Aprendendo a lidar com crises - Karin Wondracek e Carlos Hernández

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Aprendendo a lidar com crises



Karin Hellen Kepler Wondracek Carlos José Hernández

Aprendendo a lidar com CRISES

3ª Edição Ampliada

Joinville, 2017


© 2017 Editora Grafar Ltda. Os direitos dessa edição estão reservados à Editora Grafar Ltda. As primeiras duas edição desse livro foram publicadas pela Editora Sinodal, São Leopoldo (RS).

Capa: Igor Mitt Costa Ilustrações: Igor Mitt Costa sobre originais de Santiago Hernández Diagramação: Editora Grafar

Ficha Catalográfica

W872

Wondracek, Karin Hellen Kepler Aprendendo a lidar com CRISES / Karin Hellen Kepler Wondracek, Carlos José Hernández - 3.ed. - Joinville: Grafar, 2017. 138p.; 21cm ISBN 978-85-63723-13-0 1. Crises - Aspectos psicológicos. 2. Administração de crises - Aspectos religiosos - Cristianismo. I. Hernández, Carlos José. II. Título. CDD 158(22.ed) CDU 159.9 Elaborada por: Maria Isabel Schiavon Kinasz – CRB 9-626

Editora Grafar Ltda. Rua XV de Outubro, 4792 – Rio Bonito 89239-700 – Joinville – SC www.editoragrafar.com.br vendas@editoragrafar.com.br


DedicatĂłria A Elvira Kepler A Eric Zandrino mestres nas primeiras e Ăşltimas crises in memoriam



Sumário

1

Definindo crises

13

2

Crises, rupturas e crescimentos

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3

Pequeno manual de podas para floração

23

4

Crises em compasso de perdão

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5

Eros, philia e agape: crises de amor em três dimensões

39

6

Aprendendo a lidar com outonos e invernos

49

7

Crises da fé

57

8

Crises e pós-modernidade

65

9

Educando para crises

73

10 Das crises à cruz

79

11 Crises (d)e identidade

87

12 A última crise

95

13 Aprendendo a criar com crises

101

14 Aprendendo a lidar com as crises dos outros

107

15 As crises do terapeuta

117

16 Livros úteis nas crises

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Apresentação

Se o título deste livro lhe interessou, são grandes as probabilidades de que você esteja em meio a uma crise em sua vida. Em respeito a essa difícil situação, tento ser breve nesta apresentação. Os dois autores, Karin Hellen Kepler Wondracek e Carlos José Hernández, ao mesmo tempo sabem e não sabem do que estão falando. Obviamente, não sabem das dimensões e características da crise pela qual você está passando. Por outro lado, profissionalmente, lidam com crises de pacientes praticamente todos os dias, há muitos anos: Karin em seu consultório psicológico em Porto Alegre e Carlos em sua prática clínica psiquiátrica em Posadas, Argentina. Pessoalmente, cada um deles naturalmente também tem passado por crises ao longo da vida. No terreno dos estudos, além dos cursos de Psicologia e de Psicanálise (no caso de Karin) e da formação como médico psiquiatra (no caso de Carlos), ambos têm buscado saber mais e entender melhor o que se passa na vida humana. Ao lado dos grupos de estudo, pesquisas e temas mais típicos do meio psicológico-psicanalítico acadêmico, Karin aprofundou-se também em teologia, prática da espiritualidade e meditações cristãs; Carlos também se dedicou a muitos estudos e aperfeiçoamentos, como a pós-graduação em psiquiatria e espiritualidade, além de vivências mais ousadas, como ir morar junto com os pacientes dentro do hospital psiquiátrico em que trabalhava. Seu trabalho em conjunto tem ocorrido principalmente em dois ambientes: nas reuniões do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), onde ambos participam ativamente de congres9


