Livro Academia Militar das Agulhas Negras - 200 anos

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Academia Militar – Dois Séculos formando Oficiais para o Exército

Academia Militar Dois Séculos formando Oficiais para o Exército Academia Militar das Agulhas Negras 1811 - 2011

EXÉRCITO BRASILEIRO

Resende – Brasil IPSIS – Gráfica e Editora

2011

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Academia Militar – Dois Séculos formando Oficiais para o Exército

Integrantes do Conselho Editorial do livro em homenagem ao bicentenário da Academia Militar das Agulhas Negras e que contribuíram com seu aconselhamento e apreciações para a realização desta obra: Presidente Gen Div Edson Leal Pujol

Vice-Presidentes: Cel Inf QEMA Fernando Velôzo Gomes Pedrosa Cel Inf QEMA José Luiz Lisbôa Neiva

Membros

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Cel Inf QEMA Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva Cel Inf QEMA Milton Sils de Andrade Júnior Cel Inf QEMA Marcos André da Silva Alvim Cel Cav QEMA Paulo Antônio Brignol Pacheco Cel Com QEMA Alberto Cláudio de Oliveira Weirich

Colaboradores Cel Cav Anderson do Nascimento Demutti TC Com André Marcelo Souza de Araújo Maj QMB Orlando Vidigal de Almeida Maj Eng Rafael Roesler Cap QCO Augusto Henrique Skrebsky Mello Cap QCO Clóvis Antônio Schwengber Cap QCO Elton Licério Rodrigues Machado

Coordenador do Projeto Cel R1 Eng EM Carlos Roberto Peres

Assessores Técnicos Cel Refm Eng EM Cláudio Moreira Bento Cel R1 Cav EM Heyno Evangelista Soares de Araújo Filho Cel R1 Cav EM Ernildo Heitor Agostini Filho


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Desde a instalação, por D. João VI, da Academia Real Militar na Casa do Trem em 1811, passando a seguir por sucessivas sedes, no Largo de São Francisco, na Praia Vermelha, em Porto Alegre, no Realengo e, finalmente, chegando a Resende, na Academia Militar das Agulhas Negras, as escolas militares foram, ao longo do tempo, o caminho procurado pelos jovens das mais variadas classes sociais. Encontraram, no aprendizado da caserna, as melhores condições para vencer na vida pelo esforço próprio e para ascender na escala social, por meio da carreira militar, incorporando os seus valores, cultuando as suas tradições e seguindo os exemplos legados pelos antepassados.


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Agradecimento especial à Drª. Jacqueline Siegrist Murakami pela participação no desenvolvimento deste livro. Coordenação de Pesquisa e Texto Cel Carlos Roberto Peres Todos os direitos reservados. All rights reserved. Copyright © Biblioteca do Exército Editora 2010 Revisão de Texto Marlene Suano Projeto Gr áfico, Direção de Arte e Sobre-Capa David Cardoso

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Ilustr ações: Todas as reproduçôes sem crédito de autoria fazem parte do Arquivo Documental da AMAN. Inglês Janet C. Landmann e Cadeira de Idiomas da Academia Militar das Agulhas Negras Publicado por IPSIS – Gráfica e Editora Rua Dr. Lício de Miranda, 451 São Paulo-SP Coordenação Editorial Carlos Alberto Dêgelo


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Apresentação No exercício do comando da Academia Militar das Agulhas Negras, cumpre-me a honra de apresentar esta obra, cujo objetivo é homenagear a Escola de formação dos oficiais de carreira da linha bélica do Exército Brasileiro, na oportunidade em que ela comemora o seu bicentenário. O livro representa o esforço de uma equipe composta por militares e civis que, em diversos níveis de envolvimento, participaram do Projeto, desde sua concepção em 2008, até o seu lançamen¬to e distribuição, como parte da programação comemorativa da criação da Academia Real Militar, há dois séculos, em 4 de dezembro de 1810. Em especial, o Comando da AMAN ressalta os trabalhos de pesquisa realizados por vários de seus cadetes, que, nos anos de 2008 e 2009, visaram a obtenção do título de Bacharel em Ciências Militares, de acordo com a legislação em vigor, os quais contribuíram para a elaboração do texto final objeto deste lançamento. Agradece aos oficiais que elaboraram o texto final desta obra, com ingente esforço de pesquisa e de síntese, com o apoio de inúmeros integrantes do Corpo Docente desta Casa. Os autores lograram selecionar os aspectos mais importantes para a interpretação do papel da Academia Militar na História do Exército, integrando-os à história de nosso país ao longo destes duzentos anos. Expressa ainda a certeza de que o inestimável valor desta obra preencherá não só uma grande lacuna na biblioteca castrense como será de imenso significado para todos os brasileiros que desejem conhecer a vida da Academia Militar e como se processou a evolução do ensino de formação dos oficiais de carreira da linha bélica, futuros chefes e líderes militares da nossa Força Terrestre. Agradece, por fim, à Fundação Habitacional do Exército, à POUPEX e ao Banco Santander, por unirem-se a nós para a publicação desta obra, no nível de qualidade com que chega às mãos de leitores que valorizam a História, o Exército e o ensino militar brasileiros.

General-de-divisão Edson Leal Pujol Comandante de Academia Militar das Agulhas Negras.

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Presentation Whilst in command of the Academia Militar de Agulhas Negras I have the honour to present this work, idealized as a tribute to the Combatant Career Officers Training School for the Brazilian Army, at the moment in which it celebrates its bicentennial. The book represents the effort of a group of military and civilians who, in several levels of responsibilities, have been part of the Project since its conception, in 2008, up to its launching and distribution, as part of the celebrations of the foundation of the Academia Real Militar, on the 4th of December 1810.

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The Command of the Academia Militar de Agulhas Negras acknowledges, especially, the work done by several of its cadets who, during the years 2008-2009 were studying for their degrees in Military Sciences and contributed with the research and also towards the final writing of the text here presented. The Academy thanks all the officers who, with serious effort of research and synthesis, have elaborated the final text of this book, with the support of many from our teaching staff. The authors have successfully selected the main aspects for interpreting the role of the Military Academy in the history of the Army, integrating them to the last 200 years of our country’s history. It expresses, also, the certainty that the invaluable merit of this work will not only fill in a gap in the martial library but will be of great interest to readers wanting to learn about the Academy’s life and how the training of the Combatant Career Officers evolved to produce future heads and leaders of our Land Force. The Command, last but not least, thanks the Fundação Habitacional do Exército, POUPEX and Banco Santander for joining us in our effort to offer a book with the present quality for the reader who values the history of Brazil, its Army and its military training.

Lieutenant General Edson Leal Pujol Commander of the Military Academy of Agulhas Negras


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Exmo. Sr. Gen Bda Edson Leal Pujol Comandante da AMAM

Registrar a trajetória da formação dos oficiais combatentes de carreira do nosso Exército, nesses dois séculos de existência das Academias Militares é uma árdua tarefa que, certamente, exigiu intenso esforço de pesquisa e integração de todos os setores da AMAN. No momento em que é concluído, no Comando de V. Ex.a, este trabalho que tive o privilégio de iniciar, partilho do orgulho e satisfação de toda a equipe envolvida na elaboração desse marco simbólico, que é um tesouro não somente para os ex-cadetes, oficiais, praças e servidores civis que serviram na AMAN e Escolas Academias predecessoras, mas para todos os que se interessam pela História do Brasil. Ao cumprimentar os profissionais que se engajaram na produção de tão relevante obra, reverencio a todos aqueles que deram vida à nossa estimada Alma Mater e forja de líderes do Exército Brasileiro e de tantos segmentos da vida nacional.

Gen Div Gerson Menandro Garcia de Freitas 7º Subchefe do Estado-Maior do Exército

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Honorable Major General Edson Leal Pujol, Commander of the Military Academy of Agulhas Negras

To record the path of the education and training of the combat career officers of our Army, during these two centuries of existence of the military Academies is an arduous task which, indeed, required intense research effort and integration of all sectors of the Academy. For now it is completed, under your Command, the task I have had the privilege ―10―

to start, I share the pride and satisfaction of the whole team involved in producing this symbolic landmark, which is a treasure not only for the former cadets, officers, privates and civil servants who served in Military Academy and predecessor schools, but for all who are interested in the history of Brazil. When greeting the professionals who engaged in producing such a relevant piece of work, I pay tribute to all those who gave life to our dear Alma Mater, forge of leaders of the Brazilian Army and of many segments of national life.

Lieutenant General Gerson Menandro Garcia de Freitas 5th Sub Chief of Staff Brazilian Army


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Prefácio No Bicentenário da Academia Militar das Agulhas Negras, AMAN, este feliz intento condensa o tempo e reduz a parágrafos distâncias historicamente percorridas. Abençoado o propósito que mostra a caminhada plena de glórias, vitórias e dignificantes sacrifícios. Louvável o reavivar de lembranças e de vigorosas raízes, para reacender e preservar tantas caras tradições e divulgar os sadios exemplos de tantos heróis. Valioso trabalho, inteligente, oportuno e sinérgico que, a cada instante vivido, exalta e anima cada cidadão, soldado, geração, Exército Brasileiro e Pátria amada. Trabalho que contou com uma profunda pesquisa para abastecer este excelente documento com a luz que, vinda do passado, brilha no presente e prenuncia, para o agora, a construção de um grandioso e, também, iluminado futuro. Mais que representantes de todas as classes sociais brasileiras, os discípulos de Caxias – o Duque da Vitória – têm na caserna um sempre atualizado ensino-aprendizagem de preciosa origem. No ambiente verde-oliva, o jovem busca ascender por méritos individuais, crescer com responsabilidade na prática dos valores morais e da Ética, para fazer-se dono do próprio destino. Desde os primórdios, a Academia é sinônimo de sadia camaradagem e fraterno envolvimento, com um vasto conteúdo profissional, uma sempre viva chama do valor cívico, um culto permanente ao trabalho, um inegável respeito às diferenças individuais, uma prática consciente da disciplina e da hierarquia. No ambiente acadêmico militar, é apurado o entusiasmo do jovem cadete, que descobre e concretiza sua vocação, autorrealizando-se como combatente integral que vibra e se inspira na força dos exemplos para, orgulhoso e nobre de coração, somar-se à alma brasileira e participar do progresso do país. O cadete, imbuído do “...ides comandar, aprendei a obedecer”, enfrenta com ânimo elevado, inteligência, força, coragem, ousadia e equilíbrio, cada período histórico. Com destemor e desapego de si mesmo, como um leal e confiável defensor da liberdade e da paz, ultrapassa óbices e desafios, testes e provas, em condições balizadas por honradez, dignidade e espírito de cumprimento de missão. Por isso, esta obra nos lembra fatos concretos, sempre vestidos da atualidade dos combates do dia a dia ou dos tristes episódios das guerras. Valida lições incontestes da sintonia do militar com a consciência tranquila pelo dever bem cumprido e pela certeza da Presença Divina no coração. A Escola Militar, criada por D. João VI na Casa do Trem, migrou, sucessivamente, para o Largo de São Francisco, Praia Vermelha, Porto Alegre e Realengo até fixar-se em Resende como Academia Militar das Agulhas Negras. Durante toda trajetória realizou a integração entre civis e militares, a difusão de conhecimentos, sobretudo nas áreas da Engenharia, da Química e da Física, tendo adquirido as influências das escolas alemã, francesa e norte-americana, até adotar, em 1964, uma doutrina própria. Este profícuo trabalho traz, à consideração do leitor, as sólidas raízes e os relevantes mitos sobre os quais se ergue a Academia – morada da alma do Exército Brasileiro, certeza da continuidade da Instituição e símbolo augusto da têmpera do Espadim de Caxias. Destaca as personalidades ilustres que por ela passaram, as que lhe deram vida e os insignes comandantes. Descreve a gloriosa evolução de um atuante e eficaz ensino, verdadeiro farol do pensamento, lídimo vetor da formação holística do capital humano e vanguarda permanente na formação do oficial do Exército Brasileiro. “...Academia Militar, heróis a lutar por um Brasil maior, na paz como na guerra, honrando as tradições de nossa terra...”

Gen Ex Enzo Martins Peri Comandante do Exército

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Preface

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In the bicentennial of the Military Academy of Agulhas Negras, AMAN, this happy intention condenses time and reduces to paragraphs the distance historically covered. Blessed is the purpose of showing the journey full of glory, victories and dignifying sacrifice. Welcomed is the revival of memories and vigorous roots to rekindle and preserve many endeared traditions, disseminating the sound examples of so many heroes. Valuable work, smart, timely and synergistic which, for every moment lived, praises and encourages every citizen, soldier, generation, the Brazilian Army and the Fatherland. Work that has included thorough research to fill this document with the light which, coming from the past, shines in the present and announces the construction of an imposing and also enlightened future. More than representatives from all social classes in Brazil, the disciples of the Duke of Caxias – The Duke of Victory – have in the barracks an up to date learning-teaching of valuable origin. In the olive green environment, the young seek to ascend through individual merits, growing with responsibility through the practice of moral and ethical values, so making themselves masters of their own destiny. From the beginning, the Academy is synonymous with wholesome camaraderie and fraternal involvement with a broad professional content, an ever-living flame of civic value, a continuous worship to work, an undeniable respect for individual differences, a conscious practice of discipline and hierarchy. In the military academic environment we can verify the enthusiasm of the young cadet, who discovers and materializes his vocation, fulfilling his ideals as full combatant that thrills and is inspired by the strength of the examples so that, proud and noble hearted, add to the Brazilian soul and participate in the progress of the country. The cadet, imbued with the moto "... you who shall command, learn to obey", faces each historical period with high enthusiasm, intelligence, strength, courage, daring and balance. Fearless and detached of himself, as a loyal and reliable defender of freedom and peace, he goes beyond obstacles and challenges, tests and exams, in terms buoyed by integrity, dignity and spirit to accomplishing the mission. Therefore, this book reminds us of real events, always drawn from the daily life fighting or the sad episodes of wars. It validates the uncontested lessons of the serviceman in tune with his conscience for the well met duty and by the certainty of the Divine Presence in the heart. The Military Academy, created by D. John VI in the “Casa do Trem”, moved successively to the Largo de São Francisco, Praia Vermelha, Porto Alegre and Realengo until it finally settled down in Resende as the Military Academy of Agulhas Negras. Throughout its history it integrated civilian and servicemen, and it spread knowledge, especially in Engineering, Chemistry and Physics. It has acquired the influences of the French, German and American schools, until in 1964 it adopted a doctrine of its own. This fruitful work brings to the attention of the reader the solid roots and relevant symbols on which stands the Academy – seat of the soul of the Brazilian Army, certainty of continuity of the institution and august symbol of the hardness of Caxias’ saber. The book highlights the illustrious personalities who attended the Academy, those who gave it life and its distinguished commanders. It describes the glorious evolution of an active and effective teaching, a true beacon of thought, a legitimate vector of the holistic formation of the human capital and permanent forefront in the training of the Brazilian army officer. "... Military Academy, heroes fighting for a greater Brazil, in peace as in war, honoring the traditions of our land ..." General Enzo Martins Peri Brazilian Army Commander


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A Bicentenária Academia Militar A evolução de qualquer aspecto vinculado à atividade humana, mormente a que acompanha a preparação do soldado de ofício de nível oficial, desenvolve-se por ciclos. Há um tempo para se sentir a realidade que está, progressivamente, sendo modificada dentro de um período histórico considerado. Cada geração militar que se espalha pelo país, após a conclusão dos cursos de um estabelecimento de ensino de formação de oficiais na linha bélica, leva consigo as necessidades, as inquietudes e os sonhos de seu espaço-tempo de vida, que a sua escola de origem despertou. As páginas deste livro demarcam, com naturalidade e clareza, a trajetória dos diferentes berços geradores dos valores anímicos que conformaram a alma verde-oliva, que marca e identifica o oficial do Exército Brasileiro. O 4 de dezembro de 1810 assinala a criação da Academia Real Militar, na Casa do Trem, decisão respaldada pela necessidade de dotar o centro político português instalado no Brasil, de um aporte militar humano com peso específico para atuar tanto contra o inimigo francês que acabara de expulsar de Portugal a corte do Príncipe Regente D. João, quanto na instável fronteira do Prata. As invasões da Guiana Francesa, em 1809, que durou até 1817 e da Banda Oriental, atual Uruguai, em 1811 e 1816, exemplificam esta assertiva. Percorreu duzentos anos fazendo evoluir a genética proveniente do pensamento militar lusitano, aperfeiçoado por transformações sucessivas, que as folhas deste livro tão bem explicitam. Mudou de nomes e de sítios, utilizou diferentes práticas pedagógicas, renovou materiais e equipamentos de treinamento, mas manteve intactos os atributos da área afetiva que se congregam em torno do construto LIDERANÇA, tipificado no tradicional princípio “comandar pelo exemplo”. A Galeria de ex-comandantes exibe admiráveis chefes militares, a começar pelo primeiro – o Tenente-General CARLOS ANTÔNIO NAPION. Digno de registro foi a atuação marcante de um soldado com visão além do seu tempo, responsável pela transferência da Escola Militar, então assentada no bairro carioca do Realengo, para os contrafortes da Serra da Mantiqueira, em 1944, no Município de Resende, no Estado do Rio de Janeiro – o então Coronel JOSÉ PESSÔA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE. Foi um verdadeiro ponto de inflexão na formação do oficial. Os símbolos acadêmicos, dentre eles o Espadim de Caxias, fazem parte do seu legado. Em seu currículo insere-se a presidência, em 1954, da Comissão de Localização da Nova Capital Federal, por ele chamada de Vera Cruz, que anos mais tarde geraria Brasília, no local onde hoje se encontra, aí incluída a concepção do Plano-Piloto. Os aspectos histórico-culturais apresentados nesta obra mostram com propriedade, como forças militares dos principais países, inicialmente da Europa e, posteriormente, os Estados Unidos, influenciaram o nosso pensamento militar, tanto na doutrina quanto na estrutura, até atingir-se a maturidade estratégica, operacional e tática hoje obtida. Um exército só constrói respeito, seja no seio de sua nação, seja no âmbito internacional, pela competência e eficácia com que cumpre as missões que lhe competem. É uma instituição que não se improvisa. O centro de gravidade das forças que resultam em prestígio interno e externo repousa na qualidade do Sistema Militar de Ensino, que tem a escola de formação de oficiais como núcleo irradiador.

