Nos Bastidores da Coca-cola de Neville Isdell

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NEVILLE ISDELL com DAVID BEASLEY

nos bastidores da

O ex-CEO da companhia conta como foi construída a marca mais popular do mundo.

Tradução Cristina Yamagami

informação


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u estava satisfeito, um executivo sênior aposentado da Coca-Cola Company, morando na ilha de Barbados e jogando golfe regularmente sob o brilhante sol caribenho quando, em fevereiro de 2004, recebi um telefonema de Donald Keough, membro do conselho de admi­nistração, ex-presidente e um grande líder na história da empresa. Douglas Daft, presidente do conselho e CEO da Coke, planejava demitir-se, depois de apenas quatro anos no cargo. Don fora nomeado presidente de um comitê de seleção cujo objetivo era encontrar alguém que substituísse Daft e queria saber se eu tinha interesse. Ele não garantia a contratação, mas estava disposto a me apresentar como um candidato sério. Aquela foi uma época sombria na Coca-Cola. O antecessor de Daft, Douglas Ivester, sobreviveu apenas dois anos no cargo antes de ser in­ for­mado em uma pista de decolagem de Chicago por membros do con­ selho de administração da Coca-Cola, incluindo Warren Buffett, de que ele não podia mais contar com o apoio do conselho. A Coca-Cola vinha se arrastando desde o falecimento, em outubro de 1997, do presidente do conselho e CEO Roberto Goizueta, que em dezesseis anos aumentou o valor de mercado da empresa de 4 bilhões de dólares para aproximadamente 150 bilhões de dólares. No entanto, na era pós-Goizueta, a Coke passou a perder participação de mercado.


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Parecia que nada era suficiente para colocar a empresa de volta no caminho certo – nem mesmo as milhares de demissões. A Coca-Cola é vendida como um verdadeiro elixir de felicidade, e a própria palavra “felicidade” é incluída em vários anúncios da Coke. No entanto, em 2004, não havia muito do que sorrir na matriz da Coca-Cola na North Avenue, em Atlanta. A U.S. Securities and Exchange Commission investigava a empresa por impulsionar artificialmente as vendas de concentrado para inflacio­ nar o preço das suas ações – prática conhecida como channel stuffing – no Japão. Ela também foi acusada de contratar esquadrões de morte di­reitistas para aterrorizar sindicalistas na Colômbia. Deval Patrick, diretor jurídico da empresa e posteriormente governador de Massachusetts, afirmou que submeteu seu pedido de demissão a Daft em parte devido a controvérsias na Colômbia. Patrick e outro alto executivo da Coke entraram em confronto também em relação a outras questões, e cada um insistia que o outro saísse da empresa. As práticas de contratação da Coke foram investigadas por uma força-tarefa designada pelo tribunal de justiça como resultado de um grande processo judicial por discrimi­ nação. E, no exterior, a União Europeia investigava a possibilidade de violação de leis antitruste pela Coke. E a lista continua. Quando o conselho de administração começou sua procura por um novo presidente do conselho e CEO, havia apenas um candidato interno, o presidente da empresa, Steven Heyer. Ele parecia ser o favorito, já que a Coke raramente se interessava por alguém fora da empresa para preencher essa posição. Prometi a Don que conversaria com minha mulher, Pamela, e tornaria a falar com ele em dez dias. Nunca, em mais de trinta anos na Coke, eu fora considerado com seriedade para o cargo de presidente do conselho e CEO. Eu nunca tinha realmente ambicionado o cargo e jamais achei que isso fosse possível, apesar de, no verão de 2003, alguns aposentados da empresa (como os aposentados normalmente fazem) terem começado a especular que Daft logo seria substituído. Alguns disseram que estavam recomen­dando meu nome como sucessor, e eu respondi que jamais aceitaria o cargo. Era a mais pura verdade, e eu contava com todo o apoio de Pamela nessa decisão. Eu tinha 60 anos de idade e segurança financeira. Com a aposentadoria,


