TCC Chão de Areia

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QUARTA-FEIRA, 18 DE JULHO DE 2007

Chão de Areia

Retrato social, político e ambiental da ocupação das dunas dos Ingleses na Vila Arvoredo Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo-UFSC


02 < Meio Ambiente

Carta ao Leitor

Expediente Trabalho de Conclusão de Curso - Jornalismo Universidade Federal de Santa Catarina Reportagem e edição Marina Gazzoni

Orientação Profª Tattiana Teixeira

das dunas

Com a movimentação de 6,8 metros ao ano, areia avança em direção às casas da Vila Arvoredo

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unas, manguezais e encostas, por lei federal, sempre constituem Área de Preservação Permanente (APP), onde qualquer tipo de edificação é proibido. Essas estruturas geológicas formam solos sensíveis, facilmente degradáveis pela ocupação humana e que representam regiões de risco às pessoas que se fixam nesses terrenos. Sobre as dunas do bairro Ingleses, ao Norte de Florianópolis, a popu-

lação da Vila Arvoredo sofre por se estabelecer numa região imprópria para a instalação humana. Residente na comunidade desde 1997, Tânia de Matos já desmanchou e reconstruiu a própria casa duas vezes, na tentativa de fugir da aproximação das dunas. Em 2006, sua família precisou ser removida, pois a areia se deslocou mais e ameaçava soterrar o barraco novamente. No terreno onde morava no ano passado, hoje restam entulhos, que, aos poucos, desaparecem sob o MARINA GAZZONI

Diagramação Dirceu Getúlio

Na rota

Fotografia Marina Gazzoni, Pierina Pomarico, Leonardo Corrêa, Defesa Civil Municipal, Secretaria de Habitação e Saneamento, Projeto Aroeira Apoio Programa InFormação Agência de Notícias dos Direitos da Infância Julho - 2007

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Apesar de estar em APP, dona Mariquinha pagou R$ 261,45 de IPTU em 2007

solo. Assim como Tânia, muitos de das dunas. “Ali atrás [indicando o seus vizinhos precisaram remover quintal] tinham mais duas ruas e suas casas para longe das dunas, até um campo de futebol”, lembra que chegam cada vez mais perto. a camareira. Hoje não se vê nenhuAtravés da digitalização e sobre- ma construção a partir dos fundos posição de fotografias aéreas na da residência de Carmem, apenas região de 1938 a 1997, o geólogo do um monte de areia há menos de 50 Instituto de Planejamento Urbano metros de distância, cujo deslocamento foi intensificade Florianópolis (IPUF), do pela ocorrência de Candido Bordeaux, mediu ciclones extratropicais o deslocamento das dunas "A duna segue sobre a comunidade. Ele no litoral catarinense seu caminho constatou que a frente de (veja pg 14). e ganha força dunas avançou cerca de Para Bordeaux, a com a ação do homem" 400 metros no período ruremoção das famílias mo à Vila Arvoredo, com é emergencial em funevolução anual média de ção da aproximação 6,8 metros. O experimento fez par- da areia. “As casas estão perpendite de um estudo de caso para sua culares ao sentido de deslocamentese de doutorado na pós-gradua- to das dunas e muito próximas à ção em Engenharia de Produção, área de frente”, explica o doutor na Universidade Federal de Santa em Engenharia de Produção (veja Catarina, em 2003. infográfico). Ele não é o único espeA memória dos moradores mais cialista a considerar a retirada dos antigos confirma as conclusões da moradores da área imprescindível. ciência com seus relatos do desa- Reconhecido com a Grã-Cruz da parecimento de ruas sob a areia. A Ordem Nacional do Mérito Ciencamareira Carmem da Silva reside tífico, o professor aposentado do na comunidade desde 1996 e pre- departamento de Geologia da Unicisou abandonar o imóvel de alve- versidade Federal do Paraná, João naria e se mudar para um de ma- Bigarella, pesquisa dunas em Santa deira em função do deslocamento Catarina desde 1974 e alerta para das dunas. Ela calcula que cerca de o agravamento do problema com 200 metros separavam a atual ca- a degradação ambiental. Além da sa, construída em 2003, da frente população da Vila Arvoredo estar

MARINA GAZZONI

Ouvi falar pela primeira vez da Vila Arvoredo em agosto de 2005, quando li nos jornais locais a notícia de que um ciclone extratropical destelhou muitas casas na comunidade e deixou os moradores desabrigados. Até aquele momento, meu conceito de favela se limitava a barracos em cima dos morros, tanto que não conseguia visualizar de que forma 779 pessoas residiam sobre as dunas dos Ingleses. O que mais me surpreendeu não foi essa quebra de paradigma, mas o fato de desconhecer a realidade de miséria dessas famílias durante os dois primeiros anos em que morei em Florianópolis. O tema não saiu da minha cabeça e resolvi fazer uma reportagem para a disciplina de Redação V sobre a comunidade. Uma pesquisa documental e o contato com os moradores e com o cenário me convenceram da relevância social, política e ambiental do assunto. Para aprofundar essas questões, escolhi a Vila Arvoredo como tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo. Através de uma série de reportagens, pretendo mostrar os múltiplos enfoques que envolvem a ocupação irregular das dunas nos Ingleses. Boa leitura!

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Meio Ambiente > 03

na rota da duna, a ocupação huma- DUNAS EM MOVIMENTO na aumenta a velocidade de moviApesar da predominância dos ventos do Norte, o vento Sul tem mais intensidade e dita o sentido de deslocamentação da areia. De acordo com Bigarella, a vege- mento das dunas da Ilha de Santa Catarina. Nos Ingleses, a areia avança cerca de 6,8 metros ao ano rumo tação funciona como uma barrei- ao mar. A construção de casas na região interfere no formato das dunas e coloca em risco os moradores. ra natural a esse avanço. “Sem as plantas fixadoras, não tem o que Situação Real Como o efeito de um segure a areia”, frisa. O geólogo ressalta que a instalação humana bumerangue, o vento curvo a areia ao Norte e na região impede o crescimento empurra puxa ao topo da duna. de vegetação e altera a forma da duna ao construir casas e traçar vias de acesso a pessoas e veícuN S los. “A duna segue seu caminho natural e ganha força com a ação do homem”, adverte. Mesmo com a proibição Consequência do Código Florestal, a prática As construções impedem que os grãos retornem à crista As dunas se deslocam a de remover areia das dunas da duna. Montes de areia se foi muito freqüente durante formam ao lado das casas e a os anos 80 e 90 nos Ingleses, altura das dunas diminui. conforme relatos de moradores antigos e estudos publicados no IPUF e na Secretaria de HaSituação Ideal bitação e Saneamento. Em 1990, o Se não houvesse a ocupação professor Bigarella apresentou um humana, as dunas seriam parecer com informações de que mais altas e a velocidade de deslocamento menor. as dunas menores se movimentam mais rápido e que a retirada de grãos acelera ainda mais o avanço Fonte: Geólogos João José Bigarella (UFPR) e Cândido Bordeaux do Rego Neto (IPUF) em direção ao mar.

6,8 m/ano

Problema crescente Nem o alerta dos geólogos, nem as diversas leis que restringem as edificações em dunas conseguiram impedir o crescimento da Vila Arvoredo. Sem condições econômicas de suportar o preço dos aluguéis no Norte da Ilha, 221 famílias precisaram morar na APP e enfrentar o risco que a areia representa. A falta de fiscalização dos órgãos ambientais contribuiu para o aumento da população. Conforme o levantamento sócio-econômico realizado pela Secretaria de Habitação e Saneamento da capital, o número de famílias cresceu mais de sete vezes em dez anos. Se

ARTE: DIRCEU GETÚLIO

em 1995 os registros apontam para a existência de apenas 30 casas na comunidade, em 2005 foram cadastradas 221 moradias. Os moradores relatam que as intervenções por parte da Prefeitura de Florianópolis e dos órgãos ambientais são recentes. Uma das mais antigas da comunidade, Maria Madalena de Andrade, a dona Mariquinha, comprou um terreno na Vila Arvoredo em 1987 sem saber que estava em APP. “Nunca tinha ouvido falar de Área de Preservação Permanente, nem sabia o que era isso”, desabafa. A aposentada de 69 anos lembra que quando chegou em Florianópolis “da-

vam” terreno perto das dunas para “todo mundo”. “Eu que não quis, o que é dado não é meu, o que é meu eu compro”, enfatiza. Dona Mariquinha conta que na gestão do ex-prefeito Sérgio Grando (1993-1995) os lotes foram cadastrados um a um e os proprietários passaram a receber carnês de IPTU. Nem todos pagam, mas ela faz questão de deixar as contas em dia. O imposto de 2007 custou R$ 261,45, referente ao terreno onde foi construída a casa da aposentada e outros dez quartos para alugar, com um banheiro para cada dois dormitórios. A cobrança do imposto é questionável, já que os imóveis

em APP são irregulares. O secretário adjunto de Habitação e Saneamento, Salomão Mattos Sobrinho, justifica a cobrança do IPTU de alguns moradores da Vila Arvoredo pela utilização do imóvel e não do terreno. “Se eles têm patrimônio, precisam pagar imposto”, diz. Apenas em 2004 dona Mariquinha ouviu falar em APP, quando foi realizada a primeira audiência pública para discutir soluções frente à ocupação irregular das dunas. Pela ordem hierárquica Município, Estado e União, cabe à Fundação Municipal de Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) fiscalizar em primeira instância

Captação clandestina e fossas sanitárias colocam aqüífero em risco Solos arenosos funcionam como uma espécie de esponja, que absorve a água da chuva, deposita no seu subsolo e recarrega os lençóis freáticos. Sob as dunas onde reside a população da Vila Arvoredo está o aqüífero dos Ingleses, o maior do município em volume e única fonte de abastecimento de água do Norte da Ilha. A ocupação ilegal da área abre espaço para questionamentos sobre a poluição da reserva subterrânea, principalmente pelas fossas sanitárias. Apesar de ser o segundo bairro mais populoso de Florianópolis, com mais de 19 mil habitantes fixos, conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a instalação da rede de esgoto ainda não foi concluída nos Ingleses. Os moradores

precisam encontrar soluções alternativas para a eliminação dos dejetos e a mais comum delas é a construção improvisada de fossas sanitárias. Na Vila Arvoredo, os resíduos líquidos vão direto do banheiro, da pia e do tanque para buracos cavados na areia com cubas de caixa d’água no fundo. A preocupação com a preservação do reserva subterrânea motivou a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) a fazer um levantamento da contaminação e da capacidade do aqüífero. O superintendente de Recursos Hídricos e Meio Ambiente, Cláudio Floriani, informa que a água não está poluída, mas indica a existência do risco. Mais do que as fossas sanitárias, ele se preocupa com a captação clandestina através de ponteiras ligadas

diretamente ao lençol freático que constituem portas de entrada para os microorganismos. “Os dejetos das fossas passam por diversas camadas de solo e rochas e quando chegam ao aqüífero já estão filtrados. O mesmo não ocorre com as ponteiras, que têm ligação direta com a fonte de água”, explica. Para Floriani, mais alarmante que a contaminação é o uso desordenado de água. A capacidade do aqüífero é de fornecer 290 litros por segundo, mas a captação da Casan é de 330 l/s e o limite de sustentabilidade é de no máximo 390 l/s. O número pode ser ainda maior, pois se estima a existência de cerca de seis mil ponteiras ligadas direto ao aqüífero. A utilização de água pelos moradores da Vila Arvoredo está incluída nos dados da companhia,

pois não há ponteiras instaladas na areia e o abastecimento é feito pelas ligações da rede Casan, mesmo que clandestinas. “Se o nível de água cair, a reserva pode ser invadida com água salina e ficar imprópria para o consumo”, alerta. Um dos indícios de que o volume do aqüífero dos Ingleses diminuiu na última década é o relato dos antigos moradores da Vila Arvoredo da existência de lagoas nas dunas. “Com o tempo secaram todas”, lamenta Marcos Biavatti, residente na comunidade desde 1996. De acordo com o biólogo da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram), Francisco da Silva Filho, o aqüífero dos Ingleses fica próximo à superfície, costumava aflorar no solo e formar pequenas lagoas.

os crimes ambientais na capital, seguida pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O promotor de justiça do Ministério Público Estadual, Alexandre Herculano, explica que todos os órgãos ambientais têm competência para fiscalizar APPs, independente da ordem hierárquica. “Todos podem fiscalizar, então ninguém pode”, ironiza. Funcionário da Floram desde a criação da instituição, em 1995, o biólogo Francisco da Silva Filho lembra que antes do órgão existir quem fiscalizava as edificações era a Secretaria de Obras, de modo que a avaliação levava em conta todos os aspectos da construção civil, sem focar exclusivamente nos critérios ambientais. “Quando começamos um trabalho de fiscalização ambiental em Florianópolis, já existiam moradores da Vila Arvoredo”, contextualiza o técnico da gerência de licenciamento ambiental. De acordo com o biólogo, o trabalho da Floram nas APPs onde já existe uma comunidade instalada prioriza ações de demolição de casas em construção. “A área já está ocupada, mas tentamos impedir que novas invasões aconteçam”, resume. Na Vila Arvoredo, Silva considera mais importante agilizar uma ação coletiva de remoção das famílias que multar cada uma individualmente. O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO: Conheça as leis que regulamentam as áreas de dunas em nível federal, estadual e municipal: Código Florestal (Lei federal 4.771/65): Classifica dunas como Área de Preservação Permanente. (Art. 2°, alínea F) Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81): Transforma dunas em reservas ecológicas e institui multa, suspensão de benefícios fiscais e linhas de financiamento a quem degradar essas áreas. (Art. 18°) Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei Federal 7.661/88): Estabelece como prioridade a conservação das dunas na definição do zoneamento de áreas costeiras. (Art. 3°, inciso I) Lei Federal 9.605/98, Decreto Federal 3.179/99 e Lei Estadual 5.793/80: Proíbem a destruição de vegetação fixadora de dunas e estabelecem penalidades. (Art. 50°; art. 37°; Art. 3°, inciso IX) Decreto Municipal 112/85: Tomba os campos de dunas de Ingleses e Santinho como patrimônio natural e paisagístico do Município e proíbe edificações nessas áreas (art. 1° e 2°).


