Ser pai com o coração de Deus

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Ser pai

com o coração de Deus

Ser pai com o coração de Deus Como educar seu filho à luz da paternidade divina

Frei Patrício Sciadini, ocd



Frei Patrício Sciadini, ocd

Ser pai com o coração de Deus


COORDENAÇÃO GERAL Filipe Cabral COORDENAÇÃO EDITORIAL Carolina Fernandes CAPA Setor de Comunicação Shalom PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Kelly Cristina REVISÃO Eunice dos Santos Sousa Silvestre

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ISBN: 978-85-7784-072-4 © Edições Shalom, Aquiraz, Brasil, 2013 (2ª edição)


Sumário

Introdução................................................................................................... 7 1. Não sou pai........................................................................................... 11 2. Não conheci meu pai........................................................................ 15 3. O pai é garimpeiro............................................................................. 19 4. Não há maior amor do que dar a vida........................................23 5. Que adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma?........27 6. Quem quiser ser feliz prepare-se para a luta........................... 31 7. Pergunta a seu pai e ele lhe dirá...................................................35 8. Jesus formador....................................................................................39 9. Que pai os jovens esperam?..........................................................43 10. Presentes corrompem... O amor constrói...............................47 11. Você pode dizer aos seus filhos: sejam meus imitadores?........51 12. Mente, coração, corpo....................................................................55 13. Quem ama, corrige..........................................................................59 14. Todos o condenam? Eu o amo.....................................................63 15. Disponível ... 35 horas por dia......................................................69 16. Não pensar pelos outros, mas com os outros........................73


17. Ofereço-lhe os meus erros............................................................77 18. Fale pouco e dê bom exemplo.................................................... 81 19. Perseverar até o fim.........................................................................85 20. Que queres que eu te faça?.........................................................87 21. O fracasso é sucesso........................................................................91 22. Ser senhores de si mesmos..........................................................95 23. Procura-se um amigo.....................................................................99 24. Os dez pecados que os pais não deveriam cometer.........103 25. Nunca faça comparações............................................................107 26. Não corrigir diante dos outros................................................... 111 27. Ser autoridade não é ser agressivo........................................... 115 28. Construir e não só destruir......................................................... 119 29. Nunca renunciar a missão de pai..............................................123 30. Não renegar a paternidade........................................................127 31. Espere a ira passar..........................................................................129 32. Não destruir os sonhos................................................................135 33. Saber voltar atrás...........................................................................139 34. Ser fiel à palavra dada..................................................................143 35. Não há diploma de pai.................................................................147 36. Assim eu sonho o pai...................................................................149 37. Recomeçando o caminho............................................................151

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Introdução

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ilho, onde está seu pai? Pai, onde está seu filho? É triste ver como os asilos de idosos estão cada vez mais cheios e que se tornaram um filão de renda econômica que dá dinheiro. Há muitos filhos que, com a desculpa de oferecer aos pais uma vida cômoda, colocam-nos em asilos e abrigos. A vida nasce na família e deve morrer na família. Asilo não é lugar para pessoas que deram a vida e que amaram os que geraram. Que os asilos de mães e pais idosos desapareçam e que nas famílias possam ser ouvidos novamente o choro alegre das crianças e o lamento muitas vezes triste e sofrido dos idosos, consolados pelo carinho dos netos e pelo amor dos filhos. Ninguém nasce de uma gestação repentina nem por clonagem, somos fruto de um gesto de amor, de um encontro de alma e sempre de um encontro de corpos. Devemos ser agradecidos aos que nos deram a vida e nos sentir felizes por aqueles a quem demos a vida. Nunca um filho deveria desobedecer aos pais, a não ser para seguir o chamado de Deus, a fim de viver uma missão que, muitas vezes, pode ser incompreendida. Na história, há tantos filhos e filhas que, para seguir Jesus no sacerdócio e na vida consagrada, souberam dizer não aos próprios pais e se colocaram no serviço de Deus. As palavras de Cristo nos recordam com firmeza:


“Quem ama pai e mãe mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37). Edith Stein escolheu o Carmelo, mesmo que a mãe não concordasse e nunca fosse visitá-la. A serva de Deus Madre Maria José de Jesus, carmelita descalça, não duvidou em dizer não ao pai Capistrano de Abreu e se tornar monja no mosteiro de Santa Teresa, no Rio de janeiro. Será a mesma Madre Maria José quem dedicará ao pai, distante pela fé e não pelo amor, um dos mais belos sonetos da literatura e poesia brasileira. “A meu pai Foste tu, caro Pai, que do seio do Eterno Me arrancaste e trouxeste a este mundo, a esta vida... Quando eu desabrochei – qual flor recém-nascida – O sol que me aqueceu foi teu amor tão terno. Teu sangue é o sangue meu... Trabalho paterno Ganhou-me o pão com que eu cresci e fui nutrida. Ah! Quanto te custei!... Quanta dor! Quanta lida! Deste teu quente estio até teu frio inverno! E, agora, dá-me a mão... É noite. Vem comigo! Vem, que eu te levarei a Jesus, teu Amigo, Que te espera saudoso... Oh! Dize-me que sim! Foste meu pai, e eu tua mãe serei agora... Dar-te-ei a Eterna Luz de que me deste a aurora, Dar-te-ei – por esta vida – a Vida que é sem fim...” Na obediência a Deus, no coração dos filhos, sempre permanece o amor para com o pai. A Bíblia nos dá uma indicação

