Vereda Digital História

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A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa

Capítulo 35

Texto complementar Uma visão da Rússia czarista Nikolai Bukharin foi um importante escritor russo do século XX que participou da Revolução Russa de 1917. Anos mais tarde, acabou preso em Lubyanka por sabotagem e conspiração, considerado “inimigo do povo” pelo governo de Stalin. Da prisão ele escreveu, entre 1937 e 1938, O romance do cárcere. A obra, considerada autobiográfica, narra a história de Kolia Petrov e de sua família na Rússia czarista de fins do século XIX e início do XX. O romance, mantido nos arquivos pessoais de Stalin por muitos anos, só foi encontrado no começo da década de 1990.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A família de Stepan mal conseguia sobreviver. Como muitos camponeses, Stepan arrendava uma parte da terra da Sra. Sotova ou Sotikha, como a chamavam. [...] Na serralheria, Stepan ganhava pouco. Para arar a terra quase não tinha tempo, não dava para fazer tudo: as crianças eram um peso e a mulher, pelo menos, conseguia arar, semear e carregar adubo junto com o marido. [...] Kolia já conhecia este cotidiano e aos poucos envolveu-se nas preocupações dos camponeses: seu novo colega, Vasia, às vezes raciocinava como um homem adulto. [...] O mundo social se partiu visivelmente na mente de Kolia. Antes, as pessoas para ele dividiam-se somente em duas grandes categorias: adultos e crianças, sendo que os adultos, às vezes, enganavam as crianças. Depois, os próprios adultos dividiam-se em bons e maus, carinhosos e grossos. Mas agora sobressaía uma nova dualidade do mundo, a sua divisão entre o mundo dos ricos e o mundo dos pobres. Quando Kolia lembrava-se do poema de Heine, O navio de escravo ou dos monólogos de William Ratclyffe na taberna noturna escocesa, percebia tudo isso de uma nova maneira. Ele começou a ter vergonha da carne ‘que comia todo dia’, da roupa limpa, do cotidiano meio senhorial e começou a alimentar algo

próximo do ódio e da raiva, em relação aos babados das senhoras das terras, suas sombrinhas, chapéus [...]. Quanto mais se aproximava da vida dos pobres, mais se ligava a Vasia, sua família e seus amigos; mais pesados tornavam-se para ele aqueles símbolos externos sociais, da roupa até as chamadas ‘boas maneiras’ que expressavam, apesar de incidentalmente, a sua filiação aos ricos e seus cúmplices. [...] Ele não era condescendente com os ‘irmãos inferiores’, simplesmente via neles pessoas iguais a si próprio, que viviam uma vida que ele não achava nem um pouco pior, ao contrário, achava mais livre e interessante que a dos meninos e meninas bem-educados do outro mundo, que não conseguiam distinguir uma bétula de uma araucária e que pensavam que o pão crescia em árvores e que o painço podia ser plantado. Ele simplesmente começou a olhar para o mundo de baixo para cima e não de cima para baixo e os interesses, as preocupações, as aflições, as tristezas e amarguras, as esperanças e alegrias das camadas inferiores tornavam-se cada vez mais próximas e queridas para ele, pois se identificava cada vez mais com elas e sua vida se tornou a deles.

BUKHARIN, Nikolai. O romance do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 168-171.

Compreendendo o texto 1. Como se estabelecia a divisão da sociedade

3. Na sua opinião, qual seria o intuito do autor ao

para Kolia? Identifique as transformações que houve na sociedade, na visão do garoto.

4. Qual a importância das obras literárias para os

2. De que maneira Kolia reagiu ao se deparar com uma realidade social diversa da que ele conhecia?

escrever esse trecho do romance? estudos históricos? Discuta essa questão com seus colegas.

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