REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #430

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ALGARVE INFORMATIVO 20 de abril, 2024 #430 «MUITO PODEM FALAR AS NOSSAS CADEIRAS» EM LAGOS | MOONSPELL E «FALARTE» EM LOULÉ OPTO E GRANDE MOSTRA DOS VINHOS DE PORTUGAL EM ALBUFEIRA | ALMATRIZ EM PORTIMÃO NA FESTA DA MÃE SOBERANA LOULÉ MOSTROU A SUA FÉ

ÍNDICE

Grande Mostra dos Vinhos de Portugal em Albufeira (pág. 24)

OPTO em Albufeira (pág. 40)

Festa da Mãe Soberana em Loulé (pág. 52)

Exposição «Muito podem falar as nossas cadeiras» em Lagos (pág. 70)

Moonspell levaram «Soombra» ao Cineteatro Louletano (pág. 82)

«FalarTe» no Cineteatro Louletano (pág. 100)

«Almatriz» no Choque Frontal ao Vivo em Portimão (pág. 112)

OPINIÃO

Mirian Tavares (pág. 120)

Ana Isabel Soares (pág. 122)

Fábio Jesuíno (pág. 124)

Nuno Campos Inácio (pág. 126)

Dora Gago (pág. 128)

Albufeira voltou a receber a Grande Mostra dos Vinhos de Portugal

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Grande Mostra dos Vinhos de Portugal é uma organização do Município de Albufeira em parceria com a Confraria Bacchus de Albufeira e com o apoio da Comissão Vitivinícola do Algarve, da Região de Turismo do Algarve, da APAL – Agência de Promoção de Albufeira e da Federação das Confrarias Báquicas de Portugal, que pretende promover os melhores vinhos nacionais e as produções vinícolas de destaque de várias regiões do país. O

certame levou cerca de uma centena de expositores ao EMA – Espaço Multiusos de Albufeira, de 12 a 14 de abril, sendo considerado uma das mais conceituadas e reconhecidas mostras de vinhos portugueses.

Ao longo dos três dias do evento, os participantes experimentaram mais de 700 referências de vinhos nacionais e assistiram a demostrações

gastronómicas e degustações de queijos, enchidos e doçaria regional. “Um dos segredos do sucesso da Grande Mostra dosVinhos de Portugal é a possibilidade de proporcionar aos

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visitantes a degustação dos sabores cada vez mais apreciados dos vinhos portugueses. O enoturismo é já uma das fortes apostas da região e do Município de Albufeira, uma vez que tem uma forte influência no desenvolvimento económico, enquanto se preservam as tradições e a cultura local”, frisou José Carlos Rolo, presidente da Câmara Municipal de Albufeira.

Na sua 13.ª edição, a Mostra voltou a incluir o Concurso de Vinhos de Portugal, iniciativa que atingiu a sua nona edição e

cujas provas se realizaram nos dias 6 e 7 de abril, tendo os prémios sido atribuídos no jantar oficial que aconteceu, no dia 12 de abril, no Nau Salgados São Rafael, evento que coincidiu com a comemoração do 17.º aniversário da Confraria Bacchus de Albufeira. Participaram no concurso 120 vinhos, tendo sido atribuídas 30 medalhas: 4 de Excelência, 15 de Ouro e 11 de Prata. Os produtores algarvios tiveram uma prestação muito positiva, com um total de 10 distinções, números que confirmam a franca evolução do setor em toda a região, assim como a qualidade crescente dos néctares algarvios .

OPTO regressou para ajudar os mais jovens a decidir o seu futuro académico e profissional

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

OPTO regressou a Albufeira, de 17 a 19 de abril, para a sua 10.ª edição, consolidando-se como um dos principais Fóruns de Educação e Formação do país. O evento reuniu no Pavilhão Desportivo de Albufeira mais de 70 expositores, representando entidades do ensino secundário e profissional, politécnicos, universidades de todo o país, centros de formação, entidades militares, de socorro e muitas mais.