04 < Migração

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Caminho de volta

Naturais de outros municípios, 42 famílias desistem de morar na Ilha e tentam um recomeço em sua terra natal

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comunidade exempl i f i c a u m a d a s conseqüências do cresci mento desordenado da cidade, provocado, principalmente, pelas migrações. Cerca de 85% dos 779 moradores cadastrados em 2005 vieram de outros municípios para Florianópolis e se instalaram sobre as dunas da praia dos Ingleses. Insatisfeitos com as condições de vida na favela, 42 famílias aceitaram a proposta de indenização da Prefeitura e fizeram o caminho de volta. O dia de mudança parece uma operação de polícia. O caminhão avança pelas ruas estreitas e pára pouco antes de atolar na areia fofa. Homens fortes e uniformizados contratados pela Prefeitura entram na casa da família indenizada e carregam tudo, enquanto a assistente social Paulina Korc entrega o cheque com o valor da

indenização aos agora ex- moradores. A família de Júlia e Gilberto Machado foi a primeira das 13 que saíram da Vila Arvoredo nos dias 14 e 15 de novembro do ano passado. A assistente social e o casal beneficiário tiveram que acertar a parte burocrática do pagamento das indenizações do lado de fora da casa para o “batalhão” contratado pela Prefeitura derrubar teto e paredes. Motosserras e enxadas entraram em ação e o barraco ruiu em poucos minutos sob o olhar curioso da vizinhança. Dona Júlia não comeu nada no dia da mudança e nem quis ver a demolição do barraco. Entrou no caminhão e ficou esperando o motorista. “Tô feliz em sair das dunas, mas dá um nervoso de ir embora”, desabafou. Ela e o marido foram de carona com a empresa de transportes para Piçarras (SC), deixando em Florianópolis apenas restos de telhas e madei-

ras amontoadas na areia. deira da escola Gentil Mathias Após a partida do caminhão, a não foi suficiente para arcar com movimentação continuou. Mais o aluguel nos Ingleses e o susde quinze mulheres cercavam a tento dos três filhos. A opção encontrada para soassistente social para saber se estava tudo breviver foi comprar um lote em cima das certo para a mudança, Dos 779 que já deveria ter ocordunas e construir a moradores, própria casa. rido na semana anterior 85% vieram de outros pelo planejamento da Há 14 anos na Vila municípios Arvoredo, Claci volSecretaria de Habitação e Saneamento. Algumas tou para o interior do estado no dia 14 de moradoras ofereciam suas casas para a demolição em novembro de 2006. Munida de troca dos imóveis das famílias um cheque de R$ 3.618 referente indenizadas que estivessem mais à indenização do barraco e com longe das dunas ou em melhor todos os pertences, ela planejava condição estrutural. morar provisoriamente no imóUma delas era Claci Rodrigues vel construído no mesmo terreno da Silva, ansiosa para confirmar que reside sua sogra e esperava se a Prefeitura pagaria a passa- conseguir emprego como faxineigem dela, do marido e dos três ra. Apesar de a primeira casa em filhos para São Miguel do Oeste que morou no bairro ficar soter(SC). Ela saiu do município na rada pelas dunas, o motivo que década de 90 em busca de me- a impulsionou a voltar não foi a lhores empregos. O salário do areia, mas, sim, a criminalidade. servente de pedreiro e da meren- “A comunidade mudou muito.

Antes era calmo nas ruas, podíamos deixar as roupas no varal e sair. Agora já roubaram calçados e até uma vassoura do meu pátio”, lamenta. A gota d’água para ir embora foi a ameaça que uma das filhas adolescentes recebeu de traficantes por “rolos de namoradinho”. Claci confessou ter medo de andar no bairro à noite. “Ali na frente da favela é que nem o Rio de Janeiro”, compara, mesmo sem conhecer a Cidade Maravilhosa. A última família indenizada pela Prefeitura foi justamente a da ex-presidente da Associação dos Moradores da Vila Arvoredo (Amovilar), Claudete Maciel, que foi embora para Porto Alegre (RS) no dia 29 de novembro de 2006. Segundo o relato da população, Claudete nunca mais pisou na comunidade, mas foi vista pelos antigos vizinhos recolhendo latinhas durante o festival Planeta Atlântida, em janeiro deste ano.


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Migração > 05

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Moradores criticam valor das indenizações MARINA GAZZONI

Assim que desocupam a casa, o imóvel é demolido pela Prefeitura Apenas quem deixar Floria- S a l o m ã o M a t t o s S o b r i n h o, nópolis recebe a indenização riu na bancada. Ele explicou do imóvel. Essa é a polít ica que as indenizações são caladotada p ela Prefeit ura p a- culadas conforme uma tabela ra acelerar a desocupação da de normas técnicas aprovada área de preserpela Caixa Ecovação. O munômic a Fe dera l e pelo Ministério nicípio também paga as das Cidades. Em "Se ficarem em 2 0 0 5 , u m a ce r to despesas do Florianópolis vão transpor te da entre a Prefeitura comprar um imóvel e os moradores mudança e das onde com R$ 3 mil?" passagens de definiu o valor mínimo do pagaônibus dos exmento em R$ 3 moradores da Vi la A r vore do. mil, inclusive pa“Aju d a m o s a s f a m í l i a s q u e ra os imóveis avaliados abaixo querem voltar para suas cida- desse preço. des de origem. Se elas ficarem A Prefeitura financia as inaqui vão comprar um imóvel denizações com recursos do Caminhão de mudança e passagem só de ida estão incluídos no pacote de indenizações da Prefeitura e m q u e lu g a r com t r ê s m i l Fundo Municipal de Integrareais? Vão acabar invadindo ção Social (FMIS). No outra área de preservação...”, orçamento municipa l CRITÉRIOS DE DE ONDE ELES VIERAM justifica o secretário munici- de 2007, está prev isto INDENIZAÇÃO pal de Habitação e Saneamen- o gasto de R$ 2,42 miA maioria da população da Vila Arvoredo saiu de outros municípios para lhões do FMIS para a to, Átila Rocha. se instalar na comunidade. Confira a procedência dos moradores: Os moradores reclamam que “ur b anização e cons• Só serão indenizados os não conseguem adquirir imó- t r u ç ã o de h abit a ç õ e s imóveis cadastrados até 30 veis nos municípios de origem do projeto Vila Ar voNão informou de maio de 2005 Outros estados com o valor recebido nas in- re d o” . Me s m o c o m a denizações. Durante uma reu- pre v i s ã o or ç a m e nt á nião para discutir a posição ria, muitos moradores • Os valores variam conforInterior de SC da comunidade na audiência que já manifestaram o me o padrão do imóvel Grande Florianópolis pública sobre habitações po- desejo de voltar para pulares, os participantes vo- su a s c i d a d e s d e o r i • As casas das pessoas intaram a favor da sugestão do gem aguardam a apropresidente da União Floriano- v a ç ã o d a P re f e i t u r a . denizadas serão demolidas politana de Entidades Comu- O secretár io de Habie a família não pode mais nitárias (Ufeco), Modesto Aze- t a ç ã o e S a n e a m e n t o ocupar o local vedo, de pedir o valor mínimo explica que as verbas de R$ 100 mil como indeniza- s e r ã o u t i l i z a d a s c o • Proprietários com mais de ção. “É o preço médio de um m o cont r ap a r t i d a do Rio Grande do Sul imóvel nos Ingleses”, justifica. mu n i c í p i o n o f i n a n uma casa serão indenizaAssim que o presidente da c i amento de u m pro Paraná dos apenas por um imóvel Ufeco apresentou a proposta jeto habitacional para na Câmara Municipa l, o se- receber a comunidade Fonte: Secretaria da Habitação e Saneamento – 2005 ARTE: DIRCEU GETÚLIO cretário adjunto de Habitação, (veja pg 08).

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Doze por cento dos municí- polis e reuniu os resultados no pios brasileiros cresceram aci- livro Uma Cidade numa Ilha, ma de 3% ao ano entre os anos publicado em 1996. Através de de 1991 e 2000. Florianópolis um relato histórico da ocupação faz parte desse grupo e regis- do solo, o estudo aponta fatores trou o aumento populacional de que impulsionaram a migração 3,4%, mais que o dobro da mé- para o município e identifica dia nacional de 1,6%. Um estudo três perfis diferentes de migrancomparativo do Instes. A déc ada de 70 marcou tituto Brasileiro de Geografia e Estatísa chegada dos funcionários tica (IBGE) entre as Ilha cresceu 3,4% entre 1991 e 2000 e 1.496 cidades que públicos atraos Ingleses 7,32% ídos por vagas reduziram o númede 1981 a 1990 de emprego ro de habitantes e as com maior exe m e m p re s a s estatais como plosão demográfica no período mostra a Eletrosul, Teque o fluxo de migrações segue lesc e Celesc. Com a criação da rumo a municípios com alto Ín- Universidade Federal de Sandice de Desenvolvimento Huma- ta Catarina na década de 60, os no (IDH). Apesar de atrair novos estudantes universitários promoradores pela sua qualidade de curaram a capital para cursar o vida, a capital catarinense possui ensino superior. 64 áreas carentes, onde residem A chegada dos novos mora16% da população. dores impulsionou a construção O Centro de Estudos Cultura civil com obras de infra-estrue Cidadania (CECCA) fez um tura, como o aterro da Baía Sul, levantamento dos problemas a construção da ponte Colombo socioambientais de Florianó- Salles e de rodovias estaduais

que cortam a cidade. A oferta de empregos de serviços gerais e o ambiente favorável para o desenvolvimento também atraíram pessoas de classes sociais baixas para Florianópolis. Os principais locais onde se estabeleceram foram os morros, as antigas áreas rurais e as marginais das vias de acesso à Ilha, na parte continental. Regiões ambientalmente desfavorecidas para a construção civil, como praias e manguezais, também são citadas em relatos da fixação de migrantes carentes. Ocupação dos Ingleses Com a pavimentação da SC401, que dá acesso às praias do Norte, os balneários passaram a fazer parte da expansão urbana. Através de fotointerpretação de imagens aéreas, engenheiros da Secretaria de Habitação e Saneamento e do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) estudaram o histórico de urbanização do bairro Ingleses.

SECRETARIA DE HABITAÇÃO E SANEAMENTO

Migrantes encontram favelas em vez de qualidade de vida na Ilha A retirada da areia abriu espaço para loteamentos clandestinos (1984)

Assim como os demais bal- 1985. Na época da demarcação, neários, a ocupação se desen- a ocupação da Rua do Siri se livolveu ao longo da praia e das mitava a cerca de 380 metros estradas de acesso até a década a partir da rua D. João Becker. de 70. Entre os anos de 1976 e Não havia nenhuma residência 1994 o processo deixou de ser na região da APP, hoje repleta de linear à Estrada Geral, que liga construções irregulares. Ingleses e Santinho, e servidões A extração ilegal da areia para perpendiculares à principal sur- fins comerciais abriu caminho para os loteamengiram rapidamente. A população fixa tos clandestinos de classe média e a pados Ing leses au Cerca de 16% mentou 7,32%, de vimentação de ruas da população da 1980 a 1991, quase situadas em locais capital mora nas 64 áreas carentes o triplo do índice onde originalmente municipal. estavam as dunas. Já O IPUF fez um esa população carente foi para terrenos ontudo no bairro para delimitar as áreas residências e de ainda existia areia, construiu de preservação permanente no seus barracos e formou a comuPlano Diretor dos Balneários de nidade da Vila Arvoredo. DEFESA CIVIL MUNICIPAL

Após a construção da SC-401, Ingleses cresceu de modo desordenado com a divisão de loteamentos irregulares e a ocupação de APPs tanto por população de baixa quanto de alta renda


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Política > 07

Famílias em situação de improviso MARINA GAZZONI

Se não há placas para ident ificar o nome das ruas, um enorme quadro de metal com o logot ip o d a Prefe it u r a de Florianópolis apresenta a Vila Arvoredo com a frase É proibido construir, vender, alugar ou t rocar imóvel neste local. As 221 casas mostram que a proibição e o aviso não impediram a formação da favela e coloca em evidência um problema social, ambiental e urbano do município. A única pintura na madeira das casas é uma combinação em vermelho de letra e número, iniciativa da Secretaria de Habitação e Saneamento, em 2005, para identificar as residências e cadastrar a população. Apenas esses moradores vão receber a indenização do imóvel e ter o direito de par-

ticipar do projeto habitacional proposto para a área. D a s 2 2 1 f a m í l i a s i n ic i ai s , 42 não quiseram esperar por tempo indeterminado par a s ai r d a s du na s , p e d i r a m o pagamento da indenização do imóvel e voltaram para os municípios de origem. Pessoas que moravam em barracos com risco de soterramento foram transferidas para os imóveis indenizados com melhor condição est r utural. Os que estavam em pior estado foram de mol idos p ar a e v it ar u m a nova ocupação. Plano Diretor Enquanto ag uardam a definição de um complexo habi t a c i on a l p a r a re ce b ê - l o s , os moradores não podem reMARINA GAZZONI

