de utilização, a plataforma era recurso de poucos docentes, mas no segundo ano de vida do e-aulas, os professores que já utilizavam com uma ou duas disciplinas depois generalizaram a todas e o número de professores utilizadores duplicou. Uma docente de Comunicação Organizacional (CO) justifica o início da sua actividade “com todas as cadeiras de todos os géneros, desde o início deste ano lectivo por achar que o Moodle é muito mais interessante, menos “depósito” de conteúdos, mais interactivo.” Todavia, pensamos que a razão que levou a este aumento de adesão não se deveu às vantagens do Moodle, mas ao facto da plataforma MyESECweb, de gestão de conteúdos, construída para utilização generalizada na Escola não estar operacional no início desse ano lectivo e alguns professores, para disponibilizarem os materiais de apoio, recorreram ao e-aulas. Como uma estudante de CDM justifica: “comecei a utilizar o e-aulas assim que os professores nos indicaram... A utilização apenas é feita para ver que trabalhos temos que fazer, as datas de entrega e material de apoio. Não utilizamos muito mais, pode-se dizer que mal usufruímos do fórum...é mais utilizado como apenas uma espécie de e-mail”. Uma professora corrobora: “para os estudantes funciona apenas como local onde retiram materiais de apoio e onde colocam trabalhos de casa. E outra docente confirma: “os alunos limitam-se a fazer o download dos materiais de apoio e a entregar trabalhos”. Sobre esta utilização pobre do E-aulas, justifica uma docente, “provavelmente será por coabitarem dois sistemas de disponibilização de informações e por ser o Moodle o menos escolhido, que a presença do Moodle ainda não impôs as suas vantagens”. Como repara um estudante de CDM: “um pouco confuso ao início. Mais uma plataforma que vem confundir ainda mais os estudantes que não sabem onde ir buscar os documentos necessários.” Tal como diz outro colega seu: “penso que a plataforma Myesec e a E-aulas “atropelam-se” uma à outra, pois ambas podem ter a informação referente à disciplina, ambas podem disponibilizar material de apoio, etc. Considero a plataforma myESEC com maior usabilidade do que o E-aulas, apenas com um inconveniente que é o de não se poder submeter tópicos”.

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De facto, existem três plataformas na ESEC: para além do Moodle no E-aulas, temos o MyESECweb para materiais de apoio e a Secretaria Virtual para sumários e notas, todavia só no E-aulas os estudantes podem ser produtores de conteúdos e interagir. Nas outras duas, são apenas consumidores, numa lógica de “concepção bancária de educação” que Freire (2006) critica, pois esta limita a educação a um acto de depósito, na qual o aprendente, passivamente, recebe esse depósito. O E-aulas é usado maioritariamente para colocar materiais de apoio. Independentemente do Moodle ser potencialmente mais rico, a utilização deste foi sobretudo a mesma que davam à MyESECweb. Exemplo disso, são os mais de 1200 recursos lá disponíveis. Apesar de terem sido criadas 29 salas de conversação e mais de 200 fóruns, alguns deles nunca estiveram activos, o que sugere que, apesar do Moodle ser, para os estudantes e professores, uma ferramenta interessante para a comunicação e interactividade, as suas potencialidades não são rentabilizadas, como reconhece uma professora: “tenho a noção de não usar todas as possibilidades do Moodle mas as que uso são acessíveis”. Em relação à utilização da plataforma, diz uma estudante: “de um modo geral correu muito bem, apesar de inicialmente haver algumas dificuldades. Importa salientar o apoio constante da professora.” Todavia um estudante de CDM adverte: “Existem professores que organizam os conteúdos melhor que outros, facilitando bastante ou não a tarefa por parte do aluno”. Para os alunos, o mais fácil é ir lá buscar ou deixar documentos, utilizar a plataforma apenas como um repositório de conteúdos. Em relação às dificuldades, afirma uma estudante de CDM, “depois de ir explorando (às vezes mal) é que nos fomos habituando às ferramentas.” Outro colega de CDM refere que “o layout por vezes é confuso e a informação não está instantaneamente acessível”, isto pode dever-se à estratégia de alguns professores que por entre mensagens de fóruns vão anexando materiais de apoio, para assim “obrigar” os estudantes a irem aos fóruns e participarem nas discussões. E, para os estudantes, dá menos trabalho a encontrar se os materiais estiverem dispostos todos numa secção, sobretudo se o professor deixa os materiais todos logo nos primeiros dias. Assim, os alunos só precisam de lá ir uma vez e perdem-se todas as outras possibilidades. Por isso, afirma uma professora: “há necessidade do docente desenvolver estratégias que permitam aos alunos perceber os benefícios do uso”. O E-aulas facilita as tarefas dos professores, sobretudo na partilha de conteúdos, na organização dos materiais de apoio, quer produzidos pelos docentes, quer construídos pelos estudantes, no uso de incentivos aos alunos e feedback mais eficaz. Uma professora afirma: “tem ainda a vantagem de guardar a memória de uma cadeira, quer os conteúdos

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que disponibilizei quer os trabalhos feitos pelos alunos”. Para os professores, o E-aulas possibilita “um contacto mais assíduo e mais eficaz com os/as estudantes”. Mudou a criação de materiais de apoio, tornou-os mais acessíveis, a qualquer hora, em qualquer lugar, mas também às bolsas dos estudantes, porque gastam menos em fotocópias. Os trabalhos são recebidos e organizados mais facilmente e a avaliação contínua ganha com toda esta proximidade. Sublinham ainda a vantagem de criar um espaço próprio e mais interactivo para cada turma, onde a relação estudante(s)professor sai beneficiada. Um trabalhador-estudante de ASE afirma que o E-aulas mudou a formação: “sem dúvida, a mudança deve-se ao facto de poder dar continuidade à minha formação em casa, e de ter sempre acessível a documentação facultada pelos docentes.” Outro estudante de ASE confirma: “de certa forma mudou um pouco. No aspecto de se poder aceder a informações em tempo rápido e quando o aluno pode… novas formas de aprender que têm as suas vantagens”. Opinião contrária tem um estudante de CDM, também trabalhadorestudante: “se mudou a formação, acho que não, pois a formação será sempre a mesma, mas tenho a certeza que facilitou o contacto entre aluno e professor, pois construiu uma ponte para a entrega de trabalhos e a consulta de diverso tipo de material”, tal como outra colega de Turismo, que responde: “não muito, os professores não utilizam muito essa plataforma”. Já a estudante do mestrado tem outra perspectiva: “permitiu um acesso mais rápido à informação e, por sua vez, a troca de experiências. Para além disto, é uma ferramenta, que, actualmente, utilizo no emprego, e foi uma mais-valia para a minha contratação.” Que vem dar razão a uma sua afirmação feita no ano anterior, enquanto finalista de licenciatura: “A utilização da plataforma E-aulas foi uma experiência de bastante importância. Por um lado, o E-aulas permitiu-me iniciar e desenvolver os meus conhecimentos e competências no domínio de plataformas e-learning, até agora quase nulo. Se tivermos em conta que para a nova etapa que se aproxima, no meu caso o mercado de trabalho, a utilização desta ferramenta é uma mais-valia, então, cada vez mais é de aproveitar a possibilidade de utilização que nos deram. Aliás, uma vez que estamos a pagar propinas é de valor aproveitar tudo o que a escola nos pode oferecer.” Os estudantes consideram que o E-aulas apoiou e complementou a formação presencial e por isso reivindicam a generalização do E-aulas a outras disciplinas.

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2.2. Diversidade na sua aplicação A ESEC tem cursos de natureza muito diversa e a utilização do E-aulas é também espelho dessa diversidade. Assim, há cursos que estão a utilizar muito mais do que outros. Contudo, a natureza das próprias disciplinas e cursos não é determinante para a dimensão da utilização do E-aulas, embora seja um factor a considerar, como na licenciatura em Teatro e Educação que utiliza pouco e em Arte e Design que nem sequer usa. Esta dimensão depende mais do envolvimento e entusiasmo dos professores, que vão contribuindo para motivar outros colegas. Exemplo disso, as licenciaturas em Animação Socioeducativa (ASE) e Comunicação Organizacional são os cursos que utilizam mais, sendo que, curiosamente, a licenciatura em Comunicação e Design Multimédia é dos cursos que utiliza menos. A plataforma também está a ser utilizada no Mestrado em Educação Musical do Ensino Básico e no Mestrado de Educação de Adultos e Desenvolvimento Local, com disciplinas partilhadas por vários docentes, e neste caso, o E-aulas facilita o trabalho em equipa. O processo de interacção, à luz do paradigma construtivista, seria promotor de construção dialógica do conhecimento. É da interacção que nasce o conhecimento. Todavia, grande parte dos alunos não são muito participativos e só utilizam a plataforma quando têm uma tarefa estipulada e um prazo a cumprir. Desculpam-se com a falta de tempo, com o excesso de trabalhos noutras disciplinas ou com a dificuldade em acederem a um computador, tal como confirma um estudante de ASE: “a participação foi pouca devido ao pouco tempo disponível, e na dificuldade de acesso à Internet”. Diz também uma estudante de CDM “se não fosse obrigatório entregar trabalhos através da plataforma posso dizer que nem a utilizava”. Aqui está um testemunho que exemplifica a resistência geral das turmas de CDM à utilização da plataforma, o que é uma surpresa, uma vez que as tecnologias são uma ferramenta essencial e familiar neste curso. Esta aluna explica: “E é uma óptima ferramenta para estudantes-trabalhadores ou alunos que residam longe da faculdade. Mas também não vi mais nenhum lado bom da sua utilização. O professor continuava a ser o professor (a receber trabalhos e avaliá-los) e o aluno continuava a ser aluno (a entregar trabalhos) e através do E-aulas era como se tivéssemos um professor virtual, aquele que nem fala! Em vez de nos fazer comunicar mais até parece que cortou as relações, porque nem comentários “ouvíamos””. Este silêncio do professor cala todas as possibilidades que este recurso oferece. Por isso, um trabalhador-estudante finalista de ASE refere a necessidade de um “compromisso de ambas as partes de consultar e de acompanhar o que se vai sucedendo no E-aulas”. O professor é sobretudo um facilitador, animador, moderador. Exige que ele dê feedback rápido. Importa, pois, definir com os estudantes um prazo realista e razoável para esse 86


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feedback (normalmente entre 24 a 48 horas), para que eles não estejam à espera de feedback imediato, mas também não desesperem ou desanimem. É, de facto, importante que o professor dinamize o espaço formativo. Se os estudantes sentirem que o professor não se envolve, também não participam. Para motivar os estudantes e para valorizar a sua participação, é também necessário avaliá-la. Contar para nota é um incentivo à participação. No que diz respeito às dinâmicas de interacção no E-aulas entre estudantes, chamamos a atenção para o que diz uma estudante de CDM: ”Expondo certos trabalhos e trocando comentários com o professor à vista de todos faz, muitas vezes, com que essa pessoa seja deixada de parte ou ela pode ouvir comentários como “´tás a engraxar?”. Num mundo adulto ainda se pode ver muita criancice. O E-aulas pode ser uma boa ferramenta mas há maus utilizadores.” A utilização da plataforma, segundo os docentes, foi variável, dependendo dos estudantes, das turmas e cursos. “A experiência foi bastante positiva, a todos os níveis. Contudo, a turma do 3º ano do Curso de ASE, foi bastante mais participativa do que a turma do 2º ano da mesma disciplina, do mesmo curso. Terá a ver com uma maior maturidade académica e científica que mais um ano de trabalho confere?”, interrogase um docente. Pensamos que esta é uma variável a considerar, mas também há outras como a novidade e o entusiasmo dos estudantes do 1.º ano. Na nossa experiência observámos que o e-aulas facilita a integração dos trabalhadoresestudantes nas turmas, uma vez que a sua frequência às aulas é muitas vezes comprometida por causa da sua situação. Apesar de muitas vezes não se encontrarem nas aulas, estão juntos no E-aulas, e aí, até podem trabalhar de forma colaborativa, por exemplo, em wikis, workshops. Um professor sugere uma estratégia criativa: fóruns aos quais chamou “café”, que são espaços informais, de conversa livre, que contribuem para fortalecer a relação entre estudantes e até com o professor. Sobre a relação estudantes-professor, conta uma estudante de CDM: “conheço casos em que melhorou a relação aluno-professor na medida em que o aluno era tímido e prefere comentar através da Net em vez de expor as dúvidas na aula.” Todavia os estudantes referem a importância da relação presencial, da qual não abdicam. Apesar de Joyes (2000), nas suas investigações, concluir que os estudantes consideraram que o feedback face-a-face não trouxe vantagens significativas para a sua aprendizagem, a falta de contacto presencial é naturalmente uma limitação dos sistemas de gestão da aprendizagem através da Internet. A plataforma tem aproximado os alunos, em especial aqueles que estão ausentes da escola. A distância é superada no caso dos trabalhadores-estudantes, dos alunos do

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programa Erasmus e estagiários. Um professor reconhece: “É uma mais valia quando aliada à presencial – fundamental nalgumas etapas”, como os estágios e projectos de investigação. O trabalho de orientação de estágios pode ser facilitado através da plataforma, porque mantém um contacto mais próximo e sistemático com os alunos. O glossário de termos técnicos pode ser uma ferramenta preciosa para os alunos, que enfrentam o novo desafio do mercado de trabalho. O blog também é uma ferramenta interessante, assim como o portfolio, que sendo personalizado, poderá cumprir uma função académica de acompanhamento e avaliação, mas também profissional. A utilização constante do fórum, por parte dos alunos, permite aos orientadores o acompanhamento assíduo do trabalho desenvolvido diariamente. Os fóruns e os chats, permitem ainda resolver todas as dúvidas, de forma imediata. Para além do relato do trabalho realizado, os alunos podem partilhar as experiências, os anseios e as expectativas em relação ao mercado de trabalho. Como explica, uma trabalhadora-estudante de ASE: “Temos a oportunidade de ter o nosso Professor ou Professora do outro lado, a tirar as nossas dúvidas, a dar-nos alento (que é tão importante!!!), a dar-nos sugestões,… enfim uma série de coisas que só quem trabalha, estuda e quer ser alguém na vida é que dá valor e importância a esta Plataforma.” Simão, Santos e Costa (2003) advertem que as instituições não podem ignorar a necessidade de acolhimento ajustado a novos públicos, numa perspectiva de «educação e formação ao longo da vida», e nesse sentido, acolhendo os estudantes maiores de 23 anos, predominantemente trabalhadores, a ESEC tem de oferecer soluções alternativas e flexíveis. O uso pedagógico do e-aulas é uma solução, especialmente eficaz para os estudantes-trabalhadores, porque o b-learning permite a flexibilidade e autonomia. Contudo, no que diz respeito aos estudantes adultos não tradicionais, tem de se ter algum cuidado, porque pode existir “um desfasamento geracional em relação às novas tecnologias” (Correia e Mesquita, 2006, p. 96) o que implicará disponibilizar formação e apoio específico. Outra questão a ter em consideração é que os alunos revelam preocupações com a exposição pública da plataforma, isso é notório nas participações dos fóruns que têm uma escrita mais cuidada, dada a vinculação do discurso escrito. Parece ser esse o motivo pelo qual alguns alunos não participam muito nos fóruns. No caso dos estudantes surdos, embora a ferramenta lhes possa ser útil se for bem explorada pedagogicamente, a maioria não está à vontade para participar, uma vez que não querem expor aos colegas (sejam eles surdos ou ouvintes) e até aos professores as

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dificuldades na escrita, pois preferem comunicar gestualizando apenas. A utilização de vídeo iria ao encontro deste desejo, todavia, sem abdicar da exigência da escrita que é essencial, ainda mais porque têm dificuldades.

2.3 - Perspectivas diferentes, contributos diferentes, mas complementares Para melhorar o e-aulas, os docentes sugerem tornar a plataforma visualmente mais apelativa, tal como os estudantes. Como sugestões, uma estudante de CDM propõe: “deveriam deixar textos de apoio ou de acordo com os temas abordados na aula, (deixar resumos já é pedir demais mas também ajudava), podiam deixar links para sites de interesse, realizações de workshops que tenham conhecimento, nomes de livros interessantes... Quanto ao E-aulas em si, penso que o layout deveria melhorar um pouco, pois ao fim de uns minutos já temos vontade de abandonar o sítio.” Todos os estudantes de CDM referem que era necessário melhorar o layout, o que nos indica mais um factor que possa justificar a resistência dos estudantes de CDM na utilização da plataforma. É interessante verificar que as perspectivas dos estudantes sobre o E-aulas dependem das suas áreas, destacando os de CDM que chamam a atenção sobretudo para a necessidade de melhorar o layout e os de ASE que valorizam as potencialidades de interacção, partilha e colaboração. Por isso, propomos que os estudantes pudessem trabalhar em projectos que melhorassem o E-aulas e a sua utilização, tornando a plataforma também fruto do seu investimento reconhecido academicamente. Os de CDM poderiam trabalhar o layout e os de ASE a exploração das potencialidades de interacção, partilha e colaboração. Podiam até trabalhar em conjunto, com projectos de vários cursos, de forma interdisciplinar.

Conclusão Partimos da ideia de que muito para além das aulas, o E-aulas é um espaço de múltiplos contextos de aprendizagem que nasceu e continua a crescer pelo empenhamento dos professores e pelas dinâmicas que os estudantes lhe conferem. E tal como as aulas são muitos diferentes ou muito iguais, também no E-aulas se pode limitar a reproduzir ou pode inovar. E é a inovação pedagógica, a criatividade e o envolvimento dos que aprendem através do E-aulas, estudantes e professores, que responde aos desafios que todos os dias no ensino superior abraçamos. O MyESECweb é uma plataforma que gere conteúdos, poder exclusivo do professor e o estudante apenas consome, não contribui, não transforma, enquanto que o Moodle permite que os estudantes consigam gerir a aprendizagem, participem na construção dos contextos dessa aprendizagem. 89


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O Moodle é normalmente utilizado em contexto pedagógico, mas a nossa proposta ultrapassa esta dimensão, apesar de ser para nós a mais importante, por isso lhe dedicámos o artigo. Todavia não queríamos deixar de apontar algumas pistas para rentabilizar o Moodle também do ponto de vista organizacional. Assim, sugerimos que o Moodle seja também um contexto de comunicação e proximidade institucional que, naturalmente, contribui para a qualidade da formação. Explorar não só as potencialidades pedagógicas, mas também as de comunicação e de interacção úteis aos professores, ao seu trabalho de interdisciplinaridade e até ao trabalho organizacional e de gestão, uma vez que a escola se encontra num processo de reorganização, no qual foram criados departamentos. A utilização do Moodle pode permitir a comunicação intra e inter-departamentos. Cada departamento pode ter o seu espaço e nele comunicar através de fóruns, salas de conversação, partilhar documentação e ficheiros, notificar as actualizações, desenvolver propostas, criar documentos em colaboração através dos wikis, construir bases de dados, realizar referendos e criar um histórico. Com estas possibilidades a organização do trabalho pode ser mais aberta, transparente, democrática e participativa. Caminhamos para plataformas que gerem comunidades, ao mesmo tempo que possibilitam a colaboração e participação, permitem a personalização, ou seja, a adequação dos conteúdos ao perfil do utilizador, o que, por exemplo, pode ser importante para ir ao encontro do estilo de aprendizagem do estudante. Deste ponto de vista, as ferramentas colaborativas da WEB 2.O podem ser muito úteis do ponto de vista pedagógico e organizacional numa instituição de Ensino Superior.

Bibliografia Alarcão, I., & Gil, V. (2004). Teaching and learning in higher education in Portugal: an overview of studies in ICHED. In V. Gil, I. Alarcão & H. Hooghoff, (Eds.), Challenges in teaching & learning in higher education (pp. 195-214). Aveiro: Universidade. Correia, A. M., & Mesquita, A. (2006). Novos públicos no ensino superior: desafios da sociedade do conhecimento. Lisboa: Edições Sílabo. Freire, P. (2006). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra. Joyes, G. (2000). An evaluation model for supporting higher education lecturers in the integration on new learning technologies. Educational Technology & Society, 3 (4). Consultado em Setembro 2001, http://ifets.ieee.org/periodical/vol_4_2000/ joyes.html. Mehrotra, C., Hollister, C. D. & McGahey, L. (2001). Distance learning: principles for 90


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effective design, delivery, and evaluation. Thousand Oaks: Sage Publications. Ramos, F. (2004). O e-learning na Universidade de Aveiro. In T. Burnham & M. Mattos, (Orgs.), Tecnologias da informação e educação à distância (pp. 155-170). Salvador, Bahia: EDUFBA. Silva, J. C. (1998) A tecnologia, as imagens e o currículo. In Conselho Nacional de Educação, A sociedade da informação na escola (pp. 133-139). Lisboa: Ministério da Educação. Simão, V., Santos, S., & Costa, A. (2003). Ensino superior: uma visão para a próxima década. Lisboa: Gradiva.

