Blinadados no Haiti

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Expedito Carlos Stephani Bastos

BLINDADOS NO HAITI MINUSTAH Uma experiência real


Blindados no Haiti MINUSTAH: uma experiência real Projeto Gráfco e Diagramação: Liliane Castro / Newber Wesley Silva Revisão Aristoteles Rodrigues (1941 - 2011) Edição e Diagramação de imagens:

Newber Wesley Silva Fotos Capa Arquivo Autor Piranha IIIC do CFN, Porto Príncipe, 02/06/2008 Engesa EE-11 Urutu do EB, Porto Príncipe, 03/06/2008 Fotos Contra-capa Sgt. Brandão; Cap. Cordeiro Pacheco e Autor BASTOS, Expedito Carlos Stephani Blindados no Haiti - MINUSTAH: uma experiência real. Expedito Carlos Stephani Bastos. Juiz de Fora: UFJF/Defesa, 2012. ISBN 978-85-62342-06-6 108 páginas 1- Missão Diplomática. 2- Nações Unidas. 3- Exército Brasileiro. 4- Veículos Blindados. 5- Haiti UFJF/Defesa Caixa Postal 314 - 36001-970 Juiz de Fora - Minas Gerais - Brasil Tel: +55 (32) 2102-3435 www.ecsbdefesa.com.br defesa@ecsbdefesa.com.br


“Nada é mais difícil de superar que as di? culdades que se c onsideravam superadas”. Alexis deTocqueville


Sumário Prefácio ..................................................................................... 09 Introdução ................................................................................ 13 Tropas e Equipamentos .................................................... 15 Defciências mais importantes do EE-11 ................. 21

Blindados .................................................................................... 25 Veículos 4x4 ................................................................................ 25 Países que operam ou operaram blindados 4x4 no Haiti ........................................................................... 31 Argentina .............................................................................31 Bolívia ..................................................................................32 China ...................................................................................33 Espanha ................................................................................35 Nepal ...................................................................................36 Paquistão .............................................................................37 Peru......................................................................................37 Senegal .................................................................................37 Uruguai ................................................................................38

Veículos 6x6 ................................................................................ 39 Os principais veículos 6x6 são operados por:........... 40 Brasil ....................................................................................40 Bolívia ..................................................................................43 Chile ....................................................................................44 China ...................................................................................44 Jordânia ................................................................................45 Peru......................................................................................47


O EE-11 Urutu em ação ..........................................................49 Versões do EE-11 Urutu no Haiti ............................... 49 Repotencializando os EE-11 Urutu no Arsenal de Guerra de São Paulo................................................... 54 Veículos 8x8 ........................................................................... 59 Piranha IIIC atuando em área urbana ....................... 63 Fuzileiros navais do Brasil no Haiti ............................................ 63

O levante de 8 de abril de 2008.................................. 66

Lições do Haiti ..................................................................... 71 Problemas vividos pelos brasileiros com os blindados ........................................................................... 71 Kits de blindagem................................................................ 74 Solução paliativa, mas uma grande evolução ............................. 74

Blindagem de pá carregadeira ....................................... 84 Torreta RCwS 30 “Predador” .................................... 85 Teste no Haiti .............................................................................. 85

Lagartas .................................................................................... 90

Hora de retirar as tropas......................................... 93 Depois do terremoto................................................... 99 Sobre o Autor..................................................................... 107


Prefácio Escrever um livro sobre o Haiti não seria uma tarefa tão desafiadora para um brasileiro. Afinal, com exceção da mais recente catástrofe natural que assolou aquele país, a nossa história colonial e pós-colonial ainda não foi capaz de nos fazer olhar para as agruras do dia a dia do povo haitiano com os olhos arrogantes dos civilizadores. Com efeito, segundo alguns rankings de bancos europeus, somos orgulhosamente a sexta maior economia do mundo. No entanto, a nossa estratificação social e a saúde de nossas instituições políticas, não raro, parecem nos remeter de imediato à realidade das ruas de Porto Príncipe. Por isso, escrever sobre o Haiti para nós seria como escrever sobre um Brasil de um passado não tão distante em termos históricos. Porém, esta não é a proposta deste livro. Nas linhas que se seguem, Expedito Carlos Stephani Bastos, seguindo coerentemente a sua já conhecida tradição de pesquisa, aceitou o desafio de discorrer sobre a experiência das Forças Armadas Brasileiras à frente da Minustah ou Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti. Com foco no uso de blindados por parte das forças armadas dos diferentes países que constituem a Missão, o autor põe a descoberto as virtudes da experiência e as vicissitudes de nossa insipiência no uso de viaturas blindadas em missões reais de combate urbano. Nas palavras do próprio autor, a Minustah está sendo um verdadeiro “laboratório para testar o emprego de blindados em situação real de luta urbana”. Expedito esteve na República do Haiti em 2008. Lá se encontrando, realizou uma verdadeira “radiografia” das tropas, dos equipamentos e, em especial, dos blindados das forças armadas dos diversos países em missão nesta pequena república das Caraíbas. O leitor, portanto, terá em mãos um panorama completo dos veículos blindados em ação. Desde as Land Rovers 90, blindadas em terras haitianas, até os pesados veículos 8x8, tem-se uma descrição exaustiva de todos os tipos de blindados para lá enviados por argentinos, bolivianos, chilenos, chineses, espanhóis,


