Um país chamado Jeitoso

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Jairo Miranda Prefácio do jornalista Percival de Souza

1ª Edição Rio de Janeiro 2014


Um país chamado Jeitoso © 2014 Todos os direitos desta edição estão reservados para a Editora Grafar. Revisão: Quéfren de Moura Ilustrações: Flamir Ambrósio Diagramação: Janete D. C. Leonel

Ficha Catalográfica M672p

Miranda, Jairo Um país chamado Jeitoso : tempo de pensar e rever conceitos morais e éticos / Jairo Miranda - 1. ed. - Joinville (SC) : Grafar, 2014. 160 p. ISBN 978-85-63723-07-9 1. Ficção brasileira. I. Título.

Elaborada por: Andréa Blaskovski CRB 14/999

Editora Grafar Ltda. Rua XV de Outubro, 4792 – Rio Bonito 89239-700 – Joinville – SC www.editoragrafar.com.br vendas@editoragrafar.com.br


Tempo de pensar e rever conceitos morais e éticos

Jairo Miranda Prefácio do jornalista Percival de Souza

1ª Edição Rio de Janeiro 2014



D

edico esta obra a todas as pessoas que têm sede e fome de justiça, e que são comprometidas com a paz social, a liberdade de expressão, a ética e a moral, importantes sustentáculos para promover a consolidação democrática de uma nação em ascendência econômica e política.



Agradecimentos

A

gradeço primeiramente a Jesus Cristo, que legou à humanidade incomparáveis princípios morais e éticos, que serviram de fundamento para escrever este livro; e às seguintes pessoas, sem as quais este livro não seria escrito: à minha dileta esposa Luciene, sempre me ajudando e sempre presente em meus projetos; a Carlos Fraga, pelas oportunas sugestões e pela assessoria nas citações relacionadas a direito constitucional e penal; a Janete Leonel, pelo competente trabalho de assessoria editorial e diagramação; a Quéfren de Moura, pela abordagem pragmática aplicada ao trabalho de revisão e estilização; a Ageu Gouveia, pelas muitas sugestões e por todo incentivo e apoio; ao Dr. Carlos Wesley, por seu precioso estímulo e efetiva colaboração; ao jornalista e criminólogo Percival de Sousa, que me honrou com o seu generoso prefácio; e ao ilustre cartunista e ilustrador Flamir Ambrósio, pelas criativas e enriquecedoras ilustrações.

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Homenagem

S

irvo-me deste espaço para homenagear as seguintes pessoas parceiras no atendimento aos presos do Rio de Janeiro, no período em que atuei no projeto que incluía a doação de Bíblias aos presos pela Sociedade Bíblica do Brasil, e que muito me ensinaram pelo seu carisma e abnegação no exercício deste difícil, porém abençoado, ofício: Adenice Baptista Barreto, Missionária da Igreja Batista, atualmente voluntária da Associação Luz da Liberdade que tem como objetivo a ressocialização e reintegração na sociedade do egresso prisional e promover apoio às suas famílias; Carlos Alberto Ferreira Guimarães, ex-presidiário do sistema prisional do Rio de Janeiro, ex-policial Militar, atualmente é pastor da Igreja Evangélica Congregacional do Brasil, advogado, homenageado pela Câmara Municipal de Niterói-RJ com o título Doutor Honoris Causa e presidente da MAE – Missão de Assistência aos Encarcerados; Margarida Paes Leme Borges, da Igreja metodista, que presta assistência voluntária aos presos; e a Israel José Soares (in memoriam), ex-presidiário do sistema prisional do Rio de Janeiro, falecido vítima de acidente automobilístico na estrada de Cabo Frio a Niterói. Essas abnegadas pessoas merecem honra por cumprirem o apostolado cristão 9


mencionado na Epístola aos Hebreus: “Lembrem-se dos presos, como se vocês estivessem na cadeia com eles”.