A placa de proibição não inibiu a construção de casas sobre as dunas

CASO DE JUSTIÇA O primeiro a exigir uma providência pela invasão da Área de Preservação Permanente foi o Ministério Público Federal, através de uma recomendação emitida no dia 13 de janeiro de 1999. A instituição cobrava da Prefeitura, dos órgãos ambientais do município, estado e União e da Delegacia do Patrimônio da União, uma atitude frente à ocupação das dunas dos Ingleses, que são bens tombados por decreto municipal e constituem patrimônio público. Em nível estadual, o Ministério Público também reagiu. A instituição moveu, em outubro de 2006, uma ação civil pública contra a Prefeitura, requerendo medida liminar para que o município identificasse e regularizasse as construções ilegais sobre a APP. Em janeiro deste ano as partes fizeram um acordo e o processo foi suspenso pelo prazo mínimo de 180 dias. A Prefeitura ficou encarregada de abrir um procedimento administrativo para identificar, cadastrar e regularizar os moradores da região em 60 dias. O secretário municipal de Habitação e Saneamento, Átila Rocha, considera legítimas as ações do MP e informa que a providência tomada pela Prefeitura é justamente a elaboração de projetos para a remoção das famílias para outra área.

f o r m a r, ve n d e r o u a lu g a r su a s c a s a s . Irritada com a lentidão em apresentar soluções para a Vila Arvoredo, a população busca formas de pre s s ã o ju nto com outras entidades para evitar que o problema se arraste pelas gestões políticas. Com a s d i s c u ss õ es em torno da definição do Plano Diretor Participativo (PDP), um novo instrumento é apontado para resolver os problemas urbanos dos municípios. Membro do Núcleo Até que a Prefeitura apresente uma proposta, os moradores não podem melhorar os imóveis Gestor do PDP, o secretário municipal de Habita- tamento das áreas ociosas e pessoas do núcleo distrital esção e Sanemanento, Átila Ro- dos loteamentos ir reg ulares tão focadas na busca de terrecha, acredita que é o momen- n o mu n i c í pi o e a mu d a n ç a nos viáveis para a construção to das cidades determinarem da classificação para Zonas de moradias populares para a quais áreas vão reservar para Especiais de Interesse Social população da Vila. as populações de baixa ren- (ZEIS). Spinelli acredita que o da. “É preciso mudar a menNo s I n g l e s e s , u m n ú c l e o maior ponto positivo do PDP talidade de que Florianópolis dist r ital div idié levantar as sinão é uma cidade para pesso- d o e m c o m i s tuações de conas carentes. Os espaços para s õ e s t e m á t i c a s flito e colocar habitações populares devem foi c r i a d o p a r a em discussão estar previstos no Plano Dire- e st ud ar a s pro na sociedade, “A mentalidade de que tor”, enfatiza. postas do bairro. mas teme que as Florianópolis não é O presidente da União Flo- D e a c o rd o c o m ZEIS não sejam para carentes precisa r i a nop ol it a na de E nt id ades o repres ent a nte a m e l h or s o lu mudar” Comunitárias (Ufeco), Modes- do D i st r ito dos ção para as áreto Azevedo, também integ ra Ingleses no Plaas de baixa reno Núcleo Gestor e salienta a no Diretor, Paulo da. “As ZEIS não importância de definir corre- Spinelli, existem garantem solo tamente o Plano Diretor para seis pessoas da Vila Arvoredo barato, pois per mitem a dique situações como a da Vila par t icipando das comissões visão em lotes pequenos, que Ar voredo não ocorram mais. Social/Cultural e Uso e Ocu- p o de aumentar o preço p or Para isso, ele sugere o levan- p a çã o do S olo. Out ras du as metro quadrado”, ressalta.

Moradores e movimentos sociais pedem agilidade nos projetos de habitação A incerteza de que serão contemplados com projetos habitacionais mobilizou os moradores e entidades para pressionar o poder público. No dia 3 de maio de 2006 cerca de 30 pessoas de comunidades carentes de Florianópolis se manifestaram com cartazes exigindo uma “reforma urbana” e despejaram um monte de areia nas escadarias da Prefeitura como protesto pelo descaso com a Vila Arvoredo. Outra manifestação conjunta entre as pessoas de baixa renda, promovida pela União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (Ufeco) no dia 11 de abril, marcou o Dia Nacional de Luta pela Moradia Popular em 2007.

Cerca de 40 manifestantes entre sem-tetos, integrantes do Movimento Passe Livre e de comunidades carentes, inclusive da Vila Arvoredo, ocuparam um prédio abandonado no bairro Agronômica para protestar contra o déficit habitacional de Florianópolis. A baixa adesão e a viagem do prefeito Dário Berger na mesma data frustraram os planos dos manifestantes de fazer uma passeata até a Prefeitura para entregar um documento exigindo a definição do Plano Municipal de Habitação Popular e a locação de imóveis para assentar os moradores em área de risco na Vila Arvoredo até a apresentação de um projeto.

PRIORIDADES DA HABITAÇÃO POPULAR O diagnóstico urbano de Florianópolis aponta um déficit habitacional de 22 mil residências e a existência de 64 comunidades com renda familiar média de até três salários mínimos. Baseada nos critérios de IDH por bairro, área de risco e condicionantes ambientais, a Secretaria de Habitação e Saneamento planeja hierarquizar as regiões onde a intervenção é prioritária. Com baixo IDH, alto risco para moradia e situada em APP, a Vila Arvoredo é apontada pelo secretário municipal Átila Rocha como o problema habitacional mais sério do município.


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Projeto para a Vila Arvoredo aguarda aprovação do Governo

E

Ent re promessas não cumpridas e projetos que ficaram no papel, a população da Vila Arvoredo aguarda uma solução concreta do po der público para sair da areia e morar em um lugar melhor. A esperança dos moradores é o projeto Recanto dos Ingleses, que prevê a construção de moradias populares para 168 famílias em dois anos. Em análise no Ministério das Cidades e na Caixa Econômica Federal, a proposta divide opiniões se realmente é a melhor solução para a comunidade. A meta da Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento é construir 34 blocos residenciais

RECANTO EM REAIS

te à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), com um total de 250 mil m 2 , onde planejavam construir uma lagoa de tratamento de esgoto. A idéia foi substituída pela instalação de uma estação de tratamento convencional, com emissário submarino de dejetos, que necessita apenas de 50 mil m2 e já está em obras. A Casan cedeu 22 mil m2 à Prefeitura para a implementação de habitações populares ao lado da estação. Próximo passo

EMENDAS

 SOLICITAÇÃO

O relator dá um parecer e os parlamentares votam a emenda

ANÁLISE

ARP-O - Área Residencial Predominante: classificação do Plano Diretor de região para construção de conjuntos habitacionais populares. ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social: definida no Estatuto das Cidades, permitem a regularização de ocupações ilegais de populações de baixa renda e a definição de áreas no Plano Diretor para habitação de interesse social.

Para concluir a segunda etapa, que corresponde a 80% do projeto, a Prefeitura enviou em junho ao Ministério das Cidades a proposta de construção do complexo habitacional Recanto dos Ingleses e do Parque das Dunas na área onde atualmente se localiza a Vila Arvoredo. O município busca recursos do FNHIS para a execução das obras, avaliadas em R$ 8,5 milhões, R$ 500 mil para o Parque das Dunas e o restante para as moradias populares. De acordo com o supervisor operacional da Gerência de Apoio ao Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica, Adilson de Andrade, o dinheiro da União vêm a fundo perdido, ou seja, a Prefeitura não precisa devolver ao Governo. O município que recebe os recursos precisa dar uma contrapartida no orçamento. A população paga no financiamento Prefeitura planeja abrigar 168 famílias da Vila Arvoredo em 34 blocos residenciais

DO PROJETO AO TIJOLO Deputados federais e A Comissão de Planos, senadores propõem Orçamentos Públicos e emendas ao OGU para Fiscalização analisa os solicitar recursos com fim pedidos determinado

do imóvel as verbas que saíram dos cofres municipais. O custo por família beneficiada chega a 38 mil, mas os moradores podem descontar as indenizações dos imóveis demolidos na Vila Arvoredo e financiar o restante em parcelas que não poderão superar 30% da renda familiar. O caminho para o complexo habitacional sair do papel e se concretizar é longo. A Caixa exige que os municípios cumpram uma série de requisitos antes de liberar os recursos para as obras (veja gráfico). Segundo Andrade, o banco tem consciência que a burocracia é grande, mas acredita que ela vai diminuir à medida que os administradores forem mais disciplinados e a corrupção menor. “Hoje a burocracia está do tamanho que ela deve ser”, frisa.

ASE - Área de Saneamento e Energia: local definido no Plano Diretor para implementação de sistema de tratamento de esgoto.

Se for aprovada, a CEF recebe um aviso de que há recursos para a execução de projetos

Os recursos para a execução de projetos habitacionais partem do Orçamento Geral da União e podem ser solicitados por emendas parlamentares ou através do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Até chegarem na Caixa Econômica, os processos para concorrer às verbas são diferentes. Assim que o banco recebe as propostas, os procedimentos se igualam. Se todos os documentos estiverem em dia, a CEF autoriza a assinatura do contrato

CEF remete oficio às Prefeituras informando da seleção e solicitando documentos

 APROVAÇÃO

Caixa verifica se o objeto licitado e orçamento conferem com o projeto apresentado

CAIXA

 ECONÔMICA FEDERAL

FNHIS

Ministério das Cidades abre seleção pública para projetos com recursos do FNHIS ARTE: DIRCEU GETÚLIO

EDITAL

 PROPOSTAS

Prefeituras enviam propostas ao Ministério das Cidades

SELEÇÃO

Ministério das Cidades seleciona os contemplados

OFÍCIO

PROJETO

Município elabora o projeto com todos os detalhes construtivos

 CONTRATO

 LICITAÇÃO

Com o contrato assinado, o município pode licitar a obra

OBRAS

Se tudo estiver correto, a execução da obra é autorizada

Mnistério informa a CEF do resultado da seleção

Fonte: Supervisor operacional da Caixa Econômica Adilson de Andrade

SECRETARIA DE HABITAÇÃO E SANEAMENTO

Recursos • Emendas parlamentares: R$ 484 mil • FNHIS: R$ 8 milhões Custos • Infra-estrutura: R$ 2,3 milhões • Preço por unidade: R$ 38 mil • Parque das Dunas: R$ 500 mil • Total: R$ 8,5 milhões

de dois e três pavimentos com dois apartamentos por andar. Cada unidade tem dois quartos, banheiro, sala e um conjugado de cozinha e lavanderia. Além das moradias, a planta arquitetônica inclui uma praça de convivência, uma quadra de esportes e infraestrutura urbana, com ruas e calçadas. A execução se divide em duas etapas, uma financiada por emendas parlamentares e a outra pelo Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FNHIS). A primeira contemplará 20% das obras com a adequação de um terço do terreno para a construção civil através de aterro. Os recursos provêm de duas emendas solicitadas em 2005 pela senadora Ideli Salvatti (PT) e pelo deputado federal Mauro Passos (PT) que, juntas, somam R$ 390 mil, mais a contrapartida do município de quase R$ 94 mil. Em fase de aprovação pela Caixa Econômica, a execução das obras já foi licitada, mas ainda falta obter a mudança de zoneamento do terreno para a liberação das verbas. A região está definida no atual Plano Diretor como Área de Saneamento e Energia (ASE), mas a Prefeitura já entrou com um pedido na Câmara Municipal para alterar a classificação para Área Residencial Predominante (ARP-0) e aguarda a decisão do poder legislativo (veja box). O lote pertencia inicialmen-

DEFINIÇÕES DO ZONEAMENTO URBANO


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População e entidades questionam elaboração de proposta “às escondidas” Prefeitura para discutir especificamente as características do projeto Recanto dos Ingleses com a comunidade. Os moradores do entorno da área prevista para as moradias populares, assim como os integrantes do Conselho Comunitário dos Ing leses, reclamam que não foram consultados na elaboração da proposta (veja pg 15). Eles foram conv idados para participar de uma reunião de apresentação da proposta uma semana antes do prazo final estabelecido pelo Ministério das Cidades para a emissão de projetos financiados pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Em duas audiências públicas realizadas na Câmara Municipal sobre moradia popular, o presidente da União Floriano-

CONCORRÊNCIA INTERMUNICIPAL Além de apresentar propostas, os municípios precisam convencer o Ministério das Cidades a financiar seus projetos. O secretário da Habitação e Saneamento, Átila Rocha, explica que um dos quesitos avaliados é o custo por unidade, de modo que aqueles que beneficiam a maior quantidade de pessoas ao menor preço unitário levam vantagem. Baseado nesse argumento, ele não acredita na aprovação de financiamento para construção de habitações populares para grupos menores. “Já temos que concorrer com projetos de moradia para mais de mil famílias dos municípios de São Paulo ou do Nordeste com custo unitário baixíssimo. Se diminuirmos ainda mais a população beneficiada não teremos a menor chance”, conclui. Outro fator que coloca a capital catarinense em desvantagem na concessão de recursos para construção de casas populares é seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Com pontuação considerada alta, de 0,876, o município é o quarto melhor colocado, segundo entre as metrópoles e a primeira capital no ranking nacional de IDH. Para Rocha, existe um senso comum de que todas as pessoas que residem na Ilha têm qualidade de vida, independente da classe social. “Há um raciocínio equivocado de que até as favelas em Florianópolis possuem um melhor padrão urbano, mas favela é igual em qualquer lugar do país”, ressalta. Em 2005, a Secretaria de Habitação enviou dois projetos ao Ministério das Cidades com propostas para a Vila Arvoredo, mas não foi contemplada. O primeiro buscava recursos para melhorias na própria comunidade, com loteamento, infra-estrutura, recuperação ambiental e criação de creches e área de lazer. O segundo previa a remoção das famílias para um terreno no bairro Rio Vermelho, onde seria construído um complexo habitacional para 150 famílias (veja pg 16). O secretário confia que dessa vez vai ser diferente porque a Prefeitura já apresentou uma planta pronta para a execução, enquanto das outras vezes era apenas uma proposta sem detalhes técnicos.

