Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado

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universidade estadual de campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori De Decca

Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Christiano Lyra Filho – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Luiz Marques Marcelo Knobel – Marco Antonio Zago Sedi Hirano – Silvia Hunold Lara

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Carlos Berriel

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Edição revista e ampliada

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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação B459t

Berriel, Carlos Eduardo Ornelas, 1951Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado / Carlos Eduardo Ornelas Berriel. – Campinas, sp: Edi­tora da Unicamp, 2013.

1. Paulo Prado, 1869-1943 – Crítica e interpretação. 2. Literatura brasileira – História e crítica. 3. Civilização e cultura. 4. Modernismo (Literatura). 5. História social. I. Título. cdd B869.09 301.2 306.09 e-isbn 978-85-268-1160-7 Índices para catálogo sistemático:

1. Paulo Prado, 1869-1943 – Crítica e interpretação 2. Literatura brasileira – História e crítica 3. Civilização e cultura 4. Modernismo (Literatura) 5. História social

B869.09 B869.09 301.2 B869.09 306.09

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Para Wanda, Marina, Nádia, Laís e Carolina

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agradecimentos Devo muito àquelas pessoas que apoiaram meu trabalho durante sua realização, sua defesa e sua divulgação. Devo muitíssimo aos que o avaliaram e manifestaram suas impressões. Alguns, infelizmente, já se foram. Em ordem alfabética, são eles: Alexandre Eulalio, André Botelho, Elide Rugai, Florestan Fernandes, Gilberto Vasconcellos, Jorge Coli, José Chasin, Lêdo Ivo, Luiz Dantas, Marcos Augusto Gonçalves, Maria Lúcia Rangel, Marisa Lajolo, Michel Debrun, Octavio Ianni, Ruy Castro, Telê Porto Ancona Lopez, Vera Chalmers. Antonio Candido surpreendeu-me com uma carta em que me disse palavras de apreço. Talvez não saiba o quanto significou para mim. Devo a Paulo Franchetti a generosa e elegante iniciativa desta nova edição. Agradeço finalmente, e especialmente, a Ana Claudia Romano Ribeiro, pelo apoio inspirador e constante, e por ter acreditado neste trabalho mais do que eu mesmo.

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sumário

preâmbulo....................................................................................................................... 13 1 a gênese de um pensamento.............................................................. 25 2 prelúdios da semana de arte moderna............................ 93 3 paulo prado e a semana de arte moderna. .................. 105 4 com a semana, a obra. ............................................................................... 121 5 paulística: caminhos, raça, meio e momento. .......... 161 6 retrato do brasil: uma história de pecados capitais......................................................................................................................... 189 7 o segundo prefácio de paulística (1934). ........................ 265

anexos prefácio a joaquim nabuco — esboço biográfico.......... 279 brecheret. ....................................................................................................................... 285 o convênio franco-brasileiro. ......................................................... 293 bibliografia. ................................................................................................................ 301

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Paulo Prado na sede do jornal O século, Lisboa, 23 de abril de 1934 Fonte: Acervo fotográfico do jornal O século. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Lisboa, Portugal.

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preâmbulo

Este volume é uma edição revista e ampliada de um livro publicado em 20001, e deriva de uma tese de doutorado defendida em 1994. Trata-se de uma análise do conjunto da obra de Paulo Prado, um dos autores então menos conhecidos do Modernismo brasileiro. Mais do que um perfil biográfico e intelectual de Paulo Prado, este trabalho é a história de seu livro: o Retrato do Brasil. Quando iniciei esta pesquisa, no final da década de 1980, não havia muitos trabalhos dedicados a Paulo Prado. Contavam-se uns poucos artigos, sendo o melhor deles o prefácio escrito por Geraldo Ferraz para a coletânea intitulada Província & Nação. Sua situação era injustamente próxima de um vazio, ou pior, de uma caricatura. Aparecia, quando aparecia, apenas como um ricaço disponível que se divertia com o ambiente da iconoclastia goliárdica dos modernistas. Este livro prova que não se tratava disso, de forma alguma. No 13