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Sumário Prefácio – Sepulcros caiados Apresentação Introdução

/ 13

/ 19 / 25

Capítulo 1 – O país das coisas impossíveis / 29 Os habitantes / 32 Corrupção, código penal e impostos / 35 Menor infrator / 36 Segurança que não protege / 38 Tráfico de armas / 42 Classe distinta / 42 Consequências / 51 Capítulo 2 – Mandacaru / 53 Mandacaru, o “pequeno paraíso” / 53 Acidente e morte de Maricota / 55 As lides / 57 A doença de Anastácio / 59 A morte de Anastácio / 60 Capítulo 3 – O herdeiro / 63 O casamento de Josinaldo / 65 A picada da surucucu / 68 A educação dos filhos / 69 O destaque / 69 11


Capítulo 4 – Seca que destrói e mata Capítulo 5 – A venda de Mandacaru

/ 71 / 77

Capítulo 6 – A saga da família Ferreira A viagem / 83 O embarque / 85

/ 83

Capítulo 7 – Chegada em Pauliceia / 87 A compra do barraco / 89 O trabalho de Josinaldo e dos filhos / 90 O parto de Zezé / 90 Capítulo 8 – Mudança religiosa / 91 A nova fé / 93 A catequese / 93 A conversão de Josinaldo ao protestantismo O batismo / 94 Capítulo 9 – As lides da família

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Capítulo 10 – O crime / 99 O delinquente / 102 Briga entre facções / 104 Capítulo 11 – De volta ao lar

/ 111

Capítulo 12 – Primeiros diálogos O segundo diálogo / 116 Emprego e desemprego / 117

/ 116

Capítulo 13 – Ingressando no crime Terceiro diálogo / 121 O acidente / 130 Capítulo 14 – Incursão policial Capítulo 15 – A tragédia

/ 145

Epílogo / 149 Exéquias / 149 Glossário

/ 155 12

/ 119

/ 141

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PREFÁCIO

Sepulcros caiados Percival de Souza (*)

J

airo, o chefe da sinagoga em Carfarnaúm, foi buscar a Jesus para tentar fazer retornar à vida sua filha querida de 12 anos. Ela está apenas dormindo, disse o Mestre (riram-se dele os circunstantes), mas Ele tomou-a pela mão e disse: menina, levanta-te. E ela levantou-se de imediato. Está escrito nos Evangelhos sinóticos. Jairo, o pastor, demonstra nesta obra que prestou muita atenção naquele trecho da epístola endereçada aos Hebreus (13:3): lembrai-vos dos encarcerados como se presos com eles. Jairo, o autor, revela faces ocultas – não só de personagens, mas também sociais e institucionais – da fantasticamente surreal Jeitoso, o palco nada imaginário de manobras, conchavos, acertos, falsidades e hipocrisias capazes de fazer enrubescer fariseus empedernidos.

* Jornalista, escritor, criminólogo, professor da Escola Bíblica Dominical.

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As descrições exigem conhecimento, talento e arte, porque ao que vai se ler agora não se tem acesso facilmente, porque as mazelas sociais, que trafegam num gigantesco e oculto cano de esgotos, que desemboca com carga total na prisão – a antiga instituição criada com o objetivo teórico de mudar as pessoas, nascida da Igreja do século V em formato de penitência para expiação dos pecados, daí a origem da palavra penitenciária. Na filosofia medieval, era desse modo que os religiosos poderiam, enclausurados, meditar bastante. Corrigir-se. Detestável solução, escreveu Michel Foucault, em nosso tempo (Vigiar e Punir), mas nada encontramos como sociedade, ainda, para colocar em seu lugar. Por quê? Julga-se um homem em parte, por um ato, mas se o bota inteiro no cárcere. (Scala Domenico). A rigor, o modelo significa a transferência dos castigos corporais para aplicar no lugar uma espécie de pulverização psicológica – a saber, conforme Foucault, o castigo que atua profundamente sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Vós, que entrais aqui, abandonai toda a esperança. A frase no Hino da desesperança de Dante Alighieri, na obra A Divina Comédia, ficava à entrada de antiga penitenciária, no sul da Itália, reservada aos condenados a prisão perpétua. É profundamente significativa, até porque na mitologia grega a Caixa da belíssima e irresistível Pandora, que ao ser aberta libertou todos os males e crimes que se espalharam pelo Universo. Só ficou na caixa, trancada e para sempre, a esperança. Jairo, o pastor, peregrina com esperança – que não deriva de simplesmente esperar – no vale de lágrimas e consegue fazer uma espécie de nova exegese, aquela que leva em consideração o primado do real, não se atendo a uma formulação teórica mas se esforçando em adequar-se ao revelar uma substância, que é justamente a esperança proporcionada pela boa notícia, a saber, o Evangelho. 14