jordanianos, nepaleses, paquistaneses, peruanos, senegaleses e uruguaios. Por oportuno, o foco do autor não poderia ser outro do que os blindados brasileiros, empregados em numerosas missões ordinárias e especiais nos centros e nas periferias urbanas daquele país. Sob muitos aspectos, o leitor irá perceber as fragilidades de nossas forças blindadas em operação no Haiti. A este respeito, as constantes improvisações, as adaptações quase artesanais que se fizeram necessárias por imposição dos riscos presentes no teatro de operações, a longevidade dos modelos utilizados e as deficiências dos projetos para este tipo específico de conflito de baixa intensidade constituem alguns pontos que mereceriam uma desapaixonada reflexão sobre o grau de desenvolvimento hoje necessário de nossa indústria nacional de defesa. Por outro lado, pode-se reafirmar, no contexto da experiência das forças armadas brasileiras no Haiti, uma velha lição de quase todos os campos de atividade humana. Em qualquer época, nada é capaz de substituir a experiência. Como bem disse Jean-Batista Vico, filósofo iluminista, cuja principal obra, Princípios da Ciência Nova, publicada em 1725, pontuava que a única verdade que pode ser conhecida está radicada nos resultados da ação criadora, ou seja, da produção. Nós conhecemos aquilo que fazemos. O presente livro pode ser lido também como um elogio superlativo à sabedoria daquele pensador napolitano. A experiência haitiana, por exemplo, exibiu a excelência do trabalho do Arsenal de Guerra de São Paulo. Repotenciando blindados já desgastados nas missões em Porto Príncipe ou produzindo um EE-11 Urutu Ambulância a partir de uma carcaça sem componentes internos, por lá deixada como espólio da massa falida da antiga Engesa, o Arsenal de Guerra de São Paulo mostrou a sua competência ao tensionar todas as suas forças para preencher o espaço ainda vazio deixado pela falta de uma nova família de blindados sobre rodas de fabricação nacional. Além disso, a experiência de missões diurnas e noturnas de reconhecimento, de patrulhas, de escolta e mesmo de combate contribuiu também para o amadurecimento das noções de blindagem e de operação de viaturas de combate urbano terrestre. Ponto alto disso foi o emprego da tecnologia 10


israelense presente na torreta RCWS 30, cuja imagem em tempo real do combate no interior do blindado pode inaugurar uma nova fase de desenvolvimento da tecnologia militar nacional. Em verdade, “o Haiti é aqui”, como uma vez já nos disse o eterno Caetano Veloso. Com efeito, foi no dia 25 de novembro de 2010 que toda a experiência acumulada na Minustah foi posta em prática na cidade do Rio de Janeiro. Como bem disse o experiente autor deste trabalho, tratou-se de um marco histórico importantíssimo para as operações de blindados em área urbana do país. Sabe-se lá, se em virtude da futura realização de megaeventos esportivos ou não, a verdade é que, naquele dia, milhões de brasileiros que residem em “zonas de vulnerabilidade social” começaram a ter os mesmos direitos que os moradores dos bairros mais nobres da “cidade maravilhosa”. De que direitos estamos falando? Do direito de não estabelecer relações de dependência pessoal com o crime organizado e do direito de dizer não à dupla, tripla ou quíntupla tributação, uma vez que, ao contrário dos cidadãos da zona sul, o subcidadão das favelas tem que pagar ao Estado, aos milicianos, aos traficantes para, ao fim e ao cabo, ter sempre negada qualquer noção básica de segurança que, em nossa pura teoria, deveria constituir um dos pilares da cidadania moderna. A situação do Haiti é deveras desoladora para ser superada por meio de missões como a Minustah. Igualmente, os efeitos perversos de uma urbanização de choque, hoje observados nas periferias das grandes cidades brasileiras, não serão resolvidos com veículos blindados de combate. No entanto, a experiência histórica insiste em reafirmar que o tão desejado equilíbrio entre desenvolvimento econômico, diminuição das desigualdades sociais e fortalecimento das instituições políticas só poderá ser alcançado pelas nações que conseguirem produzir e usufruir suas riquezas. O Brasil tem na Amazônia Verde, na Amazônia Azul e em seus recursos aquíferos uma fonte poderosa para fazer com que o seu capital mais valioso, ou seja, a sua gente possa finalmente vir a ter uma noção do que venha a ser o modo de vida da contemporaneidade. Para tanto, além de (re)educar as nossas elites, teremos que necessariamente 11


reestruturar a nossa indústria de defesa nacional. Só assim, poderemos assegurar a nossa jurisdição sobre as nossas próprias riquezas. Difícil caminho este, pois será preciso superar polarizações anacrônicas da Guerra Fria e aceitar o desafio de pensar as questões da defesa nacional como questões importantes para toda a sociedade e não somente para os militares. Este livro de Expedito C. S. Bastos pode constituir uma boa contribuição para se começar a repensar a nossa história contemporânea.