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caso de Paulo Prado a displicência da história e da crítica é particularmente danosa, pois se veta a própria possibilidade de compreensão da dimensão ideológica de Modernismo, e mesmo a sua condição de classe fica oculta. Essa incúria da crítica é oriunda de uma concepção idealista do Modernismo, que aparecia, de modo geral, desprovido de chão social verossímil. A obra de Paulo Prado define a própria condição de classe do Modernismo. Estudar sua obra é ver o movimento po­ lítico e ideológico da oligarquia do café. Foi a inteligência mais completa e orgânica de sua casta. Os intelectuais e artistas que lhe foram próximos beneficiaram-se muito de suas ideias, e as incorporaram em seus trabalhos: em decorrência, a crítica deve iluminar o sentido dessa proximidade, e mesmo as circunstâncias do eventual afastamento. Nada disso deve ter sido vão. A análise de seu pensamento permite ver que com o Modernismo as elites agrárias atingiram uma espécie de per­ feição da ação ideológica: foram críticas de si mesmo, e como historiadores estabeleceram o lugar que lhes pareceu ade­ quado no cenário das ideias nacionais. Condenaram práticas culturais que não lhes serviam e as julgaram supérfluas, e edi­ ficaram em seu lugar estruturas ideológicas eficientes e atua­ lizadas, aptas à sua nova face. Foram impiedosas com parnasianos e simbolistas. Ao se tornarem críticas de si mesmas, essas elites tornaram homólogas sua trajetória e a do país, seus projetos de classe e o projeto de nação. Como parte desse processo, desautorizaram todas as formas de pensamento artístico e literário estranho ao seu discurso de hegemonia. Ao contrário dos demais integrantes desse movimento, Paulo Prado nada havia produzido de substancial ou repre­ 14

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sentativo por ocasião da Semana de 22, como ainda a sua obra — que tem início no mesmo preciso instante em que se desenrola o evento paulista — não se fará no campo da lite­ ratura ou das artes, mas no da história. Mais precisamente, Paulo Prado será um ensaísta, integrando-se a uma linha­ gem que contará, em imediata sucessão, com os nomes de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior — aliás, todos esses vincu­lados pessoalmente, de alguma forma, a Paulo Prado. Em certo sentido, então, Paulo Prado inicia o ensaísmo da década de 1930. Sobre seus antecessores falaremos mais tarde. Detenhamo-nos por mais um instante nessa afirmação inicial. Apesar de, como está dito, não possuir até aquela ocasião qualquer produção intelectual digna de nota, Paulo Prado foi o principal idealizador da Semana de Arte Moderna, conforme veremos através dos depoimentos dos principais modernistas. É preciso abandonar de vez a ideia difusa de ter sido Paulo Prado apenas o mecenas do movimento, empe­ nhado em comprar com o dinheiro fácil do café a companhia alegre e prestigiosa dos iconoclastas de 22. Tal atitude seria, aliás, inteiramente contrária à sua índole aristocrática, que só poderia ver nessa prática evidência do mau gosto de novosricos. Nada é mais equivocado do que lhe atribuir uma po­ sição subalterna. Paulo Prado é de fato um dos casos raros em que um detentor do poder econômico — e por decorrência do poder político — torna-se ao mesmo tempo um ideólogo de sua classe. A relação de Paulo Prado com a Semana foi muito mais complexa. Fez parte de um cálculo bastante assentado que juntava cultura e política, e suas referências vêm de longe, sendo parte de uma articulação mental com origens na expe15