Com o objetivo de ajudar os jovens em momentos decisivos do seu percurso escolar e acadêmico, o OPTO tem sido um marco na região do Algarve ao longo destas 10 edições. Nele os participantes têm acesso a informação atualizada sobre as diversas opções educacionais no país (ensino secundário, profissional e superior) e experiências internacionais. O palco instalado no Pavilhão foi o ponto de destaque, oferecendo uma variedade de entretenimento maioritariamente protagonizado pelos alunos das escolas participantes, com momentos musicais, aulas de fitness, zumba, teatro e outras formas de expressão cultural e artística.

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Durante os três dias do evento, os participantes assistiram a diversos momentos musicais, percurso de orientação, zumba, dança, flasmobes, teatro, mimos, poesia, cantares regionais portugueses, palestras informativas, conheceram experiências de sucesso, viram demonstrações culinárias e desfrutaram de acontecimentos de animação cultural e artística. No exterior, a realçar as demonstrações de cavalaria e cinotécnicas pela GNR e Polícia de Segurança Pública de Faro, a exposição de Equipamentos de Saúde, pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Albufeira, as demonstrações de Primeiros Socorros e Suporte Básico de Vida, pelo Centro Humanitário de Silves-Albufeira da Cruz Vermelha Portuguesa, e as subidas à Torre de Escalada do Exército Português.

Durante a inauguração, o presidente da Câmara Municipal de Albufeira, José

Carlos Rolo, lembrou que “proporcionar à juventude algarvia uma ampla variedade de oportunidades de formação através do OPTO é reafirmar o compromisso com as novas gerações”. “Esta iniciativa combina momentos de reflexão, entretenimento e interação direta com diversas opções educacionais e profissionais, tudo num ambiente único de convívio memorável”, reforçou o edil.

O OPTO é uma iniciativa conjunta do Município de Albufeira, da Direção de Serviços da Região Algarve da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares e do Instituto do Emprego e Formação Profissional, contando com a colaboração dos agrupamentos de escolas do concelho .

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Loulé reviveu a Festa da Mãe Soberana

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina oi de coração aberto que a comunidade louletana recebeu mais uma Festa da Mãe Soberana, a maior manifestação religiosa a Sul de Fátima e uma marca identitária deste povo, com várias dezenas de milhares de fiéis a acompanharem, no dia 14 de abril, o regresso da sua padroeira ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade.

O evento dividiu-se em dois momentos separados por 15 dias, um período preenchido por diversas atividades eclesiásticas e culturais. O Domingo de Páscoa, 31 de março, assinalou o arranque das celebrações, com a realização da Festa Pequena. O programa litúrgico começou precisamente no Santuário, com a oração do Terço, seguindo-se a descida da Imagem da Nossa Senhora em procissão, levada em ombros pelos Homens do Andor, até à Igreja de S. Francisco, onde teve lugar a

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eucaristia solene que encerrou a Festa Pequena.

No período que mediou as duas festas decorreu um vasto programa litúrgico, primeiro na Igreja de S. Francisco (de 1 a 10 de abril) e depois na Igreja Matriz de Loulé (de 11 a 13). Recorde-se que a Matriz acolheu, primeira vez em 2023, o andor da Padroeira, uma iniciativa que se reeditou este ano porque a Nossa Senhora da Piedade é a Padroeira de Loulé e, de acordo com a organização, fazia todo o sentido que a sua presença se sentisse nas duas paróquias, S.

Sebastião e S. Clemente. Acresce ainda o facto de a Igreja Matriz de Loulé ter sido recuperada recentemente e ser um Monumento Nacional que merece ser visitado por fiéis, peregrinos e turistas.

A procissão que levou a Nossa Senhora da Piedade de S. Francisco até à Matriz aconteceu no dia 11 e, na noite do dia 13, houve um «clássico» destas celebrações, a romagem a cavalo do Clube Hípico, que prestou mais uma vez homenagem à Nossa Senhora da Piedade. Do programa cultural destacou-se o concerto «Mãe Soberana», com Eduardo Ramos Trio, e a

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Noite de Fados à Mãe da Piedade, com Vítor Viola e Teresa Viola. É, porém, o dia 14 de abril que regista o momento mais significativo das celebrações, com a Festa Grande a atrair à cidade milhares de fiéis vindos de vários pontos do país.