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Este livro é, antes de tudo, uma homenagem aos profissionais que escreveram a sua densa e rica história. É um ponto de encontro de gerações. Em suas páginas todos estão vivos, pois residem no compromisso com a realidade vivenciada em todas as épocas, cuja intimidade perscrutaram, analisaram e decantaram, armazenando o seu espírito imortal no dístico “CADETE! IDES COMANDAR, APRENDEI A OBEDECER”.

Gen Ex Rui Monarca da Silveira Chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército

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The Bicentennial Military Academy The evolution of any aspect related to human activity, especially that which accompanies the training of the future officer, is developed in cycles. It takes a certain time to understand the reality that is gradually being modified within a given historical period. Each military generation that disperses across the country after graduating in a school for combatant officers, carries with it the needs, concerns and dreams of their environment that their school of origin awakened. The pages of this book delineate with plainness and explicitness, the trajectory of different cradles generators of the soul values that shaped the olive-green soul, which identifies and signs the Brazilian Army officer. The date of December 4, 1810 marks the foundation of the Royal Military Academy, at the “Casa do Trem”. This decision was supported by the need to provide the Portuguese political center settled in Brazil with human military input with a specific weight to act against both, the French enemy who had just ousted from Portugal the court of the Prince Regent Dom João, as well as in the unstable southern frontier of the La Plata river. The invasions of the French Guiana in 1809, which lasted until 1817 and of the Eastern Edge, present-day Uruguay, in 1811 and 1816, exemplify this idea. The Academy has bestridden two hundred years making possible the evolution of the Portuguese military thinking, improved by successive changing well explained throughout this book. It changed name and venues, it used different pedagogical practices, it renewed training materials and equipments but kept intact the attributes of the affective domain that gather around the construct LEADERSHIP, typified by the traditional principle "leading by example." The former commanders gallery displays admirable military leaders, starting with the first of them, Lieutenant General Antonio Carlos Napion. It is noteworthy the outstanding performance of a soldier with a vision ahead of his time, responsible for the transfer of the military school, then settled in Realengo, in the outskirts of Rio de Janeiro, to the foothills of Sierra Mantiqueira, in Resende, RJ, in 1944 - the then Colonel José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque. It has been a real turning point in the training of the Army officers. The academic symbols, among them the small replica of Caxias saber, are part of his legacy. In his curriculum there is also the presidency, in 1954, of the Commission for the Location of the New Federal Capital, which he called Vera Cruz and placed, with the drawing of the Pilot Plan included, in the very site where, only few years later, Brasilia would be built. The historical and cultural aspects presented in this work properly show how the military forces of the major countries, initially from Europe and later the U.S. have influenced our military thinking, both in doctrine as in the structure, until reaching the strategic, operational and tactical maturity of today. An army only builds respect, either within its nation or at the international level, by the competence and effectiveness in fulfilling its tasks. It is an institution that cannot be improvised. The center of gravity of the forces that result in internal and external prestige rests on the quality of the Military Educational System, which has the officers training school as the radiating center. This book is above all a tribute to the professionals who wrote the dense and rich history of the Military Academy. It is a meeting point of generations. In its pages all are alive, for they live in the commitment to the reality experienced in all ages, whose intimacy they have scrutinized, analyzed and flowed, storing its immortal spirit in the saying "CADET! YOU WHO SHALL COMMAND, LEARN TO OBEY”.

Army General Rui Monarca da Silveira Chief of the Brazilian Army’s Department of Education and Culture

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Introduction

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The foundation and history of the Agulhas Negras Military Academy is better understood when we consider the major events that shaped Europe since the late 18h century, such as the French Revolution (1789 to 1799) and the following Napoleonic era. The advance of Napoleon in Europe led to the strateg y of removing the Portuguese Royal family to Brazil, avoiding the arrest and subsequent abdication of the Crown Prince. Thus, 14 ships, fully escorted by the British Royal Navy, brought to Brazil not only the Crown Prince Dom João but the whole court, hundreds of employees, servants, advisers and persons related to the Court. The Portuguese government was installed in Rio de Janeiro in 1808 and one of the main measures taken by Dom João in Brazil was to open Brazilian trade to Portugal’s friendly countries, which would benefit mainly England. In the economic field, roads were built , ports were reformed, the Bank of Brazil was created and the Board of Trade was installed. The Prince also created the National Museum, the Royal Library, the Royal School of Arts and the Astronomical Observatory, all in Rio de Janeiro. Portugal’s main interest was the safety of the Crown’s and its colonies, which has led to measures of equipping both Navy and Army. Among the various organs created, the Royal Military Academy was established by Royal Charter on December 4th 1810 and came into operation on April 23rd 1811, ready to train officers for the infantry, cavalry, artillery and engineers- including geographers and topographers, able not only to fulfill military duties but also to direct civil works in mines, roads, railways, bridges, harbors and canals. The Royal Military Academy, however, did not start from scratch, since it was already in existence as the Royal Academy of Artillery, Blackhouse and Drawing, founded on December 17th 1792, the historical birthplace of military academic education in the Americas and of Higher Education organizations in Brazil, as the United States Military Academy at West Point would only be created by the American Congress in 1802. After going through several venues, in 1944 the Academy was established in Resende, where it remains till today. On April 23rd 1951, the Academy received its current name: Military Academy of Agulhas Negras (AMAN). This book intends to present the training of the Brazilian Army’s combat officers over the last two hundred years, from the establishment of the Royal Military Academy, focusing on its various locations, its commanders and their main achievements, the development of military education in these schools over time and, finally, how these officers are currently trained and what is expected of this training for the next century. Over this long period, living through the changes that transformed the world's, the country’s history and the Military Academy many venues, it remained unchanged in the forging of values revered by the Brazilian Army. Currently, in this environment of study, thought and work, the school receives an annual quota of about five hundred volunteer students, selected in open competition, by their own merit. They will constitute the combat Arms, Quarter Master and Ordnance of the Brazilian Army. It also receives some fifty cadets from friendly nations, a recognition of the undoubted excellence of its teaching. By reading this "Military Academy: Two Centuries training officers for the Brazilian Army," one may have a framework of the training of the career’s officers of the Brazilian Army over this period.


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Capítulo 1

A Criação da Academia Real Militar ANTECEDENTES A vinda da Corte portuguesa para o Brasil foi, sem sombra de dúvida, uma grande manobra estratégica planejada com a devida antecedência. A mudança do Governo, trazendo seu acervo histórico e todos os meios necessários à sua administração corroboram esta ideia. O Estado mudou-se para o Brasil e não apenas a Corte. Com a chegada no Rio de Janeiro e a consequente instalação na Colônia, foram desencadeadas, de imediato, inúmeras atividades para dar suporte às novas necessidades que surgiram. Dom João, de imediato, passou a adotar medidas para estimular a atividade econômica, para organizar a estrutura político-administrativa, para atender as necessidades de ajustamento social da nova capital do Reino e, finalmente, para adequar o poderio militar existente de forma que possibilitassem o adequado suporte à atuação do Governo português no Brasil e que viessem a proporcionar o seu desenvolvimento. Uma das grandes preocupações da Corte portuguesa passou a ser a defesa do território. As forças militares encontradas na antiga Colônia eram frágeis demais para poderem ser chamadas de Exército. Os corpos de tropa eram poucos, armados precariamente e mal instruídos. Faltavam-lhes possibilidades de articulação e de atuação em conjunto como já ocorria com as forças militares que atuavam em teatros de operações mais desenvolvidos. A cada dia ficava mais evidente a necessidade de redimensionamento da Força e, principalmente, do seu número de oficiais. Haveria necessidade de formar oficiais capacitados para liderar seus homens com autoridade e conhecimento técnico profissional. Estes oficiais passariam a ser a peça chave na nova estrutura militar a ser montada, com base na disciplina e na instrução. Ficou, também, absolutamente claro que esses profissionais deveriam possuir grau de escolaridade superior, serem selecionados e formados em um instituto próprio de estudos militares. Estudos foram realizados e, como parte deles, ouvidas as pessoas ligadas ao ensino militar em Portugal. De lá vieram influências contrárias, que fizeram eco na Corte do Rio de Janeiro. Essas influências destacavam o perigo da criação de institutos de ensino superior no Brasil, alegando que os brasileiros, para se tor-

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narem bacharéis, deveriam se valer das escolas portuguesas. É fácil perceber que a criação de uma Academia Militar aqui traria repercussões políticas imediatas para a Corte, tendo em vista a capacitação de brasileiros. O oficial brasileiro, embora formado em Portugal, era discriminado no exercício das funções militares. Criar uma Academia Militar no Rio de Janeiro possibilitaria dar ensino superior à mocidade deste “temido” Brasil, proporcionando um curso completo de ciências matemáticas e de observação, complementado pelo conhecimento das ciências militares em toda a sua extensão, tanto na parte tática como, também, no que se refere à artilharia e às fortificações, poderia trazer complicações futuras. Finalmente, o empenho e a dedicação de Dom Rodrigo de Souza Coutinho, o Conde de Linhares, acabou vencendo a todos os obstáculos e a decisão da Corte de criar a nova escola, apoiada pela necessidade de realizar ampla reforma na estrutura militar então existente, teve sua execução iniciada no final do ano de 1810. A criação da Academia Real Militar representaria um avanço notável em relação à estrutura de formação militar então existente no Brasil.

NASCE A ACADEMIA REAL MILITAR

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O ato oficial de criação da Academia Real Militar1 foi a publicação da Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810. Corria o terceiro ano desde a chegada da Corte portuguesa ao Brasil. Lendo a Carta de Lei de sua criação, encontra-se a finalidade a que se destinava a escola então criada: 1. formar oficiais de Artilharia, oficiais engenheiros, inclusive oficiais engenheiros geógrafos e topógrafos, aptos não só para as atividades militares, como também, para a direção de trabalhos civis de minas, estradas, portos e canais; e 2. formar oficiais de Infantaria e de Cavalaria. Consta, ainda a caracterização do curso como de formação, em nível superior, bem como de doze títulos que orientam a execução da atividade de ensino. Trecho da Carta é transcrito a seguir com a grafia da época. “CARTA DE LEI DA FUNDAÇÃO DA ACADEMIA REAL MILITAR NA CORTE DO RIO DE JANEIRO CARTA DE LEI – DE 4 DE DEZEMBRO DE 1810. Cria uma Academia Militar na Corte e Cidade do Rio de Janeiro. D. João, por graça de Deus, Príncipe Regente de Portugal e Algarves etc. faço saber a todos os que esta carta virem, que tendo consideração ao muito que interessa ao meu real serviço, ao bem público dos meus vassallos, e a defesa e segurança dos meus vastos domínios, que se estabeleça no Brazil e na minha actual Corte e Cidade do Rio de Janeiro, um curso regular das Sciencias exactas e de observação, assim como de todas aquellas que são aplicações das mesmas aos estudos militares e práticos que formam a sciencia militar em todos os seus defficeis e interessantes ramos, de maneira que dos mesmos cursos de estudos se formem hábeis Officiaes de Artilharia, Engenharia, e ainda mesmo officiaes da classe de Engenharia geographos e topographos, que possam também ter o útil emprego de dirigir objectos administrativos de minas, de caminhos, canaes, pontes, fontes e calçadas: hei por bem que na minha actual Corte e cidade do Rio de Janeiro se estabeleça uma Academia Real Militar para um curso Naquele momento, no Continente Americano, apenas o Exército dos Estados Unidos da América (1802) possuía escola similar.

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óleo J. B. Debret

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D. João VI


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completo de sciencias mathematicas, de sciencias de observações, quaes a physica, chimica, mineralogia, metallurgia e historia natural, que comprehenderá o reino vegetal e animal, e as sciencias militares em toda a sua extensão, tanto de táctica como de fortificação, e artilharia, na forma que mais abaixo mando especificar; havendo uma Inspeção Geral que pertencerá ao Ministro e Secretario de Estado da Guerra, e imediatamente debaixo das suas ordens à Junta Militar que mando crear para dirigir o mesmo estabelecimento, que sou servido ordenar na forma dos seguintes estatutos. Seguem doze titulos: 1 – Titulo Primeiro – Da Junta Militar. 2 – Titulo Segundo – Numero dos Professores, Sciencias, que devem ensinar, e dos seus substitutos. 3 – Titulo Terceiro – Requisitos que devem ter os professores, e vantagens que lhes ficam pertencendo. 4 – Titulo Quarto – Dos discípulos, e condições que devem ter para serem admitidos, assim como das diversas classes, em que deverão dividir-se. 5 – Titulo Quinto – Das aulas e casas para os instrumentos. 6 – Titulo Sexto – Do tempo, horas das lições, dos dias lectivos e feriados. 7 – Titulo Sétimo – Dos exercícios diários e semanários, e forma dos exames no fim do anno lectivo; assim como dos que são obrigados a seguir estes estudos. 8 – Titulo Oitavo – Dos exercícios prácticos. 9 – Titulo Nono – Das disposições pertencentes a boa ordem das aulas. 10 – Titulo Décimo – Dos privilégios e prerrogativas da Academia Real Militar. 11 – Titulo Undécimo – Dos partidos e prêmios. 12 – Titulo Duodécimo – Dos Secretario e Guarda Livros da Academia, Guarda Instrumentos, Guardas e Porteiros. PRINCÍPE com guarda. Conde de Linhares Carta por que Vossa Alteza Real há por bem estabelecer na sua Corte e Cidade do Rio de Janeiro uma Academia Real Militar, erigindo nella um Curso completo de mathematica e sciencias de physica, chimica e historia natural, para mais perfeita instrucção dos Officiaes do seu Exercito; dando-lhe para seu governo os convenientes Estatutos e creando uma Junta Militar para a dirigir: tudo na forma acima declarada. Para Vossa Alteza Real ver. Agostinho Rodrigues Cunha a fez.”

A INSTALAÇÃO DA ACADEMIA REAL MILITAR

Conde de Linhares

Para a instalação da Academia foi escolhido o edifício inacabado da futura Igreja de São Sebastião. Como as obras que estavam sendo realizadas não foram concluídas a nova Escola foi instalada, provisoriamente, na Casa do Trem, na Ponta do Calabouço. Os destinos da novel Academia Real Militar seriam dirigidos por uma Junta Militar, composta por cinco membros, de acordo com o que fora previsto nos estatutos, tendo como Presidente um Tenente-General retirado do Corpo de Artilharia ou de Engenheiros e os quatro deputados, todos oficiais de patente igual ou superior a de coronel, que deveriam cooperar nos trabalhos a serem realizados e que foram nomeados por Decreto do Príncipe Regente. “Havendo Determinado na Minha Carta de Lei de quatro de Dezembro do ano próximo passado pela qual fui Servido Criar uma Academia Real Militar, que nela haveria uma junta a cujo cargo estivesse a direção deste importante Estabelecimento, composta na maneira que declara a mesma Carta de Lei; Sou ora Servido Nomear para Presidente da dita Junta ao Tenente-General, Inspetor

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Geral de Artilharia, Carlos Antônio Napion; para Primeiro Deputado, na conformidade ali declarada, ao brigadeiro João Manoel da Silva, Diretor do meu Real Arquivo Militar; e para Segundo Deputado ao Coronel do Real Corpo de Engenheiros Manoel Jacinto Nogueira da Gama; e Determino que não obstante não Nomear Eu por ora outros Deputados de que deve compor-se a junta, haja ela de reunir-se desde logo e ter as suas Sessões e exercício que lhe compete pela sobredita Carta de Lei de sua Instituição: O Conselho Supremo Militar o tenha assim entendido e expressa nesta conformidade as ordens necessárias. Palácio do Rio de Janeiro, 11 de março de 1811. Com a rubrica do Príncipe Regente”. Para início das aulas, o Tenente-General Carlos Antônio Napion assumiu a docência dos estudos de Mineralogia, Química e Física, nos quais era especialista. O Primeiro Deputado, o Brigadeiro José Manoel da Silva, ficou encarregado da assistência aos Trabalhos Geodésicos e o Segundo Deputado, o Coronel Manoel Jacinto Nogueira da Gama, da direção do polígono militar, que estava sendo construído para que os alunos pudessem se exercitar no ataque e defesa das praças de guerra, além da direção do exercício e da disciplina das aulas de toda a Academia, resguardando o fiel cumprimento dos Estatutos. Quando da nomeação da Junta Militar Diretora foram, também, nomeados os lentes e substitutos da Academia Real Militar em um outro Decreto.

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“Relação dos Lentes e Substitutos da Academia Real Militar nomeados por Decreto da data de hoje: Para Lente do 1º anno Lectivo: Antonio José do Amaral, Segundo-Tenente do Real Corpo de Engenheiros. Para Lente do 2º anno dito: Francisco Cordeiro da Silva Torres, Sargento-Mor do mesmo Real Corpo. Para Lente do 3º anno dito: Joze Saturnino da Costa, Tenente do mesmo Real Corpo. Para Lente do 4º anno dito: Manoel Ferreira d’Araujo Guimarães, Capitão do dito Real Corpo. Para Lente do 5º anno dito: João de Souza Pacheco, Sargento-Mor do dito Real Corpo. Para Lente do 6º anno dito: Salvador Jozé Maciel, Capitão do dito Real Corpo. Para Lente do 7º anno dito: Manoel da Costa Pinto, Sargento-Mor de Artilharia. Para Lente de Phisica: Luis Antonio Barradas, Capitão do Real Corpo de Engenheiros. Para Lente de Mineralogia: Vago por ora. Para Lente de Geometria Descriptiva, devendo reger qualquer das cadeiras de Mathematica nos impedimentos dos Lentes: Jozé Victorino dos Santos, Segundo-Tenente. Para Lente de Desenho e Gravura: João Jozé de Souza, Capitão do Real Corpo de Engenheiros. Para 1º substituto dos Lentes do 1º e do 2º anno: Thomaz Barbarino da Cunha, Primeiro-Tenente do Real Corpo de Engenheiros. Para 2º substituto: Vasco Jozé de Paiva, Tenente-Coronel. Para substituir o Lente de Desenho e Gravura: Roberto Ferreira da Silva, Segundo-Tenente do Real Corpo de Engenheiros. Palácio do Rio de Janeiro, em 11 de março de 1811. – (a) Conde de Linhares. – Guilherme Cypriano de Souza”. A seguir, foram nomeados o guarda-livros, que serviria, também, como secretário da Academia, os guardas-de-aulas, os porteiros e os serventes que passariam a integrar o Corpo Administrativo da Academia Real Militar. Tudo estava pronto para a inauguração da nova Academia Real, na cidade do Rio de Janeiro, sendo suas atividades de ensino iniciadas no dia 23 de abril de 1811, quando as aulas foram solenemente abertas, com algumas dezenas de discípulos.