politana de Entidades Comunitárias (Ufeco), Modesto Azevedo, denunciou a irregularidade na elaboração do projeto. Para receber recursos do FNHIS os municípios devem assinar o Termo de Adesão do Ministério das Cidades, constituir um conselho municipal para gerenciar o fundo e elaborar um Plano Local de Habitação de Interesse Social até do dia 31 de dezembro de 2008. Florianópolis já assinou o Termo, mas não formou o conselho. “Sem o órgão, a população não tem chance de opinar. O resultado são decisões de gabinete, sem conhecer as necessidades das comunidades”, critica. O presidente da Ufeco teme que os moradores aceitem as propostas por desespero provocado pela urgência da remoção. “A impressão que tenho é que o poder público arrasta a solução até chegar no limite em que a comunidade concorde com qualquer proposta que eles oferecerem”, lamenta. Apesar de não ter avaliado com detalhes o projeto do Recanto dos Ingleses, Glauceli ressalta que a comunidade da Vila Arvoredo quer sair das dunas e que, a princípio, aceita a proposta de remoção para o terreno que era da Casan. A maior re s t r i ç ã o d a pre s i d e nt e d a Amovilar é quanto à situação dos carroceiros e catadores de

SECRETARIA DE HABITAÇÃO E SANEAMENTO

Após a notícia da elaboração do projeto de transferência dos moradores da Vila Ar voredo para o complexo habitacional Recanto dos Ingleses, entidades comunitárias, população beneficiada e vizinha do assentamento se indignaram não pela proposta em si, mas pela forma como foi elaborada. Sem consultar nenhuma das partes, a Secretaria de Habitação e Saneamento definiu um projeto e enviou ao Ministério das Cidades e à Caixa Econômica. Enquanto a Prefeitura alega que se baseou em discussões préexistentes, há dúvidas se todas as necessidades das famílias foram consideradas. Segundo a presidente da Associação dos Moradores da Vila Arvoredo (Amovilar), Glauceli Branco, não houve contato da

Recanto dos Ingleses

Projetado sem consultar as comunidades, Recanto dos Ingleses divide opiniões

lixo nos apartamentos, pois eles precisam de pátio para trabalhar com reciclagem. “Disseram que poderíamos mudar o projeto, que era só uma proposta inicial para segurar os recursos”, lembra. Não foi a informação transmitida na audiência pública para esclarecimentos sobre os prog ramas habitacionais do Governo Federal, realizada dia 22 de junho. A gerente regional de negócios da Caixa Econômica, Alba Alves, ressaltou as dificuldades em alterar os projetos emitidos pelas Prefeituras a esses programas. “Não é impossível, mas muito difícil, pois precisa ser reavaliado pelo Ministério das Cidades”, explicou. O secretár io municipal de

Habitação e Saneamento, Átila Rocha, responde às críticas ao afirmar que as necessidades da população foram consideradas, pois a Prefeitura já se reuniu com os moradores em várias ocasiões e conhece os problemas da comunidade. Ele justifica a ausência de áreas de reciclagem pela proximidade do Recanto com o terreno do Sapiens Park, a cerca de 1 km, que já tem um projeto de implementação de uma estação de reciclagem e poderia ser utilizado pelos catadores residentes na vizinhança. Rocha define como utopia defender que a comunidade participe da elaboração técnica do projeto de uma construção, pois, para ele, esse trabalho cabe aos engenheiros.

Escolha do terreno recebe críticas Enquanto a Prefeitura apresenta os documentos à Caixa Econômica, as discussões sobre o formato e localização do projeto Recanto dos Ingleses ganham força. Apesar de não ser classificado como APP, cerca de 11% do lote está definido no projeto como de preservação ambiental. A nascente do rio Capivari se localiza na região, onde existe uma pequena bacia hidrográfica em solo alagadiço. A Prefeitura precisará investir R$2,3 milhões em infra-estrutura para os 34 blocos. A maior parte desses recursos será usada para aterrar o terreno em mais de um metro de profundidade. O presidente da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (Ufeco), Modesto Azevedo, questiona se não seria mais interessante comprar uma área mais adequada para a construção civil que investir milhões em aterros. O supervisor operacional da Gerência de Apoio ao Desenvolvi-

mento Urbano da Caixa Econômica, Adilson de Andrade, informa que a maioria dos programas federais de financiamento de habitações populares não permite a aquisição de terrenos e que as Prefeituras que quiserem adquirir o imóvel precisam utilizar recursos municipais. O secretário municipal de Habitação e Saneamento, Átila Rocha, acredita que isso seja inviável em Florianópolis pelo alto valor da terra. “Comprar um lote com infraestrutura pronta para a construção no Norte da Ilha sai muito mais caro que aterrar um terreno doado”, justifica. O representante do Distrito dos Ingleses no Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo de Florianópolis, Paulo Spinelli, discorda. Ele fez um levantamento de dois terrenos à venda na área nobre do bairro que juntos somam 3.200 m2 a um preço de 670 mil. O tamanho representa

menos de 77% do espaço previsto no Recanto dos Ingleses para área construída, mas o preço do terreno custa apenas 29% dos gastos previstos com infra-estrutura pelo projeto da Prefeitura. Spinelli critica o assentamento de todos os moradores da Vila Arvoredo em um único local e sugere a divisão da comunidade em grupos menores instalados em habitações populares reduzidas. Ele acredita que a simples remoção das famílias de cima das dunas para outra área não resolverá o problema social, já que a população carregará para onde for o estereótipo de “favelados” e um novo isolamento será uma das conseqüências. “Se as pessoas forem divididas em grupos menores e a estrutura urbana já existente for ampliada para recebê-los [refere-se a creches, escolas, praças] a convivência entre os novos vizinhos será inevitável e haverá uma inclusão social”, defende.


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DIÁRIO CATARINENSE > Q

O dia-a-dia sobre a are

Moradores enfrentam dificuldades tanto pela proximidade c quanto pelas precárias condições socioeconômicas

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u a n do a c a r ro ç a f i c a che i a , é ho ra de voltar para casa. Catadora de lixo reciclável, Ev a d e O l i v e i r a conduz o cavalo pela Rua do Siri até a Vila Ar voredo. Os t rês cachor ros vira-latas recepcionam a dona e, sem querer, atrapalham o seu trabalho de descarregar a “cata” do dia. Garrafas PET, pedaços de papelão, latinhas

e até um pouco de pasto, tudo vai para o chão. Limitado pela cerca de madeira, o cavalo defeca no próprio pátio. Para di mi nui r a quant idade d e b a r at a s e r ato s at r a í d o s p e l o s m at e r i a i s re c i c l á ve i s acumulados, a catadora passa inseticida na areia. “É uma atividade boa, mas faz muita bagunça”, reclama. A imagem não se resume ao qu i nt a l de Eva . Um ce n á r i o de cont r ad i ç õ e s pi nt a a Vi -

la Ar voredo, com a paisagem paradisíaca das dunas e uma rea lidade de misér ia. S em con d i ç õ e s s o c i o e con ô m i c a s d e m or a r e m u m lu g a r m e l hor, 221 famíl ias erg ueram ou compraram suas casas sobre a Área de Preser vação Pe r m a n e nt e d a s du n a s d o s Ingleses. Além da ilegalidade e falta de infra-estrutura do bairro, os moradores enfrentam as dificuldades de conviver com a areia.

Quando sopra o vento Sul, os olhos se enchem de grãos e basta conversar alguns minu t o s n o s p á t i o s d a s c a s a s para que entrem na boca. Cada pessoa inventa formas de dr iblar os inconvenientes. A catadora Eva de Oliveira colocou cortinas nas paredes dos quartos para tentar evitar que a areia entre pelas frestas de madeira. “Nos dias que venta muito não coloco as panelas na mesa, cada um se serve no

fogão e fecha a tampa”, relata. Mais do que desagradável, o contato direto com as dunas representa um risco aos moradores. Clarice Alonso nunca imag inou que as dunas chegar iam até sua casa quando foi morar na Vila Arvoredo há s e i s a n os . E m n ove mbro d e 2006 precisou da intervenção da Prefeitura para transferir a família para outro imóvel. E m p é ssi mo est ado de con ser vação, o teto estava pres-


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eia

com as dunas t e s a d e s a b a r. O m o n t e d e areia distante a menos de três metros da parede dos fundos ameaçava soterrar o barraco e colocava em risco os moradores. “A areia vem por cima d a c a s a , c a i na com id a e s e espalha por tudo”, reclama. Retrato da ilegalidade Com o ag ravante de se localizar em terreno legalmente não edificável e co exist ir

entre a areia, a Vila Arvoredo dos das residências. Na Vila também enf renta problemas Ar voredo, os moradores imcomu ns a comu n i d a d e s c a - provisaram fossas sanitárias re nt e s , com o a f a lt a d e i n - com cubas de caixa d’água ou fra-estrutura urbana. À noi- geladeiras velhas enterradas te apenas as luzes das casas em buracos na areia. Além de clareiam as ruas. As travessas não ser a melhor solução de mal definidas entre as dunas saneamento, a falta de conhenão dispõem de ser v iços de cimento técnico na construiluminação pública ou pav i- ção das fossas gera problemas mentação. Os lixeiros só pas- estruturais. Foi o que aconteceu na casa sam na pr imeira r ua a cada d o i s d i a s , a c u m u l a n d o e m de Simone. A fossa fica exaum único logradouro sacolas tamente embaixo do assoalho com lixo de toda comunidade. do qu ar to do c as a l , ex a lan Ap enas os mor adores dess a do um odor desagradável no via têm endereço reconhecido cômodo. “Eu sempre deixo a pelos Cor reios e conseg uem casa aber ta para arejar bem, realizar processos que exigem mas quando chove o cheiro é a apresentação de comprovan- insuportável e nós temos que te de residência, como a aber- dormir na sala”, reclama. Com o tempo, a fossa de algumas tura de contas correntes. Fios pretos de energia elé- residências enche, transborda trica cruzam o céu da comu- e espalha o esgoto pela areia. nidade e exibem instalações Na moradia de Eva, por exemclandestinas que levam ener- plo, a fossa const r uída com g i a dos p ostes d as r u as as - uma geladeira velha transborfaltadas até as casas. Não há da nos dias de chuva e transqualquer cuidado com a segu- forma a areia em banhado de rança das ligações e os incên- esgoto. “Meu marido dá uma m e x i d a p a r a te nt a r f a z e r o dios são freqüentes. O s m o r a d o r e s d a s á r e a s esgoto descer, mas resolve só mais próximas ao asfalto têm por um tempo”, comenta a carelógio instalado pela Compa- tadora de papel. Os problemas das consnhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), mas os t r uções da Vila Ar voredo se que estão b em em cima das multiplicam. São paredes de dunas precisam fazer gatos do m a d e i r a p ront a s p a r a c a i r, encanamento de vizinhos para famílias apertadas em pequeutilizar o serviço. É o caso de n o s c ô m o d o s s e d e nt a s p o r Simone Araújo, que paga R$ ampliar a casa e até barracos 10 por mês aos proprietários mal estruturados inclinados para um só lado. d e u m m e rc a d o Com a i nter ven da comunidade ção da Prefeitura para receber água de Flor ianópolis at r av é s d e l i g a em 2005, os moções clandestinas. "Nos dias que venta radores foram Apesar da maiomuito não coloco as panelas na mesa" proibidos de venria da população de r ou re for m a r ter água encanaos imóveis. Em d a , cla nde st i na dois anos, novas mente ou n ã o, o necessidades surabastecimento da Vila Ar voredo sofre inter- giram que vão da construção r upções no verão, quando o de um banheiro, um novo côaumento do consumo deixa o modo e até um celeiro para o líquido sem pressão para che- cavalo. Mesmo com a proibição do gar até a comunidade. O prom otor d e Ju st i ç a do poder público, a catadora de Mi nistér io Públ ico, A lexan- lixo Eva de Oliveira começou a dre Herculano, explica que a recolher madeira nas ruas pai l e g a l i d a d e d a s re s i d ê n c i a s ra levantar o celeiro. Ela sente construídas em APP não per- remorso em deixar o cava lo mite a concessão de ser viços ao relento, principalmente nos como água e luz. Ele ressalta dias de chuva, e se incomoda que em casos como o da Vila com a sujeira que ele faz no A r vore do, e m que a o c up a - quintal. Eva também reclama ção já se consolidou e impli- da areia dentro de casa e dos ca em um problema social, o estragos provocados nos elefor ne c i me nto de á g u a p o de trodomésticos. “Você compra ser nego ciado ent re as con- alguma coisa nova e daqui a cessionárias e os moradores, uns dias não presta. A areia mas a proibição para as novas come tudo”, queixa-se. A auconstruções deve ser rigorosa. sência de respostas por parte “Proibir a instalação de água da Prefeitura, que por um lae luz é uma maneira de evitar do proíbe a venda e reforma dos imóveis, mas também não novas invasões”, defende. Assim como o abastecimen- aponta soluções concretas pato de á g u a e lu z , o si ste m a ra os moradores saírem das utilizado para eliminar o es- du nas , af l i ge os mor adores . goto está longe do ideal. Como “Eu até podia ter um banheiro o bairro Ingleses não tem rede melhor, mas não tenho vontade esgoto concluída, a popula- de de fazer nada porque vivem ção precisa encontrar opções dizendo que vão tirar a gente para eliminar os dejetos líqui- daqui”, desabafa.