A manhã foi preenchida com a eucaristia na Matriz e a saída para o Largo do Monumento Eng.º Duarte Pacheco, local que acolhe, da parte da tarde, a missa campal e consagração à Nossa Senhora. Depois, a apoteose, a procissão que levou a Imagem da Padroeira de volta à sua Ermida, pontuada por momentos emotivos como a passagem em frente aos Paços do Concelho, à Igreja de S. Francisco ou ao Convento de Santo António. Ao longo do percurso, em que os Homens do Andor são acompanhados pela música da Banda Filarmónica Artistas de Minerva, foram muitos os «Vivas!» à Mãe dos louletanos, com o momento triunfal a dar-se com a chegada ao topo do monte onde se localiza a pequena Ermida, após um percurso difícil para quem carrega o pesado andor e para todos os fiéis que o acompanham, numa enorme demonstração de fé .

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Rotunda das Cadeiras de Lagos inspira exposição coletiva e inclusiva

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

Rotunda das Cadeiras é um dos monumentos mais emblemáticos da cidade de Lagos e, quando se celebram os 50 anos do 25 de Abril de 1974, também esta obra da escultora Vera Gonçalves, dedicada à Liberdade, Diálogo e Democracia, comemora um quarto de século, marco que serviu de inspiração para a exposição coletiva «Muito podem falar as nossas cadeiras», patente no Armazém Regimental até 15 de maio,

onde pode ser visitada, de terça-feira a sábado, das 10h às 18h.

Trata-se de uma mostra dos trabalhos da artista Vera Gonçalves, dos alunos do 12.º ano do curso de Artes dos professores Pedro Domingues e Isabel Brás da Escola Secundária Júlio Dantas e dos participantes do Projeto GATILHO da Associação Questão Repetida, que conta com a colaboração da NECI – Núcleo Especializado para o Cidadão Incluso. GATILHO que é um projeto PARTIS & ART FOR CHANGE da Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação «la Caixa».

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“Devemos ter sempre presentes os valores da liberdade e da democracia, que continuam a ter que ser conquistados todos os dias. Não é uma conquista que possa ser efetuada à distância, e meramente através do exercício

do direito de voto, mas que tem que ser efetuada de forma participada, ativa e diária por cada um de nós”, defendeu Sara Coelho, vereadora da Câmara Municipal de Lagos, durante a inauguração da exposição .

MOONSPELL

CINETEATRO

TROUXERAM AO
LOULETANO Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

TROUXERAM «SOOMBRA» LOULETANO

uase sete anos depois de «1755», os Moonspell regressaram a Loulé, no dia 6 de abril, com o espetáculo «Soombra» na bagagem e, como seria de esperar, o Cineteatro Louletano voltou a esgotar para se assistir ao vivo a uma das mais míticas bandas de heavy metal do continente europeu. “Um concerto que é um exercício de simplicidade que permite ao ouvinte contactar com a autenticidade melódica de um tema e facilita a viagem até ao amago da canção, ao seu interior

mais puro e despido de convencionalidades”, explica o líder e vocalista Fernando Ribeiro.

Após celebrarem o trigésimo aniversário com concertos pelo mundo inteiro e nos Coliseus em Portugal, e de terem anunciado o seu primeiro concerto sinfónico, onde se estreiam, em conjunto com a Sinfonietta de Lisboa, como cabeças de cartaz no Altice Arena, em outubro deste ano, os Moonspell recuperaram a tournée «Soombra» na qual apresentam a sua faceta acústica. Uma faceta que, em 2010, esgotou dez dos mais belos teatros em Portugal e que foi, em 2012, um dos destaques no maior festival de heavy metal do mundo, o

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Wacken, na Alemanha, perante milhares de pessoas.