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No dia seguinte, os discípulos começaram a fazer suas matrículas, escrevendo, de próprio punho, suas qualificações no livro especificamente destinado a este fim. Segue parte do texto extraído do Livro de Matrícula de 1811 a 1817: ▪ Conde da Ponte, Capitão de Cavalaria da Corte, com 15 anos de idade, natural de Lisboa, como voluntário. ▪ Luiz Antonio de Abreu e Lima, Sargento-Mor, adido ao Estado-Maior do Exército, de vinte e cinco para vinte e seis anos, natural de Viana do Minho, como voluntário. ▪ Manoel Francisco de Souza Passos, natural de Valença do Minho, com 36 anos. ▪ José Maria Pinto Peixoto, Capitão do Esquadrão do Reino de Angola, natural de Cousa da Beira, com 22 para 23 anos. ▪ José Paulo dos Santos, 1º Tenente de Artilharia de Costa, natural do Rio de Janeiro, com 33 anos. ▪ Francisco Salazar Moscoso, 1º Ten de Art de Costa, com 20 para 21 anos, natural da Vila de Oeiras. ▪ Luiz Manoel da Silva Menezes, 2º Tenente do Real Corpo de Engenheiros, com 32 para 33 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Luiz Manoel de Abreu e Seabra, 2º Tenente do Real Corpo de Engenheiros, com 26 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ José Manoel de Souza, 2º Tenente da Brigada Real da Marinha, com 20 para 21 anos, natural de Lisboa. ▪ Manoel da Fonseca Lima e Silva 2, Alferes do 1º Regimento de Infantaria de Linha, com 18 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Carlos Martis Panna, Alferes do 1º Regimento de Cavalaria, com 20 anos, natural de Minas Gerais ▪ Luiz Alberto Duarte e Albuquerque, Alferes dos Dragões de Mato Grosso, com 34 anos, natural de Vila do Paracatu do Príncipe. ▪ Luiz Carlos de Souza, Alferes de Cavalaria da Legião da Bahia, com 36 anos, natural de Vila Rica (capital de Minas Gerais). ▪ Jozé Januario de Souza Osório, Alferes de Cavalaria da Legião da Bahia, com 32 anos, natural de Vila Rica, MG. ▪ Luiz de Vasconcelos Parede e Souza, Alferes de Cavalaria da Legião da Bahia, com 27 anos, natural de Vila Rica, MG. ▪ Francisco Pedro Limpo de Abreu, Alferes do 2º Reg de Inf de Linha, com 17 anos, natural de Lisboa. ▪ Manoel Antonio Bittencourt, Alferes do 1º Regimento de Inf de Linha de Pernambuco, com 28 anos, natural da Ilha da Graciosa. ▪ João Garcez d’Almeida Trant, Cadete Porta-Estandarte do Reg. Cav de Minas Gerais, com 25 anos, natural de Serro Feio. ▪ José Maria da Silva Bittencourt, Cadete do Reg Art Costa, com 16 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ João Carlos Pardal, Cadete do Reg Art Costa, com 18 anos, natural de Lisboa. ▪ Manoel Ignácio da Silva, Cadete do Reg Art Costa, com 15 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Antonio Sampaio d’Almeida Mezzo, Cadete do 1º Reg Inf da Legião de Cav, com 18 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Domingos Alves de Abreu Picaluga, Cadete do 1º Reg Cav Ex, com 20 anos, natural da Cidade de Porto. ▪Luiz Lopes Villas Boas, Capitão do Reg Art da Bahia, com 20 anos, natural da Bahia. ▪ Joaquim Claudino de Souza Brandão, Cadete do Reg Cav de Minas Gerais, com 43 anos, natural de Vila D’Aurora. 2

Ministro da Guerra em 1831 e tio do futuro Duque de Caxias.

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▪ Manoel Pereira de Araújo Barreto, Cadete do Reg Cav de MG, com 25 anos, natural de Vilal da Barra. ▪ Ignácio Luiz Sodré, Cadete do Reg Art Costa, com 20 anos. ▪ Manoel de Mello e Castro, Cadete do Reg de Inf de Linha da Costa, com 18 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Gaspar Menezes de Vasconcellos Drumond, Cadete do 2º Reg Inf de Linha da Corte, com 18 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Theodoro de Macedo Sodré, Cadete do Reg Art Costa, com 19 anos, natural da Freguesia de Jacarepaguá. ▪ Elias Rodrigues da Silva, Sargento da Companhia de Bombeiros do Reg Art Costa, com 25 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Joaquim José de Faria, Cabo do Esquadrão do Reg Cav de MG, com 27 anos, natural de Vila Rica. ▪ João Firmino Rangel, adido ao Estado-Maior do Exército, com 22 anos, natural de Lisboa. ▪ Alfredo Furtado de Mendonça, Sargento-Mor do Reg Cav, com 24 anos, natural de Lisboa, filho do Visconde de Barbacena. ▪ Thomé Joaquim de Almeida Ramos, Cadete Porta-Bandeira do Reg de 1º Linha da Corte, com 22 anos. ▪ Conrado Jacob de Niemeyer, Tenente Engenheiro, com 23 anos, natural de Lisboa, filho do Cap. Eng. Henrique de Niemayer. ▪ Luiz Manoel Avelino da Fonseca Costa, Cadete do 1º Reg Inf de Linha da Corte, natural do Rio de Janeiro. ▪ José Joaquim Vieira Souto, do 1º Reg Cav do Exército, com 24 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ João José de Almeida Ramos, Cadete Porta-Bandeira do 1º Reg Inf de Linha, com 18 anos, natural do Rio Grande do Sul. ▪ José Maria de Carvalho França, Cadete do Reg Art Costa, com 22 anos, natural de Vila da Ilha Grande. ▪ João Rodrigues de Bulhões, Sargento do Reg Art Costa, com 19 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Ângelo Felix Pamphili, paisano, com 32 anos, natural de Milão. ▪ José da Costa Valle, Cabo do Reg de Cav de Minas Gerais, com 35 anos, natural de Belém. ▪ Francisco José dos Reis Alpoim, paisano, com 19 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Joaquim Henrique do Amorim, Cadete do 3º Reg de Inf de Linha, com 18 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ André de Andrade Braga, Furriel do Reg Art Costa, com 25 anos, natural de Minas Gerais. ▪ José Joaquim de Mesquita, paisano, com 17 anos, natural de Lisboa. ▪ Joaquim Telles de Almeida Castro, Sargento da Brigada Real da Marinha, com 27 anos, natural de Lisboa. ▪ Antonio Manoel Antunes, Cabo de Esquadra do Reg Art Costa, com 21 anos, natural de Lisboa. ▪ José Nunes Nóbrega, paisano, com 23 anos, natural de Vila da Ilha Grande. ▪ Antonio José Leal, Sargento do Reg Art Costa, com 33 anos, natural da Vila do Santo Terço. ▪ Antonio Rodrigues da Costa, Sargento do Reg Art Costa, com 32 anos. ▪ Francisco Manoel de Morais, paisano, com 21 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ João Fructuoso de Brito, Sargento do Reg Art Costa, com 26 anos. ▪ Jozé Floriano de Oliveira, Furriel da Art Montada da Corte, com 26 anos, natural da Ilha Grande.


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▪ Francisco Rodrigues Villarinho, paisano, com 28 anos, natural de São Sebastião, Bispado de São Paulo. ▪ Polidoro Henrique Moniz, Alferes do 1º Reg Inf Linha, com 20 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ João Pedro da Silva Ferreira, 1º Tenente da Brigada Real da Marinha, com 24 anos, natural de Lisboa. ▪ Francisco Jozé de Menezes Amorim, Alferes agregado do 2º Reg Inf de Linha da Corte, com 19 anos, natural do Rio de Janeiro. ▪ Jozé Gervázio de Queiroz, Aspensada do 1º Reg de Inf de linha da Corte, com 16 anos, natural da ilha do Funchal. ▪ Ignácio Ferreira Souto Barreto, 2º Tenente de Art da Bahia, com 25 anos. ▪ Jozé Guedes de Quinhones, 2º Tenente do Reg Art Costa, com 20 anos. ▪ Francisco Cardoso Pereira de Mello, Soldado do Reg Art da Bahia, com 28 anos. ▪ Antonio Guedes Quinhones, 2º Tenente do Reg Art da Corte, com 21 anos. ▪ Jozé Guimarães Freitas, 2º Tenente do Reg Art da Corte, com 18 anos. ▪ Jozé Vasconcellos Menezes Drumond, 2º Tenente do Reg Art da Corte, com 19 anos. ▪ Antonio Luiz Ferreira de Menezes. ▪ Antonio José da Silva Graduado, Capitão Graduado de Artilharia. ▪ Manoel José de Oliveira, 1º Tenente de Artilharia. ▪ Firmino Herculano de Moraes Ancora, 1º Tenente de Artilharia de Costa, com vinte anos, admitido à matricula do 2º ano, na classe de voluntários. ▪ Jozé Francisco da Sillva, Sargento do Reg Art de Costa, com 26 anos. ▪ Luiz d’Alencourt, 1º Tenente de Art da Corte, com 24 anos. ▪ João Carlos de Andrade e Silva, 2º Tenente de Artilharia de Costa, com 1 ano de posto, filho de Martiniano de Andrade e Silva.

A turma matriculada em 1811 tinha um total de setenta e três discípulos, sendo setenta e dois do 1º ano e um do 2º ano. Destes, dezessete eram portugueses, um italiano, um angolano e os demais eram naturais da terra, sendo trinta e sete do Rio de Janeiro, nove de Minas Gerais, três da Bahia, um do Rio Grande do Sul, um de São Paulo, um de Pernambuco, um do Mato Grosso e um do Pará. Sessenta e cinco eram militares que ocupavam postos e graduações variadas, capitão, tenente, sargento mor, sargento, furriel, cabo e soldado e, ainda, sete eram paisanos e não tinham nenhuma experiência na caserna. Verificava-se que, dentre os militares, quinze eram de Infantaria, treze de Cavalaria, vinte e nove de Artilharia, quatro de Engenharia, três fuzileiros navais e dois não definidos nas anotações da época. A maioria de artilheiros era justificada pela grande quantidade de fortalezas que, à época, guarneciam a Colônia. A faixa etária abrangida pelos alunos era muito grande, o mais novo deles tinha quinze anos e o mais velho quarenta e três anos. Todos estes aspectos demonstram a disparidade de níveis de conhecimento e de amadurecimento desta primeira turma. A Academia foi planejada, desde sua concepção, para ser conduzida com critérios exigentes de seleção de alunos, utilizando metodologia de ensino objetiva e com seu conteúdo programático baseado em estabelecimentos congêneres de exércitos de nações mais experientes e atualizadas nas ciências e nas artes militares. O programa de ensino era eminentemente científico, com base em Matemática, Química, Física, Mineralogia, Metalurgia, História Natural e idiomas francês, inglês e alemão. A parcela do programa voltado para o ramo militar previa o ensino de Tática, Estratégia, Castrametação3, Fortificação, Artilharia e História Militar de todos os povos e de todos os grandes generais.

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Disciplina que tinha por finalidade estudar o terreno para a realização de um acampamento ou a instalação de uma fortificação.

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O curso era realizado em dois anos para os oficiais de Infantaria e Cavalaria e para os artilheiros e engenheiros, em sete anos. Uma parcela do primeiro ano do curso se constituía em uma espécie de “curso preparatório”, ou seja, uma preparação para os estudos posteriores, mais aprofundados, dos assuntos que eram ministrados. Seu primeiro Comandante, o Tenente-General Carlos Antonio Napion, Presidente da Junta Diretora da Academia representa um símbolo desse momento de partida rumo a uma longa experiência de contribuição à evolução constante da formação do oficial de carreira do Exército Brasileiro e do próprio Exército ao longo destes duzentos anos. Embora não se tenha localizado qualquer documento histórico com o registro da solenidade de inauguração da Academia Real Militar, pode-se intuir, nesse momento em que se completa seu segundo centenário, que ela tenha sido muito singela, sem pompa, porém repleta de significado em virtude das circunstâncias que envolveram a sua criação. Então, comemorando este seu segundo século, pode-se imaginar que estejam irmanados em um mesmo sentimento de gratidão todos os que nela servem ou estudam e todos aqueles que por ela passaram, onde quer que ela estivesse localizada, homenageando-a com a certeza de que, vencido esse tempo, a base por eles alicerçada continua firme. Sobre ela, todas as gerações seguintes àquela do início do século XIX, jamais perderam a impulsão inicial. Assim, fazemos justiça aos nossos antecessores ao registrar nestas páginas este importante momento de criação da Academia Real Militar, propulsora da reformulação e da reestruturação do Exército Brasileiro, visando a alcançar os atuais níveis de profissionalismo, os mais elevados de sua história, preparando-o para as incertezas deste século XXI.


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Chapter 1

The Founding of the Royal Military Academy In the face of imminent invasion of Portugal by Napoleon, the Portuguese Court was transferred to Brazil in 1808, a movement devised to protect the Portuguese crown. The founding of the Royal Military Academy was one of the several new institutions introduced in the Colony by the Crown Prince D.João. One of the primary concerns of the Court, in Brazil was the defense of its territory and, therefore, it was essential to create a well-trained professional army. The question was not simple, as it implied empowering Brazilians and thus elevating them to the level of Portuguese citizens, something that was not seen with sympathy by the majority of the Court. However, the idea of equipping the state for its primary defense prevailed and in 1810 the Academy was opened, with the task of training Infantry, Cavalry and Artillery officers, including engineers geographers and topographer officers, able not only to fulfill military issues but also to coordinate civil works on mines, roads, ports and canals. At that time, in the Americas, only the U.S. Army had a military academy, founded in 1802. The Founding Charter of the Academy made it quite clear the high level desired by stating that there would also be "a full course of Mathematics and Physics, Chemistry and Natural History, for the most perfect instruction of the Army officers" In March 1811 the activities of the Academy started in Rio de Janeiro, with 54 disciples from all regions of Brazil, 17 Portuguese, one from Angola and one Italian, totaling 73 cadets in two classes. The age of the first recruits ranged from 15 to 36 years old, one of them having reached the fourth decade of life. Only seven of them were novices in military practices, most of the others coming from the coastal Artillery. The first Commander of the Academy was Lieutenant-General Carlos Antonio Napion, Chairman of the Board of the Academy. He well represents this start towards a long history of contribution to the constant evolution of the training of career officers of the Brazilian Army and the Army itself over these last two hundred years.

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Capítulo 2

Da Casa do Trem a Resende. As sedes da Escola Militar OS VALORES MILITARES CULTUADOS EM TODAS AS SEDES

A Academia Militar, nestes seus duzentos anos de existência, foi, ela própria, um símbolo da realidade da vida militar, que impõe ao profissional das armas a necessidade de, constantemente, estar se deslocando de um local para outro visando a adquirir conhecimento dos problemas regionais e vivência nacional, mudando-se para novas localizações na busca de sua adequação às necessidades do ensino. Assim, foram seis as sedes ocupadas, quatro na cidade do Rio de Janeiro, uma em Porto Alegre e, finalmente, a última e sua atual sede, em Resende. A Academia Militar ganhou vida em todas essas suas sedes. Nelas, atuaram com abnegação, equipes de profissionais militares impulsionados pela ação de comando e, resolutamente, comprometidos com os valores maiores do Exército e da Nação, dedicando uma especial atenção e um esmerado cuidado à formação técnico-profissional, cívica e moral dos futuros oficiais. O Exército prepara em todas as suas escolas, especialmente na Academia Militar, oficiais íntegros e convictos da necessidade da honra, da honestidade, do respeito, da lealdade, do senso de justiça e da disciplina, além de serem patriotas e bons camaradas. O resultado deste trabalho contribuiu, ao longo do tempo, para tornar mais eficiente e efetivo, desde a sua primeira sede, o desempenho do oficial de carreira da linha bélica do Exército. A injeção anual de novos oficiais, das Armas, do Serviço de Intendência e do Quadro de Material Bélico nas organizações militares que integram o Exército Brasileiro, representou a essência do trabalho realizado nas seis sedes desse centro formador de chefes e líderes militares, impregnados dos valores nacionais e da Instituição. A Academia, o ensino militar, o Exército e a Nação muito devem ao culto desses valores ao longo dos seus primeiros duzentos anos de vida, registrados em todos os recantos de suas instalações e na alma de todos aqueles que tiveram a ventura de

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ocupar, no decorrer deste tempo, qualquer uma de suas sedes. Nelas, por dois séculos, foi honrada a sua concepção original, formar oficiais de carreira para a Corte e para o Brasil, sua própria razão de ser. Acompanhou a evolução do ensino e da arte militar proporcionando a valorização profissional do futuro oficial, estimulando a criação e o aprimoramento do espírito de corpo, semente da coesão, alimento do espírito militar e do profissionalismo castrense, sempre presente na convivência de todos os que deram vida às sedes da Academia Militar e que contribuíram para o cumprimento de sua nobre e importante missão.