sos, encontros, workshops e palestras junto com outros mais de 500 profissionais da área psi no Brasil, e num despretensioso grupo de leitores regulares da Bíblia – seguindo um plano de leitura idealizado por Carlos Hernández no livro “Leiamos a Bíblia: guia para leitura meditativa”. Esse grupo, espalhado pelo Brasil e Argentina, já há mais de 15 anos faz diariamente suas leituras bíblicas pelo mesmo roteiro, e organiza um encontro presencial ao menos uma vez ao ano. Por último, devo dizer que a atitude com que Karin e Carlos abordam os vários ângulos das crises deve ter-se revelado também na escolha que fizeram para esta apresentação: o mais comum é autores de livros buscarem um “padrinho mais famoso”, como um professor ou orientador, para escrever o prefácio. Eles não, pois optaram por chamar o irmão menor (de Karin) e discípulo aprendiz (de Carlos) para essa tarefa. Pelo menos, posso garantir que os conheço... O livro foi ampliado em relação à primeira edição, mas esta apresentação vem abreviada para dar lugar ao tratamento de situações reais duramente vividas, utilizando metáforas, sabedoria da natureza, meditações, Deus e poesias. Para quem essa linguagem parecer estranha, recomendo: continue a leitura. Depois de alguns capítulos, se você já estava em crise, poderá se sentir acompanhado; se não estava em crise, poderá começar a pensar que talvez não seria de todo mau ter uma, mesmo que pequena... Karl Kepler Psicólogo, editor e professor de teologia

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Introdução

Uma psicanalista e um psiquiatra reúnem-se para escrever sobre crises. O que pode sair desse encontro? Histórias de vida, reflexões, teorizações, recomendações... Talvez seja bom explicitar, desde já, o que este livro não é: um roteiro descritivo de todas as crises e tampouco um manual de eliminação das crises que nos acometem no decorrer da vida. Alguns leitores podem estar se aproximando com o desejo de obter ajuda para evitar crises. Queremos deixar claro, desde o início, que não cremos que isso seja possível sem que se pague um alto custo de empobrecimento e robotização da vida. Portanto, não escrevemos um livro de receitas para fugir de crises e fazer de conta que não existem. Antes, queremos apresentar um companheiro que caminhe ao lado do leitor e da leitora durante as crises. Da nossa clínica e da nossa vida trazemos as questões norteadoras: Como as crises sobrevêm? Há tipos de crises? É possível aprender a lidar e a crescer com elas? Lidar é uma palavra que remete a “lida e trabalho”, indicando que há um esforço que as crises requerem de nós, há um labor a fazer para que possamos superá-las. Crescer, por sua vez, se enlaça com a dinâmica da vida que procura superar obstáculos, fazer-se resistente e frutificar. Uma linguagem de fertilidade nos acompanhará no caminho e inspirará a ver o potencial de adubo nas folhas arrancadas durante o vento das crises. Fecundidade que chegou a nós através das pessoas que compartilharam suas crises em nossos consultórios, através das ideias de pensadores como Freud, Pfister, Winnicott, Tillich, 11


Bonhoeffer, Loder, entre outros, através dos salmistas e dos profetas da Bíblia e de nossos poetas e poetisas. Suas palavras são sementes que plantamos com gratidão nos solos deste livro. A própria natureza nos ajudará a observar a rica simbologia de plantas, flores, frutos, sementes, solos e estações, que nos inspirará na compreensão do viver e suas crises. Vida: esta é a palavra-chave que pretendemos trazer para rimar com crise – rima não-harmônica aos nossos ouvidos ocidentais, pois a forma costumeira de pensar quer fazer crer que crise é um acontecimento estranho, um acidente de percurso, indesejável. Em contrapartida, para os orientais as crises são eventos de final aberto, podendo tanto conduzir ao crescimento como à estagnação. Desejamos uma jornada saboreada através das folhas deste livro, que auxilie a viver intensamente as diversas estações da existência e, acima de tudo, que possibilite sentir que não precisamos enfrentar sozinhos as crises da vida. Agradecemos a todos os que nos apoiaram e ajudaram na escrita – especialmente aos familiares, colegas e amigos. A terceira edição nasce do encorajamento de leitores e leitoras que se sentiram acompanhados por nossas palavras em seus momentos difíceis. Também incluímos um capítulo sobre as crises dos terapeutas. Somos humanos, e não podemos nos isolar nas tempestades. Agradecemos aos companheiros, amigos e terapeutas que nos abrigaram em tempos difíceis. Karin e Carlos