Agora, com um repertório redefinido, que contempla versões surpreendentes dos seus clássicos, aliadas a novidades e experiências, que são a imagem de marca da banda portuguesa, o grupo leva a sua música a outras dimensões e, como é seu apanágio, vai ter com o seu fiel público às suas cidades, numa experiência única, exclusiva e arrebatadora. Para além dos cinco músicos habituais (Fernando Ribeiro, Pedro Paixão, Ricardo Amorim, Aires Pereira e Hugo Ribeiro), juntam-se aos Moonspell, em palco, o trio de cordas Magnetic Strings e duas cantoras, que abrilhantam uma noite onde não só se

ouve a pureza acústica da música desta ensemble reunida para o efeito, mas onde também se contam várias histórias da carreira da banda, em pleno convívio e cumplicidade com o público português que sempre lhe tem sido tão dedicado. “Porque da escuridão nasce a luz, e da simplicidade se forma a grandeza, temos a honra de vos trazer, hoje, à vossa cidade e ao vosso cineteatro, «Soombra» a faceta acústica do sempre em crescente feitiço da Lua”, referiu Fernando Ribeiro, no início de mais um concerto inesquecível em terras algarvias.

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CINETEATRO LOULETANO DIA MUNDIAL DO TEATRO

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

LOULETANO ASSINALOU TEATRO COM «FALARTE»

Dia Mundial do Teatro, 27 de março, foi comemorado, no Cineteatro Louletano, com «FalarTe» pelo TEatroensaio, com encenação e dramaturgia de Pedro Estorninho.

Eduarda Dionísio construiu quatro monólogos em «Antes Que A Noite Caia», falas e vozes de personagens femininas míticas do Teatro, num espaço íntimo de figuras trágicas que falam aos que amam com toda a sua crua verdade. O espaço construído em torno da sua respiração e dos seus silêncios. Estes falares são levados à cena nas vozes de Clara Nogueira, Catarina Rapazinho, Inês Leite e Márcia Gomes, “quatro atrizes

de idades e origens diversas, mulheres que se encontram neste espaço-tempo para se nos partilharem, despojadamente, inteiras como árvores assoladas pelo tempo das cordas do guitarrista e diretor musical Eduardo Baltar Soares e nas imagens vídeo de Mafalda Salgueiro”, descreve o encenador.

«FalarTe» é uma coprodução do Cineteatro Louletano e do TEatroensaio, estrutura financiada pelo Governo de Portugal Cultura/Direção Geral das Artes, tendo ainda os apoios da Câmara Municipal de Arraiolos, TMSM, Moagem Ceres S.A., AJHLP, Makeup Design e APELGA .

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ALMATRIZ DERAM A CONHECER NO CHOQUE FRONTAL AO

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Vera Lisa

CONHECER «PROCURA» AO VIVO

e Lagos para Portimão, os «Almatriz»

esgotaram, no dia 11 de abril, o Pequeno Auditório do TEMPO – Teatro Municipal de Portimão em mais um Choque Frontal ao Vivo, programa radiofónico da AlvorFM da responsabilidade de Ricardo Coelho e Júlio Ferreira.

A banda algarvia lançou o seu álbum de estreia «Procura» no final de setembro de 2023, um trabalho composto por 10 canções que convidam a uma viagem pela música popular contemporânea portuguesa, com influências do mundo lusófono, da música erudita e do fado, mas apresentando uma nova perspetiva e conceito sonoro, num presente em que

vinga a experimentação e cruzamento de géneros. Do som mais alegre e dançável do single «Acordar», passando pela balada «Dois Mundos», por uma toada mais épica em «Peso de uma Nação» ou a introspeção de «Só», o coletivo vai avançando numa procura da musicalidade portuguesa que complementa a alma do fado com a matriz cultural da lusofonia, e tudo isso encantou o público deste Choque Frontal ao Vivo.

Os Almatriz nasceram em 2019, por iniciativa de João Correia (guitarra portuguesa) e Nuno Encarnação (baixo), a quem se juntou posteriormente a guitarrista clássica Beatriz Paulo, tendo sido gravado um primeiro EP nesse mesmo ano. Em 2020 chegou Maria Infante, que, com a força da sua voz e a sua alma alentejana, veio completar e

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personalizar os Almatriz, que realizaram a primeira apresentação pública, em Lagos, em outubro de 2020. Em 2021 iniciaram-se as gravações do álbum «Procura», coproduzido por Paulo Jorge Silva e pelos Almatriz, no estúdio «17hybrid». As gravações apenas ficaram completas em 2022, com a contribuição de Júnior Santos, baterista brasileiro radicado na Áustria, cujos ritmos ajudaram à fluência sonora do álbum e definiram a intenção das músicas.