AS SEDES DA ACADEMIA MILITAR

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As providências para instalação da Academia foram adotadas de imediato e escolhido para sua sede o edifício inacabado, localizado no Largo de São Francisco, previsto, inicialmente, para sede da Igreja de São Sebastião. Assim, a sua primeira sede foi emergencial e ocupou as instalações do “Trem” ou “Arsenal Real do Trem de Artilharia”, aproveitando-se das instalações da antiga bateria de São Tiago, na Ponta do Calabouço. Recebeu o nome de Casa do Trem porque os portugueses costumavam chamar apetrechos de “trens”. Apesar de limitado e inadequado para o volume de trabalhos que ali teriam de ser realizados, o pequeno espaço serviu de base para os primeiros cursos da nova escola naquele ano de 1811. Em março de 1812, as obras mandadas fazer no então edifício inacabado, foram concluídas e a Academia Real Militar instalou-se em sua sede no Largo de São Francisco. Mais tarde, a Escola Militar, foi instalada na Praia Vermelha. Nessa sede viria a funcionar até 1904 quando do seu fechamento em função dos episódios ocorridos na revolta contra a vacina obrigatória contra a varíola. Em 1905, a Escola foi recriada em Porto Alegre com o nome de Escola de Guerra, para não deixar dúvida sobre sua finalidade de preparar profissionais militares1, onde funcionou até janeiro de 1911, quando ocorreu a unificação das escolas militares, no Realengo, no Rio de Janeiro. Transferida para o Realengo, a Escola de Guerra ali funcionou por dois anos e, em 1913, passou a ser denominada Escola Militar. A Escola Militar passou a atender às necessidades do período que antecedeu à 1ª Guerra Mundial e do que se seguiu àquele conflito. Esta sede viria, futuramente, a ser considerada como um verdadeiro templo da Missão Militar Francesa, local onde por vinte anos ela serviu ao Exército Brasileiro com grandeza e profissionalismo. Em meados da década de 1940, a escola foi transferida para a cidade de Resende no interior do estado do Rio de Janeiro. Finalmente, a atual sede foi edificada em Resende, onde permanece desde 1944. Foi planejada de modo a adequar-se às necessidades do ensino e ali está, há 67 anos, desenvolvendo profícuas atividades. Nesta sede, a Academia Militar se rejubila, neste ano de 2011, com a passagem do Bicentenário de sua criação. A Escola permanece em constante evolução e atualização desde que foi criada, não só pela forma como moderniza seus currículos e suas instalações mas, principalmente, pela essência do profissionalismo, do espírito empreendedor e do valor intelectual e moral de seus idealizadores, comandantes, mestres, instrutores, monitores, servidores e cadetes que, empenhando seu coração, seu labor e sua ação, vêm escrevendo a história da Academia Militar.

Finalidade desviada na Escola Militar da Praia Vermelha entre 1874 e 1905 sob a influência de um positivismo mal interpretado, posteriormente caracterizado por um antigo aluno da Escola Militar da Praia Vermelha, Augusto Tasso Fragoso, na apresentação de seu clássico “A Batalha do Passo do Rosário”, editado em 1922, no qual traduz o ambiente da Escola Militar que cursara. 1


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Newton Coutinho

A PRIMEIRA SEDE – A CASA DO TREM

Casa do Trem

O sítio histórico escolhido pela Corte para instalar a primeira sede da Academia Real Militar foi o edifício inacabado da futura igreja de São Sebastião, no Largo de São Francisco de Paula, cuja construção tivera início em 1749. As obras de conclusão do edifício começaram rapidamente porém não havia qualquer possibilidade de que estivessem prontas a tempo de ali ser instalada a recém-criada Academia. Assim, a primeira sede de uma instituição de tão grandiosos objetivos, vinculados à valorização do ensino técnico-profissional de alto nível, viria a ocupar, temporariamente, as modestas dependências do “Arsenal Real do Trem de Artilharia”, a Casa do Trem, como era chamada aquela instalação. Dos registros históricos, depreende-se que as ações principais, desenvolvidas nas dependências da Casa do Trem, foram destinadas à preparação para a realização do primeiro curso de formação, de acordo com as normas da Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810, e a preparação para a transferência, no momento que fosse possível, para a sede definitiva. Embora sendo a sede provisória, emprestada e com instalações acanhadas, fazia-se necessário executar as atividades previstas para a realização do curso. Dessa forma, a Junta Diretora dedicou-se ao planejamento para o início do primeiro ano letivo, assunto preponderante para dar o sopro de vida à sede primitiva. Em seguida, a Junta Diretora passou a decidir sobre as matrículas dos alunos, os dias e horários de funcionamento da Academia, com aulas inclusive aos sábados, os compêndios a serem utilizados nos estudos, a organização das bancas examinadoras, sobre a premiação dos alunos que se destacassem e sobre os problemas de disciplina e de administração. As dificuldades iniciais foram tantas que os episódios ocorridos no Sul do Brasil sequer tiveram repercussões na Academia. Portanto, os pioneiros oficiais do comando, da docência e da administração, somavam suficientes razões, a um só tempo, de orgulho pela missão recebida e de preocupação com a dimensão da sua responsabilidade. Entretanto, o mais importante desafio, de ordem material, já fora vencido: a obtenção de uma sede, mesmo que provisória.

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A SEGUNDA SEDE – O LARGO DE SÃO FRANCISCO

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Em março de 1812, ficaram concluídas as obras mandadas fazer no edifício inacabado da Sé Nova, localizado no Largo de São Francisco de Paula. O prédio foi totalmente reaproveitado e nele construídos gabinetes de Física, Química, História Natural, Mineralogia, salas de aulas, arquivo e as demais acomodações necessárias à administração da Academia. Em 28 de março, o Presidente e os Deputados da Junta Diretora baixavam a portaria para a mudança da Academia para o local definitivo e para que os lentes tomassem outras providências em relação ao início das aulas no dia 11 de abril de 1812. O novo prédio era bem mais confortável e mais amplo que as dependências da Casa do Trem e estava em excelentes condições de conservação, considerando-se que havia sido recentemente concluído e, embora não tivesse sido planejado para ser um estabelecimento de ensino do porte da Academia Real Militar, havia sido modificado para se adequar às suas reais necessidades. As lutas no Sul do país, ocorridas em 1816 e 1817, mais uma vez, não trouxeram qualquer consequência para o ensino na Academia. Em 1817, com a eclosão da Revolução Pernambucana, vários lentes e alunos da Academia foram engrossar as fileiras da tropa da Corte. Em função disso, a Academia passou a ter dificuldades para cumprir a missão que lhe fora atribuída pela Carta de Lei de 1810. A quantidades de oficiais que conseguiam concluir os sete anos do curso eram poucos. No ano de 1818, em razão dos acontecimentos internos e externos, os seus estatutos foram modificados por uma profunda reforma e o ensino militar ampliou seus horizontes, criando uma expectativa de melhora quanto ao número de concludentes dos cursos de maior duração. Realizada a emancipação política e constituído o Império do Brasil, é modificado o nome da Academia e ela passa a se chamar Imperial Academia Militar. A Revolta Constitucionalista de 1824 e as novas lutas no Sul, em torno da Província Cisplatina, no período 1825 a 1827, não se refletiram no ensino da Academia, ninguém participou da campanha por tê-la cursado, nada foi ensinado como consequência das experiências de guerra. Havia a nítida impressão de que, na Academia, ensinava-se uma atividade militar totalmente diversa daquela que era praticada na campanha. A teoria não correspondia à prática.

Largo de São Francisco


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Período da campanha em prol da Proclamação da Independência

As influências do saudosismo do antigo domínio português, sobre as atitudes adotadas por D Pedro I, criou um ambiente hostil ao Império do Brasil, quer seja no estrangeiro, quer seja aqui mesmo no próprio país. O Exército, envolvido nas maquinações políticas, viveu momentos de dificuldades, com reflexos para a Academia. Após a abdicação de D Pedro I, o Exército voltou a ser valorizado e este fato teve reflexos positivos para a Academia que, a partir de 9 de março de 1832, atendendo a um antigo anseio do Império, foi unificada à Academia de Guardas-Marinha, passando a ser denominada Academia Militar da Corte. Ocorreram, ainda, modificações em sua estrutura de ensino e organização que, porém, foram pouco eficazes e, na prática, não surtiram os efeitos desejados. Em 1833, um novo decreto instituiu alterações nas atividades acadêmicas, as Academias Imperial Militar e de Guardas-Marinha voltaram a ser independentes e, dentre todas, a que se mostrou mais importante foi a que extinguia a Junta Diretora e atribuia o comando a um único oficial-general. Em 14 de janeiro de 1839, a Academia passou a denominar-se Escola Militar, o curso passou a ser realizado em cinco anos e a distribuição das disciplinas passou a ser feita de uma forma mais racional e adequada às necessidades do ensino militar. A partir daí foram destacadas as brilhantes tradições do ensino militar, mantendo aquela escola, durante longos anos, uma sólida e prestigiosa reputação de uma atividade intelectual prodigiosa. Contudo, tiveram pequena duração estas importantes modificações e, em 9 de março de 1842, nova reforma, grandemente influenciada pelos lentes, seria realizada e a escola viria a passar por um retrocesso. Uma nova reforma do ensino, realizada em 1º de março de 1845, introduziu o bacharelado, criando o grau de doutor e bacharel em ciências físicas e matemáticas, para os alunos que satisfizessem todos os requisitos do ensino.

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No período de 1845 a 1850, a política militar do Brasil aos poucos foi mostrando que o Exército precisava se preparar para o pior, a possibilidade de guerra no Sul. A previsão se confirmou e vieram os conflitos contra Oribe e Rosas. As consequências para o ensino militar foram imediatas e, em 20 de setembro de 1851, foi criado o Curso de Infantaria e Cavalaria, composto das mesmas disciplinas e atividades afins do curso da Escola Militar, que começou a funcionar, em Porto Alegre, em 5 de abril de 1852. A partir daí, fica-se com a nítida impressão que a finalidade do ensino da Escola Militar não estava sendo plenamente atingida. Confirmando tal visão, em 23 de janeiro de 1855, foi criada a Escola de Aplicações, com sede na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. A nova escola, como o próprio nome diz, pretendia colocar em prática os conhecimentos técnico-profissionais militares. Assim, o ensino das cadeiras científicas, as matemáticas, as ciências físicas, o estudo da engenharia, continuou sendo realizado na Escola Militar. O das disciplinas eminentemente militares, a ordem unida, as instruções específicas das Armas, o emprego de pequenas frações, o manejo de armas, o tiro, o acampamento, passou a ser realizado na Escola de Aplicações. Os alunos passariam a frequentar as duas escolas, de acordo com as necessidades de suas Armas. Em 1858, novas reformas aconteceram e a Escola Militar passou a denominar-se Escola Central, tendo, também, sido criado o curso preparatório, destinado a dar ao aluno uma base para o curso a ser realizado. Em 1859 foi criada, em Realengo, no Rio de Janeiro, a Escola de Tiro, destinada à realização dos exercícios de tiro das três Armas. O Plano Geral de Ensino do Exército foi mais uma vez modificado em 14 de maio de 1860, passando a Escola de Aplicações a denominar-se Escola Militar. As reformas continuaram, sempre alterando as condições de realização do ensino nas escolas militares e, em 10 de junho de 1863, foi criada a Escola Preparatória, que tinha por finalidade preparar os candidatos à matrícula na Escola Militar e que foi instalada em um prédio anexo à mesma. Durante o período compreendido entre 1864 e 1870, devido à ocorrência da Guerra da Tríplice Aliança, toda a vida nacional foi abalada. As escolas militares tiveram suas aulas e exercícios, inicialmente, suspensos e, posteriormente, totalmente paralisados, permanecendo em funcionamento apenas a Escola Preparatória. As atividades só seriam retomadas após o término do conflito.

UM CHEFE MILITAR – EX-CADETE DA REAL ACADEMIA MILITAR – ORGANIZA O ESFORÇO DE GUERRA

Indesejada e inoportuna para o Império, fruto do sonho de ampliação do espaço territorial e controle da navegação na calha dos rios da Prata, Paraná e Paraguai, pelo então governo paraguaio, a Guerra da Tríplice Aliança configurou-se como a maior experiência de guerra vivida na América do Sul. O conflito ocorria em uma época de grandes convulsões: na América do Norte, concluía-se a Guerra da Secessão; na Europa, a Prússia, em 1863, guerreou com a Dinamarca, em 1866, com a Áustria, e no ano de 1870, respondeu à declaração de guerra da França com uma vitória rápida e decisiva, que levou à criação do estado alemão e fortaleceu por cerca de quatro décadas o prestígio internacional do seu exército, até a derrota na 1ª Guerra Mundial. Uma importante questão ocorrida na Guerra da Tríplice Aliança foi a escassez de forças nacionalmente organizadas para responder à invasão do território brasileiro. Ao iniciar a guerra, as forças terrestres da Tríplice Aliança não contavam com efetivos necessários para enfrentar os do Exército Paraguaio. A ordem de batalha com 54 ba-


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Passo da Pátria talhões, de 14 províncias, só foi possível com a criação de unidades denominadas de Voluntários da Pátria e a mobilização de unidades da Guarda Nacional e, em especial, das de Cavalaria do Rio Grande do Sul. Dessa forma, o Exército viveu durante a guerra a primeira grande experiência de força nacional integrada. Seu caráter nacional, que já se tornara nítido sob o comando geral do Marechal Manoel Luiz Osório, Marquês do Herval, foi consolidado pela ação do então Marquês de Caxias2 O Marechal assumiu o comando após a derrota da Tríplice Aliança na Batalha de Curupaiti e, para adequar organização, instrução, adestramento, disciplina e logística - em especial, alimentação e saúde - no menor tempo possível, adotou medidas para reorganizar o esforço de guerra. Atuando na área estratégica mandou vir dos Estados Unidos os balões cativos usados na Guerra de Secessão nos Estados Unidos pelo vitorioso Exército do Norte. Assim podia-se observar o terreno inimigo, desconhecido por falta de cartas topográficas e cujo conhecimento só era obtido através de reconhecimentos a viva força. Esta medida poupou muitas vidas preciosas e contribuiu para planejamento de uma manobra de pinça realizada pela Esquadra Brasileira com apoio do Exército. Por esta providência, de alto sentido tecnólogico, Caxias foi considerado o pioneiro da Aeronáutica do Brasil, pelo Tenente Brigadeiro-do-Ar Eduardo Gomes no Prefácio da História da Aeronáutica do Brasil do Tenente Brigadeiro do Ar Nelson Lavanere Wanderley, Personagens ligadas por uma modelar e providencial amizade nascida em 1839 no Rio Grande do Sul, que se estendeu por toda a vida e da qual o Exército e o Brasil muito se beneficiaram. Caxias, o Comandante da batalha com o Curso de Infantaria da Academia Real Militar e Osório, formado na Academia Militar das coxilhas, na belicosa coreografia da Arte Militar dos Pampas, vendo, tratando e pelejando. 2


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ambos formados no Exército como observadores aéreos pela Escola Militar do Realengo, além de terem sido pioneiros do Correio Aéreo Nacional. A tal ponto iam os cuidados com a organização que, no período entre as operações, a Polícia do Acampamento, criada pelo Marechal para este fim, exigia o máximo de disciplina, instrução e adestramento, limpeza dos acampamentos e controle das valentes mulheres conhecidas como “vivandeiras”, que acompanhavam os deslocamentos, viviam nos estacionamentos e auxiliavam nos “hospitais de sangue” e eram igualmente submetidas a normas disciplinares estritas. Na execução das operações, inclusive devido às características geográficas das áreas envolvidas, descentralizava as operações, estimulando a iniciativa de seus generais, garantindo a conquista de seus objetivos, traço marcante de seu comando desde as lutas internas. Apesar de todo esse rigor, temperado por seu comportamento afável e cordial, Caxias era apreciado, no dizer de Vilhena de Moraes, por seus subordinados: “(...) menos popular, por causa de sua linha hierática, do que o General Osório,..., era, no entanto, adorado pelos soldados”.

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Estes exemplos chegavam aos oficiais da Corte e à Imperial Academia Militar, onde eram absorvidos pelos corpos docente e discente de seus cursos de formação. Entre outros feitos, foi de vital importância para o êxito na guerra, a construção de uma obra-prima da engenharia, tão valorizada nas origens da Academia Real Militar, a Estrada do Chaco, em condições críticas, com o emprego de dois batalhões de Engenharia, o Batalhão de Engenheiros do 1º Corpo de Exército e o Batalhão de Pontoneiros do 2º Corpo de Exército, o que lhe permitiu a realização da genial manobra da Marcha do Chaco. Naquela manobra estratégica, Caxias, que ocupa lugar de destaque na galeria dos maiores cabos de guerra da história mundial, aceitou correr o risco calculado, ao desprezar o princípio de guerra da segurança em beneficio do príncipio de guerra da surpresa: três corpos do Exército Brasileiro, com 23.000 homens, foram transportados pela esquadra imperial de Humaitá para a margem direita do rio, percorreram a estrada do Chaco em direção ao nordeste, reembarcaram em frente ao porto de Villeta, e desceram em terra no porto de Santo Antônio e Ipané, novamente na margem esquerda, vinte quilômetros à retaguarda das linhas fortificadas paraguaias do Piquissiri. Estava aberto o acesso a Assunção. Com firmeza e genialidade política, estratégica e operacional, Caxias fixou, na história, um exemplo de liderança afável, natural e sem traços de egocentrismo ou arrogância nas operações em campanha. Este exemplo ficaria gravado na história brasileira como um paradigma. Sob seu comando, a dura e rica vivência bélica de cinco anos de guerra foi comparável, no teatro de guerra sul-americano, à de exércitos de outras nações no mesmo período, na América do Norte e na Europa. A experiência da Tríplice Aliança demonstrou que a guerra exigiu muito mais do que oficiais formados com forte embasamento científico, por mais valentes e briosos que fossem. Vencer uma guerra com a amplitude e a abrangência daquela, em qualquer teatro de guerra, significava empregar oficiais que, sem prejuízo de seu nível intelectual, estivessem adequadamente instruídos por meio de exercícios práticos e objetivos, e que se apresentassem física e mentalmente aptos para conduzirem seus soldados no campo de batalha com autoridade, conhecimento e eficiência. O Império tinha todas as condições para fazer do aprendizado naquela experiência a referência para modernizar e atualizar o Exército com doutrina própria. Era o momento certo para reorganizá-lo e, no bojo das mudanças, evoluir. Deixar de fazê-lo resultaria em irrecuperável perda de tempo, um erro imperdoável.


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Terminada a guerra, ainda no ano de 1870, as escolas militares reiniciaram suas atividades no Largo de São Francisco e na Praia Vermelha. O país evoluíra, o Exército acompanhara esta evolução, com o grande aprendizado colhido na campanha mas, apesar disso, não era devidamente valorizado. Todos ansiavam pelas reformas, porém, elas não vieram de imediato. Em 17 de janeiro de 1874, foram introduzidas novas modificações no ensino militar. A Escola Central deixou de fazer parte do ensino militar, passando a ser autônoma, sob jurisdição do Ministério do Império, continuando localizada no Largo de São Francisco e adotando a denominação de Escola Politécnica, berço das universidades de engenharia no Brasil.