Muito interessante, reveladora e chocante, a sua não-ortodoxia nos diálogos com forte personagem, abraçado pelas envolventes teias criminais. Sim, nessa área os fatores são endógenos e exógenos, ensina a criminologia, do mesmo modo como, conforme o psicólogo Ortega y Gasset, o homem é fruto dele mesmo e suas circunstâncias. Sendo assim, não existe apenas uma causa de crime, determinante, e sim fatores. O que está nas ruas nem sempre está nas leis e o que está nas leis, de igual modo, não se encontra nas ruas. Daí os que vivem à margem terem elaborado um outro Código, por eles chamado de Lei do Cão, extremamente rigoroso e implacável, com espaço privilegiado para aplicação da pena capital. Nela, o não matarás, do decálogo mosaico, foi alterado para sim, matarás, cláusula não constitucionalmente pétrea. É tão cruel quanto real. Quem abraça a vida neste mundo à parte tem que se submeter às regras rigorosas, bem diferente dos que desfrutam do mundo da liberdade. Aqui entra um contraponto sinistro: na vida em sociedade, onde muitas vezes predomina a anomia (ausência de regras, de normas), os exemplos nem sempre são saudáveis. Pelo contrário: gente sem escrúpulos, eunucos morais contemporâneos, vicejam e trafegam, inclusive em áreas onde nem se poderia imaginar. É aqui que Jairo, o escritor, traz à tona imundícies que muitos prefeririam deixar submersas. Preocupando-se com o essencial, expressão pura da vigorosa teologia de Paulo, o apóstolo dos gentios, Jairo vai ao ponto central, e não o periférico, para tirar a máscara dos modernos vendilhões do templo, os mercenários contemporâneos em nome da fé, os embusteiros (verdadeiros estelionatários) que não hesitam em praticar heresias a cada dia, os novos falsários – que, alias, pronunciam palavras e não A Palavra. Convenhamos que possuir o discernimento para separar joio do trigo pode ser ta15


refa hercúlea para quem não possuir conhecimento mínimo, um berço, um lastro. O homem de fé, o pastor que sente muito de perto o cheiro das ovelhas, aqui personificado, faz exatamente o que o Mestre recomenda: é capaz de deixar dezenas para trazer uma delas, perdida, de volta ao aprisco. O bandido, baleado, está prestes a sucumbir. Mas dialoga, pede, implora, tem receio pelo que pode esperá-lo numa outra dimensão. Solicita o perdão, e o bom pastor acena com a Palavra, aquela mesma dirigida ao ladrão que se arrepende na última hora e recebe a garantia de que estará no mesmo dia no Paraíso. O detalhe bíblico é profundo se consideramos, aqui, que o ladrão, autor de crimes contra o patrimônio, furta e rouba. É o tipo de crime que compõe 75% (!) da atual população carcerária. É preciso saber falar com eles, pregar, ouvir, escutar, falar na hora certa. Pregar. Jairo sabe. E ensina. Poderíamos chamar a isso – quem sabe? – de ternura da misericórdia, aquela com a qual Jesus, o Cristo, costuma nos afagar. Jairo é portador da luz. Poderia ter uma vida ministerial mais tranquila, se quisesse, mas fez essa opção (que não é nada fácil) de fé. A postura de Jairo nos ajuda a entender aquilo que a sociedade não se interessa muito em saber: é nela, as pessoas que a compõem e as instituições que a particularizam – que funciona, a todo vapor, um incrível e desconhecido laboratório de comportamento humano. Se isso fosse cientificamente levado a sério (e não é), muitos tipos de prevenção poderiam ser aplicados, fixando-se no presente e planejando o futuro. Muito se evitaria, através de diagnósticos elaborados a tempo certo, na medida do Eclesiastes. A persecução penal deixa a desejar: a Polícia lida e lidará sempre com efeitos, a Justiça condena e não conhece (como deveria) o lugar para onde os apenados são encaminhados. O lugar onde se cheira mal e se evita olhar para trás na hora de sair. Laborterapia, a propósito, vem a ser 16