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fundamental do relacionamento entre pais e filhos: “Mesmo que teu pai perca o juízo, não o abandone” (Eclo 3,15). Pai sempre será pai e não deixará de sê-lo nem pela idade, nem que a doença lhe faça perder a noção da vida. “Pai, não desanimai os vossos filhos para que não percam a coragem” (Cl 3,21). Filho não deixa de ser filho nunca. A paternidade implica relacionamento. Não há pai sem filho e nem filho sem pai. O futuro está nas mãos dos primeiros educadores. Educação não pode nem deve ser delegada e transferida a outras pessoas, por quanto sejam competentes e boas. Cada um de nós passa na história deixando rastros de si, ou do bem ou do mal. Podemos influenciar com a nossa palavra e nos tornar sinais vivos do amor de Deus. Portanto, a toda pessoa são dirigidas as duras e dramáticas palavras de Jesus: “... Quem escandalizar um destes pequeninos, que crê em mim, melhor seria para ele que lhe pendurassem uma pedra de moinho ao pescoço e o jogassem no fundo do mar” (Mt 18,6). Este livro busca oferecer uma ajuda a todos os que têm o nome de “pai”, quer biológico, quer espiritual, para estabelecer um relacionamento de amor e de vida. A cada homem, uma mensagem: sinta-se feliz por ser pai. E a cada filho: sinta-se feliz por ter seu pai, assim como ele é. “Não há maior amor do que dar a vida por aquele que se ama” (Jo 15,13). E “onde não há amor, coloca amor e receberás amor” (S. João da Cruz). Só assim podemos ter a certeza de que o amanhã será melhor do que o hoje. Pai e filho de mãos dadas, caminhando unidos para preservar e defender a vida.

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1. Não sou pai

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elutei bastante em escrever este livro para os pais, mas, confiando no Espírito Santo que pode até falar pela boca das crianças, ou da burra de Balaão (cf. Nm 22,28-30), decidi aceitar. Falar sobre uma missão tão importante e fundamental como “ser pai” é uma tarefa difícil que, provavelmente, nunca será possível fazê-lo plenamente. Não há pai pré-fabricado, pré-moldado, com linhas de ação que servem para cada momento. É uma aventura sempre nova. É diálogo que se aprende dialogando, amor que só se faz amor quando nos doamos sem reserva. Contemplando Deus Pai, que faz surgir o sol sobre os bons e sobre os maus, que faz chover sobre os campos dos justos e injustos, podemos compreender que o coração de um pai não pode fazer diferenças. Ele deve amar com ternura e delicadeza a cada filho, segundo suas necessidades, para que possa se abrir e florescer como necessita, para ser ele mesmo. Não sei se eu teria sido um bom pai, é uma dúvida que nunca poderei responder. Deus me chamou para outra paternidade, deu-me o carisma da castidade, que tem como missão “ser fonte de uma nova fecundidade” e espalhar uma vida nova ao meu redor. Sou chamado a amar a todos como se fossem uma única pessoa e a amar uma única pessoa como se fosse toda


a humanidade, presente em todos os lugares e ambientes. A Bíblia nos apresenta especialmente uma figura de amor de pai que não foi pai biológico de ninguém, mas que nos transmitiu o verdadeiro sentido da paternidade: Jesus. Fixando os nossos olhos em Cristo, sentimos que algo novo vai acontecendo dentro de nós. Ele nos falou com ternura de seu Pai e nos transmitiu somente o que dele aprendeu. Assim, cada pai deve ser mestre de uma vida recebida, de uma experiência que lhe foi passada, enriquecendo-a com sua própria experiência. Ele deve manifestar seu amor, o mesmo amor que recebeu, purificando-o e enriquecendo-o com sua vida de cada dia. Não sou pai, mas, ao longo de tantos anos, olhando ao meu redor milhares de pais conhecidos, que têm me falado sobre sua dificuldade e alegria de ser pai; e ensinando milhares de jovens que têm aberto o coração, falando sobre as dificuldades que encontram ao se relacionarem com o próprio pai, posso ter a ousadia de dar conselhos e de ajudar, quem sabe, a alguém. Um pai deve estar sempre à escuta, à procura de caminho pedagógico novo, de luzes na Palavra de Deus para poder assumir melhor sua missão. Portanto, podemos iniciar este nosso caminho rezando com amor, com atitude de filho e de pai, a oração nascida no coração de um filho, o melhor Filho, Jesus, querido e amado pelo Pai. “Pai nosso, que estais nos céus, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso Reino,