Newton Coutinho

A TERCEIRA SEDE – A PRAIA VERMELHA

Escola Militar na Praia Vermelha

Encerradas as atividades da Escola Central, no Largo de São Francisco, as atividades de ensino que eram compartilhadas entre aquela Escola e a Escola Militar, passaram a ser centralizados na Praia Vermelha. A Escola Militar passou a ter a responsabilidade de formar os oficiais das quatro armas, habilitados pela Escola Preparatória. A Escola Preparatória, anexa à Escola Militar, teve a duração de seu curso ampliada para três anos, mantendo-se dedicada ao ensino das disciplinas preparatórias exigidas para os cursos militares e à instrução prática peculiar às diferentes Armas. Paralelamente, foi criado o Curso de Infantaria e de Cavalaria do Rio Grande do Sul, para formar oficiais, destas armas, nas mesmas disciplinas ensinadas na Escola Militar do Rio de Janeiro. Em 1877, este curso viria a ser ampliado com a adição de mais um ano preparatório. Então, a partir de 1874 ampliaram-se as atividades na Escola Militar da Praia Vermelha. A quantidade de alunos aumentou, de modo acentuado, com o final da Guerra da Tríplice Aliança e eles dedicavam-se, entusiasticamente, às atividades intelectuais, interessando-se pelo civismo e pelas causas nacionais. Desta forma, a disciplina teve uma acentuada melhora. Sua edificação, uma das maiores do Rio de Janeiro, enfeixava o sítio histórico da Praia Vermelha, ligando o Morro da Babilônia ao da Urca.

TERRENOS ESCASSOS PARA A PRÁTICA DA INSTRUÇÃO

À época, os exercícios realizados pelos alunos visavam a praticar as instruções referentes às unidades elementares das Armas. Nas proximidades da sede, na Praia Vermelha, eram restritos os espaços existentes. Ainda assim, apesar da escassez de áreas para exercícios práticos, havia terrenos com algum espaço para a realização das ações de pequenos escalões, que se estendiam das faldas do Morro da Babilônia até a orla do mar, com faixas por vezes alagadas, de um e outro lado da atual Avenida Pasteur.

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―42― Escola Militar na Praia Vermelha Para evitar demorados deslocamentos a pé, intensificaram-se os exercícios que se adequavam àqueles terrenos, pelos quais passa, na atualidade, a pista mais próxima aos antigos prédios da Avenida Pasteur. Essa deficiência de espaços para a instrução prática próxima à sede levou à realização de exercícios, nos finais de ano, nos campos de Copacabana, Lagoa Rodrigo de Freitas, Leblon e Ipanema. Em 30 de julho de 1881, são implantadas modificações nos regulamentos das Escolas Militares. O Curso de Infantaria e Cavalaria passa a ser denominado de Escola Militar da Província do Rio Grande do Sul, incluindo um Curso de Artilharia e um curso preparatório idêntico ao da Escola Militar do Rio de Janeiro. As ideias republicanas e positivistas propagadas pelo mestre Ten Cel Benjamin Constant, o idealizador da República, começaram a surgir e, posteriormente, a criar vulto, na Praia Vermelha. Estes envolvimentos na política não passaram despercebidos ao Governo Imperial que, visando a separar os alunos daqueles que frequentavam a Escola Militar, criou, em 9 de março de 1889, mais uma Escola Militar, em Fortaleza, com um Curso Preparatório e um Curso de Infantaria e Cavalaria. Com o advento da República, o ensino militar, como tudo mais no país, continuou a sofrer maior influência das idéias positivistas e, em 12 de abril de 1890, é mudado o nome da Escola Militar do Rio Grande do Sul para Escola Militar de Porto Alegre e são criadas a Escola Prática do Exército, no Realengo, Rio de Janeiro, e a Escola Prática de Infantaria e Cavalaria, em Rio Pardo, no Rio Grande do Sul. Os cursos das Armas passaram a ser feitos parte nas Escolas Militares e parte nas Escolas Práticas. As lutas pela consolidação da República, ocorridas no Sul do país, entre 1893 e 1895, e os trágicos episódios de Canudos, ocorridos no Nordeste, entre 1896 e 1897,


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Benjamim Constant

revelaram a situação crítica que vinha sendo vivida pelo Exército, em decorrência da influência negativa do bacharelismo e do Positivismo mal interpretado por oficiais doutores. Tais fatos trouxeram prejuízos para a doutrina de emprego do Exército e eram incompatíveis com a Defesa Nacional, expondo fracassos que poderiam ter colocado em risco a unidade da federação e causado a desmoralização da Instituição. Por outro lado, foram estes mesmos fatos que serviram para alavancar o esforço de profissionalização que começaria a acontecer no limiar do novo século. Em 1898, em 18 de abril, as Escolas de Fortaleza e de Porto Alegre foram extintas. As Escolas Práticas, mantidas em suas respectivas sedes, passaram a ter a denominação de Escola Preparatória e de Tática e a Escola Militar, localizada na Praia Vermelha, passou a chamar-se Escola Militar do Brasil. Posteriormente, em 7 de agosto de 1903, a Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo foi transferida para Porto Alegre. O início do século XX trouxe em seu bojo uma participação maior dos alunos das escolas militares nos assuntos de interesse da política nacional. Espíritos jovens, cultos, orientados, em sua maioria, pelas paixões doutrinárias de seus mestres, julgaram-se capazes de se oporem às decisões do governo. O clímax ocorreu em novembro de 1904, quando se originou na Escola Militar um movimento sedicioso motivado pela decretação da vacina obrigatória contra a varíola. Os alunos da Praia Vermelha e do Realengo abandonaram as sedes de suas escolas, em pé de guerra, dispostos a lutar por uma causa inglória e sem objetivos claros e definidos. O governo reagiu, o movimento foi subjugado. As escolas tiveram seus funcionamentos suspensos, alguns dos alunos foram excluídos e aprisionados e muitos transferidos para longínquos recantos do Brasil.

CERRAM-SE AS PORTAS DA VELHA ESCOLA

Em consequência dos fatos acontecidos em 2 de outubro de 1905, todas as Escolas Militares foram extintas, sendo que o edifício da Praia Vermelha, palco de tantos momentos de glória, foi inteiramente abandonado. O fechamento das portas da Escola Gávea, Leblon e Ipanema no século XIX Militar do Brasil, no antigo aquartelamento da Praia Vermelha, interrompeu as atividades de formação de oficiais para o Exército que ela vinha realizando por mais de trinta anos. Este foi o epílogo de um período difícil vivido pela Escola em função da influência negativa do bacharelismo militar. A formação de oficiais Engenheiros Militares com o direito de passar a usar, ao final do curso, o titulo de Doutor junto com posto, os levava a dedicarem-se a procurar funções públicas de relevo, deixando de contribuir para o desenvolvimento tecnológico do Exército e descuidando-se da finalidade principal de sua formação, a Defesa Nacional. A seguir, os doutores dominaram o ensino na Escola Militar e, em pouco tempo, o Exército foi dividido em duas classes, a dos bacharéis titulados

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doutores, indiferentes aos problemas do Exército e ausentes da vida nas casernas, e os tarimbeiros, dedicados à vida nos quartéis. Em razão disto o Exército viveu períodos de baixa operacionalidade com reflexos diretos na execução de suas missões. O prédio, depois de restaurado para atender às necessidades de um quartel, passou a abrigar unidades combatentes da Arma de Infantaria.

A QUARTA SEDE – PORTO ALEGRE

Revolta no Rio de Janairo por causa da Vacina obrigatória contra a Varíola Newton Coutinho

Ainda em 2 de outubro de 1905, houve a criação da Escola de Guerra de Porto Alegre, o Casarão da Várzea, para onde foi transferida a maioria dos cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, que não tiveram participação na Revolta da Vacina, de 1904. Paralelamente, são criadas, também em Rio Pardo, a Escola de Aplicações de Infantaria e Cavalaria e, no Realengo, duas escolas, a Escola de Artilharia e Engenharia e a Escola de Aplicações de Artilharia e Engenharia, que passaram a funcionar juntas, sob um único comando. A Escola de Guerra tinha por missão ministrar a instrução militar fundamental, que era complementada na Escola de Aplicações de Infantaria e Cavalaria; o mesmo acontecia em relação às Escolas de Artilharia e Engenharia e de Aplicação respectivas. No ano de 1908, foi realizada uma reorganização geral no Exército, tudo pas-

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Escola de Guerra em Porto Alegre sando por sensíveis modificações, inclusive o ensino militar. A diretiva geral do ensino finalmente se voltava mais decisivamente para o profissionalismo. O governo, constatando a inconveniência da escola de formação de oficiais estar fora das observações diretas, tanto suas quanto do Comando do Exército, decidiu, em 1911, transferir a Escola de Guerra3, de Porto Alegre para o Realengo, no Rio de Janeiro. Na mesma oportunidade foi extinto o Curso de Infantaria e Cavalaria de Rio Pardo, tendo seus alunos passado a constituir o terceiro ano da escola recém-transferida. Nessa Escola foram formados os futuros Marechais Eurico Gaspar Dutra, em cuja administração como Ministro da Guerra foi construída a AMAN, José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque, o idealizador da AMAN, Mário Travassos, o instalador e primeiro comandante da AMAN, o único como coronel, e muito outros oficiais exponenciais do Exército. 3


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Com a transferência para o Rio de Janeiro, o seu prédio, o velho casarão da várzea, daria lugar ao atual Colégio Militar de Porto Alegre, fundado em 1912.

Newton Coutinho

A QUINTA SEDE – O REALENGO: ONDE ATUARAM AS MISSÕES INDÍGENA E MILITAR FRANCESA

Escola Militar no Realengo

Voltando ao Rio de Janeiro, a Escola de Guerra retornava ao ambiente da Capital Federal, porém, em um horizonte totalmente diverso daquele seu imponente cenário da Praia Vermelha: o Realengo, distante dos acontecimentos e muito longe do mar. Em 30 de abril de 1913, houve nova modificação na estrutura de ensino do Exército. A reestruturação tratava, particularmente, da Escola Militar, que sucedia à Escola de Guerra e à Escola Prática do Exército, sucessora da extinta Escola de Aplicações de Infantaria e Cavalaria de Rio Pardo, da Escola de Artilharia e Engenharia e da Escola de Aplicações de Artilharia e Engenharia, ambas sediadas no Realengo, atribuindo a ela a responsabilidade pelos respectivos cursos. Em 1918, após a vitória aliada na guerra, ficou evidente a necessidade de serem realizadas modificações no ensino em função da utilização de novos meios e métodos militares de emprego. Naturalmente, o ensino militar teria muito que aprender com os ensinamentos colhidos ao longo dos mais de quatro anos daquela campanha. Várias medidas foram adotadas para ajustar o Exército à nova realidade e, dentre elas, destaca-se a que extinguiu a Escola Prática, concentrando todo o ensino de formação de oficiais na Escola Militar do Realengo. A partir de 1920, surgem as grandes transformações, com a contratação da Missão Militar Francesa (MMF), sob a chefia do General Maurice Gamelin, para orientar a instrução no Exército. Naqueles dias, preparando-se para receber o apoio dos vitoriosos preceptores franceses, era nítida a expectativa entre os oficiais brasileiros, selecionados por concurso, para preenchimento do quadro de instrutores da Escola Militar. As exigências profissionais, impostas pela Missão Militar Francesa, e a crescente importância dada ao ensino militar, no Exército Brasileiro, levaram à Escola Militar uma plêiade de oficiais instrutores de alta qualidade profissional. Este grupo de oficiais foi cognominado de “Missão Indígena” e soube se impor pela sua capacidade profissional, despertando um enorme entusiasmo nos alunos, elevando ao mais alto grau o espírito de corpo na Escola.

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Datam desta época as suas excelentes apresentações em público, nas paradas, nas formaturas e nas competições esportivas, despertando a estima, a admiração, a confiança e o respeito da população brasileira. Este foi um período de intenso dinamismo e de atualização de práticas e conceitos doutrinários. Em 1921, o entusiasmo envolvia a vida dos integrantes da Escola Militar, a cada avanço do Exército. A criação da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e a entrada dos primeiros blindados da América Latina, na Vila Militar, eram fatos que demonstravam as evoluções que estavam sendo implantadas no Exército. Em maio de 1922, foi criado um Curso Preparatório para a Escola Militar, que passou a funcionar em um prédio anexo à Escola, tendo por finalidade preparar os alunos para o concurso para oficial do Exército. Em 5 de julho de 1922, apesar do movimento que manchou com o sangue dos revoltosos do Forte de Copacabana as areias daquela praia, a Escola Militar não paralisou, totalmente, suas atividades. No entanto, vários de seus alunos que participaram da revolta foram excluídos e os instrutores4, que também dela participaram, foram presos em um dos quartéis do Exército até 1923.

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Missão Indígena - Instrutores da Escola Militar do Realengo Estudiosos do Tenentismo asseguram ter sido a reunião dos revoltosos de 1922, em um único quartel, o principal fator de consolidação do ideário tenentista, já aplicado a partir da Revolução de 1924, chefiada pelo General Isidoro Dias Lopes. Durante esse movimento, ocorrido a partir de 5 de julho, em São Paulo, as atividades escolares não sofreram solução de continuidade, embora houvesse certa inquietação entre seus integrantes. Passado o momento de tensão, a Escola retornou às suas atividades e o ritmo foi, pouco a pouco, voltando à normalidade. A Missão Militar Francesa, embora tenha começado a atuar no Exército em 1920, só iniciou suas atividades junto à Escola Militar em 1924. Oficiais e praças voltaram ao convívio escolar, retomando as tarefas regulares e restabelecendo o clima indispensável ao estudo e à meditação sob a orientação da Missão Militar Francesa. Alguns presos foram enviados para o presídio na Ilha Grande, como os Tenentes Odylio Denys e Edmundo Macedo Soares, que de lá fugiu para a França onde realizou os cursos de Siderurgia e de Fabricação de granadas de Artilharia. De volta ao Brasil, depois da vitória da Revolução de 30, aplicou seus conhecimentos na fundação da Siderúrgica de Volta Redonda e fundação da Fábrica de Granadas de Artilharia no Andaraí. 4


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Missão Militar Francesa

De 1927 a 1929, os integrantes da Escola acompanhavam a vitória das forças governamentais contra a coluna comandada pelo Coronel Miguel Costa, da Força Pública de São Paulo. Na Revolução de 1930, a sede da Escola Militar não foi envolvida diretamente. A Escola, como organização militar, teve restrita participação5, permanecendo enquadrada na estrutura hierárquica do Exército. Com a vitória da Revolução, o Presidente Washington Luiz foi deposto, assumindo a direção do país uma Junta Governativa Provisória, composta de dois generais e um almirante, que posteriormente entregou o Governo Provisório ao chefe da Revolução, Getúlio Vargas. A seguir, foi nomeado comandante da Escola Militar o Coronel José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque, destacado chefe, que estagiara na Escola Militar de Saint-Cyr e combatera, como voluntário, na 1ª Guerra Mundial, integrando o 4º Regimento de Dragões da Cavalaria Francesa, onde foi promovido a Capitão por atos de bravura realizados na França e na Bélgica. Além disso, foi o responsável pela introdução dos blindados no Brasil, valendo-se da experiência adquirida nos campos de batalha. O novo comandante assumiu a Escola Militar decidido a estruturar uma nova formação para o oficial do Exército Brasileiro, criando uma nova mentalidade, afastando-o das principais influências decorrentes das atividades políticas desenvolvidas na Capital Federal, que punham em risco toda a atividade de ensino. Foram introduzidas inúmeras alterações que tinham por objetivo criar uma nova mística, espelhada na figura do insigne Patrono do Exército, o Duque de Caxias, incidindo diretamente sobre a figura mais importante da Escola, a sua própria razão de ser, o Cadete. Assim, dentro deste contexto, foi idealizada a construção de uma nova Escola Militar, fora da Capital Federal, que passou a ser concretizada a partir do terço final da década de 1930. A Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932, não teve influência imediata sobre as atividades da escola, porém, estando o chefe do Governo Provisório visitando a tropa governista em seu Quartel General, localizado em Resende, comprometeu-se a apoiar a construção da nova Academia naquela cidade. As consequências daquela revolução motivaram a organização de uma nova programação de ensino, realizada com o apoio da Missão Militar Francesa. O ano de 1934 trouxe novas modificações ao ensino militar e o curso da Escola Militar foi ampliado para utilizar um programa de ensino mais amplo, com mais conhecimentos de interesse do futuro oficial. Em 12 de junho de 1935, foi implantada uma nova modificação no ensino militar e os cursos voltaram a ter a duração reduzida, confirmando o fato, por muitos propalado, de que a ampliação dos cursos era um exagero.

Tomaram parte neste episódio seus ex-alunos e professores desligados ou punidos severamente por suas participações nas revoluções tenentistas de 1922 e 1924, tendo papel destacado na vitória da Revolução. 5

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A INTEGRAÇÃO ENTRE CIVIS E MILITARES – HENRIQUE LAGE – O CADETE Nº 1

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A tradição foi confirmada na Escola Militar, em Realengo, porém, teve início na Escola Militar da Praia Vermelha, quando Antônio Marins Lage Filho, fundador da Companhia de Navegação Costeira, em 1891, tomou conhecimento que os cadetes, oriundos dos mais longínquos rincões do país, não tinham recursos para, no período de férias, visitarem suas famílias. Em vista disso, o armador decidiu que sua companhia de navegação passaria a fornecer aos cadetes passagens, de ida e volta, do Rio de Janeiro para qualquer ponto do país em que aportassem seus navios. Seu filho e sucessor, Henrique Lage, intensificou e ampliou esta atividade, passando a ter um relacionamento mais intenso com a Escola Militar, já localizada em Realengo, comparecendo a solenidades lá realizadas e concedendo prêmios aos cadetes melhores classificados em cada um dos cursos. O relacionamento de Henrique Lage com os cadetes foi estreitado ao longo do comando do General José Pessôa, de quem se tornou um amigo fraterno, amizade que perdurou por toda a vida. Foi, também, de grande importância seu apoio para a realização de competições esportivas entre as escolas militares. Foi instituída a “Taça Henrique Lage”, disputada, inicialmente, entre a Escola Militar e a Escola Naval. Em 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica, a sua nova escola passou, também, a participar das competições. A grande amizade entre o armador e o general, o levou a se engajar no projeto de construção da nova escola militar sonhada pelo General José Pessôa. Foi dele uma grande parcela de ajuda material para a construção por meio da doação do mármore utilizado no revestimento de grande parte do Conjunto Principal, da fundição dos portões da Academia nas oficinas dos estaleiros da companhia, na Ilha do Viana, no Rio de Janeiro, e da doação de toda a prataria para o refeitório dos cadetes. Quando de seu falecimento, em 1941, foi alvo de significativas homenagens da Escola Militar e de seus cadetes. Seu ataúde foi coberto pelo Estandarte do Corpo de Cadetes que lhe havia sido ofertado pelo Gen José Pessôa em solenidade realizada na Escola Militar, como reconhecimento a tudo que este grande brasileiro fazia pelos seus cadetes. Dedicara aos cadetes o carinho que dedicaria aos filhos que não tivera. Em 1942, no primeiro aniversário do falecimento do “Cadete nº 1”, o Gen José Pessôa, em emocionante discurso, enalteceu o seu extraordinário apoio aos cadetes, à Escola Militar e à nova Academia que estava nascendo. O Cadete Jarbas Passarinho, agradeceu, em eloquente pronunciamento, pelo apoio prestado aos cadetes ao longo de toda a sua vida. Pelo Boletim Escolar Nº 59, de 13 de março de 1943, o comandante da Escola Militar, Coronel Mário Travassos, decidiu conceder ao Sr. Henrique Lage, o título de CADETE Nº 1.