recuperação pelo trabalho. Não existe recuperação através do ócio, “oficina do diabo” como se diz na prisão, o que foi bem compreendido por Dostoievski: a vida é a luta constante entre Deus e o diabo, em que o palco é o coração dos homens. Nesse coração, observe-se, estão concentradas as emoções negativas humanas: ódio, avareza, ciúme, frustração sexual, torpeza. São sempre estas, observe porque é uma certeza, as motivações determinantes de todos os crimes. Isso não está nos autos processuais, mas está nas páginas criminais da história humana no dia a dia. Parece óbvio, mas não é: o mantra “fora dos autos, fora do mundo”, muito repetido nos meios forenses, não resiste a uma análise cartesiana. Seria muita pretensão um processo concentrar em suas páginas, mesmo que volumosas, o que se passa pelo mundo. Tanto que, observe ainda, a maioria dos réus em processos por autoria de homicídio, contam sempre histórias semelhantes. A rigor, mudam-se os nomes, mas não o teor dos fatos. São repetitivos. Para pensar pragmaticamente, o escritor Albert Camus pode ajudar: acho que o mundo não tem sentido final, mas sei que algo nele tem sentido, e é o homem, porque é o único ser que reclama um sentido. Elementar, mas Camus adverte ainda: vivemos tempos em que corre risco de ser morto quem ousar dizer que dois mais dois são quatro. Leia Jairo e seu Jeitoso e confira: muita gente, na sociedade em sociedade, prefere fazer contas diferentes, mesmo diante das evidências. Daí a força da Verdade libertadora, revelada em Cristo, caminho, verdade e vida. É nesse sentido que Jairo, de certo modo, diz que somos peregrinos, mas podemos ser herdeiros do Paraíso, como ele ensinou numa verdadeira extrema-unção (a salvação é individual), porque além das montanhas existem planícies encantadoras e uma glória imortal: contemplar o Senhor face a face, segundo 17


o ex-fabricante de tendas e discípulo de Gamaliel, o convertido a caminho de Damasco, o bandeirante do Evangelho. Jairo, nesta obra, demonstra ser duplamente do ramo: maneja a Palavra com destreza e conhece como poucos a vida ad galeram, no cárcere. Deixou de lado pieguices e o teologês bizarro. Alimentou-se com alimento sólido e repartiu essa nutrição com didática e pedagogia. Mostrando que Paulo tinha mesmo razão: no apogeu do conhecimento cristão, é possível caminhar pela fé, e não pela vista. Há mais, porém: leia, compreenda que é preciso conviver com o dissabor de tomar conhecimento de fatos incômodos. Às vezes, gosto tanto do Evangelho e não gosto de mim, depois de aprender uma nova lição e verificar meus limites. A Bíblia, manual divino, é um manancial de águas profundas. É preciso navegar, com Cristo no barco, que com Ele a bordo nunca vai afundar. Ventos? Tempestades? Não, o Senhor não está dormindo. Ele toma conta de nós, não quer que sejamos pessoas de pouca fé. Conheçamos parábolas e epifanias das Sagradas Escrituras, que nos transformam em personagens, aparentes destinatários de cada Carta deste maravilhoso conjunto de livros, a Bíblia, a biblioteca de 66 livros canônicos. Lembremo-nos sempre das vítimas, no silêncio dos inocentes. Gente que sucumbiu diante de quem teve pressa em escolher pela violência o caminho largo, distanciando-se do estreito. A salvação é possível, mas com condição sine-qua-non: vá e não peques mais. Palavra do Senhor. Jairo é boa companhia. Bem que poderia parafrasear Descartes: penso, logo escrevo. Pensa, escreve, mesmo que doa nele mesmo ser testemunha transformada, pelas emocionantes aventuras da vida, em escritor que tem muito a dizer e a acrescentar, transitando em terreno movediço e escancarando os sepulcros caiados corroídos pelos ácidos corrosivos da modernidade. 18