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riência da Geração de 70 da literatura portuguesa, e encontra similitudes tanto com as exposições francesas de arte moderna quanto com as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, de 1871. Suas ideias, que ganharam corpo com a Semana de Arte Moderna, eram bastante amplas — como nos empenharemos em demonstrar —, e o mais intrigante é que só serão desenvolvidas posteriormente a esse evento. Muitas coisas se passaram de modo inusual com esse autor, por exemplo: empreende a Semana com base em um critério ideal mais ou menos rigoroso, mas o esquema intelectual que o preside, embora articulado, só será completamente explicitado nos anos seguintes. Esse fato, aliás, constituiu uma das maiores dificuldades da organização expositiva do presente trabalho. Mais ainda: o seu primeiro ensaio histórico (“O caminho do mar”), cuja redação principia em 1922, já é o resumo prévio de tudo que virá a escrever na sua curta trajetória de ensaísta da história; pode-se, portan­to, considerá-lo como resumo e ao mesmo tempo como programa para realização futura — que de fato será cumprido. Por outro lado, Paulo Prado possuía poucas ideias que possam ser consideradas como estritamente suas. Elas são uma espécie de reelaboração e adaptação das teses de um grupo de intelectuais com os quais conviveu pessoalmente, e que compunham uma geração anterior à sua, mais precisamente a de seu tio Eduardo Prado. O que está sendo dito aqui é que há uma dimensão de continuidade no Modernismo e que essa continuidade existiu principalmente por intermédio de Paulo Prado. A maior parte dos estudos realizados sobre o Moder­ nismo tem-se ocupado, principalmente, com o ato de ruptura 16

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que as obras desse movimento praticaram de fato. Há, entretanto, uma outra face: o acervo do Modernismo comporta, para além da ruptura, essa forte dimensão de continuidade a que estamos aludindo. Uma continuidade que reside não tanto nos aspectos propriamente literários ou plásticos, mas principal­mente nos aspectos programáticos que unem visão social e intencionalidade estética decorrente. Afinal, se “a ideia de ruptura abso­luta é metafísica, também o é a noção de uma continuidade inteiramente sem cortes” (Eagleton, 1993, p. 9). De qualquer forma, o tema da ruptura é central não ­apenas para os que estudaram o Modernismo, mas para os próprios modernistas. Entretanto, o valor semântico aqui ­va­ria muito. Ruptura estética no Modernismo nem sempre significou ruptura social — e essa ideia, aplicada à obra de Paulo Prado, é importante para este trabalho. Se o desejo de unir ruptura estética com transformação social tocou os segmentos de maior generosidade do Modernismo, não o fez da mesma ­forma em relação a outros setores — os quais, entretanto, não perderam sua força de representatividade com relação ao movimento. Penso nesse caso no Verde-Amarelismo, na Anta e, mais especificamente, em Paulo Prado. No entanto, curiosamente, esse autor não pode ser associado aos movimentos aludidos, mas sim aos nomes de Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Alcântara Machado, entre outros. Com eles, Paulo Prado fundou e dirigiu revistas, para eles prefaciou livros, dos dois primeiros recebeu em dedicatória seus livros mais importan­tes: Macunaíma e João Miramar. Estamos, então, construindo uma indagação: o que Paulo Prado representa em termos de continuidade? Da mesma for17

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ma, o que representa em termos de ruptura? Com que den­ sidade insere-se no Modernismo? Para ir ao ponto, então, trata-se de ampliar o domínio da crítica e da história literá­ ria sobre sua obra e com isso apurar o quanto ela — com o seu índice de anacronismo somado ao seu teor de modernidade — é emblemática do Modernismo tomado em seu sentido mais geral: o de atualização da inteli­g ência brasileira, na frase luminosa de Mário de Andrade. O projeto deste livro surgiu como uma decorrência e como desdobramento da minha dissertação de mestrado, a qual intitulei “Dimensões de Macunaíma: filosofia, gênero e época” (IEL–Unicamp, 1987). Nesse trabalho procurei mostrar que o principal romance de Mário de Andrade forma­ lizava um momento da vida nacio­nal de grande transfor­ mação social, momento esse que alterava um sentido histórico que — embora repleto de negatividades — possuía de positivo a construção efetiva de uma tradição. Justamente esse sentido histórico estava em risco com o surgimento e o avassalador desenvolvimen­to da industrialização, que alterava a forma tradicional da sociabilidade brasileira — a qual seria a própria identidade cultural do país. Em Macunaíma, Mário de Andrade mostrava os males da nacio­nalidade — a ausência de um caráter nacional seria o mais sintético de todos —, mas indicava também que esse defeito básico seria sanado com a definição cultural e civilizacional da raça brasileira: correriam paralelas, como aspectos de um mesmo processo, a estabilização da raça brasileira e a maturidade mental nacional. Porém, com o ingresso dos estrangeiros (principalmente italianos) e a decorrente industrialização, o Brasil jogava fora o que havia acumulado em termos de identidade cultural — e racial — e aderia à deca18