Correspondência Escola Superior de Educação Praça Heróis do Ultramar – Solum, 3030-329 Coimbra, Portugal Carla Patrão cpatrao@esec.pt, Dina Soeiro disoeiro@esec.pt

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Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual Ricardo José Espírito Santo de Melo

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Este artigo tem como principal objectivo realizar uma reflexão crítica em torno do conceito de “Desportos de Natureza”. Explicaremos a necessidade de estabelecer o debate teórico sobre este conceito, tendo em conta a indispensabilidade de delimitar o campo de análise de investigações científicas que tenham estas actividades como objecto de estudo. De seguida, procuraremos responder aos principais desafios teóricos que nos são levantados relativamente a esta questão conceptual: a) Poderão estas práticas corporais desenvolvidas em meio natural ser consideradas desportos?; b) Como enquadrar numa só definição um conjunto de termos que sugerem a prática de actividades distintas em meio natural?; c) Qual o significado de Natureza na perspectiva das práticas corporais em meio natural? Apresentamos, por fim, , uma proposta conceptual fundamentada, que permite uma definição integrada das actividades que o conceito de Desportos de Natureza abrange. Palavras-chave Desportos de Natureza, Desporto, Natureza, Lazer Abstract The aim of this article is to perform a critical reflection about the concept of Nature Sports. We will start by explaining the need to establish the theoretical debate about this concept, keeping in mind the requirement for limiting the field of analysis of the scientific research developed with these activities as main subject. Next, we will try to answer to the main theoretical challenges which are raised upon this conceptual question: a) Can these body practices in natural environment be considered as sports?; b) How can we include, in only one definition, the group of terms suggesting the practice of distinct activities in the natural environment?; c) What is the meaning of Nature in the perspective of the body practices in the natural environment? In the end we will present a reasoned conceptual propose, which allows an integrated definition of the activities that the concept of Nature Sports enclose. Key-words Nature sports, Sport, Nature, Leisure

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1. Notas iniciais sobre as práticas corporais em meio natural O desporto é hoje considerado como um dos maiores e mais importantes fenómenos sociais. Por um lado (…) tem sido influenciado pela dinâmica social, a partir da comunicação global iniciada, fundamentalmente com as novas tecnologias, por outro, o próprio desporto, numa espécie de regresso ao passado, começou também a influenciar a própria sociedade, não só a partir dos padrões de moda que impõe, como também pelos estilos de vida que organiza para a sociedade actual, sobretudo naquilo que diz respeito à gestão do tempo livre (Pires, 1995: p. 29). De certa forma, novos hábitos e valores associados ao desporto surgem a partir da campanha internacional lançada pelo Conselho da Europa em 1966, denominada por “Desporto para Todos”, consolidado mais tarde pela Carta Europeia do Desporto (1992), cujo enunciado expõe e define a prática desportiva como um direito fundamental de todos os cidadãos. Este documento torna-se, aliás, num instrumento político-ideológico e um marco extremamente importante neste movimento, que origina o desenvolvimento de um novo paradigma, especialmente na Europa, e que torna o desporto, para além da vertente competitiva, num espaço de satisfação das novas necessidades sociais, de fuga à rotina, de procura da evasão, da aventura e do risco (Marivoet, 2002; Gomes, 2008). Associado à crescente democratização da prática desportiva operada por este movimento, mas também através do aumento das preocupações com a sustentabilidade do planeta, têm sido gerados novos hábitos e comportamentos de consumo (Dias, Melo & Júnior, 2007), o aumento significativo da prática de actividade física desportiva, associada quer à valorização do tempo de lazer, quer à busca de actividades de ar livre (Costa, 2007) e o crescimento, valorização e difusão dos desportos praticados na natureza (Dias, Melo & Júnior, 2007). Estas actividades praticadas em contacto com a natureza estão a consolidar-se desde há 30 anos como um dos grupos mais sólidos e com mais futuro no âmbito da nova cultura corporal (Bétran & Bétran, 1995a), pois cada vez existe uma maior necessidade de contacto com a natureza, de procura de sensações e emoções numa sociedade demasiado rotineira e controlada, de procura de novos estados de consciência numa sociedade dessacralizada e laica, e um novo modo de viver o tempo livre (Miranda, Lacasa & Muro 1995). A crescente procura deste tipo de actividades desportivas apresenta, também, novos desafios à investigação na tentativa de explicar este fenómeno nas suas diversas dimensões (Dias, Melo & Júnior, 2007), reflectindo-se no aumento considerável de trabalhos de índole académico realizados no âmbito deste tema. Todavia estes têm, no entanto, levantado alguns problemas aquando da delimitação conceptual do seu campo de investigação, pois têm proliferando diversos termos distintos entre si, cada qual com um conjunto de pressupostos teóricos subjacentes, e que, geralmente, não têm sido alvos 94


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de atenção (Dias, 2007). Algumas reflexões e conclusões desenvolvidas no campo desportivo aplicam-se, também, a estas novas modalidades, embora tenham vindo a introduzir, simultaneamente, novos problemas e desafios a essas teorizações, das quais se destacam os problemas conceptuais. De facto, concordamos com Dias & Júnior (2006) quando afirmam que as problemáticas conceptuais dos desportos, quer seja nas suas novas adjectivações, quer seja nas definições sociais e academicamente estabelecidas, mostram que esta discussão é insuficiente, ainda mais quando nos referimos às recentes práticas realizadas na natureza, cujo tempo e esforço dedicados têm sido insuficientes para a sua compreensão. Acresce, a isso, o carácter eminentemente polissémico, inerente ao próprio conceito de desporto. Procuraremos assim, ao longo deste artigo, reflectir sobre as práticas corporais realizadas na Natureza, tentando clarificar e defini-las conceptualmente.

2. Desportos de Natureza: um problema conceptual Ao iniciarmos o debate em torno desta problemática conceptual teremos que considerar algumas dificuldades que nos apresenta a sua delimitação teórica. Em primeiro, as práticas corporais em meio natural, pelo carácter de ruptura que assumem em relação aos desportos tradicionais, pelas motivações, modelos, objectivos, condições e espaços bastante distintos, levam ao questionamento da utilização do termo desporto para as definir. As próprias ambiguidades e contradições do conceito de desporto dificultam a definição deste campo, impedindo uma aceitação de um fenómeno que compõe uma mesma categoria de análise (Dias, Melo & Júnior, 2007). Neste sentido parece-nos claro que, antes de podermos afirmar que estas actividades se possam inserir no campo desportivo, seja importante começarmos por debater o próprio conceito de desporto, para estabelecer as categorias conceptuais a serem analisadas. Gustavo Pires (1994: p. 43) refere-nos que é (…) absolutamente necessário sermos possuidores de uma ideia esclarecida sobre aquilo que entendemos por desporto, na medida em que o cumprimento deste objectivo, facilita-nos, em qualquer momento, a compreensão da problemática da organização e gestão das práticas desportiva, bem como do seu processo de planeamento (…), ao que acrescentamos também, a uma melhor compreensão do campo de análise em investigações e estudos científicos. As actividades desportivas são referidas por alguns autores, na linha de pensamento de Jean Marie-Brohm (1976), que de forma intransigente e sem a pluralidade de manifestações que se devem admitir, como actividades corporais de movimento com um carácter de competição, guiada pelos princípios do rendimento e pelas características formais e ocupacionais do campo desportivo, conduzem ao risco de tornar o desporto uma reprodução fiel do mundo do trabalho, eliminando por completo os elementos 95


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lúdicos, onde não seriam claramente enquadráveis as práticas corporais que ocorrem em meio natural. O Desporto deve ser entendido como um fenómeno social mais amplo que acompanha os novos valores e tendências da sociedade, não significando que se deva negar a ideia de competição no desporto, mas sim, não menosprezar o seu carácter lúdico (Dias, Melo & Júnior, 2007). Pelo contrário, também não podemos incorrer no erro de reduzir a compreensão das práticas corporais em meio natural numa vertente de carácter exclusivamente cooperativista, oposto à competição, pois o carácter competitivo está presente, pelo deslocamento do elemento competitivo com o adversário para si mesmo, pelos desafios pessoais que se colocam, ou para o próprio meio ambiente, pelo carácter imprevisível e pelos obstáculos que encerra. O desporto não pode ser considerado uma prática cultural com sentido unívoco e compartimentado, por um lado como uma manifestação do espectáculo e do rendimento, ou por outro, como uma expressão do lazer e do lúdico, ou seja, não existe um desporto exclusivamente competitivo ou unicamente cooperativista. Na nossa opinião, deveremos compreender o fenómeno desportivo como uma visão multidimensional que nos permita entender a complexidade dos vários aspectos que a compõem, tendo em conta as questões económicas, pedagógicas, culturais, organizacionais e políticas, tal como o Modelo Pentadimensional de Geometria Variável. Este modelo considera o conceito de desporto como uma estrutura aberta, de acordo com as diversas componentes de cinco elementos (jogo, movimento, agonística, instituição, projecto) considerados de forma a que cada um deles, de acordo com a geometria conveniente, por si, e em conjunto, possam interagir de acordo com os objectivos que se pretendem atingir, as metodologias a empregar e os destinatários a considerar. Tal como afirma Pires (1994: p. 60), (…) só assim o desporto está ao serviço das pessoas e não estas ao serviço do desporto. Para definir o conceito de desporto podemos, ainda, salientar o contributo dado pela Carta Europeia do Desporto (1992: p. 3) que o define como (…) todas as formas de actividades físicas que, através de uma participação organizada ou não, têm por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis. Entendemos assim que, tal como Pires (1994: p. 60), (…) na realidade, o desporto é uno mas não é unicitário, pois pode ser desenvolvido através de uma enorme e inesgotável multiplicidade de práticas desportivas, de acordo com a vontade, os gostos e os desejos de cada um. Desta forma, discordamos daqueles que denominam as práticas corporais em meio natural de outra designação que não a de desporto pois, de acordo com Dias, Melo &

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Júnior (2007), podemos classificá-las e enquadrá-las claramente nesse campo, como uma sub-cultura deste fenómeno, integrando uma área desportiva mais ampla, ainda que cada modalidade específica possa ser apreendida de forma diferente, mas sempre com referências comuns. Esclarecidas e fundamentadas as dimensões do desporto que actualmente se admitem e que nos levam a considerar tais práticas desportivas de natureza como modalidades desportivas, dois problemas conceptuais importam explorar. Por um lado, considerar a existência de diversos termos utilizados que denominam um conjunto de actividades como o montanhismo, o “surf”, o parapente e a canoagem, cada qual com um conjunto de pressupostos teóricos distintos (Dias, 2007) e, por outro lado, considerar um conceito que permita abranger uma diversidade de modalidades tão díspares. Justificando esta problemática, Dias & Júnior (2006: p. 141) referem que os termos utilizados para designar e caracterizar essas práticas são difusos, imprecisos e pouco consensuais, pois, (…) a dificuldade de se elaborar um conceito que possa definir e caracterizar com alguma precisão essas práticas acaba por criar uma dificuldade adicional para as suas investigações (…). De facto, é frequente serem apresentados muitos conceitos para designar um mesmo objecto de estudo. Diversas propostas têm sido apresentadas na tentativa definir as práticas corporais em meio natural, das quais salientamos: 1) Actividades de ar livre – “Plein Air”: esta proposta surgiu na segunda metade do século XIX, tendo como principal ideia a actividade física em meio natural, num ambiente saudável (Bessy & Mouton, 2004); 2) Movimentos Naturalista de Hébert e Escutista de Baden-Powell: estes movimentos surgem no final do século XIX e início do século XX, respectivamente. O pilar básico destes movimentos é a defesa do retorno à natureza como forma de contrariar a decadência moral e física dos europeus, em contraste com o vigor dos povos de outros continentes (Vigarello, 1983; Sobral, 1985; Bessy & Mouton, 2004). 3) Desportos Californianos: esta designação deve-se à origem geográfica e cultural destes desportos, que surgem nos anos 60, do século XX, na Califónia - EUA; mas também devido à sua “estrutura motriz” e a uma “estilo” particular das práticas: surf, windsurf, voo-livre, skate-board, freesbe, etc. (Pociello, 1986). Estes desportos são encarados como uma filosofia pacifista e ecologista, onde os praticantes procuram uma harmonia com a natureza, através de uma prática livre e emocional, que se opõe à perspectiva competitiva (Pociello, 1986; Vigarello, 1986; Bessy & Mouton, 2004).

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4) Actividades de Ar Livre e Exploração: preconizado por Araújo (1983), esta designação surge em Portugal, no início da década de oitenta, sob a ideia de um conjunto de actividades que estabelecem o contacto entre o indivíduo, a natureza e os seus elementos naturais. 5) Actividades Físicas de Natureza – “Activités Physiques de Plein Nature”: esta proposta surge entre a década de oitenta e noventa, através do desenvolvimento de actividades com o objectivo de progredir (com ou sem engenho) na natureza, estando presente um risco relativo, associado à incerteza do meio (Bessy & Mouton, 2004). Nesta perspectiva, o praticante não pretende integra-se no meio, sendo este apenas o local de prática das actividades (Moreira, 2007). 6) Desportos de Aventura – “Adventure”/”Aventure”: esta denominação engloba as actividades físicas, praticadas em meio natural, que respeitam um conjunto de regras e são praticadas com o constante aparecimento de situações imprevistas (Vanloubbeeck, 2000) e conotados com um forte sentido de risco e incerteza (Betrán, 2003). 7) Desportos Radicais: esta designação abrange as modalidades que configuram uma grande descarga de adrenalina, na tentativa de alcançar objectivos exigentes aos quais estão, normalmente, associados factores de risco. Estas práticas estão relacionadas com habilidades “radicais” que dependem de engenhos (e.g. prancha de “surf”, tábua de “snowboard”, etc.), que permitem utilizar a força da gravidade para proporcionar o maior número de soluções possíveis, e que possam superar as forças da natureza: o ar, o solo e a água (Tomlinson, 1997). 8) Desportos Extremos – “Extreme Sports”: este termo foi generalizado a partir dos anos 80, associado às actividades relacionadas com feitos grandiosos, excessivos ou imoderados, que são levadas ao extremo para atingir os limites (Le Scanff, 2000). 9) Desportos de deslize – “Sports de Gliss”: são as actividades que recorrem à utilização das energias da natureza como um meio de propulsão, que proporciona o deslizamento na água no ar ou na terra (Lacroix, 1985; Pociello, 1986).

Betrán & Betrán (1995b) apresentam um termo e uma sigla para designar estas práticas: Actividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN). Tais práticas referemse segundo os autores, a actividades que se fundamentam no deslizamento sobre superfícies naturais, nas quais o equilíbrio dinâmico para evitar as quedas e a velocidade de deslocamento, aproveitando as energias da natureza (eólica, da ondas, das marés, dos cursos fluviais ou a força da gravidade), constituem os diversos níveis de risco controlado nos quais a aventura se baseia. Desta definição fica claro que algumas das actividades que 98


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consideramos enquadráveis neste tipo de práticas, ficam de fora deste conceito, como o caso da escalada, do pedestrianismo e do montanhismo (Villaverde, 2007). De todas estas definições destacamos as suas diferenciações semânticas, pois, apesar de procurarem expressar um significado semelhante, poderão apresentar significados distintos (Dias, 2007). Debruçando-nos sobre a análise conceptual dos diversos termos utilizados, e de acordo um estudo elaborado por Dias (2007) sobre a nomenclatura utilizada pelos praticantes deste tipo de actividades, quando convidados a comentar o termo Desportos Radicais, os praticantes de montanhismo referem que este termo contraria a posição assumida pelos montanhistas, pois na sua opinião, esta modalidade assumiria o carácter de competição desportiva como qualquer outra, com vencedores, perdedores, prémios e recordes, criando um conjunto de crenças e valores (competição, regulamentação, comercialização, etc.) que contraria a perspectiva tradicional e as convicções hegemónicas estabelecidas entre a sua comunidade. Por outro lado, o termo Desportos de Aventura assume um carácter vinculativo a termos como o risco e o perigo. Considerando esta perspectiva, alguns praticantes, citados por Dias (2007), negam este termo contrapondo que os riscos existem em todas as modalidades desportivas, e que a taxa de acidentes em modalidades desportivas tradicionais é bastante superior. A exposição ao risco é inerente aos locais de prática de tais desportos, pela sua exposição às intempéries da natureza, decorrendo daí a aventura e o risco que se procura, consumando-se no enfrentar dos desafios naturais, tais como eles se apresentam, e, tal como Dias (2007), consideramos uma redundância encarar tais práticas de aventura. O termo Desportos de Natureza surge, de acordo com Bessy & Mouton (2004), só no final do século vinte, associado ao aparecimento de novos espaços desportivos na natureza e ao aumento do número de praticantes que, consequentemente, proporcionaram uma maior organização, estruturação e segurança das práticas. Estamos, assim, perante um processo de urbanização da natureza e de naturalização da cidade (Moreira, 2007). A relação com a natureza é de facto o elo fundamental que caracteriza os praticantes destas modalidades numa espécie de imaginário de retorno à natureza, na busca da liberdade e integração na e com a natureza. Estas modalidades estabelecem relações com temas como a natureza e a ecologia, pois entre os praticantes e a imagem pública surge a ideia de associar estas práticas à preservação da natureza e ao ambientalismo. Desta forma, a natureza contempla as características de aventura e de risco, dimensões definidas pelos praticantes como os principais factores de motivação para a prática (Dias, 2007). Associado ao termo desporto, optamos por utilizar o termo natureza para designar as práticas corporais que decorrem em meio natural, pois entendemos que é aquele que poderá delimitar todas as suas dimensões, agrupando numa só definição este 99


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conjunto de modalidades desportivas. A natureza é apresentada como uma proposta que pretende envolver o desporto como uma prática que estabelece relações intersubjectivas com os praticantes, com a finalidade de eles poderem extrair prazer dessa interacção, e na medida em que a própria natureza é apontada como uma das suas motivações principais, onde os seus simbolismos são permeados por uma espécie de mitologia do reencontro com a natureza selvagem. A relação com a natureza poderá ter, na opinião de Moreira (2007), duas vertentes: a) uma de interesse ecológico, com a descoberta, identificação, análise do envolvimento natural, tendo como objectivo a conservação e o equilíbrio da mesma e; b) a actividade física, onde o confronto com a natureza e a sua exploração é efectuada através do domínio de diferentes técnicas. Em relação ao termo natureza, utilizado para designar estas práticas, não poderemos deixar de considerar, pelo menos, as seguintes dimensões: 1) o seu maior ou menor grau de aventura pela exposição aos riscos objectivos, consoante o local de prática; 2) a modalidade praticada e o grau de experiência dos praticantes; 3) o carácter ecologista que está presente nestas modalidades e; 4) as características de evasão presentes na maioria das modalidades, a procura da emoção, a fuga à rotina e ao stress do dia a dia. Os espaços ao ar livre em contacto com a Natureza são, de facto, o cenário comum a estas práticas, normalmente em zonas rurais ou em áreas protegidas, próximas dos locais habituais de residência ou em locais mais afastados, onde se tenha a necessidade de realizar deslocações turísticas. Tais práticas associadas ao lazer, assumem-se como um potencial factor de desenvolvimento do turismo, constituindo uma das modalidades do Turismo de Natureza e um dos 10 produtos estratégicos do turismo em Portugal (PENT, 2006) e é, muitas das vezes, um dos principais garantes de sustentabilidade, em especial nas zonas rurais deprimidas. As práticas de Desportos de Natureza actuam, em especial no âmbito do lazer turístico, como um agente de mudança, trazendo inúmeros impactos às condições económicas regionais, às instituições sociais e à qualidade ambiental (Mings & Chulikpongse, 1994). Estes impactos resultam de um processo complexo de interacção entre os praticantes e os destinos de prática, incluindo as comunidades receptoras, e resultam das diferenças sociais, económicas e culturais entre a população residente e os praticantes (WTO, 1993). Por vezes, tipos similares de práticas podem originar impactos diferentes. A extensão destes impactos depende não só da quantidade, mas também do tipo de praticantes que se deslocam a esse destino (Mathieson & Wall, 1996) e da natureza das sociedades em que ocorrem (Rushmann, 1999). O desenvolvimento dos Desportos de Natureza, com um carácter sustentável, é um 100


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processo com tripla acção (WTO, 1993): i) a sustentabilidade sociocultural, que permite que o controle e a gestão dos recursos disponíveis sejam efectivados localmente pelas populações autóctones, de acordo com os traços culturais e os padrões valorativos de referência; ii) a sustentabilidade ecológica, que garante a adequação entre o desenvolvimento e a preservação ambiental e; iii) a sustentabilidade económica, que permite a eficiência económica sem ameaçar o crescimento futuro. De acordo com Brito (2004: 122), (…) a relação entre as três dimensões é conseguida, através da garantia de preservação ambiental, atribuindo autonomia às comunidades locais, respeitando a cultura e os valores de origem, reforçando a identidade comunitária, salvaguardando o desenvolvimento económico mediante a gestão dos recursos disponíveis, assegurando a sua utilização pelas gerações futuras.

3. Desportos de Natureza: uma definição para as práticas corporais em meio natural Após esta reflexão pretendemos assim designar as práticas corporais que decorrem em meio natural como “Desportos de Natureza”. Para a compreensão deste conceito em muito contribuiu a definição estabelecida pela legislação em vigor que considera actividades de Desportos de Natureza como todas as que sejam praticadas em contacto directo com a natureza e que, pelas suas características, possam ser praticadas de forma não nociva para a conservação da natureza (Decreto-Lei n.º 47/99, de 16 de Fevereiro, Alterado pelo Decreto-Lei n.º 56/2002, de 11 de Março), e aquelas cuja prática aproxima o homem da natureza de uma forma saudável e seja enquadrável na gestão das áreas protegidas e numa política de desenvolvimento sustentável. Constituem actividades e serviços de desporto de natureza as iniciativas ou projectos que integrem: pedestrianismo, montanhismo, orientação, escalada, rappel, espeleologia, balonismo, parapente, asa delta sem motor, bicicleta todo o terreno (BTT), hipismo, canoagem, remo, vela, surf, windsurf, mergulho, rafting, hidrospeed, e outros desportos e actividades de lazer cuja prática não se mostre nociva para a conservação da natureza (Decreto-Regulamentar nº 18/99, de 27 de Agosto).

Face à reflexão apresentada, propomos que a definição de Desportos de

Natureza considere que estes sejam: -

todas as actividades físicas e corporais que se realizam em contacto directo com a natureza, apresentando um formato organizado ou não, que tenham por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais, o intuito de recreação e lazer ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis, e que contribuam para a sustentabilidade do desenvolvimento local, nas dimensões ambiental,

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económica e sociocultural.

Esta nossa definição e este debate conceptual não terminam aqui. A necessidade de aprofundamento da nossa reflexão causada por uma limitação temporal, mas também pela necessidade de uma plural confrontação ideológica que contribuirá, por certo, para a construção de novas dimensões de análise deste novo fenómeno desportivo em tão vertiginosa e acelerada mudança.