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perdi 5 quilos, estava em boa forma física e finalmente tinha tempo para a minha família, depois de décadas viajando pelo mundo todo e trabalhando quinze horas em dias incontáveis. Depois do telefonema de Don, Pamela reafirmou que não queria que eu aceitasse o cargo de presidente do conselho, preocupada com a possibilidade de isso afetar minha saúde e perturbar nossa feliz aposentadoria. “O que acontecerá a você se fracassar?”, ela perguntou. A Coke não tivera um presidente do conselho bem-sucedido desde Goizueta. Pamela se preocupava com a possibilidade de eu ser o terceiro fracassado na missão de “quebrar o feitiço”. No entanto, como sempre, ela prometeu me apoiar na minha decisão. “Se aceitar o cargo, não fracassarei”, afirmei vigorosamente a Pamela, mas concordei com ela quanto a suas preocupações sobre o estresse. Eu já tinha tido uma carreira incrível e estávamos muito felizes com a aposentadoria. A verdadeira questão era: “Eu seria capaz de me perdoar se recusasse esse último e enorme desafio?” A resposta para este ex-jogador de rúgbi era clara: “Não, jamais me perdoaria”. Uma semana depois da primeira ligação de Don, informei a uma Pamela um tanto quanto chocada minha decisão: a de que eu assumiria­ o cargo por cinco anos. Eu estava de volta ao jogo. Passei grande parte da minha vida sustentando uma luta contínua a favor da Coke ao redor do mundo, muitas vezes em mercados nos quais a empresa tinha perdido o rumo e se via diante de uma participação de mercado cada vez menor. Agora eu tinha a oportunidade de tentar promover uma recuperação definitiva e, talvez, de revitalizar a empresa inteira.Tomada a decisão, fui chamado para conversas e entrevistas com todos os membros do conselho de administração. A imprensa apresentava Heyer como o favorito e havia rumores de que ele tinha até contratado uma empresa de relações públicas para promover sua candidatura. Meu nome raramente era mencionado, mas estava claro para mim que eu era o principal candidato. Entra em cena Jack Welch. Welch é um ícone dos negócios, tendo engendrado a incrível revitalização da General Electric e elevado o valor de mercado da empresa de 14 bilhões de dólares, quando assumiu como CEO em 1981, para


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410 bilhões de dólares, quando se aposentou em 2001. Em 1995 a revista Fortune publicou um artigo de capa apresentando Welch e Roberto Goizueta como os “Construtores de Riqueza”. Em abril de 2004, Jack se casou e, na festa de seu casamento, ofereceram-lhe o cargo de presidente do conselho e CEO da Coca-Cola, exatamente o cargo que me fora oferecido. Jack disse que pensaria a respeito e partiu em lua de mel para, entre todos os lugares do mundo, Barbados. Ele estava a apenas alguns quilô­ metros de mim na minúscula ilha caribenha enquanto negociações ativas com os membros do conselho de administração eram realizadas. A ideia era a de que a contratação de Welch energizaria a empresa e levaria a um aumento imediato do preço das ações, e tenho certeza de que isso teria acontecido caso Jack aceitasse o cargo. No dia 28 de abril, eu tinha acabado de chegar a Barbados de uma via­gem de negócios a Edimburgo, Escócia, quando recebi uma ligação de Herbert Allen, membro do conselho de administração da Coke. Herbert queria saber se eu aceitaria atuar como presidente sob o comando de Welch por um ou dois anos e depois sucedê-lo como presi­dente do conselho e CEO. Eu recusei. A Coke tinha tantos problemas que uma revitalização era, na melhor das hipóteses, arriscada. Eu me dispunha a correr o risco se estivesse no comando, mas não toparia ser o bode expiatório alheio. Welch tinha realizado feitos incríveis na GE, mas sabia muito pouco do negócio de refrigerantes. Eu passara minha vida inteira na Coca-Cola, começando em uma engarrafadora da Zâmbia e subindo até chegar quase ao topo. Além disso, senti que nossos estilos de gestão entrariam em conflito, apesar de, como admiti ao conselho de administração, a equipe de Welch parecer interessante. Jack tinha um sólido histórico operacional como diretor de uma grande corporação enquanto eu só possuía experiência como CEO e presidente do conselho em engarrafadoras na Europa. Depois dessa conversa com Herbert, um homem em quem eu confiava e admirava, desliguei o telefone, voltei-me para Pamela e disse que estava fora do jogo. Então Welch, ainda em lua de mel, começou a perder o ânimo.