Apresentação

E

ste livro poderia ter sido escrito exaltando as maravilhas do nosso majestoso e rico país, porque, verdadeiramente, ele é esplendoroso e tem tudo para, na atualidade, estar inserido no ranking das grandes potências do planeta azul. Mas infelizmente, o autor foi motivado a escrevê-lo pelo descontentamento de ver nas manchetes diárias dos jornais, revistas, rádio e TV constantes denúncias de corrupção, de mau uso do dinheiro público para beneficiar pessoas corruptas que, contratando hábeis advogados, conseguem se livrar da devida punição. É revoltante a situação dos atos de violência contra pessoas inocentes e vandalismos praticados por mascarados, depredando o patrimônio privado e público, ferindo o estado democrático de direito, sem o impedimento das autoridades. Isso causa temor e inibição aos que, movidos pelo legítimo direito de protestar, mas por medo de serem confundidos com baderneiros, se recusam a fazê-lo. Fica assim tolhido o legítimo exercício democrático de manifestação pública pelas legítimas causas sociais. Trata-se da já habitual impunidade que, agregada à consciência coletiva da falta de ética de alguns políticos e à inoperância dos poderes constituídos, causa indignação aos mais velhos e desânimo à 19


jovem geração, por não vislumbrarem qualquer perspectiva de melhora para as futuras gerações. A essas perplexidades se somam a experiência do autor de 27 anos de trabalho na Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), nos quais, por quase duas décadas deu assistência voluntária aos presos do sistema prisional do Rio de Janeiro. Tratava-se de um projeto que incluía doação de Bíblias aos encarcerados, realizado em conjunto com outros voluntários de entidades congêneres e igrejas cristãs. Nessas ocasiões teve a oportunidade de dialogar e ouvir relatos e desabafos íntimos dos encarcerados sobre variados temas – causando-lhe surpresa o fato de que os temas acima mencionados, citados pela mídia, eram os mais focados pelos que, por infortúnio do destino, viviam à margem da sociedade que os condenou à reclusão. Durante esse projeto, o autor visitava os presidiários e os assistia em suas necessidades mais urgentes e teve alguns importantes colóquios com eles. Era procurado para ajudar a dirimir dúvidas espirituais e sentimentais, ouvir expressões sinceras de sentimentos e até confidências nunca antes reveladas. Nessas conversações, o autor teve acesso a valiosas informações pela óptica dos presos sobre o sistema prisional, sobre o convívio carcerário e a sociedade em geral, que foram anotadas, catalogadas, e serviram de subsídio para a publicação deste livro. Os principais desabafos incluíam mazelas, mágoas, queiao sistema prisional. Falaram dos maus políticos mostrados pela mídia, dos maus religiosos, dos maus-tratos devido à superlotação dos presídios e das cadeias públicas, da demora da justiça no julgamento das penas, da maioridade penal que isenta pessoas cometedoras de crimes hediondos e outros de receberem punição por eles, das más condições das selas e precárias estruturas sanitárias. Falaram ainda sobre as revoltas 20