Entrega da Ordem do Mérito Militar a Henrique Lage em 25 de agosto de 1938


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I – CADETE Nº 1 O comandante da Escola Militar deliberou, como homenagem excepcional ao grande patriota Henrique Lage, conceder em sua memória o título CADETE Nº 1, deixando de distribuir este número aos cadetes da Escola. Passando amanhã, 14 de março, data natalícia do insigne brasileiro, o maior amigo da Escola Militar, este Comando, baixa as seguintes instruções sob o título acima: a) O CADETE Nº 1, pertencerá sempre ao estado efetivo da Escola Militar e do Corpo de Cadetes e figurará nas relações gerais de uso interno; b) Anualmente, o CADETE Nº 1 será incluído na subunidade a que pertence o Cadete Porta-Estandarte da Escola e figurará como efetivo dessa subunidade; c) Em todas as chamadas das “Revistas do Recolher” o sargento de dia à subunidade da letra b), chamará o CADETE Nº 1, cabendo ao Cadete Porta-Estandarte responder: Henrique Lage; d) Quando o Cadete Porta-Estandarte deixar de figurar na “Revista do Recolher”, caberá ao cabo de dia responder à chamada do CADETE Nº 1. II – INCLUSÃO DO CADETE Nº 1 EM SUBUNIDADE Em consequência do item anterior, é nesta data incluído na Bateria de Artilharia desta Escola, o CADETE Nº 1 – HENRIQUE LAGE, o qual passará a figurar nos pernoites dessa subunidade a partir de 15 do corrente.

O EPISÓDIO DE NOVEMBRO DE 1935

Em novembro de 1935, a Escola Militar viveu o revoltante e sangrento episódio da Intentona Comunista. A exemplo do que ocorreu em todas as organizações militares espalhadas pelo Brasil, o fato deixou marcas profundas no âmago da alma nacional. No Rio de Janeiro, as proporções do movimento foram mais amplas e cruéis, tendo sido deflagrado, simultaneamente, no 3º Regimento de Infantaria, aquartelamento onde havia funcionado a antiga Escola Militar do Brasil, na Praia Vermelha; no 2º Regimento de Infantaria e no Batalhão de Comunicações, na Vila Militar; e na Escola de Aviação, no Campo dos Afonsos. O ambiente escolar na sede do Realengo foi totalmente tomado pelo pesar, em razão do ocorrido na Escola de Aviação. O episódio mais dramático do levante comunista foi a tentativa de conquistar o Regimento de Aviação da Escola, à época integrante do Exército, tendo em vista que a Força Aérea só seria criada em 1941, visando a obter aeronaves para bombardear a cidade do Rio de Janeiro. As unidades da Vila Militar conseguiram instalar peças de artilharia para bombardear a pista e evitar que os aviões decolassem. O assalto final foi realizado com um ataque de Infantaria, com apoio da Artilharia, que retomou as instalações revoltadas. Debelada a ação marxista-leninista pelas forças governamentais, o histórico prédio, que fora a sede da Escola Militar do Brasil até 1904, foi demolido, passando da sua existência concreta para o simbolismo de seu passado, como se no local se pudesse imaginar a existência de um permanente monumento, consagrado à insânia daquele momento de alucinação, na memória e no coração da Força Terrestre e da sociedade brasileira. Muitos dos antigos oficiais que lá haviam se formado, ainda no Império e nos albores da República, viveram aqueles momentos com um profundo sentimento de perda. O afastamento da Escola Militar do Brasil daquele histórico prédio, em 1904, simbolizara o definitivo afastamento daquela edificação das atividades de ensino militar. O ato da demolição, naquele momento, era como se uma parte saudosa de suas vidas estivesse sendo definitivamente restrita aos livros de memórias.

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O ALVORECER DA ESCOLA MILITAR EM RESENDE

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Desde o ano de 1937 ficara evidente a possibilidade de desencadeamento de uma guerra na Europa, tornando-se viável a sua extensão a outros continentes e com provável participação do Brasil. Assim, naquele mesmo ano foi retomada a ideia de construção de uma nova Escola Militar, em Resende, projeto do General José Pessôa, quando comandante da Escola, levando em conta que as atuais instalações e aparelhamento, existentes no Realengo, não atendiam mais as necessidades de um ensino militar mais amplo, com terreno para a realização dos exercícios requeridos e condições para aumento dos efetivos do Corpo de Cadetes. No ano seguinte, foi lançada a pedra fundamental6 e iniciada a construção da nova Escola, em Resende, como fora previsto no projeto idealizado em 1931. O projeto sofreu pequenas alterações decorrentes da transferência do local onde seria executado, em terreno mais elevado, em área de propriedade municipal, para o atual em área mais baixa, porém de propriedade do Governo Federal. A Segunda Guerra Mundial teve início na primavera de 1939, e, já ao longo do primeiro ano, mostrava uma grande evolução nas novas armas e engenhos bélicos, alterando o ritmo e proporção do emprego de forças nas batalhas. Muitas eram as novidades no campo da tática e da estratégia militares. Com o início dela, também, se encerrou no Brasil a atuação da Missão Militar Francesa que tantos benefícios trouxera para o ensino militar e para o Exército Brasileiro. Embora sem influência dos fatos que estavam acontecendo na Europa, em 1940, um novo regulamento modificou o ensino e o curso da Escola Militar voltou a ter a duração aumentada. A proposta tinha por objetivo realizar um curso com um currículo novo, ampliado, com mais tempo para uma aprendizagem segura, bem sedimentada e consistente. Em 1942, entra em cena um novo regulamento que mais uma vez reduz a duração dos cursos da Escola Militar. Este regulamento se tornaria singular pelo fato de ter sido o último a ser aplicado na Escola Militar do Realengo. Por meio de um Decreto, publicado em 1943, ficou definido que as atividades no Realengo seriam encerradas em 31 de dezembro de 1944 e que a Escola Militar de Rezende (grafia da época) passaria a funcionar a partir de 1º de janeiro deste mesmo ano.

Obras de construção da AMAN - Projeto Em 29 de junho de 1939, em data coincidente com o aniversário de morte do Marechal Floriano Peixoto, em 1895, foi lançada a pedra fundamental da atual AMAN, em área da localidade de Floriano, na divisa entre Barra Mansa e Resende, pelo presidente Getúlio Vargas, estando presente o seu idealizador, o General José Pessôa. 6


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A SEXTA E ATUAL SEDE EM RESENDE

O ano de 1944 foi, ao mesmo tempo, o primeiro da Escola Militar em Resende e o seu último no Realengo. Após quase quatro décadas, o distante e modesto subúrbio carioca deixaria de fazer parte do cenário diuturno do cadete. Ao longo desse período a Escola foi se modificando, impulsionada pelas transformações por que foi passando o Exército, e adquiriu uma estrutura adequada à finalidade a qual se propunha. A era do Realengo chegara ao fim. A Escola Militar prosseguiria em sua nobre e importante missão em uma nova sede.

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Obras de construção da AMAN - Maquete

As novas instalações caracterizavam a obra construída, especificamente, para sediar o importante estabelecimento de ensino militar. A nova Escola foi localizada no sopé do Pico das Agulhas Negras, entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, os dois principais polos econômicos e culturais do país, ficando suficientemente afastada dos principais acontecimentos socioeconômicos e políticos a que estava sujeita, quando localizada no Rio de Janeiro. Ocupava, aproximadamente, 67 km² com suas instalações e o campo de instrução, possuindo uma área construída de 703.000 m². Ela se assemelhava a uma pequena cidade, com todos os espaços necessários à vida acadêmica, contando com ambientes específicos para seus objetivos como salas para atividades de ensino em pequenos e grandes grupos, gabinetes de chefias dos organismos internos de ensino, salas de reuniões e outras próprias para projeções, auditório para conferências e palestras, biblioteca, dependências adequadas para a administração, alojamentos para os cadetes, refeitórios para cadetes, oficiais e praças, um conjunto poliesportivo com campos de futebol, quadras, ginásio, conjunto de piscinas, tudo voltado para o treinamento físico e outras instalações que complementavam as necessidades do ensino. Possuía, ainda, instalações específicas para as atividades militares, os parques dos cursos de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Intendência, recém-criado. Contava também, com uma Seção de Equitação, dotada de todos os meios necessários ao apoio desta atividade, picadeiros, pistas e campo de polo. Um moderno hospital prestava todo o apoio de saúde necessário. A segurança e


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o apoio à atividade de ensino passaram a ser executados pelo Batalhão de Comando e Serviços, instalado junto à região dos parques de instrução. Possuía, ainda, três bairros residenciais, denominados Independência, Guararapes e Monte Castelo, com moradias para oficiais, praças e servidores civis. Foi dotada de uma Prefeitura Militar, responsável pela prestação de serviços gerais de limpeza, captação, tratamento e distribuição de água, coleta de lixo e tratamento de dejetos. Seus jardins foram minuciosamente preparados para criar um ambiente adequado à situação de internato que a Escola passou a viver, em função das dificuldades de deslocamento para cidades mais distantes como o Rio de Janeiro. Seus bosques e matas foram preservados, recebendo tratamento, podas e replantio de novas mudas, como o Pau-Brasil. A Estação de Tratamento de Efluentes, a primeira da região Sul Fluminense, construída na época da criação da Escola, evita a poluição do Rio Alambari, que a corta em toda a sua extensão e que atesta, desde a sua construção, o cuidado com a preservação do meio ambiente. Algum tempo depois de instalada em Resende a Escola Militar pode contar com o apoio de uma agência dos correios, que veio a facilitar o trânsito da correspondência de todos os seus integrantes. No dia 11 de março de 1944, foi realizada a cerimônia de entrega das chaves da Escola Militar, no Portão Monumental. Naquela oportunidade, o General Luiz de Sá

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Affonseca, chefe da comissão encarregada da construção da Escola, entregou ao Cel Mário Travassos, seu primeiro comandante em Resende, as chaves dos portões que foram pela primeira vez abertos para passagem dos cadetes. O Comandante naquela oportunidade realizou a leitura da seguinte Ordem do Dia:

Vista frontal da Escola Militar de Rezende


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A Escola Militar de Rezende após a inauguração

“Cadetes! Acabais de chegar diante do marco fundamental de uma nova era para o Exército – as novas instalações da Escola Militar. Aqui existe o quanto há de mais moderno para a saúde do corpo e do espírito. Nada falta para o completo beneficiamento do Cadete como matéria-prima da Escola e para que o Aspirante, como produto acabado, saia perfeito. Até mesmo nós, os mais velhos – os vossos Chefes, Professores e Instrutores – estamos sentindo os mágicos efeitos da nova maquinaria com que teremos de manipular as vossas energias físicas, morais e intelectuais. É o divino fenômeno do eterno renascimento das coisas que se manifesta. Somos os primeiros dessa nova jornada. A Escola Militar de Rezende será o que dela fizerem as vibrações de nossa alma, de nossa fé na grandeza do Exército e na defesa da Pátria. Dentre os primeiros sois vós – os cadetes que primeiro transpõem os umbrais da nova Escola Militar – justo os que, ao lado dessa gloriosa destinação, já agora histórica , suportarão todo o peso dessa soberba massa arquitetônica que os espera como ao seu primeiro halo de vida! O destino tem caprichos, em verdade insondáveis. Esquecei os vossos dissabores, renascei de vós mesmos como as claridades de um novo dia nascem das trevas aparentes da noite! General Affonseca! A chave com que simbolicamente acabais de entregar-me a obra monumental a que vindes dedicando, com os vossos auxiliares, as máximas energias de vossas brilhantes capacidades, não abre apenas materialmente este palácio encantado às novas gerações de oficiais, senão em verdade, à nova era do Exército Nacional que os propósitos do Excelentíssimo Senhor Presidente Getúlio Vargas e seu Ministro da Guerra, Senhor General Eurico Gaspar Dutra, tiveram em vista com a realização da nova Escola Militar, o grande sonho que o General José Pessôa há mais de dois lustros sonhou! Cadetes! Entrai na nova Escola Militar. Dela só deveis sair com HONR A, como o exigem as velhas tradições do Realengo. Que as Agulhas Negras, esse marco geográfico inconfundível, já estampado no Brasão D’Armas da Escola Militar, vos inspirem no cumprimento do vosso papel de pioneiros”.

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No dia 20 de março de 1944, realizou-se, pela primeira vez, a cerimônia de passagem dos alunos pelo Portão de Entrada dos Novos Cadetes, que foi aberto pelo Cadete Mário Inácio da Silveira, o mais jovem da turma, e teve início o ano letivo. Naquela oportunidade, encontravam-se na nova Escola Militar de Rezende apenas os 596 cadetes do 1º ano, tendo em vista que os dos 2º e 3º anos permaneceram, aquele ano, no Realengo. Nessa solenidade, o Comandante, Coronel Mário Travassos, com voz vibrante e entusiástica, lê a sua Ordem do Dia:

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“Cadetes! Acabais de transpor o portão simbólico dos novos cadetes por onde centenas de outras gerações entrarão para travar a nobre batalha pela conquista do oficialato. E é sob o signo dos toques de alvorada da velha ordenança, talvez tão velha como a própria Escola Militar, que ides iniciar a sagrada peleja. Certamente que não vos escapa, de vez que estais hígidos de corpo e eufóricos de alma, a significação de ambos estes simbolismos. Aqui entrastes, cada um de per si, numa deliberada atitude da própria personalidade, a partir do que respondereis, individualmente, pelos próprios atos. Coletivamente sois como os primeiros raios de luz de um novo dia, que a história registrará na vida secularmente gloriosa da Escola Militar. Vossa divinatória percepção de jovens, sem dúvida, que já vos assinalou todo o misto de sonho e realidade que é a nova Escola Militar. As mais das vezes não sabereis bem se estais num claustro, num quartel ou numa academia. E é justamente esse tríplice aspecto das novas instalações da Escola Militar que há de moldar os vossos hábitos mentais e materiais que aos poucos se imprimirão em vossas personalidades. Aqui, nunca tereis a vista limitada, sempre tereis por onde alongar a vista, desde os altos píncaros da Agulhas Negras até as quebradas da Serra da Bocaina. E, aos vossos pés, correrá sempre o velho Paraíba, como um símbolo da força concentrada. Essa é a magnífica moldura em que se enquadrará vosso perfil de futuros chefes do Exército Nacional. Nesse mesmo ambiente estamos vivendo nós, vossos chefes, professores e instrutores. Também, sobre nós se exercem as forças místicas que vos cercam e, mais que nunca, partilharemos de vossos estados de alma. Quando tiverdes a idade dos mais velhos de nós compreendereis o quanto foi sincero o vosso comandante, ao vos transmitir as suas primeiras idéias sobre a nova Escola Militar, que hoje temos a honra de integrar. Como vereis, renasceremos das nossas próprias cinzas de nosso preconceito, nos empenharemos ombro a ombro convosco na grande conquista de vossos sonhos. Somente aqueles de vós que se tornarem insensíveis aos espontâneos chamamentos do ambiente e aos nossos esforços reeducacionais, fracassarão em definitivo, porque para eles não há lugar aqui. Sirva esta ordem do dia de um pacto de honra, agora solenemente jurado na mais comovedora das reciprocidades, qual a que deve soldar chefes e subordinados. Em nenhum instante deveis esquecê-lo, tal como os vossos chefes, professores e instrutores não o esquecerão. Ao trabalho, cadetes! Ao se apreciar estes documentos que marcam o início das atividades da Escola Militar de Rezende, pode-se verificar a emoção de todos aqueles que vivenciaram esse momento único da vida da nossa Academia. Neste mesmo ano de 1944, foi extinta a Escola de Intendência que funcionava na região de Benfica, no Rio de Janeiro e criado o curso de Intendência, a ser realizado na Escola Militar, juntamente com os demais cursos de formação de oficiais de carreira da linha de ensino bélico do Exército.