Os próximos convidados do Choque Frontal ao Vivo são os Riding a Meteor, no dia 16 de maio .

Rui Sanches, algumas obras

Mirian Tavares (Professora)

A minha vida estava em mudança, portanto encontrava-me livre.

o falar sobre o «contemporâneo», Giorgio Agamben afirma que o contemporâneo é aquele que está fora e dentro do tempo em que vive. Estar fora para que veja, com a distância necessária, o que o circunda. E dentro para que possa vivenciar, ao lado dos seus pares, aquilo que o torna deles coetâneo. Lembrei-me desta passagem de Agamben porque acredito que Rui Sanches é um dos maiores exemplos entre nós de um artista contemporâneo. A sua obra, como o próprio reconhece, é um compósito de paixões, de escolhas, de referências a obras do passado e da materialidade dos suportes e ferramentas que utiliza nas suas criações. De Poussin à Rauschenberg, as alusões são muitas e todas devidamente reconhecidas pelo artista, que tem uma consciência bastante acurada do seu processo de criação.

Rui Sanches sempre conseguiu coordenar a sua atividade como artista com a carreira académica. Enquanto professor, partilhou com os alunos o seu grande conhecimento da História da Arte e da Estética, além, é claro, da prática

artística que, no seu caso, não está separada da reflexão constante sobre a História da Arte e sobre a própria contemporaneidade.

As obras que apresenta nesta exposição dão a ver um artista que ama, sobretudo as linhas. Quer no desenho, quer nas esculturas, a presença da linha marca a relação da obra com o espaço. Não funcionam apenas como continente para um conteúdo artístico, mas convertemse, elas mesmas, no conteúdo das obras que exigem espaço e tempo para serem devidamente apreciadas. Exigem o espaço vazio à sua volta para que possam respirar e provocar também, naqueles que as observam, a sensação de vivenciar o presente, o agora, o momento em que se vive, ao mesmo tempo em que se revisita a História da Arte e dos seus avanços e recuos. No caso da obra de Rui Sanches, a História ecoa, dando a ver a sua permanência e a imanência das linhas que dialogam entre si e com o passado. Rui Sanches é, sem sombra de dúvida, um artista que consegue estar sempre além, sem perder, jamais a consciência do tempo em que habita e do lugar em que expõe as suas obras .

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Foto: Vasco Célio

Nonagésima sexta tabuinha - Gente burra

Ana Isabel Soares (Professora)

ma das chávenas onde costumo beber o chá do pequenoalmoço tem estampada a fotografia de Dom Quixote. Não é um cavaleiro de triste figura, mas um ser de figura linda, com a idade do meu sobrinho mais velho e, tal como nele, a imagem de 16 belos anos de aventuras, olhar carinhoso e amor pela vida. Ganhei a chávena quando me tornei sua madrinha, decidida a participar, por pouco que fosse, nos cuidados e na atenção de que precisa. Os meus sobrinhos têm, felizmente, os pais, família alargada, abrigos, alimentação, escolas onde passam os dias, e saúde. Queria muito que os burros fossem como os meus sobrinhos: seres felizes, protegidos, acarinhados. Por isso – deve ter sido por isso, mas também entrou nas contas o mel dos seus olhos –, decidi amadrinhar o Dom Quixote. As gentes que mais imediatamente o protegem, a ele e a outros como ele, juntaram-se na Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino (AEPGA), que vim a conhecer por intermédio de uma amiga querida, a Anabela. Na AEPGA dedicamse aos burros – dedicam-se de dedicação pura, como quem destaca, em tudo o que faz e diz, aqueles amorosos quadrúpedes. Desde 2001, ano em que se formalizou, a AEPGA, com o Centro de Acolhimento do Burro, resgatou, acolheu e cuidou de mais

de 350 indivíduos, alguns dos quais se mantêm com eles desde que nasceram. Recolhem-nos porque os acham abandonados, recolhem-nos porque os donos, envelhecidos, anteveem deixar de conseguir mantê-los, recolhem os burros que precisam de ser recolhidos e dão-lhes o tratamento que todos os burros merecem: carinho, comida, conforto.