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“Quando pensei em viajar pelo mundo, disse a mim mesmo: ‘Já estive nessa posição’”, Welch conta em uma entrevista para este livro. “Pensei na possibilidade durante 48 horas, 72 horas, não sei ao certo. E então acordei.” Logo depois de voltar da Escócia para Barbados, recebi a ligação de Keough me oferecendo oficialmente a posição de presidente do conselho e CEO, o que faria de mim a décima segunda pessoa da história da empresa a assumir o cargo de presidente do conselho. A Coca-Cola anunciou minha nomeação depois do fechamento da bolsa no dia 4 de maio e eu me apresentaria aos empregados da matriz no dia seguinte. Joel Rousseau, que fora motorista de Roberto Goizueta, foi buscar a mim, Pamela e minha filha, Cara, no aeroporto de Atlanta. De repente, me ocorreu perguntar a Joel se ele tinha o telefone da viúva de Roberto, Olguita. Ele sabia o número de cor e liguei imediatamente para Olguita, dizendo que eu acabara de chegar a Atlanta, para onde tinha voltado. “Levarei a Coca-Cola Company de volta ao ponto em que estava sob a excelente liderança de Roberto”, prometi. Na matriz, os empregados encontravam-se reunidos no pátio para uma conversa com Daft, Heyer e comigo. Um pódio havia sido montado, mas Daft insistiu em não fazer discursos. Heyer concordou comigo que precisaríamos improvisar um pouco. Afinal, aquela era a primeira vez que me apresentava diante do pessoal que passaria a liderar. Não falei muito, salientando minha crença no poder da marca Coca-Cola. “Mas o importante são vocês”, acrescentei. “O que mais importa são as pessoas.” Era exatamente o que os empregados queriam ouvir. Eu disse a coisa certa. Eu deveria começar no dia 1o de junho, mas antes precisei tirar um visto de trabalho na embaixada americana em Barbados. Esperei na fila e, ao chegar ao balcão de atendimento, recebi um tratamento pouco gentil de um funcionário da embaixada que falou comigo por trás de uma janela revestida de vidro à prova de balas. Devido à minha altura de 1,95 metro, o microfone ficava posicionado em algum ponto do meu peito, forçando-me a me curvar para falar com ele.


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“Por que nenhum americano pode fazer o seu trabalho? Por que preci­ samos de um estrangeiro?”, o funcionário da embaixada me perguntou. Era uma boa pergunta, mas não cabia a mim responder.“Foi uma de­ cisão do conselho de administração da Coca-Cola Company”, respondi. “São todos americanos. Estou certo de que eles sabem o que fazem.” Levaria semanas para o visto de trabalho ser aprovado, de forma que a Coca-Cola enviou uma equipe de executivos a Barbados para me informar sobre a situação da empresa. Estávamos na varanda, com vista para o belo mar do Caribe, analisando documentos, quando sugeri tomarmos umas cervejas para descontrair. Quando Gary Fayard, o diretor financeiro, viu o sol se pondo no mar azul do Caribe, perguntou-se em voz alta como é que eu tinha coragem de abandonar aquele paraíso de tranquilidade para voltar ao campo de batalha corporativo. “Você pirou?”, Gary perguntou. Outra boa pergunta, mas a sorte já estava lançada. O visto de trabalho chegou antes do esperado, de forma que eu estava de volta a Atlanta com mais de uma semana de antecedência da data de início oficial. Doug Daft já tinha saído. Sentei-me à minha nova mesa e liguei para Warren Buffett. “Estou trabalhando pro bono para a Coca-Cola Company”, disse a Warren, lembrando que eu ainda não tinha sido incluído na folha de pagamento. “Excelente ideia”,Warren brincou. “Por que não continuamos assim?” Escrevi este livro porque fui encorajado por muitos amigos e também para compartilhar as lições que aprendi com a Coca-Cola Company e com o meu papel na reconstrução da marca mais conhecida do mundo. Acredito firmemente que a história não deve ser contada por uma voz anônima. Para conhecer profundamente a mim e à empresa, é importante acompanhar minha carreira, desde o início, na Zâmbia, passando pela África do Sul,Austrália, Filipinas e Alemanha – na incrível época que se seguiu à queda do Muro de Berlim e à abertura do antigo impé­r io soviético –, a reentrada da Coke na Índia e no Oriente Médio e os cinco anos que passei como presidente do conselho e CEO da empresa. A Coca-Cola, originalmente criada como um remédio contra ressaca e dor de cabeça, foi fundada em maio de 1886 por um farmacêutico de Atlanta, John Pemberton. Hoje, a Coca-Cola é vendida no mundo