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PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA 2ª GUERRA MUNDIAL

No mesmo ano em que a Escola Militar instalou-se em Resende, em 2 de julho, partiu do Rio de Janeiro a Força Expedicionária Brasileira para lutar contra o nazi-fascismo nos campos de batalha da Itália, comandada pelo General João Batista Mascarenhas de Moraes. A maioria dos oficiais que a integravam havia sido formada na Escola Militar do Realengo. A destemida atuação destes oficiais, comandando os diversos elementos de manobra da FEB, nas brilhantes vitórias de Camaiore, Monte Prano e Barga, no Vale do Sercchio; Monte Castelo, La Serra e Castelnuovo, no Vale do Rio Reno; Montese e Zoca, no Vale do Rio Panaro e Collechio e Fornovo na Planície do Rio Pó, os elevaram ao nível dos nossos mais destacados antepassados que atuaram nos embates sul americanos. O relacionamento efetivado entre o comando da FEB e importantes chefes militares de nações aliadas valorizou os oficiais brasileiros elevando, ao plano internacional, o prestígio da Escola que os formava. Este fato aproximou-a do Corpo Diplomático, o que contribuiu para a difusão da importância da Escola, motivando visitantes ilustres a conhecê-la, já em sua nova sede. Além desses heróis da 2ª Guerra Mundial, cujas visitas afirmavam o elevado valor militar da maior força combatente brasileira em operação ultramarina, a Escola recebeu, ainda, chefes de governo, representantes diplomáticos e altas autoridades militares de nações amigas, além de personalidades da vida nacional. Em 23 de abril de 1951, a Escola Militar de Rezende teve seu nome mudado para Academia Militar das Agulhas Negras, tornando realidade a intenção do Marechal José Pessôa, quando a idealizou, de assim denominá-la. A respeito desse importante momento assim se pronunciou o General Moacir Lopes de Resende, antigo professor de História Militar, em seu livro intitulado “História da Academia Militar das Agulhas Negras”: “Por que a nova denominação? Porque Academia Militar diz melhor do alto nível de ensino ministrado nos diversos cursos que nela funcionam. O complemento – Agulhas Negras – ao mesmo tempo em que dá expressão geográfica ao nome escolhido, borda-lhe com as pompas e a imponência de uma imagem admirável, inspirada em um maciço de rochas sienítica-nefelítica que se destaca das montanhas vizinhas por sua altura e por sua forma, dominando completamente vasta e rica região. Por isso Agulhas Negras, no simbolismo que traz para o nome da Academia, representa saber, força, autoridade e tenacidade. Se tanto não bastasse, a palavra Academia encontra, ainda, um vínculo poderoso na tradição militar brasileira, pois assim se denominou a escola de formação de oficiais, desde 1811 até 1839, ou seja, na Colônia, no Primeiro Reinado e na Regência. Cadetes! Grande e valioso foi o patrimônio recebido pela Academia Militar das Agulhas Negras, mas,

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não olvideis, no entanto, que o prestígio de que desfrutamos entre os nossos concidadãos resulta do esforço e da dedicação das gerações que passaram pelos bancos de suas predecessoras. Foram elas que elevaram e consolidaram o nome do Exército e da antiga Escola Militar. Foram elas que lograram assegurar a evolução do mercenarismo de outrora para o estado atual de nossa instituição armada. Cuidaram da mente e do corpo de nossos antepassados; acompanharam os progressos da ciência e promoveram a evolução dos conhecimentos militares, com o propósito inflexível de que esta Instituição devesse ser, permanentemente, o tabernáculo da arte da guerra e da cultura geral indispensável ao oficialato. Mas, injustos seríamos se não recordássemos os esplêndidos exemplos morais que eles nos legaram, fruto do culto extremado do dever, posto invariavelmente em prática com os olhos fitos na grandeza da Pátria. Tal missão, a que se dedicaram mestres e discípulos do passado, foi cumprida, por vezes, em meio às maiores dificuldades, sendo mister remover óbices de toda natureza. Seja na antiga Escola Central, na Praia Vermelha, em Porto Alegre, em Rio Pardo ou no Realengo, em todos os climas e em todas as situações, eles traçaram um passado pleno de realizações, de trabalho, de esforços repontados de sadias demonstrações de disciplina, de obediência e de devotamento. Justo é pois, que prestemos reconhecida homenagem a esses valorosos precursores de nossas Forças Armadas, que souberam, em todos os lugares e situações, elevar bem alto o nome e a dignidade da velha Escola Militar. Inclinemo-nos com especial reverência diante daqueles que já não mais existem, cujas vidas foram dedicadas integralmente a tão nobre ideal. Cadetes! A Academia Militar de hoje é a mesma Escola Militar de todos os tempos. Ela condensa, em seu labor diário e honesto, toda a gama de trabalho, justiça, glória e amor à Pátria que reuniu e fortaleceu os que por ela passaram nestes 140 anos decorridos. Para manter o brilho do patrimônio recebido, ela escuda o seu porvir nos nossos valores morais, sempre vigilantes e prontos a serem exercitados com não menos maestria, pelo vosso irrestrito entusiasmo profissional, pela fé inquebrantável nos destinos da Pátria, pelo espírito ilimitado de dedicação ao serviço, pelo amor às responsabilidades, pela inflexível determinação no cumprimento das missões recebidas.

A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA

Após 2ª Guerra Mundial, em razão da atuação da FEB junto ao Exército Americano, emergiu a influência da doutrina militar norte-americana. O regresso da Força Expedicionária Brasileira da Europa proporcionou a difusão dos ensinamentos colhidos na campanha e, esses conhecimentos, constituíram o núcleo da reformulação doutrinária do Exército Brasileiro, sob influência da doutrina norte-americana. A influência exerceu-se, de forma intensa, até meados da década de 1960, sem, entretanto, se revestir do caráter dogmático que lhe é atribuído. A constante evolução de suas forças, com base nos meios militares cada vez mais modernos, sofisticados e dispendiosos, tornava inviável a integral adoção de sua doutrina militar. Em 3 de janeiro de 1953, por meio de uma portaria, foi criado o Curso Inicial

A FEB na Itália


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de Formação de Oficiais Técnicos, visando à preparação dos futuros alunos da Escola Técnica do Exército, onde eram formados os engenheiros militares. Uma nova portaria, datada de 14 de fevereiro de 1958, aprova um novo regulamento para a AMAN, com proposta de entrada em vigor em 1960. Este novo regulamento prevê a existência de novos cursos, o Básico, o de Comunicações, o de Técnica Industrial, o de Geodésia e o de Topografia. No ano de 1959, por meio de uma nova portaria, aditada em 20 de fevereiro, foram extintos os cursos de Técnica Industrial, Geodésia e Topografia, antes dos mesmos terem iniciado suas atividades, e foi criado o curso de Material Bélico. Pela portaria de 27 de janeiro de 1964, é aprovado um novo regulamento para a AMAN e a duração dos cursos é novamente aumentada para quatro anos.

A PARTICIPAÇÃO DA AMAN EM 1964

Cadetes retornando à AMAN após cumprimento de missão na Rodovia Presidente Dutra em 1964

O início do ano de 1964, na Academia Militar, seria marcado para sempre pelos fatos políticos que estavam ocorrendo, particularmente, na Capital Federal e no Rio de Janeiro. Deflagrado o movimento cívico-militar de 31 de março, as tropas que se deslocavam de Minas Gerais e São Paulo para encontrar as do Rio de Janeiro, previam que o possível confronto se daria no Vale do Paraíba. A Academia Militar, sediada em Resende, encontrava-se no centro destes acontecimentos. Na situação de confronto iminente, a AMAN, comandada pelo Gen Bda Emílio Garrastazu Médici, aderiu ao movimento e, na manhã do dia 1º de abril, deslocou tropas do Corpo de Cadetes para ocupar pontos críticos da Rodovia Presidente Dutra. A atuação de seus integrantes, em particular a do Corpo de Cadetes, teve um papel fundamental no desfecho da grave crise político-militar, escrevendo na história do país uma página de glória para a AMAN.

A ADOÇÃO DA DOUTRINA AUTÓCTONE

Em meados da década de 1970, com o final do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, ficou evidente a necessidade da adoção de uma doutrina autóctone. Aquela decisão impunha a utilização, a partir de então, de meios militares produzidos no país, com tecnologia nacional e, sobretudo, a utilização de métodos de emprego adequados às áreas do território nacional onde as forças seriam empregadas. Assim, o Exército Brasileiro, com criatividade e persistência, passou a buscar a sua própria evolução doutrinária, tomando por base os ensinamentos adquiridos ao longo do período em que esteve sob influência da doutrina francesa e, posteriormente, da doutrina norte-americana, para desenvolver e regulamentar progressivamente a sua própria doutrina de emprego, adequada às peculiaridades do seu território, do seu material de emprego militar e de sua herança histórica. Tal herança era um verdadeiro patrimônio histórico cultural militar acumulado durante a consolidação e preservação de um Brasil de dimensões continentais, em

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cerca de cinco séculos de lutas, da expulsão dos holandeses às duras vitórias contra movimentos no norte e no sul do país. No ano de 1976, por meio de uma portaria datada de 2 de agosto, mais uma modificação foi implementada nos cursos da AMAN. O curso Básico foi reduzido a um ano apenas e os cursos da Armas, Serviço de Intendência e Quadro de Material Bélico passaram a ser realizados em três anos. Durante o ano de 1987, a AMAN realizou uma revisão em todo o seu currículo e nessa oportunidade foi criado o curso Avançado, com a duração de um ano. A implantação do novo curso ocorreu em 1989 e, a partir de então, o curso Básico voltou Batalha de Guararapes (óleo Vitor Meirelles) à sua antiga duração, um ano, e os cursos das Armas, Serviço e Quadro passaram a ser realizados em dois anos.

MELHORAMENTOS E AMPLIAÇÃO

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Nos sessenta e sete anos de existência, a sexta sede recebeu, em diversas oportunidades, melhoramentos estruturais, internos e externos, para adequar-se à evolução do ensino. Novas salas de aula, restaurações de ambientes, gabinetes para divisões e seções de ensino, instalações administrativas conformadas às características de cada época, às necessidades para o atendimento de sua missão e aos meios atualizados que facilitavam a consolidação do ensino e da aprendizagem. Em 1988, impulsionada pela projeção do Exército para o século XXI, a AMAN sofreu mudança organizacional, e suas instalações foram ampliadas, conservando, entretanto, suas linhas arquitetônicas originais. Foram construídas novas alas para alojamentos, um refeitório idêntico ao original, um teatro com capacidade para 2850 pessoas, parques de instrução para os cursos Básico e Avançado e para a Seção de Instrução Especial, uma nova biblioteca, um novo Pátio de Formaturas, instalações para as atividades administrativas e de apoio ao ensino, e um moderno Polígono de Tiro dotado de meios necessários ao apoio dessa importante atividade de ensino. Mais recentemente, durante o período da implantação da modernização do ensino, a Academia complementou sua atual conformação com a criação de ambientes para os clubes de idiomas e remodelação de outros para o lazer de oficiais e graduados da Escola. No que se refere à segurança, no mesmo período, a Escola implantou um sistema de vigilância eletrônica com a utilização de câmeras de captação de imagens dinâmicas.

A AMAN após a ampliação realizada em 1988


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RELACIONAMENTO COM OUTROS SEGMENTOS DAS SOCIEDADES NACIONAL E INTERNACIONAL

Congresso Acadêmico de Defesa Nacional

Cadetes na França

Em suas sedes, os seus cadetes acostumaram-se a receber renomados conferencistas e palestrantes, prática que se ampliou, gradativamente, até a atualidade, proporcionando conhecimentos indispensáveis à compreensão dos fenômenos que influem sobre as atividades militares. No âmbito nacional, muitas foram as oportunidades de relacionamento com segmentos civis da sociedade, por meio das atividades culturais desenvolvidas em todas as suas sedes. Atualmente, é realizado o Congresso Acadêmico de Defesa Nacional, um encontro nacional anual de universidades, contando com a presença de autoridades de nível nacional, estadual e municipal, tendo por finalidade possibilitar a participação da Academia e do Exército em um fórum de discussão no meio acadêmico, que seja capaz de colaborar para o enriquecimento cultural dos cadetes e para o fortalecimento do intercâmbio entre a AMAN, outros estabelecimentos de ensino militares e as universidades participantes. No âmbito internacional, o intercâmbio com outras nações tem contribuído para elevar o prestígio e a auto estima nacionais, desde os primeiros dias de atividades na sua primeira sede. Na atualidade, a Academia recebe comitivas de várias nações amigas, que a visitam com o vivo interesse de apreciar a qualidade do ensino que nela é realizado. Este relacionamento se estende à formação de inúmeros oficiais para os exércitos de nações amigas, particularmente de Angola, Bolívia, Cabo Verde, Equador, Guatemala, Guiné-Bissau, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname e Venezuela. As atividades de relacionamento da Escola com os ambientes nacional e internacional não se limitaram às de docência e discência. Grande número de seus ex-alunos e ex-instrutores participaram do esforço aliado contra o expansionismo nazi-fascista na 2ª Guerra Mundial. Outros, a partir da década de 50, participaram de ações para a manutenção da paz, em missões coordenadas pela Organização das Nações Unidas e, na década de 60, pela Organização dos Estados Americanos. Além desses oficiais ex-alunos, ressaltam-se os que, na qualidade de adidos militares, instrutores e alunos de estabelecimentos de ensino de nações amigas, nestes cem anos de profícuos relacionamentos profissionais, consolidaram as condições de fraterna convivência continental e mundial.

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OS SÍMBOLOS DA ACADEMIA

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O Portão Monumental Quem chega ao portão de entrada da Academia Militar das Agulhas Negras se impressiona pela grandiosidade das duas torres que delimitam a sua entrada principal. Esta entrada é denominada de Portão Monumental. É um verdadeiro monumento que faz parte da mística que envolve a formação do oficial. Nele se encontram dois pequenos portões, de grande significado na vida acadêmica, que são abertos uma única vez no ano. O de Leste é o Portão de Entrada dos Novos Cadetes e é transposto, pelos cadetes do primeiro ano, no dia do início do curso. A cerimônia é de grande significado, pois representa, em seu simbolismo, o primeiro passo na conquista de um ideal, o limiar de uma carreira dos jovens brasileiros que se destinam ao oficialato do Exército. O de Oeste é o Portão dos Novos Aspirantes e é transposto, pelos novos aspirantes-a-oficial, no último dia do curso. Após a cerimônia de declaração, onde os novos aspirantes recebem a espada de oficial, o portão é por eles transposto, simbolizando o término da formação intelectual, física e moral para o exercício de suas novas funções. É uma solenidade de grande significado para os jovens que veem seus esforços coroados de êxito e que iniciam, verdadeiramente, a profissão militar, investidos das responsabilidades que lhes competirão ao longo de toda a carreira.

Entrada dos novos cadetes (Foto Airton Soares)

AS ESTRELAS DO OFICIAL

Todos os que ultrapassam o Portão Monumental da AMAN se deparam com a imagem do seu prédio principal, encimado pela porção norte do Maciço das Agulhas Negras fechando o horizonte. Ultrapassado o Campo de Marte, que ladeia a via que conduz àquele conjunto, adentra-se aos jardins da Academia. As palmeiras imperiais e as roseiras ornamentam a via em ambos os lados; exemplares de material militar, de períodos mais remotos, constituem um verdadeiro museu a céu aberto. À frente do prédio vislumbra-se a praça Gen Affonseca, a seguir descrita em toda sua amplitude. No lado esquerdo, um lago, com chafariz, rodeado de roseiras, ornamenta a praça Gen Affonseca onde, diariamente, é hasteada a bandeira do Brasil. No lado direito, encontra-se um monumento em homenagem ao Aspirante Mega, herói brasileiro, morto em combate nos campos de batalha da Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Ao centro, um grande jardim, em forma de uma estrela de oficial, que

Estrela do oficial representada nos jardins da Praça Gen Affonseca (Foto Airton Soares)


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representa o grande objetivo a ser atingido por todos os jovens que adentram o Portão de Entrada dos Novos Cadetes para se tornarem oficiais do Exército Brasileiro. Quando da ampliação da Academia, uma nova estrela foi construída no talude da elevação contígua ao pátio Marechal Mascarenhas de Moraes. Esta estrela é observada em todas as formaturas e, de modo figurado, paira sobre os cadetes em todos os momentos em que eles estão nesse pátio. Durante os quatro anos de curso, diariamente, ao entrar e ao sair da AMAN ou nas formaturas realizadas no novo pátio, o cadete depara-se com este símbolo a estimulá-lo para que atinja seu objetivo.

OS VITRAIS DA AMAN

Vitrais do Saguão Barão do Rio Branco (Foto Airton Soares)

Quem chega à Academia, em dias de visitação ou de solenidade, é recebido em um saguão que tem o nome de Dom João VI, criador da Academia Real Militar. Ao adentrar o prédio principal da Escola, depara-se com o Saguão Barão do Rio Branco. Neste saguão histórico, na parede voltada para o pátio interno, há um conjunto de vitrais em que a luz externa faz gerar, na transparência das cores de seus segmentos em mosaico, uma bela imagem. Os vitrais fazem alusão à mitologia greco-romana. O primeiro deles refere-se a Prometeu – o Titã, no episódio em que é punido por Júpiter por ter furtado seu fogo. Mostra Prometeu acorrentado ao Cáucaso onde uma águia haveria de lhe comer o fígado. Posteriormente ele foi liberado deste castigo. Representa o reconhecimento da autoridade que emana do chefe dentro da hierarquia militar. O segundo mostra Vulcano, deus do fogo e dos metais, forjando refulgente bigorna junto aos seus companheiros de trabalho. Representa a valorização do trabalho árduo, componente básico da vida do profissional militar. A próxima obra destaca Minerva, deusa da sabedoria, das ciências, das artes e da guerra, saída da cabeça de Júpiter e, também, soltando o grito da Vitória, com o qual guia sabiamente os Exércitos ao sucesso nas batalhas. Representa a importância do comandante enérgico e inteligente, justo e preparado para conduzir suas tropas à vitória. O último vitral apresenta Marte com sua espada e a lança que o acompanham nos combates vitoriosos. Seguem-lhe Ênio, a destruidora das cidades, e Éris, a sanguinolenta discórdia, ambas representando a confusão, a destruição e a discórdia criadas pela Guerra. Representa a vontade de vencer e a disposição que deve possuir o militar para superar todas as dificuldades da guerra. Prosseguindo para atingir os andares superiores, pelas escadarias revestidas de mármore, encontramos no patamar entre o 1º e o 2º pisos, mais dois vitrais. O primeiro mostra Apolo em seu carro de luz resplandecente, esclarecendo aqueles que se dedicam às letras, às ciências e às artes, componentes importantes da preservação da espécie hu-

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mana. Representa a necessidade da profissão militar se voltar para o estudo destas áreas, na medida em que elas dão a sensibilidade humana necessária ao profissional das armas. O próximo vitral apresenta Plutão, o deus das sombras e conhecedor dos mistérios das profundezas da terra, onde vivia com seu cão Cérbero de três cabeças, entregando aos homens os minerais úteis ao desenvolvimento da vida. Representa a necessidade de o profissional militar conhecer, com precisão, o emprego adequado dos metais na paz e na guerra. Prosseguindo na caminhada, no patamar entre o 3º e o 4º pisos, encontramos mais duas obras. A primeira delas apresenta Ícaro precipitando-se no espaço, após o sol haver derretido a cera de suas asas. Representa a grandeza da conquista dos ares importante para a obtenção da vitória no campo de batalha. Finalmente, o último vitral apresenta Júpiter, senhor onipotente, empurrando os raios para fulminar aqueles que incorrem em suas iras, mas, também, distribui justiça, bondade, hospitalidade e amizade. Representa os atributos essenciais que devem ser cultivados por todos os militares. Em um vitral, embora o traço não seja tão detalhado quanto o de um desenho a bico de pena e as cores não ocorram como em uma tela, com a força e a expressividade de seus matizes e tons, o tema cogitado pelos que o construíram é apresentado por um mosaico de partes nítidas que se integram em um só conjunto. Com a transparência que o caracteriza, gera forte impressão nos que o veem. Ao admirá-lo, todos os que conhecem a importância do trabalho que é realizado nesta Casa hão de compreender a razão da presença permanente dos mitos ali representados, pela arte de um pintor e a ciência de um escultor, capazes de traçar, em perfeito equilíbrio, as divisórias do mosaico em liga metálica. Eles estão estrategicamente colocados, em locais de passagem utilizados por todos os integrantes da Academia, servindo de referencial e estímulo para que sejam reproduzidos, no futuro, os feitos inspirados por estas figuras mitológicas. Pela beleza de seus vitrais e a imponência do mármore que reveste o piso e as paredes desta parte central do conjunto principal da AMAN, a região onde se encontram os Saguões Dom João VI e Rio Branco, do 2º, do 3º e do 4º pisos, e o auditório General Médici, é um dos pontos mais destacados da sua área arquitetônica.

