Editorial J - Especial 50 anos do Golpe - Abril/Maio de 2014

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Março, 31 - Juscelino avisa a Jango sobre as ações em Minas Gerais. O Presidente não acredita.

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tregado o movimento. Dorneles pistola fixada na parede que foi ficou encarregado de mobilizar levada pelos soldados, estava os colonos. No total, 23 homens, uma pasta contendo documenentre eles, seu pai, Euzébio Teitos e atas referentes aos grupos. xeira Dornelles, e seu irmão A casa foi revirada, mas a pasta Abrão Antonio Dornelles, deificou ali. Dias depois, Dorneles, xaram suas casas para fazerem temendo que mais famílias fosparte da primeira guerrilha. Ao sem prejudicadas, retirou-a do se despedir da mãe e dos irmãos, local e ateou fogo. Hoje, ele se o alerta: “Se disserem que eu arrepende: “Eu podia ter só enmorri, não acreditem”. terrado aquela pasta. Aquilo era documento histórico”. O Grupo dos 11 era formado por colonos de uma região, que A Guerrilha de Três Passos se comprometiam a garantir a começou em 25 de março de legalidade constitucional e a con1965. Os rebeldes tomaram o cretização das reformas agrária presídio e o destacamento da e urbana. Apesar de terem sido Brigada Militar de Três Passos, idealizados por Brizola, não chelevando armas, munição e fardas. garam a ter uma coordenação Deixaram a cidade sem comunigeral e centralizada. Para alguns cação telefônica, cortando os fios setores sociais – militares, inteda rede e ainda invadiram a Rágrantes de partidos como PSD e dio Difusora, onde Odilon Vieira UDN e a maioria da Igreja CatóBruhn transmitiu lica –, essas organipara toda a popuzações eram vistas lação um manifesto como subversivas e contra a ditadura integradas ao “moDali militar: “As armas vimento comunista em dianque derrubaram internacional”. Em nossos presidensua tese, Evelise te, para o tes e governadores conta que, em alExército, hoje se levantam gumas paróquias para reestruturar a no interior do Eséramos codemocracia desse tado, os filhos dos munistas.” país”, explicaram. integrantes desses No caminhão grupos não eram Valdetar Mercedes ano nem batizados. Dorneles 1939, o grupo pasSegundo a edisava por cidades peção de 10 de abril dindo apoio e realizando de 1965 da extinta saques. Escondiam-se no mato. revista Manchete, o número de Quando o Exército os encontrou, Grupo dos 11 chegou a 24 mil, eles já estavam no Paraná, na ciem Santa Catarina e Rio Grandade de Leônidas Marques (PR). de do Sul. A partir do Golpe As ordens do coronel eram de de 1964, a perseguição a quem que não atirassem em ninguém estivesse ligado a esses comanpara matar. Ao verem o grupo dos só aumentou. “Na verdade, diminuir de 20 para 10 integrana acusação de pertencer a essa tes, resolveram se entregar, mas organização foi um amplo guaracabaram caindo em uma emda-chuva sob o qual os novos boscada. O grupo foi capturado e donos do poder – civis e militapreso no Quartel General de Foz res – enquadraram toda sorte de do Iguaçu (PR), quartel mais próinimigo político”, avalia Evelise. ximo da região, apenas dois dias Mais tarde, a maior parte dos depois do começo da guerrilha. indiciados foi absolvida por No Paraná, começou aquela absoluta falta de provas. Ainda que Dorneles considera a fase assim, naquele momento, para mais dura de sua vida. Nos interDorneles, o cenário mudou. “De rogatórios, negou que tivessem ali em diante, para o exército, tido o apoio de Brizola, e tomou éramos comunistas”, lembra. a responsabilidade da guerrilha No Uruguai, Brizola enviou para si quando o coronel Jefo coronel Jefferson Cardim de ferson pensou em se matar. Ele Alencar Osório e Albery Vieira pagou caro por sua astúcia. Por dos Santos que, mais tarde, seria quatro anos, oscilou por prisões acusado de ter se infiltrado e en-

Março, 31 - Gen. Ladário é recebido por Jango, que lhe entrega o comando do III Exército e o ordena se deslocar para o Sul do país.

entre Porto Alegre e cidades do Paraná até ser liberto, em 1968. Ele lembra das sessões de tortura pelas quais passou: “Enrolavam uma linha de pescar nos nossos dedos, ‘tu conhece Fulano?’ ‘Não’, e puxavam aquela linha. A linha corta até o osso”. Em Foz do Iguaçu, passou 51 dias em uma sala com 48 homens e apenas um banheiro. O pior momento veio em Porto Alegre. Na sede do 18º Regimento de Infantaria, que funcionava na Avenida Padre Cacique, onde hoje se localiza a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase), Dorneles passou cinco dias sem saber se era dia ou noite. “O pior castigo que tive, não foi o pau, não foi a corda, nem o enforcamento. Nada me abalou tanto quanto aqueles cinco dias. Desligado do mundo, não se ouvia nada”, lembra.

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Março, 31 - Gen. Kruel apela para Jango se libertar do cerco das forças populares. O presidente se nega.

A conexão da vigília

Informe diário produzido por Delegacias Regionais para o Sops de Lagoa Vermelha

Alguns não conseguiram resristir tanto. Dorneles conta com pesar, que o ex-sargento da Brigada Militar Albery Vieira dos Santos entregou o grupo. Homem da confiança de Brizola, Santos teria atuado dentro do movimento, como agente do governo militar, e, mais tarde, em interrogatório, entregou todo o esquema da Guerrilha de Três Passos, conforme trechos do seu depoimento que relatam que “dotado de privilegiada memória, menciona grande número de pessoas que estão ligadas ao esquema contrarrevolucionário de Leonel Brizola”. Segundo Dorneles, “muita gente inocente apanhou por causa dele”. O irmão de Albery, José Soares dos Santos, foi uma vítima fatal da repressão, morrendo de forma violenta em 1977, também em Foz do Iguaçu. Ao que tudo indica, uma ação de queima de arquivo. O Dops deixou de existir em 1982, e junto com ele, o Sops. Cinquenta anos depois, hoje advogado, casado, pai de três filhos, Dorneles ainda mora em Três Passos e reafirma seu compromisso com o Brasil: “Se a pátria for ultrajada e precisar de um voluntário, eu saio outra vez”.

Solicitação do Dops pedindo informação para o Sops de Lagoa Vermelha

Informe do fim da ditadura ainda acusa presença do Grupo dos 11 na região

ABRIL/MAIO DE 2014

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