internas, sobre a precariedade das instalações para receberem os cônjuges em suas visitas íntimas, sobre o ócio que enfadonha e corrói lentamente a alma, deixando-os com tempo suficiente para pensar em fugas e outras ações muito perigosas, sobre a falta de oficinas de trabalho para a laborterapia a fim de se sentirem úteis, sobre a falta de apoio institucional para os que são postos em liberdade após o cumprimento das penas, sobre o vazamento de informações por autoridades corruptas, sobre as disputas internas entre facções criminosas, sobre a falta de assistência e apoio por parte dos seus familiares, e outras questões. As visitas ocorriam na maioria das vezes em parceria com abnegados voluntários, alguns dos quais eram ex-presidiários que conheciam os locais visitados. Isso facilitou a interconexão com os presos, além de permitir que eles compartilhassem as suas próprias experiências da época da reclusão e pós-reclusão. Para despertar a atenção das autoridades, em outubro de 1996, o autor promoveu um Congresso sobre a problemática carcerária, chancelado pela SBB no Rio de Janeiro, quando foram debatidos importantes temas, registrando-se a participação de expressivas autoridades religiosas, educacionais, do judiciário, criminologistas, diretores de presídios, juízes, desembargadores, incluindo organizações nacionais e internacionais de assistência aos encarcerados, além de jornalistas. Presidiários e ex-presidiários marcaram suas presenças e alguns participaram dos debates, fornecendo reveladores conteúdos que inspiraram sérias reflexões sobre o sistema prisional as quais foram incorporadas a este livro. Quando o autor se aposentou da Sociedade Bíblica do Brasil, resolveu inutilizar todo o material obsoleto do período em que trabalhou na instituição. Porém, ao se deparar com as anotações mencionadas, resolveu trasncrevê-las, acumulando 21


importante acervo, que contribuiu para a produção deste livro. Durante o ajuntamento do material, o autor teve o cuidado de resguardar e manter sigilo sobre os nomes das pessoas e os locais dos acontecimentos. A experiência do autor com o seu trabalho voluntário junto aos presos, os noticiários nas diversas mídias e os resultados obtidos no citado conclave serviram como principal subsídio para a publicação deste livro, que tem as seguintes intenções:

temas atuais, alguns até repugnantes e que incomodam o dia a dia do cidadão. Simultaneamente, o autor procura conduzir o leitor à reflexão sobre esses temas com a intenção de despertar os responsáveis pelas mudanças estruturais da nação, principalmente no que tange à revisão e atualização do Código Penal, às reformas na segurança pública e à necessária reforma política; explorações a que são submetidos pelos falsos líderes, que se intitulam representantes de Deus e se apresentam como carismáticos, a fim de enriquecerem e se estabelecerem em portentosos “impérios” financeiros; mova as mudanças políticas necessárias para o bem-estar do indivíduo, da família e da nação, através do pleno exercício da cidadania, praticando o voto independente e legítimo que é o inalienável direito do cidadão livre e politizado; que de maneira incontrolável contamina muitos segmentos sociais do povo, em decorrência de omissão ou demora na aplicação da justiça por parte dos responsáveis por zelar pela 22


moral, pela ética e pelos bons costumes, que são os pilares de sustentação de um povo comprometido com a cidadania e com a democracia. A saga da Família Ferreira, relatada neste livro, retrata inúmeras famílias provenientes de regiões inóspitas que, castigadas pela seca e sem receber apoio governamental, vendem suas propriedades e seus bens por irrisório preço ao primeiro comprador, e migram para regiões mais propícias para viver e trabalhar. Os crimes e assaltos relatados refletem ocorrências de todos os dias nos grandes centros. Os questionamentos de Vander, o assaltante, revelados nos seus diálogos com o Rev. Celso, refletem questionamentos populares do cotidiano. A banalização da corrupção, bem como o corporativismo e os conchavos políticos ocorridos no imaginário país chamado Jeitoso, podem espelhar realidades e acontecimentos presentes em pelo menos um país do planeta. Este livro é uma mistura de ficção e realidade. Quanto à nação, aos personagens e aos nomes citados, são todos fictícios – qualquer semelhança com algum lugar, situação, acontecimento, nome ou com alguma pessoa ou evento, é mera coincidência.

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