Bibliografia Araújo, M. P. (1983). A educação mesológica: contribuição das actividades físicas de ar livre e exploração. Ludens, 7, (2), 29-36. Bessy, M. & Mouton, M. (2004). Du plein air au sports de Nature. Nouvelles pratiques nouveaux enjeux. Revue Education Physique et Sport, 309, 67-72. Betrán, J. (2003). Rumo a um novo conceito de ócio na Espanha. In A. Marinho & H. Bruhns, (org.), Turismo, lazer e natureza (pp. 157-202). São Paulo: Editora Manole. Betrán, J. & Betrán, A. (1995a). La crisis de la modernidad y el advenimiento de la posmodernidad: el deporte y las prácticas físicas en el tiempo de ocio activo. Apunts, 41, 10-29. Betrán, J. & Betrán, A. (1995b). Propuesta de una clasificación taxonómica de las actividades físicas de aventura en la naturaleza. Marco conceptual y análisis de los criterios elegidos. Apunts 41, 108-123. Boyero, R. & Serna, C. (2002). Aproximación taxonómica de las actividades físicas en la naturaleza en centros educativos. Retos. Nuevas Tendencias en Educación Física, Deporte e Recreación, 1, 6-14. Brito, B. (2004). Turismo ecológico: uma via para o desenvolvimento sustentável em São Tomé e Príncipe. Tese de doutoramento apresentada no ISCTE. Brohm, J. M. (1976). Sociologie politique du sport. Paris: Jean-Pierre Delarge. Conselho da Europa (1992). Carta Europeia do Desporto. Rhodes: Reunião da Comissão dos Ministros do Conselho da Europa. Costa, L. (2007). Princípios do esporte para todos. In A. Almeida & L. DaCosta, (Eds), Meio ambiente, esporte, lazer e turismo. Estudos e pesquisa no Brasil: 1967-2007 (pp. 97-99). Rio de Janeiro: Editora Gama Filho. Dias, C., (2007). Notas e definições sobre esporte, lazer e natureza. Licere, 10, (3), 1-36. 102


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Correspondência Ricardo José Espírito Santo de Melo Escola Superior de Educação Coimbra Praça Heróis do Ultramar – Solum, 3030-329 Coimbra, Portugal ricardo.es.melo@gmail.com

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Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação para a promoção do bem-estar nos contextos educativos Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo A violência em contexto escolar e os problemas a ela associados afectando o desempenho escolar e o relacionamento e integração social, alertam-nos para a necessidade da formação em educação facultar a aquisição e desenvolvimento de competências facilitadoras de ambientes harmoniosos e de sã convivência entre os membros da comunidade educativa. Os profissionais da educação, pela posição privilegiada que ocupam no sistema educativo, devem reflectir e questionar constantemente a realidade social e educativa que constituem, para, assim, melhor se reverem enquanto membros activos de mudança e desenvolvimento. Palavras–chave Formação em educação, Sociologia do actor, Violência escolar, Bem-estar escolar, Sentido do trabalho escolar Abstract School violence and associated phenomena which affect school performance and social integration/relationships alert to the need of teacher training to allow acquisition and development of skills to facilitate a harmonious environment and healthy relationship among educational community members. Education professionals, due to their privileged position in the educational system, analysing and questioning educational and social reality they are part of, can see themselves as active members of change and development. Key-Words Teacher training, Sociology of the actor, School violence, School well-being, Feeling of school work 105


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“Há formas de pensar, falar, agir, que nos ajudam a estar bem connosco e com o mundo. Outras que provocam e efeito contrário ...” (Mª José Costa Félix, 2002)

Introdução A violência, não sendo um fenómeno novo nem tão pouco recente, tem suscitado grande interesse, pela forma como se manifesta nas nossas vidas, pela maneira como agora nos é apresentada e pelo modo como nós a vivenciamos. Diariamente as notícias sucedem-se, ao mesmo tempo que aumenta a preocupação da opinião pública e dos responsáveis ao mais alto nível. A esta escalada de preocupação alia-se um generalizado sentimento de insegurança, que parece estar a tornar-se num fenómeno, que aparentemente se apresenta pela singularidade de momentos, mas que se tem tornado numa verdadeira “bola de neve”. Revendo a literatura sobre esta temática, verificamos como é que o conceito de violência se tem revelado, remetendo-nos para domínios muito variados e para uma grande diversidade de perspectivas. No entanto, comum a todas elas é o recurso à força para atingir o outro na sua integridade física e/ou psicológica. Etimologicamente, a palavra violência deriva do latim vis, que significa força. Neste sentido, a violência é uma forma particular da força – “a forma forte da força” (Dufrenne, 1976 citado por Fisher, 1992, p.18) – que se caracteriza muitas vezes pelo recurso a meios físicos para atingir outrem ou para atingir os seus objectivos à custa de outrem. Além disso, ela pode exercer-se de forma directa ou indirecta e comportar vários graus: matar, ferir ou simplesmente ameaçar e assentar em níveis diversos como a fé, a liberdade ou a integridade física1. A violência em contexto escolar, por sua vez, ocorrendo essencialmente entre crianças e jovens, assume redobrada preocupação. Entre outras, à escola são conferidas as funções de educar para normas e valores de relação e de respeito pelo outro “outro” pessoa e “outro” materializado nos bens e propriedades alheias. No entanto, os preocupantes episódios de violência e os sentimentos de insegurança em alunos, professores e auxiliares de acção educativa justificam a crescente necessidade de tornar este problema num objecto de estudo, reconhecido nas palavras de Carra & Sicot (1997, p. 61) como “problema social”, na sua global dimensão. Face às mudanças da vida moderna, as instituições que compõem a sociedade 106


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contemporânea, entre elas a escola, devem compreender e aceitar os desafios que a nova realidade lhes coloca. E, a formação de professores e educadores, não se alheando de toda esta metaforfose que, a vários níveis e nos diferentes sectores, se tem manifestado e caracterizado a actual sociedade, designada da globalização e interdependência, do conhecimento e inovação, deve contemplar (tanto na formação inicial como na contínua) um alargado conhecimento da realidade das nossas escolas. Nas palavras de Augusto Cury (2004, p.62) “Educar é ser um artesão da personalidade, um poeta da inteligência, um semeador de ideias”, no entanto deparamo-nos, cada vez mais, com uma realidade que não mais descreve a educação, e o acto de educar daquela forma honírica. De facto, “somos cada vez mais criadores e vítimas de um sistema social que valoriza o ter e não o ser, a estética e não o conteúdo, o consumo e não as ideias” (Idem, 2004, p. 67). E constatamos que a violência é uma característica social dominante, que se manifesta, cada vez mais, nos mais diversos contextos sociais (ruas, meios de comunicação social, em casa, na escola ...) constituindo, por isso, uma preocupação para toda a comunidade e para a comunidade educativa em especial. A opinião pública tem-se manifestado mais atenta relativamente a este fenómeno social, que se tem revelado cada vez mais complexo e com consequências, por vezes graves, ao nível de um ajustamento social, emocional e escolar, de grande parte das nossas crianças e adolescentes. Reparamos no largo destaque que a imprensa falada e escrita por vezes lhe confere, nas medidas administrativas2 e pedagógicas3 que são tomadas pelo Ministério da Educação e pelas escolas, na frequência com que ocorrem os chamados conselhos disciplinares, no policiamento da escola, nos protocolos especiais de segurança celebrados entre os Ministérios da Educação e da Administração Interna4, no reforço das estruturas físicas de protecção em torno da escola e, noutro plano, na organização de encontros, seminários, conferências, acções de formação e iniciativas congéneres que se vão realizando, um pouco por todo o lado, tendo este tema como referência5. Assim, propomo-nos aqui alertar para a necessidade de nos consciencializarmos da responsabilidade dos educadores em geral (e não apenas dos profissionais mas também da família e doutros membros da comunidade) em todo o processo de mudança de atitudes e de comportamentos, levando a que todos os alunos se desenvolvam equilibrada e saudavelmente, assegurando, em simultâneo, um ambiente harmonioso e de sã convivência entre todos os membros da comunidade educativa. Neste texto, após apresentarmos o elenco das várias razões que justificam esta nossa reflexão, avançamos, num segundo ponto, com algumas clarificações, que consideramos importantes, quanto ao conceito de violência escolar. De seguida exploramos de que forma a escola pode ser um factor de risco de violência nas crianças e adolescentes e 107


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terminamos com algumas implicações que, reflexões deste tipo podem ter a nível político-educacional e pedagógico.

1. Porquê reflectir sobre a violência escolar? De entre as razões possíveis de enumerar, sublinhamos, antes de mais, a relevância em se ter cada vez mais oportunidades de análise e discussão para, passando a prestar mais atenção, sermos efectivamente capazes de querer agir no sentido de gerar uma humanidade mais saudável. Mas, várias outras razões são relevantes de considerar. Primeiramente, salientamos alguns motivos de ordem clínica. E podemos referir que a violência na escola anda associada a fenómenos como o medo, insegurança, ameaça e intimidação, humilhação, perseguição, provocação, solidão, baixo auto-conceito, e tem repercussões mais ou menos graves no desenvolvimento pessoal, social e académico das crianças e adolescentes, bem como no surgimento de problemas de relacionamento e de integração social futuros. Saber como agir é o que os professores e educadores ambicionam os quais, pela posição privilegiada que ocupam no sistema educativo, necessitam de estar munidos de saberes e saberes-fazer que possibilitem a acção mais adequada e eficaz na resolução (minorando e/ou prevenindo) de tais problemas. Relembrando que nem tudo se aprende nos livros, manuais ou compêndios e nem sempre as directrizes emanadas do poder central se adequam e se podem aplicar às realidades locais. Consideramos que um bom profissional não pode contar apenas com a formação adquirida (ou por adquirir) para superar os seus problemas mas deve estar em constante aquisição de novos saberes (formação contínua/permanente), procurando estar sempre atento para analisar, reflectir e questionar a própria realidade social e educativa de que faz parte para, assim, melhor se rever nela enquanto membro activo de mudança e desenvolvimento. Em segundo, sublinhamos razões de ordem científica, e alegamo-las porque, por um lado, continuamos a não conhecer muito bem a realidade das nossas escolas e, por outro lado, no nosso país, são escassos os estudos sobre os seus problemas e exíguos os instrumentos adaptados, válidos e fidedignos, destinados a medi-los. Desconhecendo-se, também a existência de meios de prevenção e intervenção, bem como de resultados em relação a experiências de grande fôlego que tenham sido levadas a cabo nesse sentido6. Apenas podemos referir que, em Portugal, existem duas abordagens diferentes na investigação sobre a violência na escola. Na primeira, enquadram-se os estudos sobre a indisciplina, tomando como objecto as diferentes situações e comportamentos (sejam violentos ou não) que não estão em conformidade com as regras de carácter escolar e 108


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social vigentes em cada escola (Estrela, 1992; Amado, 1989, 2000; Freire, 1995; Veiga, 1995, 2007; Parreiral, 2003; Veiga Simão, Freire & Sousa Ferreira, 2004). Na segunda abordagem, foca-se a violência como um fenómeno específico, realçando o seu carácter social e psicológico (Costa & Vale, 1998; Pereira, Almeida, Valente & Mendonça, 1996; Pereira, 2002; Carvalhosa, Lima & Matos, 2001; Carvalhosa & Matos, 2004, 2005; Seixas, 2006). Além disso, são várias as restrições que podemos encontrar nos estudos portugueses sobre os problemas da violência entre colegas. Encontramos limitações decorrentes da natureza da amostra, não permitindo o levantamento da situação em todos os níveis de escolaridade, centrando-se ou no primeiro e segundo ciclos ou só no terceiro ciclo e no secundário. E, limitações de natureza conceptual7 e metodológica8, que têm implicações directas na operacionalização dos comportamentos avaliados, tornando muitas vezes difíceis as análises comparativas com estudos de outros países. Por isso, relembramos os cuidados a ter na interpretação dos resultados que os diversos estudos portugueses têm apresentado. Cuidados em termos comparativos, por questões de natureza conceptual e metodológica e em termos explicativos, pela exigência de uma leitura abrangente e multifacetada desses mesmos resultados. Por fim, referimos algumas razões de ordem pedagógica que, por sua vez, também justificam esta nossa reflexão. Entre tais razões alertamos, mais uma vez (e nunca é demais) para a necessidade de se conhecer melhor as nossas escolas, bem como os problemas que as caracterizam; chamamos à atenção dos profissionais da educação em geral (professores e educadores) para que tomem maior consciência da sua responsabilidade em todo o processo activo de mudança de atitudes e de comportamentos, contribuindo para que todos os alunos se desenvolvam equilibrada e saudavelmente, assegurando, em simultâneo, um ambiente harmonioso e de sã convivência entre todos os membros da comunidade educativa. Sabendo o quanto é, muitas vezes, difícil avaliar os comportamentos ocorridos na escola, perceber o seu significado e, principalmente, questionar as suas motivações, não podemos deixar de questionar (a nós próprios e à própria escola) sobre a situação que actualmente se vive nos contextos escolares. Ou seja, não podemos deixar que a dificuldade nos mova para uma leitura sistematicamente acusatória das crianças e jovens, esquecendo qualquer tentativa de compreensão do problema. Perante tal necessidade e tendo presente o panorama que se tem vindo a assistir nas nossas escolas, pareceu-nos pertinente a realização deste texto, uma vez que o bem-estar e o desenvolvimento de um ambiente de tolerância e de apoio afectivo dentro das nossas escolas poderão ser metas ainda a atingir.

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Assim, julgamos haver casos que mereçam uma atenção e um enquadramento especial, bem como um acompanhamento a cargo de profissionais especializados, no entanto, esses não parecem reflectir a maioria das situações ocorridas nas escolas portuguesas. É a pensar na maioria das situações que apontamos a importância e necessidade urgentes de uma atitude diferente, que passa, antes de mais, por uma leitura mais alargada das situações e pelo recurso a uma metodologia e instrumentos mais eficazes. Agindo desse modo, seremos capazes de desenvolver uma abordagem global do problema da violência/segurança nas escolas considerando não apenas o contexto em que ocorre e a especificidade de cada escola, mas também a sua globalidade. Onde a solução do problema tem de ser pensada a diferentes níveis, desde o individual ao comunitário, passando pelos vários vectores ou sistemas intermédios e incluindo as relações entre eles. Isso ajudar-nos-á a compreender melhor o interesse actual pela abordagem multissistémica no tratamento do comportamento anti-social e violento dos jovens (Henggeler; Schornwald; Borduin; Rowland & Cunningham, 1998). Relativamente a isso, e à semelhança de Mooij (1997), podemos identificar o que consideramos serem duas abordagens gerais do problema da violência na escola: a primeira, designada de “tratamento e prevenção dos comportamentos anti-sociais dos alunos”, que engloba acções directas por parte dos membros da comunidade escolar e também acções desenvolvidas pela escola, no âmbito do seu funcionamento e que incluí a actuação nas situações concretas; a segunda, orientada para a “promoção dos comportamentos sociais positivos dos alunos”, tem como principal alvo os alunos considerados mais frágeis, ou seja, potenciais vítimas, embora também englobe todo o tipo de actuações desenvolvidas pela escola, incluindo o aproveitamento do espaço da sala de aula e as intervenções baseadas no currículo. Concretizar tais orientações gerais de intervenção, pode conduzir a uma grande variedade de estratégias e de acções, mais ou menos localizadas no tempo e desenvolvidas, e implementadas por um maior ou menor número de intervenientes. O tipo de intervenção depende, não só das determinantes contextuais já referidas, da especificidade das situações de violência em si mesmas, da própria política de ensino em vigor, do estado da investigação neste domínio, e, consequentemente, do conhecimento concreto existente sobre o fenómeno em questão. São estes factores que se encontram na base da determinação de prioridades e da adequação das orientações e estratégias apontadas, na procura de uma maior eficácia, seja “curativa” seja preventiva.

2. Algumas clarificações quanto ao conceito de violência escolar A existência de um alargado conjunto de situações que designamos globalmente 110


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por violência na escola tem dado origem, nos anos mais recentes, a diversos debates públicos e a numerosas referências nos meios de comunicação social. Paralelamente temos assistido a um aumento significativo do sentimento de insegurança no seio das comunidades educativas e à crescente exigência de tomada de medidas políticas e disciplinares mais severas. A proliferação destas concepções de senso comum aumentou no obscurecimento da problemática em análise, passando-se de um quadro em que raramente se falava de violência, sendo por vezes utilizada a noção de indisciplina, para o seu uso generalizado e indistinto. Gerou-se, então, um conjunto de equívocos que achamos importante referir. Um primeiro elemento diz respeito ao carácter desviante que é atribuído ao fenómeno. Na argumentação presente nessas concepções, as situações violentas constituiriam, no essencial, a expressão de personalidade patológicas, individuais ou colectivas, ou portadoras de quadros culturais e de valores delinquentes. Tais concepções escondem/ocultam que a violência, nas mais variadas formas, pode ser hoje considerada um elemento estrutural das sociedades industrializadas ocidentais, já que se encontra presente de forma persistente no seu quotidiano (violência intrafamiliar, delinquência e criminalidade, guerra, violência no desporto, nos media, etc…). A violência na escola, com as suas especificidades, faz parte integrante desse fenómeno, e não será facilmente compreendida se ignorarmos os laços que ligam ambas. Em segundo lugar, trata-se de questionar o alegado carácter recente do fenómeno. De facto, não se pode dizer que seja um fenómeno novo, já que as situações de violência na escola possuem uma longa história. As praxes violentas na Universidade de Coimbra já no século XIX; o uso da palmatória, elemento ainda hoje presente no imaginário educativo dos portugueses; as cargas da polícia de choque durante o Estado Novo; a violência política entre grupos de estudantes após o 25 de Abril; entre outros, constituem elementos históricos que nos ajudam a relativizar os discursos sobre a irrupção súbita de uma epidemia de violência nas escolas. Assim sendo, se a violência não constitui um facto novo nas escolas, quais as razões para que se difunda numa parte significativa da comunidade educativa, de forma por vezes intensa, um sentimento de forte insegurança? Uma parte da resposta poderá ser encontrada nas alterações profundas que se produziram na estrutura, métodos e públicos dos sistemas educativos. Se a massificação trouxe consigo um conjunto de consequências genericamente analisadas na literatura sociológica, já no que diz respeito à violência na escola importa analisar algumas particularidades desse processo. No caso português, o início efectivo da massificação do acesso à escola coincidiu com a democratização política, facto que resultou em contextos escolares mais conflituais 111


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e no acesso a níveis de escolarização cada vez mais elevados de grupos sociais deles até aí afastados. A diversificação dos públicos escolares, originalmente como resultado da massificação, posteriormente devida aos processos migratórios de variados tipos, que têm contribuído para transformar a sociedade portuguesa, traduziu-se ainda pelo desencadear de situações conflituais no sistema educativo, resultantes da manutenção de métodos organizacionais e pedagógicos típicos da escola de elites; e resultantes do acréscimo da presença na escola de grupos portadores de quadros culturais e valores conflituais com os dominantes na instituição escolar. De uma escola cujos objectivos se limitavam, para a maioria da população, a uma educação circunscrita nos objectivos e no tempo, passou-se para uma escolaridade em alargamento progressivo9. A transição de um modelo de escola de elites para um de massas trouxe consigo alterações no papel e estatuto dos professores. A defesa da democratização do acesso à escolarização foi acompanhada por movimentos que defendiam processos educativos menos autoritários, em que a participação dos alunos passou a ser incentivada. Este processo não se fez sem dificuldades, criando-se a ideia de desorganização e perca de autoridade dos docentes. Em terceiro lugar, podemos falar de um fenómeno de naturalização das situações violentas, já que é frequente confrontarmo-nos com o argumento de que o sentimento de insegurança e a exposição à violência (delitos e incivilidades) se verificam, sobretudo, em escolas inseridas em contextos sociais desfavorecidos. As conclusões de algumas investigações já realizadas permitem-nos questionar estas concepções (Debarbieux, Dupuch & Montoya 1997; Sebastião, 2001; Debarbieux, 2007). É que, ainda que o sentimento de insegurança e/ou os delitos e incivilidades possam ser mais frequentes nas escolas integradas em meios sociais mais desfavorecidas, nada nos pode levar a concluir que os alunos destas escolas são “por natureza” mais violentos. O que pode ajudar a explicar esta situação de “maior violência” é o facto de em escolas de meios desfavorecidos se tornar mais evidente o contraste/confronto entre quadros culturais e organizacionais da escola e as heranças culturais e trajectórias escolares dos alunos. A aceitação de que os alunos de meios sociais mais desfavorecidos são “por natureza” “mais violentos”, permite justificar uma outra noção, de senso comum, que perspectiva a escola como sendo incapaz de desenvolver estratégias face à violência, sendo esta vista como algo inevitável face ao contexto social em que se insere. O que surge como uma ameaça incontrolável – por essa razão indutora do aumento do sentimento de insegurança – é o seu carácter anómico. Este tipo de violência surge sem qualquer razão aparente, sem reivindicações particulares nem objectivos visíveis, tornando-se assim diferente daquela que em outros momentos históricos era associada às chamadas classes perigosas, embora não menos perturbadora.

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Por último, verificamos que, apesar das mudanças radicais introduzidas com a democratização política da sociedade portuguesa, variadas pesquisas têm mostrado, nas últimas décadas, a permanência e importância de um vasto conjunto de factores de inércia do sistema educativo, e a sua centralidade na reprodução de desigualdades estruturais no acesso à escolaridade por parte das crianças oriundas de grupos sociais desfavorecidos. Um núcleo muito importante de elementos centrais do processo educativo quotidiano resistiu à sua transformação – modelos de gestão e hierarquização interna; organização das turmas e elaboração dos horários; construção de projectos educativos alargados e avaliados na sua eficácia; modelos de trabalho docente; promoção de mecanismos de aprendizagem e acesso ao saber por parte dos alunos com dificuldades de aprendizagem; actualização científica e pedagógica dos docentes como elemento central da qualidade do ensino --, facto que tem posto em causa a efectiva democratização dos processos de aprendizagem, conduzindo, muitas vezes, e como iremos ver de seguida, a situações preditoras de violência.