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inteiro, exceto três países: Coreia do Norte, Cuba e Mianmar. A Coke é um produto de baixo custo e alta qualidade. Como observou o artista Andy Warhol, o consumidor pode ser um rei ou um mendigo, mas o sabor é sempre o mesmo. A Coca-Cola é uma empresa que está por toda parte. Sua propaganda ajudou a criar a imagem moderna do Papai Noel. “Coca-Cola” é o segundo termo mais reconhecido do mundo, perdendo apenas para “OK”. Ao mesmo tempo, a Coca-Cola tem um fascínio secreto: pouquíssimas pessoas conhecem os seus ingredientes. Nem eu conheço a fórmula secreta. A Coca-Cola elabora, em algumas poucas fábricas ao redor do mundo, o preparado secreto, que é misturado aos outros ingredientes para produzir um concentrado que é, então, processado na forma de xarope e entregue a restaurantes e engarrafadoras. Historicamente, a maior parte dos lucros da Coca-Cola provinha das vendas do concentrado a engarrafadoras independentes. Mas, ao longo dos anos, a matriz foi comprando muitas das engarrafadoras. Em 2010, a empresa adquiriu as operações norte-americanas de sua maior engarrafadora, a Coca-Cola Enterprises. Hoje a Coke é proprietária de 90 por cento das operações de envasamento nos Estados Unidos e no Canadá. A Coca-Cola parece ser, em muitos aspectos, a empresa perfeita: ela é lucrativa, vende um produto disponível praticamente no mundo inteiro e proporciona ao cliente alguns minutos de prazer a um custo bastante acessível. No entanto, no mundo atual, isso não basta mais. Como você poderá observar com as controvérsias que contarei neste livro, a Coca-Cola não é universalmente respeitada, especialmente entre certas elites. Ela é acusada de contribuir para a obesidade e a diabetes, de destruir o suprimento de água na Índia e de várias outras transgressões. “Quanto mais dinheiro ganhamos, mais somos rejeitados”, lamentou Paul Austin, o presidente do conselho da Coca-Cola em uma carta de março de 1970 a Robert W. Woodruff, que comandou a Coca-Cola de 1923 a 1954. Austin observou que, mesmo naquela época, a Coca-Cola deveria produzir mais do que refrigerantes e lucros. As corporações multinacionais se transformaram em alvos, apontadas como culpadas por muitos dos problemas do mundo.


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Muito se fala hoje em dia sobre a responsabilidade social corporativa, mas eu argumentaria que esse conceito se baseia em uma definição limitada do desafio enfrentado pelas empresas globais. Eu me formei na África do Sul como assistente social, mas optei por uma carreira de negócios. Acredito que, no mundo atual, é necessário combinar essas duas disciplinas em uma iniciativa tríplice, formada do setor privado, do setor público e do terceiro setor, para construir um mundo melhor, produzindo, dessa forma, um planeta mais limpo e combatendo a pobreza e as doenças. Chamo a isso de Capitalismo Conectado. Na posição de presidente do conselho da Coca-Cola, tentei fazer a empresa avançar nessa direção, um processo em curso na Coke e na maioria das empresas globais. Trata-se de um movimento importante, e felizmente meu sucessor na Coca-Cola, Muhtar Kent, tem lhe dado prosseguimento. Acredito que esse conceito acabará decidindo o futuro do capitalismo. Este não é um livro de negócios típico nem uma autobiografia típica. Na verdade, ele é mais uma narrativa pessoal. Una-se a mim nesta jornada pela Coca-Cola à medida que exploramos a história da minha vida e o futuro intimidante, porém empolgante, dos negócios globais.


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