População aguarda projeto da Prefeitura para mudar de vida A Prefeitura começou a se mobilizar no sentido de conter novas invasões a partir da audiência pública realizada na Câmara Municipal de Florianópolis para discutir a questão da habitação da Vila Arvoredo, em dezembro de 2004. Todas as casas foram cadastradas, numeradas, fotografas e avaliadas em 2005 pela Secretaria de Habitação e Saneamento e os proprietários foram proibidos de vender, construir ou ampliar os imóveis. A promessa é retirar os moradores das dunas, mas como, quando e para onde eles serão levados ainda está indefinido. Ao caminhar pelo bairro, é possível perceber um esvaziamento progressivo provocado pela política de indenizações da Prefeitura (veja pg 05). Casas desapareceram. Restos de telhas, madeiras ou concreto viram entulho espalhado nos mesmos terrenos onde um dia seguraram construções. Quem não foi embora, um dia vai. Pensando nisso, a proprietária do Mercado Paulista, Valquíria Barone, quer negociar com a Prefeitura o pagamento da indenização do estabelecimento comercial e de dois imóveis alugados na Vila Arvoredo. As doenças do filho provocadas pela areia contaminada e a queda nos rendimentos do mercado motivam a empresária a pegar a indenização do imóvel e voltar para São Paulo. Segundo Valquíria, as vendas caíram 70% em um ano com a saída dos moradores indenizados e a abertura de mais um estabelecimento comercial na comunidade, totalizando quatro mercados para a área. “Aprendi muita coisa aqui, mas quero um lugar melhor para meus filhos”, justifica-se. Histórias repetidas A esperança de uma vida melhor é um sentimento forte na Vila Arvoredo. Os nomes mudam, mas as histórias se repetem. Cer-

ca de 85% dos moradores não são naturais de Florianópolis e se mudaram para o município em busca de melhores empregos e qualidade de vida. Sem condições de suportar os alugueis do Norte da Ilha, as famílias construíram ou compraram barracos sobre a areia. Boa parte da população tem parentes na vizinhança, irmãos, filhos, sogros e tios, cada um puxou o outro para a comunidade até chegar a 779 pessoas em 2005, conforme o levantamento socioeconômico da Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento. Tanto por sua história de vida quanto pela condição socioeconômica, a catadora de papel Eva de Oliveira representa o perfil dos moradores da Vila Arvoredo. Natural de Coronel Vivida (PR), mudou-se para Florianópolis em 1994 à procura de uma vida nova e se estabeleceu na casa da irmã, residente na comunidade. Comprou um imóvel em construção e concluiu a obra com as próprias mãos. Sem contrato ou documento, o negócio foi feito de boca. “Ele me deixou pagar parcelado, acho que já estava interessado na minha filha”, brincou Eva, que hoje é sogra do homem de quem comprou o terreno. Das 221 casas da região, 65% são próprias, enquanto 13% são classificadas como invadidas, pois os atuais proprietários construíram sem comprar o terreno. Eva chegou na comunidade com os dez filhos e o companheiro, mas se separou e anos depois passou a viver com um vizinho. Ao todo, já morou em quatro casas na Vila, uma com cada marido, uma enquanto estava divorciada e outra que precisou abandonar antes que fosse soterrada pelas dunas. Na região, os relacionamentos entre vizinhos são comuns, principalmente em uniões estáveis, que representam o estado civil de 41% das famílias contra 28% de casados e 16% de divorciados.

PERFIL DOS MORADORES

• 82% das famílias têm renda média de até três salários mínimos • 80% delas não recebem benefícios dos programas sociais • 53% têm menos de 24 anos • 85% não são naturais de Florianópolis • 82% dos chefes de famílias cursaram apenas o ensino fundamental • 5% deles são analfabetos Fonte: Secretaria de Habitação e Saneamento


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A catadora de lixo Eva de Olivei- atingiu a catadora de lixo, mas ra entrou em desespero e chegou a quando percebeu que não consepreencher o cadastro para receber guiria comprar outro imóvel no a indenização da Prefeitura e sair município de Coronel Vivida (PR) da comunidade após o assassi- com os R$ 5.400 oferecidos pela nato de seus dois sobrinhos. Eles Prefeitura, voltou atrás. “Eu tava moravam em frente à sua casa e de cabeça quente e com depresforam executados no dia 2 de no- são, depois pensei melhor e vi que era a decisão errada”, avalia. A vembro de 2004. Seis homens encapuzados inva- mãe e os irmãos das vítimas não diram o barraco onde os irmãos mudaram de idéia e saíram da Vide 16 e 20 anos ofereciam uma la Arvoredo há dois anos. Hoje quem mora na casa é a festa para mais oito pessoas e os mataram com tiros na cabeça na família de Vanusa Araújo, que vê frente dos convidados. A polícia a tragédia como um exemplo paacredita que o motivo do crime ra os jovens não se envolverem seja acerto de contas ligado ao com drogas. “Um exemplo ruim, tráfico de armas e drogas. “Eles mas as pessoas que não usam drogas podem pensar estavam errados, ‘eu não quero isso pra mas não justifica mim’”, explica. Mãe o que aconteceu. O desafio das mães de uma adolescente Eram meus sobrié evitar que os de 14 anos, a dona de nhos e eu os amafilhos entrem para casa acredita que um va”, lamenta. o tráfico dos desafios das muNa hora do aslheres na comunidade sassinato, Eva esé evitar que os filhos tava dormindo e não escutou os tiros. Soube da entrem para o mundo do vício e tragédia quando a sobrinha lhe tráfico. O conflito entre a polícia e os pediu socorro aos prantos, já que a mãe das vítimas não estava em traficantes também atinge os inocasa. “Os dois estavam caídos de centes. Durante as últimas semamãos pegadas”, relembra. Após nas de maio, um clima de inseguo homicídio, Eva ficou um tempo rança se estabeleceu na Vila Arvona casa de uma filha que mora fo- redo pela investigação da PM de ra da comunidade com medo que tráfico de drogas na região. Dois os bandidos voltassem. “Disseram policiais foram baleados na troca que eles queriam terminar com a de tiros entre dois grupos estendifamília toda”, justifica. da por oito dias. Os moradores reA dor da perda dos sobrinhos clamaram que os interrogatórios e

as revistas das casas de pessoas não relacionadas ao tráfico foram realizados de forma autoritária. Até o dia 1 de junho de 2007, a PM atendeu a 2211 ocorrências nos Ingleses relacionadas à criminalidade ou a acidentes de trânsito. Não há dados específicos sobre a Vila Arvoredo, mas os plantonistas do Posto da Polícia Militar nos Ingleses consideram “alta” a inci- Após o homicídio dos sobrinhos, Eva pensou em sair da Vila Arvoredo com medo da criminalidade dência de registros envolvendo os moradores da área. INFRA-ESTRUTURA IMPROVISADA Apesar dos indícios da existência de bocas de fumo, a população defende que a comunidade é Água: Alguns moradores têm relógio instalado pela Casan, tranqüila. “Aqui não tem bandido enquanto outros ligam canos clandestinos para abastecer as como eles falam”, frisa Glauceli Branco, presidente da Associação casas com água. Sem pressão, há interrupções freqüentes dos Moradores da Vila Arvoredo. no fornecimento durante o verão. Para a moradora Simone Araújo, todos pagam o preço dos atos de Luz: A maioria dos moradores fez gatos dos fios dos postes poucos. A empregada doméstica se queixa do preconceito das de iluminação pública e recebem energia pessoas de outros bairros contra elétrica da Celesc clandestinamente. a população local, principalmenAs ligações são mal feitas e em altura te na hora de contratar funcionáinsuficiente, aumentando o risco de rios. Quando descobrem que você curto circuito. mora na Favela do Siri não pegam pra trabalhar. Acham que todo mundo que mora aqui é ruim”, Esgoto: A rede de esgoto dos Ingleses lamenta. MARINA GAZZONI

não foi concluída. Os moradores da Vila Arvoredo fazem buracos na areia e colocam geladeiras velhas ou cubas de caixa d’água para improvisar fossas sanitárias. A solução é de curto prazo, já que muitas fossas transbordam e derramam o esgoto na areia.

Lixo: O caminhão de coleta de lixo passa a cada dois dias apenas na Rua Floresta, a mais próxima do asfalto. O lixo de todos os moradores se acumula nessa rua para ser coletado. Não há cestas de lixo e restos de materiais sujam as ruas. Ruas: Sem asfalto, as travessas se definem entre as dunas. Estreitas e cheias de areia, impedem a circulação de veículos. A exceção é a Rua Floresta, que tem menos areia espalhada e permite a passagem de carros. Endereço: O nome das servidões está pintado nos muros de esquina, mas elas não são reconhecidas no sistema viário de Florianópolis. Os moradores não têm endereço residencial oficial, o que dificulta os procedimentos que exigem comprovante de residência. O carteiro deixa as correspondências na casa de algumas pessoas para que elas distribuam entre os vizinhos. Vanusa encara o assassinato dos antigos moradores como exemplo aos filhos para não se envolverem com drogas

MARINA GAZZONI

Criminalidade motiva famílias a sair da Vila Arvoredo


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Cotidiano > 13

Quando sopra o vento Sul, Vanusa Araújo tira o aparelho de inalação do armário e coloca na sala. Moradora da Vila Arvoredo há quatro anos, ela já sabe que os filhos Marciane, 7 anos, e José, 1 ano e dois meses, vão ter crises de bronquite provocadas pela grande quantidade de grãos de areia em suspensão. A dona-de-casa não é a única a se preocupar. O relatório da Unidade Local de Saúde (ULS) dos Ingleses apontou que dentre as seis doenças mais incidentes na comunidade, a bronquite é responsável por 51% dos casos, atingindo 19 famílias das 37 que relataram problemas de saúde. O médico da família que atende na Unidade, Luis Fabiano Ramos, explica que a maioria dos pacientes com problemas respiratórios sofre de bronquite asmática, enquanto algumas pessoas, principalmente idosos, podem desenvolver bronquite crônica. É o caso de Tereza Rodrigues da Silva, 61 anos, que sente dificuldades de respirar quando ataca a doença. “Os médicos dizem que esse pó de areia não é saúde para a gente, mas fazer o quê? Pobre é assim! A única opção é ficar aqui comendo areia”, lamenta com sua voz rouca. Parasitas As doenças respiratórias não são as únicas. O bando de cães mal cuidados faz da Vila Arvoredo foco de proliferação de bicho-de-pé. Os males são tão comuns que é muito difícil encontrar moradores que nunca retiraram um parasita dos dedos. Há dois anos na ULS dos Ingleses, Ramos relata casos de pacientes com mais de 80 bichosde-pé. “As pessoas não precisavam ficar daquele jeito, mas elas não se tratam e deixam acumular larvas”, frisa. Leonardo dos Santos, de 14 anos, precisou passar seis meses na casa de parentes em São Paulo para tratar as feridas. Apesar de não residir na Vila Arvoredo, o estudante passa o dia na