Lembram a LURA – Aprender Naturalmente, uma quinta pedagógica que, perto de Faro, trabalha igualmente com a grande riqueza que são os anos e lhes retribui com apoio e sustento. Um dos seus programas mais interessantes, as «atividades assistidas por animais», retomam um tipo de colaboração que deve ser dos mais antigos entre o ser humano e outros animais, mas em bom.

Há poucas semanas, amigos reencontrados deram-me a saber de mais um projeto de proteção de burros também no Algarve, na zona de Lagos: nasceu em 2008 e tem o divertido nome de «Orelhas sem Fronteiras». Este grupo de gente que zela pela saúde de burros e burrices lançou recentemente um livro que é uma delícia: As Aventuras do Super Burro, uma pequena coleção de histórias, imagens, jogos de palavras e sugestão de outras atividades para crianças.

Em pequena, era rara a vez em que, estando em Beja, eu, a minha irmã e o meu irmão não passávamos no Jardim

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Público: o que nos fazia querer lá ir era o espaço aberto, sim; era o parque infantil, pois; era a casinha de brincar que ainda lá está (agora fechada, enfim) – mas era,

sobretudo, os passeios que dávamos na garupa da Burrinha Gabriela, o ser mais paciente e doce que alguma vez me recordo de ter conhecido .

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Foto: Vasco Célio
Empreender: A aventura de criar, arriscar e

transformar

Fábio Jesuíno (Empresário)

mpreender é o processo de criar algo distintivo e de valor, dedicando tempo e assumindo riscos, sendo, antes de tudo, uma grande aventura.

A principal dificuldade em criar boas ideias para empreender reside no facto de que, ao pensarmos, lidamos simultaneamente com várias emoções, ações, lógica e a surpreendente criatividade.

O sonho de muitos empreendedores é ter aquela ideia de um milhão de dólares, uma ideia que seja bem-sucedida, escalável e com impacto global, mas se não for executada adequadamente, não terá valor algum, sendo sempre um bom começo para quem deseja empreender.

Para ter boas ideias para empreender, temos de ter muita coragem, persistência e uma dose de loucura moderada, não existe uma fórmula mágica, mas a melhor forma para se ter uma boa ideia para empreender é sonhar em grande, ser ambicioso e ter muitas ideias. Aquilo que diferencia as pessoas comuns de Richard Branson e Elon Musk não é a capacidade criativa, mas a aptidão para impulsionar

essa capacidade, encorajando e desenvolvendo impulsos criativos.

Um dos maiores exemplos de impulsos criativos é a do físico inglês Isaac Newton. Com uma maçã nas mãos, sentado à sombra de uma macieira, o sonolento cientista teria a ideia, sem mover um músculo, da lei universal da gravidade. Os impulsos criativos são o grande motor para se ter boas ideias de empreendedorismo, estão presentes na nossa vida todos os dias, mas a maioria das pessoas não os sabe interpretar, desperdiçando grandes oportunidades.

As melhores ideias são geralmente aquelas que surgem organicamente, que crescem de forma natural resultantes das experiências das pessoas. Nesse sentido, a melhor maneira é não pensar, mas sim observar. Partir à descoberta, ficar atento ao que nos rodeia, nas nossas experiências, descobrir as necessidades e problemas. As grandes ideias são as soluções para um determinado problema.

As boas ideias surgem muitas vezes na pesquisa das tendências. Como vai ser daqui a 1 ou 5 anos? Quais os problemas existirão? Um exemplo actual na área da tecnologia é a internet das coisas ou a mobilidade eléctrica que vai transformar várias indústrias.

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Acredito que nas mais diversas áreas de actividade, as descobertas de novas e boas ideias para empreender estão relacionadas com a criatividade e, acima de tudo, saber encontrar os impulsos criativos .

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Liberdade de opinião

Nuno Campos Inácio (Editor e escritor)

escassos dias da passagem de meio século sobre a revolução de Abril, que abriu portas ao conceito genérico e abstrato de «Liberdade de Opinião», a sociedade vê-se aprisionada num labirinto de espelhos, onde a liberdade de opinião muitas vezes ultrapassa os limites do que será a opinião e entra na esfera do insulto, da difamação, da falsidade, da calúnia, da suspeita e da notícia. Em nome de uma conquista de Abril cometem-se todo o tipo de atropelos, destroem-se vidas, extinguem-se instituições, dissolvem-se órgãos eleitos.