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seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém”. Você, que é pai, como se sente em sua missão de educador, formador de seus filhos? E quais conselhos você daria aos pais de filhos que não são seus? Está disposto a pôr em prática, à risca, tudo o que o Espírito Santo colocar no seu coração, mesmo quando se faz difícil? “Naquele dia, ele não quis brincar com as outras crianças. Preferiu esperar que eu chegasse porque tinha algo a me entregar. Seus olhos grandes e negros brilhavam, fazendo com que parecesse ter menos idade que os seus 8 anos. Nas mãos trazia um pacotinho embrulhado para presente com um papel já surrado, que foi logo me entregando com um abraço e um tímido ‘parabéns’. Olhei para ele comovido e agradeci, pegando-o ao colo. Ele me olhou no fundo dos olhos e me disse: ‘Frei, você sabe que meu pai morreu quando eu era muito pequeno, que minha mãe nunca ligou para mim e me deixou na rua. Mas você me disse que o Pai do Céu cuida de mim. Veja, eu fiz para você, hoje é dia dos pais’. Abri o pacote e vi um pedaço de madeira onde estava escrito, no meio de muitos desenhos com caneta esferográfica: ‘Pai, eu te amo’. Com as lágrimas retidas olhei para ele, que foi logo dizendo: ‘Você é quem cuida de mim, me fala coisas bonitas, me põe de castigo quando eu faço traquinagens, me ensina a rezar, a ser gente. Você é o meu pai!’”

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2. Não conheci meu pai

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ão tive a graça e a sorte de conhecer meu pai. Ele morreu oito meses antes de meu nascimento. Minha mãe Domênica estava grávida de um mês quando a guerra, triste guerra, matou o meu pai. Foram os alemães. Não tenho raiva deles, mas, sim, revolta da guerra que tira tantos pais do convívio dos filhos. Hoje há guerras diferentes: sequestros, vingança, violência. Quem sabe se alguém entre os que estão lendo este livro também não conheceu o pai, não teve a alegria de chamar este nome, uma palavra rica, cheia de vida e de proteção. É no pai que os filhos gostam de se espelhar, desejando ser um dia como ele. É necessário resgatar no mundo de hoje o pai como modelo de vida. Toda pessoa quer ter o seu herói. Pode existir um herói melhor do que o próprio pai? Nada faço por mim mesmo, diz Jesus, meu pai trabalha e eu também trabalho. Isaac se espelhava no seu pai Abraão e o imitou na fé, na vivência da Palavra de Deus. Benjamim era muito amado por seu pai. “‘Temos um pai já velho e temos o irmão caçula, nascido em sua velhice. Tinha este um irmão que morreu. Sua mãe ficou só com o outro, e o pai o ama


muito’. Tu disseste a teus servos: ‘Trazei-o a mim para que possa vê-lo’. Nós te dissemos: ‘O menino não pode deixar o pai. Se o deixar, o pai morrerá’” (Gn 44,20-22). José, no Egito, embora fosse vice-rei, não podia deixar de se lembrar de seu pai Jacó. “Contai a meu pai quanto é o meu prestígio no Egito e tudo que vistes, e apressai-vos em trazer para cá meu pai” (Gn 45,13). Minha mãe nunca falou mal de meu pai, mas sempre lembrou dele com muito respeito. Recordo que muitas vezes ela, com simplicidade, recordava o que meu pai fazia e como ele agia, sentenciando com austeridade materna: “Você deve se comportar como seu pai. Ele era estimado por todos, amado, e sua palavra valia muito para todos nós”. O pai, mesmo que não o tenhamos conhecido, trazemo-nos dentro de nós. Há um grande desejo de imitá-lo, o que faz parte “geneticamente” da vida de toda pessoa. “Sejais perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está no céu” (Mt 5,48). É preciso saber transmitir às crianças a imagem do pai que gostaríamos de ter e não uma imagem negativa. Por que, afinal, falar mal de quem nos deu a vida? Lembro-me de quando, ainda menino, os meus colegas chamavam pelo próprio pai. Ao ouvir o doce nome “pai”, os meus olhos às vezes se enchiam de lágrimas e eu sentia uma vontade imensa de chamar alguém com este nome. Eu me escondia nos braços de minha mãe que sabia me consolar e me passar tantas lembranças boas de meu pai Alexandre. Seremos sempre agradecidos porque aquele homem que chamamos de pai – embora não tivesse em si todas as características que esperávamos – ele nos deu a vida, o dom mais

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belo que recebemos. Sem um pai não teríamos vindo a este mundo, embora os “futurólogos” já estejam pensando o contrário, como na prática da clonagem e em coisas semelhantes, destruidoras da vida. Você não conheceu seu pai? Não deixe de fazer de tudo para conhecê-lo e se mostrar agradecido pela vida que dele recebeu. A partir de então, passe aos seus filhos este amor pelo avô, que faz parte das pessoas mais queridas, na realidade e no imaginário das crianças. A celebração pascal, a vida de Israel foi transmitida com amor, de pai para filho, até chegar a nós. “Pergunta a teu pai e ele te contará; interroga, e teus avós te ensinarão” (Dt 32,7) . Você não conheceu seu pai? Qual é a dimensão do amor que tem por ele? Ou você é um daqueles filhos que gosta de falar mal do pai para seus filhos?

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