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dência da Europa (sua referência aqui é a obra de Spengler, A decadência do Ocidente) sem ter em contrapartida sequer compartilhado da grandeza desta. Mário de Andrade adotava assim uma visão da história do Brasil que era favorável à situação contemporânea da oligarquia do café, setor que agitava certas ideias sobre emancipação nacional que na política, na cultura e na economia se assemelhavam às suas. Surgia assim uma certa homologia entre a experiência histórica do café e a compreensão sobre a vida nacional desenvolvida por Mário em Macunaíma. Não por acaso, nem apenas por amizade, esse livro era dedicado a Paulo Prado. Escritos e publicados ao mesmo tempo, em quase perfeita simultaneidade, Macunaíma e Retrato do Brasil parecem compartilhar vários pontos de vista sobre o país. Critérios raciais (Macunaíma é uma síntese inconclusa das três raças tristes que compõem o brasileiro — teoria que Paulo Prado adota), a luxúria e a cobiça como características da mentalidade nacional — influências notórias de teorias culturalistas e raciais para a armação do esquema histórico do país — seriam algumas ideias, entre outras, que os dois autores compartilhavam. Além do mais, com grande frequência se percebe em Macunaíma uma espécie de interlocutor oculto para os temas históricos, que quase sempre se revela como sendo Paulo Prado. A impressão que fica é a de que as composições de Macunaíma e de Retrato do Brasil se deram como um diálogo entre as partes, em que um lia os originais do outro, e que essa prática afetava uma e outra redação. Mário chega inclusive a mencionar esse fato no Prefácio que ficou fora de Macunaíma, dizendo que se beneficiava com antecedência das ideias 19

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de Paulo Prado sobre a luxúria como uma das paixões nacionais, em livro que ainda seria publicado2. Enquanto estudava o romance de Mário de Andrade, e era com frequência remetido à obra de Paulo Prado, percebi a pouquís­sima investigação que havia sobre esta, consistindo, como já disse, em apenas alguns artigos, capítulos esparsos em livros e verbetes3. Sua correspondência ativa conhe­cida é de pouquíssima monta, e a maior parte dela está desaparecida. Surgiu dessa forma o propósito deste trabalho. Devo dizer que as suposições iniciais nem sempre se confirmaram. As posições de Mário de Andrade e as de Paulo Prado, apesar de tocarem pontos similares essenciais, caminharam em direções diferentes. Enquanto Mário considerava, por exemplo, que havia efetivamente uma construção da identidade brasilei­ra, e que esta era expressão de uma rica cultura já existente, Paulo Prado indicava a existência de duas raças no território brasileiro — a paulista, já consolidada, e a mixórdia racial do resto do país — e que pouco havia para ser preservado numa história que era equívoco, pecado e crime. Um ponto que se revelou central para a compreensão da obra de Paulo Prado mal era suspeitado quando da elaboração do projeto desta pesquisa: refiro-me à enorme influência da Geração de 70 de Portugal sobre o nosso autor. Lá estão Eça de Queirós, mas também — e principalmente — Oli­ veira Martins, que tanto estudou a grandeza portuguesa das descobertas e o seu oposto, a decadência após 1580. Paulo Prado retomou o mito da grandeza racial portuguesa, elaborado por Antero de Quental, Alexandre Herculano e Oli­ veira Martins, e o adaptou e desdobrou como mito paulista. A função, porém, não é a mesma: em Portugal servia para 20

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