comunidade onde seus pais abriram origem intestinal, como hepatite e feum pequeno mercado há cinco anos bre tifóide, podem ser contraídas pela e sofre com os sintomas de bicho população através da contaminação geográfico. Com dificuldades para da areia com o esgoto. Os relatos de se curar definitivamente, Leonardo fossas sanitárias que transbordam e reclama de dores e coceiras geradas até mesmo de moradores que jogam pelo movimento da larva sob a pele. baldes com dejetos diretamente no Sua mãe, Valquíria Barone, solicitou solo evidenciam o risco para a saúde. à Prefeitura o pagamento de indenização pelo imóvel após ser advertida Dificuldade de acompanhamento A família de Leonardo quer voltar para SP para ele se curar de bicho geográfico pelos médicos de que precisava retidade, a distância em relação à Vila Apesar de ser o segundo bairro para cada 10 mil pessoas. rar o filho da comunidade para evitar O agendamento de consultas só é um empecilho para os moradores novas contaminações de parasitas e mais populoso de Florianópolis, Ingleses não tem hospital. Na Unidade pode ser feito nas sextas-feiras, quan- buscarem o serviço de saúde. Secompletar o tratamento. Para o chefe do Departamento Local de Saúde, apenas três médicos do a fila evidencia as limitações do gundo Ramos, a população procura de Saúde Pública da Universidade se desdobram para atender a popu- posto médico. Vanusa Araújo sai de com mais freqüência o Pronto AtenFederal de Santa Catarina, Alcides lação de 19 mil habitantes. Ramos casa às 3h da madrugada para pegar dimento, localizado a cerca de 1 km da Silva, a facilidade de contrair in- calcula que a ULS abrange uma área uma senha e marcar uma consul- da comunidade, que atende apenas fecções pode tornar o bicho-de-pé de mais de 30 mil pessoas, já que ta para o filho. “Se você chegar lá às emergências. “O PA não oferece um e o geográfico portas de entrada também recebe pacientes dos bair- 6h da manhã, não consegue senha e tratamento continuado e na Unidade para outras doenças, como úlce- ros vizinhos. A carência de profissio- tem que tentar de novo na semana de Saúde temos que atender toda pora ou tétano. No primeiro caso, ele nais e a demanda por atendimento que vem”, queixa-se. A dona-de-casa pulação dos Ingleses com apenas três recomenda que o parasita seja re- dificultam que os médicos vão até as também reclama da falta de especia- médicos. Ficamos sem estrutura para tirado por médicos com material comunidades carentes, como a Vila listas na ULS. O filho de 1 ano e dois dar atenção à área de risco do bairro”, Arvoredo. meses faz tratamento para bronquite conclui. esterilizado e que Esses problemas de infra-estrutura O coordenador do desde que nasceu, mas há quase um os pacientes sejam Comitê Gestor de Saú- ano aguarda o retorno da solicitação da ULS complicam o diagnóstico e vacinados contra o tétano antes de reade de Florianópolis, de consulta com um especialista em tratamento adequado da população. O cadastro dos pacientes da Vila Arlizar o procedimento. Valdir Ferreira, explica alergias. "Já atendi pacientes com mais de 80 Ferreira explica que o atendimento voredo está incompleto, dificultando que o quadro de méJá para o bicho geobichos-de-pé" dicos nos Ingleses es- de especialistas compete ao Estado. ao médico da família detectar pessográfico, Silva atenta tava defasado em fun- Os médicos da família municipais as que precisam consultar e planejar para a higiene das unhas dos pacientes ção do afastamento de encaminham os pacientes à Cen- ações de atendimento. No último dois profissionais, um tral de Marcação de Consultas para relatório de saúde, nove gestantes ao coçar as feridas, além da necessidade de procurar para assumir a coordenação da Uni- agendarem o atendimento no SUS. foram cadastradas, 30% delas com dade e o outro em férias. Ele insiste O coordenador do Comitê Gestor de menos de 19 anos. Os dados também tratamento médico. O médico Luis Fabiano Ramos que o centro de saúde do bairro é Saúde informou que o Município es- apontaram a existência de quatro sodefende o uso de calçados na comu- exemplo de qualidade em Florianó- tá negociando com o Ministério da ropositivos em 2005, um número alto nidade e o controle da população de polis, pois está dentro dos parâme- Saúde para assumir até o final do ano para uma comunidade de 779 hacães para evitar as doenças. Ele con- tros ideais para atendimento médico. a assistência médica para doenças de bitantes enquanto a média de Santa dena a prática adotada por alguns Apesar da complexidade em definir média e alta complexidade, além da Catarina no mesmo ano foi de 12,7 infectados para cada 100 mil pessoas. moradores da Vila Arvoredo de este- um padrão rígido para determinar a saúde básica. Sem acompanhamento continuado, rilizar o solo para matar os parasitas. proporção ideal de médicos por haos médicos não têm controle se as Tratamento não continuado “Não tem como passar veneno na bitantes pelas diferentes necessidades gestantes estão fazendo o pré-natal areia, porque as partículas voam. Se regionais, a OMS recomenda que os as pessoas respirarem os inseticidas países da América Latina busquem Se a pequena quantidade de mé- ou se os pacientes soropositivos estão podem até morrer”, alerta. atender a população com 8 médicos dicos impede que eles saiam da Uni- tomando o coquetel anti-Aids. O lixo acumulado nos quintais e a precariedade das fossas sanitárias ANIMAIS VADIOS, DOENÇAS NA PELE também podem desencadear problemas de saúde. Micoses diversas e todas as doenças com transmissão de Doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), o professor de Medicina da UniverMARINA GAZZONI

sidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Alcides da Silva, explica que o bicho-de-pé é provocado por uma espécie de pulga, a tunga penetrans, de cerca de 1 milímetro de comprimento. Apesar de ser parasita dos cães, o inseto pode viver até dois anos na areia sem se alimentar. A fêmea grávida se nutre de sangue para amadurecer seus ovos e procura um ambiente para se alojar. Entre sete e dez dias a pulga expele até 200 ovos no hospedeiro, que crescem, se reproduzem e reiniciam o ciclo. Além das pulgas que se criam nos pêlos, cães e gatos não vacinados também hospedam parasitas no intestino. De acordo com o professor, as fezes dos animais contêm ovos do ancylostoma braziliense que, em contato com umidade e calor, se transformam em larvas à espera de um hospedeiro. Quando as pessoas pisam em locais infectados, os microorganismos perfuram a pele, entram no corpo humano, mas não conseguem atravessar as camadas mais espessas para chegar ao intestino. O parasita começa a se movimentar ao acaso, provocando coceira e lesões avermelhadas na pele, sintomas da doença popularmente chamada de bicho geográfico.

As larvas de bicho geográfico percorrem a pele, provocando coceira e feridas

MARINA GAZZONI

Areia e falta de saneamento afetam saúde dos moradores


14 < Cotidiano

DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007

DC Documento PIERINA POMARICO

PIERINA POMARICO

O teto caiu e as paredes voaram, mas a recomendação da Defesa Civil é ficar em casa

Em dez segundos o tornado devastou a comunidade com ventos de 170 Km/h no dia 23 de março

Fenômenos naturais colocam moradores em risco davais como argumento para pedir a remoção provisória das pessoas para imóveis locados, na audiência pública realizada na Câmara Municipal no dia 18 de maio. O secretário da Defesa Civil de Florianópolis, Francisco Cardoso, afirma que não há como prever se ciclones ou tornados vão atingir novamente a região, mas, se isso acontecer, dificilmente a comunidade sairá ilesa. “As dunas são uma área de risco para a habitação, pois é um descampado onde só há areia e quando ocorrem temporais,

PERIGO IMINENTE

Não foi a primeira vez que um fenômeno natural devastou a Vila Arvoredo. Na madrugada entre os dias 9 e 10 de agosto de 2005, um ciclone extratropical passou em Florianópolis e deixou dezenas de pessoas desabrigadas na comunidade. Para a ex-moradora Elisa Tavares o ciclone foi a gota d’água para ir embora do município. Naquela noite, a auxiliar de cozinha estava em casa com o marido e as duas filhas quando começou o temporal. O vento empurrou a areia para cima do telhado e a chuva molhou os grãos, deixandoos pesados, até que o teto desabou. A família conseguiu sair a tempo, mas uma das vigas de madeira acertou e quebrou o braço da caçula, com menos de dois anos na época. “Quando vim morar na Vila, achava as dunas muito bonitas. Mas logo vi que essa areia causa destruição”, lamenta. O procedimento da Defesa Civil é informar as populações da ocorrência de temporais a partir da previsão dos meteorologistas da Epagri. Como os tornados se formam rapidamente, são difíceis de prever mesmo com alta tecnologia e muitas vezes pegam as pessoas desprevenidas. Para incidentes como ciclones ou tornados a orientação é não sair de casa e se abrigar na menor peça, geralmente o banheiro. A justificativa é o risco de ser atingido por objetos derrubados pelo vento, como placas, postes, telhas e até fios de alta tensão. Na Vila Arvoredo, fica difícil saber como reagir quando o telhado desaba na sua cabeça. Literalmente.

DEFESA CIVIL MUNICIPAL

Mais de um ano depois que o último temporal devastou a Vila Arvoredo, as marcas permanecem. A cada nuvem escura ou trovoada, a população teme assistir a uma nova tragédia. Por mais que o tempo passe, o relato de barracos destelhados e famílias desabrigadas ainda choca e pressiona o poder público para solucionar o problema de moradia. Com o apoio dos moradores, a União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (Ufeco) usou o risco iminente de destruição das casas por ven-

o vento chega com força total”, explica. Devastação Em 23 de marco de 2006, dez segundos bastaram para o tornado destruir completamente 21 das 80 casas atingidas na Vila Arvoredo. No dia em que Florianópolis completava 280 anos, os moradores viram telhas voarem, paredes caírem, tetos desabarem e vizinhos perderem o pouco que tinham, levado pelo vento ou molhado na chuva. Sem vegetação para segurar a ventania que passou de 170 Km/h, os barracos construídos com madeiras reaproveitadas estavam completamente vulneráveis sobre as dunas. A chuva forte alagou o chão e o telhado voou na casa onde Deisiane dos Santos e Émerson André moraram até março do ano passado. No escuro e com medo que o teto desabasse sobre suas cabeças, o casal tentava desesperadamente abrir a porta emperrada. Aos 17 anos, o chefe de família derrubou a porta com um chute e levou a esposa de 15 anos, grávida de 2 meses, para a casa da sua mãe. “Eu estava desesperada, achei até que ia perder o bebê”, lembra a adolescente, que até hoje teme ventanias. Ninguém se machucou, mas as perdas materiais foram significativas. Com o teto e as paredes destruídos, a casa se desmanchou. O casal não encontrou nenhuma peça de roupa sua ou do bebê, o colchão foi carregado pelo vento e os móveis e eletrodomésticos se transformaram em entulho. Sem alternativas, precisaram ficar alojados no Centro Comunitário Madre Tereza de Calcutá junto com outras 40 famílias. A Prefeitura decretou situação de emergência no distrito dos Ingleses e a destruição das casas trouxe à favela o prefeito Dário Berger, a Defesa Civil, a Secretaria de Habitação e Saneamento, o Corpo de Bombeiros

Das 80 casas atingidas na Vila Arvoredo, 21 foram totalmente destruídas e a imprensa. O problema da habitação que a comunidade convive dia a dia desde sua formação na década de 80 veio à tona para a sociedade catarinense com a tragédia. O dia seguinte Quando o secretário da Defesa Civil de Florianópolis, Francisco Cardoso, chegou ao local atingido pelo tornado no dia 23 de março encontrou um cenário de desespero e destruição. Casas destelhadas, população apavorada e uma comunidade no escuro pela ruptura das ligações de energia elétrica. Cardoso ressalta que em situações como essa é preciso tomar decisões emergenciais para preservar a vida das pessoas. “As famílias não queriam permanecer nas casas e eu só tinha o Centro Comunitário para alojá-las”, lembra. No dia seguinte ao fenômeno, moradores, voluntários e bombeiros formaram um mutirão para reconstruir as casas. O Prefeito de Florianópolis, Dário Berger, visitou a comunidade e se comprometeu a ajudar os desabrigados. A Prefeitura distribuiu cerca de duas mil telhas, lonas e descarregou um caminhão cheio de madeira para as reformas,

além de ajudar as pessoas alojadas no Centro Comunitário com a doação de alimentos, fraldas e colchões. Os assistentes sociais do município montaram um espaço provisório ao lado do Posto Policial dos Ingleses, no qual cadastraram cerca de 70 famílias que desejavam receber a indenização do imóvel e sair da região. Apesar da estratégia de assistência social da Prefeitura, nem todos os moradores foram contemplados. Deisiane e Everton foram os últimos a desocupar o Centro Comunitário, no qual permaneceram por quase um mês. Segundo ela, a casa onde moravam foi completamente destruída e a Prefeitura não prestou assistência a eles sob a justificativa de que os pais do rapaz possuíam imóveis alugados na comunidade e poderiam cedê-los ao filho e à nora. Com apenas cinco meses de casados na época, o casal ficou sem ter para onde ir após o tornado. “Era final do mês e não tínhamos dinheiro guardado. A gente estava num mato sem cachorro”, lembrou Deisiane. Após morarem cinco meses com a mãe da moça, os jovens se mudaram para o segundo andar de um sobrado do pai do rapaz.


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Exclusão > 15

MARINA GAZZONI

Eles não querem População do entorno se mobiliza contra o projeto Recanto dos Ingleses

R

Impacto ambiental A elaboração do projeto sem o conhecimento da população local não é o que mais irrita Américo Nunes, morador desde 1992. Ele cobra dos órgãos ambientais como a área não está definida como de preservação no Plano Diretor, já que abriga a nascente do rio Capivari. “Onde está a lei ambiental? Não é possível permitir que se destrua uma reserva ecológica que es-

coa água”, indigna-se. Localizado no pé de um morro, o terreno recebe as águas que escorrem das partes altas. O banhado e as margens do rio se confundem. Apenas uma faixa de vegetação mais escura identifica o curso do córrego. De acordo com Santos, nos dias de chuva não tem como caminhar na região sem afundar, em alguns trechos, até a cintura. O secretário da Habitação e Saneamento não aceita os questionamentos sobre a degradação ambiental e acredita que ele não é o real motivo para a rejeição do projeto. “As pessoas que colocam essas críticas moram no terreno ao lado da área que dizem ser de preservação”, ironiza. Outros motivos

Carlos Santos mostra o banhado e o rio Capivari no terreno onde a Prefeitura planeja construir o Recanto dos Ingleses

A moradora Ângela Militino ressalta que a comunidade não tem nada contra a população da Vila Arvoredo, mas sim a ocupação do terreno. Além do impacto ambiental, ela cita as deficiências de infra-estrutura que vão ser conseqüências do assentamento de novas famílias na área. “As autoridades sempre dizem que vão dar assistência, mas depois abandonam o bairro e os problemas ficam aqui”, teme. Embora a criminalidade não seja o argumento para a mobilização contrária ao projeto Recanto dos Ingleses, Ângela diz que é hipocrisia afirmar que a população do Capivari não se preocupa com a procedência dos novos vizinhos. “Sabemos que eles têm um histórico de criminalidade e uma relação ruim com a polícia, que acaba agindo de maneira ríspida com todos os moradores dos arredores”, explica. Ela ressalta que nem todas as pessoas da Vila Arvoredo praticam delitos, mas uma minoria que acaba prejudicando comunidade inteira.