Uma opinião é uma tomada de posição individual ou de um grupo sobre uma questão concreta, um assunto determinado, que pode ser visto e abordado de diferentes prismas. Uma opinião não é uma notícia, porque não é factual, ela mesma deverá derivar da análise de um facto. O presente artigo de opinião não apresenta mais do que uma análise pessoal a um conjunto de circunstâncias a que temos assistido, em diversos domínios, mas com especial enfoque na confusão que hoje reina, nos grandes grupos de comunicação social do país, entre o que são os factos reais e o leque de opiniões que comentadores profissionais emanam, chegando a adulterar e a destruir a verdade dos factos, para criarem uma realidade paralela que vai

muito além da opinião e que veste emprestado o fato de notícia.

A nossa geração, aquela que é tida como a melhor qualificada de sempre, que até tem ao dispor meia dúzia de canais televisivos dedicados a notícias, deixou de ter acesso à realidade dos factos, vendo-se obrigada a consumir o que meia centena de especialistas em comentários vomitam diariamente sobre todo o qualquer assunto que se relacione com a vida em sociedade, sendo que esta «Liberdade de Opinião» atingiu uma dimensão tão colossal, que até já temos realidades prévias ao facto. Nos últimos meses chegamos a discutir ao longo de dias inteiros, em emissões especiais, se um ministro seria ou não demitido; se um governo regional iria ou não a eleições; se o Governo se demitia ou não; se um indivíduo deveria ficar preso ou ser libertado, com a intensão clara de influenciar, condicionar, ou mesmo determinar, o modo de atuação de órgãos oficiais como a Presidência da República, o Governo, os Governos Regionais, os líderes partidários, os órgãos de Justiça, o poder local… Tudo sem a existência de um facto concreto, ou seja, sem que essas atuações possam ser vistas como «opiniões», ou, pelo menos, como «opiniões legítimas».

Se alargarmos o âmbito da análise no tempo, encontramos facilmente uma série de exemplos de pessoas que foram presas graças a fugas de informação cirúrgicas de processos, que, afinal, foram absolvidas da prática de qualquer crime; figuras públicas

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condenadas socialmente fruto de investigações jornalísticas, que nem acusadas foram; políticos que viram a carreira interrompida ou mesmo destruída à base de meras suspeitas e juízos de valor; líderes partidários alvo de ataques contínuos de descrédito; a paralisação do regular funcionamento das instituições face ao receio, não da interpretação do Povo, mas da forma como os influenciadores mascarados de opinantes poderão criar movimentos de massa de ataque e descrédito.

Aquele que era o denominado quarto poder, transformou-se no poder supremo de uma sociedade cada vez mais estupidificada e sem opinião própria, porque à sua mão não chega a verdade factual, limitando-se, por isso, a comentar opiniões.

Isto é trágico para qualquer sociedade,

mas, ainda mais, para uma sociedade que se quer democrática, liberta dos abusos do poder. A opinião que extravasa o acto de opinar, não é um direito legítimo, mas um abuso de direito, quando não atinge a dimensão criminal.

Meio século decorrido sobre a retoma da Democracia Portuguesa, impõe-se a consolidação da Democracia. É fundamental para o regime democrático estabelecer na sociedade os limites, não da liberdade de opinião, mas do conceito do que é liberdade de opinião. Este é o debate imperioso para os próximos anos e, ou a sociedade une-se contra este flagelo, ou em menos de uma geração teremos um conceito de democracia muito diferente daquele que foi construído pela sociedade do pós-25 de Abril.

Pela Democracia, Viva o 25 de Abril! .

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Na outra margem: um cravo, uma senha, um mensageiro invisível

Dora Gago (Professora)

Na minha ideia, Ernesto Salamida continuava imóvel no fervor pela noite memorável, não porque tivesse investido mais do que os outros, nem porque tivesse corrido mais riscos do que algum dos cinco mil, mas pela associação do seu gesto de atrevimento ao mundo mágico da música (…). Salamida havia sido o mensageiro invisível, o instrumento que ligara o objecto mágico ao desencadear do movimento.