3. A escola como factor de risco de violência nas crianças e adolescentes Alguns autores tem referido factores de vária ordem - ambientel, familiar, cognitivosocial, de personalidade – possíveis de favorecerem o desenvolvimento da agressividade na infância e na adolescência (Ramirez, 2001; Fonseca, 2002, 2003; Seixas, 2006), entre os quais salientamos os factores ligados à escola. A escola constitui um espaço privilegiado para o estabelecimento de numerosas relações interpessoais positivas e/ou negativas, longe da supervisão e controlo das famílias. Aí se fazem, muitas vezes, os primeiros contactos com grupos de indivíduos da mesma idade ou um pouco mais velhos, que funcionam como substitutos da família no processo de socialização da criança e do jovem. Vários estudos demonstram que o sistema escolar pode exercer, de várias maneiras, a sua influência sobre o comportamento anti-social dos jovens: através das características e das experiências dos alunos, as quais podem ser anteriores à entrada para a escola; através das características e da actuação dos professores; através do ambiente e da cultura que se respira em cada escola; e através do tipo de comunidade em que a escola se situa ou a área geográfica a que pertence (Pereira, 2002; Amado & Freire, 2002; Seixas, 2006; Veiga, 2007; Rodriguez, 2007). Uma parte considerável dessas investigações tem incidido sobre as características (ou variáveis) dos alunos em contexto escolar e a sua relação com o comportamento anti-social ou com a delinquência juvenil. Nesse âmbito, tem merecido particular destaque a questão das dificuldades de aprendizagem dos alunos. Numa revisão de literatura sobre o tema, Maguin & Loeber (1996, citados por

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Fonseca, 2003, p.17) verificaram que o fraco rendimento escolar aparece associado com a idade do começo, a frequência e a gravidade do comportamento anti-social. Numa pesquisa em curso na região de Coimbra, obteve-se um efeito claro do insucesso escolar e das dificuldades de aprendizagem no comportamento anti-social referido pelos próprios jovens (self report). Em particular verificou-se aí que os alunos que já tinham uma repetência no 2º ano de escolaridade apresentavam, quatro anos mais tarde, níveis de comportamento anti-social mais elevados do que os seus colegas não-repetentes (Fonseca; Simões & Formosinho, 2000). Além das dificuldades de aprendizagem e do insucesso escolar, outras características dos alunos podem contribuir para explicar os comportamentos anti-sociais dos adolescentes. É o caso das atitudes negativas, da ausência de vinculação ou da falta de empenho na escola. No essencial, defende-se que o respeito das normas sociais depende antes de mais de uma vinculação (forte) aos pais, professores e escola. A falta de vinculação a essas figuras ou instituições dificultará a interiorização das normas e valores sociais, bem como o desenvolvimento de sentimentos de empatia relativamente às outras pessoas (Fonseca, 2002). Ou seja, tem-se concluído que as atitudes negativas e em especial a fraca vinculação à escola andam associadas ao comportamento anti-social e à delinquência. Perante tais dados, parecem justificados os programas de combate à delinquência que visam aumentar o sucesso escolar e o interesse ou motivação dos alunos (e dos seus pais) pela escola (Fonseca, 2003; Alexander, 2007). Do mesmo modo, é de esperar que as escolas com uma política bem definida de combate ao absentismo dos alunos possam contribuir para uma maior redução da delinquência juvenil e dos comportamentos antisociais em geral. Em síntese, há indicações de que numerosas características e experiências dos alunos podem ajudar a explicar as diferenças entre várias escolas que respeita aos comportamentos anti-sociais (Alberto; Fonseca; Albuquerque; Ferreira & Rebelo, 2003). Embora em menor número, alguns investigadores têm-se preocupado também em saber se a escola exercerá um efeito específico para além do efeito dos alunos ou para além da comunidade em que se situam. Ou seja, a maneira como as escolas estão organizadas e funcionam também afectará o comportamento anti-social (e pró-social) dos alunos ou, ao contrário, serão as diferenças frequentemente observadas entre escolas no domínio da delinquência explicadas simplesmente pelas características que aqueles trazem consigo, inicialmente, quando entram para a escola? (Ramirez, 2001; Rodriguez, 2007) Resultados de investigações têm mostrado que há diferenças entre as escolas a nível da delinquência e que essas diferenças não podem ser explicadas simplesmente 114


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por variáveis de natureza individual (Q I, competências verbais) que os alunos trazem consigo quando entram para a escola. Pelo contrário, tais diferenças estão relacionadas com o funcionamento da escola, enquanto instituições sociais. Em particular, verificase que as escolas com menos delinquência, melhor rendimento, menos absentismo e com menos problemas de disciplina são as escolas com bom ethos, ou seja, escolas com padrões de exigência elevados, as escolas em que os professores fornecem aos alunos bons modelos de conduta e onde os alunos são reforçados positivamente, as escolas que inculcam o sentido de responsabilidade, as escolas com regras bem definidas para toda a gente e que, de modo geral, têm boas condições e onde as aulas são bem preparadas e administradas (Ramirez, 2001; Rodriguez, 2007). Alguns estudos têm prestado grande atenção a aspectos muito específicos da escola: a existência de bandos ou culturas delinquentes entre os alunos, a distribuição ou concentração dos alunos problemáticos em turmas especiais, o envolvimento das famílias nas actividades da escola, os modelos pedagógicos (mais ou menos directivos) utilizados, a formação dos professores ou o desenvolvimento de uma cultura ou sentido de “comunidade” na própria escola. (Sebastião, 2001; Veiga, 2002, 2007). Qualquer destes aspectos parece desempenhar um papel importante no (bom) funcionamento escolar dos alunos e na prevenção ou redução do seu comportamento anti-social e também da delinquência. De facto, vários estudos têm posto em evidência que programas de intervenção centrados nas regras da escola, no controlo dos comportamentos ou disciplina e nos prémios reservados aos comportamento positivos na sala de aula levaram à redução dos comportamentos anti-sociais (Gottfredson, 2001, citado por Fonseca, 2003, p.20). A escola é, pois, uma instituição que, pela maneira como está organizada e funciona, pode promover o desenvolvimento social ou delinquente dos seus alunos10. Assim, diversos factores da escola podem afectar negativamente o desempenho escolar dos alunos, originar conflitos com colegas e professores, aumentar os riscos de abandono escolar, facilitar o aparecimento de uma cultura desviante e consequente envolvimento na delinquência juvenil, dificultar a entrada no mundo do trabalho e reproduzir outras manifestações de inadaptação social (Gottfredson, 2001, citado por Fonseca, 2003, p.21). Naturalmente as implicações destes estudos para a intervenção são consideráveis, deslocando o centro das atenções do aluno para a própria instituição escolar. De referir o número crescente de programas de intervenção baseados na escola sobretudo a nível de prevenção (Fonseca; Simões; Rebelo; Ferreira & Cardos, 1995; Gottfredson, 2001, 2002, citado por Fonseca, 2003, p.22; Costa & Vale, 1998; Pereira, 2002). Um destes programas foi levado a cabo por Hawkins e colaboradores (1991, 1992, citados por Fonseca, 2003, p.22) em Seattle nos EUA e envolveu várias centenas de alunos 115


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do primeiro ano de várias escolas distribuídos por um grupo experimental e por um grupo de controlo. O tratamento dado às turmas do grupo experimental era destinado não só aos alunos, mas também aos pais e aos professores e incluía uma componente importante de treino de competências. Por exemplo, treinar os pais para reconhecer e reforçar os comportamentos adequados dos alunos, treinar os professores para organizar bem as aulas e a disciplina na sala, bem como a ensinar aos alunos competências de resolução de problemas, utilização apropriada de reforços, etc. Esse treino era ministrado tanto em casa como na escola. O objectivo era desenvolver e fortalecer a vinculação dos alunos à escola e à sociedade em geral, na expectativa de que esse vínculo os protegesse das suas tendências anti-sociais. Os resultados mostraram que, 18 meses após o fim do programa, os alunos do grupo experimental eram classificados pelos professores como significativamente menos agressivos do que os do grupo de controlo. Mas este efeito aparecia apenas no grupo de rapazes. Além disso, verificou-se que, quatro anos mais tarde, os alunos do grupo experimental se envolviam menos frequentemente em actividades delinquentes ou no consumo de droga. Em Portugal, à excepção de alguns casos pontuais, de algumas experiências de intervenção e de foro mais preventivo dos comportamentos anti-sociais, em crianças e jovens em contexto escolar, que têm sido levadas a cabo a nível de escola, poucos resultados têm sido divulgados. Esta situação deve-se ao facto de, este ser um campo de análise que em Portugal está agora a começar a conquistar algum terreno a nível da investigação. Nos trabalhos que têm sido realizados e publicados sobre o problema da violência nas escolas, faz-se referência, apenas, a indicações a ter em conta para a implementação de programas de intervenção e/ou prevenção, como é o caso do trabalho desenvolvido por Costa & Vale (1998) que, de modo geral, aponta para a necessidade de levar a cabo uma intervenção bem sucedida e pensada, em função de três níveis relevantes. O primeiro, diz respeito a cada escola em particular, sendo esta concebida como um contexto (físico, psicológico e social), com uma vida muito própria e povoada de membros que na sua diversidade dão uma identidade a esse contexto, que partilham. Assim, a identificação com esse espaço partilhado deve ser o primeiro passo a dar. Isso passa, por exemplo, pela distribuição das turmas pelas salas, de modo que cada sala seja sempre ocupada pela mesma turma; pelo envolvimento dos alunos na definição de regras e na tomada de decisões respeitantes à vida escolar. O segundo, prende-se com as relações escolafamília e com o envolvimento dos pais na vida escolar. Sendo membros integrantes deste contexto, podem criar uma forma de reforçar e credibilizar as actuações no seio da escola, evitando inconsistências que desautorizem qualquer atitude vinda da escola. O terceiro 116


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nível centra-se nos professores e funcionários, que deverão ser considerados, aquando da ocorrência de qualquer intervenção, em resposta às suas necessidades e rentabilizando o seu papel privilegiado no contacto com os aluno, englobando-se aqui, modalidades tais como a consultadoria ou a formação, bem como outras estratégias desenvolvidas em função de situações particulares. Podemos também referir o estudo levado a cabo por Pereira (2002)11 que apresenta um programa de intervenção que foi aplicado em duas escolas, uma do 1º ciclo (223 alunos, com idades compreendidas entre os 6 e os 14 anos, distribuídos por 12 turmas) e outra do 2º ciclo (520 alunos, com idades entre os 9 e os 17 anos, distribuídos por 22 turmas), com o objectivo de reduzir as práticas agressivas. Este programa foi definido a nível do Projecto Educativo e apresentou características próprias em conformidade com cada escola, sendo uma proposta que centra a intervenção em três linhas coordenadoras: a) sensibilização/formação da comunidade educativa; b) melhoramento e diversificação dos espaços e c) atendimento aos alunos. Para efeitos de comparação dos resultados obtidos foram avaliadas duas escolas de controlo, respectivamente do 1º e 2º ciclos, em dois momentos, com um intervalo de dois anos, os mesmos em que foi implementado o programa nas escolas de intervenção e usando a mesma metodologia. A autora procurou perceber como é que as escolas evoluíram da primeira para a segunda avaliação, tendo como referência as escolas de controlo. Isto é, avaliou qual a tendência registada nas práticas agressivas, dois anos mais tarde, e o que é que as escolas aproveitaram com a intervenção. Os resultados mostraram ter havido um sucesso moderado da intervenção, não expresso na redução da vitimação e da agressão, mas na contenção e na prevenção do aparecimento de novos casos. Para além destes trabalhos aqui referidos, em Portugal não são conhecidas outras propostas, nem mesmo outros resultados (positivo ou não) da implementação de medidas interventivas ou preventivas da violência, entre colegas nas escolas.

4. Possíveis implicações deste tipo de reflexões Pela necessidade de uma reorganização do modo de funcionamento e da gestão das escolas, implementando eficazmente medidas de acção, intervenção e prevenção contra todos aqueles problemas que, na verdade, não se podem ignorar porque persistem no nosso sistema educativo, pensamos relevante referir algumas implicações politicoeducacionais que, o desenvolvimento de reflexões deste género podem desencadear. Por outro lado, sendo necessário fomentarem-se formas práticas de, no dia a dia, no contexto escolar, e de forma continuada, intervir prevenindo situações concretas de violência, agressão e intimidação entre colegas (resolver problemas já existentes e 117


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prevenir futuros agravamentos), consideramos também importante nomear algumas implicações pedagógicas.

4.1. Implicações político-educacionais De um vasto número de factores possíveis de considerar, advogamos, primeiramente, uma revisão legislativa no sentido de, respeitando os direitos constitucionais de todos e induzindo um enquadramento e um valor educativo às medidas de natureza disciplinar, combater a deriva burocrática e administrativista, permitindo actuações rápidas e adequadas em caso de transgressão e reforçando nelas o papel do professor, permitindo-lhe reconquistar algumas das características e mesmo alguns “poderes” (sociais, profissionais, científicos) que o caracterizavam anteriormente. Embora estas preocupações estejam contempladas no conjunto de disposições legais em vigor (expostas no Decreto Lei nº 270/98 e na Lei nº 30/2002), o certo é que, segundo nos diz Rebelo (2000), o “procedimento disciplinar” destinado a implementar as “medidas educativas disciplinares” para a “correcção do comportamento perturbador e o reforço da formação cívica e democrática dos alunos ...”, continua a demonstrar-se ineficaz e algo inoperante. Embora o sistema de recrutamento e de colocação de professores contemple já a permanência dos professores na mesma escola, pelo menos durante três anos, o facto é que, e em segundo lugar, os professores continuam a estar sujeitos a um certo nomadismo profissional (que lhes exige uma grande capacidade de saber gerir o cansaço físico e psicológico que se repercute a nível pessoal, social, afectivo, emocional e profissional) que não lhes permite satisfazer as necessidades das escolas e das comunidades educativas em geral. Em terceiro, e relativamente à formação inicial de professores, importa promover o desenvolvimento de competências profissionais, pessoais e sociais, através de um plano curricular específico, que permita a aquisição de noções teóricas e práticas necessárias à detecção, gestão e resolução de problemas de comportamento, tais como a indisciplina e a violência interpessoal, que podem estar (normalmente estão) na base de outros problemas que surgem durante os anos escolares ou, posteriormente, na juventude e adultez (v.g. problemas de relacionamento social). O professor (nomeadamente do 1º CEB) tem a responsabilidade acrescida de promover nas crianças, o mais cedo possível, valores e princípios importantes no relacionamento interpessoal saudável, prevenindo situações futuras graves. Tem a possibilidade de levar a cabo importantes programas integradores de mudança, pela sua posição central na escola. Mas deverá ter a consciência de que não está sozinho e deve manter um trabalho

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de equipa, em que o Conselho de Turma (que inclui a presença dos delegados de pais e dos alunos) é o espaço próprio para identificar e resolver larga parte dos problemas. Colaboração de técnicos treinados/formados (v.g. animadores socioeducativos, psicólogos escolares, assistentes sociais) que possibilitam meios para que o professor no seu dia a dia, consiga resolver determinadas situações menos fáceis e saiba a quem recorrer quando necessário. Mas, Imprescindível é que os professores e educadores enraízem a ideia de que, perante determinados problemas, a atitude a tomar é consciencializar-se de que lhes deve dar toda a atenção possível. Em quarto, e ainda no plano da organização escolar, salientamos o facto de, uma escola que apela à colaboração na tomada de decisões estratégicas, para a qualidade do ambiente interpessoal, respeitando as esferas de competência de cada um (v.g. Associações de Pais, Associação de Estudantes, representação sindical ou profissional dos docentes e não docentes e outros parceiros), está mais preparada para lidar com os problemas. Uma escola que tem um regulamento interno claro, que responsabiliza cada um pelas consequências dos seus actos e pelo espírito que deve à comunidade a que pertence, e que também evidencia e premeia os contributos, mesmo que pequenos, porque valoriza cada um por tudo o que acrescenta a si próprio e à comunidade a que pertence, é uma escola mais bem preparada para a educação. A maior aposta, não apenas na formação inicial dos professores/educadores, mas também na formação contínua ao longo da sua vida enquanto profissionais da educação, permite um espírito de maior profissionalismo, que deve ser também promovido nos professores. Em quinto, consideramos todos aqueles alunos que se caracterizam por um percurso escolar de insucesso, desmotivação, faltas às aulas, comportamento indisciplinado e que, dada a obrigatoriedade escolar, têm de lá permanecer. De facto, apesar das várias iniciativas em curso, e dos seus resultados positivos, pensamos ser ainda necessário continuar a propor vias de formação que valorizem mais as diferentes potencialidades oficinais, laboratoriais, artísticas, desportivas e, inclusivamente, profissionalizantes, dos alunos, despertando-os para as suas vontades, gostos e necessidades fazendo com que se possam rever e se sintam valorizados e reconhecidos pela escola. Aprendendo a criar, a produzir e, acima de tudo, a tirar mais partido da sua passagem pela escola, tornando-se, inclusivamente, mais capazes de lhe atribuir um outro sentido, o que não acontece nos moldes actuais da escolaridade obrigatória. Em sexto lugar, também referimos a importância de, nas escolas, haver mais 119


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equipamentos, mais espaços renovados e de qualidade e uma adequada dotação do pessoal não docente, bem como uma reorganização dos espaços escolares que poderá ajudar a um melhor controlo de movimentos e actividades dos alunos. Tanto que é nos recreios que ocorre o maior número de episódios de violência entre colegas. Reconhecemos, então, que todos estes factores, tornar-se-iam mais positivos na criação de ambientes de trabalho mais harmoniosos e no aumento do amor-próprio e de amor ao bem comum. E, concluindo este primeiro leque de implicações percebemos que, por um lado, a aplicação plena de um regime de gestão escolar, com o reforço da liderança e das margens de liberdade de cada escola na gestão do currículo, ajudará e estará na base de um bom clima de relações interpessoais saudáveis e harmoniosas; por outro lado, a criação e a prática de políticas claras de anti-violência proporcionam o desenvolvimento de um clima de escola saudável e positivo.

4.2. Implicações pedagógicas Este tipo de implicações resulta do conjunto de situações que no dia a dia e nos contextos concretos das salas de aula, corredores, recreios, etc..., requerem uma acção mais ou menos imediata, por parte dos professores, auxiliares e administrativos. Assim, em primeiro, salientamos que é essencial que as escolas deixem de mostrar desconhecimento voluntário e involuntário da realidade e falta de investimento no estudo da questão da violência no seu contexto. Só assim é possível avançar com modelos de acção prática, com estratégias adequadas, capazes de superar todas as questões que lhes estão ligadas. Chamamos a atenção para a importância em ver a escola, cada vez mais, como um objecto de estudo, considerando a possibilidade do seu papel de moderador ou de desencadeador de fenómenos de violência. Aqui reconhece-se que é fundamental que se desenvolva e promova um ethos de escola e uma organização que repudie a violência, implicando, como já referimos, um clima e uma política de anti-violência claramente definidas. Em segundo, apelamos a que os planos curriculares reservem algum espaço para a execução de projectos e actividades do agrado dos alunos que contemplem os seus interesses, gostos e ambições. Levando-os a que se sintam emocionalmente mais ligados à escola e portanto, menos dispostos a envolverem-se em comportamentos negativos ou anti-sociais. Com o reforço das ideias, valores e princípios que conduzam a um mais fácil acolhimento deles, por parte dos alunos, passando a ser tidos em conta nas avaliações e percepções do seu dia a dia. Em terceiro, a necessidade de se abordarem as questões da violência na escola, 120


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entre colegas, contra professores e funcionários, contra a propriedade da escola, etc. quer de forma natural ou espontânea, quer por meio de medidas curriculares pensadas, organizadas e lavadas a cabo nesse sentido. Considerar, portanto, nos currículos escolares a discussão do problema da violência e das estratégias a adoptar, promovendo uma maior comunicação (entre colegas, alunos e professores, professores e pais) e uma convivência mais saudável nas escolas, é proporcionar aos alunos estratégias e formas de pensar o problema, prevenindo ou minimizando situações problemáticas. Concluindo salientamos, que qualquer que seja a estratégia adoptada e qualquer que seja o método a seguir, as escolas e os professores, em conjunto com todas as instâncias, possivelmente implicadas, devem ter em conta alguns princípios fundamentais: 1º - focar a atenção na resolução do/dos problema(s) (deixando de os evitar e deixando de pensar que esse é um problema que apenas diz respeito aos outros), sem punições e sem atribuir culpas a alguém, pois isso poderia avivar a chama da violência; 2º - encorajar as próprias crianças e adolescentes a propor soluções possíveis para o problema que as afecta (ou seja, em que estão envolvidas), enquanto vítimas ou agressores; 3º - promover e usar formas de comunicação assertivas, mais do que agressivas ou mesmo passivas; 4º - assegurar outras iniciativas ou acções imediatas a curto prazo, para resolver o problema a longo prazo e de forma mais duradoura.

Conclusão Terminando esta nossa reflexão queremos apenas salientar alguns pontos. Antes de mais é fundamental conhecer exaustivamente a realidade das nossas escolas, só assim podemos pensar em formas de agir perante situações que se apresentam com uma certa incidência e que afectam um número considerável de crianças e adolescentes, com repercussões académicas, psicológicas e sociais. E, neste âmbito a informação fornecida pelos próprios alunos pode ser de importância primordial (Parreiral, 2003). De seguida referimos que não cabe somente à escola (embora esta tenha um papel importante e interesse primordial) o papel de implementar mudanças nos comportamentos e nas atitudes das crianças e adolescentes, relativamente à vitimação, agressão e intimidação. Tratando-se de um fenómeno complexo que necessita de acções mais eficazes, requer uma acção multivariada com o contributo de diferentes intervenientes no processo educativo – uma rede alargada de parceiros locais (organizações para jovens, serviços de cuidados de saúde, polícia, autarquias, tribunais,...) que, em cooperação com a escola e com a família permite educar, formar e socializar as crianças, adolescentes e 121


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jovens, e lutar contra a violência na escola. Conscientes das dificuldades práticas, resultantes de diferentes interesses, objectivos e/ou métodos de trabalho, de diferentes tradições e mesmo de alguns preconceitos que têm de ser superados para viabilizar a cooperação de forma regular, referimos a necessidade de uma legislação que defina claramente onde se deve agir, a quem compete essa acção e qual o melhor modo de conseguir resultados válidos.