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Capítulo

1

Definindo crises

Uma pequena semente é lançada ao vento, até o chão. As folhas secas a acolhem como um ventre aconchegante. Pouco a pouco a presença de chuva, calor, vento e decomposição de folhas faz com que encontre solo e escuridão. Agora é tempo de inchar e inchar até que a tensão da sua membrana se torne insuportável e faça-a rebentar. Nasce uma pequena planta. Neste breve relato há muitos movimentos: queda, recepção, calor, umidade, tensão, ruptura. Da mesma forma, nossa vida é cheia de descontinuidades. Por mais que saibamos algo dos nossos rumos, há muitas variações em nossos ciclos e tempos. Algumas são previsíveis, outras trazem surpresas e desafios. Além da tensão do nascer e do brotar, há mais variáveis: E se essa semente caísse em um deserto? Ou num rochedo? E se não chovesse, nem houvesse folhas ou terra? Para onde se dirigiriam as raízes, se a pequena planta se deparasse com rochas? Que faria a vida para essa semente brotar? Temos um impulso natural em direção ao crescimento, mas os caminhos que este impulso enfrenta são cheios de surpresas. As crises pulsam nestes tempos descontínuos: comparecem ventos, rochas e chuvas, que mostram que a vida não segue uma linha reta 13


e ascendente. Tal qual a raiz, que pode se deparar com a dureza da rocha, assim pode ser duro o solo onde acontecem muitos tempos da nossa vida. Crises são esses períodos incertos, nos quais os nutrientes que deveriam estar disponíveis não são encontrados. Nossas raízes estão aturdidas, não sabem como continuar. Estão tateando, buscando para onde seguir. Crise é o movimento na obscuridade do solo, no ensaio de saídas, no ir às profundezas dos mistérios da vida. Um desemprego, um acidente, uma separação, uma gravidez indesejada... Paradoxalmente, muitas vezes é a marcha da vida que ocasiona uma crise: Sabrina* , filha mais velha de um casal muito piedoso, foi educada com carinho e preenchida com os sonhos dos seus pais. Está na adolescência, no primeiro namoro. De repente, engravida. As crises são vendavais que arrancam o telhado protetor do nosso cotidiano, destruindo certezas e planos. Como nessa família, as crises chegam inesperadamente, provocam surpresas, desacomodando os sonhos e as regularidades que imaginávamos viver. Elas expõem o fracasso de uma visão racional da vida. Esta vai por caminhos diferentes do planejado. Há um mecanismo na vida que surpreende, que toma outros caminhos. A vida vem ao nosso encontro, mas não de modo regular. Ela se manifesta de um jeito imprevisto, vem em forma de crise. E lidar com isso, infelizmente, não é ensinado adequadamente – nem em escolas primárias, nem em faculdades, tampouco em igrejas. As crises levam a constatar nossa ineficácia para crescer de acordo com os projetos. Crises mostram que a vida não está em nossas mãos, que nossos planos não se cumprem. Crises convidamnos a improvisar e a criar novos arranjos de jardins. A pequena planta encontra uma fissura na rocha, espreme sua raiz por essa brecha e por muito tempo toda a energia se concentra * As vinhetas que apresentamos estão baseadas em fatos reais, mas com identidade e

contexto alterados.

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em alongar-se para além da fenda. Alonga, alonga, e depois de muito penetrar encontra terra. Agora pode continuar a crescer para o alto. As crises despertam forças surpreendentes em nós – se não fugirmos, surgirão novos horizontes e solos. Elas nos desafiam a criar uma nova maneira de viver. Os pais de Sabrina, a princípio, sentiram seu mundo desmontar. O que pensariam os vizinhos? E sua imagem de família-modelo, sua autoridade na comunidade? A relação instável com o namorado não suportaria a responsabilidade de um casamento. Não havia “solução” fácil e acomodativa. Um aborto traria outros problemas, que só complicariam as coisas. Sabrina estava disposta a encarar a aventura da maternidade precoce. Seus pais, ao verem o seu ventre crescer e ao se imaginarem segurando seu neto, tiveram seus temores abrandados. Os sonhos de formatura da filha foram adiados; ao invés de um novo computador, um bercinho. O ideal de encarnar uma família perfeita perante a sociedade foi trocado pela ternura para com o bebê que viria em breve. Agora, o que importava era dar suporte a Sabrina, ajudá-la a viver esse tempo difícil e simultaneamente maravilhoso. As crises funcionam como uma peneira que ajuda a discernir o que importa. Elas confrontam nossas crenças e rotinas. Se aceitamos esse desafio, podemos nos libertar de estereótipos, do rotineiro “piloto automático”. Quando não permitimos esse tempo de revisão de rota, criamos tabus e silêncios que levam à estagnação da vida. É preciso dar impulso à raiz, em busca de solos mais propícios! É no olho sujo de sonho que nasce a coragem da luta. É da mão enfiada no barro que o homem tira seu pão. É pela beleza da lua que se tece um caminho até ela. 15


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