BIBLIOTECAS: AMPLIANDO E COMPLEMENTANDO OS CONHECIMENTOS

A Academia Militar das Agulhas Negras conta hoje com duas bibliotecas, que dispõem de um acervo de mais de 80.000 volumes entre livros, documentos, periódicos, revistas, mapas e filmes em formato digital. A Biblioteca Acadêmica, inaugurada em 1947, reúne obras identificadas como raras ou especiais para a Instituição, que foram utilizadas nas escolas de formação de oficiais do Exército, desde o início das atividades da Academia Real Militar, em 1811. Além de guardar um acervo de inestimável valor histórico, deixou inesquecíveis recordações em sucessivas gerações de Oficiais do Exército Brasileiro, que passaram muitas horas de suas vidas de cadetes naquele verdadeiro santuário do estudo. O seu aspecto majestoso e os detalhes do acabamento impressionam, até hoje, visitantes de todas as origens. Foi, e ainda é, local de reuniões formais e sociais que assinalam os eventos mais significativos da vida acadêmica. O seu imponente espaço dispõe de um salão histórico, com exposição permanente de episódios importantes de nossa história, tais como a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a coleção de miniaturas de cenas e carros de combate de


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Biblioteca acadêmica (Foto Airton Soares)

Biblioteca e museu acadêmico (Foto Airton Soares)

diversos confrontos (Segunda Guerra, Guerra da Coréia, Guerra Fria etc.) e equipamentos utilizados em salas de aula no passado. Possui, também, um ambiente destinado a estudiosos e a pesquisadores, com numerosas obras raras, dentre elas destacam-se: Art De La Guerre (1749), Oeuvres Postumes de Fréderic II (1758), História da vida do Padre S. Francisco de Xavier e do que fizeram na Índia (1758), Explicação do Almanak Náutico e Ephemerides de Greenwich (1841), Almanak Náutico (1841), Galeria de Brasileiros Ilustres - Os contemporâneos (1861), Documento manuscrito manifestando o pesar dos oficiais do Exército, em serviço na Corte, ao “Duque de Caxias”, pelo falecimento de sua esposa (1874), Recordação de Itália (1892) e Archivo do Distrito Federal-Revista de Documentos para a cidade do Rio de Janeiro (1894), dentre outros. Com a ampliação da AMAN, ocorrida em 1988, uma nova biblioteca passou a integrar o novo conjunto principal, em uma posição correspondente à biblioteca localizada no antigo prédio. A antiga passou a ser a Biblioteca Histórica da AMAN, recebendo a denominação de “Biblioteca Marechal José Pessôa”, em homenagem ao idealizador da AMAN. A nova biblioteca foi batizada, em 2008, como "Biblioteca Coronel Nei Paulo Panizzutti", destacado militar e professor de Português que, por quatro décadas, exerceu o magistério na AMAN e organizou parcela significativa do acervo desta biblioteca. Posteriormente, com a construção de um corredor de ligação, as duas bibliotecas foram integradas, seguindo-se diversas ações de valorização desse amplo espaço cultural. A ligação entre as duas bibliotecas foi denominada de “Corredor Cultural”, recebendo expressivo acervo iconográfico, medalhístico e de armaria, destinado a despertar no cadete o culto ao patrimônio histórico-cultural da Academia Militar e o orgulho pela profissão das armas. A nova biblioteca constitui-se em vetor de modernidade, com ampla área de estudo, salão para trabalho em grupo, área individual e reservada, estante para exposição das obras recém-adquiridas e seção de periódicos, encontrando-se inteiramente integrada ao processo ensino-aprendizagem. Aos livros atuais, aos clássicos da literatura, aos livros didáticos e às revistas, somam-se as monografias, os mapas, os filmes em formato digital e as publicações diversas que complementam o ensino e a pesquisa. Conta, também, com um moderno espaço virtual, composto por computadores com o acesso à Internet, permitindo ao cadete realizar pesquisas e atividades essenciais à

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construção do conhecimento, um dos preceitos da Modernização de Ensino. Além disso, disponibiliza o sistema de rede sem fio; assim, os usuários, com o seu próprio computador portátil, pesquisam assuntos didáticos na rede mundial de computadores. Seu acervo vem sendo ampliado com a aquisição de novos títulos de livros, com destaque para lançamentos literários, publicações e biografias recentes, obras sobre liderança, clássicos da história mundial, livros didáticos e filmes digitalizados. O ensino hoje na AMAN, por intermédio das bibliotecas acadêmicas, está perfeitamente integrado com o praticado em outras instituições de ensino superior. A criação de ambientes virtuais de aprendizagem permitiu a implantação de um modelo de educação atualizado, dinâmico e participativo. Com esse enfoque, tornar-se-ão a principal fonte de informação dos docentes e discentes para a execução dos trabalhos acadêmicos. Dessa forma, as bibliotecas da AMAN avançam no território da modernidade das bibliotecas híbridas e virtuais, tendência dominante nas instituições de ensino mais avançadas no Brasil e no mundo.

AQUELES QUE DERAM VIDA À ACADEMIA MILITAR

Foram formados pela Academia Militar ao longo destes duzentos anos, quarenta e quatro mil, duzentos e cinquenta e sete oficiais brasileiros e duzentos e cinquenta e dois oficiais de nações amigas. Noventa e seis oficiais-generais ou coronéis atuaram como seus comandantes, milhares de oficiais, instrutores, professores e da administração, deixaram marcas de competência e dedicação neste incomparável mister de formar os futuros oficiais. Graças à lucidez de seu pensamento militar, à consistência de seu profissionalismo, às suas ideias criativas e ao apoio de milhares de outros militares, professores e servidores civis, desenvolveram e consolidaram o prestígio da Academia Militar como estabelecimento de ensino exemplar, referência nacional e internacional. O Capítulo 3, da presente obra, apresenta dados biográficos e realizações de todos os seus comandantes, líderes e chefes militares que conduziram suas equipes de trabalho aos objetivos desejados, justa homenagem e preito de gratidão aos construtores das místicas e tradições que continuam a ser motivo de orgulho dos eternos integrantes da Academia Militar das Agulhas Negras.

Cadetes em estudo na Biblioteca Cel Panizzutti


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PERSONALIDADES ILUSTRES ALUNOS DA ACADEMIA

Desde a sua fundação, a Academia foi responsável pela formação de inúmeras personalidades que ao longo destes duzentos anos tiveram participação marcante, particularmente, na vida militar e política do nosso país. Na Casa do Trem e logo a seguir, no Largo de São Francisco estudaram oficiais que lutaram nas guerras da Independência (1822-24), contra Oribe e Rosas (1851-52) e da Tríplice Aliança (1865-70). Aí estudaram o Marechal Luis Alves de Lima e Silva (1819-22), o Duque de Caxias, Patrono do Exército, o Marerchal Emílio Luiz Mallet (1823-25), Patrono da Artilharia, o Tenente Coronel João Carlos de Vilagran Cabrita (1840-47), Patrono da Engenharia, e o Marechal Carlos Machado Bittencourt (1859-61), Patrono da Intendência. Aí também estudaram os ex-Presidentes Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, herói do Batalhão de Engenheiros em Tuiuti, e respectivamente, o Proclamador e o Consolidador da República, bem como o General Francisco de Abreu e Lima (1812-16), o brasileiro que foi general de Bolívar e o Brigadeiro José Mariano de Mattos (1819-26), Ministro da República Rio-Grandense (1836-44) e da Guerra do Império em 1864. Aí se formaram ainda, Pedro de Alcântara Bellegarde, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, Jerônimo Francisco Coelho, Cristiano Benedito Ottoni, André Pinto Rebouças, Francisco Pereira Passos e Benjamin Constant Botelho de Magalhães, dentre outras destacadas personalidades. Cursaram a Escola Politécnica, herdeira da escola Militar naquele prédio, entre tantos outros, o General Aurélio de Lyra Tavares, que foi Ministro da Guerra e membro da Academia Brasileira de Letras, o Almirante Álvaro Alberto, delineador da estratégia nuclear brasileira, que presidiu a Academia Brasileira de Ciências por duas vezes e criou os Institutos de Matemática Pura e Aplicada, o Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Brasileiro de Bibliografia e Documentação. Naquela Escola destacou-se, como aluno, mestre e diretor (1841-79), José Maria da Silva Paranhos, o Visconde de Rio Branco, Ministro da Guerra (1858-59, 1871 e 1872-73). Ele lecionou inclusive Artilharia, Fortificações e Mecânica na Escola Militar. Na Escola Militar da Praia Vermelha estudaram tenentes e capitães que lutaram na guerra da Tríplice Aliança. Entre eles o intrépido Tenente Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza, que partiu afirmando que voltaria da guerra como coronel ou não voltaria. Voltou como o maior líder de combate, ao nível batalhão. Hoje está imortalizado na Praça General Tibúrcio, na Praia Vermelha, graças, em parte, ao registro de seus feitos por seu companheiro Dyonízio Cerqueira, que foi à guerra como alferes e se tornou o seu cronista, ao escrever as Reminiscências da Guerra do Paraguai. Aí também estudaram os marechais João Nepomuceno Medeiros Mallet, Ministro da Guerra (1898-1902), Hermes da Fonseca, Ministro da Guerra e Presidente da República (1906-14), Caetano de Farias, Chefe do EME e Ministro da Guerra (191018), Alberto Cardoso de Aguiar, Ministro da Guerra (1919), Mascarenhas de Moraes, Comandante da FEB e Estevão Leitão de Carvalho, chefe de grande projeção na modernização do Exército e autor de Memórias de um chefe legalista, denunciando os perigosos desvios doutrinários do ensino na Praia Vermelha que culminaram com o seu fechamento em 1904 e extinção em 1905. A relação segue com o Marechal Cândido Mariano Rondon, Patrono das Comunicações do Exército e do Brasil e o General Augusto Tasso Fragoso, de assinalada contribuição à Reforma Militar (1898-1932), particularmente como Chefe do EME, onde se consagrou como o Pai da História Crítica do Exército. A Escola de Guerra, em Porto Alegre, foi o celeiro de chefes que lideraram e

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consolidaram a Reforma Militar (1930-45). Daí saiu Aspirante o Presidente Eurico Gaspar Dutra, que foi Ministro da Guerra (1937-45), de ação administrativa marcante, inspirada no Marechal Foch. Ele restabeleceu na AMAN, o equilíbrio entre a cultura geral e a profissional, segundo ele, “a toda hora levada a cada um dos perigosos extremos por um ou outro chefe”. Foram seus contemporâneos os Marechais Cézar Obino, criador da Escola Superior de Guerra, Pantaleão Pessoa, Valentin Benício, reorganizador da Bibliex e Raul Silveira de Mello, historiador militar da Fronteira Oeste. Em 1909 foi declarado Aspirante o Marechal José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque, idealizador da AMAN e modernizador da formação de oficiais, com a implantação de uma mística apoiada na

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figura do Duque de Caxias, que persiste há mais de meio século. Em 1911, ali se formou Mário Travassos, o primeiro comandante da AMAN (1944). Cursaram, também, a Escola de Guerra, J. B. Magalhães, pensador militar dos mais brilhantes, e Francisco de Paula Cidade, idealizador da Revista dos Militares de Porto Alegre (1910-20) e que levou para a Escola de Guerra no Realengo, “os objetivos de profissionalização do Exército sonhados por seus companheiros”. Ele foi o intérprete da evolução do pensamento militar terrestre brasileiro em “Síntese de três séculos de Literatura Militar Brasileira” e introdutor, no Realengo e na ECEME, da Geografia Militar, com “Notas de Geografia Militar Sul-Americana”, esforço do ideal de nacionalização da Doutrina Brasileira, já expresso por Caxias em 1863. Aí se formou, em 1910, Pedro Aurélio de Góes Monteiro, chefe militar da Revolução de 1930, ideólogo da Segurança Nacional e do fortalecimento político do Exército. Dentre os 12 oficiais que combateram no Exército da França na 1ª GM, 8 haviam sido formados na Escola de Guerra, são eles: Onofre, Lima, José Pessôa, Cristóvão Barcelos, Andrade Neves, Octávio Aché, Eubank Câmara e mais os pilotos Alzir Lima e Mário Barbedo, pioneiros da Aviação do Exército. Nela foram formados 7 dos 15 ins-

Solenidade de declaração de Aspirantes (Foto Aiton Soares)


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trutores iniciais da Missão Indígena da Escola Militar do Realengo (1919-22): Newton Cavalcanti, Dermeval Peixoto, Barbosa Leite, Paquet, Orozimbo, Bentes Monteiro e Sérgio A. Pires. A Revista A Defesa Nacional foi fundada por 13 oficiais, desses, 2 eram seus ex-alunos: Paula Cidade e Maciel da Costa. São egressos da Escola Militar do Realengo os oficiais que elevaram ao mais alto nível o nome do Exército, representado pela FEB, na Itália. Dentre seus ex-alunos estão os ex-presidentes, Marechais Humberto de Alencar Castelo Branco e Arthur da Costa e Silva e os Generais-de-Exército Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. Formaram-se no Realengo, dentre outros destacados militares, Eduardo Gomes, Ciro do Espírito Santo Cardoso, Euclides Zenóbio da Costa, Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, Aurélio de Lira Tavares, Amaury Kruel, Orlando Geisel, Vicente de Paulo Dale Coutinho, Silvio Frota, Fernando Belfort Bethlem, Walter Pires de Carvalho e Albuquerque, Leônidas Pires Gonçalves, Mário Andreazza, Jarbas Passarinho, Dirceu Araújo Nogueira, Euclides Quandt de Oliveira, Golbery do Couto e Silva, Gustavo Morais Rego Reis, Jaime portela de Melo, Hugo de Andrade Abreu, Ademar de Queiroz, Juarez Távora, Afonso Augusto de Albuquerque Lima, José Costa Cavalcanti e Danilo Venturini, tendo todos eles exercido destacadas funções de Ministro de Estado. Hoje todo o Exército está sob o comando dos ex-cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, onde se formaram, dentre outros expoentes, Carlos Tinoco Ribeiro Gomes, Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena, Gleuber Vieira, Francisco Roberto de Albuquerque, Rubem Carlos Ludwig, Rubens Bayma Denys, Agenor Francisco Homem de Carvalho, Fernando Cardoso, Alberto Mendes Cardoso, Jorge Armando Felix, tendo todos eles exercido funções de Ministros de Estado, e Enzo Martins Peri, atual comandante do Exército.

DAS SEDES DA ACADEMIA MILITAR EM DIREÇÃO AO FUTURO

Ao se completar dois séculos de vida da Academia Militar, o Exército Brasileiro tem inúmeras razões para se orgulhar dos chefes que projetaram seus êxitos até os dias de hoje, bem como dos atuais chefes que projetam o que ela poderá ostentar quando vier a comemorar mais cem anos. Comparar as acanhadas instalações da Casa do Trem com as atuais leva as gerações contemporâneas a admirar e a respeitar, ainda mais, o empreendedorismo daqueles que a criaram com espírito renovador e de todos os que contribuíram para fortalecê-la, até que viesse a se instalar em Resende, em uma verdadeira “Cidade Acadêmica”. Como instituição integradora dos ambientes cognitivo, psicomotor e afetivo, se fez capaz de cumprir sua elevada missão, em locais com adequadas condições para o desenvolvimento de efetiva relação ensino-aprendizagem, em ambiente no qual sempre se destacou uma excelente qualidade de convivência. Nela se fortalece a alma do soldado profissional das armas, envolvida por valores cuja sensibilidade soa como um mantra, aceito de forma profunda e que pode, mesmo em silêncio, ser ouvido. Esse sentimento é intuído no sagrado momento do compromisso do oficial e do recebimento de sua espada – símbolo de liderança que o acompanhará por toda a sua vida castrense, é fortalecido como aluno das Escolas que complementam a sua formação militar e é renovado ao atingir o generalato. Em todos os recantos das sedes da Academia Militar, a cada ano letivo, a difusão dos valores e dos ideais da Instituição, bem como a integração de suas tradições e grandezas aos conhecimentos da arte e da ciência da guerra, contribuíram para o fortalecimento do espírito militar do futuro oficial. Elas teriam sido tão-somente conjuntos

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de concreto, se não tivessem “vivido” no ritmo compassado dos corações e das mentes de todos aqueles que deram vida às suas existências. Ao comemorar seu bicentenário, será possível ouvir – em meio ao silêncio próprio das solenidades militares e do Maciço das Agulhas Negras, o apelo dos seus criadores, instrutores e alunos pioneiros de 1811 e de todas as gerações que os seguiram na trajetória vitoriosa até este ano de 2011, para que seus sucessores prossigam no afã de conduzi-la a um futuro brilhante e em constante evolução, como centro de excelência na formação de chefes e líderes militares para o Exército Brasileiro, neste seu terceiro século que ora se inicia.

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Vista panorâmica da Academia Militar (Foto Airton Soares)



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