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Notas: 1 Desde o início do século XX que o comportamento agressivo tem sido estudado e tem recebido diversas interpretações teóricas. Entre elas podemos assinalar pelo menos três concepções do ser humano determinado, quer por factores biológicos (v.g. considerando a agressão como um acto instintivo – Lorenz, 1966), quer pela estrutura psicológica e emocional da sua personalidade (v.g. a agressão como uma pulsão de destruição dirigida para o exterior contra outrem – Freud, 1924; a agressão como uma reacção instrumental à frustração – Dollard, Dodo, Miller, Mower & Sears, 1939; e agressão enquanto resultante de diferentes formas de activações emocionais), quer ainda pela aprendizagem e a modelação social (um comportamento agressivo aprende-se como os outros comportamentos sociais, na medida em que ele pode ser objecto de um apoio social ou reforço positivo (aprendizagem instrumental) e de uma valorização da imagem de si (aprendizagem social, porque determinada pela relação a um modelo social que valoriza a conduta agressiva) – Bandura, Ross & Ross, 1961.(Cfr. Fischer, 1992). 2

Entre tais medidas referimos a Lei nº 30/2002 relativa à revisão do Estatuto do 124


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Aluno, reforçando a autoridade dos órgãos de gestão das escolas e dos professores na tomada de medidas disciplinares de carácter educativo. Implicando a desburocratização dos procedimentos associados à gestão da indisciplina, que são hoje largamente codificados, desvalorizados da autoridade do professor, comprometendo a eficiência educativa. Além disso também reforça a responsabilidade das famílias pela assiduidade e participação efectiva dos alunos na escolaridade obrigatória. 3 A este nível destacamos a edição pelo Ministério da Educação e pela DirecçãoGeral da Inovação e de Desenvolvimento Curricular, em Dezembro de 2007, do Módulo Curricular Cidadania e Segurança, que deve ser obrigatoriamente inserido no 5º ano de escolaridade, preferencialmente na área de Formação Cívica, visando assegurar a todas as crianças, num determinado momento do seu percurso escolar, o contacto com as temáticas básicas da segurança e da não violência. Além disso, consideramos também a criação de programas como a escola a tempo inteiro e a ocupação plena dos tempos escolares, a Educação para a Cidadania, a Educação para a Saúde, o Desporto Escolar, entre outros, visando proporcionar às escolas instrumentos de prevenção e plena integração dos alunos no projecto escola. 4 Aqui mencionamos o Programa Escola Segura, cujo regulamento foi aprovado pelo Despacho nº 25650/2006, o Decreto-Lei nº 117/2009 referente à criação do Gabinete Coordenador da Segurança Escolar que, em articulação com o Observatório da Segurança na Escola e com o Programa Escola Segura, concebe, coordena e executa as medidas de segurança no interior das escolas e no perímetro interior da vedação, incluindo a formação de pessoal docente e não docente 5 Podemos considerar que o problema da violência em contexto escolar é mundial e, como prova disso referimos: a) o 1º Colóquio Mundial sobre Violência Escolar ocorrido em Março de 2001, na sede da UNESCO, em Paris e que reuniu a participação de investigadores de mais de 26 países europeus, americanos (norte e sul), asiáticos, africanos e do médio oriente e foi organizado por Eric Debarbieux, sociólogo francês. b) a 1ª Conferência Mundial sobre a Violência na Escola realizada em 2001, em Paris. O sucesso representado pela reunião de investigadores e profissionais de 27 países, levou às conferências do Québec (2003) e Bordéus (2005). Esta última acolheu participantes oriundos de 35 países dos hemisférios norte e sul. Estas conferências internacionais são o resultado duma federação de investigadores oriundos de áreas tão diversas como a Psicologia, Sociologia, Ciências da Educação, Criminologia, etc. A continuidade das Conferências ilustra também o sucesso desta federação. c) por sua vez, a 4.ª Conferência Mundial sobre “Violência na Escola e Políticas Públicas”, organizada pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa e o Instituto de Apoio à Criança, em colaboração com o Observatório Europeu e Internacional da Violência Escolar, teve lugar nos dias 23, 24 e 25 de Junho de 2008, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

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6 Excepção é o estudo de Pereira, Almeida, Valente & Mendonça, 1996, inserido no projecto: “O projecto bullying – a agressividade entre crianças no espaço escolar, onde foram inquiridos 6.197 alunos com idades entre os 6 e os 17 anos e que teve como principais objectivos diagnosticar os níveis de agressão e de vitimação; perceber a influência de factores determinantes das práticas de agressão e vitimação (nível de ensino, sexo, posição social dos alunos) e identificar os tipos de agressões sofridas e os locais onde ocorrem. Outra excepção é o Inquérito Escola, Família e Amigos (Sampaio, 1996), no âmbito do Programa de Promoção e Educação para a Saúde, que teve como principal objectivo conhecer o que pensavam e sentiam os adolescentes portugueses integrados no Sistema Educativo, onde foram inquiridos 10.095 alunos, com idades entre os 13 e 19 anos a frequentarem o 8º, 9º, 10º e 11º anos de escolaridade. Pela extensão da amostra e pelo seu carácter nacional, o estudo revelou-se importante para o melhor conhecimento da população que frequenta as escolas portuguesas, no que diz respeito, não só a variáveis demográficas, mas também à sua vivência pessoal, de modo generalizado, e à vivência escolar, de modo particular. Outro trabalho realizado em Portugal foi o de Costa & Vale (1998), essencialmente de carácter exploratório, incidiu numa amostra nacional de 142 escolas dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, num total de 4925 alunos, distribuídos pelos 8º e 11º anos de escolaridade. E teve como objectivos caracterizar e compreender os factores envolvidos da génese e manutenção do que é considerado violência nas escolas portuguesas. Por fim referimos os estudos de Carvalhos, Lima & Matos (2001) e Matos & Carvalhosa (2004, 2005) que, com amostras nacionais representativas nos mostram que, nas escolas portuguesas, existem taxas elevadas de comportamentos de Bullying, fenómenos que continuam a ser, muitas vezes, despercebidos na sua verdadeira extensão e expressão. 7 Limitações que se prendem com uma certa dificuldade em definir o objecto de estudo, uma vez que não é fácil diferenciar os vários conceitos possíveis de estar numa mesma área de estudo (comportamento agressivo, violência, ameaça e intimidação, comportamento disruptivo ou outros). 8 Dificuldades resultantes de uma certa confusão de conceitos (mesmo a nível do senso comum), da difícil transformação desses conceitos em unidades observáveis e da consequente dificuldade na recolha de dados. 9 Concretizada com o sucessivo alargamento da escolaridade obrigatória que passou de 4 para 6 anos de escolaridade e, mais tarde para 9 anos, com obrigatoriedade de frequência da escola até aos 15 anos de idade, passando a ser a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro) que estabelece o novo quadro geral do sistema 126


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de ensino português. Além disso, no passado dia 23 de Abril de 2009, foi aprovada em Conselho de Ministros uma proposta de lei que consagra o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos e a idade de frequência de instituições de ensino ou formação até aos 18 anos, bem como a universalidade e gratuitidade da educação pré-escolar para crianças com 5 anos de idade. 10 Numa síntese da literatura recente sobre esse tópico, Gottfredson (2001, citado por Fonseca, 2003, p.21) conclui que as escolas com mais problemas de insucesso e/ou com mais problemas de comportamento ou indisciplina se caracterizam, entre outras coisas, por regras pouco claras, injustas e sem consistência na sua aplicação; respostas ambíguas ou contraditórias às transgressões; descoordenação das reacções a essas transgressões por parte dos professores; desinteresse dos docentes face à indisciplina; percepção das regras como injustas pelos professores; falta de cooperação entre o corpo administrativo e o corpo docente bem como certas características de natureza mais estrutural, tais como grandes dimensões da escola; ratio professor/alunos; e falta de recursos materiais e educativos . 11 Este estudo decorreu de um projecto português que tem vindo a estudar os comportamentos agressivos no meio escolar (Pereira; Almeida; Valente & Mendonça 1996), integrado num projecto bilateral, Portugal/Reino Unido, que em Portugal assumiu a designação de “Projecto bulling, a agressividade entre crianças no espaço escolar”, o qual já foi referido nesta dissertação.

Correspondência Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 Coimbra, Portugal scruz@esec.pt

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Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional Vera do Vale

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Resumo A educação de infância surge como uma importante estratégia de prevenção ao ajudar as crianças a desenvolver com segurança as suas competências sociais e emocionais. Por seu lado os educadores devem estar conscientes da importância da competência social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para uma boa adaptação da criança, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro. Este artigo desenvolve-se em torno da reflexão acerca do desenvolvimento das competências sociais e emocionais das crianças em idade pré-escolar. Palavras-chave Competência emocional, Competência social, Educação de infância Abstract In this article, we present a reflection about the development of social and emotional competence in preschool age. Research provides extant evidence of the relation between social competence, mental health and academic success. The interpersonal contributors and the relational context in which socialization takes place is also considered. Finally, extant information is detailed on the modeling, contingency and teaching mechanisms of socialization of emotions. Key-words Emotional competence, Social competence, Early childhood education

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1. A Educação socio-emocional no jardim de infância A instituição Escola tem tido a seu cargo a tarefa de desenvolver nas crianças mais novas competências ao nível da leitura, da escrita e da matemática. Mas é também missão da escola preparar as crianças para desempenharem com sucesso os múltiplos papéis que as esperam no futuro. Com esta carga acrescida, a escola tem que alargar o seu âmbito de esforços para incluir outra gama de competências, como seja ajudar as crianças a desenvolverem atitudes pessoais, valores, competências interpessoais que sirvam, então, de sustentáculo para os papéis que elas irão ter que assumir: serem estudantes, colegas, amigos, membros de uma comunidade, pais. De entre estas competências prefiguram-se as competências socio-emocionais. Saarni (1999, p. 57) define a competência emocional como a “demonstração da eficácia pessoal nos relacionamentos sociais que evocam emoção”. Esta definição desmistifica um pouco a complexidade da competência emocional, e fala da eficácia pessoal aplicada aos relacionamentos sociais, como sendo a capacidade de alcançar um resultado desejado. Quando a eficácia pessoal é aplicada aos relacionamentos sociais, a pessoa pode, ao mesmo tempo que reage emocionalmente, aplicar os seus conhecimentos e a sua significação sobre as emoções. Fica assim implícito que as reacções emocionais estão imbuídas de um significado social: “a competência emocional é inseparável do contexto cultural” (Saarni, op. cit, p. 58). Toda a nossa relação social influencia as nossas emoções e, por sua vez, as nossas emoções influenciam os nossos relacionamentos. Saarni defende ainda que como a competência emocional está ligada a conceitos como compaixão, autocontrolo, justiça e senso de reciprocidade, também não se pode separar competência emocional do senso moral. A principal tarefa que se impõe a uma criança que entra no jardim de infância é precisamente a competência emocional para gerir as suas emoções que, por sua vez, se encontra directamente relacionada com as interacções sociais, as quais são fundamentais para o aumento da capacidade de relacionamento com os outros (Saarni, 1990). Para maximizar a competência social é necessário perscrutar cuidadosamente como é que a competência emocional permite à criança mobilizar recursos pessoais e ambientais, para se relacionar com os seus pares. Sabe-se que, se uma criança mostrar determinados padrões de expressividade ela é provavelmente mais pró-social do que outra que esteja sempre triste ou zangada, pois provavelmente esta estará mais sozinha. As crianças que percebem melhor as emoções têm mais relações positivas nas suas interacções com pares. Os que percebem as emoções dos outros, interagem com mais sucesso, quando um amigo se magoa ou está zangado. A criança que consegue falar das suas emoções é também melhor a negociar as disputas entre os seus pares (Denham, 1998). Esta percepção emocional ajuda a criança a reagir adequadamente, e a capacidade 130


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de regular as emoções ajuda-a a ter mais sucesso junto dos pares. A educação pré-escolar surge, então, como uma importante estratégia de prevenção para ajudar as crianças a desenvolverem com segurança as suas competências sociais e emocionais. Estas competências incluem a auto-consciência, o controlo dos impulsos, a empatia, a escolha de perspectiva, a cooperação, a resolução de conflitos, e tornam-se ferramentas-chave quando a criança na adolescência tem que fazer face a apelos, por exemplo, ao uso de substâncias ou à violência. Analisando alguns dos programas dedicados à educação socio-emocional (Bisquerra, 2000; Goleman, 1997; Vallés & Vallés, 2000) encontrámos objectivos gerais recorrentes que agrupámos em cinco categorias: 1. Auto-consciência emocional: adquirir um melhor conhecimento das próprias emoções, reconhecer as diferenças entre sentimentos e acções e compreender as causas dos sentimentos; 2. Gestão das emoções: desenvolver habilidades para controlar as próprias emoções, prevenir os efeitos prejudiciais das emoções negativas (por exemplo, melhorar a capacidade para expressar verbalmente a ira sem lutar), desenvolver habilidades de resistência à frustração, desenvolver habilidades para gerar emoções positivas; 3. Controlar produtivamente as emoções: desenvolver habilidades de automotivação, maior capacidade de concentração nas tarefas e maiores responsabilidades, desenvolver a capacidade de saber esperar por recompensas a longo prazo em detrimento de recompensas imediatas; 4. Empatia: desenvolver a capacidade de aceitar a perspectiva do outro, desenvolver sentimentos de empatia e sensibilidade com os outros, e desenvolver a capacidade de escuta; 5. Gerir relacionamentos: desenvolver competências para resolver conflitos e negociar acordos, desenvolver a capacidade de cooperação, de partilha e de ajuda. Todos estes objectivos têm como convergência o aumento das capacidades sociais e de relações inter e intrapessoais satisfatórias, melhor adaptação escolar, social e familiar, bem como a diminuição de pensamentos auto-destrutivos e violentos, o que ajuda a construir uma boa auto-estima na criança. Assim, a educação socio-emocional toma a forma de prevenção primária para uma conduta anti-social, tentando minimizar a vulnerabilidade às disfunções. Mas uma questão se impõe: É a educação emocional mais uma área de conteúdo a somar às já existentes na educação pré-escolar? Apesar de termos tido acesso a vários programas de educação emocional, que se encontram implementados sobretudo nos

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EUA, e com ganhos positivos em termos de resultados, defendemos que os conteúdos da educação emocional devem ser integrados, de forma transversal, nas práticas curriculares para a educação pré-escolar. Se a educação socio-emocional é vista como um processo contínuo e permanente, não pode ser determinado um horário durante a semana para ensinar às crianças a gestão emocional. Até porque no seio de um grupo de crianças, as emoções são transmitidas tanto do adulto para a criança, como da criança para o adulto, como de criança para criança. Muitos educadores não se dão conta, por vezes, dos sinais aos quais as crianças são mais susceptíveis, muito menos das circunstâncias que provocam respostas emocionais nas crianças. O próprio ambiente físico (estrutura da sala, mobiliário, luz, acústica, ventilação) pode estimular emoções de prazer ou de raiva. O mesmo se passa em termos da atmosfera da sala, do tom de voz do educador, do barulho, do tamanho do grupo, das informações ou das pistas visuais que o educador transmite. Por outro lado, as crianças acreditam que o educador sente aquilo que demonstra e é no seu comportamento que elas se vão concentrar. Até ao período da adolescência as crianças não compreendem situações emocionais complexas, nem tão pouco percebem as explicações que se possam dar sobre determinadas intenções que não são visivelmente explícitas. É na primeira infância que as crianças aprendem a rotular as emoções, mas só muito mais tarde aprendem a distinguir as manifestações emocionais comportamentais. Se alguém assume um tom de voz assustador, a criança interpreta isso como uma emoção de raiva, por mais explicações que se possa dar em contrário. Também as investigações longitudinais que têm vindo a ser feitas demonstram que existe uma relação entre a competência social na infância e o posterior desenvolvimento psicológico e académico. As relações interpessoais são a mais importante fonte de gratificação e prazer para a maioria das pessoas de todas as idades, traduzindo-se em solidão e angústia a incapacidade de iniciar e manter essas relações (Ladd, 1990, citado por Katz & MacClellan, 1997).

2. O educador e o desenvolvimento de competências socio-emocionais na criança É fundamental que os currículos destinados à educação pré-escolar contemplem o desenvolvimento das competências socio-emocionais e que os educadores se consciencializem da sua importância vital e criem um ambiente propício à sua implementação. O desenvolvimento de competências socio-emocionais no pré-escolar é vital para as crianças por várias ordens de razões: 1º porque é na infância que as crianças se encontram mais permeáveis a este tipo de aprendizagens; 2º porque as crianças passam muito do

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seu tempo diário em contextos de atendimento à infância; 3º porque os educadores podem evitar problemas de comportamento antes de eles aparecerem e estimular, assim, o crescimento social saudável das crianças, mesmo daquelas com menor habilidade ao nível do desenvolvimento social. Um bom programa ao nível do desenvolvimento das competências sociais deve permitir às crianças um alto grau de liberdade, ao mesmo tempo que mantém um certo controlo por parte do educador (Marison, 1990, citado por Spodek & Saracho, 1998), pois a forma de disciplina usada com a criança influencia o tipo de pessoa em que ela se vai tornar. Os educadores que sistematicamente colocam limites às crianças e dizem como elas se devem comportar, sem explicarem o porquê desse comportamento, transmitem unicamente que o bom comportamento radica na aceitação das ordens e da autoridade. Por outro lado, as crianças a quem não são postos limites podem ser levadas a pensar que apenas os seus desejos determinam o que é o comportamento adequado. “O desenvolvimento de um comportamento disciplinado requer o uso de habilidades intelectuais” (Spodek & Saracho, 1998, p. 157). Por outras palavras, as crianças devem usar as competências cognitivas para perceber o mundo social, ter consciência dos padrões sociais aceitáveis e do seu uso nas diferentes situações. Só assim se podem desenvolver como indivíduos autónomos e conscientes das liberdades e dos limites. Os autores citados apontam, mesmo, algumas directrizes que os educadores de infância devem observar numa abordagem disciplinar baseada no uso da razão. Assim, é importante que as crianças saibam que comportamentos são esperados delas. Um comportamento inadequado pode resultar do desconhecimento da regra, pelo que as instruções a dar à criança devem ser claras e repetidas em vários contextos, para que ela as perceba. Depois, e não menos importante, as crianças necessitam saber o porquê dessas regras, mesmo que não as percebam na sua totalidade e de imediato. É também necessário que as crianças possam ter oportunidades de observar e praticar o comportamento adequado pois, como referimos, esta faixa etária é permeável à aprendizagem por imitação. Outra das directrizes apontada alerta para o facto de as crianças não serem adultos, o que, sendo embora óbvio, não é muitas vezes suficientemente considerado pelos educadores, que tendem a esperar da criança comportamentos que ultrapassam as suas possibilidades. Na verdade, os educadores devem desenvolver expectativas razoáveis quanto ao comportamento das crianças, e também não esperar que elas se portem adequadamente o tempo todo. Os educadores, por seu turno, devem ser coerentes no seu próprio comportamento, pois transmitem, mesmo inconscientemente, mensagens às crianças sobre o que é aceitável ou não. Holtz (1972, citado por Spodek & Saracho, 1998) refere três tipos de disciplina que pode ser encontrada pela criança: disciplina da natureza, em que as crianças aprendem 133


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como as coisas funcionam; disciplina da sociedade, em que as crianças aprendem como os adultos se comportam nos ambientes sociais; e disciplina coerciva, que é imposta pelos adultos para proteger as crianças das consequências dos seus actos que ainda não podem antecipar.

3. Implementação de uma disciplina positiva A problemática apresentada leva-nos à questão de saber qual deve ser a actuação do educador numa perspectiva de disciplina positiva. O estilo e a actuação do educador devem pautar-se pela sua forma de agir e pela sua moral, em consonância com as estratégias de gestão de comportamento por si implementadas. Entende-se aqui a moral como o sentimento que o educador tem sobre a sua dedicação profissional, baseado na percepção que tem de si mesmo e na sua capacidade de organização (Washington & Watson, 1976). Posada e Pires (2001) definem o “professor positivo” como alguém que espera que os seus alunos consigam altos objectivos, proporcionando-lhes oportunidades significativas para resolverem os seus próprios conflitos e levando-os a reconhecer as suas condutas positivas. Gardner (1993) acrescenta que os professores deveriam tomar consciência que o ponto de partida para o processo de aprendizagem não deve ser tanto o currículo, mas sim a experiência e a complexidade das estruturas conceptuais que os alunos trazem para a sala de aula. Um estudo levado a cabo por Stipek, Daniels, Galguzzo e Milburn (1992, citados por Formosinho, Katz, MacClellan & Lino, 1996), em que analisaram programas com crianças pobres e de classe média, permitiu classificar esses programas com base em duas dimensões: clima social positivo e directividade do professor. Os dados deste estudo mostraram que os programas com cotações mais elevadas na directividade do professor são aqueles que têm mais baixas cotações no clima social positivo, sugerindo que a tónica colocada nas aprendizagens académicas e na directividade do professor parece impedir um clima social positivo. Por outras palavras, quanto maior for a ênfase posta na instrução académica, menor será a ênfase nas relações sociais positivas entre professores e crianças. Grande parte dos estudos efectuados nesta área apela para a importância do estilo de interacção do professor, pois o estilo de interacção faz-se sentir ao nível do desenvolvimento e das várias aprendizagens da criança. Na verdade, para implementar uma disciplina positiva é fundamental que o educador se questione acerca das suas práticas educativas, do seu sentido de autoridade, da sua segurança e capacidade de gerir e controlar problemas de comportamento na 134


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sua sala, e que reflicta, inclusivamente, sobre a sua auto-estima. É importante que o educador procure criar uma atmosfera educativa positiva, pois a criança constrói a sua personalidade através da imitação e das vivências que lhe são proporcionadas. “O ambiente positivo tem o seu enfoque no nível de coesão da relação entre o educador e a criança” (Rutter, Maughm, Mortimor, Ouston & Smith, 1979, citados por Posada & Pires, 2001, p. 201). O educador é, assim, o modelo por excelência no contexto de jardim de infância, sendo muitas vezes a segunda figura de vinculação. Logo, o ambiente é um factor por excelência, para que a criança se sinta bem consigo própria, seja aceite e estabeleça relações de empatia com os outros, o que contribuirá decisivamente para a consolidação de uma auto-estima positiva. Assumindo uma postura flexível e dialogante, ajudando as crianças a exprimirem as suas emoções, dando relevância às opiniões das próprias crianças e fomentando momentos de partilha de vivências e experiências, o educador estará a contribuir para a maturação da criança e para a construção do seu controlo interno.

3.1. Atitudes do educador positivo Para Posada e Pires (2001), o educador positivo é aquele que compreende e aceita as razões que a criança manifesta através do seu comportamento sem as sancionar, mas fazendo com que a criança entenda, se for caso disso, que a sua forma de agir não foi a mais correcta. Deve ter uma atitude de orientador, indicando o caminho a seguir, mas respeitando a liberdade de cada um, tendo a consciência que é também um modelo para as crianças, mas não no sentido de imposição de condutas. É no entanto fundamental estabelecer limites à liberdade, ajudando a criança a desenvolver a capacidade de se colocar no papel do outro. Esta atitude em concreto permite à criança desenvolver a sua consciência social. Saber esperar é uma das regras vitais, tanto do ponto de vista cognitivo como emocional. A espera facilita o pensamento e a reflexão, além de promover a interiorização dos sentimentos e a sua adequada exteriorização. O educador, na opinião dos mesmos autores (op. cit.) deve ter uma atitude positiva na interacção com as crianças, não fomentando a crítica, evitando as acusações e todo o tipo de comportamento vexatório ou que, de alguma forma, possa contribuir para a sinalização individual de uma criança, quer seja de forma directa, mediante insultos ou humilhações frente ao grupo, quer de forma dissimulada, através de linguagem não verbal. Mantendo uma atitude positiva, o educador pode contribuir para que as crianças desenvolvam uma imagem positiva de si próprias, estimulando uma atitude cooperativa entre elas. É ainda fundamental que o educador apresente alternativas às suas negações, além das possíveis explicações, pois ensina também às crianças quando dizer “não”. Um dos objectivos fundamentais que preside à actuação do educador prende-se com 135


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a promoção da motivação intrínseca. É crucial que, desde cedo, se fomente na criança a capacidade de tomar decisões e assumir as consequências das decisões tomadas. É necessário criar um clima emocional adequado que permita que as crianças exprimam as suas emoções, ajudando-as também a expressá-las, pois daí deriva uma melhor compreensão das crianças, uma melhor integração do grupo, uma melhor predisposição para a aprendizagem, uma maior harmonia ao nível do sistema de relacionamentos, um crescimento da auto-estima e o bem-estar geral. É necessário que o educador seja sempre claro e mostre firmeza (não confundir com rigidez) e decisão na transmissão de mensagens, e prepare as crianças para as transições que ocorrem ao longo da actividade educativa, promovendo também momentos de busca e descoberta por parte das crianças, pois, desta forma, está a contribuir para a autonomia e independência das crianças como pessoas e como alunos que têm ainda que percorrer uma longa vida académica.