MARINA GAZZONI

esidente no Sítio do Capivari, nos Ingleses, há 7 anos, Carlos Santos levou um susto quando soube da existência de uma proposta da Prefeitura para abrigar 168 famílias da Vila Arvoredo em um terreno próximo a sua casa. Contrário à construção do complexo habitacional, o morador defende que a área não seja ocupada, pois forma uma bacia hidrográfica e a nascente do rio Capivari. Apesar de afirmar que a rejeição ao projeto não é preconceito à comunidade da Vila Arvoredo, ele admite que os vizinhos estão preocupados com a criminalidade. Santos conta que apenas na metade de junho os moradores ouviram boatos de que a Prefeitura planeja remover as famílias da Vila Arvoredo para a localidade. Assim que souberam dessa possibilidade, um grupo procurou as secretarias municipais, os órgãos ambientais e a Câmara Municipal para obter informações consistentes. Ele relata que apenas a Secretaria de Habitação e Saneamento passou mais detalhes e explicou a planta arquitetônica, mas não divulgou os documentos. “Ninguém nos mostrou os papéis assinados com autorização do projeto”, queixa-se.

A comunidade do Sítio do Capivari segue o exemplo do Rio Vermelho e Vargem Grande e se mobiliza contra o projeto habitacional

Solução longe de casa

MARINA GAZZONI

Ângela admite receio com a segurança do bairro após a construção do Recanto

O principal motivo de atraso da remoção das famílias da Vila Arvoredo é o preconceito social. Essa é a opinião do secretário municipal de Habitação e Saneamento, Átila Rocha, que comparou a construção de moradias populares para comunidades de baixa renda com a instalação de estações de tratamento de esgoto ou lixões. “A Vila Arvoredo está entre os problemas urbanos de Florianópolis que todos querem uma solução, mas ning uém quer que seja per to da sua casa”, critica. A atual política de gestão do

município para as famílias de baixa renda é criar assentamentos na própria localidade em vez de remover os moradores para regiões mais distantes. Com isso, o secretário acredita que diminui o impacto da mudança e aumenta as chances de permanência na área, já que os empregos e as ligações sociais s e m a nt ê m os me smos . E le também justifica a decisão por uma questão de justiça com a comunidade do entorno. “A Vila Arvoredo é um problema social que já existe nos Ingleses, tanto que é politicamente questionável transferi-la para

outro bairro”, salienta. A Prefeitura já apresentou propostas de remoção para os bairros Rio Vermelho e Vargem Grande, nos quais as associações dos moradores se mobilizaram e conseguiram impedir a criação de complexos habitacionais. O secretário já sabe da rejeição da comunidade do entorno da área prevista para a construção do projeto Recanto dos Ingleses e adianta que vai ser diferente. “A idéia é enfrentar a rejeição e todo o desgaste político decorrente com a consciência de que não existe alternativa melhor”, avisa.


16 < Exclusão

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Favela do Siri vira jargão político para conter restrições ambientais dossiê da Secretaria de Habitação e Saneamento sobre a comunidade. Responsável pela coluna, Maria Aparecida Nery defende que apenas publicou a opinião dos moradores do Rio Vermelho. A população votou por unanimidade pela rejeição ao projeto de criação de habitações populares direcionado às famílias da Vila Arvoredo no bairro, na assembléia da Associação dos Moradores do Rio Vermelho (Amorv), dia 19 de março de 2005. O presidente da Amorv na época, César Schenini, disse que o motivo da rejeição do projeto foi a carência de infra-estrutura do Rio Vermelho. Ele cita o exemplo da falta de vagas nas escolas públicas para os estudantes residentes na região. Schenini alega que o bairro suporta cerca de 8 mil pessoas, mas calcula que o número de habitantes já atingiu o dobro. O Bairro e Amorv Mesmo contrário à proposta de assentamento dos moradores da

Vila Arvoredo no Rio Vermelho, discutida em 2005, o ex-presidente da Amorv critica a maneira como o O Bairro tratou a outra comunidade e os movimentos sociais no artigo. Para Schenini, o jornal começou a “bater” na Favela do Siri quando se posicionou favorável ao Costão Golf, segundo ele, parte interessada na remoção da população das dunas dos Ingleses. Maria Aparecida rebate que é justamente essa a posição da população do Rio Vermelho. “Interessa a comunidade que o Costão Golf seja instalado, assim como não interessa a ocupação desordenada”, enfatiza. A colunista também se queixa de uma conveniência implícita que proíbe as pessoas de se manifestarem contrárias a Vila Arvoredo. “Não é porque são pobres que não podemos criticar a invasão das dunas”. Ela ressalta que a contrariedade das populações vizinhas em relação as moradores se justifica pelos relatos de ocorrências policiais e histórico de criminalidade. “Não é preconceito, é precaução”, diferencia.

JORNAL "O BAIRRO"

O embargo da obra do Costão Golf e o pagamento de propina para a concessão de licenças ambientais, revelado pela Polícia Federal na Operação Moeda Verde, trouxe conseqüências políticas para a Vila Arvoredo. Conhecida popularmente por Favela do Siri, a comunidade foi citada como exemplo negativo das restrições da legislação ambiental para os empreendimentos por empresários e políticos, inclusive o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira. Não é a primeira vez que o campo de golf e a favela entram em pauta ao mesmo tempo. Em 2005 o jornal O Bairro, do Rio Vermelho, comparava as duas realidades ao se posicionar contrário ao assentamento dos moradores da Vila Arvoredo na região e favorável à construção do empreendimento. Uma das reportagens que mais causou polêmica foi publicada na coluna de Cacá Minéia, na edição de abril de 2005. O texto foi considerado preconceituoso e provocou a revolta dos moradores da Vila Arvoredo, relatada no

Texto e charge do jornal O Bairro revoltaram moradores da Vila Arvoredo

A FAVELA E O RESORT Em entrevista a TV BV no dia 13 de maio deste ano, o governador Luiz Henrique da Silveira relacionou as restrições ambientais para os empreendimentos em Florianópolis com a “proliferação de favelas”, como a do Siri. “E a Favela do Siri? Do lado do campo de golfe que não deixaram o Fernando Marcondes fazer. Por que não se proíbe a proliferação de favelas que jogam, me permita a expressão irada, cocô (sic) na praia para provocar doenças nas nossas crianças. Por que não se atua nisso aí para impedir? A favela pode poluir a praia. Agora o resort, o hotel, o campo de golf para atrair turista e gerar emprego e renda não pode.”

Na mesma página em que critica a Vila Arvoredo, Cacá Minéia defende a construção do Costão Golf


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Ação Social > 17

O

primeiro empre- res se preocupam em ir além g o p a r a j o v e n s do conte ú do t é c n ico e procarentes entre 16 porcionar conhecimentos que e 24 anos é o fo- aumentem a auto-estima dos co do Consórcio jovens carentes. Com 22 dos Social da Juven- 46 alunos da escola residentes t u d e , pro g r a m a f i n a n c i a d o na Vila Arvoredo, a educadora pelo Ministério do Trabalho Hanen Kanaan integra as atie executado em Florianópolis vidades do laboratório de inpelo projeto Aroeira. Mais de formática com o conteúdo de sala de aula. mil estudantes de 56 comunidades da reEla cita o exemg ião metropolitana plo de um exercício do município partis o b re a O p e r a ç ã o "Só a união vai Moeda Verde, invescipam das oficinas fazer a gente sair da areia" profissionalizantes. t i g a ç ã o d a Pol í c i a Federal sobre o paEles recebem o benefício de R$ 120, gamento de propina vale-transporte e para a concessão de lanche para assistir aos cursos licenças ambientais em Floriagratuitos. nópolis. “Discutimos em sala A Escola de Turismo e Hote- de aula o que a operação siglaria Canto da Ilha (ETHCI) nifica para a comunidade e deé a instituição que oferece o pois eles utilizaram ferramenensino profissionalizante aos tas da internet e do word para adolescentes da Vila Arvoredo, pesquisar e redigir um texto nas modalidades Gastronomia sobre o tema”, explica. ou Informática. Os professo- Para o e duc ador da ETHCI,

Luiz Gabriel Angen ot , a m a i or d i f i culdade do projeto é a permanência nos cursos. A última turma do ensino prof i s s i on a l i z a nte teve 8% de desistência por motivos socioeconômicos. “Os que desist iram foi porque precisavam trabalhar”, lamenta. Atuação social Uma das exigências Estudantes do projeto Aroeira pintaram faixas de protesto pela situação da Vila Arvoredo para se inscrever no Aroeira é que os jovens que ainda não completaram o ensino regular voltem a estudar. Os educadores da Escola de Turismo tiveram que intervir para que os estudantes se matriculassem nas instituições públicas de ensino do Norte da Ilha. “Um dos alunos não conseguia se matricular porque não tinha identidade e CPF, então tivemos que negociar com a escola e ajudá-lo a obter os documentos”, conta Angenot. O co ordenador da escola, Adriano Larentes da Silva, explica que, como são filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), as atividades estão engajadas com os movimentos sociais. Os alunos e educadores do projeto percorreram a Vila Ar voredo para convidar Maria da Luz se manifestou para pressionar a Prefeitura e apresentar soluções os moradores a participar de uma reunião no dia 12 de maio setas do projeto Aroeira e pen- jovens decidiram se manifesa fim de discutir que posição duraram faixas no plenarinho tar em prol da comunidade na defenderiam na audiência pú- da Câmara Municipa l como tentativa de pressionar o poder blica sobre a política de habi- forma de protesto pelo falta público e pediram a ajuda dos tação de interesse social em de soluções em relação à Vila educadores na confecção das Florianópolis, realizada no dia Arvoredo. Aluna da oficina de faixas. “Acho que só a união informática, Maria da Luz de da população vai fazer a gente 18 do mesmo mês. Os estudantes vestiram cami- Lima, de 18 anos, relata que os sair da areia”, ressalta.

MARINA GAZZONI

PROJETO AROEIRA

A ETHCI oferece oficinas de Informática e Gastronomia a 22 jovens da Vila

MARINA GAZZONI

Projeto Aroeira alia cursos profissionalizantes a aulas de cidadania

Centro Comunitário investe no ensino integral Elisabete Forte não segura o sorriso ao contar que recebe seu primeiro diploma este ano. A faxineira entrou numa sala de aula pela primeira vez na vida em 2004, para cursar o ensino fundamental na turma de supletivo da Escola Básica Gentil Mathias. Entusiasmada em aprender, matriculou-se na classe de informática básica do Centro Comunitário Madre Tereza de Calcutá e comemora a conclusão do curso em julho. O trabalho de educadores voluntários abre uma oportunidade para os moradores da Vila Arvoredo conhecerem tecnologias

que não faziam parte do seu fazer com que a criança se sinta cotidiano até então, como na- melhor aqui do que na rua”, exvegar na internet. plica a presidente do Centro CoApesar de oferecer oficinas de munitário, Ruth Pereira. O projeto conta com a parinformática para adultos, o foco das atividades do ceria da Secretaria Centro Comunitário Municipal de Edué atender crianças cação, que deslocou e adolescentes de 7 dois professores da “O mais triste é a 14 anos. O esparede pública para o que a violência ensino integ ral no ço serve para o denão acaba” s e nvolv i m e nto de Centro Comunitário atividades para 56 e financia a merenestudantes da Vila da escolar. Uma parArvoredo durante o ceria com o Comitê período em que não estão na es- para Democratização da Inforcola, como capoeira, música, de- mática (CDI) permite que os senhos e brincadeiras. “A idéia é professores da rede de ensino

lecionem gratuitamente para os moradores da Vila Arvoredo. Mais do que o conteúdo técnico, o coordenador de Informática, Édson Alves, procura conscientizar os alunos da importância do estudo. Dentre as dificuldades de ensinar jovens carentes a mexer no computador, o professor aponta a falta de uma turma de nível avançado para dar continuidade ao curso básico, com duração de três meses. Ele também insiste na necessidade de aulas paralelas à informática específicas sobre cidadania e direitos humanos.

O incidente do dia 21 de junho mostra que o pedido do professor faz sentido. Durante a aula de informática, uma adolescente de 13 anos esfaqueou a colega da mesma idade com uma faca de cozinha que levou para o Centro Comunitário. A vítima conseguiu se defender e empurrou a agressora pela escada, que correu para a Vila Arvoredo. “O mais triste é que a menina esfaqueada jurou a outra de mor te, então a violência não acaba”, lamenta Aline Borba, que também é professora de informática e presenciou a cena.


