Chile incognito

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Estou observando o Rio Itata com uma taça de Cinsault 2009 nas mãos. Desde o alto vejo o rio como um rastro prateado se perde entre as serras e colinas por 20 quilômetros antes de chegar ao pacifico e misturarse com mil rios que algum dia regressarão como neve na Cordilheira dos Andes, e assim o ciclo voltará a se repetir. Sei que uma pequena porção deste rio ficará em minha taça, sei que uma pequena porção de sol que banha o vale e nestes meses, recém terminada a vendimia sentimos saudades em cada manhã fria, também ficará na minha taça e nas outras tantas que receberão esta mensagem. Então penso em todas as pessoas do mundo que nem sequer sabem que o Itata existe, nem imaginam que inclusive mais ao sul do Bíobío existem vinhedos, vinhedos e pessoas lutadoras, teimosas, perseverantes.

Um viajante chileno disse que nas fronteiras é onde ocorre o interessante, onde pode-se saborear a vida em toda a sua riqueza. E as fronteiras mudam, se movem, se fusionam culturas ancestrais e estrangeiras, plantas e animais e sobretudo, maneiras de entender a vida, babel de costumes e tradições, onde tudo ocorre. Nesta edição especial de Chile Incógnito, convido vocês s conhecer a fronteira vitivinicola do Chile, a região do Sul, o Valle Del Itata.

Chile Incógnito é uma publicação de difusão informativa de Acabodemundo Ltda, e suas empresas Viñas Inéditas e Furrimahuida Unlimited Tours.


O sol, o ar e a água. Podemos resumir assim os insumos necessários para fazer um bom vinho. Suficiente sol para alimentar as plantas e que estas realizem a fotossíntese utilizando o dióxido de carbono disponível no ar. O carbono é transportado pela seiva da planta desde as folhas aos cachos que concentram grande quantidade de açucares que ao colher-los serão fermentados e transformados em álcool e outros produtos secundários. Esta mistura final se chamará vinho. Quanto perdemos? Quanto é que realmente sai do campo uma vez engarrafado o vinho? Os engaços, as peles e as sementes das uvas são separadas do vinho durante o processo e podem ser reincorporadas ao campo como abono orgânico, fixando o carbono que retém nas suas paredes celulares em forma de húmus. As borras produzidas durante o processo são filtradas e reincorporadas ao campo como matéria orgânica compostada, incorporando uma grande quantidade de microorganismos, fermentos e bactérias., que contribuem a humificar outros materiais mais

resistentes, como engaços e material de poda. A madeira da poda e as folhas também são reincorporadas ao solo capturando carbono e contribuindo para a conservação da "biota" ou matéria orgânica viva do solo. Basicamente extraímos do campo somente uma mistura de água e álcool mais uma quantidade insignificante de sais minerais, polifenóis e ácidos orgânicos. É um ciclo quase perfeito: Cedo ou tarde a água voltará ao seu ciclo natural e a energia do sol é inesgotável. O resto dos materiais permanecem no campo, melhorando o solo, capturando dióxido de carbono, extraindo minerais profundos para deixar disponível na superfície, perto de outras plantas e animais, incorporando microorganismos vivos ao solo e sustentando um micro ecossistema complexo de animais e plantas que não imaginamos que possam existir e depender de uma taça de vinho. Por isso podemos dizer que um vinhedo orgânico ou inclusive em processo de certificação orgânica como os de Viña Rio Itata é um dos cultivos mais sustentável desde a perspectiva do meio ambiente e talvez o mais orgânico dos alimentos. Viña Rio Itata é uma das vinhas associadas a Viñas Inéditas.