4. Os problemas emocionais e o comportamento anti-social 4.1. As dificuldades sociais Como já referimos, a aceitação e a popularidade parecem jogar um papel importante na socialização infantil. As capacidades sociais proporcionam às crianças uma forma de dar e receber recompensas sociais positivas, as quais vão, por sua vez, aumentar a interacção social. Um leque variado de estudos tem vindo a demonstrar, no entanto, que há crianças que não conseguem atingir uma competência satisfatória nas suas relações sociais, ou porque não adquiriram competências ou porque simplesmente não as conseguem usar com confiança, o que as vai tornar socialmente retraídas ou mesmo rejeitadas. Um estudo levado a cabo por Corsaro (1985, citado por Katz & MacClellan, 1997) concluiu que no jardim de infância uma grande percentagem da interacção social que as crianças estabelecem entre si diz respeito à tentativa de entrar em grupos de jogos apelando a que a criança faça, assim, uso das suas capacidades de participação e sucesso social. Há, no entanto, outros comportamentos ligados com a capacidade social e com a aceitação, como o dar atenção aos outros, o solicitar informações, ou até o contribuir para uma discussão em grupo (Bierman & Furman, 1984; Coie & Krehbiel, 1984; Gottman & Schuler, 1976; Mize & Ladd, 1990; todos citados por Katz & MacClellan, op. cit.). Algumas crianças entram no jardim de infância desprovidas deste repertório de capacidades e vão sentir grandes dificuldades. Por vezes, a causa pode encontrarse ao nível do controlo dos impulsos, que ainda é feita deficientemente, o que leva a que não sejam bem sucedidas nas interacções respeitantes à resolução de conflitos. Outras crianças desconhecem, ou não experienciaram ainda, interacções sociais com 136


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pares. Há crianças que têm o seu primeiro relacionamento com outras crianças só no jardim de infância, e que por isso desconhecem estas estratégias. No entanto, outras há que apesar de já terem adquirido determinadas capacidades sociais não as usam com confiança a fim de serem bem sucedidas. Mas a causa pode ficar a dever-se, também, à falta de capacidade para exprimirem os seus sentimentos e desejos ou à dificuldade em explicar as razões das suas preferências. Por fim, há crianças que são tão dependentes do adulto que interrompem constantemente qualquer brincadeira para pedir ajuda (Katz & MacClellan, op. cit.). Todas estas causas podem repercutir-se no comportamento da criança, e encontramos crianças que sistematicamente se recusam a cumprir rotinas ou que rejeitam normas do jardim de infância. Estes comportamentos não cooperativos, podem, no entanto, ter uma explicação que pode ser exterior à vida no jardim de infância, sintoma de que existe uma perturbação emocional, ou podem derivar de um desajuste entre a própria criança e a instituição pré-escolar. Mas outras razões poderemos elencar como estando directamente ligadas com a forma de organização e gestão do processo educativo que se desenvolve dentro do jardim de infância. Senão vejamos. O próprio clima que aí é vivido, quer seja autoritário, quer seja permissivo, pode levar a comportamentos pouco colaborativos das crianças ou até a manifestações de problemas sociais entre elas. O ambiente pode ser mesmo considerado como um segundo educador. Montessori (1964, citada por Katz & MacClellan, op. cit.) defendia que se devia preparar o ambiente, pois as crianças respondem em função do meio que as rodeia, o que pode ter importantes efeitos no seu desenvolvimento intelectual, social e espiritual. Barker (n.d., citado por Posada & Pires, 2001), um dos pioneiros da psicologia ambiental, refere que os ambientes são “sinomórficos”, assumem a personalidade das pessoas que os constroem, pelo que o clima afecta as condutas dos sujeitos. O mesmo se passará em relação às normas. Se a criança não tiver participado na sua discussão e elaboração, elas poderão não ter qualquer significado para ela, podendo ocasionar a manifestação de comportamentos disruptivos. As próprias actividades podem não ter qualquer relevância para a criança, podendo ser tão rotineiras que não despertam qualquer interesse, ou estarem tão desfasadas do seu nível de desenvolvimento que geram perturbações. As transições entre as actividades podem ainda não ser perceptíveis, gerando confusão. Outro factor pode estar ligado à falta de respeito pelas diferenças individuais, nomeadamente no que se refere às crianças que necessitam de mais tempo para realizar as tarefas. Mas, o facto de surgirem dificuldades sociais na sala pode também indiciar que as crianças são novas demais para passarem um tão grande número de horas num contexto onde existem mais crianças. Caberá ao educador procurar minimizar o stress que as crianças possam sentir quando estão em grupos de pares durante muito tempo (Katz & MacClellan, 1997). 137


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A investigação sugere ainda que com a idade não melhora a falta de competência social de muitas crianças. As crianças não assertivas mantêm os seus défices de habilidades sociais na vida adulta. Michelson, Sugai, Wood e Kazdin (1997) falam em dois tipos de défices sociais. Por um lado, temos as crianças passivas, com um comportamento tímido, isolado e quase letárgico, que não estabelecem interacção com os companheiros, podendo essas respostas passivas provocar sentimentos de insuficiência, depressão e incompetência, resultando num baixo nível social. Ora parece provado que a popularidade está associada ao êxito escolar, bem como ao desenvolvimento cognitivo e emocional (Hartup, 1970). Vários estudos, analisados por Gottman, Gonso e Rasmussen (1975, citados por Michelson, Sugai, Wood, & Kazdin 1997), levaram à conclusão de que havia uma estreita relação entre a popularidade e o posterior funcionamento na vida adulta, sendo as crianças pouco populares as que mais recorriam ao apoio psiquiátrico na vida adulta. Encontra-se, assim, uma correlação entre o comportamento passivo e processos de má adaptação na vida futura. No outro extremo dos défices sociais, encontram-se as crianças que apresentam um comportamento dirigido ao exterior e que são, tipicamente, agressivas e não cooperativas. Estas crianças fracassam quando tentam demonstrar capacidades sociais para levar a cabo interacções sociais efectivas. Comportam-se de uma forma que é reprovada pelos outros, e que conduz à humilhação e à baixa autoestima. Estas crianças apresentam dificuldades escolares, obtendo níveis mais baixos do que os colegas, manifestando, na vida adulta, uma maior incidência de comportamento anti-social.

4.2. O comportamento anti-social O comportamento anti-social é entendido como um padrão de violações dos direitos dos outros ou das normas de uma determinada sociedade (Fonseca, 2001). Vários estudos longitudinais apontam para uma continuidade intergeracional dos comportamentos anti-sociais e algumas das explicações que têm sido avançadas estão ligadas com a modelação de comportamentos, influência genética, atitudes dos pais em relação a esses comportamentos e influências do meio partilhado. As consequências negativas do comportamento anti-social da criança não se expressam na sua vida futura apenas sob a forma de agressividade, delinquência ou criminalidade. Elas podem tomar formas mais diversificadas, como o abuso físico dos filhos e dos cônjuges, a instabilidade no emprego, o abuso de drogas, a propensão para acidentes, a promiscuidade sexual, entre outras. Zoccolillo (1992, citado por Fonseca, 2001) verificou que uma grande percentagem de indivíduos com distúrbios de comportamento na infância apresentava, mais tarde, problemas de adaptação social, como sejam as dificuldades de relacionamento interpessoal, de adaptação ao trabalho e 138


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conflitos na família. Já Gluek e Glueck (1950) haviam verificado, através de um estudo longitudinal, o comportamento anti-social na criança se revelava um bom preditor do seu estatuto educacional, económico, profissional e familiar 18 anos mais tarde. Constatase, assim, que a ideia generalizada de que o comportamento anti-social é um fenómeno típico da adolescência e se resolve com o tempo, não é tão linear quanto isso. Estes estudos permitiram também chegar à conclusão de que há vários factores que, de modo directo ou indirecto, contribuem para o aparecimento e a continuidade dos problemas anti-sociais. Fonseca (2001) apresenta-os classificados em três categorias: factores individuais (micro-sistemas); factores psicossociais (mesosistema) e factores da comunidade ou sócio-culturais (exosistema). Iremos, resumidamente, fazer alusão a estas três categorias, que têm estado, de alguma forma, presentes ao longo deste artigo.

4.2.1. Factores individuais Durante muito tempo a tónica foi posta nos factores de ordem social e cultural, mas actualmente, fruto das recentes investigações, regista-se uma viragem para os factores de natureza individual, os quais apresentam uma imensa diversidade que tem levado a várias propostas de classificação. Nas últimas décadas, os factores que têm suscitado mais investigações têm sido o temperamento, a hiperactividade, e a idade precoce dos primeiros comportamentos anti-sociais. No que se refere ao temperamento, Caspi (2000), baseando-se em estudos longitudinais de Dunedin, chegou à conclusão que, comparadas com colegas sem problemas de temperamento, as crianças com temperamento difícil tinham 2.9 vezes mais probabilidades de terem um diagnóstico de personalidade anti-social, 2.2 vezes mais a probabilidade de se tornarem criminosos reincidentes e 4.5 vezes mais a probabilidade de serem condenados por crimes violentos. Entre as características ou dimensões do temperamento que se encontram associadas a futuros problemas do comportamento encontram-se a emocionalidade, a resistência ao controlo, a fraca auto-regulação e a impulsividade (Sanson & Prior, citados por Fonseca, 2001). No que se refere à hiperactividade, a posição dominante aponta para que ela constitui um dos factores de risco mais importantes do comportamento anti-social. Satterfield (1987) verificou que um grupo de crianças diagnosticadas como hiperactivas apresentava mais tarde, aos 17 anos, taxas significativamente mais elevadas de comportamento antisocial do que indivíduos de um grupo de controlo normal. Moffitt (1990) verificou que a hiperactividade aparecia associada às formas mais graves de comportamento antisocial. 139


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Quanto aos problemas de cognição social, existe também um conjunto de investigações recentes que mostram que os indivíduos agressivos se diferenciam dos seus pares bem adaptados na maneira como processam e utilizam a informação relativa às outras pessoas, pois têm tendência, por exemplo, na fase de codificação, a terem mais sensibilidade aos sinais de agressão, na interpretação, a atribuírem intenções hostis, na procura de eventuais respostas, acesso mais fácil a respostas agressivas, na escolha de um determinado tipo de respostas, consideram como aceitável uma resposta anti-social e finalmente, na execução dessa resposta, a incapacidade de utilizar respostas verbais e problemas de auto-controlo (Fonseca, 2001). Mas, as diferenças não se reportam só à fase inicial do processamento de informação, pois estes indivíduos também apresentam um repertório reduzido de estratégias de resolução de conflitos. No que se refere à idade precoce do aparecimento dos primeiros comportamentos anti-sociais, os estudos apontam para que se trata de um bom preditor da continuidade desses comportamentos através da infância e adolescência. Loeber e Southamer (1986, citados por Fonseca, 2001) referem como preditores da delinquência juvenil os distúrbios de comportamento da criança e White, Moffitt, Earls, Robins, e Silva (1990) verificaram que os problemas avaliados pelos pais, entre os 3 e os 5 anos, discriminavam bem os indivíduos delinquentes aos 11 anos. Com base nos estudos realizados nesta área, foi proposta uma classificação dos comportamentos anti-sociais que aponta para duas categorias: uma com início precoce, com comportamentos mais graves e mais resistentes à intervenção, e outra de início tardio ou durante a adolescência (Hinshaw et al. 1993; Moffitt; 1993, citados por Fonseca, 2001).

4.2.2. Factores psicossociais No campo dos factores psicossociais têm tomado particular relevo as variáveis ligadas à família, à escola e aos colegas. Na família, as características que têm sido identificadas prendem-se com o baixo nível económico, o baixo nível escolar dos pais, os lares desfeitos, a falta de competências educativas dos pais, a hostilidade, os estilos coercivos, conflitos no casal, modelos criminosos na família, e a psicopatologia dos pais, entre outros. Contudo, desta panóplia de variáveis as que se têm revelado mais determinantes têm sido a falta de competências parentais, as interacções hostis e coercivas com a utilização inconsistente de prémios e castigos, as falhas de comunicação entre pais e filhos e a existência de modelos antisociais na família (Fonseca, 2001). Outra das variáveis que tem sido objecto de bastantes estudos é a escola. Rutter e colaboradores (1979, citados por Fonseca, op. cit.) mostraram que a escola, através do

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seu funcionamento, contribui efectivamente para a ocorrência de comportamentos antisociais no aluno. Vários aspectos têm sido considerados responsáveis pelo despoletar de comportamentos anti-sociais, desde o recurso a estratégias pedagógicas e disciplinares demasiado coercivas ou demasiado laxistas face aos alunos, baixas expectativas em relação aos progressos dos alunos, até à falta de motivação dos professores. A influência dos colegas é outro dos factores psicossociais que tem influência no agravamento dos comportamentos anti-sociais. No entanto, a questão que se coloca é a de saber se de facto há uma influência dos pares delinquentes na origem do comportamento anti-social, ou se em primeiro lugar os indivíduos procuram colegas delinquentes de acordo com as suas próprias tendências. Thornberry (1993, 1998, citado por Fonseca, op. cit.) mostrou que a entrada num gang aumenta efectivamente a probabilidade de cometer actos delinquentes, e o seu abandono leva à diminuição do crime violento. Esta influência do grupo pode exercer-se através de um aumento na auto-estima, partilha de valores anti-sociais, pressão dos colegas, conquista de um estatuto superior dentro do grupo ou benefícios da actividade do grupo.

4.2.3. Factores sociais e culturais Os factores sociais e culturais mais referidos na literatura são a pobreza, a violência, o desemprego, a insegurança na comunidade e de uma forma geral a desorganização social na comunidade. Na verdade, encontram-se taxas mais elevadas de comportamento anti-social nas zonas desfavorecidas das grandes cidades, particularmente quando há falta de coesão e controlo social (Sampson et al.,1997, citados por Fonseca, op. cit.). Outro factor sócio-cultural, que tem originado muitos estudos nas últimas décadas, tem sido a influência dos mass média, sobretudo da televisão. Huesman e Eron (1984, citado por Fonseca, op. cit.) mostraram a existência de um efeito estatisticamente significativo, ainda que modesto, da violência filmada no aumento do comportamento anti-social e do crime.

5. A prevenção dos problemas emocionais Quando as emoções não se expressam, não se dominam, ou não se adequam às situações, podem aparecer as disfunções. As disfunções emocionais infantis revelam-se quando uma criança demonstra falta de adequação das suas reacções face às situações ou quando faz má interpretação das emoções dos outros. Os pais são quem melhor pode ajudar a prevenir (expressão latina “prevenire”, que significa “antes de vir”) os problemas emocionais. São os pais que estabelecem mais estreitamente relações afectivas com a criança e, presumivelmente, são quem melhor 141


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a conhece, e nos primeiros anos de vida são também quem passa mais tempo com ela. A teoria de vinculação de Bowlby (1982) situa-se precisamente à volta da importância destas relações precoces, assim como do papel que as mesmas desempenham no desenvolvimento posterior da criança. Um estudo efectuado por Soares (1996) procurou constatar se havia concordância entre o estilo de vinculação da mãe e a representação sobre ele que o filho ou filha tinham na adolescência. A autora concluiu existir uma concordância na representação da vinculação mãe-filho “a representação segura da mãe pode constituir em si mesma uma referência ou uma base segura a partir da qual o(a) filho(a) pode organizar internamente as suas experiências de vinculação de modo seguro” (Soares, op. cit., p. 304). Qualquer pessoa que mantenha este tipo de relação pode assumir também, e com êxito, o papel preventivo. Estamo-nos a referir aos educadores de infância, que na maior parte das vezes são a segunda figura de vinculação das crianças. Sabemos que o que caracteriza a vinculação é o comportamento que promove uma proximidade ou um contacto da criança com uma ou mais figuras a que ela se encontra vinculada (Ainsworth et al., 1978, citado por Moreira, 2001) e que lhe transmitem segurança. Classicamente, a função social e emocional era atribuída aos pais, e aos professores a função intelectual. Hoje em dia essas fronteiras encontram-se diluídas, e pais e educadores entram por vezes em conflito no que diz respeito aos sistemas de valores. Uma prevenção que realmente previna fundamenta-se numa educação emocional adequada, precoce e concertada entre pais e educadores. Deve acabar-se com o mito de que é muito pequeno para aprender, tem tempo, e ainda está longe de qualquer situação problemática, pois como já vimos anteriormente, o desenvolvimento emocional é fortemente influenciado pelos primeiros anos de vida, sendo precisamente nas etapas mais precoces que se inicia toda a organização em relação ao ambiente que rodeia o bebé e da qual vão depender as organizações posteriores. Por outro lado, muitas vezes só se reconhece a necessidade de intervir quando a criança começa a apresentar comportamentos desajustados. Uma investigação levada a cabo por Kochanska (1987, citado por Barrio, 2002) mostrou que mães que iniciaram a educação emocional dos seus filhos entre os 15 e 30 meses, tiveram mais êxito na gestão da raiva, do que as que apenas iniciaram essa educação entre os 30 e os 42 meses, usando as mesmas técnicas. Outro ponto fundamental a ter em conta, e reforçando a ideia que temos vindo a expor ao longo deste artigo, é o de que a vida emocional da criança é o trampolim de integração no mundo, visto que a sua evolução emocional é muito mais precoce do que a sua maturação mental: “as razões do coração são as únicas que uma criança abaixo dos seis anos entende verdadeiramente” (Barrio, op. cit. p. 173). 142


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De acordo com Denham (1998), a educação emocional fundamenta-se em três pilares: os modelos, o treino de competências e a adequação às contingências.

4.1. Os modelos Até aos seis anos de idade o método de aprendizagem mais forte é a imitação. A criança copia as acções que observa. Não serve de nada dar conselhos verbais de auto controlo a uma criança, se os adultos de referência na sua frente são agressivos, não respeitam as normas ou impõem a sua vontade arbitrariamente e perdem o controlo facilmente. A criança imitará o que vê, em vez de seguir o que escutou. O mesmo se passa quando se pede à criança, gritando, que deixe de gritar. Prevalecerá sempre a acção em detrimento do conteúdo verbal. Mas, se solicitarmos ideias e informação às crianças, poderemos modelar nelas um estilo interactivo de relacionamento com os outros, e a busca activa de soluções para os problemas. “Os modelos emocionais proporcionam à criança uma gestalt ou forma de entendimento da situação que configura as tendências de acção” (Barrio, 2002, p. 175). Por outras palavras, os modelos emocionais configuram-se como guiões que orientam o comportamento, por isso, pais e educadores têm que ter presente o modelo que estão a transmitir e o modelo que são, uma vez que a modelação é uma forma poderosa de aprendizagem.

5.2. O treino de competências Além de aprender por imitação, a criança aprende também por repetição da acção. O treino de competências está principalmente a cargo dos pais e traduz-se em coisas tão simples como dar nome às emoções, expressá-las e controlá-las e assumir as regras de comportamento que são aceitáveis pela sociedade de referência. As etiquetas verbais, ou rótulos, começam a adquirir-se através de pequenas conversas com a criança. Brown e Dunn (1991, citados por Barrio, 2002) afirmam que as primeiras conversas emocionais entre mães e filhos se situam, em média, por volta dos 18 a 36 meses de idade e incluem questões tão simples como perguntar-lhes por que estão tristes ou zangados. A conversação entre o adulto e a criança além de gerar hábitos de comunicação em torno destes problemas, ajuda a criança a generalizar a conduta a outras situações, e evita a acumulação de tensões e mal entendidos que pode desencadear violência. Outro aspecto que se torna relevante para ensinar as crianças a gerir as suas emoções é ensiná-las a lidarem com a frustração. Todos temos consciência que, no mundo ocidentalizado onde vivemos, a maioria das crianças pode realizar quase todos os seus 143


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desejos, mas também é verdade que à medida que a criança cresce essa realização torna-se mais difícil. Se a criança foi adquirindo hábitos de não-frustração é portadora de níveis baixos de frustração, o que se pode tornar intolerável. Assim, deve-se treinar precocemente competências de resistência à frustração, para que a criança possa pôr em marcha mecanismos de resistência, que lhe irão permitir fazer face às adversidades, sem recorrer, por exemplo, a substâncias aditivas para o seu alívio. Patterson et al. (1992, citados por Barrio, op. cit.) recomendam que para gerir e controlar as emoções das crianças se usem estratégias como imposição de uma disciplina consistente, uso de reforços positivos e aquisição de habilidades de resolução de problemas.

5.3. Adequação às contingências O que a autora (Denham, 1998) quer dizer com a adequação às contingências é que qualquer conduta produz determinadas consequências, quer positivas, quer negativas, e que se torna fundamental que, quer os pais, quer os educadores, saibam manejar adequadamente essas consequências de modo a que a criança aprenda a manter e consolidar as que podem trazer-lhe benefício e a extinguir as que não são benéficas. Quando uma criança tem uma conduta inconveniente, como insultar ou bater, isto deve ter para ela um certo “custo” de resposta, como por exemplo uma consequência. Mas esta consequência tem que ser bem escolhida, sempre que possível decidida previamente com a criança, para que se consiga ter algum resultado. Se a consequência não é adequada à conduta, além de não surtir efeito, pode levar à revolta.

Conclusão Em jeito de conclusão podemos reconhecer que é fundamental o educador ser disponível e responsivo face às necessidades de todas as crianças da sua sala. Quando o educador responde de forma consistente a uma criança ele está a ajudá-la a desenvolver pontos de vista alternativos face aos relacionamentos. Quando o educador é confiável e responsivo ensina às crianças que a experiência emocional não precisa de ser opressiva, pode ser controlada e com o tempo as crianças aprenderão a gerir as suas emoções com pouca ou até nenhuma ajuda. Também a prevenção não pode ser vista como um conjunto de estratégias que se implementam de um momento para o outro, em módulos pré-fabricados, prontos a usar e de tamanho único, e que, no final, como por magia, fazem com que todos os factores de risco se diluam. Uma verdadeira prevenção deve ser transversal e ecológica e deve começar na primeira infância, senão em vez de tecermos corremos o risco de só remendarmos. Para atingir estes objectivos é necessário que os currículos de formação 144


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dos educadores incluam o desenvolvimento de competências socio-emocionais, para que eles possam providenciar métodos e estratégias apropriados para a socialização emocional.