Juiz de Fora, 09 de Abril de 2012.

Eduardo Magrone Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora

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Introdução No ano de 2004, o Conselho de Segurança das Nações Unidas instituiu a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti ou MINUSTAH (sigla correspondente ao francês Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti) para restaurar a ordem no país após um período de insurgência e a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide. Após negociações com o Conselho, e também por ter o maior contingente, o Brasil assumiu o encargo de coordenação da recémformada MINUSTAH. Desde então, diversos países contribuíram com envio de tropas e equipamentos, como veículos blindados dos mais variados tipos e fabricantes – modelos 4x4, 6x6, 8x8, entre outros – que são utilizados pelas forças atuantes no país. Pode-se dizer que este se tornou uma espécie de laboratório para testar o emprego de blindados em situação real de luta urbana. Não é um Iraque ou um Afeganistão, mas é muito real para nós, nos obrigando a refetir sobre o emprego de blindados em áreas urbanas. A situação do Haiti não apresentava perspectivas de solução em curto prazo, visto que a Organização das Nações Unidas (ONU), que assumiu as tarefas de pacifcar o país e ajudá-lo a reestruturar, ainda não havia conseguido conduzi-lo à reconstrução nacional, mediante geração de empregos e melhora no padrão de vida da população de baixa renda, que é maioria no país. Há belezas naturais, existia infraestrutura, dando-nos a impressão de um passado interessante, com presente, mas sem futuro, numa região do Caribe onde o turismo poderia ser uma grande fonte de renda. Formado por população negra, originariamente escravos no que foi uma colônia francesa, ele tem identidade cultural e grande disparidade entre miseráveis e milionários, contraste social que se pode ver nitidamente, com os abastados vivendo nos morros em mansões cinematográfcas e os de baixíssima renda nas favelas existentes nas partes


Fotos: Sgt. Brandão

Foto: CComSEx EE-11 Urutu com lâmina frontal moustache (bigode) removendo obstáculos nas ruas

Primeira versão de torreta produzida no Haiti montada no EE-11 Urutu e proteção blindada para o motorista.

EE-11 Urutu com a primeira versão de torreta produzida no Haiti (notar os sacos de areia ao redor das escotilhas traseiras)

| Blindados no Haiti


Foto: AGSP

O EE-11 Urutu em ação

Versões do EE-11 Urutu no Haiti Concebido como veículo de transporte rápido sobre rodas, com capacidade anfíbia, leve proteção blindada, diversas versões – que vão de transporte de tropas a porta-morteiros, míssil anticarro, antiaéreo, ofcina, apoio de fogo com canhão de 90 mm, antimotim, carro comando e ambulância –, teve sua produção seriada iniciada na segunda metade dos anos 70 e dele foram produzidos 888 veículos até a falência da Engesa, em 1995. O EE-11 Urutu tornou-se um dos veículos mais famosos já produzidos pela indústria nacional, devido principalmente à sua simplicidade e fácil manutenção, tanto que ainda opera em diversos países, como Bolívia, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Equador, Gabão, Jordânia, Paraguai, Suriname, Tunísia, Venezuela, Zimbábue e no próprio Brasil.

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Foto: VIII Contingente – CFN Fotos: Expedito C. S. Bastos

Protegendo o Palácio Nacional em 8 de abril de 2008

Foto: VIII Contingente – CFN

Piranha IIIC, única versão socorro em operação no Haiti

Dois momentos do Piranha IIIC em missão de patrulhamento

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Fotos: Ângelo Meliani Fotos: Cap. Cordeiro Pacheco

Detalhe do kit de blindagem para as Land Rover Defender 110 e 130 no AGSP

Do desenho esboçado a proteção para o atirador: a blindagem, de aço SAE 1020, ainda sem pintura, foi montada sobre a torreta do comandante num 6x6 EE-9 Cascavel no Esquadrão Paiva Chaves, no Rio de Janeiro

A primeira torreta de proteção blindada instalada num EE-11 Urutu no Haiti, em junho de 2005, com camada de borracha de alta densidade na parte frontal: esta ideia não foi adotada, mas o protótipo feito no Brasil levou à fabricação no Haiti de vários protetores com aço SAE 1100

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Fotos Capa e Contra-capa Foto: Força Aérea Brasileira

Palácio Nacional em 2008

Foto: Força Aérea Brasileira

Foto: Expedito C. S. Bastos

Restos do Palácio Nacional após o terremoto de 12 de janeiro de 2010

Catedral de Porto Príncipe vista do Forte Nacional em 2008 e o que dela restou após o terremoto

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