Este ano a vindima no Fundo la Huerta foi antecipada, como em quase todos os vales do Chile, a mudança climática está adiantando gradualmente a data da colheita. A conformação dos vinhedos em terraço do Fundo la Huerta permite ter situações bem diferenciadas. O primeiro terraplenagem é a que dá origem ao Cabernet Sauvignon Reserva, está conformado por solos graníticos que formam parte do complexo da cordilheira da costa, tem exposição noroeste e recebe somente a água da chuva para regadura. A colheita deste vinho foi realizada nos primeiros dias de abril e fermentou-se em lagares abertos onde se realizaram "pisoneos" manuais complementados com delestages, com uma maceração total de 12 dias, melhorando a extração de Polifenóis. Hoje estes vinhos repousam em barricas de carvalho frances e americano de primeiro e segundo uso. O segundo terraplenagem origina os vinhos Cabernet Sauvignon Varietal e Cinsault, está composto por um solo de transição entre depósitos de areias fluviais e argila granítica de fertilidade baixa que permitem um rendimento moderado e a obtenção de vinhos frutosos e frescos. Estes vinhos foram fermentados em cubas fechadas e realizou-se uma maceração curta e uma fermentação de 8 dias, conservando seus aromas frutais. Hoje, estes vinhos repousam em tanques de aço inoxidável para sua maduração e posterior elaboração de engarrafamento. Em geral, nesta colheita esperamos vinhos em torno de 13º gl, mais concentrados em quanto a componentes aromáticos e taninos, possibilitando uma guarda mais prolongada e uma melhoria constante com o tempo.


O centro geográfico do Chile não está em Maipo, nem em Santiago, em Casablanca, muito menos em Colchagua. O centro do Chile continental está em Lota, especificamente num lugar conhecido como Playa Blanca, aí esta longa e estreita faixa de terra se divide ao meio. Portanto, a verdadeira zona central do Chile está ao redor de Concepción, capital da região do Bíobío e que por séculos foi a fronteira sul para a produção de vinhos no Chile. Tradicionalmente associa-se esta zona com clima frio e chuvoso, mas esta é uma visão simplista, como dizer que todo o Brasil tem clima tropical e praias de areias brancas. Se analisamos as condições climáticas podemos perceber que a corrente de Humboldt que banha as costas do Chile e vem da Antártica é extremadamente fria e isto transforma o clima do Chile em um clima mediterrâneo com estações marcadas e precipitações concentradas em outono e inverno. Também podemos perceber que ao estar perto de um oceano frio se produz uma regulação e variação térmica entre o dia e a noite muito similar em quase todos os veles do Chile. Então onde está a diferença? O regime de precipitações aumenta quanto mais ao sul nos encontramos e geralmente estas chuvas ocorrem mais cedo na temporada, quase ao início do outono, bem na época da colheita das uvas. Ou melhor, ocorriam Nos últimos anos temos aprendido duas coisas: Primeiro; deve-

se plantar as variedades de uva que se adaptem ao clima, ou seja, que tenham um período de mudança de cor à colheita que não arrisque perder a colheita pelas primeiras chuvas. E segundo; nos últimos 20 anos as chuvas tem diminuído notoriamente na zona centro sul do Chile, concentrando-se no período do inverno, prolongando a estação seca, o período de maduração das uvas. Zonas que eram demasiado chuvosas para a vid, hoje são ideais, e zonas que eram ideais hoje estão ficando sem água e sem água não há vida e muito menos vinho. A fronteira histórica do vinho chileno traslada-se ao sul, existem novas plantações na altura do paralelo 40, a mais de 600 km ao sul de Santiago, são plantações extremas que requerem muito esforço e trabalho, mas refletem claramente que a mudança climática está aqui. Os vinhedos do Rio Itata, Santa Sofia, Selknam e muitos outros estão no coração do Valle Del Itata, no coração da fronteira sul do vinho no Chile.