(Lídia Jorge, Os Memoráveis, 2014, pp.189-190).

á um frio escuro, feito carícia húmida, que nos acolhe na saída do aeroporto de Boston, entre confusões de autocarros, malas esquecidas, incerteza no meio de chegar a New Bedford, onde ficaremos alojados para participar no Congresso Internacional sobre a Revolução dos Cravos, organizado pelo Centro de Estudos Portugueses Ferreira Mendes, sediado na Universidade do Massachusetts, Dartmouth. A chegada é sempre aquele momento único, independentemente de ser a primeira vez, ou uma revisita, pois a novidade habita sempre o momento do confronto com esses não-lugares (segundo Marc Augé) que são os aeroportos.

Depois disso, ultrapassadas as peripécias, os desafios, há neste tipo de viagem, o outro momento forte que é o do cumprimento da missão que nos trouxe a este lugar. E, independentemente de tudo, ver este

nosso dia «inicial e limpo» celebrado deste modo nos Estados Unidos (como tem acontecido noutros pontos do mundo) provoca uma enorme alegria.

Entre painéis de Ciência Política, História e Sociologia, a Literatura ocupa um espaço mais reduzido. Apesar disso, está presente, bem representada e isso é o que importa, para que se relembre a sua importância para todas as outras áreas do conhecimento, o seu papel matricial para alimentar o pensamento, a criatividade, a imaginação, a sua capacidade de fornecer lentes para se ver mais longe, de nos fazer viver tantas vidas, de nos fornecer asas de cera que nenhum sol destruirá. A sessão decorre no Museu Baleeiro, onde paira a sombra de Melville, a ornamentar com as suas palavras os ossos de baleia flutuando ao redor. Falo sobre Salamida, o mensageiro invisível de Os Memoráveis de Lídia Jorge. Esta obra localiza-se temporalmente em 2004, quando a jornalista Ana Maria Machado, a trabalhar em Washington, é convidada a fazer um documentário para o programa televisivo «A história acordada», sobre a

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Revolução de 1974, considerada pelo embaixador americano à época em Lisboa como um momento único da História. Por conseguinte, ela regressa, e juntamente com dois antigos colegas, entrevista oito intervenientes e testemunhas do golpe de Estado, com um intuito de revisitar os mitos e protagonistas da Revolução. Esta revisitação constitui um alicerce de uma poderosa reflexão sobre as sementes do 25 de Abril, os caminhos trilhados pela sociedade portuguesa. Nos quinze minutos concedidos, centro-me na questão do esquecimento, da manipulação da memória (usando os contributos de Paul Ricoeur), delineandose Ernesto Salamida como símbolo destes heróis esquecidos, visto transfigurar, no romance, o responsável pela difusão da senha, ordem de avanço

das colunas militares – senha difundida pelo jornalista louletano, Carlos Albino, no programa «Limite» da Rádio Renascença, às 00h20 minutos do dia 25 de Abril de 1974.

Por conseguinte, Salamida surge na obra como uma metáfora dos marginalizados pela História, que permaneceram íntegros, impolutos, desprendidos – e que serão cada vez menos nos tempos que correm, onde os holofotes atraem egos como as lâmpadas seduzem mosquitos, Ícaros queimados em brilhos ilusórios. Em contrapartida, inadaptado, exilado no seu reino de música, como um eterno adolescente, o sarcástico, inquieto, Salamida, procura incessantemente uma nova senha para uma nova revolução.

No final da apresentação, divulgo alguns minutos da gravação original, oferecida por Carlos e Manuel Tomás à fundação Mário Soares. «Grândola, Vila morena» ecoa, devidamente «embrulhada» em poemas de Carlos Albino para iludir a censura. A emoção desce sobre a sala, trespassando as ossadas das baleias, a letra aflora baixinho nos rostos, nos lábios. Canto de fraternidade, de resistência, de libertação, a acender esperança em tempos adversos.

O frio escuro da chegada, da incerteza, rasgado pela luz de um cravo e de uma canção, da qual Melville haveria de gostar.

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