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Correspondência Vera do Vale Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis de Ultramar-Solum, 3030-329 Coimbra vvale@esec.pt

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Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico: alguns princípios orientadores Pedro Balaus Custódio

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Os manuais escolares constituem hoje um lugar de referência no panorama dos materiais didácticos. Todavia, eles não são instrumentos exclusivos de ensinoaprendizagem e, como tal, os professores de todos os graus de ensino, sentem cada vez mais a necessidade de produzir materiais originais, de acordo com a especificidade das turmas em que leccionam, dos alunos a quem se dirigem e da rede de conteúdos e de competências que pretendem desenvolver. Esta reflexão, breve a preambular, tece algumas linhas de orientação capazes de guiar os professores dos 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico na produção de materiais didácticos de Português. Palavras-chave Materiais didácticos, Manuais escolares, Ensino do português Abstract Nowadays, school handbooks are a reference in the overview of didactic materials. However, they are not the only instruments of the teaching-learning process and, frequently, the teachers of all the education degrees feel that it is very important to produce original materials, related to the kind of groups where they teach, according to the pupils with they work and also connected with the table of contents and abilities that they plan to reach. We intend to detail, briefly, some aspects that could guide the teachers in the production of didactic materials for 1st and 2nd Cycles of Basic Education. Key-words Didactic materials, School handbooks, Portuguese teaching

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1. Conceito de material didáctico Genericamente, a história dos materiais didácticos remonta à própria história do livro e ao surgimento dos materiais impressos. Em Portugal, está por fazer uma história do material didáctico e, qualquer que seja o rumo desse trabalho no âmbito específico do Português, ele passará de modo obrigatório pelo indispensável papel das gramáticas e pelas cartilhas de leitura que deram forma ao ensino da Língua por mais de um século. Os capítulos recentes da história destes materiais serão preenchidos, necessariamente, pelos manuais escolares que, enquanto instrumentos de recontextualização pedagógica se assumem como protagonistas no sistema de ensino-aprendizagem. São estas ferramentas de trabalho que têm hoje uma maior projecção nas actividades quotidianas dentro e fora da sala de aula, e em contexto multidisciplinar. A sua importância é de tal forma decisiva que, entre nós, por exemplo, o Ministério da Educação produziu legislação específica no sentido de acreditar as entidades que avaliam os manuais escolares e de certificar estes utensílios pedagógicos. A Lei n.º 47/2006 de 28 de Agosto, bem como outros diplomas posteriores, definem o regime de avaliação e adopção dos manuais escolares dos ensinos Básico e Secundário, com o objectivo de garantir a sua qualidade científica e pedagógica nos estabelecimentos de ensino e de assegurar a sua conformidade com as finalidades e conteúdos do currículo nacional e dos programas ou orientações em vigor. Em última instância, estas medidas de análise e de certificação visam testar a adequabilidade destes instrumentos e promover, de forma rigorosa e contextualizada, o sucesso educativo nas matérias para as quais estão destinados. Esse enquadramento traduz-se num conjunto de regras que normativizam o processo de acreditação, e inclui uma moldura legal, prazos, critérios de validação, procedimentos de candidatura e formulários. Esta avaliação e certificação de manuais escolares, que pode ser prévia e/ou direccionada a textos já adoptados e em utilização nas escolas, implica a adopção de metodologias que permitam operacionalizar um determinado conjunto de procedimentos. As preocupações em torno da regulação da qualidade dos produtos pedagógicos denotam a indisfarçável centralidade que estes instrumentos de navegação didáctica assumem no seio das actividades de aprendizagem. Também por essa razão, existem hoje importantes linhas de investigação que se debruçam sobre os papéis, funções e estatutos dos manuais escolares no sistema de ensino. Em Portugal, para além de inúmeros estudos pontuais, é de realçar o trabalho rigoroso e sistemático levado a cabo pelo Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho sobre todas as questões que orbitam a esfera dos manuais escolares e, especificamente, as que dizem respeito ao ensino do 148


Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

Português. O conceito de material didáctico tenderá, naturalmente, a evoluir e a acompanhar os novos dispositivos de ensino e os recursos que a Escola disponibiliza e, sobretudo, a integrar os contributos que as T.I.C estão prontas a dar-lhe. Um material didáctico será, cada vez mais, um produto destinado ao ensino-aprendizagem, elaborado de acordo com princípios, critérios e finalidades que visam a facilitação e a eficácia pedagógica de conteúdos e a aquisição de novas competências. É também compreensível que as fronteiras deste conceito se dilatem, substancialmente, sendo consensual que a noção de material didáctico se aplique, cada vez mais, a um conjunto alargado de suportes, recursos e dispositivos capazes de mediar as actividades de ensino-aprendizagem. 2. Os manuais escolares: um suporte de conhecimentos Por entre a quantiosa produção teórica respeitante aos manuais escolares, é obrigatório destacar-se o nome de Choppin (1992) cujos estudos sobre esta matéria, estabelecem quatro dimensões principais, à luz das quais se podem analisar estes produtos. A primeira dimensão é enquanto produto de consumo, dependente das políticas educativas, da evolução demográfica e da capacidade de produção e difusão das empresas, dos contextos económicos, políticos e legislativos; a segunda, como suporte de conhecimentos escolares, emanados de um programa oficial, uma vez que ele se constitui como fiel depositário de «connaissances et des techniques dont la societé juge l’acquisition nécessaire a la perpétuation de ses valeurs et qu’elle souhaite en conséquence transmettre aux jeunes générations». Uma terceira perspectiva diz respeito ao manual enquanto veículo ideológico e cultural, que transmite um sistema de valores, uma ideologia e uma cultura determinada e, finalmente, uma quarta dimensão, enquanto instrumento pedagógico, o qual se apresenta «(...) dans son élaboration comme dans son emploi, inséparable des conditions et des méthodes de l’enseignement de son temps» (pp. 18-20). Esta concepção do livro escolar enquanto dispositivo pedagógico central no processo de escolarização (Magalhães, 1999) está patente em vários documentos que regulam as suas funções. A própria Lei de Bases do Sistema Educativo, no artº 41º-2, confere-lhe o relevante estatuto de «recurso educativo privilegiado». Ora, o documento emanado pelo Ministério da Educação e que contém os critérios de apreciação/planos de análise dos manuais escolares portugueses1, integra alguns dos princípios enunciados por Choppin (1992), nomeadamente quanto à organização, método, informação e comunicação. De facto, critérios como por exemplo: “2- Desenvolve

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uma metodologia facilitadora e enriquecedora das aprendizagens; 3- Estimula a autonomia e a criatividade; 4- Motiva para o saber e estimula o recurso a outras fontes de conhecimento e a outros materiais didácticos; 6- Contempla sugestões de experiências de aprendizagem diversificadas, nomeadamente de actividades de carácter prático/experimental; 7- Propõe actividades adequadas ao desenvolvimento de projectos interdisciplinares”, vão ao encontro da primeira dimensão enunciada por Choppin (1992), uma vez que pressupõe que este produto de consumo é orientado por políticas educativas definidas previamente, e onde se incluem os próprios conceitos de educação, de ensino-aprendizagem, de metodologia de trabalho, de valoração das componentes práticas e do envolvimento em projectos interdisciplinares. Por outro lado, aspectos respeitantes à Informação, tais como: “1- Adequa-se ao desenvolvimento das competências definidas no Currículo do respectivo ano e/ou nível de escolaridade; 5- Promove a educação para a cidadania; ou 6- Não apresenta discriminações relativas a sexos, etnias, religiões, deficiências...”, apelam visivelmente à terceira dimensão ou seja, àquela que diz respeito ao manual enquanto veículo de um sistema de valores, de uma ideologia e de uma cultura. A análise destes materiais didácticos obedece, como é observável, a distintos critérios previamente definidos e considerados fundamentais. Por essa razão, uma parte substancial dos estudos produzidos neste âmbito tenta compreender como interagem esses materiais específicos, enquanto principal recurso didáctico, junto de quem com ele mais de perto trabalha: professores e alunos e, ainda, enquanto veículos com uma determinada função e intencionalidade educativa. Na realidade, este é um dos materiais didácticos de maior duplicidade, uma vez que é válido para alunos e para professores, cumprindo assim diferentes objectivos, consoante se trate do ponto de vista de um e/ou de outro.

3. A produção de outros materiais didácticos de Português Todavia, a noção de material didáctico não se deve circunscrever nem reduzir ao manual escolar. A maioria dos professores do Ensino Básico vai sempre mais além e sente, cada vez mais, a necessidade de produzir novos materiais que traduzem de forma reflectida e consistente as suas exigências didácticas. Infelizmente, o ritmo de trabalho a que os professores estão hoje sujeitos e as solicitações de uma escola a tempo inteiro, retiram-lhes o tempo indispensável para desenvolverem materiais mais consentâneos com as suas experiências lectivas.2 Alguns estudos sobre a utilização dos livros escolares revelam-nos que muitos docentes, perante a impossibilidade de produzirem materiais originais, recorrem, amiúde, a outros manuais para além do adoptado pela escola, numa 150


Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

espiral interminável de reprodução de práticas e de rotinas pedagógicas. Não obstante essas limitações, há um número crescente de professores que insiste em produzir os seus próprios materiais. Ora, é no seguimento dessa preocupação que gostaria de enunciar, concisamente, alguns critérios adicionais e/ou específicos no tocante à produção de materiais escolares de Português para o Ensino Básico. As pistas a seguir enunciadas são, pois, resultantes do manejo de materiais didácticos destinados aos 1º e 2º ciclos do Ensino Básico e devem, portanto, ser perspectivadas neste âmbito mais restrito. Estas propostas constituem, tão-somente, uma sinopse preambular, estando, pois, incompletas quer quanto à estrutura, quer quanto à composição. Eis, pois, alguns princípios básicos que julgo serem indispensáveis à produção de materiais escolares de Português, entendendo-se por material o vasto conjunto de recursos disponibilizados aos alunos, (para além do manual escolar, dos dicionários, prontuários, gramáticas, etc.), e onde se contam as fichas de trabalho, os guiões de leitura, as actividades de compreensão de texto, de interpretação, de análise, de resumo, de reconto, e outras que povoam as práticas didácticas quotidianas dos professores destes ciclos de ensino. Por razões de coerência, e seguindo de perto a divisão adoptada pelo Ministério da Educação para os livros escolares, sugiro a seguinte tripartição dos critérios, em:

A – Estrutura e opções didácticas

B – Conteúdo

C – Forma

Assim, cada um destes domínios que compõem o material didáctico contém internamente um conjunto de critérios que importa cumprir no momento da selecção das pistas de trabalho e das opções didácticas: São eles, entre outros, os seguintes:

A – Estrutura e opções didácticas 1) Estrutura da unidade; 2) Conexões explícitas ao: Programa de Português; ao corpus representativo de leituras da Literatura para a Infância e Juventude; ao Plano Nacional de Leitura; 3) Selecção e/ou adopção de procedimentos didácticos facilitadores de: critérios de progressão; coerência da rede de conteúdos; 4) Natureza das actividades de incidência prática e/ou conceptual: desenvolvimento 151


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de estratégias de compreensão / análise / inferência / activação de conhecimentos / antecipação de conteúdos / pesquisa de conteúdos / tratamento, selecção e organização da informação, reprodução, produção, mobilização de conhecimentos prévios, localização, recolha, selecção, interpretação, etc. 5) Identificação das fontes de autoria do texto; obra; casa editora; integridade do texto (versão completa vs. adaptações); uso contextualizado de glossário; adequação do texto ao tema da unidade; 6) Objectivos específicos do material: ligação e/ou cruzamento entre as actividades propostas e as finalidades a atingir;

B – Conteúdo 1) Equilíbrio dos domínios nucleares da disciplina e desenvolvimento das competências de: • Compreensão do oral; • Expressão do Oral; • Leitura, • Escrita; • Conhecimento explícito da língua; 2) Tipos e actividades de leitura e de escrita; géneros textuais; 2) Desenvolvimento da consciência linguística dos alunos; 3) Informações biográficas e bibliográficas; 4) Cotejo das experiências pessoais dos alunos com o universo textual; 5)

Estímulo

à

autonomia,

criatividade

e

recurso

a

estratégias

de

interdisciplinaridade; 6) Intertextualidade;

C – Forma • Correcção didáctica das actividades e tarefas: modos de formulação de questões; competências envolvidas nas perguntas; riqueza das sugestões de compreensão de texto; natureza das propostas relacionadas com o CEL; • Correcção linguística dos enunciados; • Clareza, concisão e adequação das perguntas, tarefas e propostas de trabalho; 152


Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

As linhas de análise aqui expostas não assumem, obviamente, um carácter cumulativo, uma vez que a distinta natureza de cada um dos materiais didácticos depende dos objectivos, das competências a desenvolver e dos desempenhos que se pretendem atingir com as actividades sugeridas. Assim, nenhum material didáctico poderá ser tão compósito que englobe todas as sugestões e/ou opções metodológicas e conteúdos à disposição do professor. Uma das principais tarefas de quem elabora um material didáctico principia por uma selecção rigorosa e contextualizada dos aspectos que, de acordo com as finalidades, devem presidir à sua produção. Só desse modo se garante que esse recurso reúne um conjunto significativo de características que o tornam apelativo, estruturado, funcional e, sobretudo, adequado às exigências da unidade didáctica em estudo numa determinada etapa das aprendizagens.

Assim, e quanto à Estrutura e opções didácticas, considera-se que nenhuma actividade elaborada pelo professor se deve abster de preocupações respeitantes à ligação ao Programa da disciplina e ao corpus de leitura consignado pelo mesmo. Este aspecto, embora consensual, não está isento de algumas imprecisões uma vez que, por vezes, os professores (por razões distintas) elaboram alguns materiais tendo como campo de referência outros já existentes, emulando a sua estrutura sem, todavia, prestarem atenção mais detalhada ao documento orientador que regula e orienta as práticas: o Programa de Português. Este dado é tanto mais relevante quanto sabemos os perigos em que a navegação pedagógica incorre quando o trabalho de orientação é realizado através da aproximação exclusiva aos manuais e do afastamento das linhas programáticas, como referem Zabalza (1992) e Aran (1996).3 É por essa razão que a produção de qualquer material de Português está sempre dependente da consulta prévia do documento matricial que estabelece as competências, os objectivos e os conteúdos para determinado ano de ensino. É ainda essencial que o professor se deixe conduzir por critérios de elevada qualidade na selecção dos textos que servem de suporte aos materiais didácticos, devendo escolher, sempre que as finalidades assim o exijam, enunciados representativos da literatura para a infância e juventude e outros textos de reconhecido mérito literário, por entre a vasta oferta de clássicos portugueses e/ou estrangeiros. Parte substancial dessa tarefa está hoje bastante facilitada pela base de dados disponibilizada pelo Plano Nacional de Leitura que, sem dúvida alguma, constitui uma acervo valioso e imprescindível a professores, alunos e encarregados de educação. 153


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De igual modo, parece-me relevante que o professor principie por um trabalho de planificação, ainda que básica e sucinta, permitindo assim que o material produzido siga orientações precisas relativamente às metodologias de estudo e de trabalho, aos procedimentos didácticos que põe em jogo, como é o caso, por exemplo, de critérios de progressão nas actividades de compreensão de texto, de interpretação, de desenvolvimento das competências e/ou de conhecimento explícito da língua, de coerência e de adequação dos conteúdos declarativos em causa, e mesmo da tipologia das actividades sugeridas, quer se trate de inferências, de conclusões, de comentários, de interpretação, de análise, de reprodução, etc. Outro aspecto primordial que durante muitos anos foi, não raro, negligenciado (por desconhecimento e/ou descuido ou, ainda, por pretensa comodidade didáctica) diz respeito a questões de identificação de autoria dos textos transcritos, e à sua integridade, por vezes muito truncada e/ou adaptada. Esse desvirtuamento, para além de fragilizar a integridade textual, adultera também os níveis de compreensão dos enunciados e estrangula a sua coesão interna, retirando-lhe e/ou comprometendo, tantas vezes de modo severo, as suas identidade e/ou estrutura e intencionalidade comunicativa. Essas amputações contribuem ainda para a opacidade dos esquemas narrativos e estruturais que os textos encenam e inviabilizam, consequentemente, a construção de sentidos por parte dos alunos. Esta inquietação está hoje, aliás, manifestamente presente nos Programas de Português do Ensino Básico que, sobre esta matéria, aconselham o uso de versões integrais4, desaconselham as adaptações e prescrevem critérios de rigor na adopção, escolha e selecção de textos de autor. Creio ainda que muitos textos, sejam eles ponto de partida ou de chegada para as actividades desenvolvidas, carecem por vezes de pequenos glossários que devem ser encarados pelos professores como preciosos auxiliares didácticos não apenas do seu trabalho mas, sobretudo, do desenvolvimento e enriquecimento lexical dos alunos, em especial junto das faixas etárias mais jovens. Esta opção metodológica não invalida outros procedimentos de trabalho igualmente legítimos, como é o caso da consulta de dicionários, de prontuários, e/ou a realização de outras tarefas que envolvam maiores componentes de pesquisa de informação, como por exemplo, o uso das tecnologias de informação e de comunicação. Mais uma vez, essas decisões didácticas estão nas mãos do professor e devem ser tomadas em função das finalidades e das metodologias que melhor servem o material em causa. Por último, e ainda sobre este aspecto, importa salientar que a harmonização interna do próprio material ganha também com a adequação do tema do texto à unidade e/ou ao

154


Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

conteúdo em apreço. Convém, portanto, (salvo excepções noutro sentido) um assinalável padrão de coerência entre os temas do texto, as actividades propostas, as sugestões temáticas no domínio da produção escrita, de modo a que se efectivem realmente as aprendizagens essenciais. Só dessa forma o professor terá garantias de que as actividades que propõe estão em sintonia com os descritores de desempenho previstos e em alinhamento com as competências que pretende fomentar com os referidos exercícios. No que toca ao plano do Conteúdo, merece redobrada atenção o equilíbrio das competências nucleares da disciplina que constituem, por assim dizer, as traves-mestras de todas as actividades de ensino-aprendizagem: a Compreensão do oral; a Expressão do Oral; a Leitura, a Escrita e o Conhecimento explícito da língua. Com a finalidade de produzir materiais de estrutura e composição diversificadas convém que o professor enriqueça as propostas, lançando mão de actividades diversas e pertencentes a domínios e competências distintas, possibilitando, assim, o enriquecimento das tarefas que os alunos levam a cabo. Outro lugar de destaque vai para os tipos de actividades que os materiais solicitam, nomeadamente as de leitura e de escrita que devem assumir uma inquestionável centralidade, primando pelo justo equilíbrio e concorrendo para o desenvolvimento da consciência linguística dos alunos e para o reforço das estratégias de enriquecimento vocabular, entre outras finalidades. Julgo ser também relevante nestes dois ciclos de ensino a familiarização gradual com aspectos (breves mas elucidativos) de natureza biobibliográfica dos autores em estudo, bem como de sugestões de outros textos e/ou obras por eles produzidos. Este hábito, simples e didacticamente apurado, incutirá nos alunos, de modo gradual, a noção de património literário e cultural - um valor de referência capital em qualquer sistema de ensino. Por fim, importa mencionar ainda um outro critério de presença obrigatória e que diz respeito à autonomia dos alunos. Visando esse objectivo, os professores devem incentivar a realização de tarefas que apelem à criatividade, ao cotejo do mundo do aluno com as referências textuais e, obrigatoriamente, ao cruzamento com outros saberes disciplinares.5 Esse desígnio, de que o Programa de Português faz particular eco, comporta uma opção didáctica de enorme rentabilidade, uma vez que permite um alargamento de competências que ultrapassam, significativamente, a rede de conteúdos e de desempenhos no âmbito do Português. É conveniente, pois, que o professor habitue os seus alunos a actividades de índole comparativa, a tarefas que envolvam raciocínios lógicos mais elaborados, a empreitadas 155


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de crescente complexidade intertextual, dando assim os primeiros passos para um trabalho que conhecerá outras etapas nos ciclos de ensino seguintes. No plano da Forma, convém realçar o cuidado e o rigor que devem presidir à elaboração destes materiais e onde pontificam, certamente, o aperfeiçoamento didáctico das tarefas, a correcção linguística dos enunciados, a precisão terminológica, a objectividade, a concisão e a clareza das questões formuladas, a ausência de sentidos dúbios, de formulações equívocas, e outras imprecisões que afectam a comunicação pedagógica e podem comprometer seriamente a nitidez dos materiais escritos. Nunca poderemos perder de vista que há diferentes competências que estão envolvidas em cada uma das perguntas e que elas se traduzem numa pluralidade de registos que importa respeitar, como é o caso das que tocam a compreensão de texto, a produção escrita ou o desenvolvimento de conhecimento explícito da língua. A terminar, convém ressalvar três aspectos importantes: o primeiro é que as sugestões aqui enunciadas devem ser tidas como meros contributos para a produção de materiais didácticos e, sobretudo, como pontos de partida para estudos mais aprofundados que tipifiquem, num registo de maior detalhe, as componentes necessárias à organização, elaboração e produção destes utensílios. A especificidade, os objectivos e as competências envolvidas em cada um deles ditarão, sem dúvida, o modo como são estruturados. O próprio género textual condicionará os respectivos estudos e abordagens, bem como a maturidade de leitura e de escrita dos alunos a que se destinam os referidos materiais. A segunda ressalva diz respeito à avaliação. Como se conclui destas palavras, excluí intencionalmente destas considerações os efeitos e os propósitos que muitos dos materiais cumprem neste aspecto. É consabido que uma parte substancial destes instrumentos visa finalidades respeitantes à avaliação das aprendizagens, quer em modelos formativos, quer finais e, desse modo, fornecem dados cruciais a professores e a alunos sobre a aquisição e desenvolvimento de competências e de desempenhos. Todavia, e dada a especificidade dessas metas e atendendo ao facto dessa componente envolver considerações que orbitam outras esferas de análise - que fogem ao âmbito restrito destas reflexões - optei por não as ponderar neste sucinto artigo. Por último, não foram contempladas as preocupações com aspectos gráficos dos materiais, nomeadamente o uso de ilustrações que, neste ciclo de ensino, se reveste de particular importância. As apreciações sobre a natureza e as funções desses componentes, apesar de relevantes, desbordavam também os limites estreitos desta breve análise. A finalizar, convém destacar que, cada vez mais, a produção de materiais didácticos será uma prioridade em todos os níveis de escolaridade, e no Básico em particular, não só pela 156


Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

eficácia que eles podem trazer ao ensino-aprendizagem, mas também pela possibilidade de personalização que confere às estratégias e tarefas didácticas do professor. A estrutura, composição e opções metodológicas adoptadas nos materiais conhecerá sempre remodelações constantes, não só pela multiplicidade de literacias envolvidas actualmente no ensino mas, também, pelas potencialidades dos novos suportes electrónicos, como é o caso do software educativo que, a breve trecho poderá revolucionar a forma como encaramos e produzimos materiais escolares. Numa época em que se começam a dar os primeiros passos nos manuais em linha6, a produção de materiais didácticos enveredará por novos caminhos e abraçará desafios que, como habitualmente, deverão ser percorridos quer por alunos, quer por professores. Ora, ambos os intervenientes no processo educativo constituem parte interessada e são, em simultâneo, os que mais podem beneficiar com a rentabilidade destes recursos de estudo e de aprendizagem.

Bibliografia Apple, M. (2002). Manuais escolares e trabalho docente. Uma economia política de relações de classe e de género na educação. Lisboa: Didáctica Editora. Aran, A. P. (1996). Materiales curriculares – cómo elaborarlos, seleccionarlos y usarlos. Barcelona: Graó. Bento, M. C. L. (1999). Concepções de alunos e professores sobre o manual escolar de língua materna. In R. V. Castro, A. Rodrigues, J. L. Silva & Mª L. Sousa (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Actas do I encontro internacional sobre manuais escolares (pp. 107-113). Braga: Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho. Castro, R. (1999). Já agora, não se pode exterminá-los? Sobre a representação dos professores em manuais escolares. In R. V. Castro et al. (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Actas do I encontro internacional sobre manuais escolares (pp.189-196). Braga: Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho. Choppin, A. (1992). Les manuels scolaires. Histoire et actualité. Paris: Hachette. Choppin, A. (1999). Les manuels scolaires- de la production aux modes de consommation. In R. V. Castro et al. (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Actas do I encontro internacional sobre manuais escolares (pp. 3-18). Braga: Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho. Dionísio, M. T. (2000). A construção escolar de comunidades de leitores. Leituras do manual

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exedra • nº 2 • 2009

de Português. Coimbra: Almedina. Magalhães, J. (1999). Um apontamento para a história do manual escolar – entre a produção e a representação. In R. V. Castro et al. (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Actas do I encontro internacional sobre manuais escolares. Braga: Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho. Ministério da Educação, (2009). Programas de português do ensino básico. Lisboa: M. E. Raduan, M. & Trindade, C. (2007). The internet meets the classroom. New Routes. São Paulo: Disal. p.26-27. Soares, M. B. (1996). Um olhar sobre o livro didático. Belo Horizonte: Presença Pedagógica Tormenta, J. (1996). Manuais escolares. Inovação ou tradição? Lisboa: Instituto de Inovação Educacional. Zabalza, M. (1992). Planificação e desenvolvimento curricular na escola. Porto: Asa.