A vindima 2008 no Fundo Ñipas pode ser lembrada como uma das melhores dos últimos anos. Um período de mudança de cor à colheita prolongado, com abundante iluminação e temperaturas moderadas, que permitiu uma acumulação lenta e constante de Polifenóis, taninos e antocianos mantendo os graus alcoólicos a níveis moderados, em torno aos 12,5º gl. Isto unido a uma vinificação suave, com períodos de maceração adequados para uma extração exata de compostos aromáticos e taninos maduros. O Carignan, a cepa emblemática de Santa Sofia, manteve-se no nível mostrado durante os últimos anos, mas incrementando seu potencial de guarda através de uma maior polimerização tanino-antociano, o qual augura largos anos de evolução e crescimento. Recordemos que esta cepa de origem espanhola é muito antiga no Chile e que é provavelmente uma das de maior potencial de guarda, junto ao Cabernet Sauvignon, que atualmente se encontram plantadas no nosso solo. Não podia ser melhor, até que chegou a vindima 2009, onde a concentração e o volume na boca multiplicou-se, prolongaram-se os tempos de maceração e os vinhos lograram o equilíbrio exato entre concentração e elegância. Hoje repousam em tanques de aço inoxidável à espera de seu passo por madeira que nesta temporada deveria superar os 10 meses, já que tanto no Cabernet Sauvignon quanto no Carignan , a concentração é surpreendente, entregando vinhos contundentes, robustos, sem perder a elegância e sutileza que caracterizam a Viña Santa Sofia


Os polifenóis, taninos e antocianos, têm a função de proteger as sementes das uvas dos raios ultravioletas do sol que poderiam causar danos irreparáveis e fazer menos viável o material genético da planta. É por esta razão que as uvas mudam de cor e se enchem de Polifenóis nas peles, evitando a oxidação e a penetração dos raios ultravioletas. Estes polifenóis são úteis para o sabor, a cor e as propriedades medicinais que tem o vinho tinto. Quanto maior concentração de polifenóis o vinho tiver, mais saudável e melhor ainda, mais saboroso e com um grande potencial de guarda. Também é curioso que a capa de ozônio que nos protege dos raios ultravioletas, seja mais fina no hemisfério sul, quanto mais ao sul, mais fina. As folhas das plantas fazem fotossíntese e produzem açucares que logo são transformados em á c i d o s o rg â n i c o s p a r a s e r transportadas as uvas, onde novamente são transformados em açucares. Como qualquer outro ser vivo, tomam oxigeno e o convertem em dióxido de carbono, gastando energia, energia valiosa que obtêm de suas reservas ácidas. A respiração noturna das plantas se reduz quando a temperatura diminui, quanto mais

baixa seja a temperatura noturna, menos respiração, maior acumulação de reservas, vinhos mais balanceados. Se a estas mudanças de temperatura agregamos dias ensolarados relativamente frescos, a respiração diurna também é menor, portanto a acumulação total de reservas é muito alta e o melho de tudo isso, se mantém em forma de ácidos orgânicos, que são os responsáveis de manter o sabor do vinho e conserva-lo durante o tempo. A região do sul, concretamente o Valle del Itata, tem noites frescas e dias ensolarados. Perto da costa as temperaturas médias também são frescas, permitindo vinhos balanceados e de graus alcoólicos moderados. Os vinhos de Viñas Inéditas, da linha Selknam, são elaborados com uvas do Valle Del Itata, na região sul, onde as diferenças de temperatura entre o dia e a noite e as temperaturas médias moderadas, permitem obter vinhos ricos em polifenóis e balanceados


Temaukel é o espírito criador do povo Selknam. Ele criou tudo o que rodeava a este povo precolombino caçador e coletor da Patagônia Chilena. Eles acreditavam que Temaukel havia criado o céu, a terra, os animais e as plantas. Os Selknam viviam em perfeita harmonia como o seu entorno, um dos mais agrestes do mundo, em geral era um povo pacifico e isolado que raramente se encontrava com outras etnias. Quando um jovem Selknam chegava à adolescência, era levado ao bosque para passar a sua prova de iniciação enfrentando a misteriosos espíritos para encontrar a força para sair desta experiência como adulto. Selknam, o vinho homenagem a este povo do sul, está em seu período de iniciação, saindo da infância e entrando à sua vida adulta, com esta vindima 2009 que o enriqueceu em estrutura, aromas e sabores do sul do Chile. Também tem crescido na sua diversidade, incorporando duas novas cepas ao clã duas novas cepas: Chardonnay e Merlot.