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DC Documento LEONARDO CORRÊA

Para conhecer as condições de habitação, a estrutura do terreno e o perfil dos moradores, Pierina percorreu a Vila Arvoredo em pesquisas de campo para a elaboração do trabalho final do curso de Arquitetura

Estudante de Arquitetura busca soluções para Vila Arvoredo Quando assistiu à audiência a estudante confessa que ficou pública para discutir a situação chocada com as condições de da Vila Arvoredo após a devas- vida na Vila Arvoredo. “Vi casas tação provocada pelo ciclone ex- quase soterradas, famílias serem tratropical em 2005, a estudan- removidas dentro da própria fate de Arquitetura e Urbanismo vela para áreas mais estáveis, a Pierina Pomarico decidiu apro- falta de expectativas daqueles fundar o tema no seu Trabalho que tiveram a casa destelhada de Conclusão de Curso (TCC), no temporal de 2006 e o descaso apresentado em 2006 na Univer- da Prefeitura com a situação da sidade Federal de Santa Catarina comunidade”, relata. (UFSC). Apaixonada por arquiO trabalho final se div ide tetura social, a universitária fez em duas disciplinas, uma papesquisas de campo, participou ra a pesquisa e estudo de caso das reuniões da associação dos e outra para o desenvolvimento moradores, revisou a bibliogra- de um projeto. Orientada pela fia sobre remoção de comuni- doutora em Arquitetura e Urdades e direito à banismo Maria moradia, além de Inês Sugai, Pierina estudar conteúdos m ost rou t a nto o d e o u t r a s á re a s interesse social da “A remoção parece de conhecimento, retirada dos moum processo de limpeza social de como Geografia e radores quanto a uma área nobre” Engenharia Sanivisão especulativa tária. O esforço foi em torno da saída necessário para d a p opu la ç ão de desenvolver uma baixa renda dos Inmonografia sobre o assunto e gleses na parte teórica do TCC. um projeto arquitetônico para a “Diferente da classe média que população. também está em Área de PreAcompanhada da então presi- servação Permanente, eles não dente da Associação dos Mora- puderam optar, mas têm que dedores da Vila Arvoredo, Claudete socupar o local. Parece um proMaciel, Pierina percorreu a re- cesso de limpeza social de uma gião para diagnosticar a reali- área nobre”, critica. dade da população e sugerir soEla apresentou o tema como luções a partir do conteúdo que um problema social e trouxe aprendeu na graduação. Como exemplos de outros municípios foi bolsista de iniciação cientí- com famílias remov idas pafica do projeto Segregação Espa- ra moradias populares que não cial e Mobilidade Intra-urbana, suportaram as despesas com ela já conhecia a realidade de financiamento, água e luz e acaalgumas comunidades carentes baram vendendo as casas. Com de Florianópolis. Mesmo assim, a informação de que boa parte

das construções no bairro não tem tratamento de esgoto adequado, a estudante desbancou os argumentos de que a Vila Arvoredo é a única responsável pela poluição do aqüífero com suas fossas sanitárias. Ela também questionou por que os mesmos grupos que utilizam a degradação ambiental como justificativa para a remoção da favela apóiam a construção do Costão Golf, empreendimento que recebe críticas de ambientalistas pelo risco de poluição ao lençol freático. Para desenvolver um projeto de remoção e assentamento dos moradores, Pierina pesquisou o solo da área e identificou regiões que perderam as características geológicas de duna. As casas construídas nesses lotes permaneceriam no mesmo local, enquanto os moradores da área de risco seriam removidos para pequenos complexos habitacionais projetados sobre terrenos baldios nos Ingleses. A estudante não apresentou o projeto aos moradores e nem à Prefeitura, pois não gostou do resultado final. “Me superei no embasamento teórico, mas quando desenhei percebi a dificuldade de aplicar a teoria em um problema real com limitações de custo e estrutura”, justifica. Antes mesmo de terminar a graduação, Pierina passou em um concurso público. Atualmente ela não trabalha com Arquitetura, mas planeja fazer mestrado na área social e se voltar para a carreira acadêmica.

DESAFIO AOS FUTUROS ARQUITETOS O TCC de Pierina não foi o único trabalho do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC que estudou a Vila Arvoredo. No último semestre de 2006, os alunos da disciplina Projeto Arquitetônico IV receberam como desafio desenvolver um complexo habitacional para os moradores da Vila Arvoredo em um terreno no bairro Vargem Grande. A cadeira é focada em habitação popular, de modo que a cada semestre os professores selecionam uma comunidade beneficiária e um terreno para o estudo. Os estudantes Ani Zocolli, Greyce Kelly Luz e Guilherme Araújo desenharam um conjunto de casas e edifícios de materiais pré-moldados, adaptáveis conforme as escolhas de cada morador. Para desenvolver o projeto, o grupo fez duas visitas à comunidade, uma com os professores e outra sozinhos. “As pessoas pareciam ter medo da nossa presença e nós, com receio daquela situação, não ficamos muito tempo”, conta Greyce. O trio tentou considerar as necessidades de trabalho e capacitação da população para projetar a planta. Satisfeitos com os resultados alcançados, os universitários planejam inscrever o trabalho em concursos de Arquitetura. “Mesmo que a proposta não seja implementada, esse tipo de evento promove a discussão sobre o déficit de habitação no Brasil e a qualidade dos projetos para as populações carentes”, avalia a estudante.


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Comunidade luta pela preservação das dunas e regularização dos lotes Fim de semana não é para descanso na rua Angra dos Reis, em Florianópolis. Os moradores se organizam em mutirões comunitários para recolher o lixo e plantar mudas nas dunas do bairro Ingleses. Assim como na Vila Arvoredo, a areia se deslocava rumo às casas, mas a população de Angra decidiu fazer alguma coisa para não ser soterrada. A partir do ano 2000, as 26 famílias desenvolveram um trabalho de educação e preservação ambiental com o auxílio técnico de professores e estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os resultados positivos permitem sonhar mais alto. Eles pedem ao poder legislativo municipal a regularização dos lotes, situados em Área de Preservação Permanente (APP), e ao executivo a criação do Portal das Dunas, gerido pela comunidade. No quintal das casas, há mudas de plantas em caixas de leite. Cada um faz a sua parte nos mutirões de fim de semana ou até depois do expediente. Nem o trabalho pesado na construção civil tira o fôlego de Ricardo Patrício para contribuir nas atividades de jardinagem. Poda as árvores, carrega os galhos, aduba o solo

e planta as mudas. “A única coisa que pode nos expulsar daqui é a duna, então temos que cuidar dela”, justifica. As crianças também ajudam com os galhos pequenos. “A gente brinca de quem planta mais rápido”, conta Fernanda Rabello, de 11 anos. Com a organização da Associação Comunitária dos Moradores de Angra dos Reis (Acari), a população buscou ajuda na universidade federal. Professores de Arquitetura e Urbanismo e estudantes do Ateliê Modelo de Arquitetura (AMA) começaram a pensar em soluções para conter as dunas sem degradar o meio ambiente. A equipe pesquisou quais as plantas nativas da região e como poderiam irrigar e adubar a areia para as mudas não morrerem. A Acari organiza eventos beneficentes para arrecadar verba para a manutenção das atividades, que custam cerca de R$ 4 mil ao ano. A grande conquista de 2006 foi a construção do cata-vento, que puxa a água diretamente do aqüífero e lança pelo ar para irrigar as plantas. Antes da instalação do equipamento, os moradores ligavam mangueiras diretamente das suas casas, as crianças carregavam água em garrafas

HISTÓRIA DE ATITUDE Antes de começar organizar os mutirões, a população de Angra dos Reis estava assustada com o avanço das dunas. A areia já havia passado por cima do antigo campo de futebol Vera Cruz, situado alguns metros atrás da comunidade. Os vizinhos conversavam sobre o que fazer e, sem auxílio técnico, partiram para diversas tentativas de contenção. Colocaram sacos de areia e estacas de madeira na base das dunas, mas de nada adiantou, a areia passou por cima. As soluções efetivas só vieram com o auxílio acadêmico e com o plantio de vegetação. Além do medo das dunas, a comunidade também temia medidas judiciais ou administrativas do poder público pela localização sobre APP. Em 2001, um abaixo-assinado com dois mil nomes de moradores dos Ingleses exigia a retirada da comunidade alegando que eles ocupariam e destruiriam o meio ambiente. Ao contrário do que imaginavam que aconteceria, o número de famílias residentes na rua Angra dos Reis diminui de 36 para 26 desde a criação da comunidade, pois a população impediu a invasão das dunas. A presidente da Associação Comunitária dos Moradores de Angra dos Reis (Acari), Flávia Accord, lembra que a partir de 1999 algumas pessoas chegavam na região para se estabelecer e construíam barracos de lona. Os moradores tentavam negociar a retirada e, quando não conseguiam, acionavam a polícia ambiental. Como compraram as casas onde residem de antigos moradores, a população não queria que a área fosse invadida, pois temiam a formação de uma favela. “Com o tempo Angra dos Reis ficou com a fama de lugar onde os vizinhos não deixavam ocupar e, aos poucos, os barracos construídos da noite para o dia não apareceram mais”, conta a presidente da Acari. De acordo com Flávia, muitas famílias pegavam suas coisas e iam para a Vila Arvoredo, já que não havia fiscalização das invasões.

PET e regavam as DUAS COMUNIDADES NA AREIA mudas, uma a uma. A inovação permi- Assim como a Vila Arvoredo, Angra dos Reis também está no caminho das dunas tiu aumentar ainda dos Ingleses. A diferença entre as duas é que em Angra a preservação do meio mais o cultivo e re- ambiente atrasa o avanço da areia, enquanto na Vila a degradação ambiental duzir os gastos da acelera a movimentação. conta de água, que já chegou a R$600. Até junho deste ano, os moradores plantaram cerca de 750 mudas nas dunas, superando as 600 cultivadas em 2006. Angra dos Reis Com o tempo, os novos jardineiros aprenderam algumas técnicas a fim de melhorar o aproveitamenFLORIANÓPOLIS to das mudas, doadas pela Companhia Integrada de Vila do Arvoredo Desenvolvimento Agrícola (Cidasc). Eles delimitaram trilhas nas dunas para evitar que elas fossem pisoteadas e morressem. Os moradores também fizeram cercas de bambu na tentativa de conter o vento e ganhar tempo para plantar em determinados locais. Muitas pessoas da Vila Arvoredo levam restos de galhos e folhas retirados de terrenos que fazem limpeza para ajudar os vizinhos de Angra dos Reis a adubar o ARTE: DIRCEU GETÚLIO solo. convidadas na audiência pública obras enquanto a localidade for de 19 de abril. A sessão era uma classificada como APP. Sem espePlanos futuros oportunidade de prestar escla- rar pela Prefeitura, a comunidade As atividades de extensão uni- recimentos sobre o projeto de está implementando o projeto versitária da arquiteta Cíntia lei do vereador Márcio de Souza aos poucos e já iniciou a construFernandes em Angra dos Reis, (PT) de mudança de zoneamen- ção do horto. Enquanto o professor de Arquidurante a graduação na UFSC, to da servidão Angra dos Reis. A acabaram no ano passado com rua está em Área de Preservação tetura e Urbanismo da UFSC e a apresentação do Trabalho de Permanente (APP) e a proposta orientador do projeto Portal das Conclusão de Curso (TCC) Portal é que a classificação mude para Dunas, Lino Peres, defende que das Dunas. O projeto contempla Zona Especial de Interesse Social a proposta se encaixa com a denecessidades da comunidade e (ZEIS). “O projeto de lei é para finição de ZEIS, o promotor do Ministério Público sugere a construção de um par- regular uma área Alexandre Herculaque para visitação turística nos c o n s i d e r a d a d e no considera mais preservação já que Ingleses. adequada a clasA arquiteta prevê o plantio de a ocupação não en“A única coisa que sificação da área vegetação nas dunas na forma de tra em conflito com pode nos expulsar é a duna, então temos como Operação Urum cinturão verde ao Sul da co- o meio ambiente”, que cuidar dela” bana Consorciada munidade para diminuir o avan- defende Souza. (OUC). “A alteração Com fotos do traço da areia. Passarelas e mirantes do zoneamento paviabilizariam a visitação turística balho comunitário ra ZEIS não resolve do Portal. O plantio de vegetação e com a apresentacontinuaria, mas com a contra- ção do projeto pela arquiteta, os essa questão juridicamente, pois tação de jardineiros pela Prefei- moradores tentaram convencer a área continua sendo uma duna, tura. A construção de um horto os vereadores a regularizarem os então é APP pelo Código Florespara o cultivo das mudas e de lotes e o secretário de Habitação tal”, ponderou. Segundo o Estatuto da Cidade, plantas ornamentais para a ven- e Saneamento, Átila Rocha, que da reverteria em recursos finan- vale a pena investir no projeto. “A nas OUCs uma região pode ser ceiros ao projeto. “Esse trabalho Prefeitura tem carência de espaço regularizada mesmo contrarianmudou a minha visão dentro da físico e propostas para apresen- do a legislação vigente. Essas áreArquitetura, sinto que fiz a dife- tar. Nós temos espaço e proposta as precisam ser definidas no Plarença atuando na área social. Se e, se o poder público puder atuar no Diretor do município e cumo TCC for implementado vai ser em parceria com a comunidade, prir diversos requisitos, como a primeira vez que isso acontece nós podemos fazer a diferença”, estudo ambiental e contrapartida em 30 anos do curso de Arquite- ressalta a moradora Gecilda Bac- de beneficiários. A discussão não mudou muita coisa, pois o procin, membro da Acari. tura”, avalia Cíntia. O secretário se posicionou a jeto retornou para o Instituto de Munidos de um projeto e com o histórico de sete anos de atuação favor do projeto e pediu agili- Planejamento Urbano de Floriaem mutirões comunitários para dade aos vereadores pela legali- nópolis (IPUF) para receber um vegetar as dunas, a população fa- zação da área, justificando que novo parecer técnico antes da lou aos vereadores e autoridades não conseguirão recursos para as mudança de zoneamento.


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DC Documento MARINA GAZZONI

MARINA GAZZONI

MARINA GAZZONI

RETRATO DO DESCASO MARINA GAZZONI MARINA GAZZONI

No lado oposto ao mar, dunas de areia fofa marcam o horizonte dos Ingleses. Era para ser bonito, mas não é. Um olhar mais atencioso revela barracos caindo aos pedaços, travessas mal definidas e entulho de todos os tipos na favela que emergiu na areia. Não só o meio ambiente está degradado na Área de Preservação, mas também os direitos humanos e de moradia. As casas estacionadas na areia por tempo indeterminado aguardam a aproximação das dunas. Na mesma praia, casas de veraneio e barracos sem infra-estrutura. No mesmo enquadramento, a miséria da população e a beleza das dunas. Assim é a Vila Arvoredo, um cenário de contradições habitado por 779 pessoas.

PIERINA POMARICO

MARINA GAZZONI


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