(Notas) 1

Vd. Grelha do Ministério da Educação

1) Organização e Método • Apresenta uma organização coerente e funcional, estruturada na perspectiva do aluno; • Desenvolve uma aprendizagens;

metodologia

facilitadora

e

enriquecedora

das

• Estimula a autonomia e a criatividade; • Motiva para o saber e estimula o recurso a outras fontes de conhecimento e a outros • materiais didácticos; • Permite percursos pedagógicos diversificados; • Contempla sugestões de experiências de aprendizagem diversificadas, nomeadamente • de actividades de carácter prático/experimental; • Propõe actividades interdisciplinares.

adequadas

ao

desenvolvimento

de

projectos

2) Informação • Adequa-se ao desenvolvimento das competências definidas no Currículo do respectivo

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Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

• ano e/ou nível de escolaridade; • Responde aos Curriculares;

objectivos

e

conteúdos

do

Programa/Orientações

• Fornece informação correcta, actualizada, relevante e adequada aos alunos a que se • destina; • Explicita as aprendizagens essenciais; • Promove a educação para a cidadania; • Não apresenta discriminações relativas a sexos, etnias, religiões, deficiências, ... 3) Comunicação • A concepção e a organização gráfica (Caracteres tipográficos, cores, destaques, • espaços, títulos e subtítulos, etc.) do manual facilitam a sua utilização e motivam o • aluno para a aprendizagem; • Os textos são claros, rigorosos e adequados ao nível de ensino e à diversidade dos • alunos a que se destinam; • Os diferentes tipos de ilustrações (Fotografias, desenhos, mapas, gráficos, esquemas, • etc.) são correctos, pertinentes e relacionam-se adequadamente com o texto. 4) Características materiais • Apresenta robustez suficiente para resistir à normal utilização; • O formato, as dimensões e o peso do manual (ou de cada um dos seus volumes) são • adequados ao nível etário do aluno; • Permite a reutilização.

2

Cf. Apple (2002): “(...) o trabalho da classe docente está a tornar-se, cada vez mais,

naquilo que os estudiosos do processo laboral denominam intensificado. Cada vez mais obrigações a cumprir, cada vez menos tempo para o fazer. Deste modo, existem poucas hipóteses para além de escolher material já preparado (...). 159


exedra • nº 2 • 2009 3

Este aspecto tem sido frequentemente referido em estudos sobre os manuais

escolares, como é o caso, por exemplo, de Zabalza (1992) que concluiu que, quando planificam, os professores não trabalham directamente com os programas mas sim com os manuais. São eles que procedem à estruturação das aulas. Aran (1996) afirma mesmo que «se estima que los libros de texto llegan a condicionar de manera importante el tipo de enseñanza que se realiza, ya que muchos enseñantes lo utilizan de manear cerrada, sometiéndose al currículum específico que

se

refleja

en él, tanto en lo que se refiere a los contenidos de aprendizaje como a la manera de enseñarlos» (p. 35). 4

Ministério da Educação, (2009), Programas de Português do Ensino Básico.

Lisboa:M.E., pp.62. 5

idem, pp. 68-69: “Os professores deverão aproveitar as outras áreas para, numa

perspectiva transversal, trabalhar a língua portuguesa. Os enunciados matemáticos, os textos expositivos da área de estudo do meio, entre outros, são exemplos excelentes para desenvolver competências de leitura e escrita”. 6

Veja-se a iniciativa recente do grupo editorial Leya que desafiou os professores

a participarem na elaboração de quatro manuais escolares através de um portal na Internet. O projecto, designado «Manual Escolar 2.0» visa a criação em linha de quatro livros escolares que serão editados para o ano lectivo 2010/2011, com o contributo dos professores. No portal www.manualescolar2.0.sebenta.pt estão disponíveis quatro áreas distintas correspondentes aos manuais escolares de Matemática, Ciências da Natureza, História e Geografia de Portugal, todos do 5º ano de escolaridade, e Português, do 7º ano.

Correspondência Pedro Balaus Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 Coimbra balaus@esec.pt

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c o m u n i c a ç ã o Cláudia Andrade

e

c i ê n c i a s

e m p r e s a r i a i s

• Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees Cláudia Andrade

College of Education - Polytechnic Institute of Coimbra Marisa Matias

Faculty of Psychology and Education - University of Porto Abstract Challenging the assumption that work and family are incompatible, a growing body of studies focuses the positive relationships between these two roles. The present research is an exploratory study aimed at examining whether work characteristics (flexible supervision, job-loss risk and work satisfaction) are associated with workfamily facilitation (WFF) and enable positive family outcomes (couple constructive problem solving and lower levels of family stress). Using data from the EU FamWork Project (Portuguese Employees N = 306), this study examined work-family facilitation models in male and female full-time employees with young children. Results indicated that flexible supervision has a direct effect on work-family facilitation and job security has an indirect effect (via work satisfaction) on work-family facilitation, only for female employees. Results also offered support for the relation between work-family facilitation and positive familial outcomes (couple constructive problem solving and lower levels of family stress) for women. Men´s model was very modest and only flexible supervision was a predictor of work-to-family facilitation. Furthermore, no relations between work-to-family facilitation and positive individual outcomes were found in men´s group. Gender variations in the models suggest the importance of this variable for future work-to-family facilitation research agenda. Key-Words Work-to-family facilitation, Gender, Employees Sumário Apesar da maioria dos estudos sobre as relações trabalho-família centrar a sua análise nas interferências negativas entre o papel profissional e o papel familiar, cada vez mais estudos têm vindo a focar os aspectos positivos que podem advir da participação nas duas esferas. Este estudo, de carácter exploratório, procura analisar em que medida os aspectos associados ao papel profissional (flexibilidade na supervisão, ameaça de perda de emprego e satisfação profissional) contribuem para a ocorrência da facilitação trabalhofamília. Procura-se também analisar em que medida a facilitação trabalho-família tem 161


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um impacto no indivíduo ao nível do exercício do seu papel familiar (capacidade de resolução construtiva de problemas no casal e redução do stress familiar). Partindo dos dados da amostra portuguesa (n=306, profissionais a tempo inteiro com filhos em idade escolar) do Projecto Europeu Famwork este estudo analisou, separadamente para homens e mulheres, os modelos de facilitação trabalho-família. Os resultados indicam que tanto para homens como para mulheres, a flexibilidade na supervisão tem um efeito directo na facilitação trabalho-família e que a ameaça de perda de emprego tem um efeito indirecto (via satisfação profissional), embora apenas para o grupo feminino. Os resultados também apoiam a relação entre a facilitação trabalhofamília e efeitos positivos ao nível familiar, mas apenas para o grupo feminino. O modelo masculino apresenta resultados bastante modestos: por um lado, a flexibilidade na supervisão é o único antecedente da facilitação trabalho-família; por outro lado, a facilitação não está associada a qualquer efeito nas variáveis familiares. Não obstante, as variações em função do género nos modelos de facilitação trabalho-família reforçam a importância de se considerar esta variável na investigação sobre as relações positivas entre papéis profissionais e familiares. Palavras-Chave Facilitação trabalho-família, Género, Trabalhadores

Conceptual background Work and family represent two of the most central roles of an adult life. Therefore, work-family relations have been identified as a priority area of research with direct links with both policies and practice (Gutek, Searle & Klepa, 1991; Grzywacz & Marks, 2000). The ability to balance work and family life is related with work and non-work demands, with the availability of resources to deal with this balance and with the flexibility of these two areas of life. Research, in recent years, has suggested that work-family relations may be moderated by factors associated to “family friendly” workplaces as well as strategies used by individuals to cope with work and non-work demands. The most frequently used concept to describe the interface between work and family is work-family conflict or negative spillover. In fact, work-family literature has been dominated by the role strain perspective. This perspective assumes that the demands from different and separate domains compete with each other in terms of time, physical energy, and psychological resources (Greenhaus & Beutell, 1985). In this line of reasoning, spillover literature often focus on negative work-to-family spillover, such as the transfer of bad moods, low energy and fatigue from the work environment to the family (workto-family spillover) or, in turn, examines negative family-to-work spillover, where family problems interfere with work performance (Frone, Russel & Cooper, 1992; Frone, 162


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Yardley & Markel, 1997). However, spillover is not necessarily a negative phenomenon. A growing body of studies is focusing on the positive relationships between paid work and family life, challenging the assumption that these roles are irreconcilable. These studies suggest that work and family domains may enhance one another and lead to positive outcomes, especially if one domain provides resources such as social support and skills that can be used to address demands in the other domain (Sieber, 1974; Tompson & Werner, 1997). This process has been labelled as work-family facilitation (Frone, 2003). Work-family facilitation highlights the role of experiences, skills and opportunities driven or developed at workplace that enhance home life (Frone, 2003; Grzywacz & Marks, 2000; Voydanoff, 2004). Grzywacz & Marks´ (2000) model of workfamily facilitation is grounded on ecology theory (Brofenbrenner, 2005), which states that facilitation occurs due to both contexts and individual characteristics. As far as context is concerned, Grzywacz & Butler (2005) found that work-family facilitation is enabled by environmental resources, more precisely by individual’s work arrangements. Thus, family friendly policies and supervisor support at workplace can promote organizational resources such as time, flexibility and recognition of family needs, as well as psychological resources such as self-acceptance (Grzywacz & Butler, 2005). Therefore, in line with Hill (2005), both a general supportive organizational environment and supervisor support may increase the amount of resources available for positive spillover between work and family. Despite work-family research primary focus on contextual and environmental factors, individual differences in the way people balance work and family cannot be ignored (Parasuraman & Greenhaus 2002). Namely, satisfaction with work performance is a key variable in the analysis of work and family relations. Work satisfaction is commonly typified as an outcome of the spillover process. However, individuals who are satisfied with their professional role perceive it as meaningful for their self esteem and may, therefore, assign resources from this role to the family. Moreover, individuals satisfied with their professional role may feel positively energized and transfer more often their skills and humour in a positive way to the family role. In sum, both contextual and individual factors play a role in the work-family facilitation process. This exploratory study aims to test the influence of the organizational contextual factors such as flexible supervision and individual factors, such as work satisfaction and perception of work strain, in the prediction of work-family facilitation. Moreover, work-family facilitation will be considered as a mediator variable between work and family variables. Therefore, outcomes associated to the family role are also considered, such as constructive problem solving and perception of family stress.

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Gender influences Work and family are two domains with strong gender connotations. Thus, men and women may perceive and react differently to the work-family interface. Gender role ideology often assigns family responsibilities to women and ascribe men to the breadwinner role. Nevertheless, work to family negative spillover is usually stated as a women’s concern. Women’s wide integration in the labor market carried them more role overload, since they are expected to add their family responsibilities to their professional role. As a result, it is more difficult for them, than for men, to reconcile work and family life (Milkie & Peltola, 1999). These gender differences on inter-role conflict may also be expected regarding facilitation. However, studies focused on gender differences in the work-family facilitation process are scarce and present inconsistent findings: some studies find that women perceive more inter-role positive transfers than men (Aryee, Srinivas & Tan, 2005; Grzywacz & Marks, 2000; Grzywacz, Almeida & McDonald, 2002; Marshall & Barnett, 1993) and others do not find any gender differences (Hill, 2005; Kirchmeyer, 1992). Additionally, some other studies have found that workplace resources are related to work-family facilitation for both, men and women (Grzywacz & Butler, 2005). To sum up, the differential impact of gender on work-to-family facilitation process is not well established. In our theoretical model (Figure 1), based on Voydanoff’s (2004a) approach, work variables are expected to have indirect effects on individual outcomes and a direct effect on the perception of work- to-family facilitation. Thus, our aim is to test whether work characteristics (flexible supervision and job security) and work satisfaction are associated with work-family facilitation (WFF) and if WFF enables positive family outcomes (couple constructive problem solving and lower levels of family stress).

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Figure 1: Theoretical model to be tested We consider gender as a social category that may have effects on work-family facilitation. Thus separated models for men and women will be tested. Each hypothesized relationship is represented by an arrow in the model and the direction of the relationship is shown by the sign. The entire model is one system, and the path coefficients will show the relative strength and significance of each hypothesized relationship.

Method Sample and procedure The sample is composed of Portuguese dual-earner couples that took part in ‘‘FamWork - Family Life and Professional Work: Conflict and Synergy,’’ an European Research Project carried out between 2003 – 2005 2. Several criteria were set up prior to recruiting the couples: (1) both partners should be willing to participate in the study, (2) both partners should be living together, (3) both partners should work at least 15 hours per week, (4) the partners should have at least one child in the age of one to five, and (5) the oldest child in the family should not be older than 12 years. Respondents filled in a questionnaire at their homes and delivered it directly or by e-mail to the research team. The sample used in this study is composed by 306 individuals, with a mean age of 35 years and a relationship mean duration of 12 years. The maximum number of children is 4 (just one case) and the modal number is 2. The modal level of education was an university degree (67,8%). Individuals work, in average, 49 hours per week, including overtime and commuting time. Men work in average more 9 hours than women.

Measures 3 Work to family facilitation (WFF) is the extent to which an individual’s participation in the family life is made easier by the skills, experiences, affects and opportunities gained through the participation in the professional role. It was assessed using Grzywacz & Marks (2000) 3 items scale: a) “The things you do at work help you deal with personal and practical issues at home.”; b) “The things you do at work make you a more interesting person at home.”; c) “The skills you use on your job are useful for things you have to do at home” (α=.58). The subject has to rate each item on a 5-point rating scale. 165


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Constructive problem solving refers to a positive style of marital conflict resolution. The participants are given a list of behaviour patterns and are asked to estimate how their partner is behaving in conflict laden situations. The scale is composed by 4 items assessed in a 6 point rating scale ranging from “never” to “ever”. (sample item: “He is negotiating and makes compromises”) (α=.64). Family stress reflects strains associated to the familial role, namely regarding parent-child relationship. The scale is composed by 4 items on a 6-point rating scale with the two end poles “ever” and “very often”. (sample item: “Difficulties in coming to terms with each other”) (α=.69). Work satisfaction reports to positive experiences in the participants’ work life. It is composed by 3 items on a 6-point rating scale ranging from “not at all applicable” to “absolutely applicable” (sample item: “My professional work adds to my personal fulfilment.”) (α=.84). Flexible supervision addresses how individuals perceive their workplace as family friendly with a focus on the supervisor support. The scale includes 3 items on a 6-point rating scale with the two end poles “not at all applicable“ and “absolutely applicable“. (sample item: “My supervisor is considerate and understanding concerning my family situation (e.g. when splitting up work or vacations times, etc.)”) (α=.82). Job-loss risk is assessed by an item that refers to the degree of work strain associated to the threat of loosing the job.

Results Descriptive analyses Descriptive analyses and significant differences between the groups according to gender are presented in Table 1. Men and women differ in their level of work satisfaction (F(1,305)=6,78; p<.01) and in their perception of family stress (F(1,305)=10,53; p< .01). Men feel more satisfied with their professional role while women perceive themselves as being more burdened with family strains. There were no gender differences in the degree of work-family facilitation. It is interesting to note that the majority of the individuals in our sample do not perceive a higher level of facilitation between their work and their family role (mean value, for both men and women, is below scale midpoint - mean <3). The remaining variables, flexible supervision, perception of job-loss risk, and constructive problem solving do not present any significant difference according to gender. 166


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Table 1: Descriptive statistics for all variables Women (n=153)

Men (n=153)

Total (306) M

sample

Variables 1. Work satisfaction** 2. Flexible supervision

M 4,25 3,30

SD 1,01 1,42

M 4,54 3,32

SD 0,96 1,40 1,47 0,82

4,40 3,31 1,99 2,48

1,00 1,41 1,40 0,82

3. Job-loss risk 4. Work-family facilitation

1,86 2,43

1,31 0,81

2,13 2,53

5. Couple problem solving

3,65

0,98

3,63

0,90

6. Family stress**

3,17

0,94

3,64

0,94

2,83

0,84

3,00

0,91

SD

Note: ** p<.01

Path analyses The software AMOS (version 7.0) was used to estimate the causal model as a saturated design with all early variables modelled (flexible supervision, job-loss risk and work satisfaction) as having effect on all variables found on the second stage of the model (work-family facilitation, couple problem-solving and family stress) (see Figure 1). All measurement and structural parameters were estimated using maximum likelihood method. The fit of the hypothesized theoretical model to the observed data was tested with four indices, including the chi-square statistic (χ 2), the goodness-of-fit index (GFI); the adjusted goodness-of-fit index (AGFI); the comparative fitness index (CFI) and the root mean square error of approximation (RMSEA). The results indicate that the overall model fit indexes are satisfactory (table 2).

Table 2: Fit indices for Women´s and Men´s models of work to family facilitation χ 2 /df

p

GFI

AGFI

CFI

RMSEA

Model Men

1.581

.136

.97

.94

.87

.06

Women

1.418

.165

.97

.94

.91

.05

Note: χ 2/df, chi-square/degrees of freedom ratio; GFI, goodness of fit index; AGFI, adjusted goodness-of-fit index; CFI, comparative fit index; RMSEA, root mean square error of approximation.

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Both men’s and women’s models fit the data well (χ 2 /df value is considered as good) and the indices of adjustment are also satisfactory. Men’s model clearly separates the work and family domain. Thus, WFF did not showed a mediation effect between work and family, contrarily to what was expected. Furthermore, only two direct paths were found between flexible supervision and work satisfaction and flexible supervision and WFF. In women’s model, flexible supervision has a direct influence on WFF and low jobloss risk has an indirect effect on WFF through work satisfaction. Additionally, it was found a direct effect of WFF on couple constructive problem solving which, in turn, has a direct effect on family stress. For women’s model, the WFF hypothesized meditational effect was found.

Discussion and implications This exploratory study, aimed to have a better understanding about work-family facilitation by analyzing how work experiences facilitate family performance among Portuguese employees and to compare this experience in men and women. A first remark must be drawn about the small prevalence of work-family facilitation in our sample. It seems that individuals do not perceive their work as a facilitator of their family performance. In fact, family and work issues addressed at a policy level have mainly focused on the minimization of negative influences that one domain can exert in the other. As a consequence, there has been a limited focus on factors that can promote positive relations between work and family. Thus, this preliminary result points out that work-family policies and programs should address more how work can benefit family life and foster more supportive and positive work environments. The finding that flexible supervision contributed to work-to-family facilitation and to work satisfaction is consistent with previous research (Grzywacz & Marks, 2000; Hill, 2005). Supervisory support is positively related to work-family facilitation because it enhances a family supportive work environment or culture (Kossek and Ozeki, 1998). As a consequence, it might help individuals cope better with family issues (Voydanoff, 2004). If we take into account that women are the major responsible for childcare and family tasks, it may help explain why this resource (supervisor support) was only relevant for them. In fact, women are usually the ones that have to cope with the majority of family responsibilities (the mediation effect of work-to-family facilitation was only found for the women’s model).

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Another environmental feature of the workplace was the strain associated to the threat of losing the job that showed a negative path to work satisfaction. In fact, it seems that the more women perceive their job is at stake, the less satisfaction they derive from it. This result can be easily understood if we consider that being emerged in an insecure work environment impacts individual’s sense of personal fulfilment and, therefore reduces work satisfaction. Surprisingly, this result was only found for women. Somehow it seems that women are more sensitive to the risk of losing their jobs. Statistically, when it comes to unemployment, women tend to lose their jobs more often than men and tend to be in that situation for a longer time (women have higher long term unemployment rates than men) (Guerreiro & Abrantes, 2007). In spite of this fact, a methodological reason should also be considered. The work-family facilitation scale presented a low reliability coefficient that could have limited its power to assess the facilitation process on men. Women’s model showed a direct effect of work-family facilitation and familial outcomes. Furthermore, work family facilitation had a direct effect in positive conflict resolution styles which, in turn, buffered the family stress levels. Following Edwards & Rothbard (2000), we could argue that positive moods (like work satisfaction) enhance cognitive functioning, increase task activity, and promote positive interactions with others, each of which facilitates role performance. Furthermore, this relationship can be explained via the main processes of self-concept formation, where occupational achievements enable favorable appraisals from others that can impact positively in the couple dynamics (Gecas, & Seff, 1990). Nevertheless, since work-family facilitation and familial characteristics were not related in the men’s subsample, it remains unknown whether these work experiences can be gained by Portuguese men and how they affect their individual and family performance. The result that work-family facilitation was a mediator variable only for women seems to suggest that men tend to segment their role engagements more than women. Women’s work force participation does not imply that they are less involved with their family. In fact, it is often expected that they are able to integrate work and family participation. As a consequence the process of transferring resources from work to the family may be more easily done by women than by men. Despite its exploratory nature some limitations of this study should be mentioned. The associations between the predictors and work-family facilitation were not very strong, may be due to a low reliability coefficient of the work-family facilitation scale. According to Hill (2005), measures of work-family facilitation are not as well developed or tested as the ones for work-family conflict. Thus, an obvious research implication is the need to develop strong measures of work-family facilitation. Conceptually, while the present study included only work characteristics as predictors 169


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of work-family facilitation, there are a number of other variables that could influence this process, namely family related ones. Work-family relations can, indeed, benefit from a sense of fulfilment with the familial roles. In fact, most of the analyses focused on the work domain tend to ignore outside forces or extra-organizational factors that can have an impact on the performance of the professional role. Moreover, individual, familial and organizational outcome variables such as well-being, marriage satisfaction, satisfaction with the parental role, organizational commitment and performance should also be considered. Hence, future research is encouraged to test a more complete model, namely using data from EU FamWork Project. Finally, in-person semi-structured interviews may help investigate how men think about their workplace arrangements in order to have a better understanding of the unpredicted results. In spite of these limitations, the goal of this study was to test whether work characteristics’ were associated with work-family facilitation and if facilitation worked as a mediating variable between the work and family sphere. The results found, encourage future research using larger samples and bidirectional models of influence in order to have a better knowledge of this process.

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• Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

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Notes 1) An early version of this paper was presented in the Conference of the Institute of Work Psychology, Work, Well-being and Performance: New Perspectives for the Modern Workplace, University of Sheffield, 19-20 of June 2008, Sheffield, UK, with a grant support from ESEC. This grant is gratefully acknowledged. 2) EU Famwork Project was developed within a consortium of 9 European countries (Austria, Belgium, Finland, France, Germany, Italy, Portugal, Switzerland, The Netherlands). 3) All measures were developed by EU Famwork Research Teams, unless referred otherwise.

Correspondência Claudia Andrade Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 Coimbra, Portugal mcandrade@esec.pt

Marisa Matias Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200-392 Porto, Portugal marisa@fpce.up.pt

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