O Chardonnay Selknam revela aromas de terras distantes, exóticos frutos tropicais e mineralidade típica do Itata. O Merlot Selknam é em equilíbrio exato de frutas vermelhas, cerejas em calda e delicada confitura, para chegar até a boca com suavidade e balance. Selknam Cabernet Sauvignon continuará sendo o líder do clã, com força e riqueza aromática que envolve toda a estrutura e vivacidade do Cabernet Sauvignon de um vinhedo que está preste a terminar seu passo pela iniciação para converter-se em adulto, num Selknam do fim da terra.


Desde o ano 2006 Furrimahuida desenvolve o turismo de interesses especiais, incluindo vida de montanha, agroturismo e ecoturismo. No ano 2007 Furrimahuida passa por uma profunda mudança interna que o leva a explorar novas áreas de negócio que sejam mais sustentáveis e de aporte real para a sociedade e para as pessoas, desenvolvendo uma política de turismo responsável e aproveitando a relação direta com famílias e pessoas ligadas à terra. Furrimahuida cria seus primeiros pacotes de interesses especiais: Meet the people e Bíobío trip. Este último programa se executa desde 2007 e hoje queremos compartir esta experiência de nossos provedores e nossos clientes: "Na medida em que mostram-se intentos técnicos locais sem a participação da grande indústria manifestam-se o engenho e as condições culturais das pessoas em seu meio. Essa é uma perspectiva

que o Programa de Língua e Cultura valoriza, porque topa com as pessoas do lugar no seu esforço para controlar o meio e subsistir. É uma experiência que põe aos estudantes em contato imediato com uma dimensão cultural chilena." "Se o que se procura é o conhecimento cultural, este tipo de atividades obviamente supera as tentativas turísticas tradicionais, em que o protagonismo está na natureza sem o homem do lugar, e a condição procurada é a comodidade e o prazer."

Emilio Rivano Fischer: Diretor do programa de intercambio "Língua e Cultura" Universidade de California, na versão 2007 de Bíobío trip, 30 estudantes da Universidad de California compartiram com famílias, produtores y colectores de frutos silvestres da região do Bíobío. .


Verónica Salas, Diretora da Oficina de Ação Cultural, ONG gestora da coordenadora nacional de colectores de frutos silvestres. Verônica, como você resumiria a experiência das coletoras com Furrimahuida? Me parece excelente, porque tem dado às coletoras a oportunidade de conhecer estudantes estrangeiros que se interessam por conhecer o seu trabalho e o valorizam significativamente. Neste sentido Furrimahuida tem atuado como uma ponte que articula a dois setores bem diferentes que normalmente não teriam nenhuma possibilidade de se encontrar, pela isolação em que moram as coletoras. Eu penso que o encontro das mulheres com os estudantes e destes com elas deve gerar um enriquecimento mutuo que a cada grupo lhe abre a visão e lhe entrega novas perspectivas. As mulheres se sentem valorizadas, tanto como percebem a valorização dos estudantes com o seu trabalho. Este é um reforço importante no processo que elas vivem de consolidação do seu oficio. Graças a este tipo de visitas, entre outras coisas, elas se sentem orgulhosas de ser coletoras. Hoje em dia elas se sentem bastantes segura do como capacitadoras Quais são os valores que diferenciam esta experiência de outras atividades turísticas? Que as pessoas que vem a visitar-las, neste caso têm interesses por conhecer todo o processo produtivo que elas realizam. E conhecer não só oralmente, mas também em forma prática, pois inclusive saem a coletar juntos. Que essas pessoas estabeleçam um diálogo horizontal que além do mais é bem respeitoso e neste sentido as mulheres se sentem plenamente dignificadas. Como você acha que esta experiência ajuda as pessoas do mundo rural a integrar-se com o mundo? É lógico que depois de conhecer as pessoas estrangeiras se produz uma maior abertura, ao conhecer pessoas que vem de culturas muito diversas, intercambiar sua experiência com elas, responder as suas duvidas, amplia o seu horizonte. Você recomendaria esta experiência a outras pessoas? Evidentemente, acredito que este tipo de coisas são as que realmente dão um sentido a globalização dos povos.



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